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O FERRO N O O R G A N IS M O Mais de dois terços do conteúdo de ferro do organismo
encontra-se incorporado à molécula de hemoglobina. As-
O ferro faz parte do grupo heme, que integra numero-
sim, a hemoglobina é a principal forma funcional de ferro
sas proteínas do organismo, como citocromos, citocromo
no organismo e também seu principal depósito, e por isso
oxigenase, peroxidases, catalase, mioglobina e hemoglobina.
a anemia é a manifestação clínica mais proeminente da ca-
Sendo um metal pesado, o ferro livre é quase insolúvel e bas-
rência de ferro. Aproximadamente 1 m L de concentrado de
tante tóxico, e por isso durante todo o seu ciclo metabólico
hemácias contém 1 mg de ferro. No homem, cerca de 2 g
está sempre ligado a proteínas de transporte ou funcionais.1,2
O homem adulto possui cerca de 3-4 g de ferro (ou seja, 35- de ferro estão presentes na hemoglobina, enquanto que, em
45 mg de ferro/kg de peso), quantidade em média 30-40% mulheres, esse valor corresponde a 1,7 g.
menor em mulheres em idade fértil em consequência à perda A mioglobina tem uma estrutura muito semelhante à
periódica de sangue na menstruação (Tabela 19.1). hemoglobina, sendo no entanto um monômero e não um
-------------------------------------------------------------
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í Tabela19.il 'P i P w ®
! C onteú do to ta l d e fe rro d o o rg a n is m o 3 ,0 -4 ,0 g 2 ,0 -3 ,0 g
i a
C o nteúd o d e fe rro d o o rg a n ism o 3 5 -4 5 m g /kg 2 5 - 3 5 m g /kg
P
- Q u an tidad e na fo rm a d e h e m o g lo b in a 2 ,0 g 1 ,7 g
N ecessid a de s d iá rias
0 ,8 - 1 ,0
0 ,5 -1 ,0 m g /d ia
g
1 ,0
0 ,3 g
- 2 , 0 m g /d ia
h Perdido na g ra v ide z (fe to , p lac enta) ' ~i- ~r —~ ~ . SH-' -í-t-;:- í 600 mg
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U uantid a d e ab so rv id a da d ie ta 0 ,5 - 2 m g /d ia ■ . ;
Q u an tida d e pa ra p ro d u zir h e m o g lo b in a 20 m g /d ia
C onteúd o do s a ng u e to tal 0 ,5 m g /m L
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d m Tratado de Hematologia
ta um terço do ferro da dieta, sendo muito mais facilmente dos vilos intestinais do duodeno.2 Para sair do lúmen in-
a b s o r v id o . Essa absorção é realizada por uma proteína ain- testinal e atingir o plasma, o ferro precisa atravessar duas
da não completamente identificada, a HCP1 (H em e C a rrie r membranas da célula epitelial: a membrana apical e a ba-
P ro te in /).2’3,7Já a absorção do ferro dos vegetais (ferro inor- solateral.
trânico ou ferrro não heme) é menos eficiente, dependendo O transporte do ferro pela membrana apical do ente-
bastante de vários fatores, como a presença de outras subs- rócito é realizado pelo DMT1, capaz de transportar outros
tâncias (fosfatos, oxalatos, aminoácidos livres) e produção metais divalentes (zinco, cobre, cobalto).'’3 Como o ferro
de ácido clorídrico pelo estômago.3 inorgânico está primariamente presente na dieta na forma
U m a dieta bem equilibrada contém 10-20 mg de ferro oxidada (Fe3+, ferro férrico) não biodisponível, para ser
por dia, dos quais cerca de 10% é absorvido.3,8Contudo, o transportado pelo epitélio intestinal necessita ser reduzido
ív controle da absorção de ferro pelo epitélio intestinal é fun- a Fe2* (ferro ferroso) pela DcytB (D u o d e n a l cytochrom e B ),
V\
.
realmente transportado ao plasma. Se o ferro permane-
pfjj t !l!!í 31 3í 2 cer na forma de ferritina no enterócito, ele será perdido
quando essa célula morrer e for descamada; dessa forma,
*!! O 121
\
o ferro não será “ efetivamente” absorvido. Alternativa-
IP ^ ^, ;í :'-■ mente, o ferro do citoplasma do enterócito pode atra-
\\\\ vessar a barreira basolateral, pela ação coordenada de
, K lS - lí lS ? duas proteínas: a ferroportina e a hefaestina, duas pro-
srro p ortina H efaestina teínas de membrana.
