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O Decálogo e o Sábado

Buber, ao tratar da tradução feita por ele e Rosenzweig do texto bíblico


hebraico para o alemão, aponta para a direção de buscar entender o ritmo do
texto, sua estrutura/forma para que junto com isso emerja o significado, o
conteúdo, como ele mesmo afirma: "[...] o conteúdo subsiste através de sua
própria e inseparável forma[...]"1 (BUBER e ROSENZWEIG, 1984, p. 28).

A proposta desse artigo é exatamente procurar entender a cadência do


texto de Êxodo 20:1-172, e através da forma do mesmo, perceber o conteúdo,
com especial atenção ao trecho que trata do sábado (Ex. 20:8-11). Para isso,
primeiro será estabelecido o contexto da aliança em que se encontra o texto
analisado para depois apresentar uma análise dos elementos literários que o
compõem, terminando com uma proposta estrutural que se estabeleça a partir
da análise anterior.

O CONTEXTO DO DECÁLOGO E A ALIANÇA

Há muito o texto de Êxodo 20 (e Deuteronômio 5) é arrolado como similar


aos tratados de suserania do Antigo Oriente Médio (cf. Kline, 2012, p. 13-14)
em especial aos tratados políticos Hititas (cf. Mendenhall, 2001, p. 57). Essa
similaridade se dá pela presença de seções comuns no processo de se regular
a relação entre entidades diferentes, no caso dos tratados políticos, entre o
suserano e o vassalo, no caso bíblico, Deus e o povo.

Mendenhal aponta, inclusive, para a inovação dessa situação no que se


refere a religião, visto que o mais comum no Antigo Oriente Médio (AOM) era
mostrar o relacionamento entre a divindade e o homem comum através de um

1
"[...] the content subsists throughout in its own inseparable form [...]". Todas as traduções para
o português foram feitas pelo autor do artigo, mas serão apresentadas, também, em suas
versões de origem em notas de rodapé.
2
A versificação é discrepante entre as edições da BHS (Biblia Hebraica Stuttgartensia) e BHL
(Biblia Hebraica Leningradensia), basicamente porque a primeira coloca quatro mandamentos
(sexto, sétimo, oitavo e nono) como versos separados, enquanto a segunda não, ou seja, na
BHS temos os mandamentos entre os versos 2-17 de Êxodo, e na BHL entre 2-13 (TOV, 1992,
p. 5). Para facilidade do leitor, será mantida a divisão em versos da BHS, que é semelhante as
edições em língua portuguesa.
conjunto de intermediários, enquanto no caso bíblico, Deus estabelece,
diretamente, um relacionamento com o povo que Ele escolheu (cf. Mendenhall,
2001, p. 57-58).

Assim, em Ex. 20:2, estão o preâmbulo e o fundamento histórico, duas


das características dos tratados políticos hititas. Em Ex. 20:3 até 23:19,
encontramos as estipulações, enquanto em Ex. 23:20-23 estão listadas
bençãos e maldições. Por fim, em Ex. 24:4-7 são dadas as recomendações
para leitura do texto (cf. House, 1998, p. 117). Esse contexto literário análogo
demonstra que Ex. 20:2-17 é mais do que um corpus legal, mas um processo
de aliança (cf. Kline, 2012, p. 17)3. Umberto Cassuto coloca da seguinte
maneira:

Eles4 tratam o Decálogo como um documento isolado, como


uma unidade independente. Mas retirando uma passagem
literária de seu contexto, nós nos excluímos de entendê-la. As
Dez Palavras nos foram dadas em uma moldura e não podem
ser consideradas fora dela. Elas ocorrem aqui, na história da
Aliança feita entre o Senhor e Israel [...].5 (CASSUTO, 2005, p.
239)

Aliás, o próprio texto bíblico se refere a Ex. 20:2-17 com a idéia de


aliança, pois temos em Ex. 34:28 a expressão "palavras da aliança, as dez
palavras" (‫ֲשׂ ֶרת הַדְּ ב ִ ִָֽרים‬
ֶ֖ ֶ ‫)דִּ ב ְֵ֣רי ַהבּ ְִִ֔רית ע‬. E assim ficou conhecido o texto, tanto
que os judeus de Alexandria, no Egito, traduziram para o grego como deka
logoi, ou seja, decálogo (cf. Sarna, 1991, p. 107).

