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COMUNICAÇÃO GLOBAL COM CARÁTER E VERDADE

O “MITO” FUNDADOR CRISTÃO E SEU PODER CIVILIZATÓRIO

FORTALEZA,

JUNHO DE 2018
ESDRAS EMMANUEL LINS MAIA

O “MITO” FUNDADOR CRISTÃO E SEU PODER CIVILIZATÓRIO

Trabalho apresentado ao curso de Comunicação


Global com Caráter e Verdade promovido pela
jornalista Joice Hasselmann e realizado em
convênio com a Florida Christian University – FCU,
para fins de aprovação e conclusão.

Fortaleza,
Junho de 2018
ÍNDICE

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................3

1. ORIGEM E SURGIMENTO DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL................................................5

2. OS MITOS EM GERAL E O MITO FUNDADOR DO OCIDENTE......................................20

2.1. A Perspectiva de um Mitologista Profissional.............................................................21

2.2. A Perspectiva de um Filósofo Cristão.........................................................................27

3. A IMPORTÂNCIA OU A FUNÇÃO DA COSMOVISÃO JUDAICO-CRISTÃ PARA O


SURGIMENTO E SOBREVIVÊNCIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL...................................33

4. PRINCÍPIOS CRISTÃOS OU O EXEMPLO HISTÓRICO DO MOVIMENTO PURITANO


ANGLO-SAXÔNICO...............................................................................................................36

5. PENSAMENTO POLÍTICO DE JOSEPH RATZINGER..............................................48

5.1. Democracia.................................................................................................................48

5.2. Liberdade....................................................................................................................50

5.3. Política e Teologia.......................................................................................................51

5.4. Europa.........................................................................................................................52

5.5. Mais Detalhes Acerca do Laicismo, do Marxismo e do Islamismo.............................53

6. O TESTEMUNHO OCULAR DE TOCQUEVILLE DOS ESTADOS UNIDOS OU O


EXEMPLO CONCRETO DA INFLUÊNCIA SALUTAR DA RELIGIÃO CRISTÃ SOBRE AS
PRÁTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS DE UMA
SOCIEDADE...........................................................................................................................57

6.1. A Inevitabilidade e Necessidade das Ideias, Opiniões Perenes ou Dogmas de Todos


os Tipos..................................................................................................................................65

6.2. O Catolicismo e o Panteísmo como Tendências do Estado Social


Democrático............................................................................................................................71

6.3. A Mentalidade Utilitária do Homem Democrático Norte-Americano...........................74

6.4. A Utilidade da Religião para o Estado e para o Indivíduo...........................................75

6.5. O Trabalho na Sociedade Democrática Americana....................................................77

6.6. A Improbabilidade das Revoluções nos Regimes Democráticos................................86

7. A SUPERIORIDADE DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL E SEUS INIMIGOS........................92

CONCLUSÃO.........................................................................................................................99

REFERÊNCIAS....................................................................................................................103
INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre a relevância social do cristianismo formal,


organizado ou visível através de suas diversas vertentes denominacionais. Mais
especificamente, faz uso, como amostras de exemplos positivos, da assim chamada
Igreja Católica Romana medieval, do movimento calvinista puritano do século XVII e
dos diversos grupos protestantes e católicos introduzidos pelos colonizadores no
Novo Mundo, fazendo um recorte mais preciso de suas contribuições sociais,
políticas e econômicas para os Estados Unidos do século XIX.

Embora o autor do trabalho compreenda que o conceito escriturístico ou


bíblico e correto de Igreja se refere ao indivíduo que recebe consciente, voluntaria e
efetivamente a pessoa de Cristo - e ao que ele representa conforme encontrado nos
textos sagrados dos hagiógrafos neotestamentários - e que, a partir de então, se
reúna formal ou informalmente com outros indivíduos que fizeram o mesmo, ele não
deixa de reconhecer, a despeito dos erros que foram cometidos, o peso significativo
e determinante das contribuições destas organizações ou instituições formais ditas
cristãs sempre e quando, de fato, aplicaram concretamente, através de seus
representantes, os ensinamentos ou princípios transmitidos por Cristo.

Portanto, em última análise, o que se pretende com este trabalho é deixar


entrever ou contribuir, ainda que introdutoriamente, para demonstrar a atualidade,
pertinência e relevância existencial ou prática dos princípios essências ou fulcrais
dos ensinamentos de Cristo para, virtualmente, todas as áreas da atividade humana;
como um elemento histórico de riqueza simbólica e sofisticação cultural
imprescindível e capaz de fornecer, não somente, o solo com todas as condições
para a brotação de uma civilização superior, como também contribuir para a sua
sobrevivência e florescimento à medida que este elemento se diferencia em áreas
do conhecimento humano tão diversas quanto a religião, as artes, a filosofia e as
ciências humanas e naturais.

Com este propósito, o texto do trabalho está organizado em 07 (sete) divisões


ou capítulos, conforme detalhado no índice, os quais, respectivamente, estão
3
relacionados com os seguintes assuntos: primeiramente, com o auxílio do estudioso
e filósofo brasileiro Carlos Nougué e do acadêmico norte-americano da Universidade
de Columbia, o Dr. Thomas Woods, traça-se um histórico breve relativo à origem da
civilização ocidental. Em seguida, no capítulo 2, é tratado, mais especificamente, o
tema relativo à “mítica” cristã seminal que possibilitou este surgimento ou origem.
Neste momento do trabalho, o autor lança mão de um artigo bastante preciso do
filósofo Olavo de Carvalho. Adiante, no terceiro capítulo, busca-se, através de outra
opinião acadêmica, desta vez do sociólogo da FESPSP, Ricardo de Mello,
vislumbrar o caráter técnico da contribuição da cosmovisão judaico-cristã ou do
“mito” propriamente cristão para a origem e manutenção da civilização. No quarto
capítulo, recorrendo à aguda e rigorosa pesquisa histórica realizada pelo Dr. Leland
Ryken, pesquisador da Universidade de Wheaton, Ilinóis/E.U.A., realiza-se um
inventário dos princípios cristãos mais gerais os quais orientaram o movimento
puritano da era moderna. A seguir, nos dois capítulos seguintes, 5 e 6, observa-se,
sobretudo, a articulação do pensamento cristão com os conceitos e práticas
específicos da esfera política. Para tanto, o autor lança mão de um artigo científico
do historiador da USP, Bruno Mamede, que foca o pensamento político do então
Cardeal Joseph Ratzinger, além da obra clássica do jurista francês Alexis de
Tocqueville, A Democracia na América (1835|40). E, finalmente, na última secção, é
realizado um mapeamento breve, com o auxílio de contribuições diversas, dos
principais adversários ou inimigos da civilização ocidental hodierna.

Enfim, para levar a cabo todo este projeto, o seu autor, como metodologia de
pesquisa, valeu-se, prioritariamente, de recursos bibliográficos sem, contudo,
desprezar os recursos informacionais disponíveis na rede mundial de computadores
através de sites de periódicos especializados, blogs, redes sociais e plataformas de
vídeos como o youtube.

4
1. ORIGEM E SURGIMENTO DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL

O filósofo e lexicógrafo, ganhador do prêmio Jabuti de tradução em 1993,


Carlos Nougué (2016) reconhece na condição da espécie humana - caracterizada
pela ausência quase completa, no momento do seu nascimento, de instintos e meios
de proteção e sobrevivência - uma evidência relevante que corrobora ou ratifica o
relato bíblico da criação especial do primeiro casal como sendo a origem de toda a
humanidade.

Diferentemente de grande parte dos animais inferiores os quais já nascem


com instintos e meios de sobrevivência e adaptações às intempéries do meio
ambiente bem definidos, como seria possível a um ser tão vulnerável como o ser
humano manter-se vivo e desenvolver-se caso ele já não houvesse sido criado
plenamente desenvolvido? Este é o questionamento provocado por Nougué já nos
primeiros instantes de sua preleção ministrada através do Canal Terça Livre.

Sem desprezar os achados arqueológicos de supostos hominídeos, mas


integrando-os ao seu entendimento, ele assevera que estes fizeram parte de um
período decadente da história humana, um período de obscurantismo no qual a
ciência infusa durante a criação especial, de algum modo, teria sido perdida. E cuja
restauração parcial somente teria ensejo com os descendentes de Jafé, filho de
Noé, do qual também descenderam os gregos cuja filosofia resgatou a razão natural
ou vários padrões de razoabilidade que orientam uma maneira correta de
pensamento, tendo o seu auge em Sócrates, Platão e Aristóteles.

Por outro lado, Nougué (2016), de acordo com a historiografia moderna que
informa a respeito do helenismo, considera a civilização romana, de certa forma,
uma espécie de continuidade da civilização grega em função da influência que a
mentalidade racionalista desta exerceu sobre o estilo de vida daquela, mormente no
seu aspecto jurídico que organizou suas instituições de governo e as relações
humanas em sociedade.

Enfim, com a restauração da razão natural pelos gregos e a organização


racional jurídica (incluindo a pax romana) do mundo antigo e o estabelecimento de
conexões ou a facilitação do trânsito de pessoas e mercadorias através das estradas
5
construídas pelo império romano, faltava apenas mais um elemento, o da revelação
religiosa, para a constituição do que as Escrituras vieram a chamar de “Plenitude do
Tempo” (Vide Gl.4:4). Esta revelação, preservada e plenificada de longa data e de
geração em geração, muito antes do surgimento das civilizações grega e romana,
encontrou nos descendentes de Abraão os depositários os quais foram instruídos
diretamente pelo Espírito de Deus.

Foi o gênio abrangente e conciliador semita judaico, expresso na sua tradição


religiosa e moral que, posteriormente, na Alta Idade Média, mais precisamente nos
séculos XII e XIII, e através do movimento intelectual escolástico cristão - que teve
lugar nos mosteiros da Igreja Católica Romana e na criação das primeiras
universidades - quem viabilizou a síntese conceitual destas três culturas, criando,
desta forma, as condições necessárias para o surgimento da civilização ocidental.

Contudo, isto não se deu e tampouco seria possível sem antes ocorrer o
evento histórico mais significativo da história humana, a saber, a encarnação do
Logos Divino, isto é, da razão criadora do universo. Foi, portanto, o Espírito de
Cristo, plasmado em seus ensinamentos e registrados pela comunidade cristã, e
através de Sua ação mística ou sobrenatural quem inspirou e permitiu a síntese das
três civilizações e o surgimento do Ocidente. Foi este o Mito Fundador, entendido
não como lenda, mas como verdade histórica seminal de significado e relevância
profundos que floresceu, conforme se verá a seguir com o auxílio do filósofo Olavo
de Carvalho, em forma de cultura e, por conseguinte, de teorias científicas,
legislações variadas e valores éticos civilizacionais.

Sendo assim, conforme Nougué (2016), o século XIII foi o auge da civilização
com o pensamento de Tomás de Aquino, Alberto Magno e Boaventura entre outros e
a criação de universidades como Colonia, Oxford e Paris. Foi essa efervescência
intelectual que fez florescer a cultura ocidental por meio do intercâmbio de
conhecimentos através de toda Europa, trazendo à cena os filósofos pagãos gregos
(Platão, Aristóteles, etc), árabes (Averróis e Avicena) e judeus (Maimonides e
Avicebron).

6
Em termos econômicos, conforme ressalta Nougué (2016), é interessante
observar que, na Idade Média, o servo da gleba pagava ao seu senhor feudal 10%
do que produzia. Um valor irrisório se comparado com o que se paga hoje no Brasil
em impostos, a saber, 45%. Outrossim, de acordo com o filósofo, a escravidão, uma
instituição multimilenar, foi, paulatinamente, sendo desfeita pela cristandade
medieval até o século XVI. Enfim, foi também na Idade Média que a cristandade
criou os hospitais, orfanatos e asilos os quais ofereciam cuidados aos doentes e aos
pobres, um traço ou característica central da atuação dos cristãos.

Em contrapartida, a cultura moderna do movimento dito iluminista posterior,


mais recentemente corroborada pelo materialismo histórico e práxis marxista,
entendida como uma superestrutura determinada pelo nível de desenvolvimento das
forças produtivas, conforme o estudioso, resultou no declínio do espírito cristão e,
por conseguinte, no descuido das iniciativas e atividades assistencialistas ou de
caridade social mencionadas acima. E não somente neste aspecto Nougué (2016)
observa este descuido, como também em todos os demais relacionados às
manifestações filosóficas, artísticas e científicas nas suas mais diversas
ramificações. Desse modo, ele ressalta que a cultura ocidental hodierna, mormente
no contexto nacional, em suma, encontra-se arruinada. E arremata com uma
analogia do momento presente com aquele vivido pela Roma antiga, no qual a
tirania era mantida, oferecendo ao povo panis et circus. Ao passo que hoje ela se
mantém oferecendo sexo e drogas e a custa de um ataque constante ao que foi o
auge da civilização humana: o legado da cristandade do século XIII.

É tal a decadência que, conforme o preletor, a cultura atual encontra-se


abaixo daquela cultivada pelos gregos antes de Cristo os quais, naquele momento,
ao menos ansiavam por uma revelação Divina através de conhecimentos mais
confiáveis que meros mitos e que também se referiam acerca da necessidade de se
contemplar e imitar a Deus. O que temos hoje seria, portanto, o antagônico de
Platão, Aristóteles (384-322 a.C.) e Confúcio (551-479 a.C.), o pensador chinês
coetâneo àqueles, além, obviamente, do oposto ao cristianismo. Fato este que não
causa espanto ou admiração ao filósofo, visto ser este o resultado fatídico quando a

7
cultura vigente direciona a vontade e a razão para as “partes baixas”, para os
instintos mais rudimentares.

Enfim, como se pode depreender do que foi dito acima, cultura e civilização
são dois conceitos e fenômenos da realidade interdependentes ou coexistentes,
visto não ser possível a sobrevivência desta sem aquela. Portanto, conforme
Nougué (2016), o que há hoje, a rigor, não seria uma civilização, mas sociedades
divididas que se pretendem ou se julgam civilizações.

1.1. A Contribuição Imprescindível da Igreja Romana à Civilização


Ocidental
Corroborando o que foi dito até este ponto, o Dr. Thomas Woods (2013), da
Universidade de Columbia e membro do Ludwig Von Mises Institute, demonstra que
foi precisamente no século XII, na chamada Alta Idade Média, que se teria dado o
nascimento da Civilização Ocidental, especificamente, com os estudiosos
escolásticos da Escola Catedrática de Chartres na França. Foi considerando textos
bíblicos (neste caso deuterocanônicos) como Sabedoria 11:20b - onde se lê: “...mas,
[Deus] dispusestes tudo com medida, quantidade e peso” - e declarações dos pais
da Igreja como as de Sto. Agostinho (354 – 430 d.C.) que asseverou: “Deus é como
um grande geômetra. Ele é um grande praticante de geometria” que estes
estudiosos compreenderam que o mundo é inteligível, que ele faz sentido à mente
humana em função de seu ordenamento preciso e matemático.
Estas considerações de natureza religiosa também os fez reabilitar a filosofia
grega, por exemplo, o pensamento pré-socrático de Pitágoras (570 – 495 a.C.) o
qual afirmou ser o cosmos constituído de números. Disto, logicamente, decorre que
para entender cientificamente o universo seria então necessário familiarizar-se com
a linguagem dos números.
Consequentemente, destas mesmas ponderações também teria decorrido o
método científico moderno, pois se o mundo não era absurdo, caótico ou instável
como pensavam os babilônicos e, em boa medida, o islamismo 1, ele poderia então

1
O Islã compreende a absoluta liberdade de Allah como a ausência de compromisso deste para com
quaisquer categorias, princípios, leis ou regras naturais e morais, podendo, portanto, descontinuá-los
a qualquer momento conforme seu arbítrio. Em outras palavras, nada seria absoluto ou constante
além de Allah.
8
ser compreendido e estudado. Foi então que, a partir deste entendimento, passou-
se a coletar o maior número de dados possíveis, a examiná-los e a correlaciona-los
a fim de encontrar leis ou relações de causalidade entre eles que explicasse sua
realidade e funcionamento. Como se pode depreender do foi dito, conforme Woods
(2008), o método científico não pode ser seguido a menos que se pressuponha ou
acredite que o universo é ordenado e estável.
Enfim, fazendo uma síntese dos dois primeiros episódios de uma série que o
mesmo historiador apresenta, ele assevera:

Da última vez nos empenhamos numa caçada de mitos, observamos


“coisas que todos sabem”: “A Igreja é inimiga da ciência”, certo? Todos
sabem isso. Todos aprendemos isso na escola... Mas, o que começamos a
ver foi que professores modernos, que lecionam para ganhar a vida, estão
começando a dizer algo em contrário. Estão começando a dizer que
precisamos ser justos com a Igreja Católica e lhe dar o que é de direito no
desenvolvimento da ciência no mundo ocidental. E alguns têm chegado a
fazer a verdadeira “pergunta proibida”: será o desenvolvimento da ciência,
na civilização ocidental, algo que ocorreu por causa da Igreja Católica ou
apesar, como nos dizem? Na última vez demos ênfase a um ensinamento
central que a ciência moderna dá como certo. Ou seja, que o mundo em
que vivemos faz sentido. Você pode entendê-lo. Você pode esperar
encontrar padrões nele, se você investigá-lo. Você pode esperar
encontrar relações matemáticas, se você investigá-lo. Na verdade,
você pode esperar reduzir os fenômenos da natureza a algum tipo de
fórmula matemática para compreendê-los melhor e prevê-los melhor. E
de onde vem essa ideia maluca? Veio direto da Bíblia! Com Sabedoria
[11:20b], que nos diz que Deus dispôs tudo com medida, quantidade e
peso. E nós vimos que os antigos padres da Igreja, a Escola
Catedrática de Chartres e ainda outros interpretaram isso como: o
universo faz sentido, então vamos desvendá-lo; vamos estuda-lo;
vamos usar o método científico, juntar dados, formular hipóteses e
então testar essas hipóteses. Você não pode fazer nenhuma dessas
coisas a menos que você já acredite que o universo faz sentido e é
ordenado e segue leis consistentes. E essa ideia? Essa ideia vem da
Igreja Católica! Porque a Igreja insiste em que Deus é um Deus de
ordem, e é um Deus que construiu padrões no nosso universo que
podemos descobrir usando nossas mentes. A ciência é impossível
sem esse entendimento fundamental. E eu dei exemplos, na última vez,
de civilizações [babilônica e islâmica] que, não tendo esse
entendimento, também não tiveram ciência. (WOODS, 2013, grifo nosso)

Em seu livro, Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental (2008),


o mesmo historiador, a fim de sustentar sua ousada afirmação, logo no primeiro
capítulo, faz um apanhado sintético e sistemático das contribuições desta instituição
religiosa. Assim sendo, ele menciona que a Igreja Católica não somente contribuiu
para o surgimento, mas que, de fato, deu a luz ao sistema universitário ocidental
9
através de mosteiros e escolas catedráticas. Outrossim, aos hospitais, à previdência,
ao direito internacional e a inúmeros princípios jurídicos, além de haver preservado,
fomentado e desenvolvido, como nenhuma outra instituição, por meio de suporte
financeiro e social e mediante o envolvimento pessoal e intenso de monges e
sacerdotes, as ciências.

Wood (2008) reconhece, evidentemente, que o Ocidente não deriva


unicamente do catolicismo e ressalta a relevância das tradições da Grécia e da
Roma antigas, além daquelas oriundas das tribos germânicas ou bárbaras das quais
a Igreja Católica aprendeu e absorveu o que havia de melhor, não havendo,
portanto, um desprezo obtuso de plano destas culturas.

Conforme o historiador da Universidade de Harvard, foi o sistema universitário


criado pela Igreja quem “forneceu as bases para a revolução científica.” (WOODS,
2008, p.7) Este sistema, segundo ele, caracterizou-se pela liberdade e autonomia
dos debates, pela exaltação da razão e de suas capacidades, pelo compromisso
com o debate rigoroso e racional, pela promoção da pesquisa intelectual, pelo
intercâmbio dos alunos e, tudo isto, com o patrocínio da Igreja.

Menciona também o fato, mais comumente conhecido, de haver sido a Igreja


a herdeira da literatura patrística e secular greco-romana do mundo antigo. Ademais,
de haver preservado as capacidades de ler e escrever, aplicadas também à cópia
sistemática dos manuscritos antigos. Revela ainda, mais precisamente, que foi
através de monges e mosteiros beneditinos que, inicialmente, a indústria foi
fomentada na Europa, visto que tais mosteiros também assumiram o papel e a
configuração de uma rede de indústrias modelo os quais, além de centros de fervor
espiritual e difusores de sabedoria para a vida, simultaneamente, se aplicaram à
criação de gado, à pesquisa e à ação social. Em suma, conforme o sociólogo Leo
Moulin (apud Woods, 2008) entre outros, os monges proporcionaram a Europa a
formação de uma civilização avançada, não sendo, portanto, um exagero afirmar
que São Bento e seus monges beneditinos foram os pais da civilização europeia.

Em termos jurídicos, Woods (2008) também assevera categoricamente que


não somente o direito internacional como também todo o direito ocidental, incluindo

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os direitos humanos e inúmeros princípios jurídicos se deveram ao chamado Direito
Canônico da Igreja. Conforme o historiador, o direito internacional, por exemplo, teve
origem, mais exatamente, nas universidades espanholas do século XVI com as
considerações feitas pelo teólogo, sacerdote e professor universitário Francisco de
Vitória (1483-1546), em conjunto com outros filósofos e teólogos, “acerca dos
direitos humanos fundamentais e de como deveriam ser as relações entre as
nações”. E isto, “Em face dos maus-tratos infligidos pelos espanhóis aos indígenas
do Novo Mundo.” (WOODS, 2008, p.9)

Quanto à ciência econômica, Woods (2008) esclarece que seus verdadeiros


fundadores não foram Adam Smith (1723-1790) e outros teóricos do séc. XVIII, mas,
conforme asseveram o economista Joseph Shumpeter (apud Woods, 2008) e
estudos mais recentes, os teólogos espanhóis dos séculos XV e XVI é que teriam
sido, na verdade, os verdadeiros criadores da moderna economia científica.

Enfim, o conceito e a prática de um assistencialismo intencionalmente


orientado para os indivíduos, de fato, necessitados e não visando qualquer
retribuição ou ganho de ordem social ou pessoal, também foi uma ideia da Igreja
que, evidentemente, ela herdou do Evangelho (Vide, por exemplo, Mt. 6:2-4).

Em suma, a partir deste apanhado de contribuições, considerando as


qualificações acadêmicas do autor em questão, conclui-se que a Igreja Católica
configurou a civilização e o perfil humano do homem ocidental de muitas maneiras.
E que, além de reverter aspectos moralmente repugnantes do mundo antigo tais
como o infanticídio e os combates entre gladiadores, ela restaurou, promoveu e deu
à luz uma civilização superior após a queda de Roma.

