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experiência escolar
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 43, n. 4, p. 1023-1034, out./dez., 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201610148595 1023
The ideals of a humanistic education (bildung) and the
meaning of school experience
Abstract
Keywords
1024 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201610148595Educ. Pesqui., São Paulo, v. 43, n. 4, p. 1023-1034, out./dez., 2017..
Os ideais da formação humanista lugar de experiências; como um palco para
e o sentido da experiência escolar encontros intergeracionais mediados pelo
diálogo com um conjunto de objetos e práticas
Articular historicamente o passado não significa
conhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se
culturais. Isso não implica – é evidente – negar
de uma reminiscência tal como ela relampeja no a pertinência de uma perspectiva que busque
momento de um perigo. compreender a escola como um dispositivo
Walter Benjamin macrossocial a serviço, por exemplo, de uma
ordem econômica ou da conformação a uma
A sensação de que a instituição almejada configuração social. Mas exige uma
escolar vive uma profunda crise é bastante perspectiva analítica capaz de pôr em relevo a
generalizada, sobretudo entre intelectuais e especificidade da forma escolar, de suas práticas,
profissionais da educação. O consenso acerca de dos princípios que a animam e, sobretudo, dos
sua existência, no entanto, não tem implicado significados compartilhados que seus agentes lhe
qualquer concordância no que concerne aos atribuem em determinados contextos históricos.
elementos que a teriam precipitado ou mesmo E um dos mais claros sintomas de crise nesse
às características de sua atual configuração. Para âmbito pode ser detectado pela dificuldade atual
alguns, ela estaria vinculada à obsolescência em se imputar à experiência escolar qualquer
de práticas pedagógicas herdadas de formas sentido existencial e político que ultrapasse suas
escolares tradicionais, enquanto, para outros, alegadas funções econômicas ou seus supostos
a crise atingiria a própria legitimidade dos papéis na conformação e na reprodução de uma
conteúdos clássicos da educação escolar, cuja ordem social.
autoridade teria sido posta em questão a partir O desenvolvimento dessa hipótese – que
das transformações sociais e tecnológicas que vincula a crise da educação escolar ao esvaneci-
marcaram o século XX. Há também aqueles que mento de seu sentido político e existencial – exi-
associam a existência de uma crise na educação ge ainda um esforço preliminar com vistas a elu-
ao declínio da distinção social que a escola foi um cidar alguns de seus termos centrais: as noções
dia capaz de conferir aos poucos que logravam de “crise” e de “sentido”, conceitos complexos e
nela permanecer para além de seus anos iniciais. polissêmicos cujo campo semântico permite uma
Outros, ainda, evocam seu poder de normalizar série de acepções alternativas. Não é raro, por
condutas ou de reproduzir desigualdades sociais exemplo, que a noção de crise seja associada, de
a fim de desconstruir os discursos que atribuíam forma mais ou menos imediata, à ideia de declí-
à escola um potencial emancipador que lhe nio, decadência ou degeneração, muito prova-
conferia uma aura de prestígio social e político. velmente devido à generalização do uso que dela
A hipótese que guia estas reflexões, fazem os discursos econômicos.
mesmo sem a pretensão de polemizar diretamente De fato, nesse campo particular, o termo
com tais perspectivas críticas, procura associar crise tem sido em geral empregado para descrever
a noção de uma crise na educação escolar processos periódicos de desequilíbrio entre a
a um aspecto que nelas sói permanecer produção e o consumo ou ainda para caracterizar
oculto: o esvanecimento do sentido político o declínio e o subsequente desaparecimento
e existencial da experiência escolar. Trata-se, de um determinado modo de produção. Mas a
contudo, de uma hipótese que requer alguns generalização dessa acepção bastante específica
esclarecimentos prévios. Em primeiro lugar, do termo crise não deve obliterar a amplitude de
porque concebe a escola não exclusivamente seu campo semântico, nem a variedade histórica
como um aparato estatal e burocrático ao qual e conceitual à qual ele está sujeito. Daí a
se atribuem certas funções sociais e finalidades relevância de se investigar, mesmo que de forma
econômicas, mas também como um potencial sumária, a gênese de seu uso e as formas pelas