Outros fatores no próprio texto apontam para sua singularidade, por


exemplo, em Ex. 20:1 temos uma construção hebraica única no Pentateuco:
:‫"( ַוי ְדַ ֵ֣בּר אֱֹל ִִ֔הים אֵ֛ת כָּל־הַדְּ ב ִ ִָ֥רים ה ֶָ֖אלֶּה לאמִֽר‬E disse Deus todas essas palavras
dizendo"6). Ela é única pois seu endereço é indeterminado, o que quer dizer

3
Polak demonstra que o Sinai possui um caráter de cerimônia legal, com a lógica de um ritual
da aliança "impecável" (2004, p. 132-134).
4
Referência aos exegetas.
5
"They treated the Decalogue as an isolated document, as an independent unit. But by taking a
literary passage out of its context we debar ourselves from understanding it. The Ten Words
were handed to us in a given framework, and they cannot be considered outside it. They occur
in th story of the making of the Covenant between the Lord and Israel [...]."
6
Salvo indicação contrária, todas as traduções do texto bíblico hebraico para o portugês são do
autor desse trabalho.
que não é indicado a quem Deus fala. São as únicas palavras ditas por Ele
sem a intermediação de Moisés ou outra pessoas (cf. Childs, 1989, p. 63).

Isso assinala um viés universalista, pois a indeterminação do discurso faz


com que o mesmo seja estendido a todos. Ao mesmo tempo, a mesma
indeterminação também individualiza a mensagem divina, já que cada um se
sentiria depositário da fala vinda do alto do Sinai (cf. Sarna, 1991, p. 109). O
próprio uso consistente , por todo o texto de Ex. 20:2-17, de terminação
pronominal de segunda pessoa do singular ao se falar ao povo indica esse
caráter individual/coletivo do Decálogo (cf. Buber, 1998, p. 130-131).

Há também o fato de que essa é a única declaração dada de maneira


direta por Deus ao Seu povo e depois disso, nenhuma outra lei ou orientação
será dada em um discurso direto (cf. Brueggemann, 1999, p. 25). Deste modo,
fica claro que a construção inicial dessa fala direta é uma espécie de manifesto
de Deus, de Sua identidade (cf. Leibowitz, 1995, p. 306). E sua primeira
declaração define também o contexto histórico, primeiro pelo conteúdo direto
dela e depois, por sua colocação dentro do livro de Êxodo.

Ao dizer "Eu sou YAHWEH, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da
casa da escravidão"7 (:‫אתיָך מאֶ ִֶ֥רץ ִמצ ַ ְֶ֖רי ִם מִבִּ֥ית ֲעבָדִ ִֽים‬
ֵ֛ ִ ‫ֲשׁר הִֽוֹצ‬
ֶ֧ ֶ ‫ֱֹלהיָך א‬
ֶ֑ ֶ ‫ְהוֵֹ֣ה א‬
ָ ‫)אָ ִֽנ ִ ֶ֖כי י‬,
Ele estabelece ao povo Sua identidade sob a base ativa do Êxodo, da
libertação. O Deus que está se pronunciando é o libertador. Mas esse Deus
não é apenas o libertador, é o que enviou uma série de pragas sobre os
egípcios, opressores, mas protegeu os israelitas (Ex. 7:14 - 12:36), que abriu o
mar (Ex. 14:15-22), que transformou águas amargas em doces (Ex. 15:22-27),
que enviou maná do céu (Ex. 16), que fez água sair da rocha (Ex. 17:1-7), que
deu a Israel vitória sobre Amaleque (Ex. 17:8-16) e se manifestou no Sinai,
com trovões, relâmpagos e barulho como de trombeta (Ex. 19). Quer dizer, a
fundamentação histórica - direta (o Êxodo) e a indireta (os milagres associados
ao Êxodo) - do discurso divino, apontava para a salvação já provida:

O Decálogo é a instrução de um Redentor para Seu povo da


aliança. Os Dez Mandamentos foram dados pelo Deus

7
Leibowitz discute a sintaxe para a primeira parte do verso, argumentando que não é possível
determinar se a tradução deve ser "Eu sou YAHWEH, teu Deus" ou "Eu, YAHWEH, sou o teu
Deus" (1995, p. 306-310).
Salvador de Israel, que havia acabado de os livrar da
escravidão.8 (LARONDELLE, 2005, p. 36)

Esse contexto histórico e literário é relevante pois coloca o texto de Ex.


