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O PAPEL DAS DRAMÁTIZAÇÕES NO FESTIVAL DE OSÍRIS- EGITO ANTIGO

Tatiane Leal Barbosa1

RESUMO

O presente trabalho aborda um dos festivais religiosos que ocorreu no Antigo Egito,
precisamente no Médio Império, na XII Dinastia, conhecido por Festival de Osíris; tal festejo
celebrava a morte e ressurreição dessa divindade. Nessa perspectiva pretende-se demonstrar
que houve possíveis indícios de representações dramáticas nesse festival (no qual era
representado o Mito do deus Osíris), para tanto nos ateremos em apresentar descrições
contidas numa estela funerária de um funcionário do Faraó Senusret III.

Dessa forma, tende-se a considerar que tais dramatizações exerceram funções quanto
à reforçar a conexão do deus com as pessoas, intensificando a crença em Osíris, estaria ligada
a aspectos agrários, trazendo esperanças de renovação do solo, além de ser uma forma de
manutenção do poder real.

Palavras-chave: Festival de Osíris; dramatização; Antigo Egito.

ABSTRACT

The present work deals with one of the religious festivals that took place in Ancient
Egypt, precisely in the Middle Kingdom, in the XII Dynasty, known as Osiris Festival; such a
feast celebrated the death and resurrection of this deity. In this perspective we intend to
demonstrate that there were possible indications of dramatic representations in this festival (in
which the myth of the god Osiris was represented), so that we would be interested in
presenting descriptions contained in a funeral stele of an official of Pharaoh Senusret III.
Thus, one tends to consider that such dramatizations exerted functions as to
reinforce the connection of the god with the people, intensifying the belief in Osiris, would be
linked to agrarian aspects, bringing hopes of renewal of the soil, besides being a form of
maintenance of real power.

Keywords: Osiris Festival; dramatization; Ancient Egypt.

1
Graduada em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque de Caxias. Cursando Pós-
Graduação em História Antiga e Medieval pela Faculdade São Bento do Rio de Janeiro.
3
3

Introdução:

Sabemos através de autores que existem escassas pesquisas que tratam acerca de uma
possível dramatização no Antigo Egito, porém algumas investigações acadêmicas (mesmo
que ainda elementares sobre a temática aqui tratada) nos oferecem certa possibilidade para
analisarmos indícios de encenações, dramas entre o povo do Antigo Egito; assim como
Brancaglion Junior aborda que, com o deciframento dos hieróglifos e a observação cuidadosa
dos relevos, logo se tornou claro que os ritos egípcios haviam comportado cerimônias, com
características mímicas, que podem ser consideradas como rudimentos de uma arte
dramática2.

E é através de celebrações aos deuses que podemos observar aspectos dramáticos,


precisamente analisando os festivais no Antigo Egito; tratando nesse artigo especificamente
do Festival de Osíris.

O Festival de Osíris

Nesse artigo atendo-se ao festival de Osíris, conhecido por Festival Anual de Khoiakh
que celebrava a sua morte e ressurreição, era realizado nas cidades principais de todo o Egito3.

O festival em honra ao deus Osíris coincidia com a época das cheias do rio Nilo,
correspondente ao mês Akhet (inundação)4, e eram realizados em Ábidos, sendo este o centro
religioso mais importante do Egito5.

Com relação a realização dessa celebração, podemos verificar que não era um festejo
executado simplesmente para a diversão ou satisfação humana, como se sucede em sociedades
atuais, pois para os grupos humanos da antiguidade não havia uma separação entre atividades
laicas, ou profanas, e atividades sagradas6.

2
JUNIOR, Antonio Brancaglion. Os Mistérios e o Teatro no Egito Antigo. São Paulo: Clássica, 1996-1997,
p.11.
3
DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Antigo Egito; tradução Angela Machado, Rio de Janeiro: Bertrand,
2011. p. 212.
4
PETRUSKY, Maura Regina. Os Festivais Egípcios: Mito, Magia e Religiosidade. p. 356. In: BUENO, A.ndré;
ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton; NETO José Maria. Vários Orientes. Rio de Janeiro: União da
Vitória; Edições Sobre Ontens/ LAPHIS, 2017. p. 355- 361.
5
DAVID. op. cit., p. 487.
6
JOÃO, Maria Thereza David. A Religião no Antigo Oriente Próximo. In:___. Tópicos de História Antiga
Oriental. Curitiba: IBPEX, 2009. p. 79.
4

Dessa forma, as comemorações eram dedicadas a um deus especifico, sendo que o


deus Osíris exerceu um papel incomparavelmente importante na democratização das crenças
religiosas e tornou-se a deidade mais significativa do Médio Império7.