O historiador, entretanto, reconhece que houveram retrocessos na chamada


Idade Média, especificamente, nos séculos VI e VII. Estes, contudo, conforme a
reveladora observação do historiador agnóstico Will Durant (1930, p.79 apud

11
WOOD, 2008, p.12) teriam ocorrido em razão das invasões bárbaras2 e não por
influência do cristianismo. Ele assevera:

A principal causa do retrocesso cultural não foi o cristianismo, mas a


invasão bárbara; não a religião, mas a guerra. Os aluviões humanos
arruinaram ou empobreceram cidades, mosteiros, bibliotecas, escolas, e
tornaram impossível a vida dos estudantes e dos cientistas. Mas a ruína
talvez fosse muito maior se a Igreja não tivesse mantido uma certa
ordem em uma civilização que se desintegrava. (grifo nosso)

Na verdade, conforme Woods (2008), diante do imenso desafio imposto pelas


invasões dos séculos II ao X, a Igreja Católica, por meio dos seus bispos, monges,
sacerdotes e religiosos, com a eventual colaboração de autoridades políticas3
seculares que se estabeleceram tais como o Imperador franco Carlos Magno (742-
814), dedicou-se incansavelmente ao restabelecimento dos alicerces da civilização
em meio a ruínas. Desse modo, coube-lhe a árdua tarefa de introduzir, aos “povos
que consideravam o homicídio como a mais honrosa das ocupações e a vingança
como sinônimo de justiça” (WOODS, 2008, p.14), a ética cristã, isto é, a “Lei” do
Evangelho e o Sermão do Monte (Vide Mt.5 a 7).

Todo este esforço de séculos resultaria no florescimento do que se


convencionou chamar, com justiça, de Renascença Carolíngia que se deu, mais
precisamente, no século IX. Visto que, neste período, o estímulo ao ensino e
aprendizagem do latim permitiu tanto o estudo das obras dos Padres Latinos da
Igreja, a patrística, como também das obras da antiguidade clássica ou pagã. Para
tanto, evidentemente, foi necessário o resgate destas mesmas obras. Esta tarefa,
por sua vez, foi possível devido à criação, pelos monges, de algumas inovações

2
Em alemão são conhecidas com o nome de Völkerwanderung, isto é, a “migração dos povos” a qual
teve início ainda no século II quando as tribos germânicas começaram seu deslocamento da Europa
central para o Ocidente.
3
De fato, a Igreja Católica, por iniciativa própria, recorreu a tais autoridades para o estabelecimento
de uma aliança que permitisse a restauração da civilização cristã. Assim, no séc. VIII, ela se
aproximou dos francos merovíngios e carolíngios que dominavam a região da Gália, atual França, e
outras regiões circunvizinhas. Mais adiante, como se verá neste trabalho, Alexis de Tocqueville
(1805-1859), o jurista francês, condenará este tipo de alianças.

12
literárias que ficaram conhecidas pela expressão Minúscula Carolíngia, mas que, na
verdade, além da criação das letras minúsculas, incluía também a criação da
pontuação e do espaçamento entre as palavras.

Estas inovações que imputaram graça e clareza aos livros, naturalmente,


também facilitaram, aceleraram e tornaram prazerosas tanto a escrita quanto a
leitura dos textos. Outrossim, elas catalisaram a difusão cultural e, por conseguinte,
o surgimento de uma civilização superior alicerçada no conhecimento. Como se
pode ver, a despeito da aparente insignificância, foi, na verdade, uma contribuição,
efetivamente relevante para o surgimento da civilização ocidental que, portanto,
desde o seu nascedouro demonstra um caráter cristão. Em outras palavras, em boa
medida, o conceito de civilização ocidental é o mesmo que civilização cristã ou, ao
menos, cristianizada.

Em todo este processo que resultou não apenas na conservação ou


preservação da cultura greco-romana antiga, mas também no desenvolvimento
desta por meio da ética e do pensamento cristãos, é interessante pontuar alguns
fatos que corroboram a relevância da instituição religiosa em questão para o
surgimento da civilização ocidental. Sendo assim, quando das invasões ainda mais
devastadoras ocorridas nos sécs. IX e X, levadas a cabo pelos vikings, magiares e
muçulmanos, foram as sementes da instrução plantadas por Alcuíno4 (735-804), por
meio das escolas que fomentou, que salvaram a Europa de um segundo colapso
semelhante ao que havia ocorrido nos séculos VI e VII.

É útil observar ainda que estes feitos somente foram possíveis em razão da
paciência e determinação dos monges, os quais, após mortandades e saques
reiterados, insistiram na reconstrução dos mosteiros e na perpetuação da tradição
espiritual e cultural ocidental que conservavam plenamente em, praticamente, cada
um dos mosteiros, fazendo destes uma espécie de células com todo o conteúdo
genético necessário para a restauração de todo o organismo. Conforme Woods

4
Alcuíno de Iorque (em latim: Alcuinus) foi um monge da Nortúmbria atual (Grã-Bretanha) em 735 e
estudou na escola da Catedral de Iorque. Lecionou posteriormente nessa mesma instituição durante
quinze anos e ali criou uma das melhores bibliotecas da Europa, tendo transformado a Escola em um
dos maiores centros do saber. (Vide https://pt.wikipedia.org/wiki/Alcuíno_de_Iorque)

13
(2008, p.22): “Esse poder de recuperação dos mosteiros manifestou-se na rapidez e
intensidade com que trabalharam para reparar a devastação das invasões e o
colapso político”. Não havendo sido, como se pode imaginar, uma tarefa simples
preservar as heranças clássica e carolíngia. Portanto, para crédito dos monges
cristãos, é justo reconhecer que foram eles “que preservaram da extinção a luz do
conhecimento”. (WOODS, 2008, p.23)

Em suma, a qualidade do exemplo, influência e inspiração que ensejou a


Igreja Católica na Era Medieval através de homens, a um só tempo, santos e
eruditos como Gerberto de Aurillac5 (946-1003 d.C.) foram decisivos para a
recuperação da Europa.

1.2. Pormenorizando Algumas Contribuições

Apesar de não terem a presunção ou a pretensão de realizarem grandes


feitos em benefício da civilização europeia e a despeito do seu propósito
predominantemente espiritual e ascético, os monges cristãos desempenharam um
papel crucial e impactaram enormemente o desenvolvimento da civilização
ocidental. De acordo com Woods (2008), isto se deveu à fidelidade do caráter de
Deus o qual promete acrescentar todas as coisas aos que O buscam em primeiro
lugar. (Vide Mt.6:31-34)

Portanto, foi visando a obediência ao supremo mandamento de Cristo o qual,


através de sua vida e obra instruiu a respeito do amor ágape (Vide Rm.5:6-10,
Jo.15:9-14, etc.), que os monges se aplicaram à agricultura, aos trabalhos manuais,
à drenagem de pântanos, ao desenvolvimento de novas tecnologias e produtos, à
metalurgia, à difusão de novas técnicas agrícolas e industriais, à introdução da
mecanização, às obras assistenciais ou de caridade, à preservação de livros,
documentos e dos manuscritos da Bíblia Sagrada e à preservação e ensino das
habilidades de leitura e escrita.

5
Foi papa de 2 de Abril de 999 até sua morte. Antes, havia sido monge beneditino. (Vide
https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Silvestre_II)

14
No que se refere à agricultura, conforme Woods (2008), os monges, em
suma, salvaram esta atividade na Europa. Eles procederam à recuperação agrícola
da região oeste daquele continente. Por exemplo, transformaram a Alemanha num
país fértil e fizeram dos mosteiros escolas agrícolas. Além disso, puseram mãos a
obra tornando-se, eles mesmos, agricultores. A esse respeito, Henry H. Goodell
(apud WOODS, 2008, p.31), presidente do Massachusetts Agricultural College,
corrobora que:

Aonde quer que tenham ido, os monges introduziram plantações,


indústrias ou métodos de produção desconhecidos do povo. Aqui
introduziam a criação de gado e de cavalos, ali a elaboração de cerveja, a
criação de abelhas ou a produção de frutas. Na Suécia, o comércio de
cereais deve a sua existência aos monges; em Parma, a produção de
queijo; na Irlanda, a pesca do salmão e, em muitos lugares, as vinhas de
alta qualidade. Os monges represavam as águas das nascentes a fim
de distribuí-las em tempos de seca. Foram os monges dos mosteiros de
Saint Laurent e Saint Martin que, observando as águas das fontes
espalharem-se inutilmente pelos prados de Saint Gervais e Belleville, as
canalizaram para Paris. Na Lombardia, os camponeses aprenderam dos
monges a irrigação, o que contribuiu poderosamente para tornar a região
tão famosa em toda a Europa pela sua fertilidade e riqueza. Os monges
foram os primeiros a trabalhar na melhoria das raças do gado, em vez de
as deixar evoluir ao acaso.

Além destas contribuições agrícolas, os monges também foram pioneiros na


produção de vinhos e descobridores do champanhe. Neste último caso,
especificamente, a descoberta se deveu ao monge beneditino Dom Perignon (1638-
1715) da abadia de São Pedro em Hautvilliers-no-marne durante século XVII.

Outrossim, esta disposição para o trabalho braçal ou manual dos monges -


frequentemente, pouco atraente, humilhante, pesado e difícil - foi facilitado e
estimulado pela forma como o cristianismo os fazia encarar estas atividades, isto é,
como meios da graça Divina e formas de mortificação da carne, ou seja, dos
impulsos pecaminosos. Desse modo, diante de recompensas espirituais tão
necessárias aos seus olhos, de certa forma, não teria sido tão difícil para eles
drenarem pântanos e desmatarem florestas. Os quais, a propósito, de fontes de
doenças e imundície, terras incultas, desabitadas, remotas e inacessíveis foram

15
transformados em terras férteis, cultivadas e habitadas. No dizer de William
Malmesbury (GOODELL, p.8 apud WOODS, 2008, p.31), referindo-se
especificamente aos pântanos de Southampton na Inglaterra, lugares como estes
tornaram-se “...uma réplica do paraíso, onde parecem refletir-se a delicadeza e a
pureza do céu.” (...) “[onde] nenhum palmo de terra está por cultivar” e no qual a
“Natureza e a arte rivalizam, uma suprindo tudo o que a outra esqueceu de
produzir.”

Ademais, o bom exemplo de humildade e disposição dos monges para os


trabalhos manuais e agrícolas simples inspirou em muitos camponeses, que
desprezavam tais atividades, a honra e o respeito que haviam perdido por eles e,
assim, também os estimulou ao mesmo tipo de trabalho, a despeito das dificuldades
do contexto sócio-político.

Outra importante contribuição dos monges diz respeito às invenções


tecnológicas e uso intensivo e em larga escala de tecnologias sofisticadas em um
nível tal que transformou os mosteiros em verdadeiras unidades fabris que se
utilizavam de sistemas hidráulicos e da mecanização para fins domésticos e
industriais. Além de inovações de grande valor prático, havia também curiosidades
como a construção, no séc. XI, do primeiro planador por um monge beneditino
chamado Eilmer de Malmesbury (séc. X –XI) com o qual conseguiu voar numa
extensão de 180 metros. Entretanto, os monges não apenas usaram do seu
engenho, em obediência a Deus, para si mesmos, na verdade, especialmente os
cistercienses6, tornaram-se grandes difusores das novas técnicas agrícolas e
industriais. De acordo com Gerry McDonnell (DERBYSHIRE, 2002 apud WOODS,
2008, p.37), arqueólogo-metalurgista: “Um dos pontos-chave foi que os cistercienses
tinham todos os anos encontros regulares de abades, e isso permitia-lhes
compartilhar os avanços tecnológicos que se alcançavam em qualquer parte da
Europa.”

6
Ordem de Cister, ou Ordem Cisterciense é uma ordem religiosa monástica católica beneditina
reformada. (Vide https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_de_Cister)

16
Na região francesa de Champagne, por exemplo, os monges cirtercienses
tornaram-se os maiores produtores de ferro entre os sécs. XIII e XVII. Por outro lado,
sua consciência evangélica (Vide Jo.6:12) e ecológica de obter o máximo
aproveitamento do que Deus lhes dispunha através da natureza, os fazia
reaproveitar a escória das fornalhas como fertilizante em razão da riqueza em
fosfato que apresentava. A propósito, quanto às fornalhas ou fornos que os monges
cistercienses utilizavam para a metalurgia na Inglaterra, em razão do estudo que
procedeu das ruínas, particularmente das análises química das escórias, McDonnell
(2002 apud WOODS, 2008, p.37) asseverou ainda que, em razão da baixa
concentração de ferro descoberta, numa quantidade semelhante à encontrada
atualmente no subproduto de modernos altos-fornos, que os cistercienses eram
também capazes de fabricar altos-fornos que não produzissem senão ferro fundido
de alta pureza. Outrossim, afirmou que estavam em condições de produzi-lo em
larga escala, mas que ao suprimir os mosteiros da Inglaterra, Henrique VIII teria
anulado este potencial. Em outras palavras, não fosse isto, os monges teriam feito a
civilização europeia adentrar, ainda no séc. XVI, portanto, com dois séculos de
antecedência, aos umbrais da era industrial (séc. XVIII) com sua explosão de
riqueza, populacional e expectativa de vida.

Para crédito do cristianismo formal ou organizado, também é mister e justo


reconhecer as obras de caridade ou assistenciais que realizou durante a Idade
Média. As quais, embora sejam inúmeras, podem ser sintetizadas ao fazer
referência às esmolas aos pobres, à hospitalidade dos mosteiros que ofereciam
acomodações e comida gratuitamente a viajantes e estrangeiros, a busca e o
resgate de infelizes e perdidos em florestas e outros lugares remotos durante a
noite, a instalação e montagem de dispositivos marinhos para avisar os marinheiros
dos obstáculos perigosos, além da reserva de provisões para os náufragos.
Outrossim, a construção e reparação de pontes, estradas e outros elementos da
infraestrutura medieval e a educação religiosa e secular através dos manuscritos de
documentos e livros do mundo antigo preservados e copiados pelos monges. A
propósito, foi este papel cultural exercido pela Igreja, através de suas escolas
catedráticas, bibliotecas e copistas, que, efetivamente, salvou a civilização antiga e
permitiu o surgimento de uma superior.
17
Corroborando este papel cultural da igreja, deve-se registrar o fato de serem
fartas ou abundantes as evidências que testemunham a favor da devoção dos
monges pelos livros e, por conseguinte, pelo conhecimento e pela cultura. Foi esta
apreciação, preservação, estudo e ensino das obras antigas clássicas e religiosas
que as salvaram da destruição e esquecimento, permitindo que as mesmas
chegassem até o presente. A obra máxima da cultura judaico-cristã, a Bíblia
Sagrada, por exemplo, foi preservada em grande estilo com primorosas iluminuras
artísticas, tornando-a além de uma obra de fé, por excelência, também uma obra de
arte. Suas numerosas cópias, em várias versões, permitiram que o texto sacro
chegasse, com integridade e fidelidade, até os dias atuais.

Nesta mesma categoria de contribuições, a Igreja também preservou as


capacidades simples, mas auspiciosas, de ler e escrever. Mais uma vez, os
mosteiros desempenharam um papel crucial, pois a preservação destas habilidades
permitiu a transformação dos mesmos em centros florescentes de vida religiosa e
ensino de conhecimentos tão diversos quanto a medicina, as artes plásticas e as
línguas (latim, grego, hebreu e árabe). Desse modo, em parceria com os sacerdotes
católicos, os monges fundaram escolas e se tornaram professores, pensadores e
filósofos da época os quais moldaram o pensamento político e religioso de então.
Enfim, seu esforço conjunto lançou as bases das universidades modernas as quais
eram centros de transmissão e aperfeiçoamento do pensamento e da cultura
civilizacional do mundo antigo. A esse respeito declara Woods (2008, p. 44):

Mas o empenho com que os monges fomentaram a escrita e a


educação evitou que a terrível destruição que se abateu sobre os gregos
micênicos [século XII a.C.] viesse a repetir-se na Europa após a queda do
Império Romano. Desta vez, graças aos monges, o cultivo do espírito
pela leitura e pela escrita sobreviveu à catástrofe política e social. (grifo
nosso)

Em suma, embora as contribuições da Igreja Católica tenham excedido, em


muito, a preservação destas habilidades ou capacidades simples da leitura e da
escrita, foi sobre pilares singelos como este e sofisticados como a mecanização para

18
fins domésticos e industriais que foi possível preservar a cultura antiga e fazer
florescer uma nova civilização diante da invasão bárbara. Infelizmente, conforme
Woods (2008, p.44), os gregos micênicos não tiveram a mesma sorte em face da
invasão dos dórios que resultou em três séculos de completo analfabetismo, período
este sim reconhecido, com justiça, como a Era Negra ou a Idade das Trevas da
Grécia.

19
2. OS MITOS EM GERAL E O MITO FUNDADOR DO OCIDENTE

Conforme o teólogo e escritor Ronaldo Lidório (2011) o mito é uma força


cultural com implicações sociais e caracterizado, entre outros aspectos, pelo seu
dinamismo, visto ser constantemente recriado a cada mudança histórica. Outrossim,
ele não “se distingue da história por critérios de veracidade, mas sim, pela forma.”
(LINDÓRIO, 2011, p.130) Isto é, o mito não consiste numa história contada, mas
vivida e viva. Pois, apesar do evento histórico, que o ensejou, haver ocorrido em
tempos remotos, continua sua influência sobre o mundo e o destino humano no
presente.

Entre suas funções, o teólogo citado menciona a fundamentação de ideias,


conceitos e crenças para a elucidação de fatos e eventos da realidade a fim de
reconhecer e/ou atribuir sentido a vida. Outrossim, os mitos são destinados à
definição da organização social dos agrupamentos humanos e para a resolução dos
seus conflitos. Finalmente, no seu aspecto dinâmico ou manipulável, ele se destina
ao suprimento das expectativas ou necessidades do povo à medida que se encaixe
ao seu perfil. Este aspecto é também denominado de utilitário porque, prestando-se
à explicação de determinados fatos - tais como guerras, epidemias e desastres –
oferece conforto psicológico aos envolvidos. Conforme suas próprias palavras, ele
declara:

De certa forma mito e magia compartilham o mesmo valor utilitário.


Enquanto a magia se propõe a ser uma prática de manipulação da vida, o
mito fundamenta as idéias, conceitos e crenças para que a vida faça
sentido, sobretudo a religiosidade. As explicações da vida, da existência,
dos poderes que regem o mundo, das enfermidades, certezas e incertezas,
a dubiedade do universo, tudo pode ser encontrado, seus valores, na
mitologia de um grupo quando a mesma é preservada e transmitida.

Nossa observação, sobretudo dos Konkombas de Gana, leva-me a pensar


que há uma modulação entre o perfil étnico e a mitologia presente. Ou seja,
a forma tradicional ou progressista, ética ou aética, mágica ou espiritualista,
teófana ou naturalista, de um grupo coincide com os elementos em sua
mitologia que fundamentam não apenas suas crenças, mas seu perfil
etno-social desde o agrupamento até a solução para os conflitos da
vida. Sendo a mitologia dinâmica, possivelmente os representantes de um
grupo, com clara fundamentação em sua mitologia, não apenas se
20
utilizaram dos mitos existentes, mas também criaram e recriaram estes
e novos mitos a fim de que se encaixassem no perfil do povo e
suprisse a sua expectativa. (LINDÓRIO, 2011, p.130, grifo nosso)

Em suma, Lindório (2011, p.131) assevera que:

Assim, os mitos funcionam como interlocutores entre os grupos com


enraizada tradição oral e interagem com a vida, explicando-a e sendo
moldados, a fim de explicá-la.

Mitos, então, são narrativas de idéias mais antigas. Ao passo que novos
mitos podem ser criados, os mais antigos influenciam mais a
comunidade.

[...]

A história é uma narrativa verídica comprovada e o mito necessita de fé,


pois é uma narrativa experimentada. (grifo nosso)

Por fim, o estudioso cataloga sete categorias de mitos, a saber, os mitos de


cosmogonias que tratam a respeito de sistemas e momentos da origem do universo
e do homem; os mitos de antropogonias os quais relatam a criação do ambiente de
vida humano; os mitos antigos que tratam de períodos marcantes após a criação; os
mitos de metamorfose que se relacionam com eventos marcantes e responsáveis
pelas transformações da forma antiga do mundo; os mitos de seres espirituais
relativos a personagens invisíveis, seus nomes, história, feitos e origens; os mitos
naturais que relatam e explicam fatos naturais e, finalmente, os mitos messiânicos
que traçam relatos acerca de personagens ou forças que trazem salvação ao povo.

2.1. A Perspectiva de um Mitologista Profissional.

Não há dúvida que - a despeito do seu panteísmo budista que propôs em


substituição do cristianismo como a nova mitologia planetária e necessária, capaz de
salvar a vida na Terra - suas observações propriamente técnicas são úteis e
apreciáveis, sendo, portanto, válidas para o esclarecimento a respeito da natureza e
relevância dos mitos em geral no contexto contemporâneo. Muito embora, nem

21
sempre traga luz a real natureza revelada do Mito Fundador ocidental por
excelência, a saber, o mito cristão.

Sendo assim, em sua entrevista (transformada em livro e documentário) ao


jornalista Bill Moyers, o celebrado mitologista e acadêmico norte-americano Joseph
Campbell (1904-1987) - inspirador do cineasta hollywoodiano George Lucas em sua
obra mais conhecida, Star Wars – assim se expressa a respeito do que vem a ser os
mitos afirmando que os mesmos são “a literatura do espírito (...) nossa grande
tradição (...) que falam dos valores eternos, que têm a ver com o centro de nossas
vidas.” (FLOWERS, 1990, p.14) Outrossim, numa perspectiva possivelmente
junguiana do inconsciente coletivo, ele afirma ainda que os mesmos advêm dos
sonhos arquetípicos do mundo cujos temas são os problemas magnos da
humanidade. Ou ainda, que consistem numa espécie de música oriunda da
imaginação e inspirada nas energias do próprio corpo físico humano. Segundo
Campbell (FLOWERS, 1990, p.46), “Mitos e sonhos vêm do mesmo lugar. Vêm de
tomadas de consciência de uma espécie tal que precisam encontrar expressão
numa forma simbólica.”