1026 José Sérgio Fonseca de CARVALHO. Os ideais da formação humanista e o sentido da experiência escolar.
criação de uma cultura de sustentabilidade, questões relativas, por exemplo, à eficácia ou
para nos atermos apenas a algumas das mais eficiência dos meios empregados na consecução
recorrentes finalidades a ela atribuídas. de um fim determinado. Nele, muitas vezes, não
A enunciação de um conjunto de é possível sequer isolar a forma escolhida do
finalidades econômicas e sociais para a educação próprio objetivo almejado. O êxito no ensino
escolar não deve, entretanto, ser tomada como em um campo de conhecimento, como a ciência
equivalente à atribuição de um sentido para sua ou a filosofia, jamais se dissocia dos próprios
existência. O caráter instrumental que marca valores que ele encarna, como a capacidade de
o uso da noção de “finalidade” (expresso pela testar uma hipótese ou de examinar criticamente
pergunta “para que serve...?”) vincula-se antes à seus argumentos, de sorte que uma formação
lógica da fabricação e do uso de objetos do que à científica ou filosófica dogmática encerra uma
atribuição de um sentido para uma experiência contradição em termos.
política ou pessoal, cuja relevância não pode Acresce-se a isso o fato de que há
ser reduzida à sua capacidade de produzir os um conjunto significativo de experiências
fins esperados a partir da escolha dos meios humanas cujo valor ou importância não
adequados. Vejamos alguns breves exemplos derivam de qualquer possível resultado que
capazes de ilustrar a distinção conceitual entre possam engendrar. Tais experiências têm,
as noções de finalidade e sentido. por assim dizer, um valor intrínseco, já que
Em geral, fabricamos uma mesa, por não necessariamente possuem uma utilidade
exemplo, não em função de qualquer sentido – imediata e, por vezes, sequer visam a atingir
ou valor intrínseco – que possamos atribuir ao um fim exterior à própria experiência que
seu processo de produção ou ao objeto final dele engendram. As relações de amizade, a
decorrente, mas em função de uma finalidade experiência da paternidade e o prazer de ler
prática que lhe é exterior. Noutras palavras, um poema são exemplos de experiências que
fabricamos ou compramos uma mesa por ela ser podem ter um profundo sentido existencial e
um meio conveniente ou necessário para um fim formativo para quem as vive, a despeito de sua
que lhe é exterior: ter um lugar para comer, apoiar vaga ou nula aplicabilidade prática imediata. E
um computador etc. Por outro lado, esse fim para experiências dotadas de sentido são formativas
o qual ela é um meio se transformará, também não pelo que permitem fabricar como fruto de
ele, em um novo meio para outro fim. Assim, seu aprendizado, mas pelo fato de operarem
fabricamos a mesa com a finalidade de apoiar transformações naqueles que por elas passam
um computador, que, por sua vez, transforma-se (CARVALHO, 2013). Por isso, uma experiência
em um meio cujo fim é escrever um artigo ou dotada de sentido formativo pode ser um
obter informações, o que, por sua vez, torna-se elemento definidor na constituição de um
um novo meio para outro fim. Cria-se, pois, uma sujeito, a despeito de sua pequena ou até nula
cadeia infinita de meios que se transformam utilidade prática.
em novos fins que são, contudo, carentes de Assim, o significado de uma experi-
qualquer significado, já que destinados a se ência formativa – ou seu sentido existencial
transformarem novamente em meros meios. e político – não equivale a qualquer eventu-
Ora, essa lógica instrumental – característica al finalidade instrumental. Ao contrário, sua
da produção e do uso de objetos – pode se compreensão desvela, antes, uma dignidade
tornar espúria quando aplicada ao âmbito da intrínseca à própria experiência, cuja razão
formação humana. Isso porque, nesse domínio de ser é a constituição de um sujeito e não a
particular – a exemplo de outros tantos produção de um indivíduo em conformidade
campos da interação humana –, os critérios de com demandas de cunho econômico ou social
julgamento e avaliação não são redutíveis às preestabelecidas.