20:1-17 dentro de uma perspectiva teológica única que é, segundo Walter
Brueggemann, "a institucionalização do Êxodo" (1997, p. 184). Quer dizer,
como parte integrante do texto do Decálogo (cf. Larondelle, 2005, p. 36), a
declaração inicial coloca a sequência do texto sob o prisma da novidade da
liberdade.

As palavras do Sinais estão arraigadas na liberdade provida por Deus. O


contexto de Ex. 20:1-17, que é o contexto da aliança entre Deus e Israel, se
encontra construído sobre a liberdade recém adquirida do povo. A aliança, a lei
é, portanto, uma resposta a liberdade e, ao mesmo tempo, uma resposta a
escravidão. É nesse sentido, de liberdade e de oposição a escravidão, que o
Decálogo é pronunciado: os mandamentos são liberdade (cf. Brueggemann,
1997, p. 184). Portanto, "ser é obedecer" (HESCHEL, 1965, p. 97).

NUANCES TEXTUAIS DO DECÁLOGO

Sobre o próprio texto, uma série de nuances precisam ser ressaltadas,


primeiro de aspectos gerais e depois de específicos. Em primeiro lugar, o
Decálogo não é parecido com as prescrições habituais da lei bíblica, até por
não precisar punições (cf. Chouraqui, 1996, p. 242). É, inclusive, a forma de
categóricos imperativos e proibições apodícticas dos mandamentos em Ex.
20:3-17 mais um fator de relação com as formulações dos tratados de aliança
do AOM (cf. Kline, 2012, p. 15).

Além disso, o fato de não apresentarem caráter casuístico demonstra


serem uma espécie de padrão conceitual de conduta, ou seja, o objetivo é o
bem-estar da comunidade e a motivação é positiva - a obediência a Deus, o
Deus que libertou - e não negativa - a punição (cf. Fretheim, 1991, p. 221-222).

8
"The Decalogue is the instruction of a Redeemer to His covenant people. The Ten
Commandments were given by Israel's Savior God, who had just set them free from slavery."
O texto de Decálogo começa com a expressão "teu Deus" (‫ֱֹלהיָך‬
ֶ֑ ֶ ‫ )א‬em
Ex. 20:2 e termina com "teu vizinho" (‫ )ר ֶעִָֽך‬em Ex. 20:17. Essa, inclusive,
parece ser a divisão que se tem adotado ao tratar do Decálogo: uma primeira
parte se prende a ordens direcionadas ao relacionamento entre Deus e o
homem e a segunda parte se constitui de ordens direcionadas ao
relacionamento entre os homens (cf. Dorsey, 1999, p. 72).

Quanto a divisão dessas duas seções, alguns consideram que os quatro


primeiros mandamentos estão direcionados a Deus e os seis últimos ao
próximo (cf. Cassuto, 2005, p. 239). Outros sugerem que os três primeiros se
orientam a Deus e os sete últimos ao próximo (cf. Brueggemann, 1999, p. 41-
42).

A divisão interna do texto, entretanto, parece sugerir uma linha de forte


coesão textual. O uso das expressões "teu Deus" e "teu próximo" como fatores
de divisão parecem indicar isso, visto que "teu Deus" aparece cinco vezes nas
cinco primeira palavras do Decálogo, e "teu vizinho" aparece apenas quatro
vezes e nos dois últimos mandamentos (três no último e uma no penúltimo). Há
ainda, referência a Deus nos primeiros cinco mandamentos e o nome de Deus
não é mencionado nenhuma vez nos cinco últimos (cf. Sarna, 1991, p. 108).