Ele também esclarece que os mitos atribuem ao indivíduo uma perspectiva,


um sentido aos eventos de sua vida, fazendo assim com que ele perceba a
relevância do que lhe ocorre. Dito de outro modo, os mitos são histórias contadas
que visam harmonizar o indivíduo e a coletividade com o mundo e a realidade. Para
tanto, os grandes romances da literatura ocidental são bastante úteis e instrutivos. E
isto, seguramente, porque, conforme se verá adiante, tais romances carregam em
seus esquemas narrativos os padrões de autocompreensão contidos nos mitos.
Desse modo, Campbell (1990) assevera:

Esses bocados de informação, provenientes dos tempos antigos, que têm a


ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, que
construíram civilizações e formaram religiões através dos séculos, têm
a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos
mistérios, com os profundos limiares da travessia, e se você não souber o
que dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta.
(FLOWERS, 1990, p.15, grifo nosso)

22
Com esta introdução, tem-se já uma boa noção do que vem a ser os mitos e
sua importância, contudo, num momento posterior da entrevista, ele oferece uma
definição mais sistêmica ou precisa do mito, afirmando que:

A definição de dicionário seria: História sobre deuses. Isso obriga a fazer a


pergunta seguinte: Que é um deus? Um deus é a personificação de um
poder motivador ou de um sistema de valores que funciona para a vida
humana e para o universo – os poderes do seu próprio corpo e da
natureza. Os mitos são metáforas da potencialidade espiritual do ser
humano, e os mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida
do mundo. Mas há também mitos e deuses que têm a ver com sociedades
específicas ou com as deidades tutelares da sociedade. Em outras
palavras, há duas espécies totalmente diferentes de mitologia. Há a
mitologia que relaciona você com sua própria natureza e com o mundo
natural, de que você é parte. E há a mitologia estritamente sociológica, que
liga você a uma sociedade em particular. (FLOWERS, 1990, p.37, grifo
nosso)

Sendo assim, quando interpelado pelo jornalista a respeito de serem os mitos


uma busca por significado e verdade, o estudioso afirma, segundo sua perspectiva,
que, a rigor, os mitos seriam uma expressão da procura humana por experiências de
vida, ou seja, por experiências de estar vivo fisicamente as quais, por sua vez,
possam exercer influência sobre o que há de mais íntimo no ser, fazendo, desse
modo, com que ele sinta o enlevo ou o êxtase de estar vivo. Sendo assim, os mitos,
mais exatamente, forneceriam pistas para as potencialidades espirituais do ser
humano, para que este possa conhecê-las e experimentá-las. E isto porque,
segundo Campbell, o que vale é o prodígio ou a maravilha de estar vivo. Em outras
palavras “[os mitos] ensinam que você pode se voltar para dentro e (...) começar a
captar a mensagem dos símbolos (...) O mito o ajuda a colocar sua mente em
contato com essa experiência de estar vivo. Ele lhe diz o que a experiência é.”
(FLOWERS, 1990, p.17)

Outrossim, ainda quanto ao conteúdo dos mitos, Campbell (1990) informa que
suas histórias, temas ou motivos básicos, encontrados tanto no hemisfério oriental
quanto ocidental do globo terrestre, são sempre os mesmos, estando, entretanto,
sujeitos a variações de menor importância conforme a inflexão ou enfoque da

23
cultural local. Desse modo, mencionando um novo mito que, segundo ele, há de vir,
especifica alguns destes motivos. Ele declara:

E ele lidará exatamente com aquilo com que todos os mitos têm lidado
– o amadurecimento do indivíduo, da dependência à idade adulta,
depois à maturidade e depois à morte; e então com a questão de como
se relacionar com esta sociedade e como relacionar esta sociedade
com o mundo da natureza e com o cosmos. É disso que os mitos têm
falado, desde sempre, e é disso que o novo mito terá de falar. Mas ele
falará da sociedade planetária. (FLOWERS, 1990, p.46)

Por isso, conforme o mitologista, em face da importância fundamental do mito,


uma sociedade desmitologizada, mais especificamente, a ausência, na sociedade
ocidental, de uma mitologia poderosa resultaria, por exemplo, em atos violentos e
destrutivos de jovens que não sabem como se portar em uma sociedade civilizada.
Nisto estando incluído o mau uso de drogas. Portanto, uma sociedade sem grandes
mitos que auxiliem os jovens, e as pessoas em geral, na sua compreensão e
relacionamento com o mundo é uma sociedade sem ethos7 e sem rituais capazes de
introduzi-los ao convívio social, disto resultando uma “sociedade” enferma e caótica.
Conforme Campbell (1990), esta situação se daria em razão das mudanças
aceleradas dos paradigmas culturais e morais. E a julgar pelo estado no qual se
encontra a sociedade brasileira hodierna, como um reflexo do seu tempo, cada vez
mais distanciada do seu mito fundador cristão, pode-se dizer que, no século XXI, a
situação tem sido agravada. Em suma, Campbell (1990), diante desse quadro,
menciona um sentimento ou noção que seria comum a todos de que o Armagedon
se aproxima.

Ele menciona, como exemplo destas mudanças paradigmáticas, a forte


tendência à especialização dos centros acadêmicos ou universitários nos E.U.A. que
demandam uma tarefa colossal, centrada no aprendizado de tecnologias e no

7
Para Campbell (1990), ethos consiste num conjunto de regras tácitas ou subentendidas e não
escritas, ou ainda em costumes e compreensões gerais ou homogeneizados da forma como as
coisas devem ou não ser realizadas os quais orientam o comportamento das pessoas no trato com
outras pessoas, incluindo as regras de etiqueta.

24
acúmulo de informações em detrimento de uma escala generalista e mais
genuinamente humana de estudos. Pois, esta abrangência mais ampla, conforme
Campbell (1990), além dos aspectos técnicos, também contempla a dimensão
relativa à sabedoria de vida oferecida pela pesquisa mitológica. Ou seja, os mitos
também conteriam mensagens válidas para o mundo contemporâneo dominado pela
tecnologia.

Buscando ainda evidenciar a relevância da mitologia para as sociedades


modernas, ele compara os mitos com uma espécie de alimento espiritual vital para a
alma, visto que estes têm como finalidade revelar a essência ou o que está por trás
da literatura, das artes e da própria vida. Portanto, de acordo com Campbell (apud
FLOWERS, 1990, p.25):

A mitologia tem muito a ver com os estágios da vida, as cerimônias de


iniciação, quando você passa da infância para as responsabilidades do
adulto, da condição de solteiro para a de casado. Todos esses rituais
são ritos mitológicos. Todos têm a ver com o novo papel que você passa
a desempenhar, com o processo de atirar fora o que é velho para voltar
com o novo, assumindo uma função responsável. (grifo nosso)

Assim sendo, ele menciona alguns profissionais-modelo e rituais da


sociedade moderna que funcionam como mitos e, dessa forma, contribuem para, ou
mesmo estabelecem, a ordem social. Por exemplo, o juiz e o presidente de uma
nação cujos papéis consistem em representar com integridade os princípios que
regem um país. Sendo reverenciados não apenas por suas personalidades, mas,
sobretudo, pelo papel mitológico que representam. Ademais, além da cerimônia de
casamento, ele menciona ainda o alistamento militar e o ato consecutivo de vestir o
uniforme, entre outros, os quais encontram seus correspondentes mesmo nas
sociedades mais primitivas. Dito de outro modo, como figuras míticas, as pessoas
que representam papéis relevantes para a sociedade, tornam-se educadores para a
vida.

Como se pode observar, como educadores, os mitos são úteis tanto para a
formação pessoal do indivíduo quando da sociedade como um todo, além de

25
contribuir significativamente para a manutenção da paz ou harmonia intrapsíquica e
social. Ou, pelo menos, para controlar a violência e mantê-la em níveis toleráveis. E
isto porque, em suma, os mitos imputam ao indivíduo, desde a mais tenra infância,
uma consciência espiritual e, portanto, elevada a outro nível ou patamar da
realidade, situando-o e ensinando a reagir corretamente diante das diversas
situações da vida, desde as mais difíceis às mais agradáveis.

Contudo, diante de um contexto, a rigor, desmitologizado, Campbell (1990)


fala ainda da necessidade do surgimento de novos mitos para a renovação e/ou
restauração das velhas histórias conforme as circunstâncias ou demandas de cada
época. Neste ponto, o mitologista secular em questão capitula tacitamente a favor do
mito cristão ao asseverar que os mitos são como sistemas operacionais que fazem
funcionar o computador, sendo, portanto, mais adequado que cada indivíduo, e por
extensão, cada sociedade permaneça com aquele conjunto de mitos coerentes entre
si e nos quais construiu sua existência. Esta observação, portanto, aplica-se
perfeitamente à civilização ocidental cujo surgimento, como explicitado no capítulo
anterior, deveu-se em grande medida ao cristianismo medieval. Embora,
contraditoriamente, o mitologista advogue em favor da mitologia budista.

Enfim, o mitologista faz uma síntese das principais categorias funcionais dos
mitos. Ele informa serem estas, basicamente, três, a saber, a função mística, a
função cosmológica e a função sociológica. A primeira delas consiste na
característica constitutiva essencial de todo mito, sem a qual, uma mitologia jamais
existiria. Esta função visa abrir o mundo ou a consciência humana para a dimensão
do mistério que subjaz ou compõe todas as formas existentes da realidade. Em
outras palavras, a primeira destas funções, objetiva manifestar o mistério que há em
todas as coisas e seres que constituem a realidade. Como efeito ou consequência
desta função, o indivíduo torna-se capaz de manter-se em contato ou consciente do
mistério transcendente mesmo através das circunstâncias cotidianas da vida.
Outrossim, para este indivíduo, o universo tornar-se-á como uma pintura sagrada.

A função cosmológica, geralmente explorada pela ciência, por sua vez, visa
demonstrar o funcionamento do universo sem, contudo, poder explicar o que, de
fato, ele é ou, em última análise, do que é formado. E, finalmente, a função
26
sociológica que fundamenta e valida a ordem social dos agrupamentos humanos.
Referindo-se ele, indiretamente, ao cristianismo, teria sido esta, a função ou
dimensão sociológica do mito, que assumira a direção do mundo ocidental e que
estaria desatualizada.

A propósito, a este respeito, pode-se asseverar com razão que, de fato, o mito
cristão e a religião respectiva devem ser renovados no sentido de penetrar,
esclarecer e preservar sua pureza original ou essencial, seus artigos de fé, isto é,
seus princípios cruciais, enquanto se modifica os elementos periféricos ou
prescindíveis de acordo com o perfil de cada época histórica e conforme propuseram
o movimento puritano moderno e o historiador Alexis de Tocqueville (1805 -1859)
como se verá mais adiante nos capítulos 4 e 6. A rigor, pensadores cristãos mais
recentes, como o acadêmico de Oxford, C. S. Lewis (1898-1963), entre outros, já se
ocupam deste assunto, na verdade, desde a Reforma Protestante (1517). E,
certamente, tem sido o trabalho destes homens que, auxiliados pela graça Divina,
permitiu que o cristianismo chegasse até os dias presentes.

2.2. A Perspectiva de um Filósofo Cristão.

Havendo oferecido conteúdo suficiente para uma noção e compreensão mais


precisas do conceito técnico e acadêmico de mito ou mitologia e a respeito do seu
valor imprescindível tanto para o indivíduo quanto para a sociedade como um todo,
nesta secção do trabalho, o foco será colocado mais diretamente no tema que
motivou a realização do mesmo, a saber, o Mito Cristão propriamente dito que aqui
será tratado numa perspectiva filosófica.

Desse modo, conforme o filósofo Olavo de Carvalho (2001), Mito Fundador e


ideologia são conceitos totalmente distintos que correspondem a realidades
diametralmente antagônicas. Cuja confusão, por parte do meio acadêmico nacional,
é injustificável.

Ideologia consiste num “discurso que não compreende a realidade, mas


motiva os homens a substituir uma realidade que compreenderam mal por outra da
qual não vão compreender nada.” (CARVALHO, 2001). Assim, por exemplo, foram o
socialismo de Lenin e o nazismo de Hitler que, com suas interpretações falseadas
27
dos problemas das sociedades tzarista e alemã, substituíram-nas por
monstruosidades ou pesadelos ininteligíveis. Portanto, de maneira contundente e
franca, Carvalho (2001) esclarece que a ideologia corresponde a “uma enorme
ilusão coletiva inventada por espertalhões da classe dominante para colocar os
homens a seu serviço – uma imensa cenoura de burro a orientar o trajeto da carroça
histórica.” Já o conceito de Mito Fundador, formulado ou trazido a lume pelo filósofo
alemão Friedrich W. J. Schelling (1775 – 1854):

(...) ao contrário, é uma verdade inicial compactada que, no desenrolar da


História vai desdobrando o seu sentido e florescendo sob a forma de
ciência, de leis, de valores, de civilização. Um mito fundador não é um
‘produto cultural’, pela simples razão de que ele, e só ele, é a semente de
toda a cultura possível.” (CARVALHO, 2001).

Outrossim, ainda de acordo com Carvalho (2001):

Um mito fundador constitui-se, em geral, da narrativa simbólica de


fatos que efetivamente sucederam, fatos tão essenciais e significativos
que acabam por transferir parte do seu padrão de significado para tudo
o que venha a acontecer em seguida numa determinada área
civilizacional. Assim, por exemplo, Northrop Frye8 demonstrou que todos
os esquemas narrativos conhecidos na grande literatura ocidental são
variações de enredos bíblicos.

Ora, os esquemas narrativos da literatura superior são os padrões de


autocompreensão imaginativa de uma civilização. E os padrões de
autocompreensão imaginativa são, por sua vez, os esquemas de ação
possíveis.

A Bíblia, mito fundador da civilização ocidental, está no fundo de toda


a nossa compreensão de nós mesmos e de todas as nossas
possibilidades de ação. (grifo nosso)

Em suma, o Mito Fundador da civilização ocidental consiste no conteúdo


histórico e simbólico das Sagradas Escrituras do qual resultou o surgimento da

8
Herman Northrop Frye (1912-1991) foi um crítico literário canadense, um dos mais célebres do
século XX. Sua principal reputação reside, principalmente, na área da teoria da crítica literária (...) [na
qual realizou] um dos mais importantes trabalhos de teoria literária publicados no século 20. O crítico
americano, Harold Bloom, comentou na época da publicação de Anatomia da Crítica (1957), que este
livro estabeleceu Frye como o melhor acadêmico da literatura ocidental de seu tempo. (Vide
https://pt.wikipedia.org/wiki/Northrop_Frye)

28
civilização, visto funcionar como a semente da cultura do mundo ocidental que
brotou e floresceu na forma de teorias científicas, legislações variadas e valores
éticos civilizacionais. Em outras palavras, os padrões de autocompreensão legados
pelas Escrituras e manifestos na literatura superior ocidental através de esquemas
narrativos contém todo o repertório conceitual e comportamental fundamental desta
mesma civilização.

Conforme o filósofo, da conexão cada vez mais tênue e evanescente da


história brasileira com este Mito9 decorre o que denomina de anomalia espiritual
assustadora que priva um país de dimensões continentais, com mais de 500 anos
de existência, de personagens relevantes como são os santos, os místicos e os
filósofos. Disto resultando a radical desorientação da sociedade brasileira como se
observa hodiernamente.

Enfim, fazendo relembrar o oráculo neotestamentário registrado por Levi, o


publicano, que ratifica a preeminência do atemporal, eterno e invisível sobre o
temporal, efêmero e visível, no Evangelho de Mateus (6:31-33), entre outros textos
de mesmo sentido, Carvalho (2001) ressalta que mesmo povos e comunidades mais
primitivas ou rudimentares reconheciam a necessária precedência cronológica e
hierárquica de algum tipo de conhecimento metafísico que possibilite a organização
da alma humana e, consequentemente, a ação racional desta sobre a natureza e em
sociedade. Destarte, a consistência no plano espiritual seria a única coisa
primordialmente necessária à espécie humana.

Sendo assim, a proposta de uma ordem contrária ou inversa destes fatores,


carregada com a crença materialista de uma sociedade ideal com 200 milhões de
cidadãos satisfeitos e rechonchudos, é, na verdade, uma pretensão insensata sem
paralelo no repertório das possibilidades históricas.

Em suma, a Civilização Ocidental é, essencialmente, um conjunto de


conceitos dos quais os primeiros e mais relevantes, de aplicação mais abrangente e
universal, são os teológicos que, por sua vez, advêm do "Mito Fundador" da mesma

9
O Mito civilizatório foi substituído por mitos tribais indígenas e africanos e, finalmente, pela ideologia
socialista, isto é, por verdades parciais e, por fim, pela mentira completa.

29
civilização, a saber, a história registrada ou escrita de Jesus Cristo. Foi este "Mito"
histórico, incomparavelmente importante e riquíssimo em significados simbólicos,
que, através dos monges10 medievais, tornou possível o surgimento da única
civilização existente no planeta no sentido estrito do termo. E isto por meio da
especificação ou diferenciação teológica do mesmo nas diversas áreas do
conhecimento humano: filosófica, científica, jurídica, artística, etc.

À guisa de ilustração, é útil, neste ponto, trazer a baila a opinião de um


teólogo e filósofo inglês chamado Alan W. Watts (1915-1973). A despeito de sua
militância cultural em favor de uma espécie de panteísmo ateísta e orgânico e,
apesar da interpretação negativa e equivocada que faz dos textos bíblicos, ele se vê
obrigado a admitir a força do que denomina modelo ou imagem em vigor no
imaginário da civilização ocidental oriundo destes mesmos textos. Também
qualificando este modelo ou imagem como um conceito mitológico pertencente ao
imaginário ocidental afirma, entretanto, que sua função consiste em atribuir sentido
ao mundo ocidental, não implicando, portanto, em falsidade, mas em “um imaginário
do qual extraímos sentido da vida”. (WATTS, 2001, p.10)

Sendo assim, tratando do relato bíblico a respeito da criação do ser humano a


partir do barro, ele assevera: “Esta é uma imagem básica inserida profundamente no
senso comum da maioria dos povos do mundo ocidental.”

Outrossim, em termos políticos, para este mesmo imaginário e,


consequentemente, para o senso comum do homem ocidental, o universo assumiria
a forma de uma monarquia política. Segundo Watts (2001), o livro do Gênesis teria
como ideia fundamental e subjacente as monarquias despóticas do Oriente Próximo,
mais precisamente, aquelas exercidas por Hamurabi (? -1750 a.C.), o legislador e
primeiro rei do chamado império paleobabilônico, e pelos faraós do Egito antigo. Em
outras palavras, uma ideia que compreende o universo “como um sistema de ordem
imposta de cima pela força espiritual, à qual devemos obediência.” (apud

10
É justo e devido o reconhecimento do trabalho dos monges para a construção da civilização, pois
eles absorveram, selecionaram e regularam o que havia de melhor na cultura clássica greco-romano
e, com seu trabalho incansável e heróico de evangelismo, educaram os povos bárbaros. Tudo isto,
evidentemente, não seria possível sem o imprescindível auxílio Divino.

30
CAMPBELL, 2001, p.9) Esta ideia traria em seu bojo o entendimento de que o
mundo físico, incluindo o ser humano, consistiria num artefato, isto é, algo feito,
construído ou formado de cerâmica, argila ou barro. E, por conseguinte, implicaria
ainda outras compreensões tais como a de que o mundo e o próprio ser humano
não são, obviamente, criações de si mesmos, demandando, portanto, a necessidade
de uma inteligência e força externa e superior à matéria para sua formação ou
configuração em formas inteligíveis. Por sua vez, disto também decorreria a relação
dicotômica entre matéria e forma, ou matéria e mente encontrada em Aristóteles
(384-322 a.C.) e Tomás de Aquino (1225-1274 d.C.). Conforme o teólogo, está
noção que distingue matéria e energia espiritual ou matéria bruta não-inteligente e
espírito ativo inteligente, tornou-se uma questão básica ou fundamento que orienta,
até hoje, o pensamento ocidental.

Portanto, pode-se observar que, além da influência obvia para a teologia e a


filosofia, esta noção também influenciou a ciência, particularmente, a medicina que
desde a década de 70, pelo menos, tem empreendido pesquisas sistemáticas a
respeito das chamadas Experiências de Quase Morte. O Dr. Sam Parnia, do centro
médico da Universidade Langone em Nova York e diretor da pesquisa mais extensa
já realizada até o presente sobre o assunto, juntamente com sua equipe, têm
relatado evidências a favor da subsistência da consciência humana após a morte. E,
portanto, a favor da teoria que assevera não ser a mente humana resultado
exclusivo do funcionamento cerebral. Outra esfera de influência deste princípio
dicotômico, conforme Watts (apud CAMPBELL, 2001), consiste no campo artístico,
ou antes, na sua filosofia da arte que compreende o trabalho do artista como sendo
uma imposição da vontade ou do espírito sobre um material resistente, difícil de
dominar e submeter ou intratável. De acordo com o teólogo, “Mesmo um grande
historiador da arte como André Malraux [1901-1976] fala dessa tensão entre a visão
do artista, sua vontade e sua técnica, e a intratabilidade material, grosseira, da
coisa.” (WATTS apud CAMPBELL, 2001, p.9)

A rigor, conforme o filósofo inglês, o supedâneo da ciência ocidental advém


mesmo do “mito” bíblico da criação especial, da ideia de que o mundo foi feito por

31
Deus através de Sua Palavra a qual, portanto, consistiria a lei que rege o
funcionamento de todos os processos do universo. Desse modo, ele assera que:

Toda a busca de conhecimento no mundo ocidental foi para determinar


as leis, a Palavra que foi lançada no princípio e é obedecida por todos
os processos vivos. Se pudéssemos entender a palavra de Deus,
poderíamos predizer o futuro. Logo, grande parte das profecias,
principalmente o Velho Testamento, consiste em livros escritos pelos que
ouviram a palavra do Senhor e sabiam o que iria acontecer. Esta é a base
da ciência ocidental. É a idéia de profecia, de previsão, porque se você
conhece o futuro, pode se preparar para ele e assumir o controle.
(CAMPBELL, 2001, p.11)

Enfim, Watts (2001) informa ainda que outro modelo ou imagem veio a
reboque do “mito” judaico-cristão da criação especial, a saber, o modelo mecânico
ou automático. Sendo o mundo um constructo ou artefato regido pela Lei Divina, ele,
naturalmente, passou a ser compreendido como um mecanismo automático. O qual,
entretanto e posteriormente, o pensamento moderno viria a desvincular do seu
Criador e Artífice para torná-lo um processo exclusivamente mecânico, frio e
irracional. Desse modo, de acordo com o filósofo, este foi o modelo utilizado, por
exemplo, por Sir Isaac Newton (1643-1727), Sigmund Freud (1856-1939) que se
referiu ao inconsciente em termos psicohidráulicos e Ernest Haeckel (1834-1919)
que qualificou a energia dinâmica do mundo como energia cega.

32
3. A IMPORTÂNCIA OU A FUNÇÃO DA COSMOVISÃO JUDAICO-CRISTÃ
PARA O SURGIMENTO E SOBREVIVÊNCIA DA CIVILIZAÇÃO
OCIDENTAL

De acordo com o sociólogo da Escola de Sociologia e Política de São Paulo


(FESPSP) e pesquisador do Instituto Ramon Lullul, Ricardo de Mello (2018), a
tradição judaico-cristã foi determinante para o surgimento das nações ocidentais
modernas. De acordo com o pesquisador, as culturas destas nações somente
puderam vir à existência em razão do recebimento e infusão dos valores e ideias da
filosofia clássica e da moral judaico-cristã e não do desenvolvimento de formas
culturais autóctones e tribais locais. A propósito, conforme pincelado no capítulo
primeiro deste trabalho e de acordo com os compêndios de história secular e
sagrada, esta infusão se deveu a obra missionária de monges cristãos católicos
durante a Idade Média. Portanto, mais precisamente, a principal tradição do mundo
ocidental consiste na tradição latina, isto é, da Igreja de Roma.