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■ Regulação pelo estoque de ferro pela hepcidina, de Desta forma, o compartimento plasmático de transpor-
forma que a sobrecarga de ferro reduz a absorção, te de ferro tem papel central no intercâmbio de ferro entre
enquanto que a carência promove maior absorção de os diferentes locais, e por isso as medidas laboratoriais rea-
ferro.1*14 Sabe-se, hoje, que a hepcidina, peptídeo se- lizadas no plasma ou soro (concentração de ferro sérico
cretado pelo fígado, regula a taxa de absorção do fer- de transferrina, de ferritina e saturação da transferrina) dão
ro.2j Essa regulação se faz pelo controle de expressão importantes informações sobre o metabolismo do ferro.
da ferroportina. A ligação da hepcidina à ferropordna Aproximadamente um terço da capacidade de ligação ao
resulta na internalização desta última e perda de sua ferro da transferrina é ocupada pelo ferro, e o ferro ligado
função.2,8 A ferroportina presente em macrófagos e a ela se renova no mínimo dez vezes por dia.
fígado também é alvo da hepcidina. Assim, em situa-
ções de sobrecarga de ferro ou inflamação, observa-se
E N TR E G A D O FERRO A O S T E C ID O S
elevação da hepcidina, e a liberação de ferro a partir
de enterócitos, fígado e macrófagos encontra-se redu- A ligação do TfRl com a transferrina carregada de fer-
zida.13 Por outro lado, na presença de deficiência de ro desencadeia a invaginação da membrana celular, mediada
ferro, anemia ou hipóxia, situações em que a hepcidina pela clatrina, e formação de endossomos contendo o com-
encontra-se diminuída, a expressão de ferroportina e plexo transferrina/TfRl, seguida de alterações conformacio-
a liberação de ferro das células intestinais, do fígado e nais das proteínas, liberação e redução do ferro para Fe2\ O
dos macrófagos está aumentada.6-' Fe2+ é então transportado através da membrana endossomal
o Regulação hematopoética, que faz com que a absorção pela DMT1. No citoplasma, o ferro é incorporado à proto-
seja modulada de acordo com as necessidades da eti- porfirina para a síntese do heme (nos eritroblastos) ou reti-
tropoese. A eritropoese acelerada aumenta a absorção do na forma de estoque (ferritina/hemossiderina nas células
de ferro, independentemente do depósito corporal de não eritroides). Nesse meio tempo, os endossomos retornam
ferro.16 Esse processo parece ser mediado pela Eri- as proteínas, apotransfcrrina eTfR l, à superfície celular para
tropoetina (Epo) e pelo GDF15 (G ro ivth D iffe re n tia tio n serem reutilizadas.10,1' (Figura 19.3)
F a ctor 15). A Epo suprime a expressão da hepcidina
pela regulação negativa das vias STAT3 e SMAD. O H O M E O S T A S E IN T R A C E L U L A R DO F E R R O
GDF15 também tem ação supressora da expressão da
hepcidina e atua nos estágios finais da eritropoese.3,16 O sistema regulatório IRP/IRE (Iro u R e g n /a to rj P ro te in /
Iro u R esponsiveE lem enf) permite às células ajustar rapidamen-
te a concentração do ferro citoplasmático e o funciona-
T R A N S P O R T E DE FERRO
mento adequado dos componentes celulares dependentes
Após atravessar o enterócito, o ferro chega ao‘plasma onde de ferro.2,3,9,18,19
se liga à transferrina. A transferrina pode receber ferro dos As IRP1 e IRP2 são capazes de registrar a concentra-
enterócitos e dos depósitos, e pode liberá-lo para os depósitos, ção citoplasmática de ferro e regular a expressão pós-trans-
para os eritroblastos, para o músculo, para a síntese de mio- cripcional de genes relacionados ao metabolismo deste
globina, ou para diferentes tecidos para a síntese de enzimas e metal, otimizando a utilização do ferro celular. A IRP1 é
citocromos. A captação do ferro ligado à transferrina é inter- uma forma mais ativa de aconitase (proteína que contém
mediada pelo TfR, que pode ocorre sob duas formas: TfR l e agrupamento Fe-S) que a IRP2.2,3,9,18,19 Essas proteínas in-
TfRZ.3O TfRl é amplamente expresso na maioria das células, teragem com IRE, que são estruturas h a irp in conservadas,
enquanto o TfR2 é restrito a hepatócitos, células da cripta duo-
localizadas nas regiões não traduzidas do RNA mensageiro
denal e células eritroides, sugerindo que o TfR2 desempenhe
(mRNA) da ferritina, do TfR e de outras proteínas, aumen-
um papel mais especializado no metabolismo do ferro.6
tando a captação de ferro ou diminuindo seu sequestro.
