Um ensaio sobre a problematização da pesquisa. In: _____. Ensaios geográficos. São Paulo: Humanitas, 2008. p. 91-98.
Quando se trata de uma pesquisa científica, há uma relação de codependência entre a
fundamentação teórica, metodologias e instrumental técnico dos objetivos, do mesmo modo que os objetivos dependem dos problemas que o autor procura resolver, isto é, a dúvida motriz, a dúvida metodológica que move a atenção do pesquisador. Esta é a ideia que o ensaio teórico “Oh dúvida cruel” do geógrafo Antonio Venturi apresenta ao leitor. O ensaio procura demonstrar as questões que devem ser consideradas durante a construção de uma problemática, procura esclarecer a estrutura e a ontologia da “dúvida motriz”. Para dar conta deste objetivo, o texto é dividido em três partes. A primeira intitulada “A dúvida original” parte da situação problema: “Duvidar do que”? Iniciantes no labor da pesquisa tendem a formular questões e objetivos amplos, o que os inviabiliza técnica e metodologicamente. É preciso ter ciência que o pesquisador é limitado e que, por isso, é preciso escolher fragmentos da realidade ou alguns de seus aspectos e não a totalidade. Isso que dizer que o primeiro passo de um pesquisador é saber reconhecer os limites de uma pesquisa. Os passos seguintes remetem a escolha de um tema original, a fuga de objetivos “centrifugantes” e objetivos inatingíveis. Um bom objetivo remete a uma boa problemática. E como formular boas questões? As repostas a estas questões estão na segunda parte “A estrutura da dúvida”. Nela, o autor busca traçar a diferença entre uma dúvida científica e as dúvidas cotidianas. Uma inquietação advém da observação e da identificação das inadequações de certos aspectos da realidade – é, portanto, um “não saber”. A inquietação científica requer mais do que uma pergunta espontânea, deve ser acompanhada de algum saber que informa e limita a estrutura da dúvida. Para ser considerada científica, é preciso de uma interrogação, mas ao mesmo tempo é preciso indicar as possíveis respostas e um pré-saber. Isso quer dizer que está não é ingênua e muito menos cética (a incognoscibilidade da dúvida), isto é, só que aquilo que pode ser respondido teórico e empiricamente é dúvida científica. A terceira parte “Uma questão ontológica” demonstra que duvidar é uma questão iminente humana e que isto nos diferencia dos demais elementos da natureza. Só homem acumula conhecimento e é cognoscente da sua própria condição, e a dúvida contribui para isso, pois remete o homem para além de seu corpo na busca de compreensão do mundo. Ao final do texto, fica claro que somente boas indagações (questões mais restritas empiricamente, informadas teoricamente e possíveis de serem resolvidas) dão a origem a bons objetivos, e que bons objetivos remetem a bons referenciais teóricos, instrumental técnico e metodologias adequadas. O autor deixa como sugestão evitar a negação a priori, por razões dogmáticas ou preconceitos. Apesar do caráter introdutório, o ensaio de Venturi coloca questões importantes para os iniciantes da pesquisa: como duvidar, do que duvidar e quais os mecanismos necessários para que a dúvida seja científica. As questões são apresentadas de modo sucinto o que facilita a compreensão, no entanto, esta rapidez impede aprofundamentos teóricos e metodológicos mais amplos.