Sendo assim, historicamente, foi a cosmovisão judaico-cristã, na perspectiva


da Igreja Romana, como uma espécie de semente original, quem deu à luz a religião
cristã moderna e organizada com suas ideias e valores transcendentes a qual, por
sua vez, fez surgir a cultura e a moralidade ocidentais específicas e, por
conseguinte, a própria civilização ocidental. A esse respeito Eliot (2011, p.30 apud
MELLO, 2018, grifo nosso), em última análise, assevera:

Foi a cosmovisão judaico-cristã que lançou a semente, as ideias e valores,


que permitiu o florescimento da Civilização. “[...] cultura alguma pode
aparecer ou desaparecer a não ser em relação a uma religião.”. (...)
Toda grande cultura ou civilização tem certa origem em valores
transcendentais fornecidos pela religião. É a matriz religiosa que torna
possível edificar e sustentar uma grande cultura, nenhuma Civilização
se mantém em si mesma, ela necessita de uma visão metafísica para
se perpetuar. E no caso da Civilização Ocidental é a cosmovisão judaico-
cristã que fornece essa perspectiva metafísica.

33
Se é da religião que procede a semente espiritual e/ou cultural de qualquer
civilização, qual seria então esta semente? Quais ideias ela comportaria em si
mesma para permitir tamanho efeito? De acordo com Mello (2018) estas ideias,
basicamente, estão relacionadas, no caso específico do cristianismo, com valores
humanos universais, abrangentes e inclusivos. Mais precisamente, têm a ver com a
natureza do ser humano, sua essência ou com a existência em si e as qualidades
inatas de uma interioridade presente em cada indivíduo da espécie humana.

Estas qualidades são, especificamente, a racionalidade, a liberdade, a


responsabilidade, a criatividade ou a capacidade criadora entre outras. Portanto,
conforme o pensamento cristão, a despeito das diversas formas de existência e de
suas circunstâncias de tempo, espaço ou sociais, o ser humano, em essência, é o
mesmo. E, uma vez que esta natureza é revelada e demonstrada pelo cristianismo,
é possível, a partir de então, o desenvolvimento da cultura tanto a nível individual ou
pessoal quanto coletivo em sociedade. Sendo esta mesma a vocação e
responsabilidade civilizatória de caráter universal do cristianismo que o impele a
espalhar a cultura cristã constituída ainda e, sobretudo, das chamadas virtudes
teologais (amor, fé e esperança) e também das cardinais (prudência, justiça,
temperança e fortaleza). Destarte, como se pode observar, seu propósito original
nada tem a ver com a sede de poder imperial ou colonialista.

Muito ao contrário, a revelação histórica do cristianismo fala da encarnação


de Deus e do seu relacionamento ou encontro com todas as culturas, justificando
nelas o que há de mais elevado e verdadeiro e completando seus significados.
Conforme Mello (2018): “este encontro constitui a grandeza da civilização ocidental,
da sua mística, e religiosidade, da sua teologia e filosofia, da sua arte e técnica,
numa palavra, do seu pensamento, das suas obras e dos seus feitos.”

Em outras palavras, Jesus Cristo mesmo é a semente da civilização ocidental


original e originária. Com sua cosmovisão constituída de valores, ideias ou princípios
e, sobretudo, com o poder de atração de sua obra expiatória universal, acrônica e
histórica, por meio dos seus discípulos e através dos séculos, Ele inaugurou uma
idiossincrasia própria, ou um modo próprio de compreender e estar no mundo. Este,
por sua vez criou e estabeleceu uma cultura que, por fim, resultou no que hoje é
34
denominado civilização ocidental. Como assinalado anteriormente, este modo de ser
consiste, basicamente, do conhecimento e cultivo da interioridade ou da alma
humana e da experiência e prática das virtudes teologais e cardinais.

Enfim, o patrimônio cultural cristão legado à humanidade se constitui no laço


ou elo civilizacional que atribui coesão e identidade ao mundo ocidental. E, ao
mesmo tempo, que respeita e conserva o melhor das peculiaridades de cada cultura
local autóctone, a herança cristã das nações modernas garante a sobrevivência e
perpetuação destas mesmas peculiaridades culturais. Foi este legado também que
enriqueceu a civilização ocidental, fez evoluir a arte, transmitiu, aperfeiçoadas, as
concepções legais romanas e de moralidade pública e privada, além dos padrões
comuns da literatura.

Entretanto, a despeito de tantos benefícios experimentados ao longo dos


séculos, há uma guerra cultural movida por setores da própria sociedade ocidental
contra o legado cristão que intenta, constantemente, substitui-lo por uma nova
cultura global. Aqueles que advogam esta cultura desejam atribuir às pessoas uma
nova consciência de unidade e interdependência entre todos os seres à moda
panteísta, visando à cooperação de todos para um projeto de mundo que acreditam
representar a evolução natural da vida. A rigor, seus projetos culturais anticristãos,
apesar de se justificarem em valores como a tolerância, o diálogo e a integração dos
povos, objetiva o estabelecimento de um poder global totalitário. Ao qual pretendem
chegar, paulatinamente, de acordo com Mello (2018), através de uma reengenharia
social que lança mão, intensiva e massivamente, de métodos psicológicos sutis.

35
4. PRINCÍPIOS CRISTÃOS OU O EXEMPLO HISTÓRICO DO
MOVIMENTO PURITANO ANGLO-SAXÔNICO

A civilização ocidental surgiu entre os séculos XII e XIII, na chamada Alta


Idade Média, como resultado, essencialmente, do cristianismo experienciado na vida
cotidiana e intelectual dos mosteiros da Igreja Católica Romana os quais
conservaram a cultura clássica greco-romana e deram origem as universidades,
difundindo assim suas práticas e crenças religiosas escolásticas através da Europa.

Foi este arranjo da cultura judaico-cristã com a cultura clássica que permitiu o
florescimento da civilização ocidental, atribuindo a ela sua identidade ou caráter
peculiar que a diferencia do mundo oriental constituído, dessa forma, pela religião
cristã, a democracia grega e o estado de direito romano. Havendo sido, estes dois
últimos, graduados, moderados ou aperfeiçoados pelos princípios da religião cristã.

Contudo, já desde o século XVI, com o Movimento Renascentista, esta


estrutura espiritual e cultural tem sido combatida por filosofias humanistas,
antropocêntricas e revolucionárias. Mormente nos dois últimos séculos, gerando a
perda dos referenciais espirituais, intelectuais e morais tradicionais e toda a sorte de
consequências nefastas nas esferas sociais, econômicas e políticas. Neste contexto,
podemos citar as duas grandes guerras mundiais, as revoluções comunistas e o
nazismo com os seus respectivos democídios ou genocídios, politicídios e
assassinatos em massa.

Portanto, visando recuperar os referencias perdidos no âmbito da vida


individual e coletiva da sociedade brasileira, o presente trabalho, objetiva o retorno,
não necessariamente ao passado, opção esta manifestamente impossível, mas o
retorno ao que é Eterno; não para trás, mas para cima. E, consequentemente, a
depuração dos princípios perenes que ainda permanecem nesta modernidade tardia,
entretanto, escondidos e distorcidos por colorações ideológicas e institucionais.

Desse modo, julgando ser o conhecimento, a compreensão e a prática


simples de tais princípios - livres de cooptações de toda ordem - o caminho viável
36
para uma reinvenção gloriosa da civilização ocidental e tomando como inspiração o
esperançoso oráculo bíblico que assera “A glória desta última casa será maior do
que a da primeira.” (Ag. 2:9) e ainda: “Eis que faço novas todas as coisas.”
(Ap.21:5), esta pesquisa propõe a apreensão do que há de melhor e verdadeiro nas
mais diversas tradições cristãs conhecidas oficialmente como tais ou não, com a
condição necessária da harmonia destas com o Espírito neotestamentário.

Destarte e a despeito da carga pejorativa que possa carregar o seu nome, o


trabalho foca, neste ponto, no movimento puritano anglo-saxão do séc. XVII,
vinculado à tradição cristã protestante, como um modelo exemplar de cultura e
organização comunitária no qual é possível distinguir claramente os princípios
civilizacionais ocidentais, sobretudo, os judaico-cristãos, além daqueles vinculados à
tradição clássica.

Outrossim, a seu favor, entre diversas outras contribuições, é útil reconhecer


que a fundação dos Estados Unidos da América se deu, entre outros fatores, pela
imigração de grupos ou comunidades puritanos para a então chamada Nova
Inglaterra os quais influenciaram significativamente o estilo de vida e o modo de
pensar do novo mundo. No qual, por exemplo, fundaram universidades, entre elas, a
Universidade de Havard e influenciaram a concepção de estado norte americano
com seus conceitos bíblicos. Ademais, os princípios e valores subentendidos do seu
estilo de vida e forma de pensar constituem também as raízes mais salutares do
sistema econômico capitalista. Fato este reconhecido, posteriormente, embora nem
sempre de maneira positiva, pelo sociólogo e economista Max Weber (1864-1920)
em sua obra mais conhecida, A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo(1804/05).

Em síntese, o pesquisador e historiador Leland Ryken (2013) sumariza assim


os princípios de vida puritanos:

Os puritanos acreditavam que toda a vida é de Deus. Isto lhes


possibilitou combinar a piedade pessoal com uma visão cristã
abrangente do mundo. Começando com a premissa de que a Bíblia é um
repositório confiável da verdade, os puritanos tinham uma base a partir

37
da qual relacionar sua fé cristã a todas as áreas da vida – ao trabalho, à
família, ao casamento, à educação, à política, à economia e à sociedade.

A excitante abordagem puritana da vida no mundo foi alimentada pelas


fontes espirituais da nova vida – oração, comunhão cristã, meditação,
pregação e contato com a Bíblia. No puritanismo, uma teologia da
salvação pessoal foi unida a uma vida ativa no mundo. (RYKEN, 2013,
p.362, grifo nosso)

Como se pode ver, para este exemplar histórico ou concreto do pensamento e


estilo de vida cristã, na verdade, a vida civil e “religiosa” são uma só, não havendo,
dessa forma, uma separação intransponível ou insuperável entre o secular e o
sagrado os quais são novamente unidos harmonicamente por meio dos princípios
cristãos. Eventualmente, auxiliados, naquele momento, pela argumentação clássica
ou escolástica e por outras teorias filosóficas e científicas coetâneas. Tal como
ocorre atualmente por meio da Teoria do Design Inteligente (TDI), por exemplo.

Desse modo, no último capítulo do seu livro, Santos no Mundo (2013), o


pesquisador esclarece ainda que:

O modo costumeiro de se conduzir uma pesquisa sobre um movimento é


explorar o que os porta-vozes do movimento disseram sobre vários tópicos.
Mas uma abordagem igualmente reveladora é empreender a anatomia
dos princípios subjacentes que perpassam aquelas categorias.
Considere, por exemplo, a afirmação puritana da ordem física criada
como boa em princípio. Este é um princípio que influenciou o
pensamento puritano em assuntos como trabalho, sexo, política, ação
social, família e dinheiro. (RYKEN, 2013, p.337, grifo nosso)

Neste trecho, o autor evidencia que o cerne, o coração ou a substância


mesma de quaisquer movimentos humanos repousa sobre os princípios que são
adotados por eles. Destarte, uma forma eficaz de conhecê-los e entendê-los
consiste em tornar evidentes os princípios que orientam suas práticas em todas as
esferas da existência humana.

Havendo estabelecido ou reconhecido este fato, o elo entre princípios e estilo


de vida, o autor passa então a discorrer mais detidamente sobre alguns dos
princípios vitais para o movimento puritano. Ele menciona, ao todo, dez princípios
que podem ser observados facilmente, por exemplo, na arquitetura puritana, no seu
38
gosto pela cultura e na valorização do trabalho os quais demonstram valores como a
honestidade, a transparência, a simplicidade, a sensibilidade entre outros.

Objetivamente, os princípios enumerados pelo historiador são os seguintes: a


vida teocêntrica, ou mais precisamente, cristocêntrica; a integração entre a vida
religiosa e a secular; a valorização do cotidiano ou dos eventos comuns do dia-a-dia;
a importância da vida temporal inclusive para os eventos do post mortem; o estado
de espírito esperançoso, expectante ou otimista quanto ao futuro mesmo em
situações difíceis; o impulso pragmático; o retorno ao básico ou à simplicidade, i. é,
à sinceridade em substituição das exterioridades e aparências pomposas,
complicadas ou que demonstram afetação; o equilíbrio da vida cristã ou a
conciliação dialética dos aparentes paradoxos da realidade temporal; a simplicidade
digna e inteligente e, finalmente, a confiança no Amor de Deus como fundamento
seguro para todos os aspectos da existência temporal e espiritual.

Destes, quatro princípios podem ser ressaltados para o alcance dos objetivos
deste trabalho. Primeiramente, a vida teocêntrica ou cristocêntrica dos puritanos
resultava do seu senso de prioridades apurado o qual reconhecia os temas de
natureza religiosa ou espirituais como sendo os mais importantes para a vida
individual e coletiva do aqui e agora. Conforme Ryken (2013, p.338): “Para os
puritanos, a realidade espiritual era o grande sine qua non da vida, o fator
sumamente importante”. Em outras palavras, a vida cristocêntrica implicava, de fato,
colocar Deus em primeiro lugar, ou acima de tudo; significava, portanto, valorizar
tudo mais que existe em relação ou em função dEle, i. é, reconhecer que o que há
de mais desejável, belo e amável em tudo quanto existe no cosmos reflete a imagem
de Deus; significava ainda estar ciente de que somente Deus pode satisfazer em um
nível mais profundo e permanentemente o ser humano; significava alegrar-se,
deleitar-se na pessoa do próprio Jesus Cristo e na esperança do céu e ser
confortado com a certeza da salvação.

Tudo isto, contudo, somente seria possível por meio da busca diligente do
conhecimento de Deus e da santidade espiritual e moral como primado da vida.
Outrossim, por meio da comunhão com Ele, através da oração, para a compreensão
de que o ser humano não necessita nem deve identificar ou mensurar o bem ou o
39
mal, a felicidade ou a infelicidade a partir dos eventos externos mas no grau de
conhecimento experiencial da providencia de Cristo para todos os aspectos da vida
humana desde os espirituais (mediação expiatória justificante e seus corolários) aos
materiais. A esse respeito, Ryken (2013) declara:

O senso puritano de prioridades na vida foi uma de suas maiores forças.


Colocar Deus em primeiro e valorizar tudo o mais em relação a Ele foi um
repetitivo tema puritano.

[...]

O caráter do puritanismo foi determinado por suas prioridades espirituais.


É para crédito dos puritanos que eles se preocupavam com os grandes
assuntos – a glória de Deus, a renovação da alma humana em Cristo, o
perdão dos pecados, a vida eterna, a amizade de Deus e a vida santa. (337,
340, grifo nosso)

Em suma, aquilo que poderia ser, aparentemente, apenas mais um bordão


eleitoral de um dos candidatos à presidência do Brasil em 2018, para os puritanos
era algo fundamental e experimentado, concretamente, na própria carne.

Neste mesmo tom de suspeição, considerando o movimento ideológico


conservador de direita no Brasil - que arroga para si mesmo a responsabilidade da
representação dos valores tradicionais da civilização ocidental - é extremamente útil
considerar agora o segundo princípio para o bem da coerência deste mesmo
movimento, a saber, o que trata da integração da vida religiosa ou espiritual à vida
civil ou secular. A propósito, referindo-se, entusiasticamente, ao acadêmico de
Oxford, William Tyndale (1494-1536)11, como um exemplo da aplicação deste
princípio, o escritor e catedrático da mesma universidade, C.S. Lewis (1924, p.190
apud Ryken, 2013, p.341) se pronuncia nos seguintes termos: “[a] bela e alegre
integração do mundo de Tyndale. Ele nega inteiramente a distinção medieval entre a
vida religiosa e a secular.” Distinção esta que, contudo, segue ainda mais
fortalecida, diga- se de passagem, pela mentalidade laicizante hodierna.

11
William Tyndale foi um pastor protestante e acadêmico inglês, mestre em Artes na Universidade de
Oxford. Traduziu a Bíblia para uma versão inicial do moderno inglês. (Vide
https://pt.wikipedia.org/wiki/William_Tyndale)

40
Conforme Ryken (2013, p.341), os puritanos viviam, simultaneamente, em
dois mundos, o físico e o espiritual os quais eram igualmente reais, não havendo,
portanto, separação entre eles, isto é, entre o sagrado e o secular. Considerados,
igualmente, criações Divina, ambos eram sagrados.

Este princípio, como se pode ver, permitiu que a santidade espiritual e a


correção moral próprias da vida religiosa monástica fossem vividas e aplicadas à
vida cotidiana secular em todos os seus aspectos ou domínios seja no âmbito
familiar, comercial, profissional, político ou econômico. Não havia, para os puritanos,
um aspecto da vida no qual a espiritualidade cristã genuína não pudesse, ou
mesmo, não devesse ser aplicada.

Evidentemente, esta atitude puritana não significa que Deus tenha


necessidade, desejo ou sede de poder, muito embora tenha todo o direito sobre sua
própria criação. Este princípio parte do reconhecimento de que é o ser humano,
considerado individualmente e coletivamente, quem necessita dos princípios Divinos
como luz que ilumina e orienta o caminho. E, da mesma forma como o sal era usado
no passado para preservar os alimentos, quando ainda não se dispunha de
equipamentos refrigeradores domésticos, estes princípios também são úteis para
conservar o que há de bom na natureza humana e em suas instituições. Portanto,
esta compreensão, por outro lado, implica, logicamente, que na ausência de tais
princípios tanto o indivíduo quanto o tecido social estarão sujeitos, fatidicamente, à
decomposição. Enfim, concluindo este tópico, Ryken (2013, p.342, grifo nosso)
assevera que:

Um Puritano falou do cristianismo como “um hábito universal da graça”


no qual “toda a criatura se resigna... à obediência e à glória do seu criador”.
“Se Deus é Deus acima de nós”, escreveu Peter Bulkeley, “devemos a Ele
obediência universal em todas as coisas. Ele não deve estar acima de
nós em uma coisa e abaixo em outra, mas Ele deve estar acima de nós em
tudo”.

Como se observa reiteradamente acima, os puritanos haviam compreendido a


universalidade da vocação cristã - na forma de espiritualidade autêntica - a qual não

41
devia ser enclausurada em monastérios medievais ou modernos ou à vida particular
de cada indivíduo como se observa atualmente. Mas, experimentada e aplicada,
necessariamente, à vida comum de cada cidadão, de cada seguidor de Cristo em
todas as esferas da sua vida como obediência e submissão devidas ao Criador e
Senhor.

Finalmente, a fim de sublinhar o que foi dito até aqui, é útil transcrever
algumas citações fulgurantes de figuras influentes do mundo cristão e secular,
simultaneamente, a esse respeito. Sendo assim, o político e jornalista holandês
Abraham Kuyper (1837-1920)12 asseverou categoricamente: “Não há um único
centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais
Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: - É meu!". Por sua vez, Dietrich
Bonhoeffer (1906-1945)13, teólogo e pastor luterano alemão, referindo-se ao seu
conterrâneo Martinho Lutero (1483-1546), declarou:

O caminho de Lutero, do mosteiro para o mundo, representou o ataque


mais forte contra o mundo desde o surgimento da Igreja primitiva. A
renúncia do monge ao mundo, na vida monástica, foi brincadeira de criança
comparada à renúncia que o mundo vivenciou por parte daquele que a
ele retornava. O ataque era frontal. Agora, o discipulado de Jesus tinha
de ser vivido em meio ao mundo. O que até então se praticara em
circunstâncias e confortos especiais na vida monástica como sendo
um comportamento excepcional, agora passava a ser necessário e
ordenado a cada cristão no mundo. A obediência absoluta ao
mandamento de Jesus deveria agora ser a norma na vida profissional
diária. Assim, aprofundou-se de modo imprevisível o conflito entre a vida do
cristão e a vida do mundo. O cristão estava novamente no mundo para
atacar, em uma luta corpo a corpo. (BONHOEFFER, 2016, p.16, grifo
nosso)

Em suma, Bonhoeffer, um grande erudito sacro, observando a vida do


reformador protestante e seu concidadão, Lutero, compreendeu o significado
profundo do abandono, por parte deste, da vida monástica e sabia que, com isto, o

12
Kuyper foi um estadista e teólogo holandês fundador do Partido Anti-Revolucionário e Primeiro-
Ministro dos Países Baixos entre os anos de 1901 e 1905.
13
Bonhoeffer também foi membro da resistência alemã anti-nazista e membro fundador da Igreja
Confessante, ala da igreja evangélica contrária à política nazista.

42
conflito seria ineludível conforme já previa o antigo oráculo neotestamentário que
assevera com toda a clareza que “Eu vim para trazer fogo sobre a terra e como
gostaria que já estivesse em chamas!”. E ainda: “Não cuideis que vim trazer a paz à
terra; não vim trazer paz, mas espada...” (BÍBLIA, Lucas, 12, 49 e Mateus, 10, 34).

Ainda a respeito desta integração entre o secular e o sagrado, o puritano


George Swinnock (Schlatter, p.189 apud Ryken, 2013, p.342) afirmou que “[o
comerciante piedoso] saberá que sua loja é chão sagrado assim como sua capela”.
Por fim, Richard Sibbes (Been, p.12 apud Ryken, 2013, p.342) assevera que “é um
conceito abominável distinguir a religião da política e do governo, como se as razões
da religião fossem uma e as razões do Estado fossem outra”.

Ao seguir discorrendo sobre os princípios cristãos encontrados no


protestantismo puritano, com a intenção de esclarecer a relação entre capitalismo e
cristianismo, é útil tratar agora a respeito do princípio relativo ao seu impulso
pragmático, ou ao valor que os puritanos reconheciam no pragmatismo; na atitude
prática do indivíduo. Assim como os anteriores, este princípio decorre diretamente
do ensino das Escrituras Sagradas as quais, em suma, reprovam, no âmbito de uma
experiência religiosa ou espiritual saudável, teorias e estilos de vida especulativos
ou contemplativos desvinculados das práticas correspondentes ou desengajados da
realidade humana secular (Vide Tg.2:14-26, etc).

Assim sendo, devido ao apego que demonstravam ao cânon bíblico, este


princípio relativo ao “impulso prático permeou o pensamento puritano em muitas
áreas” (RYKEN, 2013, p.350), tanto aquelas relacionadas às atividades tipicamente
religiosas quanto às seculares, destinadas a prestação de algum serviço a Deus ou
à sociedade. Segundo John Bunyan (Hill, God’s Englishman, p.238 apud Ryken,
2013, p.350), “A própria alma da religião é a parte prática”. Havia, portanto, neste
movimento cristão a convicção estabelecida de que a experiência era a vida mesma
de um cristão, distinguindo assim a fé sentida da fé histórica.

Pelo que foi dito acima, não há dúvida de que era um desejo intenso dos
puritanos que as coisas da vida secular e espiritual fossem práticas. A própria fé
cristã era algo, ao menos em grande parte, experiencial. Neste sentido, de acordo

43
com Ryken (2013, p.35), “Os santos têm um conhecimento experimental da obra da
graça, em virtude do qual chegam a conhecê-la tão certamente... como pelo sentir
calor, sabemos que o fogo é quente; pelo provar o mel, sabemos que ele é doce”
(apud Strier, p.14).

