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Resumo:
Os movimentos em prol do planeta estão cada vez mais a ganhar importância e adeptos,
forçando as organizações a posicionarem-se como defensoras ambientais ou, pelo
menos, a mostrar que estão comprometidas com o desenvolvimento sustentável. Neste
contexto, a empresa tende a construir a sua marca por meio de sistemas de
representação das identidades, das suas relações e dos seus discursos de forma a atrair
potenciais clientes.
A marca como instrumento simbólico é constituída por muitos artefactos, sendo a
linguagem um dos mais importantes. Analisaremos o discurso da marca na sua vertente
ideológica, concentrando-nos na análise das marcas Natura (Brasil) e NaturaPura
(Ibérica), examinando os aspectos jurídico e multimodal, de modo a identificar em
análise qualitativa os padrões de coerência presentes na construção e consolidação do
discurso das duas marcas.
O presente estudo enquadra-se na Análise Crítica do Discurso (Fairclough 2003, 2006),
recorrendo à Semiótica Social (Kress 2003, Kress and van Leeuwen 1996, 2001, van
Leeuwen 2005) como instrumento de análise.
Como resultado, esperamos contribuir para a:
(i) definição do conceito do discurso da marca;
(ii) aplicação do discurso da marca nas práticas sociais, ou seja, sensibilizar o gestor
para as estratégias de construção e consolidação da marca pelo discurso, pois os
consumidores, utilizando-se dos novos media, estão em constante policiamento
dos comportamentos das marcas;
(iii) reflexão sobre a coerência na construção da marca, quer seja na representação
quer nas práticas discursivas de modo a propiciar a adesão e a fidelização dos
consumidores.
Introdução
As marcas são formas simbólicas e como tal não existem por si só. Elas são produzidas
e recebidas por pessoas situadas em locais específicos, agindo e reagindo a tempos
particulares e a determinadas circunstâncias. Seu campo de interação é formado por um
conjunto de trajetórias que determinam as relações entre as pessoas e empregam
variados tipos e quantidades de recursos, regras e convenções. Além disso, as formas
simbólicas são intercambiadas entre pessoas, por isso, precisam de algum meio de
transmissão, substrato material (para produzir e transmitir); supõem certas habilidades,
regras e recursos para codificar e decodificar mensagens (Thompson, 1995).
No que diz respeito aos meios técnicos de transmissão, as novas tecnologias são fortes
aliadas na construção do relacionamento da marca com seus públicos. E-Branding, por
exemplo, é uma tendência de comunicação que desenvolve a criação da imagem de uma
marca digital, explorando estratégias de comunicação on-line das organizações, dando
conta de fatores e variáveis que condicionam o desenho da empresa na Internet e seu
posicionamento estratégico nela, com base em instrumentos da Web 2.0, que originam
novos consumidores, experiências e comportamentos cada vez mais interativos.
A American Marketing Association (AMA) define marca como “nome, termo, símbolo,
desenho ou combinação desses elementos que deve identificar os bens ou serviços de
um fornecedor ou grupo de fornecedores e diferenciá-los da concorrência” (Keller,
2005: 2). Sampaio (2002: 26) considera-a como “síntese da experiência de valor vivida
pelos consumidores em relação a cada um dos inúmeros produtos, serviços, empresas,
instituições ou, mesmo, pessoas com as quais eles se relacionam”. Já Aaker (2002: 01)
afirma que a marca é “um bem intangível de toda a empresa e que determina desde o
preço das ações até a fidelidade do cliente”.
De acordo com definição sobre marcas dada pela Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (WIPO, 20081):
Las marcas son signos distintivos que se utilizan para diferenciar productos
y servicios idénticos o similares ofrecidos por distintos productores o
proveedores de servicios. Las marcas son un tipo de propiedad industrial y
por ello los derechos que confieren están protegidos por la legislación.
1
Informação disponível na Internet.
2
TRIP – tratado internacional Também chamado de Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da
Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (ADPIC).
Pelo entendimento do TRIPs, a marca deve constituir em sinal visualmente perceptível.
Os sinais visualmente perceptíveis devem revestir-se de distintividade, para se
prestarem a assinalar e distinguir produtos ou serviços dos demais, de procedência
diversa.
Segundo a Lei Brasileira, marca é todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que
identifica e distingue produtos e serviços de outros análogos, de procedência diversa,
bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou
especificações técnicas:
Artigo 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos
visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.
Logo, podem ser consideradas como marcas, os signos visuais, desde que atendam aos
requisitos de distintividade (o signo, visualmente perceptível, deve exercer a função de
distinguir um produto ou serviço, de outro), veracidade (o signo deve ser criado com a
intenção de distinguir produtos – não como forma de lesar o concorrente/consumidor) e
novidade relativa (o caráter de novidade em relação a outras já existentes no mercado,
quer dizer que os signos devem ser distintos entre si, para impedir confusão quanto ao
fornecedor de produtos/serviços). Se considerarmos esses requisitos, verificaremos que
existe um imenso número de possibilidades de uso de signos para caracterização de
marcas que podem depender da sua natureza ou da sua apresentação.