O uso da partícula negativa "não" (‫ )ֹלא‬também é importante ao apontar


uma estrutura coesa. A referida partícula aparece seis vezes nos primeiros três
mandamentos9; uma vez no quarto mandamento (Ex. 20:10); nenhuma no
quinto; quatro vezes do sexto ao nono (uma vez em cada um); e duas vezes no
décimo mandamento. Ou seja, temos 13 "nãos" divididos ao longo do texto,
seis antes do mandamento do sábado e seis depois, com um "não" central no
sábado. Isso também realça o único mandamento completamente positivo, o
quinto, que é o único a ter uma promessa.

A seção do quarto mandamento (Ex. 20:8-11), que é a mais longa (55


palavras), parece fazer clara referência aos dois tipos de relação que
resumiriam o Decálogo: Deus-homem e homem-homem. Ele funcionaria, então

9
A partícula "não" aparece assim: uma vez em Ex. 20:3, uma vez em Ex. 20:4, duas vezes em
Ex. 20:5, e duas vezes em Ex. 20:7.
como uma ligação entre as duas seções, pertencendo ao mesmo tempo as
duas (cf. Doukhan, 2004, p. 18).

Ou seja, a divisão do Decálogo em 3+7 ou 4+6 parece ser mais temática


do que textual e a conclusão é que a unidade literária de Ex. 20:2-17 é
indivisível, o que significa que não é possível, pela estrutura do texto,
determinar divisão. Martin Buber assinala isso dizendo:

Se eles forem considerados em sua conecção, será observado


que não há algo como campos separados aqui, mas somente
um indiferenciado campo de vida comum, o qual requer uma
constituição contendo elementos religiosos e éticos para atingir
crescimento uniforme.10 (BUBER, 1998, p. 131)

Meredith Kline corrobora essa idéia dizendo:

[...] todas as tradicionais sugestões sobre como a divisão


deveria ser feita são sujeitas a objeção de fazerem violência a
estrutura formal e lógica desse tratado.11 (KLINE, 2012, p. 17-
18)

E, nesse sentido, é que a frase bíblica lapidar de Tiago parece fazer pleno
sentido: "Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se
torna culpado de todos" (Tg 2:10).

ALGUMAS INOVAÇÕES DO DECÁLOGO

Dentro dessa unidade conceitual e literária do Decálogo, uma inovação


importante tem destaque: as obrigações do homem para com seu igual são
colocadas em nível de igualdade com os deveres dele para com seu Deus (cf.
Cassuto, 2005, p. 240). A intenção, segundo Brueggmann, seria estabelecer
que "toda a vida deve ser devotada ao Senhor da aliança"12 (BRUEGGEMANN,

10
"If they are regarded in their connection, it will be observed that there are no such separate
fields at all here, but only one as yet undifferentiated common life, which requires a constitution
containing 'religious' and 'ethical' elements in order to achieve a uniform growth."
11
"[...] all the traditional suggestions as to how the division should be made are liable to the
objection that they do violence to the formal and logical structure of this treaty."
12
"[...] all of life shoud be devoted to the Lord of the covenant."
1999, p. 25), o que quer dizer que todas as esferas da existência humana se
relacionam com o Deus que liberta Israel do Egito. O Decálogo é a
implementação da justiça divina na vida diária de Seu povo (cf. Brueggemann,
1997, p. 184).

Essa inovação fica evidente quando se compara, principalmente, as leis


do AOM com a parte do Decálogo que trata da morte, adultério e roubo (Ex.
20:13-15). O assassinato, por exemplo, era proibido em todas as sociedades
antigas, inclusive no Egito (cf. Walton, 1994, p. 157-158). No caso do adultério,
era considerado uma infração contra o direito de posse do marido 13 e no Egito
e em Ugarit era descrito como um grande pecado (cf. Sarna, 1991, p. 114). Nas
palavras de Umberto Cassuto:

Com relação as três proibições: Não matarás - não cometerás


adultério - não furtarás, nós já afirmamos acima que, na
verdade, não há nada novo em suas substâncias, pois em toda
sociedade civilizada, assassinato, adultério e roubo são
relatados como atos proibidos [...].14 (CASSUTO, 2005, p. 246)

Ainda assim, esse mandamentos possuem elementos não usuais,


inovadores: estão em forma absoluta e não trazem nenhum tipo de
particularidade ou condições. O "não" antes de cada uma dessas ações indica,
pela ausência de complemento, que a ação restritiva transcende qualquer
situação, circunstância ou mesmo definição (cf. Cassuto, 2005, p. 246-247).