O retorno ao básico compreendido como o regresso à sinceridade íntima do


coração em substituição das exterioridades e aparências, por sua vez, fez com que
os puritanos considerassem urgente livrar o movimento dos detalhes e acréscimos
supérfluos feitos à religião cristã através dos séculos. Este princípio, cujo foco é o
coração, é fundamentalmente neotestamentário e pode ser observado facilmente no
ensino de Cristo e em todo o período primitivo da igreja (Vide, por exemplo, Mc.7:1-
23). Dessa forma, a influência do texto sagrado tornava os puritanos profundamente
desconfiados das externalidades elaboradas ou pomposas como expressas, por
exemplo, na arquitetura barroca e na linguagem empolada e prolixa. Por
conseguinte, os puritanos, naturalmente, “sabiam que a história que as pessoas
contam para Deus e para si mesmas indicam mais o que elas realmente são do que
a história externa que contam ao mundo.” (RYKEN, 2013, p.351)

Este princípio, consequentemente, influenciou a ética religiosa, o trabalho, a


liturgia do culto, a compreensão do valor da pessoa humana entre outras coisas. Na
religião, por exemplo, fez surgir uma nova ética que pode ser representada pela
expressão ‘religião do coração’ para distingui-la dos rituais externos e enfadonhos
com seus paramentos extravagantes. Este princípio fazia compreender que o
coração, ou melhor, a motivação interna, consiste num dos principais fatores,
embora não exclusivo, que determina a moralidade ou a imoralidade de um ato.
Quanto ao trabalho, o mesmo princípio dignificou não somente o trabalho civil ou
secular, mas, especialmente, os mais simples, pois conforme William Perkins
(Georg, p.138 apud RYKEN, 2013, p.352) “A singeleza do chamado não diminui a
bondade do trabalho: pois Deus não olha para a excelência [dignidade externa] do
trabalho, mas para o coração do trabalhador”.

Na liturgia do culto, a compreensão que ele ensejava, obviamente, tornou


tudo mais simples ou sóbrio, desde a arquitetura dos templos aos rituais e objetos
utilizados para o serviço ou adoração religiosa, focando assim na realidade íntima da
44
fé nos corações. Finalmente, ao valor individual da pessoa humana foi atribuído
outro fundamento. Já não era mais o nascimento ilustre, ou um parentesco nobre,
mas o fato de haver sido escolhido ou chamado - por Deus - “das trevas para sua
maravilhosa luz” (BÍBLIA, 1 Pedro, 2, 9).

Outro princípio sumamente interessante e útil, mormente para o contexto


brasileiro hodierno tão fanaticamente partidarizado e dividido ideológica e
politicamente, refere-se ao equilíbrio da vida cristã ou à conciliação dialética dos
aparentes paradoxos da realidade temporal e espiritual que os puritanos aplicavam
ao seu pensamento e prática cotidiana, tanto no contexto religioso quanto no
secular. Conforme esclarece Ryken (2013, p.354), os puritanos amiúde
acomodavam-se facilmente em situações e pensamentos paradoxais. Como diria o
filósofo Olavo de Carvalho, com a natureza dialética da realidade, pois estavam
dispostos a aceitar e eram capazes de reconhecer a lógica subjacente dos
elementos aparentemente contraditórios da realidade.

Para tanto, o puritanismo adotou uma teologia abrangente que contemplava e


era capaz de harmonizar aspectos da fé cristã que frequente e historicamente
encontravam-se separados. Sendo assim, eles lograram conciliar a mente e o
coração, ou seja, a vida intelectual e a emocional, a teoria e a prática, a visão
negativa e positiva do mundo físico, a Lei das obras humanas (ou mosaica) e a
graça Divina, a realidade social civil e a religiosa.

O puritanismo preconizava, dessa forma, a formação intelectual ou o


escolasticismo necessariamente vinculado ao fervor afetivo e espiritual. Para o
pensamento puritano, a ausência desta relação tornava a adoração a Deus e a vida
cristã infrutíferas. Outrossim, os puritanos observaram que a vida cristã constituía-se
de um duplo impulso, a saber, o conhecimento teórico e a aplicação concreta
cotidiana da Palavra de Deus. Quanto ao mundo físico, este era ao mesmo tempo
bom e mau, isto é, consistia no locus onde os cristãos poderiam e deveriam fazer
prevalecer e experimentar “a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (BÍBLIA,
Romano,12, 2) e a região efêmera e maligna onde grassa a maldade, sendo,
portanto, capaz de afastar as pessoas da vida espiritual e do bem. Enfim, com esta
compreensão, os puritanos adquiriram a capacidade de viverem como cidadãos de
45
dois mundos e conseguiram harmonizar os aspectos ativos e contemplativos da vida
cristã que, segundo Ryken (2013), haviam sido separados na Idade Média.

Quanto à teoria social puritana e a reconciliação entre a realidade social civil e


a religiosa, Ryken (2013) informa ainda que:

...os puritanos de igual modo andaram até metade do caminho entre as


dicotomias como direitos e deveres, liberdade individual e o bem da
comunidade, idealismo sobre a possibilidade de aperfeiçoar as
instituições sociais e o cinismo em relação à corrupção daquelas
instituições. Os puritanos não viam necessidade de escolher entre
santidade pessoal e ação social; em sua visão, a Bíblia nos mostra
tanto “como devemos servir a Deus quanto como devemos servir à
geração em que vivemos”. (p.357, grifo nosso)

Como observado acima, para o pensamento puritano, embora houvesse


algum limite em razão da corrupção humana inata, era não somente possível como
também um dever cristão influenciar as instituições humanas a fim de aperfeiçoá-las.
Foi pensando assim que este movimento cristão contribuiu para a formatação do
estado norte americano conforme discorre a esse respeito, de modo detalhado e
longamente, B. F. Morris no clássico Christian Life and Character of the Civil
Institutions of the United States (1864) (A Vida Cristã e o Caráter Civil das
Instituições dos Estados Unidos).

Ainda neste contexto, a título de ilustração da maneira como pensavam os


puritanos, considerando que eram, em boa medida, escolásticos, é interessante
trazer a baila o que diz o escritor e filósofo Olavo de Carvalho a respeito da
aparência contraditória da realidade e o modo tradicional do pensamento cristão
sintetizá-la a fim de conhecer seus princípios subjacentes. Ele assevera:

A síntese de dialética e lógica encontrava ainda uma expressão plástica


no caduceu, o símbolo tradicional de mercúrio, divindade astral que,
desde os primórdios das Artes Liberais era associada à dialética, no sentido
medieval do termo: as duas serpentes entrelaçadas mostravam os
movimentos dialéticos da mente, que se afastam e se aproximam da
reta verdade, representada pelo bastão central. A linearidade da
demonstração lógica aparecia aí como um ideal de perfeição pelo qual

46
se guiavam os movimentos reais da mente investigadora, por si sempre
incertos e vacilantes. (SHOPENHAUER, 1997, p.63, grifo nosso)

Em seguida, esclarecendo um pouco mais o que vem a ser o pensamento


dialético escolástico, ele explica que:

Enquanto a lógica, raciocínio linear, pressupõe um domínio completo


dos dados em jogo, a dialética tem como uma de suas funções
descobrir os dados faltantes, e por isto não pode seguir a linha ideal
do raciocínio demonstrativo, mas deve acompanhar, até certo ponto,
as ondulações da mente humana e os contornos do objeto quando
sinuoso. É um raciocínio “impuro” que se modela pela pureza do ideal
analítico, mas conserva um resíduo empírico e psicológico que, na
pura demonstração lógica, não teria cabimento. (...) nenhuma
investigação pode se modelar diretamente pela natureza do objeto (para
isto seria preciso conhecê-la de antemão), mas, obedece, em parte, ao jogo
interno da mente e, em parte, às causalidades da fortuna investigativa. Por
isto há um resíduo psicológico – logicamente “impuro” – na dialética: arte da
investigação, é ciência prática que, como a ética, tem de se guiar menos
pela pureza cristalina da demonstração do que pela flexibilidade da
φρόνησις, frônesis, sabedoria. (SHOPENHAUER, 1997, p.64, grifo nosso)

Para finalizar este capítulo e compreender melhor como estas últimas


inserções se encaixam com o modo de pensar equilibrado dos puritanos
diante das contradições aparentes, paradoxos ou absurdos da realidade,
analogicamente, o raciocínio linear da lógica formal silogística pode ser
comparado ao ensino dos hagiógrafos bíblicos cujos textos reunidos em um
único volume se tornaram a regra de fé e prática ideal para a orientação da
vida individual e coletiva dos puritanos. Enquanto as instituições sociais e
políticas da Nova Inglaterra, para onde emigraram, a serem modeladas
consistiram na realidade ainda desconhecida a qual necessitavam trazer à luz
a partir de aproximações dialéticas sucessivas do ideal Divino. Dito de outra
forma, os puritanos, a partir do conhecimento prévio da Vontade Divina,
revelada nas Sagradas Escrituras, buscaram, com o auxílio do pensamento
dialético, dar forma às instituições sociais e políticas do novo mundo que
ajudaram a colonizar, tomando como exemplo, referência máxima e finalidade
última aquela mesma Vontade expressa nas narrativas bíblias e contêineres
dos princípios que seguiam.
47
5. PENSAMENTO POLÍTICO DE JOSEPH RATZINGER

5.1. Democracia

Para Joseph Ratzinger (1984), conforme citado pelo historiador da USP,


Bruno F. Mamede (2017), as ideias de Roger Bacon (1212 – 1292), Friedrich Hegel
(1770 – 1831) e Karl Marx (1818 – 1883) teriam destruído os fundamentos da
democracia moderna. O primeiro, por haver distorcido o conceito de razão,
tornando-a unilateral e restrita às ciências experimentais. O segundo, pela
incapacidade de aceitar a fragilidade e insegurança da moral humana e, por
conseguinte, a imperfeição constitutiva das instituições humanas. E, o último, por
haver rompido com a dimensão humana transcendente, a principal ferida que
explicaria as demais enfermidades do mundo moderno.

Sendo assim, o racionalismo de Bacon, associado ao positivismo comtiano,


tornou o elemento essencial da política, a ética, algo de natureza quantitativa que
poderia ser manipulada em doses apropriadas a cada situação. Em outras palavras,
Ratzinger (apud MAMEDE, 2018) observa que a moral havia sido, na verdade,
extinta: o bem e o mal, na forma de valores ou categorias absolutas, objetivas e
distintas já não eram considerados, mas tão somente a proporção deles que
representasse vantagens e desvantagens para as partes em disputa. Isto, por sua
vez, fez com que o Direito perdesse sua fundamentação objetiva ou o seu ponto de
referência (a manutenção do bem, da justiça) e se tornasse vulnerável a ideologias
dominantes. Em outras palavras, não havendo mais, na prática, o bem e o mal, o
Direito já não mais reconhecia bens jurídicos absolutos a serem protegidos, mas
apenas a necessidade de evitar o choque de interesses.

Outrossim, este relativismo ético, combinado com o neo-messianismo


hegeliano - que colocava sua confiança nas estruturas do estado e não mais na
promessa cristã escatológica, mas, em última análise, no suposto movimento
histórico dialético que seria o responsável pelo aperfeiçoamento destas estruturas –
transformava a ética num produto frágil da estrutura estatal e não o inverso.

48
Como se pode observar, Hegel ingenuamente acreditava no alcance da
perfeição das instituições humanas. Esta crença, além de supervalorizar o Estado,
demonstrava, em contrapartida, um desprezo profundo pelos valores morais
individuais e comunitários. Outrossim, demandava uma capacidade que,
naturalmente, está ausente das instituições humanas: a perfeição absoluta
resultante de uma nova escatologia inventada pela dialética histórica. Enfim,
conforme Ratzinger, a superstição materialista do paraíso na terra ou a expectativa
do advento de um mundo ou sociedade ideais, expressa pelo pensamento
hegeligano, consistiria na mais séria ameaça contra uma democracia pluralista.

Finalmente, a ruptura com o transcendente ou com supostos falsos consolos


religiosos, representada pela práxis marxista e considerada, por esta, como
necessária para a construção do mundo perfeito, de acordo com Ratzinger
(1984:821 apud Mamed, 2017), a rigor, consiste na causa precípua dos demais
problemas do mundo moderno. Ele declara literalmente que:

Eu estou convencido de que a ferida do homem, da qual em sentido


próprio lhe vem todas as demais enfermidades, é precisamente a
ruptura com a transcendência. (...) Marx nos ensinou que a
transcendência devia ser eliminada para que o homem, liberado dos falsos
consolos, pudesse finalmente construir o mundo perfeito. Hoje, sabemos
que o homem necessita da transcendência para que possa configurar
o seu mundo, sempre imperfeito, de uma maneira que permita viver
nele com dignidade. (tradução e grifo nossos)

Esta transcendência a qual se refere o então Cardeal Joseph Ratzinger,


histórica e especificamente, no mundo ocidental, está relacionada à espiritualidade
cristã que fornece o ethos do mundo ocidental. Sendo este um dos elementos
precípuos da política e, por conseguinte, do estado democrático, decorre que sua
ausência implica na destruição do mesmo Estado. Estabelecendo esta realidade
histórica e conceitual, ele declara que:

Onde o húmus cristão desaparece de todo, já não resta nada que


permaneça de pé. (...) A razão que se fecha sobre si mesma torna-se
irracional e o Estado que quer ser perfeito se faz tirânico. A razão
necessita da Revelação para poder atuar como razão. A relação do
49
Estado com seu fundamento cristão é insubstituível, precisamente,
para que ele continue sendo o que é e possa ser pluralista. (RATZINGER,
1984:827 apud MAMEDE, 2017, tradução e grifo nossos)

5.2. Liberdade

Além do estado democrático e pluralista, a própria ideia de liberdade do


mundo ocidental, em última análise, teria seu fundamento numa alocução de Jesus
registrada no Evangelho onde se lê: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus
o que é de Deus.” (BÍBLIA, Mateus, 12, 1). Claramente, esta afirmação revela haver
uma diferença entre a autoridade sagrada e a estatal. Portanto, ao adotar este
princípio de separação entre os poderes secular e espiritual, o estado deixou de ser,
gradualmente, uma autoridade religiosa totalitária que penetrava até mesmo as
consciências humanas. Como consequência desta adoção conceitual realizada pelo
mundo ocidental, viria à luz uma comunidade (a Igreja Cristã) caracterizada, entre
outras coisas, pelo pertencimento voluntário dos seus membros e cujas sanções
seriam “apenas” espirituais. Enfim, do equilíbrio na relação entre estes dois poderes
é que surgiria a liberdade civil em função da limitação do raio de ação de ambos.

Além disso, o conceito mais profundo de liberdade fornecido, em conjunto,


pela herança cristã e grega, por outro lado, impedia que este conceito se reduzisse
aos aspectos meramente políticos ou de uma religiosidade organizada,
representados aqui, sobretudo, pelo Marxismo e pelo Islamismo respectivamente,
por serem ambos de caráter ideológico, acentuadamente, unilateral. Desse modo,
embora não se excluísse o fim da miséria como uma dimensão temporal e desejável
da liberdade, esta, contudo, não se resumia neste fim. Pelo contrário, relacionava-se
ao sentimento interior de estar em casa ou em sua própria pátria,
independentemente de onde se localizasse geograficamente o indivíduo. Sobretudo,
a liberdade também tem a ver com a busca, através da fé e da esperança cristãs,
por uma pátria celestial ou pela ‘cidade de Deus’ conforme a terminologia
agostiniana.

50
5.3. Política e Teologia

De acordo com o pensamento ratzingeriano, a chamada Teologia da


Libertação (TL) latino americana, sistematizada pelo filósofo e teólogo peruano
Gustavo Gutiérrez Merino (1928 –) consiste, essencialmente, num marxismo
teologizado, ou ainda na ideologia marxista lida numa perspectiva teológica, a qual,
diante da suposta ou aparente contradição entre a salvação universal trazida através
do Logos encarnado e a miséria na qual sobrevivem milhões de pessoas no mundo,
propõe uma resposta ou solução ilegítima do ponto de vista do pensamento cristão.

Assim, basicamente, no seu livro Teología de La Liberación (1975), Gutiérrez


propõe a fusão da teologia com a política, mais precisamente, por meio da adoção
ou legitimação da utopia marxista de um paraíso materialista na terra. Desse modo,
a esperança escatológica do Reino de Deus e a ação política combinam-se numa
esperança ativa político-revolucionária. Disto, decorre que a teofania apontada pela
reflexão teológica é substituída pela antropofania, i. é, pelo surgimento de um novo
homem, supostamente, livre, feliz e autossuficiente em relação a Deus. Outrossim, o
conceito de redenção torna-se agora sinônimo de revolução.

Ratzinger (1987 apud MAMEDE, 2017) observa que a tentativa de tornar


totalmente coincidentes, a teologia e a política, ignora o fato de ambas, por suas
naturezas próprias, apresentarem responsabilidades ou campos de atuações
distintos. Além de olvidar ser a ética, e não a utopia, o elemento próprio de
intersecção e cooperação entre elas. Está ética, por sua vez, entendida conforme as
Escrituras Sagradas do cristianismo e aplicada ao contexto político, contudo, não
implicaria em salvação ou redenção para a humanidade seja individual ou
coletivamente, visto não serem as obras a causa precípua desta redenção neste ou
noutro mundo (Vide Ef.2:5-10). Em lugar da ética, esta função soteriológica caberia,
exclusivamente, à educação que procede do próprio Deus a qual é plenamente
capaz de instruir e formar o ser humano à medida que este aprende a respeito do
poder e da pureza do ser preconizados pelos textos neotestamentários.

Enfim, neste último ponto, o então cardeal contesta o alinhamento entre a


doutrina ontológica e a ideologia política marxista contida na Teologia da Libertação.

51
Ou, dito de outra forma, Ratzinger não reconhece a função ou a capacidade
instrutiva e formativa do ser humano neste tipo de teologia a qual compreende o
novo homem, que deseja fabricar, como sendo totalmente terrestrializado e produto
em série de um projeto político de liberdade coletiva e processual, ou seja,
resultante da práxis histórica marxista.

Enfim, conforme MAMEDE (2017), o pensamento ratzingeriano caracteriza-se


pelo elemento antiutópico, pelo viés apolítico ou semipolítico e pelo caráter
catequético cuja ênfase recairia mais sobre a ortodoxia do que sobre a ortopraxia.
Sendo assim, ele assevera:

A negação da utopia, a educação ortodoxa e a diminuição da importância


da política (ou podemos falar em reconhecimento do que verdadeiramente
lhe cabe) seriam imperativos para manter a liberdade, não só da Igreja, mas
da sociedade como um todo. Não é, podemos notar, a prática política
que garante a liberdade, mas a ética cristã que, mesmo de forma
velada, mantém distante a “ganância” estatal. (MAMEDE, 2017, grifo
nosso)

5.4. Europa

Seguindo ainda de perto o pensamento da autoridade religiosa em foco, a


Europa, em sua perspectiva intelectual, constitui-se, não apenas de uma extensão
espacial ou geográfica, mas, sobretudo, de um conceito cultural e histórico cujo
cerne reside na herança cristã a qual, portanto, também lhe atribui identidade e
coesão. De acordo com Ratzinger (apud MAMEDE, 2017), estas duas últimas, a
propósito, teriam se manifestado em, pelo menos, dois momentos históricos, a
saber: na resistência europeia do século XVIII contra o Império Turco e, após a
queda de Constantinopla, quando o Império Carolíngio e a resistência bizantina
expandiram a delimitação cultural europeia para a Rússia até o ano de 1789.

Entretanto, naquele mesmo ano, a Revolução Francesa trouxe a apostasia,


isto é, a secularização ou o abandono da cultura e da espiritualidade cristãs,
quebrando também com esta última a unidade europeia e fazendo surgir as nações
estado modernas, as quais, estabeleceram seus próprios objetivos e passaram a
52
valorizar sobretudo a técnica (a economia em particular e as ciências em geral),
além da própria nação e do militarismo em detrimento das suas raízes culturais e
históricas. Esta nova configuração espiritual, cultural e política europeia, conforme
Ratzinger (2001:244 apud MAMEDE, 2017) foi a responsável pela deflagração dos
conflitos bélicos e pelas perseguições que tiveram lugar no século XX, o mais
violento da história da humanidade, ameaçando, inclusive, a própria sobrevivência
da etnia europeia.

5.5. Mais Detalhes Acerca do Laicismo, do Marxismo e do Islamismo

Para finalizar o estudo da perspectiva política do mundo moderno conforme o


ponto de vista do cristianismo, segundo a vertente Católica Romana mais
característica, é esclarecedor e útil definir, conceitualmente, mais alguns aspectos
dos principais inimigos da civilização ocidental identificados por Ratzinger, a saber, o
laicismo, o marxismo e o islamismo. O primeiro deles conforme definição do Papa
João Paulo II (2005 apud MAMEDE, 2017), refere-se a uma ideologia que conduz,
paulatinamente e de maneira mais ou menos consciente, à restrição da liberdade
religiosa ao promover a ignorância e o desprezo do universo religioso, encerrando,
desse modo, a fé na esfera privada. Resultando, ainda, em perseguição deliberada,
inclusive por meio de sanções legais, esta ideologia visa retirar completamente da
vida pública a religiosidade, nisto compreendendo também seus símbolos físicos.

Como consequência desta secularização, o mundo moderno sobrevive a um


vácuo de sentido e valores que desumaniza os costumes e causa efeitos
psicológicos relacionados a sentimentos de solidão, abandono, angústia e
desespero. Outra consequência da substituição da perspectiva cristã da realidade e
da natureza pela visão positivista comum às ciências naturais e aludidas acima
quando se tratou, brevemente, do pensamento de Roger Bacon, tem a ver com a
destruição de valores absolutos os quais, relativizados, tornam-se manipuláveis por
uma mentalidade meramente matemática. Disto decorrendo a condição precária na
qual se encontram, atualmente, a ética e o direito.

Enfim, como é possível depreender do que foi dito acima, o laicismo destrói a
possibilidade mesma da existência da própria política como fenômeno naturalmente

53
alicerçado na ética e na capacidade de diálogo. Neste caso, o diálogo com a religião
ou, mais especificamente, com a moral ou a ética religiosa cristã. Por força desta
incapacidade, o laicismo estabelece uma ditadura, visto que ao alijar do diálogo um
dos seus principais interlocutores, retira da própria natureza da política sua
dimensão agônica (de luta) constitutiva. Dimensão esta que, por sua vez, demanda
a liberdade política para o exercício desse mesmo antagonismo democrático o qual,
neste caso, seria exercido pelo cristianismo.