No que concerne ao seu uso, as marcas podem se distinguir de acordo com sua natureza:
Produto, Serviço, Coletiva e Certificação. E, quanto à apresentação, as marcas
apresentam as seguintes características: Nominativa, Mista, Figurativa e
Tridimensional (INPI, 2008).
Lindstrom (2007) afirma que a marca é multissensorial, pois é percebida por todos os
cinco sentidos, e não apenas o visual. Ela é vivida pelos públicos. Essas experiências
sensoriais da marca são fundamentais para a fidelização, para a criação de uma “aura
pública”, como propõe Baldissera (2003: 06), visto que a
O Discurso da Marca
“Há cerca de dois anos dei-me conta que já não era uma pessoa, mas uma marca”
Martha Stewart (autora, consultora e colunista norte-americana de assuntos femininos e do lar)
Autores como Mills (1997) e Hasan (1996) aludem a fluidez do conceito de discurso,
referindo-se ao uso que vários autores fazem dele e sugerem algumas definições
operatórias. Resultante da apropriação do conceito por várias disciplinas, abordagens e
autores, das consequentes e inúmeras variações, a semântica do termo requer, assim, a
explicitação do seu uso no contexto do trabalho de pesquisa sobre marca.
3
Transcênica – transcende os cenários estrategicamente preparados.
O conceito de discurso é usado aqui para referir-se à linguagem, concebida como uma
prática social, em contextos sociais reconhecidos como bem define Fairclough (1995 e
2003). Deste modo, quando falamos em marcas, estas podem direcionar-se à empresa,
ao produto, ao serviço, manifestando também alguma fluidez no uso. Considerando a
definição densamente codificada de discurso e a fluidez do uso da marca, passaremos a
clarificar o nosso entendimento de discurso da marca.
Todas as práticas sociais envolvem formas de trabalho. Para Fairclough (2000: 168),
todas as práticas sociais são práticas de produção – trabalho. Ao declarar que todas as
práticas sociais são trabalho, o autor explica que não pretende relegar o conceito a um
reducionismo econômico, mas antes insistir que as pessoas em colaboração produzem
as suas vidas sociais em todos os domínios do quotidiano, de modo que a produção
econômica é apenas uma forma especial de produção social.
Os gêneros são constituídos pelas diversas formas de agir, de produzir vida social, de
uma forma semiótica. No dia-a-dia da vida de uma empresa, diversos são os gêneros
que constituem a prática social da empresa, como, por exemplo, planificação de
atividades a longo, médio e curto prazo, reuniões diversas, entrevistas, conversas
informais, conversas telefônicas, cartas a fornecedores e/ou clientes, correio eletrônico,
faxes, relatórios etc. Todas estas atividades integram a linguagem como parte da ação.
Estas práticas (linguagem como ação) são determinantes na construção do discurso da
marca.
Cada empresa tem a sua própria linguagem, uma versão própria da sua história, seus
mitos, seus heróis. Esta linguagem própria é parte da identificação, isto é, é parte
integrante da constituição das identidades (estilos). Refira-se, a título exemplificativo,
parte da forma como Margareth Tacher ou Tony Blair, no Reino Unido, construíram as
suas identidades, como Primeiros-Ministros, está intimamente ligada à forma como
construíram discursivamente as suas identidades como líderes, como é o caso de Barak
Obama nos EUA, que usa a linguagem na construção do seu Discurso que funciona
como uma marca.
As formas como os humanos usam a linguagem são classificadas por Halliday (1994)
em 3 grandes categorias (metafunções): A metafunção ideacional (a linguagem é usada
para organizar, compreender e expressar as nossas percepções do mundo físico e
interior). A metafunção interpessoal (a linguagem é usada para nos possibilitar a
comunicação e interacção com os outros). A metafunção textual (a linguagem é usada
para relatar aquilo que é dito ou escrito. Isto envolve a linguagem na organização do
próprio texto.
O recurso às estratégias semióticas das práticas sociais acima enunciadas permitem
configurar os recursos da marca e identificar a consonância ou não dos diferentes
elementos constitutivos da marca de forma a vermos a discurso da marca como uma
entidade viva construída de forma harmoniosa.
A breve análise comparativa do discurso on-line das marcas Natura e NaturaPura busca
exemplificar essa reflexão, mostrando que por meio de pesquisas – que analisam
importantes elementos como os cenários coletivos, os contextos sócio-históricos, as
variáveis antropológicas dos públicos e os imaginários individuais e coletivos (Brand
Research) – as marcas se apropriam do que é mais caro à sociedade, para construir
discursos que resultem na imagem-conceito que causará a
empatia/simpatia/identificação do público, permitindo que as mesmas alcancem seus
objetivos comunicacionais e mercadológicos.
Em seu discurso verbal, a Natura se posiciona como uma empresa identificada com
comunidade e comprometida com a “construção de um mundo melhor através da
melhor relação consigo mesmas, com o outro, com a natureza da qual fazem parte e
com o todo” (Natura, 2009). Este discurso, reforçado pelo seu discurso visual (Fig, 02),
provoca a empatia/simpatia/identificação do público, contribuindo na construção de
uma imagem-conceito positiva para a marca.