1028 José Sérgio Fonseca de CARVALHO. Os ideais da formação humanista e o sentido da experiência escolar.
que interfere nessa lei é a faculdade de agir, Programática porque sua enunciação
uma vez que interrompe o curso inexorável implica um compromisso teórico fundado
e automático da vida cotidiana [...]. numa escolha valorativa – entre tantas outras
Prosseguindo na direção da morte, o período possíveis –, com eventuais decorrências práticas
de vida do homem arrastaria inevitavelmente e políticas. Mas não uma escolha arbitrária, visto
todas as coisas humanas para a ruína e a que se ancora numa concepção de educação cujas
destruição, se não fosse a faculdade humana raízes remontam a um acontecimento histórico
de interrompê-lo e iniciar algo novo, uma inaugural: a fundação dos ideais educacionais
faculdade inerente à ação que é como um que caracterizam o humanismo renascentista. A
lembrete sempre-presente de que os homens, partir deles, a instituição escolar assume um novo
embora devam morrer, não nascem para papel social, pois não visa mais à preparação de
morrer, mas para começar. (ARENDT, 2010, um profissional especializado, mas à formação
p. 307, grifos nossos). integral do homem e do cidadão. Trata-se, pois,
de um acontecimento histórico que terá no
Foi a radicalidade da questão formulada âmbito da educação um papel análogo ao da
por Arendt – e os caminhos trilhados na democracia ateniense ou da república romana
proposição de sua resposta – que inspiraram a para a política: o de uma experiência fundadora
transposição dessa interrogação para o âmbito da qual emanam princípios capazes de inspirar
específico da experiência escolar: teria ela ainda ações e orientar as inevitáveis transformações
algum sentido numa sociedade que trata o passado históricas a que uma instituição social está
como obsoleto e o futuro como ameaçador? sempre sujeita. Assim, é no princípio da formação
Tampouco nesse caso se deve tomar a forma educacional humanista – entendido em sua dupla
interrogativa como indício de ceticismo. Tal como acepção de início e de preceito orientador3 – que
em Arendt, trata-se de uma pergunta antiniilista se funda essa concepção de formação como a
que se formula em oposição a um processo de constituição de um sujeito em seu vínculo com o
crescente submissão da educação escolar a uma legado histórico de um mundo comum.
racionalidade instrumental que procura reduzir o
ideal de uma formação educacional aos objetivos A formação humanista como
pragmáticos de uma conformação social ditada princípio inspirador da dignidade
por imperativos econômicos. Um processo que, da experiência escolar
à força de tentar imprimir à escola toda sorte
de finalidades extrínsecas, dela parece retirar Se, como propõe Arendt (2006, p.
qualquer sentido intrínseco. Um processo, pois, 153, tradução nossa), “é, de fato, difícil e até
que reduz a experiência escolar a um meio cujo mesmo enganoso falar em política e em seus
fim tem sido a mera adaptação funcional dos princípios sem recorrer, em alguma medida,
indivíduos aos reclamos de produção e consumo às experiências da antiguidade grega e
das sociedades contemporâneas, de forma a romana”, o mesmo parece valer para o legado
despojá-la de seu sentido intrínseco: a iniciação do humanismo renascentista no âmbito da
dos mais novos em heranças simbólicas capazes educação. Ele se erigiu em referência histórica
de dar inteligibilidade à experiência humana e conceitual dos discursos educacionais porque
e durabilidade ao mundo comum (CARVALHO, é fundamentalmente a partir de seus ideais e de
2013). Localizar nesses aspectos – a constituição de suas práticas que a formação escolar adquire
um sujeito e sua vinculação ao mundo comum – 3- Mesmo em seu uso ordinário, a língua portuguesa engloba e vincula
a razão de ser da educação escolar não é uma essas duas acepções da palavra princípio. Houaiss (2008) a define como:
“(1) o primeiro momento da existência (de algo), ou de uma ação ou
arbitrariedade, ainda que inevitavelmente seja processo [...]; (2) o que serve de base a alguma coisa; causa primeira,
uma escolha programática (SCHEFFLER, 1968). raiz, razão”.