Antes de nos atermos aos aspectos relacionados ao Festival Osíriaco em si não


devemos deixar de mencionar algumas peculiaridades de Osíris para compreendermos melhor
sua relação com a população egípcia.

Ele era representado normalmente com os braços cruzados, envolto em ligaduras, em


atitude mumiforme, com a coroa branca hedjet, do Alto Egito, e empunhando os cetros hekat
e nekhakha nas mãos, junto ao peito. Umas vezes encontra-se de pé e noutras sentado num
trono com a coroa branca atef ladeada por duas plumas de avestruz. Estes conjuntos de
símbolos ligam-no diretamente ao poder de que o deus se encontra investido como soberano
do Mundo dos Mortos8.

Osíris tinha como suas cores o preto, identificado ao renascimento e a cor fértil da
terra e também com o verde, que representava a fecundidade, a vegetação e o renascimento 9.

Verificamos que Osíris foi um deus tão importante que agregou em si características
que condiziam a outros deuses como menciona Santos:

No Egito, absorveu atributos de fertilidade com os de natureza cíclica, como Andjet,


do Delta oriental, do qual tomou emprestada sua insígnia; Seker e Ptah de Mênfis, e
um importante deus funerário de Abidos, Khenti-Amentiu, o Senhor dos Ocidentais,
um dos principais epítetos e centro de culto do deus. A identificação com Khenti-
Amentiu ocorreu por volta da VIª dinastia, sendo mencionado no Texto das
Pirâmides um grande número de exemplos que se refere à fusão dos dois deuses10.

Por ser um deus tão importante não só em um determinado período, mas perpassando
dinastias a sua adoração atingia desde a nobreza até as camadas mais simples; os cultos a esse
deus eram realizados no interior de templos, porém podemos observar que no Festival anual
de Osíris algumas práticas eram realizadas fora do templo (assunto que mencionaremos

7
DAVID. op. cit., 210.
8
FILIPE, Pedro Miguel dos Reis. Deuses em Festa- Os grandes festivais religiosos do Império Novo: Os
Festivais de Khoiak de Mênfis e Abido. 2011. Monografia (Dissertação de Mestrado em História Antiga)-
Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, 2011. p. 71. Apud BAINES, John; MÁLEK, Jaromír, Atlas of Ancient
Egypt, Oxford, Equinox, 1980.
9
SANTOS, Poliane Vasconi dos. Religião e sociedade no Egito antigo: uma leitura do mito de Ísis e Osíris na
obra de Plutarco (I d.C.). 2003. Monografia (Dissertação de Mestrado em História)- Faculdade de Ciências e
Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista.Assis, São Paulo, p. 39. Apud MÁLEK, J.; BAINES, J. O
mundo egípcio. Deuses, templos e faraós. Trad. Maria Emília Vidigal. Madri: Edições Del Prado, 1996. p. 152.
10
SANTOS, P.V dos. op.cit., p.43.
5

posteriormente). Nesse festival se celebrava os eventos principais da vida, morte e


ressurreição do deus11, era recordado o Mito de Osíris.

É pertinente considerar a palavra mito mencionada nesse contexto, levando em


conta sua definição para compreendermos o quão importante o mesmo era para a sociedade
egípcia.
O mito conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no
tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos12.
O mito preenche, na cultura primitiva, uma função indispensável: expressa, dá vigor
e codifica o credo, salvaguarda e reforça a moralidade, responde à eficácia do ritual e contém
regras práticas para a orientação do homem. Desta forma, o mito é um ingrediente vital da
civilização humana, não um conto ocioso, mas uma força laboriosa e ativa, não é uma
explicação intelectual ou uma imagem da arte, mas uma carta de validade pragmática da fé
primitiva e da sabedoria moral13.
Dessa forma, observamos que o mito abriga em si o papel de extremo
reconhecimento para os egípcios na antiguidade, sendo assim o Mito de Osíris conectava o
homem comum ao deus. E o festival anual seria o momento para que esse mito fosse
recordado.
Existe uma estela de pedra, do oficial da corte Ikhernofret, que viveu durante o
reinado de Sesóstris III, na época da décima segunda dinastia. A estela traz gravadas as tarefas
de seu donatário, Ikhernofret, concernente ao templo de Abidos. (...) a parte de baixo (linhas
17- 23) referem-se a celebração dos mistérios de Osíris14.