Isso quer dizer que a ação do homem contra outro homem é regulada não
por questões sociais, de propriedade, de ordem, etc., mas por uma questão de
resposta ao seu Deus. Ao pronunciar o Decálogo, Deus estabelece a igualdade
de relacionamentos na obediência a Ele, ou seja, a medida do relacionamento
vertical (Deus-homem) é de mesmo peso da do relacionamento horizontal
(homem-homem).

13
Sarna argumenta que como a poligamia era aceita em algumas sociedades do AOM, o
adultério era definido como o intercurso sexual entre uma mulher casada e um homem que não
era seu marido perante a lei (1991, p. 114).
14
"In regard to the three prohibitions: You shall not kill - you shall not commit adultery - you
shall not steal, we have already stated above that actually there is nothing new in their
substance, for in every civilized society, murder, adultery and theft are accounted forbidden acts
[...]."
Por isso, o resumo da lei dado por Jesus em Mt. 22:37-4015 - amar a Deus
e amar ao próximo - não implica duas áreas distintas da vida humana, mas dois
aspectos complementares da existência do homem em relação ao seu Criador.

Ainda sobre algumas inovações do Decálogo, o décimo mandamento


marca uma ampliação importante do conceito de relacionamento horizontal. O
verbo utilizado aqui, por duas vezes, é ‫חמד‬, que significa "desejar e tentar
obter" (KOEHLER e BAUMGARTNER, 2001, p. 325), indicando que o homem
deve ir além de evitar cometer adultério ou roubo da propriedade do seu
vizinho. Ele deve também evitar desejar:

O significado, aparentemente, não é apenas que o desejo pode


levar a uma ação criminosa, o qual deveria ser
necessariamente proibido como uma medida preventiva, mas
que o desejo em si mesmo constitui uma infração, em
pensamento se não em ação.16 (CASSUTO, 2005, p. 240)

O décimo mandamento seria, portanto, uma espécie de resumo dos


outros mandamentos referentes ao pecado contra o vizinho/próximo e, ao
mesmo tempo, uma ampliação deles, pois vai além da ação e coíbe a atitude
(cf. Durham, 1998, p. 298-299). As palavras de Jesus em Mt. 5:21-22 e Mt.
5:27-28 são, de certa forma, uma leitura desse mandamento e demonstram
exatamente a repressão da atitude antes da ação.

O SÁBADO NO DECÁLOGO

O texto de Ex. 20:2-17 contém algo em torno de 172 palavras e o quarto


mandamento, sobre o Sábado, representa cerca de um terço disso, com 55
palavras, ou seja, ele forma metade de todo o resto do Decálogo (55 palavras
para o quarto mandamento e 117 para os outros nove mandamentos). Isso, por
si só, já demonstra a relevância do Sábado dentro de texto (cf. Doukhan, 2004,
p. 18).

15
Jesus cita Dt. 6:5 e Lv. 19:18.
16
"The meaning, apparently, is not only that the longing may lead to criminal action, which
should necessarily be prohibited as a preventive measure, but that the yarning itself constitutes
a trespass, in thought if not in deed."
Mas a centralidade do Sábado dentro da unidade do Decálogo também se
dá por sua transitividade entre leis que se referem unicamente a divindade (os
três primeiros mandamentos) e leis que se referem unicamente a humanidade
(os cinco últimos mandamentos).

Outro fator relevante é que o texto referente ao quarto mandamento está,


diferentemente do restante, marcado por uma clara inclusão, que se dá pelo
paralelo entre Ex. 20:8 e o final de Ex. 20:11 (cf. Mueller, 2003, p. 144):

:‫זָכֵ֛ וֹר אֶת־יִ֥וֹם ַהשּׁ ָ ֶַ֖בּת ְלקַדְּ שִֽׁוֹ‬

Lembra o dia do sábado para santificá-lo.

:‫ַל־כּן בּ ַ ֶ֧רְך י ְהוָֹ ֵ֛ה אֶת־יִ֥וֹם ַהשּׁ ָ ֶַ֖בּת וַ ִֽיְקַדְּ שִֽׁהוּ‬


ֵ֗ ‫ע‬

portanto abençoou YAHWEH o dia do sábado e o santificou.