1030 José Sérgio Fonseca de CARVALHO. Os ideais da formação humanista e o sentido da experiência escolar.
condição humana; daí sua dedicação ao estudo como pré-requisito para sua inserção em um
sistemático da filosofia, das criações poéticas e determinado estamento social.
da dramaturgia.4 Tal ruptura com a herança escolástica
Ainda mais importante é o fato de que, não decorre, pois, de inovações no campo
com o advento das escolas gregas, a figura das práticas pedagógicas. Estas pouco diferem
do preceptor pouco a pouco cede seu lugar dos procedimentos que caracterizavam a
à do professor que se dirige a um grupo de escola latina medieval, mas apresentam duas
estudantes – portanto, a um público –, e não a inovações que imprimem um novo sentido para
um indivíduo isolado. Forma-se, assim, a noção a escola enquanto espaço de formação:
de escola como uma comunidade – por vezes
bastante semelhante a uma confraria religiosa – O humanismo impôs aos ginásios de seu
na qual mestres e estudantes compartilham a tempo seu ideal de uma Antiguidade
tarefa do estudo e da formação, entendida como separada pela história. Para o homem
uma busca de autocompreensão do humano e da Idade Média, a Antiguidade jamais
de seu papel no cosmos. É essa tradição que havia cessado [...]. Para o humanista, ao
será evocada – e não simplesmente restaurada, contrário, a Antiguidade foi uma era de
mas renovada – a partir do Renascimento perfeição seguida de um longo período de
Carolíngio, tomando sua forma mais radical barbárie. Tratava-se menos de continuar a
e profunda com o advento das instituições Antiguidade [como no caso dos medievais]
escolares idealizadas pelo humanismo no século do que de retomá-la pela restauração da
XV. Ao incorporar as práticas pedagógicas língua e pela familiaridade com os autores
institucionais desenvolvidas pela escola [...]. O contato com os autores antigos não
latina medieval, mas vinculando-as aos ideais se vinculava a fins utilitários, nem mesmo
clássicos de formação, a educação humanista no que concerne ao aprimoramento da
funda uma nova modalidade de relação entre língua, mas a algo verdadeiramente novo:
a formação escolar e o domínio público. Nessa à formação do espírito, já que ele permitia
nova configuração escolar, a relação com a aos contemporâneos aproximarem-se dos
cultura letrada5 e com as artes clássicas passa grandes modelos antigos. Com a concepção
a ser concebida como elemento constitutivo humanista de Antiguidade, aparecia,
da formação integral do homem, e não mais tanto no ensino como na sociedade, a
noção até então desconhecida de cultura
4- Em Protágoras, há uma passagem na qual é possível vislumbrar geral, por muito tempo identificada como
o significativo papel educativo então atribuído à leitura e à análise da
poesia. Em um desafio dirigido a Sócrates, o grande sofista de Abdera “humanidades”. (ARIÈS, 2003, p. 9, grifos
afirma: “Um dos pontos fundamentais da educação é o conhecimento a nossos, tradução nossa).
fundo da poesia, a saber, a capacidade de discernir nas obras dos poetas
o que foi dito com acerto e o que não foi, bem como a de explicá-las e
de saber fundamentar, quando interrogado, suas conclusões” (PLATÃO, Diferentemente de sua antecessora, a
2002, p. 89). Em que pesem as profundas divergências entre os ideais escola renascentista não atribuía um valor
formativos de Sócrates e Protágoras, é notável o fato de que ambos
reconhecem o valor formativo da poesia. apenas instrumental ao conhecimento; ela o
5- A expressão cultura letrada é aqui empregada na acepção que lhe estimava por seu potencial formativo. Não lhe
confere Havelock (1996, p. 59, grifos nossos), para quem “a cultura letrada
não pode ser definida como coextensiva à existência histórica da escrita no
interessava a preparação de especialistas, mas
Egito ou na Mesopotâmia [...] [porque], embora a cultura letrada dependa a formação de homens que, para além das
da técnica utilizada na inscrição, ela não se define apenas pela existência diferenças ligadas à profissão, origem social
dessa técnica. É uma condição social que pode ser definida apenas em
termos de leitura”. Assim, a existência da cultura letrada pressupõe um ou crença religiosa, partilhassem uma cultura
público leitor e uma forma de vida na qual essa atividade ocupe um lugar comum e a responsabilidade pelos rumos
central na circulação do saber. Nesse sentido, o humanismo a faz renascer,