l i M l Tratado de Hematologia
T ra n s p o rta d o r ole fe rro
,jf ^ f e r r o s o (D M T 1 )
: .. I .......
F e rro
Endossom o lib e ra d o
B o m b a d e p ró to n s ito c ô n d r ia
Ferritina
C élulas
não eritroid es
íem os siderina
C ito p la sm a Endossom o
a c id ific a d o (pH 5,5)
Figura 19 .3 Ciclo da transferrina. A tran sferrina liga-se ao seu re c ep to r (T f R I) na su p erfície celular; o co m p le xo é invaginado para o in te-
rior do citoplasm a co m a aju da d e um a capa d e clatrin a, fo rm a n d o o s en do ss o m o s . U m a b om ba d e prótons reduz o pH d o en do ssom o, e
o ferro se desliga do co m p le xo transferrin a/T íR 1 se nd o tran spo rtad o pela m e m b ran a d o en d os s om o pelo D M T 1 . N o eritroblasto, o ferro
é utilizado para a sín tes e d e h em og lo b in a nas m ito cô ndrias, en q u an to e m outras célu las ele pod e ser estoca d o na fo rm a de ferritina ou
h em ossiderina. A apotran sferrin a (transferrina d esp ro vida d e ferro) e o T fR I são en tão reciclados para a su perfície da célula, e p o d e m ser
utilizados para a incorp oração d e novas m o lécu las d e ferro.
A ligação das IRPs às IREs presentes na região 5’ não Aproximadamente 1 mg de ferro (menos de 1 milésimo
traduzida de uma determinada proteína bloqueia a^tradução do total do organismo) é perdido diariamente, por via fecal
do mRNA. Ao contrário, sua ligação às IREs da porção 3’ (ferro presente nas células descamantes do epitélio), desca-
não traduzida estabiliza o mRNA evitando a degradação da mação da pele, do epitélio urinário e perspiração. Em mu-
proteína.2’3,9-18'20 (Figura 19.4) lheres, a menstruação normal leva à perda de 30-60 mL de
sangue por mês, correspondentes a cerca de 15-30 mg de
ferro por mês. A gravidez, a lactação e o crescimento são
exc r eç ã o e per da s de f er r o
outras formas fisiológicas de aumento das necessidades de
Não existe mecanismo fisiológico de excreção de ferro, ferro. O ciclo do ferro no organismo humano está resumi-
que é conservado pelo organismo com grande eficiência. do na Figura 19.5.