O marxismo, a seu turno, consistiria, na verdade, numa ideologia de caráter


religioso que faz uso, de maneira distorcida ou invertida, dos fundamentos da
religião cristã. Desse modo, o marxismo se aproveita da esperança bíblica dos
cristãos a respeito de um mundo vindouro paradisíaco, contudo, substituindo Deus,
como o responsável pela concretização desta esperança, pelo ser humano oprimido
e/ou pelo partido também chamado vanguarda revolucionária os quais, para tanto,
devem lançar mão da ação revolucionária, reconhecidamente, agressiva, violenta
e/ou inescrupulosa. Assim fazendo, oportunisticamente, esta ideologia canaliza ou
desvia as energias religiosas ou espirituais para o seu propósito.

Outrossim, seu caráter eminentemente religioso torna-se ainda mais evidente


na crença que inspira seus adeptos a acreditarem conhecer, em definitivo, a
estrutura ou a lógica de funcionamento da história mundial a qual, portanto, estaria,
segundo seus líderes, de acordo com os seus princípios dogmático-ideológicos. Em
outras palavras, esta ideologia arroga para si o conhecimento último ou definitivo
das leis que regem a dinâmica da história da humanidade.

Este tipo de crença singela e presumida, quando absolutizada ou colocada no


lugar de Deus, torna-se também perigosa, pois solapa ou destrói uma espécie de
relativismo salutar e necessário à democracia e à conservação da liberdade. Pois, a
crença de que haveria uma única opinião política correta inspira, mais cedo ou mais
tarde, ações autoritárias e desumanas para o controle do poder a fim de conformar a
história aos trilhos de princípios políticos e econômicos já supostamente conhecidos
e oferecidos dogmaticamente pela ideologia como solução última e definitiva para os
problemas sociais. Em outras palavras, a história mesma das experiências dos
regimes comunistas em países como Rússia, China, Coréia do Norte, Cuba, entre
54
outros, demonstra que o fenômeno da absolutização ou deificação destes supostos
princípios vem acompanhado, inevitavelmente, de corolários nefastos tais como o
genocídio, a miséria e o controle avassalador do estado sobre todos os aspectos da
vida humana. A esse respeito, comentando o pensamento de Ratzinger, Euclides
Eslava (2012:99 apud MAMEDE, 2017) assevera que:

Marx assumiu o papel que, no século XIII, foi dado a Aristóteles. O pior é
que Marx não era Aristóteles, acrescenta Ratzinger com ironia. E assumir o
marxismo ou o neomarxismo não é assumir uma filosofia, mas, sobretudo
uma práxis. Uma práxis que “cria” a verdade, não a pressupõe. E quem
converte a Marx no filósofo da teologia admite então a primazia do
político e do econômico sobre Deus o qual não é prático nem real no
sentido histórico-material. (tradução nossa)

Em síntese, o grande problema do marxismo está, ao invés de reconhecer a


função prática da dinâmica político-econômica, atribuir-lhe uma messiânica, acima
de Deus ou de qualquer outro princípio. A propósito desta percepção sóbria do então
cardeal Ratzinger, o autor deste trabalho observa ainda que esta distorção
ideológica que absolutiza ou deifica princípios socioeconômicos também é válida
para a ideologia liberal e conservadora, referindo-se aqui, especificamente, à
apologia fanatizada de determinados líderes e seus seguidores. Aqui, entretanto,
não se deseja equiparar estes sistemas de pensamento com a ideologia
revolucionária, mas apenas ressaltar que seus adeptos estão sujeitos a incorrer no
mesmo erro o que, efetivamente, a observação pessoal do mesmo tem corroborado.

Finalmente, quanto ao Islamismo, este teria um ponto em comum com o


marxismo. Pois, conforme o seu conceito de um deus transcendente, o mesmo não
teria vínculo com quaisquer categorias humanas tais como a razoabilidade, a
moralidade ou a ética e nem mesmo sequer com determinadas verdades de seus
oráculos ou declarações constantes no Alcorão. Em outras palavras, o deus islâmico
não teria compromisso com valores absolutos relacionados a estas categorias da
realidade humana, visto que os tais não existiram em sentido absoluto, mas relativo.
Em sentido absoluto, existiria única e exclusivamente, um deus “sempre livre e
independente de qualquer coisa, inclusive de sua palavra” (apud MAMEDE, 2017).
55
Por conseguinte, não havendo padrões éticos absolutos ou atemporais para o
comportamento humano, em última análise, tudo seria permitido.

Os relatos históricos das atrocidades perpetradas durante as conquistas do


império turco-otomano e, mais recentemente, dos atentados terroristas demonstram
concretamente - a todos que tiverem estômago para testemunhar, através de cenas
e imagens dantescas de selvageria puramente diabólica disponibilizadas na rede
mundial de computadores - o que crenças, tais como esta, são capazes de inspirar.
Portanto, não foram debalde as palavras do imperador bizantino Manuel II Paleólogo
(1350 – 1425), citadas por Bento XVI em sua conferência na Universidade de
Regensburg em 2006: “Mostre-me também o que trouxe de novo Maomé, e
encontrarás apenas coisas más e desumanas tais como a sua norma de propagar,
através da espada, a fé que pregava”.

Enfim, a partir destes fatos, é possível compreender a atitude de Ratzinger


em relação ao Islã, isto é, sua relutância pessoal e também quando investido do
Pontificado Papal em aceitar a admissão da Turquia na União Europeia. Outrossim,
sua admissão, ainda que parcial, da associação entre o Islã e a violência, além de
sua compreensão do Islamismo como sendo uma espécie de civilização e uma força
política e cultural negativa e não uma religião.

56
6. A VISÃO DE TOCQUEVILLE DOS ESTADOS UNIDOS OU O EXEMPLO
CONCRETO DA INFLUÊNCIA SALUTAR DA RELIGIÃO CRISTÃ SOBRE
AS PRÁTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS DE UMA SOCIEDADE

O historiador François Furet (1981), em seu prefácio a obra clássica do jurista


francês Alexis de Tocqueville (1805 – 1859), A Democracia na América (1835/40),
assevera que a religião nos EUA consiste num conjunto de cristianismos
republicanos protestantes (sectários e pluralistas) e católicos. E que, enquanto estes
promovem os valores da igualdade e da obediência, aqueles emulam, sobretudo, a
independência. Conforme Tocqueville (1835 apud FURET, 1981), a religião cristã,
com seus princípios e valores e assim configurada, determina o estado de espírito e,
consequentemente, os costumes nacionais americanos os quais caracterizam ou
atribuem à sociedade americana a independência e o primado da esfera social sobre
a política. Em outras palavras, na democracia política americana, a sociedade civil
determinaria, efetivamente, a esfera dos poderes políticos.

Antes de pormenorizar esta realidade observada e registrada pelo jurista na


primeira metade do século XIX, é útil e esclarecedor expor neste ponto o que
Tocqueville (1935, p.338), juntamente com os filósofos gregos da antiguidade,
entendia por costumes, a saber, um conjunto de noções, opiniões e ideias que
conformam ou modelam os hábitos do coração ou do espírito de um indivíduo e de
uma determinada coletividade social.

Assim sendo, Tocqueville (1935) observa que a religião cristã, em face de seu
conteúdo próprio, se coaduna naturalmente com o regime político republicano e
democrático. E assevera que se o espírito humano, mormente se trabalhado pelo
cristianismo, for deixado livre, ele se empenhará para harmonizar ou ajustar
uniformemente a sociedade política e a “Cidade Divina”, ou seja, a terra e o Céu.

Conhecendo melhor o pensamento da Ig. Romana, em razão de seu


parentesco jansenista, Tocqueville esclarece que os dogmas ou crenças católicos,
assim como suas práticas e austeridade religiosas, por serem destinadas
indistintamente a todos e independentemente das diferentes condições
57
socioeconômicas dos indivíduos, expressam um valor da democracia, ou seja,
ressaltam a importância da igualdade de condições como uma forma ou princípio da
justiça, além do valor imprescindível da obediência. E, como já foi mencionado
acima, quanto ao protestantismo, reconhece-lhe o foco mais sobre a independência
do que sobre a igualdade.

Entretanto, obrigados a reconhecerem que os Estados Unidos eram um país


majoritariamente protestante e, obviamente, em face de sua condição minoritária e
de seu reduzido poder econômico, os católicos se tornaram, naquele contexto,
defensores ainda mais ardorosos dos seus valores. Desse modo, seus
representantes informais civis ou leigos, naturalmente, buscaram transpô-los para o
mundo político, intentando fomentar assim a extensão efetiva dos direitos políticos e
civis para todos os cidadãos a fim de que eles, evidentemente, também fossem
tratados com dignidade e pudessem participar das decisões políticas.

Como se pode ver, inspirada pelo valor católico da igualdade de condições a


todos indistintamente, a ação católica visou estabelecer socialmente este mesmo
valor. O que, num contexto mais amplo, já cristianizado pelo protestantismo, não
deve haver sido tão difícil em face do prestígio que goza a vida humana e o valor da
igualdade de todos os homens perante Deus em meio à cristandade como um todo,
independentemente de suas distintas ramificações.

Por outro lado, quanto ao conceito ou o valor da obediência, originado da


divisão católica do mundo intelectual entre revelação e verdade política (para as
quais o ser humano deve obediência e a livre e diligente busca da verdade
respectivamente), o mesmo conceito ou valor pode ser observado, na prática, na
submissão unânime dos fiéis católicos e seus líderes às instituições democráticas e
republicanas da América. Havendo, portanto, segundo Tocqueville (1935), uma só
corrente de pensamento no meio católico norte-americano quanto a este tema e,
portanto, uma mesma linguagem sobre o assunto a qual submeteria as distintas
opiniões à conformidade com as leis.

De acordo com Tocqueville (1835), nos Estados Unidos, pelo menos até o
século XIX, a religião cristã consistia na principal instituição política daquele país.

58
Em suma, com a multidão de “seitas” ou denominações cristãs distintas e
espalhadas através de todo o seu território, adotando a mesma moralidade, o
cristianismo, ao mesmo tempo que estimulava a liberdade, moderava ou equilibrava
o uso que os americanos faziam dela afim de que fosse utilizada de maneira correta
e conscientemente, evitando erros e exageros. Assim sendo, a fim de conservar o
seu poder universal sobre os indivíduos, poder este que se sustenta sobre a
natureza transcendente e inata do ser humano, o cristianismo americano separou-
se, voluntariamente, do Estado. Isto é, afastou-se formalmente do poder político
para dedicar-se a influência e formação dos costumes. Sendo estes costumes
compreendidos conforme a definição dos filósofos clássicos greco-romanos, isto é,
como noções, opiniões e ideias que configuram os hábitos do coração ou do espírito
humano.

Segundo Tocqueville (1835), esta separação institucional bem definida do


estado ou o advento do estado laico, teria atribuído às crenças cristãs, através do
exercício de uma influência direta sobre a sociedade civil e indireta sobre o mesmo
estado, muito mais poder de influência sobre a sociedade política. Realidade
histórica esta que teria contribuído de maneira crucial, ao contrário do que possa
imaginar a mente secularista moderna, para o esclarecimento da população e para
sua liberdade. A esse respeito ele declara:

(...) mas a América ainda é, porém, o lugar do mundo em que a religião


cristã mais conservou verdadeiros poderes sobre as almas, e nada mostra
melhor quanto ela é útil e natural ao homem, pois o país em que ela
exerce em nossos dias maior império é ao mesmo tempo o mais
esclarecido e o mais livre. (TOCQUEVILLE, p.342, grifo nosso)

Portanto, ao evitarem, zelosamente, apoiar qualquer sistema político e ao


manterem-se fora dos negócios públicos e da política partidária, os sacerdotes, além
de se conservarem nos limites do poder próprio da religião cujo fundamento está na
própria natureza humana, também reconhecem como positiva a liberdade civil. Por
isso mesmo, como já foi aludido, a política é considerada pela teologia católica como
um campo livre para a busca livre e diligente da verdade, isto é, para a

59
experimentação humana. Evidentemente, tal experimento deve manter-se dentro de
certos padrões definidos previamente e estabelecidos com clareza pela moralidade
cristã. Moralidade reguladora esta que equilibra não somente a política como
também a audácia do espírito americano em geral caracterizado por suas inovações,
concepções, imaginação, lógica e, sobretudo, seus impulsos revolucionários.

Um exemplo bem específico de como funciona este poder regulador da


religião cristã pode ser visto no império que esta exerce sobre a alma da mulher
americana. De acordo com Tocqueville (1835, p. 343): “é a mulher quem faz os
costumes”. E isto em razão do fascínio ou domínio que, por sua vez, ela exerce
sobre a alma masculina a qual, do contrário e frequentemente, não encontra limites
de nenhuma natureza. Portanto, por influência do cristianismo, através do sexo
feminino, os lares norte-americanos apresentam elementos que contribuem para o
regramento das opiniões e gostos, assim como para a ordem, a pacificação, a
regularidade e a felicidade sociais. É esta experiência familiar que imputa ao cidadão
americano, conforme Tocqueville (1835), o gosto pela ordem social e pela
submissão aos poderes legisladores do Estado.

Como se pode ver com clareza, não é debalde que havia um consenso da
“nação inteira (...) em todos os níveis...” (TOCQUEVILLE, 1835) quanto ao papel
necessário da religião cristã para a manutenção das instituições republicanas.
Destarte, a religião, entre os americanos, gozava de grande prestígio, enquanto o
ateísmo era visto com descrédito. Outrossim, conforme o jurista francês, foi ainda
por seu amor à pátria que os americanos resolveram abraçar o cristianismo, visto
que, a despeito da mentalidade moderna laicizante e preconceituosa, esta religião,
no seu conteúdo essencial, representava o que havia de melhor, a saber: a
liberdade e a preocupação ou interesse equilibrado pelos bens terrenos, pelas
questões políticas e pela cultura. Em suma, a religião cristã representava para eles a
preservação dos valores civilizacionais em detrimento da anarquia e do despotismo.

Diante da realidade concreta que observara, Tocqueville (1835) estava


convicto de que os povos religiosos, isto é, fiéis aos princípios da religião cristã são,
na verdade, povos livres. E que, portanto, ainda mais que os regimes monárquicos,
as repúblicas, em especial as democráticas, necessitavam da fé cristã para a
60
promoção da liberdade. Sendo assim, contradizendo os partidários da revolução e
os republicanos europeus coetâneos que intentaram convencê-lo do suposto erro
religioso americano, ele asseverou que:

Na verdade, nada tenho a responder a essas afirmações, a não ser que os


que assim falam não estiveram na América e nunca viram povos
religiosos como jamais viram povos livres. Espero-os pois ao voltarem
de lá.
[...]
Quando estas [pessoas] atacam as crenças religiosas, seguem suas
paixões, não seus interesses. O despotismo é que pode prescindir da
fé, não a liberdade. A religião é muito mais necessária na republica que
elas preconizam do que na monarquia que atacam, e mais nas repúblicas
democráticas do que em todas as outras. Como a sociedade poderia deixar
de perecer se, enquanto o vínculo político se fosse afrouxando, o vínculo
moral não se estreitasse? E que fazer de um povo senhor de si mesmo, se
não é submetido a Deus? (TOCQUEVILLE, p. 346, grifo nosso)

Tratando, agora, das causas que tornaram a religião cristã tão poderosa na
América, Tocqueville começa por refutar o pensamento de certos filósofos europeus
do século XVIII que afirmavam uma ligação necessária entre a religião, a ignorância
e a ausência de liberdade. A partir do seu testemunho ocular, ele registra e informa
aos espíritos supostamente esclarecidos do Velho Mundo que nos Estados Unidos,
diferentemente da Europa, encontrava a religião, o esclarecimento e a liberdade
perfeitamente unidos. Estas são suas palavras traduzidas a esse respeito:

O fervor religioso, diziam eles [os filósofos], deve se apagar à medida que a
liberdade e as luzes aumentam. Pena que os fatos não coincidam com
essa teoria.

Há certa população europeia cuja incredulidade só é igualada pelo


embrutecimento e pela ignorância, ao passo que na América vê-se um
dos povos mais livres e mais esclarecidos do mundo realizar com
ardor todos os deveres externos da religião.

[...]

Vi entre nós [europeus] o espírito religioso e o espírito de liberdade


caminharem quase sempre em sentido contrário. Eu os encontrava
intimamente unidos um ao outro lá: reinavam juntos sobre o mesmo
território. (TOCQUEVILLE, p.347, grifo nosso)

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Como se pode deduzir do que foi dito por Tocqueville, a aplicação e
experiência de um cristianismo mais puro, ou livre de assessórios desnecessários e
mesmo onerosos, é uma das causas, senão a principal causa que explica o poder
desta religião na América. Pois, em seu estado natural, ao contrário do que possam
imaginar os céticos, o cristianismo fomenta o esclarecimento e, por conseguinte, a
liberdade dos indivíduos. Destarte, conhecendo, com toda a propriedade, o conteúdo
e as consequências do seu próprio ensinamento, foi também a respeito desta
realidade social observada na América que vaticinou o próprio Cristo quando
declarou: “Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus
discípulos, conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (João 8:31,32)
(BÍBLIA, João, 8, 31 e 32)

Politicamente falando, entretanto, Tocqueville (1835) reconheceu que a


separação entre a Igreja Cristã e o Estado foi a principal causa para o império, poder
ou influência social da religião cristã sobre a sociedade americana. Ele registra que
o clero afastou-se voluntariamente do poder político estabelecido e organizado e
que, além disso, demonstrava uma espécie de orgulho profissional ao permanecer
estranho a ele. Desse modo, os líderes da Igreja não ocupavam cargos públicos e
sequer possuíam representantes formais em assembleias. Ademais, tanto a carreira
quanto a opinião político-partidárias, foram-lhes vedadas legalmente. Enfim, a
neutralidade ideológica revestia os sacerdotes de autoridade para, em seus ensinos
e homilias, condenarem a ambição e a má fé, independentemente das opiniões
políticas com as quais elas viessem contrafeitas ou dissimuladas.

Desse modo, afastando-se dos poderes políticos e da sua força legislativa,


econômica e militar aparente ou cambiante e, assim fazendo, desvinculando a fé do
terror, a Igreja Cristã na América limitou-se à força real da religião, isto é, à
inclinação natural e invencível da condição e natureza humanas, limitou-se à busca
esperançosa pelo transcendente que há nesta natureza. A propósito, para esta
inclinação natural, ao longo do seu texto, Tocqueville atribuiu várias expressões
autoexplicativas tais como: sentimentos, instintos e paixões inatas; interesse imortal;
disposição invariável do coração humano; sentimentos consoladores de todas as
misérias; esperança noutro mundo e desejo de imortalidade. E, como já foi

62
mencionado acima, ele estava plenamente convencido de que quanto mais o
cristianismo se ativesse a este fundamento, mais universal ele seria, visto que
estaria ligado ao coração ou essência imutável do gênero humano. São estas
algumas das suas palavras a este respeito:

O homem é o único dentre todos os seres a mostrar um desgosto natural


pela existência e um imenso desejo de existir: ele despreza a vida e teme o
nada. Esses diferentes instintos impelem incessantemente sua alma a
contemplação de outro mundo, e é a religião que o conduz a ele. A
religião não passa, pois, de uma forma particular da esperança, e é tão
natural ao coração humano quanto a esperança mesma. É por essa
espécie de aberração da inteligência e com a ajuda de uma espécie de
violência moral exercida sobre sua natureza mesma que os homens se
afastam das crenças religiosas: uma inclinação invencível os traz de
volta a elas. A incredulidade é um acidente; somente a fé é o estado
permanente da humanidade. (TOCQUEVILLE, p.348-349)

Em caso contrário, ou seja, caso o cristianismo se mantivesse unido às


“paixões amargas do mundo”, conforme denominou o jurista, a religião cristã atrairia,
como de fato tem ocorrido ao longo da história, o ódio de muitos, além das alianças
interesseiras ou espúrias com tantos outros e a inimizade com seus amigos ou com
aqueles que ainda a amam. Portanto, Tocqueville reconhecia, na união entre a
religião de um lado e as forças políticas (os poderes da sociedade e do governo) do
outro, “uma aliança necessariamente onerosa.” (TOCQUEVILLE, p.350) Pois, ele
observou que os fundamentos destes poderes humanos eram as opiniões
transitórias de uma geração, os interesses efêmeros de um século, a vida breve de
um homem poderoso qualquer ou uma lei que podia ser revogada com a mudança
de governo. Sendo assim, no caso de estarem unidos, com a derrocada destes
poderes instáveis, inevitavelmente, a Igreja e o cristianismo decairiam a seu turno.

Esse desfecho trágico para o cristianismo, conforme Tocqueville (1835),


tornar-se-ia cada vez mais certo à medida que a tendência irrefreável dos povos
para a adoção de regimes democráticos e republicanos se acentuasse ou se
tornasse, gradual ou revolucionariamente, uma realidade social e política concretas.
E isto porquê ao cerne mesmo dos regimes republicanos democráticos estariam
ligadas a agitação e a instabilidade. Some-se a isto, como foi aventado em outro

63
momento, o fato de os americanos haverem entregado o mundo político aos
experimentos inovadores. Destarte, em face desse mecanismo fatalista, o jurista
corrobora entusiasticamente sua aprovação em relação à atitude dos sacerdotes
norte-americanos, asseverando o que se segue abaixo:

Os padres americanos perceberam essa verdade antes de todos os outros


e conformam a ela sua conduta. Viram que seria necessário renunciar a
influência religiosa, se quisessem adquirir uma força política, e
preferiram perder o apoio do poder a partilhar suas vicissitudes. Na
América, a religião talvez seja menos poderosa do que foi em certos tempos
e em certos povos, mas sua influência é mais duradoura. Ela se reduziu
a suas próprias forças, que ninguém poderia tirar-lhe; ela age num
círculo único, mas percorre-o por inteiro e domina-o sem esforços.
(TOCQUEVILLE, p.351, grifo nosso)

Obviamente, diante deste quadro tão promissor, diante de uma convivência


tão mutuamente proveitosa entre estado e religião na América, a fim de contra-
arrestar os cismas religiosos e a indiferença observados na Europa em relação ao
cristianismo - os quais, provocavam, por sua vez, o surgimento de doutrinas
negativas que produziam vazios ou vácuos de crença, frieza espiritual e, por vezes,
a atitude tímida de alguns e extremamente defensiva de outros que ainda criam ou
se mantinham fiéis aos princípios cristãos – Tocquevile (1835), para o soerguimento
do cristianismo naquele continente, preconizou a secção, definitiva, dos vínculos
entre a política e a religião e que esta última fizesse uso exclusivo de suas próprias
forças, já aludidas, as quais seriam, absolutamente, suficientes e poderosas.
Embora ignorasse os meios através dos quais isto fosse possível, o jurista
considerava esta medida o bastante para que fosse retirado do europeu o
impedimento que o proibia de seguir sua inclinação natural e para que, mais uma
vez, ele pudesse enxergar os limites éticos de suas ações a serem respeitados.