já que a leitura e a escrita permaneceram sendo, durante a maior parte da históricos de sua res publica. É nesse sentido
Idade Média, privilégios de um grupo social bastante restrito. que o contato com a poesia, a filosofia, as
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essa liberdade tão paradoxal, ele atribui à política; um esforço histórico de constituição do
educação a missão de liberar o homem, de humano a partir das diversas linguagens às quais
não o definir nem o coagir, de dar-lhe todo o os homens recorrem na busca de compreensão
poder em relação à consciência de si mesmo. de sua condição de habitante de um mundo
Educar o homem é torná-lo consciente de si que se estende para além de sua existência
mesmo, de seu lugar no mundo e na história. individual, tanto no passado como no futuro. O
O estudo dos antigos e de sua língua deveria ideal humanista de educação se apresenta, nesse
justamente servir a esse fim: levar o homem, sentido, como um tempo de formação no qual
para além de qualquer definição, a se sentir cada novo habitante do mundo é reconhecido
senhor de si mesmo. (GARIN, 2003, p. 218, como um sujeito de aprendizagem; e como um
tradução nossa). espaço de formação no qual, a partir do diálogo
com uma pluralidade de vozes e linguagens que
Ora, o que esse excerto de Garin nos herdamos do passado, constituímo-nos como
sugere é, pois, que o sentido último da formação sujeitos do presente.
humanista é seu potencial caráter emancipador: Concebida como uma oportunidade de
a liberdade no mundo e a consciência de si diálogo com objetos da cultura e com o contexto
mesmo. Não a consciência de um indivíduo histórico em que eles vieram a se constituir como
apartado da pluralidade dos homens que habitam um legado simbólico potencialmente comum, a
um mundo comum, mas antes a formação de um formação escolar ganha um sentido que ultrapassa
ser singular que se constitui por meio “de sua qualquer eventual finalidade pragmática que
relação com a humanidade e com sua obra na seus conteúdos possam conter. A essência do
história” (GARIN, 2003, p. 16, tradução nossa). humanismo é, como nos recorda Arendt, a cultura
Assim, se é possível apontar um animi: o cultivo desinteressado do espírito e do
princípio fundamental da educação humanista, gosto; da capacidade de fruir, apreciar e julgar as
este reside menos nos conteúdos cristalizados instituições e obras que integram nosso mundo
por uma experiência histórica determinada comum. Ele se vincula menos a um conteúdo
do que no espírito que a moveu em direção a cultural específico do que a uma forma de lidar
essa escolha. É na recusa à subserviência da com o mundo ou a um tipo de “atitude que sabe
cultura a qualquer sorte de instrumentalismo como preservar, admirar e cuidar das coisas do
imediato que radicam o ideal de uma educação mundo” (ARENDT, 2006, p. 222, tradução nossa).
emancipadora e o sentido de uma formação Uma atitude que faz dos diversos legados culturais
escolar que com ela se comprometa. Nessa que coabitam nosso mundo contemporâneo
perspectiva, pouco importa se a cultura com uma potencial herança comum. Uma herança
a qual a instituição escolar dialoga é a da que nos chega sem testamento e que, portanto,
Antiguidade clássica, a do Iluminismo europeu, exige de nós a coragem e a responsabilidade
a dos povos americanos pré-colombianos ou de fazer julgamentos e escolhas. Essas escolhas
aquela presente em suas manifestações mais serão dignas da herança humanista na medida
recentes e pontuais. O que importa é a iniciação em que atualizarem seu compromisso ético e
dos mais novos em um diálogo com um legado político de propiciar aos que chegam ao mundo a
de realizações e experiências simbólicas que oportunidade de “escolher suas companhias entre
representem os esforços humanos não só a fim homens, entre coisas e entre pensamentos, tanto
de prover sua subsistência, mas também de no presente como no passado” (ARENDT, 2006,
atribuir um sentido à sua existência social e p. 222, tradução nossa).
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José Sérgio Fonseca de Carvalho é livre-docente em filosofia da educação pela Faculdade de Educação da Universidade
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Direitos Humanos, Democracia, Política e Memória (GPDH) no Instituto de Estudos Avançados da USP.
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