O
O Ferro O O
IRP IRP IR P-Fe
/ IR P -Fe
- O
- '" i v ,ï f ^ , / 'n / v"71 ' / v>í J -'- , J"'
i ____ C 1 _ < j_ _ C I _____ < ;___ _ c
V (A )n 3’ 5M '\ j
Região codificante Região codificante
RNAse
P o b re em fe rro R ic o e m fe rro
F ig ura 1 9 .4 E xem plo do sistem a regu latório IRP/IRE (P ro teína R egulatória do F erro /E lem ento Responsivo ao Ferro) na expressão de ferriti-
na e do R e ce ptor da Transferrina (TfR) e m d iferen te s s itu açõ es d e exposição ao ferro. E m situação d e falta de ferro (A), a IRP liga-se ao IRE
pre se n te na região 5' não traduzida do g en e da ferritin a, b lo q u ea n d o sua síntese. A o m es m o tem p o (B), a IRP liga-se à IRE da região 3' não
traduzida do g ene do R e ce ptor da Transferrina (TfR), preven in do sua d e gradaç ão e au m e nta n do sua expressão. Na presen ça de excesso de
ferro (C), a IRP se separa do IRE da ferritina, p erm itin do sua s ín tes e, e ta m b é m do IRE do TfR (D) pe rm itindo sua degradação.
--------------------------------------------- ---------------------------------------------------------------------------
I j, '
ptSííllPQ P rincipais p ro te ín a s e n v o lv id as no m e ta b o lis m o d o fe rro
F e rro p o rtin a (ta m b é m c h a m a d a IR E G 1, M T P 1 o u S L C 3 9 A J ): d en tro d a célula (Fe2+, C u2+, Z n 2+, C o2+). A n im a is c o m d eleção
in te g ran te estrutu ral d a : m e m b ra n a c e lu la r q u e tran s p o rta fe r- d e D M T 1 tê m g ra v e d e fic iê nc ia d e fe rro .
ro na m e m b ra n a ba so la te ral d o e n te ró cito , s e n d o m o d u la d a H FE (H e m o c ro m a to s e , n o pa ssado ch a m a d a HH o u H LA -H):
pe la h e faes tin a. p ro teín a d e m e m b ra n a s im ila r às p ro te ína s H L A classe I, que
: H e p c id in a (ta m b é m c h am a d a H E PC , H F E 2B , LE A P 1, L E A P -1): reg u la a ab sorçã o d e fe rro m o d u lan d o a in te raçã o d a tran sfer-
pe q u e n o p e p tíd e o d e 2 5 am in o á c id o s p ro d u z id o p e lo fíg a d o rina c o m o rec ep to r d e tra n sferrina (TfR).
qu e d im in u i a tra ns ferê n c ia d e ferro das célu la s e d o s m a c ró - F e rritin a : fo rm a d e d e p ó s ito , é fo rm a d a p o r 2 4 s ubu nid ad es
fa g o s para a trans fe rrina c ircu lan te. A h e p c id in a lig a-se à fe r- sim ilare s d e um a p ro te ína d e n o m in ad a ap o fe rritin a , c o m um
ro p o rtin a , ca u san do sua d eg ra d aç ão liso sso m al. n ú cleo d e cristal d e fe rro , pre se nte e m p ra tica m e n te toda s as
H e fa e s tin a : o x id a Fe2+ a Fe3+ no en te ró c ito , p e rm itin d o q u e cé lulas e flu id o s orgâ nicos .
e le se lig ue à tran sferrin a p la sm á tic a, e de ss a fo r m a d e ix e a H e m o s s id e rin a : fo rm a d e d e pó sito m a is rica e m ferro d o que
c élu la intestinal. A nim a is c o m d eleç ã o d esse g e n e tê m a n em ia a fe rritin a (2 5 -3 0 % d o cristal é óx ido d e fe rro ), d e m o b ilização
ferro p riva p e rin a tal p o r in ca p a c id ad e d e tran s ferir fe rro pe la m ais le n tá , h idró fo b a , res trita aos m ac ró fag os d a m e d u la ós-
place n ta e a b s o rv e r no intestino . sea, do fíg ad o e baço.