. Finalmente, havendo proposto o fim da identificação da religião com os


poderes políticos e econômicos, Tocqueville (1835) passa a discorrer a respeito das
características do americano médio, fazendo algumas comparações com o europeu
típico. Em síntese, quanto ao seu nível de esclarecimento científico, ele dirá que
pelo número reduzido de cientistas, por um lado, o espectador ficará espantado. Por

64
outro, se se dispuser a contar os ignorantes, o povo americano lhe parecerá o mais
esclarecido da terra. Por conseguinte, coerentemente, ele declara a respeito do
cidadão norte-americano comum:

Tudo é primitivo e selvagem em tomo dele, mas ele é, por assim dizer, o
resultado de dezoito séculos de trabalho e de experiência. Ele traja roupa
citadina, fala o linguajar da cidade; sabe o passado, é curioso do
futuro, argumenta sobre o presente; é um homem civilizadíssimo, que,
por algum tempo, se submete a viver no meio dos bosques e que se
mete pelos desertos do novo mundo adentro com a Bíblia, um
machado e jornais.
É difícil imaginar com que incrível rapidez o pensamento circula no seio
desses desertos.
Não acredito que se produza um movimento intelectual tão grande
assim nos cantões mais esclarecidos e mais populosos da França.
É indubitável que, nos Estados Unidos, a instrução do povo serve
poderosamente para a manutenção da república democrática. Assim
será, penso eu, onde quer que não se separe a instrução que esclarece
o espírito da educação que regra os costumes. (TOCQUEVILLE, p.357,
grifo nosso)

Reconhecendo na população americana um nível de esclarecimento superior


aos cantões mais esclarecidos e populosos da Europa, Tocqueville (1835) ressalta
que, diferentemente da Europa cuja educação era direcionada à vida privada, o
conjunto da educação nos Estados Unidos, naquele período histórico, era
prioritariamente orientado para a política. Dessa maneira, os americanos eram
extraordinariamente versados nos seus direitos e nos meios através dos quais
podiam lançar mão deles, eram ainda conhecedores das regras da administração e
estavam familiarizados com o funcionamento das leis. Enfim, embora a educação
literária tenha contribuído para que os americanos fossem capazes de apreender
estes conhecimentos práticos e noções positivas, foi, sobretudo, na participação e
na prática cotidiana da vida social que eles aprenderam as leis e a governar.

6.1. A Inevitabilidade e Necessidade das Ideias, Opiniões Perenes ou


Dogmas de Todos os Tipos
Conforme Tocqueville (1840), as crenças dogmáticas que estão, natural e
necessariamente, presentes não somente na religião, mas também na filosofia e na
política entre outras áreas do conhecimento e atividade humanos, consistem nas

65
opiniões, ideias ou princípios mais importantes os quais as pessoas recebem ou
aceitam em confiança e sem discussão. Sendo, portanto, comuns, i. é,
compartilhados por todos desde, por exemplo, um círculo profissional específico até
uma determinada área civilizacional como um todo, passando por instituições e
organizações de todo tipo e orientando o funcionamento de uma sociedade.
Esta aceitação se dá, por exemplo, em razão do escasso tempo de vida do
ser humano e devido a sua incapacidade ou limitação quanto à obtenção do
conhecimento pleno, cabal e absoluto da realidade que o orientaria com segurança
em todas as suas ações. Por outro lado, observa-se ainda com maior clareza a
necessidade de verdades estabelecidas porque são estas que permitem o consenso
relativo, mas suficientemente seguro ou robusto, entre os homens para que se
reúnam, estabeleçam objetivos comuns e ações compartilhadas. É, portanto, esta
reunião e cooperação dos homens, possibilitadas pela aceitação geral e
compartilhamento de dogmas, que faz surgir e mantém a subsistência de uma
sociedade e, por conseguinte, sua prosperidade. A esse respeito, ele assevera:

Ora, é fácil ver que não há sociedade que possa prosperar sem crenças
semelhantes, ou antes, não há sociedades que subsistam sem elas; porque,
sem idéias comuns, não há ação comum, e sem ação comum existem
homens, mas não um corpo social. Para que haja sociedade e, com
maior razão, para que essa sociedade prospere, é necessário pois que
todos os espíritos dos cidadãos estejam sempre reunidos e mantidos
juntos por algumas idéias principais; e isso não poderia se dar se cada
um deles não viesse de vez em quando extrair suas opiniões de uma
mesma fonte e consentisse fazer seu certo número de crenças já
prontas.
[...]
Não há no mundo um filósofo que não creia um milhão de coisas com
fé em outrem e que não suponha muito mais verdades do que ele
próprio estabelece.
Isso não só é necessário como desejável. Um homem que
empreendesse examinar tudo por si mesmo só poderia conceder pouco
tempo e atenção a cada coisa; esse trabalho manteria seu espírito numa
agitação perpétua, que o impediria de penetrar profundamente uma verdade
e fixar-se com solidez numa certeza. Sua inteligência seria a uma vez
independente e frágil. É necessário, portanto, que entre os diversos
objetos das opiniões humanas ele faça uma opção e adote muitas crenças
sem discuti-las, a fim de aprofundar melhor um pequeno número delas, cujo
exame reservou para si. (TOCQUEVILLE, Vol.2, p.9,10)

Evidentemente, quem ou o que quer que dê origem a estes dogmas ou


opiniões compartilhadas assumirá a posição ou o lugar da autoridade intelectual e

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moral a qual, para que também haja aprofundamento no exame destas mesmas
opiniões, deverá estar significativamente concentrada e fixa.
Tocqueville (1840) também faz observar que numa sociedade democrática,
onde há condições de igualdade mais desenvolvidas, este lugar de autoridade é
ocupado pela massa ou o conjunto da população, ou seja, pela própria humanidade
e, por conseguinte, pela razão humana. Em outras palavras, as fontes da verdade
estariam na própria humanidade e não fora dela. Isto se dá porque, em tais
condições de igualdade, os homens já não confiam facilmente na autoridade
intelectual e moral de outros homens individualmente, mas confiam na opinião da
massa ou da maioria das pessoas e isso, consequentemente, exclui a crença no
sobrenatural ou leva a descrença neste.
Diferentemente de um regime aristocrático, portanto. Visto que neste o lugar
da autoridade intelectual e moral é ocupado pela razão superior de um homem ou de
um grupo ou classe de homens.
Ainda no primeiro caso, em sociedades democráticas, outra razão pela qual a
opinião comum, a maioria ou o juízo público adquire este lugar de autoridade se
deve ao fato de que, apesar dos homens se sentirem orgulhosos de sua igualdade
com outros homens ao procederem uma comparação de suas próprias condições
com as de outros, contudo, diante do conjunto destes mesmos homens em
sociedade, sentem-se insignificantes, fracos e vulneráveis.
Em resumo, essa tendência de pôr sobre a própria razão humana toda
autoridade intelectual e moral para a criação de novas verdades ou dogmas,
demonstra que a humanidade vem, paulatinamente, substituindo a Revelação Divina
pela filosofia humanista. Ou seja, o homem se recusa submeter-se a um Deus
perfeito para colocar-se sob o jugo de um conjunto de homens imperfeitos. Prevendo
esta tendência, pode-se especular que Deus, em sua presciência e compaixão, teria
proposto, conforme as Sagradas Escrituras, a identificação máxima com a
humanidade mediante a encarnação do Logos determinada desde a eternidade.
Assim, diferentemente de uma submissão resultante de persuasão intelectual,
amorosa e sobrenatural realizada pelo Espírito de Deus, os dogmas humanos são
aceitos pelo indivíduo por imposição, pressão e opressão da maioria. Portanto, a
igualdade de condições torna onipotente o poder político da massa, fazendo reinar o

67
império intelectual da opinião pública ou comum. Este estado social assume o
caráter de uma religião secular cujos dogmas advêm naturalmente da opinião
comum e cujo profeta consiste nesta própria maioria.
Desse modo, não somente os regimes monárquicos e aristocráticos, mas
também os democráticos podem se degenerar em diferentes formas de despotismo
que, ao fim e ao cabo, resultam no mesmo desfecho, isto é, o sufocamento da
liberdade intelectual sagrada do indivíduo. Naqueles regimes, isto ocorre ao
prenderem a razão individual à opinião de um homem ou de certas classes ou
grupos de homens. Nestes, ao prenderem o indivíduo à opinião pública. Por outro
lado, a julgar pela posição tradicional da Ig. Católica, a respeito dos diversos
regimes políticos possíveis, todos estes, para o pensamento cristão, seriam
aparentemente válidos, contanto que fosse resguardada a liberdade civil e
intelectual individual, sobretudo no âmbito da esfera política.
Finalmente, não são apenas negativas as consequências do domínio da
opinião pública sobre o indivíduo. No contexto de uma sociedade democrática
cristianizada, como era o caso da sociedade norte-americana no século XIX, o
testemunho ou a pressão da maioria a favor da religião cristã, tal como o
testemunho de João Batista (Vide Jo. 5:31-47) nos tempos de Jesus, pode contribuir
para o conhecimento e experiência de muitos da Pessoa de Cristo, experiência esta
proveitosa inclusive para as esferas socioeconômica e política conforme se fará
referência, mais adiante, no item 6.4 deste capítulo.
Havendo reconhecido e sublinhado o caráter natural, espontâneo e
imprescindível dos dogmas de todo tipo em todas as esferas do pensamento e da
atividade humana, ele esclarece que os dogmas de natureza religiosa são, além de
tudo, os mais desejáveis, pois estes consistem nos primeiros, originários e mais
importantes pontos dos quais decorrem diretamente a ação humana ou sua prática
cotidiana. Estes pontos, evidentemente, tratam de ideias gerais sobre Deus e suas
relações com o ser humano, sobre a natureza da alma humana e dos deveres do
homem para com seus semelhantes. E a dúvida, conforme Tocqueville (1840), a
respeito dos mesmos resultaria em desordem e impotência sociais. Daí, o interesse
justificado dos homens em defini-los para o bom andamento de uma sociedade.

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De tudo isto que foi dito acima se pode depreender a importância das
diferentes religiões ou vertentes cristãs as quais podem oferecer soluções ou
definições nítidas, precisas, inteligíveis e duradouras para os chamados primeiros
pontos. Submeter-se a estes consistiria, portanto, num jugo salutar da inteligência,
visto oferecerem um ponto de partida, uma referência inicial que permite o exame
aprofundado destes mesmos pontos, seu esclarecimento e a expansão de suas
consequências lógicas, além do seu aperfeiçoamento se for o caso.
Do contrário, destruindo-se a autoridade política (influência social) e religiosa
ou intelectual (determinação das verdades últimas ou definitivas acerca da
realidade) da religião cristã, as almas humanas se debilitariam com o relaxamento
de sua vontade e a consequente entrega da liberdade a uma servidão real. E isto
devido à inquietação e ao cansaço em razão do abandono dos primeiros pontos e
como consequência das dúvidas e noções confusas e instáveis que se instalariam
no seu lugar. Diante deste quadro, considerando-se ainda o contexto de uma
sociedade democrática onde impera o valor da igualdade, esta mesma igualdade,
sem o elemento transcendente dos dogmas religiosos, encaminharia os homens ao
isolamento e ao egoísmo, além do apego excessivo aos gozos ou prazeres
materiais. Ou seja, o ser humano tornar-se-ia medíocre, reduzindo-se a instintos
animalescos e, puramente, materialistas.
Portanto, para evitar o caos, a anarquia ou o esfacelamento do tecido social,
de acordo com Tocqueville (1840), é mister, principalmente nas eras democráticas,
conservar o império da religião cristã. Pois esta, como antídoto, oferece em seu
bojo, à sociedade, a capacidade de estimular instintos contraditórios cujo efeito
consiste na moderação das paixões egoístas e materialistas. Ela realiza isto ao
estabelecer, com expertise, os objetos de desejo da alma humana acima dos bens
materiais, elevando, por conseguinte, a alma acima dos sentidos sensoriais.
Outrossim, a religião cristã instrui as pessoas a respeito dos seus deveres altruístas
para e com a espécie humana. Contudo, conforme reiterado anteriormente, para que
o seu poder permaneça é imprescindível que o cristianismo se mantenha nos seus
limites, é necessário que trace nitidamente seu círculo de influência natural sobre o
espírito humano, além do qual perderia sua credibilidade. Por conseguinte, a religião
cristã deve, fora do seu escopo, entregar o homem a si mesmo.

69
Corroborando seu argumento a favor da necessidade do estabelecimento de
uma só autoridade intelectual e moral religiosa que estabeleça ideias e regras gerais
e claras para toda a sociedade, Tocqueville (1840) vê no surgimento histórico do
Império Romano - que, juridicamente, fez de todos os povos da terra um só povo,
unindo o gênero humano através da submissão às mesmas leis e regras e tornando-
os, desta maneira, iguais, além de imputar-lhes o sentimento de pequenez e
fraqueza diante do imperador – uma intervenção providencial da Divindade, num
período da história que a Escritura chama de “Plenitude do Tempo” (Gl.4:4), com o
propósito de facilitar ao homem a concepção de um único Deus e de um só destino
espiritual para toda a humanidade. Em outras palavras, o desaparecimento das
barreiras durante o Império Romano (por meio do estabelecimento de leis comuns a
todos entre outros aspectos), que separavam as nações e os cidadãos dentro delas,
encaminharia providencialmente o espírito humano à ideia de um Ser único e
onipotente.
Além disso, para a manutenção e fortalecimento da religião nas sociedades
democráticas, levando em consideração a objetividade e o pragmatismo do espírito
do homem moderno, o jurista prescreve o abandono, por parte das igrejas cristãs,
particularmente da católica, dos excessos de formalidade presentes em suas
formas, figuras, símbolos e cerimônias. De acordo com Tocqueville (1840), estes
elementos devem ser restringidos ao absolutamente necessário para que a
sustância da religião cristã, isto é, seus dogmas sejam preservados. Em outras
palavras, ela deve apegar-se mais ao espírito da Lei de Deus e da Igreja e menos à
sua letra para que o conteúdo da crença - constituído de opiniões Divinas precípuas
ou centrais, também denominadas artigos de fé, os quais são imutáveis e
atemporais - ganhe força à medida que se torne plenamente nítido. E isto, mesmo
que em detrimento das noções acessórias, periféricas ou secundárias as quais, com
o passar dos tempos, podem e devem ser adaptadas e modificadas.
Por outro lado, a religião cristã também deve evitar destruir as ideias gerais,
interesses e paixões da massa tais como a busca pelo bem-estar material. Em
outras palavras, deve visar agradá-la naquilo que não for contrário a fé afim de que
não seja destruída por esta mesma massa de pessoas cuja opinião pública, como
dito anteriormente, orienta as sociedades democráticas. Contudo, o cristianismo não

70
somente pode como deve purificar, regrar e restringir estas paixões.
Especificamente, por exemplo, deve reconhecer a importância dos bens deste
mundo, mantendo-os, no entanto, numa posição secundária em relação aos
espirituais. Ademais, seus sacerdotes devem se interessar e aplaudir o progresso da
indústria ao mesmo tempo que não se associam a ele. E, finalmente, sem proibir a
busca honesta e legítima pelo bem-estar, devem apresentar ao povo o mundo
vindouro como o grande objeto dos seus temores e esperanças. Em síntese, o
cristianismo deve respeitar e utilizar sabiamente os instintos democráticos.

6.2. O Catolicismo e o Panteísmo como Tendências do Estado Social


Democrático
A propósito, estes instintos democráticos, de acordo com Tocqueville (1840),
adequar-se-iam perfeitamente ao modo de ser do cristianismo católico que se
caracterizaria pela unidade, uniformidade e pela liberdade que reconhece aos
homens no âmbito político. Visto que, neste último caso, o homem democrático, em
razão da igualdade entre todos, considera com ceticismo o próximo e, por isso, é
avesso à autoridade, estando ainda acostumado com a liberdade individual de
julgamento.
Entretanto, este mesmo instinto igualitário, além do gosto por ideias muito
gerais, também implica, nos povos democráticos, uma tendência ao panteísmo;
pensamento filosófico que faz de Deus e sua criação uma só e mesma coisa,
essência ou substância. Pois, já que nos âmbitos jurídico, socioeconômico e político
todos são iguais ou dispõem, mais ou menos, das mesmas condições de existência
e estão sujeitos às mesmas leis, não faz sentido pensar em indivíduos: o indivíduo,
neste contexto, torna-se insignificante diante do coletivo. Pensa-se, por conseguinte,
mais em termos de conjunto, ou seja, no povo ou nação como um todo do que no
indivíduo ou, mesmo, em seu detrimento.
Sendo assim, numa etapa filosófica deste seu pensamento, o homem
democrático e moderno passa então a extrapolar este princípio igualitário e
confundi-lo com o conceito de unidade absoluta. Fazendo isto, ele simplifica agora,
ao máximo, a realidade, buscando nos objetos ou elementos desta uma só causa ou
princípio unificador e constituinte de tudo. Dito de outra forma, em sua obsessão

71
pela unidade, na busca de um princípio geral único para todas as coisas, a
igualdade transformada em unidade entre todos os seres humanos já não é
suficiente ao homem democrático e a divisão monoteísta entre Deus e sua criação
ou a transcendência e superioridade da Divindade o incomoda, levando-o mais
adiante a uma simplificação máxima ou a uma união absoluta de todas as coisas, o
panteísmo, no qual todas elas estão sujeitas à mesma lei ou princípio o qual também
é o constituinte essencial de todas elas.
Um exemplo bem acabado do pensamento panteísta moderno e decorrente
da mente republicana e democrática secular parece ser aquele expressado pelo
teólogo e filósofo inglês, Alan Watts, explorado no capítulo dois deste trabalho. No
mesmo texto utilizado acima e intitulado Mitologia Ocidental: Dissolução e
Transformação, ele declara:

Precisamos estudar e entender cada vez mais nossa dependência e a


complexidade de nossas relações com plantas, insetos, bactérias,
gases, processos astronômicos, e quanto mais entendermos que
nossa existência e a existência de todas as coisas e todas as criaturas
são um único processo, mais poderemos usar a tecnologia de uma
forma inteligente, vendo o mundo externo a nós como uma extensão
ou parte de nosso corpo. Mas a transformação da mitologia ocidental
exige ainda outro passo.

Mais adequada à ciência do século XX seria uma imagem orgânica do


mundo, o mundo como um corpo, um amplo padrão de energia
inteligente que tem um novo relacionamento conosco. Não estamos no
mundo como súditos de um rei, nem vítimas de um processo cego.
Não estamos no mundo de modo algum. Somos o mundo! (WATTS,
2001, p. 13, 14, grifo nosso)

Como se pode observar, o panteísmo e/ou os adeptos desta filosofia, além de


acreditarem que toda a realidade, em última análise, se resume, se explica ou se
resolve em um só princípio ou processo, expressam ainda ou trazem em si a
necessidade ou o anelo pelo sentimento de pertencimento, de fazer parte do que
pode ser chamado de o Todo. Em outras palavras, o panteísmo anela uma espécie
de comunhão fraterna, ou um relacionamento próximo e no mesmo nível com esta
realidade plena, completa, demonstrando ainda, com isso, uma visão sistêmica ou
holística do cosmos. Nestes três sentidos, portanto, o panteísmo se assemelha
bastante com o cristianismo com a exceção de identificar plenamente o Todo
72
existente, a realidade plena, conforme seu conceito, com Deus e, assim, anular toda
Sua transcendência. Dito de outra forma, o panteísmo faz da criação Divina o
próprio Deus, ou seja, o panteísmo, na verdade, é uma das formas assumidas pelo
ateísmo encontrado, inclusive, em religiões orientais como o budismo e o hinduísmo.

Portanto, embora seu conceito de deus seja distinto, no que se assemelha ao


cristianismo, isto é, em seu anelo de pertencimento e na sua visão sistêmica e
monística do cosmos, é realmente plausível e perfeitamente razoável asseverar,
conforme o ensino neotestamentário, que Deus, o Logos Divino ou a Razão do
Cosmos tenha, desde a eternidade, decidido, em sua presciência e conhecimento
cabal de sua própria criação, imanentizar-se nela, isto é, fazer-se homem para suprir
esta necessidade humana por proximidade fraterna ou amizade com o Verdadeiro
Todo (Vide Col.2:8-10). Nas palavras do próprio filósofo em questão, esta vocação
imanentista do cristianismo pode ser claramente observada em textos bíblicos como
Filipenses 2:5-8. Muito embora, oportunamente, ele tenha evitado os três versos
seguintes do mesmo texto que tratam da transcendência a qual, deliberadamente,
ele não compreende ou interpreta mau. Desse modo, Watts (2001, p. 16) declara:

Assim, podemos ter esperança de que talvez chegue o dia em que o


presidente dos Estados Unidos seja tão anônimo quanto o chefe do
departamento de engenharia sanitária da cidade de Nova York, que é
um indivíduo de grande valor no exercício de uma função de grande
utilidade. Mas quando o chefe do departamento de Nova York anda pelas
ruas não há fanfarras, não há uma imensa escolta policial, pois quem se
importa com o chefe do departamento sanitário? A tradição cristã já traz
uma estranha alusão a isso. Na Epístola aos Filipenses, São Paulo diz:
"Tende em vós os mesmos sentimentos que Jesus Cristo teve: Ele,
subsistindo na condição de Deus, não pretendeu reter para si ser igual
a Deus. Mas se despojou de si mesmo, tomando a condição de servo
feito semelhante aos homens. E, apresentando-se como simples
homem, humilhou-se, feito obediente até a morte, até a cruz." Esse
esvaziamento de si, ou renúncia ao poder por parte do Deus é
chamado pelos gregos de kenosis. É a idéia de que Deus cria o mundo
abrindo mão do poder, instituindo uma monarquia constitucional, e
não tirânica.