Mistérios de Osíris e seus Aspectos Dramáticos

A estela de Ikhernofret abrange detalhes de como os mistérios de Osíris eram


realizados, e revela de certa forma em seu conteúdo aspectos dramáticos, sendo esse ponto

11
DAVID. op. cit., p. 261.
12
ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Trad. Manuela Torres. Lisboa: Edições 70. 1963. (Perspectivas do
homem; v. 19). p. 12.
13
MALINOWSKI, Bronisław Kasper. Magia, Ciencia e Religión. Trad. Antonio Pérez Ramos. Barcelona:
Planeta Agostini, 1948, p. 36-37.
14
BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. trad. de Maria Paula Zurawsdi, J. Guinsburg, Sergio
Coelho e Clóvis Garcia. São Paulo: Perspectiva, 2001. p. 12.
6

importante, pois a pretensão desse trabalho é analisar aspectos dramáticos nos mistérios de
Osíris e o papel que os mesmos cumpriam no Festival Osíriaco.
Determinados pesquisadores procuram averiguar a presença de drama em fontes
primárias egípcias, além da mencionada estela de Ikhernofret, que expõe indícios dramáticos;
como o egiptologista Gaston Maspero, em 1882, chamou a atenção para o caráter “dramático”
dos textos das pirâmides15, além de Georges Bénédite (...). Ele via nas cerimônias funerárias,
em especial as relacionadas com o mito de Osíris, representações de “mistérios” análogos às
representações mímicas das festas de Dioniso.16
Podemos nos informar também através de autores clássicos que visitaram o Egito,
como Heródoto que teria testemunhado uma cerimônia do episódio da ressurreição de Osíris e
Plutarco, ao narrar cerimônias em honra a Osíris17.

Não iremos nos ater aos relatos dos autores clássicos referidos acima, os mesmos são
mencionados para reforçarmos que houve possíveis sinais de representações dramáticas nos
cultos a Osíris; verificamos que tais autores são gregos e, portanto, tinham informações acerca
do gênero drama, portanto nos vale nessa conjuntura tentar expor, mesmo que seja de forma
singela acerca do drama para relaciona-lo aos mistérios de Osíris.

O drama tem de sua origem grega, um duplo sentido: o de agir e o de representar 18. Os
três grandes gêneros dramáticos, na Grécia e em Roma, foram a tragédia, a comédia e o drama
satírico.19 Queremos nos ater aqui à tragédia, pois como nos coloca Filipe:

Apesar de ter um desempenho aparentemente estático, Osíris não deixava de ser o


protagonista de uma autêntica “tragédia egípcia”, onde já se encontravam os três
elementos essenciais do drama que influenciou mais tarde o próprio teatro grego: o
agon (conflito) com o seu inimigo Set, o seu pathos (sofrimento ou paixão) e o
anagnoisis (renascimento), sinónimo de esperança e salvação.20

Dessa forma percebemos que o mito de Osíris se desenvolve em torno de aspectos


trágicos, e podemos observar isso nos detalhes fornecidos na estela do funcionário
Ikhernofret, o qual descreve os procedimentos realizados para a elaboração de encenações

15
BERTHOLD. op. cit., p. 10.
16
JUNIOR. op. cit., p.12.
17
Ibidem. p.12-13.
18
BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Universidade de Brasília. Brasília, 1982. Tradução Luiz Tupy
Caldas de Moura. Coleção Pensamento Politico. p. 5.
19
GRIMAL, Pierre. O Teatro Antigo. Lisboa: Edições 70, 1978. p. 25.
20
FILIPE. 2011, p. 84. Apud Mélina PERRAUD, “Les fêtes d'Osiris du mois de Khoiak - Mystères et rituels
dramatiques”, em Toutankhamon Magazine, 32, 2007, p. 28-30.
7

acerca do mito do deus Osíris, acerca disso Bielesch nos aborda que esses Mistérios como
colocado, podem ser divididos em cinco atos principais de acordo com a descrição da estela21.