DCYTB: fe rrired u ta s e sim ila r a c ito c ro m o B, red u z Fe3+a Fe 2* T r a n s fe rrin a : tran s p o rtad ora p las m á tica d e fe rro , na co nce n-
na m e m b ra n a apical d o e n te ró c ito , fa c ilita n do sua ab s o rç ã o tra çã o m é dia d e 2 0 0 m g /d L , tra n s p o rta n d o cerca de 100 de
pe la D T M 1 . fe rro (s a turaçã o de 1/3); a a p otra n sfe rrina (tran sferrin a des-
D T M 1 (D iv a le n t M e t a l T ran sp o rte r 1) (ta m b é m c h a m a d o p ro v id a do ferro) é sintetizad a p o r h ep a tó c ito s , monó<
. N ra m p 2 , DC T1 e S L C 11 A 2 ): c o m p o n e n te in te g ral d a m e m - m a cró fa g os .
bra n a d o e n te ró c ito , faz o tran sp o rte d e ío n s d iv alen tes p ara
Tratado de Hematologia
Ferro da Dieta
D u o d en o
(1 a 2 m g ao dia)
U tiliza ção U tiliza ção
T ra n sferrin a
p las m átic a
(3m g )
M ed u la ó sse a
(150 m g)
H e m á c ia s
c irc u la n te s
le m o g lo b in a )
M ú sc u lo
(2 3 0 0 m g ) J (m io g lo b in a)
(350 m g)
E sto qu e s
de
M ac ró fag o s Ferro P arên q u im a
(500 m g) h ep á tico
(200 m g)
C é lu la s m u c o s a s d e s c a m a n te s
M e n s tru a ç ã o
O u tra s p e rd a s d e s a n g u e
(1 a 2 m g a o d ia )
P erd a de Ferro
Figura 19.5 Distribuição e dinâm ica do ferro no h o m em adulto. Em condições norm ais, 1-2 m g de ferro são absorvidos, e a m e sm a quan-
tidade perdida diariam ente. O ferro é absorvido nos enterócitos do d u o d e n o e jejuno proximal, circulando no plasm a ligado à transferrina. A
maior parte do ferro do organism o (80 % ) está na form a de hem og lo bin a, e o res tante do ferro funcional está incorporado à m ioglobina. aos
citocromos e às enzim as. Nos hepatócitos e no sistem a fagocítico m on o nu clear o ferro está es tocado na form a de ferrítina e hem ossiderina.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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A u m e n to d a d e m a n d a T r a to r e s p ira tó r io
C iru rg ia s , tra u m a s
- . _ . . . . . . . . . . - . V
H e m o d iá lis e
■ T e le a n g ie c ta s ia h e m o rrá g ic a h e re d itária
E sp orte d e a lto d e s e m p e n h o
D istú rb io s d a h e m os ta s ia
S a n g ra m e n to factício
As queixas costumam ser leves, pois a anemia se insta- incapaz de detectar DF sem anemia. Frequentemente
la de maneira insidiosa, gerando adaptação, e há pacientes se observa hipocromia, microcitose, aumento do índice
completamente assintomáticos. Pode-se observar palidez de Anisocitose Eritrocítica (RDW) e plaquetose, além
cutaneomucosa, fadiga, baixa tolerância ao exercício, redu- da presença de anisocitose, poiquilocitose, hemácias em
ção do desempenho muscular, perversão alimentar ou pica
charuto, eliptócitos e reticulocitopenia ao exame micros-
(desejo e consumo de substâncias nào nutritivas como gelo,
cópico.’’
terra, sabão, argila), baqueteamento digital e coiloníquia
A avaliação dos estoques de ferro na medula óssea a
(unhas em forma de colher), atrofia das papilas linguais,
estomadte angular e disfagia (formação de membranas eso- partir da coloração do tecido medular pelo corante de
fágicas ou síndrome de Plummer-Yinson).'11" Perls é considerada padrão-ouro no diagnóstico de DF. E
exame invasivo, de reprodutibilidade e acurácia questioná-
veis, não tendo papel na prática clínica diária. No mielo-
D IA G N Ó S T IC O
grama observa-se hiperplasia eritroblástica com displasias
() hemograma é um teste rápido, barato e ampla- morfológicas na DF moderada até hipoplasia das três linha-
mente disponível no rastreio de anemia ferropriva, mas gens da DF grave prolongada?