Nos dois casos o dia de sábado está ligado a raiz ‫( קדשׁ‬santificar) no


tronco piel.17 Nos dois casos o uso da raiz aparece depois da construção
construta definida que envolve sinal do objeto direto (‫ )אֶת‬e dois substantivos

(‫ יִ֥וֹם‬e ‫)שּׁ ָ ֶַ֖בּת‬. A diferença é que em Ex. 20:8 o homem é instado a santificá-lo e
em Ex. 20:11o próprio Deus o santifica.

Essa inclusão aponta para o próprio caráter dialógico do Sábado (cf.


Siqueira, 2005, p. 444), pois a convocação do homem a santificar o Sábado se
coloca em paralelo com a santificação dele (Sábado) por Deus. Ainda é
possível perceber que a inclusão parece determinar uma estrutura no texto:

A - O homem deve lembrar do Sábado para santificar (Ex. 20:8)

B - Seis dias o homem faz todo o trabalho (Ex. 20:9)

17
Em Ex. 20:8 a raiz ‫ קדשׁ‬está no infinitivo absoluto do piel e em Ex. 20:11 está no incompleto
do piel.
C - O sétimo dia é de Deus, por isso o homem (e sua
família, seus animais, etc., tudo da porta para
dentro) não deve trabalhar (Ex. 20:10)

B' - Seis dias Deus fez todo o trabalho (Ex. 20:11a)

C' - O sétimo dia é o descanso dEle (Ex. 20:11b)

A' - Deus abençoa o Sábado e o santifica (Ex. 20:11c)

Nessa estrutura, além da inclusão já destacada entre Ex. 20:8 e 20:11c


(com repetição de raiz e da cadeia construta, mas com inversão de sujeito),
temos mais dois paralelos. O primeiro é entre os "seis dias" (‫ )שׁשֶׁת יָמִים‬que em

Ex. 20:9 se referem ao homem e o que ele faz ( ‫)עשה‬, mas em Ex. 20:11a se

referem ao que Deus faz (‫)עשה‬. Nesse paralelo, mais uma vez ocorre repetição
de raiz e de cadeia construta e, novamente também, inversão de sujeito.

O segundo paralelo na estrutura de Ex. 20:8-11, além da inclusão, é entre


o "sétimo dia" (‫שּׁבִיעִי‬
ְ ‫ )יוֹם ַה‬que em Ex. 20:9 é atribuído como Sábado para
YAHWEH e, por isso, todo o trabalho do homem é proibido e não somente ao
indivíduo, mas a sua família, seus servos, seus animais e até ao estrangeiro
que estiver dentro de sua casa. Já em Ex. 20:11b a construção, mais simples e
curta, apresenta o descanso de Deus no sétimo dia (‫שּׁבִיעִי‬
ְ ‫)יוֹם ַה‬, indicando
cessação da obra dEle, principalmente pelo uso do verbo ‫ח‬
ַַ ‫נוּ‬, que indica
repouso no sentido de parar de movimentar-se (cf. Koehler e Baumgartner,
2001, p. 679).

Os três paralelos indicam que a estrutura está dividida em duas partes: a


primeira que se refere ao homem e sua relação com o Sábado, com Deus e
com os que estão próximos e na sua esfera pessoal (das portas para dentro) e
a segunda parte que se refere a Deus e Sua relação com o Sábado e com a
Criação.

A inclusão indica a estrutura e a estrutura ratifica a inclusão. Em todos os


casos, o Sábado é colocado como um chamado a imitação divina (imitatio Dei)
e esse seu caráter peculiar é reforçado pela ligação com o texto da Criação de
Gn. 2:1-3 (cf. LaRondelle, 2005, p. 8). Terence Fretheim comenta essa relação
da seguinte forma:

O descanso de Deus é um ato divino que constrói dentro da


ordem de cada coisa criada um ritmo de trabalho/descanso.
Somente quando esse ritmo é honrado por todos a criação é
aquilo que Deus planejou que fosse. O sábado é, então, um
recurso divinamente concedido para todas as criaturas estarem
em sintonia com a ordem das coisas criadas. Acima de tudo,
guardar o sábado é um ato de guardar a criação.18
(FRETHEIM, 1991, p. 230)