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NCL(8 ) 05 - preparações farmacêuticas e veterinárias; preparações higiênicas para uso medicinal;
substâncias dietéticas adaptadas para uso medicinal, alimentos para bebês; emplastros, materiais para
curativos; material para obturações dentárias, cera dentária; desinfetantes; preparações para destruição de
vermes; fungicidas, herbicidas (INPI, 2008).
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Classe 40 - compreende serviços não previstos nas classes 36, 37, 38, 39 e 41./ Classe 15 - serviços
auxiliares ao comércio de mercadorias, inclusive à importação e à exportação (INPI, 2008).
Figura 02: Página da Natura
Fonte: Natura 2009
Segundo a Revista Exame (2008), a Natura foi considerada a Empresa do Ano por
possuir “o gene da sustentabilidade em seu negócio”, pois a mesma tem a “preocupação
com a sustentabilidade impregnada em sua estratégia desde a fundação, em 1969, e
também esteve presente entre os destaques nas nove edições do Guia de
Sustentabilidade”.
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Michael Porter critica as organizações que têm uma estratégia econômica e outra para a
responsabilidade social (Exame, 2008).
Segundo informações contidas em sua página na Internet, o objetivo da Empresa é
“oferecer aos seus clientes uma verdadeira alternativa ecológica em têxteis lar e em
vestuário de bebé dos 0 aos 24 meses” [grifos nossos]. Em seus produtos, a Empresa usa
fibras 100% naturais e exclue da produção elementos químicos e substâncias nociva à
saúde, “geralmente usados na produção têxtil tradicional” (NaturaPura, 2009).
Para reforçar seu discurso verbal, na abertura de sua página na Internet, a marca
reproduz o resultado dos testes da DECO PROTESTE que, com o título “pijamas de
criança com químicos nocivos”, denuncia marcas concorrentes da NaturaPura. Nesta
mesma matéria há vínculo com o “Rótulo Ecológico Europeu”, que é exibido em lugar
de destaque em sua página, conferindo-lhe credibilidade.
Considerações Finais
Assim, em face desse novo discurso globalizado, o mundo empresarial das grandes
marcas não está imune a essas mudanças discursivas e aos reflexos dessas alterações
profundas das práticas discursivas já consolidadas ou em processo de mudança, as quais
deságuam no discurso das marcas, diretamente sintonizado com os recursos midiáticos,
tecnológicos e multimodais oferecidos pela Internet.
Logo, para uma empresa manter atualizada a sua marca deve, em primeiro lugar, atentar
para as mudanças do discurso, pois, se certa empresa não acompanhá-las, certamente
verá a sua marca tornar-se obsoleta e anacrônica. E isto significa a morte de seu
negócio. Vivemos, então, um momento discursivo, no qual as marcas devem se tornar
camaleônicas, ajustando-se aos novos tempos. O caso aqui apresentado da Natura
brasileira e NaturaPura Ibérica é um exemplo pertinente, pois ambas as marcas
acompanharam o discurso ecológico mundial e passaram a incorporar à marca a questão
da sustentabilidade. Daí a coerência das duas marcas.
Por fim, a construção multimodal do significado no discurso das marcas deve se ajustar
ao que é ensinado por Kress e van Leeuwen (2006:2) quando dizem que a representação
signíca deve ser sempre múltipla, negando-lhe, por esse princípio, a existência fixa e
unívoca do signo. Acreditam eles que os significados são construídos por agentes do
discurso de modo intencional e não–arbitrário e por meio de multissignos, que enfeixam
uma gama variada de semioses. Logo, de posse dessa posição teórica, podemos afirmar
com segurança que as marcas devem ser revisionadas, agregando-lhes sempres novas
semioses que possam traduzir mais completamente o discurso para as marcas. Desse
modo, acreditamos que a teoria multimodal, a par da Análise Crítica do Discurso podem
contribuir para o estudo do discurso das marcas.
Referências bibliográficas:
Aaker, David (2002). O ABC do valor da marca. In HSM Management, São Paulo: nº
31, Março-Abril.
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Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, p. 192.
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_____ (2000). Discourse, social theory, and social research: The discourse of welfare
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_____ (2003). Analysing discourse: textual analysis for social research. London:
Routledge.
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Keller, Kevin (2005). Gestão Estratégica de Marcas. São Paulo: Pearson – Prentice
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Kress, G. e van Leeuwen, T (1996). Reading images: the grammar of visual design.
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Kress, G (1996). „Multimodal texts and critical discourse analysis‟. In: Proceedings of
the First Internacional Conference on Discourse Analysis. Compilado por Emília
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Mollerup, Per (2000). Marks of Excellence: the history and taxonomy of trademarks.
London: Phaidon.
Penteado, Luciano de Camargo (2008). Direito das Coisas. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais.
Thompson, John (1995). Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa. Trad. Grupo de Estudos sobre Ideologia,
Comunicação e Representações Sociais da PUC/RS. Petrópolis, RJ: Vozes.
Van Leeuwen, T (2005). Introducing Social Semiotics. Londres e Nova York:
Routledge.