Tratado de Hematologia
A dosagem da ferritina sérica está diretamente rela- ferro sérico, permitem o cálculo do índice de Saturação
cionada com a concentração de ferritina intracelular e, por- de Transferrina (IST). O IST é calculado a partir da razão
tanto, com o estoque corporal total." Deficiência de ferro [Ferro sérico/TIBC] ou [Ferro sérico/Transferrina x 0,71],
é a única condição que gera ferritina sérica muito reduzida, variando de 20 a 45%.14
o que torna a hipoferritinemia bastante específica deste O último passo na síntese de Hb é a inserção de um
diagnóstico.12No entanto, valores normais ou elevados de átomo de ferro na protoporfirina para formação do heme.
ferritina não excluem a presença de DF, pois a ferritina é Na DF, zinco é incorporado no lugar do ferro, formando a
uma proteína de fase aguda, tendo sua concentração séri- Zmcoprotoporfirina (ZPP). A taxa de elevação de ZPP é
ca aumentada na presença de inflamação, infecção, doença
proporcional ao déficit de ferro na medula em relação á eri-
hepática e malignidade, mesmo na presença de DF grave.13
tropoese, e a elevação de ZPP é o primeiro marcador de eri-
Ferro sérico é a fração do ferro corporal que circula tropoese deficiente em ferro, embora não seja específico.14
primariamente ligado à transferrina, e encontra-se reduzido
O fragmento solúvel do receptor de transferrina
na DF. Varia com o ritmo circadiano e a alimentação e, por
(sTfR) é derivado do receptor de transferrina de todas as
isso, a coleta de sangue para sua dosagem deve ter horário
células, porém os principais geradores desse fragmento são
e jejum padronizados. Está também reduzido na presença
os eritroblastos e reticulócitos.“’ Assim, a concentração de
de inflamação, não devendo, desta forma, ser utilizado iso-
sTfR reflete a atividade eritropoética e se encontra elevada
ladamente para avaliação de DF.14
na DF.14A razão do sTfR pelo logaritmo da ferritina sérica
Transferrina, proteína transportadora específica de
(sT fR/log da ferritina) mostrou-se útil na determinação
ferro, tem capacidade de ligar simultaneamente duas molé-
de DF em pacientes com anemia de doença crônica. O
culas de ferro. Sua produção é regulada pelo ferro corporal,
principal problema da dosagem de sTfR é a falta de pa-
aumentando quando os estoques estão exauridos. Pode ser
dronização internacional que permita comparação entre os
dosada diretamente ou por meio da avaliação da Capaci-
diferentes ensaios, o que impede sua ampla utilização.10’13’13
dade Total de Ligação de Ferro ( T u la l I iu n B in d in g
C a p a c ity - TIBC), ensaio que permite a estimativa dos A dosagem plasmática ou urinária de hepcidina ainda
sírios de ligação de ferro disponíveis.'3A transferrina sérica não está comercialmente disponível, mas parece promis-
se eleva em condições como gestação e uso de contracep- sora em estudos preliminares na distinção entre anemia
tivos orais, estando reduzida na presença de inflamação, ferropriva e anemia de doença crônica. Seus níveis estão au-
infecção, malignidade, doença hepádca, síndrome nefróti- mentados na presença de inflamação e de estoques de ferro
ca e desnutrição. Transferrina ou TIBC, juntamente com o elevados, e reduzidos na presença de DF.lj (Tabela 20.2)
l í --------------------------1 - v ; . - :
1 1 Tab el a 2 0 . 2 1
[Ferro m e d u la r
fQlKllüínitíífl
A u s e n te
7 i á í s s p i i @
A u s e n te
a - / M â J u ffe tg E lfi!?
A u s e n te
Zinco p ro to p o rfirin a N N ou T t
Ferritina N ou 4 4 4
Ferro sérico 4- ir 4
Reticulócitos N ou 4- 4- 4
V o lu m e C o rpu s c ular M é d io (V C M ) N N ou 4 4
.