A relação com a Criação é, em parte, a originalidade do Sábado, pois lhe


confere um caráter diferenciado e até antitético ao sistema Babilônico e Assírio,
que também tinha um sábado (šabattu ou šapattu). Enquanto esse sábado
mesopotâmico era um dia marcado com relação a lua cheia e apontado para
adoração dos corpos celestes, jejum e atos de aflição diante dos deuses, o
Sábado de Ex. 20:8-11 era um dia de descanso, de benção e de adoração
daquEle que fez os corpos celestes e criou todas as coisas19. O Sábado do
quarto mandamento, com sua ligação direta com a Criação (Gn. 2:1-3)
independe de qualquer fenômeno natural ou humano e se firma como um
presente divino fiado exclusivamente na ação dEle de criar (cf. Cassuto, 2005,
p. 244-245).

A ênfase no sete é curiosa. O quarto mandamento inicia com a sétima


letra do alfabeto hebraico (‫)ז‬. E intencionalmente as relações sabáticas
apontadas em Ex. 20:10 também são sete: você, filho, filha, servo, serva, gado,
e estrangeiro. A idéia parece ser clara: o Sábado para YAHWEH é o dia da
plenitude das relações da criação com ela mesma e da criação com seu
Criador.

Outro aspecto relevante do Sábado dentro do Decálogo é sua relação


com Ex. 20:1 e a libertação do Egito que fica clara em Dt. 5:12-15. Pois

18
"God's resting is a divine act that builds into the very created order of things a working/resting
rhythm. Only when that rhythm is honored by all is the creation what God intended it to be. The
sabbath is thus a divinely given means for all creatures to be in tune with the created order of
things. Even more, sabbath-keeping is an act of creation-keeping."
19
Talvez a relação entre Sábado e jejum de Is. 58 possa ser melhor compreendida a partir do
contraste entre a forma de observância proposta por Deus e a praticada por outros povos.
enquanto o Faraó oprimia o povo com escravidão e trabalho, Deus provê
descanso a cada sete dias: "Nesse mandamento Israel quebra decisivamente
com o sistema faraônico de produção e consumo" (BRUGGEMANN, 1999, p.
50).

CONCLUSÃO

A forma do Decálogo aponta para seu conteúdo indivisível e seu contexto


é um contexto de aliança entre Deus e Seu povo. Essa forma indivisível é um
diálogo entre a ação do indivíduo para com Deus e dele com outros indivíduos.
A inovação se dá exatamente pela igualdade dada aos dois aspectos dentro da
estrutura de Ex. 20:2-17.

Já disposição de Ex. 20:8-11 demarcado por uma inclusão que o separa


do restante do texto, também o estabelece como uma síntese dialógica do
próprio Decálogo, uma vez que no Sábado, a relação entre os homens e deles
com Deus é mediada pela imitação dEle pelos homens. Como coloca Abraham
Heschel:

A arte de guardar o sétimo dia é a arte de pintar na tela do


tempo a misteriosa grandiosidade do clímax da criação: com
Ele santificou o sétimo dia, assim devemos nós. O amor pelo
Sábado é o amor do homem pelo que ele e Deus tem em
comum. Nossa observância do dia do Sábado é uma paráfrase
da Sua santificação do sétimo dia.20 (HESCHEL, 2005, p. 16)

A estrutura de Ex. 20:8-11 firma que a nossa santificação do Sábado é a


santificação de Deus, através do reconhecimento dEle como Criador, fonte de
toda existência, e do meu vizinho/próximo como meu igual a quem devo
respeito e amor (cf. Doukhan, 2004, p. 15, 18).

20
"The art of keeping the seventh day is the art of painting on the canvas of time the mysterious
grandeur of the climax of creation: as He sanctified the seventh day, so shall we. The love of
the Sabbath is the love of man for what he and God have in common. Our keeping the Sabbath
day is a paraphrase of His sanctification of the seventh day."
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUEGGEMANN, Walter. The Covenanted Self: explorations in Law and


Covenant. Minneapolis: Fortress Press, 1999.
__________________. Theology of the Old Testament: testimony, dispute,
advocacy. Minneapolis: Fortress Press, 1997.
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