1. Preparativos para o festival, em especial da barca neshemet, da capela e da estátua


de Osíris.

Eu dirigi o trabalho relacionado com a barca neshemet; Eu entalhei a cabine, Eu


adornei o corpo do Senhor de Abidos com lápis-lazúli, malaquita, electrum e todos
os tipos de pedras preciosas, dignas para adornar a carne de um deus. (Depois) Eu
adornei o deus com a sua indumentária, no meu ofício de Chefe do Mistério. Meu
ofício foi aquele de Sem (mestre das cerimônias rituais), para isto eu tenho mãos
puras para adornar o Deus, Eu sou um Sem com dedos purificados22.

2. Procissão triunfal de Osíris acompanhado por Wepwawet e repelência dos rebeldes


da barca neshemet.

Eu arranjei a Procissão de Wepwawet quando ele foi defender (vingar, apoiar) seu
pai.
Eu repeli aqueles os quais se rebelaram contra a barca neshemet e subjuguei os
inimigos de Osíris23.

3. Grande Procissão, momento no qual Osíris morre, sua tumba é então preparada e
ele é enterrado em Peker no qual ele recebe a coroa de justificação.

Eu dirigi a Grande Procissão e acompanhei o deus no seu caminho.


Eu fiz a barca divina navegar e Thot guiou a jornada.
Eu adornei a barca chamada “Ela que reluz para frente em verdade”, o Senhor de
Abidos com uma capela e coloquei nele (Osíris) belas jóias quando ele foi para a
localidade de Peker.
Eu conduzi o caminho do deus para a sua tumba em Peker 24.

21
BIELESCH, Simone Maria. O Festival de Khoiak: a celebração dos ciclos do Renascimento. São Paulo, n.2,
p. 5-33, jul. 2011. Angelus Novus, p. 17. Apud MORET, Alexandre. The Nile and the Egyptian Civilization.
Mineola, New York: Dover Publications, Inc., 2001 [1927]. p. 249-251.
22
Ibidem. p. 17.
23
BIELESCH. p. 17. Apud FRANKFORT, Henri. Kingship and the Gods – A Study of Ancient Near Eastern
Religion as the Integration of Society & Nature. 7ª edição. Chicago, Londres: The University of Chicago Press,
1948. p. 203.
24
BIELESCH. loc. cit.
8

4. Grande Batalha de Nedit na qual Osíris é vingado.

[...] Eu vinguei Unnefer, naquele dia da Grande Batalha, Eu subjuguei todos os


adversários nas margens de Nedit e Eu o fiz conduzir a grande barca, a qual carrega
sua beleza.25

5. Retorna triunfante Osíris à bordo da barca neshemet para o seu templo.

Eles viram a beleza da barca neshemet, assim que ela chegava em Abidos. Ela trazia
[Osíris, Primeiro dos Ocidentais, Senhor] de Abidos para o seu palácio. Eu segui o
deus para a sua casa. A sua purificação foi feita; seu trono foi feito espaçoso. Eu
soltei o nó no ---; [ele veio descansar entre] seus [companheiros], seu séquito.26

Nesses atos o oficial da corte menciona a organização dos “Mistérios de Osíris”, no


qual há a preparação da barca sagrada, a ornamentação de Osíris, além de se referir à batalha
contra os adversários de Osíris, sugerindo que haveria pessoas para compor a cena
representando os inimigos do deus, assim evidenciando aspectos de encenação; tudo indica
que Ikhernofret acumulava as funções do que denominamos diretor do espetáculo, visto que
lhe cabia orientar os sacerdotes - atores em seus respectivos papéis e indicar o local para a
representação das diferentes cenas.27

Em relação as cenas representadas acerca do Mito, verificamos que havia determinada


separação, acontecia que partes do drama eram realizadas em público e outra no interior do
templo como evidencia David:

Alguns ritos eram realizados dentro das áreas mais sagradas do templo, como o
“Levantamento do Pilar Djed”, quando os sacerdotes erguiam um pilar deitado (que
representava Osíris) para a posição ereta, significando a sua ressurreição. Entretanto,
outros estágios dos Mistérios de Osíris eram realizados fora do templo: a estátua do
deus era levada em procissão entre seu templo e a sua “tumba”, acompanhada de
cenas de combate realizados para recriar os eventos do seu reinado, morte e
ressurreição. Isso possibilitava que as pessoas comuns do povo, que tinham viajado
até Ábidos como peregrinos, participassem diretamente da celebração.28

25
Ibidem. p.18.
26
BIELESCH. p. 18. Apud LICHTHEIM, Miriam. Ancient Egyptian Literature, Vol. I: The Old and Middle
Kingdoms. Berkeley, Los Angeles, Londres: University of California Press, 1973. p. 125.
27
VIANA, Fausto; NETO, Antonio Heráclito C. Campello (org.). Introdução Histórica sobre Cenografia- os
primeiros rascunhos- São Paulo: Fausto Viana, 2010. p. 15.
28
DAVID. op. cit., loc. cit.
9

Berthold reforça essa ideia, quando nos coloca que a cena da morte provavelmente não
acontecia às vistas do público comum, como a crucificação no Gólgota, mas em segredo29, ou
seja, em “mistérios”, provavelmente por isso o nome “Mistérios de Osíris”.

Através desses processos, podemos observar os indícios de dramatização, mesmo que


sejam de forma rudimentar. E por meio dos atos realizados, se faz necessário nos atentar para
qual seja a função das possíveis encenações, ou seja, qual seria o papel das dramatizações no
Festival de Osíris.
Primeiramente podemos inferir que as apresentações sejam de cunho religioso, pois
são dedicadas a um deus; e vemos que esse deus cativava muitas pessoas, talvez a de ideia de
um homem-deus capaz de compreender e auxiliar os homens em suas necessidades fosse
muito mais atraente que o próprio deus intocável30, ou seja, Osíris sendo deus, mas provando
as dores como os humanos, as agonias da morte, aproximava-se assim do homem comum.
Fator importante relacionado a aproximação do povo com o deus, é que o culto de
Osíris prometia eternidade para todos, não somente para aqueles que pudessem ter recursos
para preparar enterros elaborados31, já que na percepção dos egípcios quanto a um deus que
poderia morrer como os seres humanos e novamente reviver lhes trariam também esse mesmo
benefício.
Assim vemos que as encenações poderiam reforçar essa conexão do deus com a
população para que a crença nessa divindade fosse ainda mais intensificada, pois ao
presenciarem o drama estariam de certa forma compartilhando seus anseios com o próprio
deus, tanto que Berthlod aborda que todos os participantes uniam-se em alta voz à
lamentações da esposa de Osíris32.
Outro ponto importante ligado ao papel dramático, seria aquele que se refere a
presença de Osíris como um deus da vegetação, que personificava o renascimento anual das
árvores e plantas após a inundação, sendo considerado doador da vida e fonte da fertilidade
para todo o país33; então podemos considerar que a dramatização do mito de Osíris estava
relacionado a aspectos agrários, e assim como o deus morria e ressuscitava, do mesmo modo
acontecia com as plantações, ou seja, diante do olhar do povo egípcio a encenação do mito
seria uma forma de projetar na mentalidade da população que apesar da labuta constante,

29
BERTHOLD. op. cit., 13.
30
SANTOS, P.V dos. op. cit., p. 37.
31
DAVID. op. cit., p. 28.
32
BERTHOLD, op. cit., loc. cit.
33
DAVID. op. cit., . 211-212.
10