Indice d e A n is o c ito s e E ritro citária (R D W ) N N ou t t
H em o g lo b in a N N ou i
iâWHU
L fío b e la 2 0.3 }_ __ __ _ _ _ _ _ _ _
► S a is d e f e r r o p a ra r e p o s iç ã o o ra l d is p o n ív e l n o B ra s il.
................. ....
S o lu ç ão : 3 3 0 m g /m L 100 m g /m L 1 m L /5 kg d e poso
G o tas : 1 8 2 m g /m L 5 0 m g /m L 1 g o ta /k g d e peso
a a- . .v . . ■ m à : F la c o n e te s : 2 5 0 m g /5 m L 5 0 m g /5 m L 4 fla c o n e tes
G o tas: 2 5 0 m g /m L 5 0 m g /m L 1 g o ta /k g d e peso
F e rro c a rb on ila
D rá g e a : 4 0 0 m g 120 mg K f 2 d rág eas
(3 3 % d e Fe e lem e n ta r)
Intolerân cia , m á ad e sã o , aus ên cia de respo sta ao ferro oral, N e ce ss id a de d e e le va çã o m u ito rápida d os e sto q ue s de ferro
a d espeito d e m o d ifica ç ã o d e d ose, sal, p o so lo g ia , inge stã o para ev ita r d e s c o m p en s aç ão clínica
com a lim en tos D o ação d e g ra n d e q u a ntid a d e de sa ngue (ex.: au to tran sfusão)
A n em ia p o r de ficiê n cia d e fe rro a pa rtir d e s eg u n d o trim e stre P acien tes c o m insuficiên cia renal crôn ica rec e b e n d o e ritro -
de g es taç ão 2 po etin a
M á ab so rçã o intestina l (ex.: d oe n ça in fla m ató ria in testinal) P acien tes co m insuficiênc ia ca rdía ca co nges tiva e DF: estudos
D oença intestinal qu e p o d e se r a g rav ad a p ela ferro te ra p ia rec ente s d e m o n s tra ra m a u m en to da cap ac id a de fu n cio nal e
(ex.: re toc olite ulc erativ a) m elh o ra dos sinto m as de b a ixo d é b ito 22
S an g ra m e n to que ex c e d e a c ap ac id a de de ab s o rç ão
Várias metanálises mostraram que a erradicação do H . estatísticas de DE21 Além disso, recomenda-se reposição
p jt o r iassociada à ferroterapia oral é mais efetiva que a ferro- profilática com ferroterapia oral durante a gestação, nas lac-
terapia oral isolada, e há evidência de que a presença dessa tantes, e nas crianças até cinco anos de idade/’ Especifica-
bactéria é causa de resistência à ferroterapia; assim, há cor- mente na gestação, as estratégias recomendadas pela OMS
rentemene recomendação de que se investigue a presença para prevenção de ADF mostraram redução na prematuri-
e se trate a infecção pelo H . p y /o ri após exclusão de sangra- dade em até 50%, mortalidade neonatal em até 55%, nasci-
mento pelo trato gastro-intestinal.2" turos de baixo peso em 16% e mortalidade infantil em até
31%. A dose recomendada é de 100 mg de ferro elemen-
tar/dia para gestantes e lactantes, 30 mg de ferro elemen-
P R O FIL A X IA tar/ dia para pré-escolares e 30-60 mg de ferro elementar/
Em alguns países já foi implantada a suplementação dia para crianças em idade escolar, em períodos de duas a
universal de ferro na farinha de trigo, visando a reduzir as três semanas, várias vezes ao ano.2
I REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. W7H.O Iron deficiencj- anaemia. Micronutrient deficiencies. 2011. Pnternet]. [acesso em 2013 aug 09]. Disponível em:
http://\vww.who.int/nutrition/topics/ida/en/ .
2. Milman N. Anemia-still a major health problem in many parts of die world! Ann Hematol. 2011;90(4):369-77.
3. Andrews NC. Disorders of iron metabolism. N EnglJ Med. 1999;341(26):1986-95.
4. Munoz M, Garcia-Erce JA, Remacha AF. Disorders o f iron metabolism. Part 1: molecular basis of iron homoeostasis.
J Clin Pathol. 2011;64(4):281-6.