marcada pela pobreza, doença e extrema incerteza34 quanto a improdutividade do solo haveria
renovação do mesmo, para que pudesse haver colheita.
Levando também em consideração a questão de que as dramatizações poderiam
colaborar para a manutenção do poder real, já que os faraós se rotulavam “Horús na Terra”,
considerando que Osíris deixou como seu sucessor direto seu filho Hórus e, assim, todos os
faraós consideravam-se seus descendentes diretos.35
Vinculado a isso, podemos verificar que no final do Antigo Império o poder politico e
econômico entrou em declínio, a divindade do rei ficou enfraquecida, de modo que por fim
ele passou a ser visto simplesmente como mais um regente entre vários.36 Assim, sobrevieram
modificações quanto a forma de se ver a realeza faraônica até o Médio Império; os reis da XII
Dinastia escolheram enfatizar suas qualidades pessoais como regentes, contudo o mito de que
era filho dos deuses ainda perdurou durante todo esse período37.
Em relação a essas mudanças quanto ao modo de visualizar a realeza não iremos
detalhar, porém se fez necessário mencionar, pois se observa, contudo que o mito de “Filho
dos deuses” permanece; não sabemos até que ponto era sustentado, mas que por meio do Mito
de Osíris podemos verificar que o rótulo de “Hórus” ( mencionado anteriormente) em relação
a faraó era estimulado, pois se percebe na encenação que a derrota dos inimigos de Osíris,
confirmaria a elevação de faraó como único e legitimo herdeiro de sua posição como o
“Senhor dos egípcios”38, ou seja, filho de um deus (Osíris), aquele que combate o mau
reestabelecendo a ordem e que governa os vivos; portanto percebemos na dramatização uma
forma de ilustrar ao povo a importância da realeza.

Enfim, considerando os pontos referidos nesse trabalho, pode-se atentar que a exibição
do Mito de Osíris possuía aspectos dramáticos, mesmo sendo de fundo litúrgico, e a estela
de Ikhernofret é uma fonte que reforça a perspectiva cênica.
Além da estela mencionada nesse trabalho, podemos encontrar indícios dramáticos em
outras fontes egípcias, como a estela de Mentuhotep, vizir do faraó Senusret I, Estela do
príncipe Seheteptibra, conselheiro do faraó Senusret III, além de uma estela encontrada em
Edfu, datada da XII dinastia39. Tais fontes não foram detalhadas nesse artigo, porém são

34
FILIPE. p. 24. Apud Ricardo CAMINOS, “O camponês”, em Sergio DONADONI (dir.), O Homem Egípcio,
Lisboa, Editorial Presença, 1994, pp. 13-36.
35
SANTOS, P.V dos. op. cit., p. 56.
36
DAVID. op. cit., p. 184-185.
37
Ibidem., p. 203-204.
38
PETRUSKI. op. cit., p. 360.
39
JÚNIOR. op. cit., p. 14.
11

citadas aqui, pois nelas contém indícios que intensificam que houve dramatizações no Egito
Antigo.
Compreendemos que tais dramatizações não se comparam as da Grécia Antiga, mas
através das informações que temos acerca do drama grego e das informações contidas na
estela de Ikhernofret podemos inferir que há indícios de drama no Mito de Osíris realizado no
Festival de Khoiak e que tais dramatizações tinham suas funções como apresentadas
anteriormente.
O que não sabemos é qual o caminho que este drama-litúrgico seguiu. Possivelmente,
representações litúrgicas teriam se transformado de ritual velado em drama aberto, de
mistérios secretos em teatro popular40.

40
Ibidem., p. 17.
12

BIBLIOGRAFIA

BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Universidade de Brasília. Brasília, 1982.


Tradução Luiz Tupy Caldas de Moura. Coleção Pensamento Politico.
BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. trad. de Maria Paula Zurawsdi, J.
Guinsburg, Sergio Coelho e Clóvis Garcia. São Paulo: Perspectiva, 2001.
BIELESCH, Simone Maria. O Festival de Khoiak: a celebração dos ciclos do Renascimento.
São Paulo, n.2, p. 5-33, jul. 2011 Angelus Novus.

DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Antigo Egito; tradução Angela Machado, Rio de
Janeiro: Bertrand, 2011.
ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Trad. Manuela Torres. Lisboa: Edições 70. 1963.
(Perspectivas do homem; v. 19).
FILIPE, Pedro Miguel dos Reis. Deuses em Festa- Os grandes festivais religiosos do Império
Novo: Os Festivais de Khoiak de Mênfis e Abido. 2011. Monografia (Dissertação de
Mestrado em História Antiga)- Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, 2011.
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História Antiga Oriental. Curitiba: IBPEX, 2009.
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1996-1997.
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PETRUSKY, Maura Regina. In: BUENO, André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton;
NETO José Maria. Vários Orientes. Rio de Janeiro: União da Vitória; Edições Sobre Ontens/
LAPHIS, 2017. p. 355- 361.
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