73
6.3. A Mentalidade Utilitária do Homem Democrático Norte-Americano
Até certo ponto e a depender do objeto da ambição, é natural e salutar que as
pessoas demonstrem interesse pela utilidade ou pelo retorno que podem oferecer
suas relações cotidianas com pessoas, organizações, instituições e teorias ou
sistemas de pensamento de todo tipo, inclusive mesmo em se tratando de
elementos de natureza transcendente como são os da religião cristã. Portanto, de
alguma forma, frequentemente, é possível e legítimo esperar algum retorno, lucro,
benefício ou recompensa seja material, cultural ou espiritual das relações encetadas
no cotidiano de todas as esferas da atividade humana.
Conhecendo este princípio, instinto ou pulsão humana, o cristianismo norte-
americano, segundo Tocqueville (1840), diferentemente daquele praticado na Idade
Média que visava e fomentava nos fiéis muito mais o interesse pelos benefícios
celestiais ou do mundo espiritual em prejuízo dos terrenos, os pregadores norte-
americanos ressaltam, insistentemente, os benefícios deste mundo trazidos pela
religião cristã os quais estão, basicamente, relacionados com a liberdade, a ordem
pública e a felicidade.
Assim sendo, o cidadão americano religioso está seguro de que sua prática
cristã, incluindo seu esforço ascético no sentido de vigiar, reprimir e recusar a si
mesmo certas paixões e prazeres, ou a falta de moderação neles, possui uma
recompensa não somente no mundo vindouro, mas também no presente.
Entretanto, o jurista sublinha o fato de não estar reduzido ao utilitarismo o
ensinamento cristão, não podendo, portanto, creditar ao interesse pessoal e material
a motivação única ou exclusiva das pessoas religiosas. Em outras palavras, há
cristãos que não agem visando apenas uma recompensa pessoal seja ela material
ou espiritual. De fato, existem cristãos zelosos que, constantemente, se esquecem
de si mesmos em favor da felicidade do outro ou de sua comunidade. Estes, amiúde,
são motivados, em suas relações cotidianas, “apenas” pelo amor que retornam a
Deus com gratidão e obediência. Outrossim, estes cristãos são motivados pelo
prazer de contemplar a aplicação, neste mundo, do princípio divino altruísta - que,
na verdade, constitui a ordem ou a essência de funcionamento da realidade - e o
bem que isto, seguramente, resulta a todos. Em suma, a esse respeito, Tocqueville
(1840, Vol.2, p.151-152) declarou o seguinte:

74
Todavia, recuso-me a crer que todos os que praticam a virtude por espírito
de religião ajam tão-só tendo em vista uma recompensa.
Encontrei cristãos zelosos que esqueciam sem cessar de si mesmos a
fim de trabalhar com mais ardor pela felicidade de todos, e ouvi-os
pretender que só agiam assim para merecer os bens do outro mundo;
mas não posso me impedir de pensar que enganam a si próprios.
Respeito-os demais para acreditar neles.
O cristianismo nos diz, é verdade, que devemos preferir os outros a
nós mesmos, para merecer o céu; mas o cristianismo também nos diz
que devemos fazer o bem a nossos semelhantes por amor a Deus. É
uma expressão magnifica; o homem penetra por meio de sua inteligência no
pensamento divino; ele vê que a finalidade de Deus é a ordem, associa-se
livremente a esse grande desígnio e, sacrificando seus interesses
particulares a essa ordem admirável de todas as coisas, não espera
outras recompensas além do prazer de contemplá-la.
Não creio pois que o único móvel dos homens religiosos seja o interesse;
mas penso que o interesse é o principal meio de que as religiões se valem
para conduzir os homens, e não tenho dúvida de que seja por esse lado que
elas conquistam a multidão e se tomam populares. (grifo nosso)

6.4. A Utilidade da Religião para o Estado e para o Indivíduo

É evidente a utilidade da religião para o Estado, como um todo, e para os


indivíduos, particularmente, porque ela contribui para a moralização tanto de um
quanto de outro. Tomando como exemplo a crença na imortalidade da alma, em
termos gerais, funciona desta maneira: a confiança nesta crença leva,
consequentemente, o indivíduo a considerar a existência de um mundo espiritual.
Por sua vez, em razão do ensino monoteísta cristão e da mentalidade igualitária do
homem moderno, já mencionada anteriormente, ele considera a existência de um só
Deus que estabelece leis e regras gerais éticas ou morais para todos os homens.
Convencido da realidade destas crenças e interessado nas recompensas do mundo
vindouro e presente, ele adequa seu comportamento a estas leis, equilibrando-o.
Enfim, indivíduos equilibrados buscarão evitar o mal social e contribuir, de alguma
maneira, para o bom andamento da dimensão socioeconômica da sociedade em
que vivem.
Como se pode ver simplificadamente acima, a religião moraliza os indivíduos
e, por conseguinte, contribui substancialmente para a manutenção das instituições
políticas e sociais democráticas à medida que, ao despertar a fé nas realidades
espirituais, equilibra o comportamento destes a fim de que se submetam a estas
instituições e colaborem para sua estabilidade. Dito de outra forma, não é útil ou
75
bom para a esfera socioeconômica de uma nação e, consequentemente, para seu
funcionamento político que os cidadãos vivam completamente absortos no mundo
material ou se entreguem imoderadamente às paixões físicas. Esta atitude,
frequentemente, comprometerá seu interesse pelo futuro próprio e de suas
gerações.
Estando cientes deste fato, conforme Tocqueville (1840), a cada sete dias, os
americanos, em sua maioria, costumavam suspender, temporariamente, sua vida
comercial e industrial para o recolhimento, repouso e contemplação de Deus e de
sua própria alma. Neste momento semanal que separavam regularmente, eles
consideravam os males do orgulho e da cobiça e rememoravam a necessidade de
regrar os desejos, além de considerar o prazer da verdadeira felicidade como
corolário indissociado da virtude. Ou seja, nestes momentos, os americanos
furtavam-se das pequenas paixões e interesses efêmeros ou transitórios da vida a
fim de penetrar na grandeza, pureza e eternidade de Deus, contemplando sua
bondade, magnificência infinita de suas obras, o elevado destino dos homens, a
imortalidade, além dos seus deveres e direitos.
Para este resultado social positivo da religião cristã, conforme Tocqueville
(1840), a constituição social e política de uma sociedade influência ou contribui
significativamente, dispondo a população para determinadas crenças, gostos,
opiniões e pendores, enquanto, ao mesmo tempo, a distancia de outros
essencialmente perniciosos. Neste contexto, a figura do legislador torna-se
importante, pois é ele que, através das leis criadas, é capaz de fomentar as
inclinações naturais positivas da sociedade, a saber, aquelas que visam à satisfação
das necessidades e o bem-estar físico.
Entretanto, é necessário estar atento aos efeitos negativos da busca legítima
e honesta pelo bem-estar a qual pode degenerar ou degradar-se na perda das mais
sublimes faculdades humanas. O gosto pelo bem-estar material, de fato, pode
tornar-se excessivo e esta imoderação, inevitavelmente, o transfigura em vício. Por
conseguinte, este vício levará a sociedade, conforme denomina Tocqueville (1840),
à doença do materialismo, isto é, a doutrina que, em síntese, reduz tudo o que existe
ou toda a realidade à matéria. Disto resultando um círculo vicioso fatal, pois o gosto
exagerado pelo bem-estar alimenta a doutrina materialista e esta, por sua vez,

76
intensifica o ardor insensato pelo bem-estar. Enfim, está dinâmica, mantendo-se
constante ou inalterada, levará fatidicamente a população ao embrutecimento.
Para evitar este fim, as crenças religiosas, tais como a imortalidade da alma,
são necessárias para emular a grandeza do homem e, com isto, produzir belos
efeitos tais como o surgimento ou a corroboração, no seu espírito, de uma tendência
não utilitarista ou não interesseira no âmbito de suas relações que, por sua vez, o
conduzirá a sentimentos e pensamentos puros e altruístas. Sendo assim e
considerando os adeptos do materialismo autênticos inimigos dos povos
democráticos, Tocqueville (1840) considera que até mesmo a metempsicose, a
crença pagã da transmigração das almas humanas para animais, seria mais
proveitosa para a sociedade que o materialismo.
Enfim, convencido do caráter imprescindível do cristianismo para a saúde das
sociedades democráticas e, concomitantemente, ciente do perigo das religiões
estatais para a subsistência da Igreja Cristã, Tocqueville (1840) sugere que os
políticos deveriam agir como se, de fato, acreditassem no cristianismo,
conformando-se, escrupulosamente, à moral cristã.

6.5. O Trabalho na Sociedade Democrática Americana


O trabalho nos Estados Unidos, em suma, é venerado. Este fenômeno parece
ser mais facilmente observado em sociedades democráticas nas quais se torna mais
evidente a igualdade das condições humanas em geral ou o compartilhamento, por
todos, da mesma condição natural da humanidade do que nas sociedades
aristocráticas, caracterizadas pelas castas ou classes e seus privilégios de
nascimento ou hereditários. Manifestamente, em países democráticos, os privilégios
políticos e econômicos oriundos do nascimento em “berço de ouro” foram extintos.
Sendo assim, a vida dedicada ao trabalho consiste numa necessidade fundamental
para o suprimento das exigências impostas pela sobrevivência biológica.
Destinado à manutenção da sobrevivência e possibilitando ganhos que
permitam uma vida digna, o trabalho honesto nos E.U.A., em comparação com o seu
status em sociedades aristocráticas, foi reabilitado. Portanto, seu conceito naquele
país possui, basicamente, três elementos: além de sua nobreza manifesta no
aparente desinteresse econômico e disposição pessoal para o serviço ao próximo e

77
ao estado, atitudes estas típicas dos regimes aristocráticos, foi-lhe ressaltado o valor
moral em si mesmo, pois trata-se de uma resposta honesta e necessária dos
indivíduos às demandas naturais da existência física. Outrossim, porque através
dele é possível alcançar o bem-estar material, o ganho ou lucro que dele pode ser
auferido tornou-se plenamente justificado.
Deste modo, trabalho e ganho, conforme Tocqueville (1840), estão
visivelmente unidos nas sociedades democráticas. E já que todas as profissões têm
por objeto a sobrevivência do indivíduo que trabalha, por meio do recebimento de
um salário, todas elas, desde as mais simples até as mais complexas ou
sofisticadas, são reconhecidas como honestas.
Contudo, estes elementos, entre outros, que compõem o conceito de trabalho
para os americanos não são oriundos exclusivamente do estilo de vida imposto pelo
regime democrático, mas também devido à notória influência da religião cristã sobre
aquele país, notadamente do cristianismo de vertente protestante. Portanto, para
conhecer com exatidão e mais detalhadamente o que pensavam os cidadãos norte-
americanos a este respeito é indispensável, neste ponto do trabalho, lançar mão,
novamente, da valiosa pesquisa do historiador Dr. Leland Ryken a respeito dos
puritanos, uma das correntes mais influentes do protestantismo nos Estados Unidos.
Sendo assim, conforme também assinala Max Weber, Ryken (2013)
reconhece que, de fato, o puritanismo era ascético, embora não em todo o tempo e
que, realmente, seu ascetismo orientava evitar o prazer de gastar por gastar e a
ostentação.
Outrossim, é verdade que os puritanos encaravam o trabalho como uma
vocação ou chamado divino. Portanto, eles o consideravam como uma boa maneira
de ocupar o tempo, fazer o bem e adorar a Deus. Tal vocação para eles, por outro
lado, não consistia em acumular dinheiro, tampouco trabalhar por trabalhar, mas seu
objetivo precípuo era, em suma, adorar a Deus e servir à humanidade através das
boas ações que se podia fazer em suas atividades laborais e profissionais.
Quanto ao acúmulo de riquezas ou capital mediante o trabalho honesto, é
evidente que um estilo de vida que evita ostentações e gastos desnecessários e que
considera seriamente o trabalho como uma vocação, naturalmente, poderia -
embora não necessariamente - resultar num padrão de vida econômico

78
relativamente superior cujo excedente, no caso dos puritanos e em obediência a
Palavra de Deus, seria, entretanto, revertido, em boa medida, à assistência aos mais
necessitados (Vide 1Tm. 6:17-19).
O Dr. Leland Ryken (2013, pg. 59) inicia o capítulo que trata a respeito do
conceito de trabalho para os puritanos, rechaçando o que classifica como perversão
secularista da "ética puritana do trabalho", asseverando que esta expressão, para a
maioria das pessoas, contém "o mínimo conteúdo específico", sendo usada,
portanto, como “um rótulo de múltiplo alcance para o que eles reprovam nos
puritanos". Sendo assim, diz ele:

O rótulo "ética puritana do trabalho" é usado nos dias de hoje para cobrir
toda uma classe de males correntes: a síndrome do vício de trabalhar,
trabalho escravizador, competitividade, culto do sucesso, materialismo e o
culto da pessoa autorrealizada. Tornou-se de tal forma um axioma que os
puritanos começaram tudo isto, que surpreende saber que a
denominada "ética puritana do trabalho" é de muitas maneiras o
oposto daquilo que os puritanos dos séc. XVI e XVII realmente criam
sobre o trabalho". (RYKEN, 2013, p. 59, grifo nosso)

Assim, havendo rechaçado tal estereótipo, Ryken (2013) esclarece que a


ideia que os puritanos tinham a respeito do trabalho advinha de uma reação contra a
mentalidade medieval que fazia a dicotomia ou a separação entre o sagrado e o
secular. Mentalidade esta, observada também no Talmude Judaico e característica,
segundo ele, do catolicismo romano medieval. Em suma, esta perspectiva fazia com
que as atividades clericais fossem consideradas incomparavelmente mais
importantes que as atividades ditas comuns do cotidiano de pessoas não religiosas,
isto é, pessoas que não faziam da fé uma profissão. Portanto, conforme Ryken
(2013, p. 61): "Esta dicotomia sagrado-secular foi exatamente o que os Puritanos
rejeitaram como ponto de partida para sua teoria do trabalho".
Desse modo, de acordo com Ryken (2013), eles dotaram toda tarefa - por
mais simples ou humilde que fosse - de valor intrínseco, além de integrarem toda
vocação profissional com a vida espiritual do cristão, fazendo todo o trabalho
consequencial, ou seja, uma arena para a consciente glorificação e obediência a
Deus e expressão do amor pessoal ao próximo. Em outras palavras, o puritanismo
santificou ou reconheceu a sacralidade dos elementos “comuns” da vida cotidiana.
Esse valor fica evidente nas palavras do puritano John Cotton que diz:
79
A fé encoraja um homem em seu chamado por mais simples e difícil... A
tais empregos simples um coração carnal não sabe como submeter-se;
mas agora a fé havendo-nos convocado, se requer algum emprego
simples, encoraja-nos nele... Assim a fé dispõe-se a abraçar qualquer
serviço simples que faz parte do seu chamado, no qual um coração
carnal ficaria envergonhado de ser visto. (RYKEN, 2013, p. 63 apud
MILLER/JOHNSON, p.1.322-23, grifo nosso)

Para o puritano, segundo Ryken (2013, p.63,64), a vida, por inteiro, era de
Deus e, portanto, "Seu objetivo era integrar seu trabalho diário com sua devoção
religiosa a Deus". E não apenas isto, "O objetivo puritano era servir a Deus não
simplesmente no trabalho no mundo, mas por intermédio do trabalho".
Ainda quanto à ideia puritana de trabalho como uma vocação ou chamado
divino, esta envolvia um conjunto de outras ideias relacionadas, a saber, a
providência de Deus em arranjar ou determinar as tarefas humanas, o trabalho como
resposta de um mordomo a Deus, o contentamento ou a satisfação pessoal com
suas tarefas e a lealdade à vocação pessoal estabelecida por Deus.
No que diz respeito à motivação e às recompensas do trabalho, contrariando
Benjamin Franklin (1706-1790) e, consequentemente, a sociedade deste século por
ele ainda de certa forma influenciada, Ryken (2013, p.70) afirma que: "As
recompensas do trabalho, de acordo com a teoria puritana, eram morais e
espirituais, isto é, o trabalho glorificava a Deus e beneficiava a sociedade". Sendo
assim, diferentemente do que pensa a ética do trabalho secularizada, os puritanos
não faziam do trabalho o meio pelo qual adquiriam as riquezas materiais tão
cobiçadas, tampouco do sucesso terreno nos empreendimentos, considerados por
muitos como sinais da eleição de Deus ou da santidade pessoal dos indivíduos que
os detêm. Nesse sentido, citando o puritano Richard Baxter, assevera o
pesquisador:

A finalidade do trabalho, disse ele, é "obedecer a Deus e fazer o bem aos


outros". Além do mais, "o bem-estar público, ou o bem da maioria, deve
ser valorizado acima do nosso. Todo homem, portanto, é obrigado a
fazer todo o bem que possa a outros, especialmente à igreja e à
comunidade". Quanto às riquezas que devem vir do trabalho, elas
podem nos capacitar para aliviarmos nossos irmãos necessitados e
promover boas obras para a igreja e para o estado. (RYKEN, 2013, p. 72
apud PERRY, pp. 307, 315, grifo nosso)

80
Por sua vez, John Cotton (apud RYKEN, 2013, p. 72) declarou que, no
exercício do nosso chamado, "devemos visar não só ao nosso próprio bem, mas ao
bem estar-público". William Perkins (apud RYKEN, 2013, p. 72), nesta mesma
direção, escreveu: "A verdadeira finalidade de nossas vidas é prestar serviço a Deus
no serviço ao homem". E, por fim, arremata John Preston (apud RYKEN, 2013, p.
71), dizendo que devemos labutar "não para nosso próprio benefício, mas para o
benefício dos outros".
Havendo feito uma coletânea abundante de frases semelhantes àquelas
citadas acima, observa Ryken:

O que é notável com respeito a tais frases é a integração entre Deus, a


sociedade e o "ego", que convergem no exercício do chamado
pessoal. O interesse próprio não é totalmente negado, mas é
definitivamente minimizado nas recompensas do trabalho. (RYKEN, 2013,
p. 72, grifo nosso)

Outrossim, ele observa que os mesmos objetivos ou fins morais e espirituais


do trabalho também eram utilizados pelos puritanos para a escolha pessoal de uma
vocação. Já quanto à ideia do self made man, também referida pelo sociólogo
alemão Max Weber, assevera Ryken:

Contrariamente ao que muitos pensam, a ideia da pessoa "autorrealizada"


não atraía os Puritanos, se por "autorrealizada" queremos dizer as
pessoas que alegam ter sido bem-sucedidas por seus próprios
esforços e que ostensivamente gratificam suas inclinações
materialistas com o dinheiro que ganham. (RYKEN, 2013, p. 73, grifo
nosso)

E acrescenta:

Baxter falou desdenhosamente da autoexaltação: "Cuidai para que, sob a


pretensão de diligência no seu chamado, não sejam inclinados à
mentalidade terrena e aos cuidados excessivos ou cobiçosos planos de
prosperar no mundo". "Cada homem por si, e Deus por nós todos",
escreveu Perkins, "é vil e diretamente contra o propósito de todo chamado".
(MORGAN, p. 39 apud RYKEN, 2013, p. 73, grifo nosso)

Toda essa perspectiva puritana relativa ao trabalho advém da percepção de


que o sucesso ou o êxito profissional e econômico de uma pessoa consiste em
benção de Deus e não algo conquistado pelo ser humano. Em outras palavras, o
esforço humano no trabalho diligente não resulta obrigatória ou necessariamente
81
(como pensava Benjamin Franklin) em aquisição de riquezas materiais. Estas
poderiam fazer parte das bençãos morais e espirituais do trabalho, todas, contudo,
originadas, em última análise, em Deus. De acordo com Ryken (2013, p. 74),
"Calvino mesmo havia negado que o sucesso material é sempre o resultado do
trabalho." Por fim, ele arremata, dizendo: "Na visão calvinista, apenas trabalho não
garante sucesso. Mesmo quando Deus abençoa o trabalho com prosperidade, é sua
graça e não o mérito humano que produz a benção."
Conforme se deixou entrever acima, quando se tratou do conceito de self
made man, também não fazia parte do pensamento puritano a ideia de auto-
confiança ou de merecimento. A esse respeito afirmava Calvino, o reformador de
Genebra:

Longe de nós pensar que temos qualquer direito à vã confiança.


Consequentemente, sempre que encontrarmos a palavra 'recompensa',
ou ela passar por nossa mente, compreendamos que é a extrema
grandeza da bondade divina em relação a nós. (RYKEN, 2013, p. 75
apud CALVINO, comentário em Lc. 17:17, grifo nosso)

Em suma, como se pode observar, os ideais puritanos quanto ao trabalho


relacionavam-se à obediência a Deus, ao serviço à humanidade e à confiança na
graça de Deus. Portanto, conforme Ryken (2013, p. 76), na ética puritana, "a virtude
do trabalho dependia quase completamente dos motivos pelos quais as pessoas o
realizavam". (grifo nosso)
Diante desse contexto, não seria necessário falar que a recomendação
puritana era pela moderação no trabalho. Enquanto que, ao mesmo tempo
condenava com veemência a ociosidade. Nesse sentido, observa Ryken que:

...a ética puritana do trabalho fazia do trabalho uma responsabilidade


individual, bem como uma obrigação social.
A crítica puritana da ociosidade equiparava-se a seu louvor à diligência no
trabalho, nem tanto por ser ele inerentemente virtuoso, mas por ser o
meio designado por Deus para prover às necessidades humanas.
(RYKEN, 2013, p. 77, grifo nosso)

Por outro lado, porque consideravam o trabalho uma demanda estabelecida


no momento da criação especial (Vide Gn.2:15), além de um chamado, vocação ou
dom Divino, os puritanos também reconheciam a dignidade do trabalho em si

82
mesmo e como uma resposta devida do homem a Deus.
Enfim, segundo Ryken (2013, p. 79), "O objetivo dos Puritanos era moderação
entre os extremos. Trabalhar com zelo e ainda não dar sua própria alma pelo
trabalho era aquilo pelo que lutavam" (grifo nosso). Enfim, nesse sentido, John
Cotton afirmava:

Há outra combinação de virtudes estranhamente misturada em cada santo e


cristão vivaz, e ela é a diligência nos negócios do mundo e, no entanto,
indiferença ao mundo. Tal mistério ninguém pode decifrar senão aqueles
que o conhecem... Embora trabalhe muito diligentemente no seu
chamado, seu coração não está posto nestas coisas; ele pode dizer o
que fazer com o seu patrimônio, quando o tiver adquirido. (MILLER, 1983,
p.42 apud RYKEN, 2013, p.80, grifo nosso)

6.5.1. O Lucro e o Acúmulo de Bens na Perspectiva Puritana.


Como já foi cientificado, na mentalidade majoritária dos norte-americanos há um
vínculo natural entre o trabalho honesto e o ganho suficiente, ao menos, para a
experiência de uma vida material digna ou o disfrute de um nível significativo de
bem-estar. Portanto, como estes assuntos estão imbricados no próprio conceito de
trabalho, faz-se necessário um vislumbre, ainda que breve, a respeito de como os
puritanos consideravam o dinheiro.
Desse modo, no capítulo 4 do seu livro, Santos no Mundo (2013), o Dr.
Leland Ryken menciona diretamente a obra mais conhecida de Max Weber a fim de
introduzir o resultado de suas pesquisas a respeito do movimento puritano,
especificamente, no que se refere à questão do seu relacionamento com o dinheiro.
Assim, a despeito de refutar determinas conclusões de Weber que, conforme o
historiador, deturparam o real significado do puritanismo, ele assevera:

Um dos livros mais influentes e controvertidos do nosso século foi


Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism (A Ética protestante e o Espírito
do Capitalismo - Companhia das Letras), 1930, de Max Weber. Começando
com a observação de que o aparecimento do comércio da classe
média ocorreu principalmente entre os protestantes, Weber se dispôs a
explorar as conexões entre "a ética protestante" e "o espírito do capitalismo
moderno". Encontrou muitas conexões: uma crença de que se pode servir
a Deus no chamado pessoal secular, uma tendência a viver vidas
disciplinadas e até ascéticas, um espírito de individualismo, uma
ênfase no trabalho árduo e uma boa consciência referente ao ganho de
dinheiro. Embora Weber fosse altamente seletivo nos dados que
escolheu para considerar, sua análise descobriu muito de importante sobre
o movimento protestante. (RYKEN, 2013, p. 111, grifo do nosso)

83
Ainda na sua análise à obra de Weber, ele continua afirmando o seguinte:

A chamada tese de Weber produziu alguns resultados infelizes, porém. Os


protestantes têm sido descritos como tendo elevado o lucro ao mais
alto objetivo da vida, como vendo o acúmulo de riquezas como uma
obrigação moral e como aprovando virtualmente todo tipo de
competição nos negócios. Uma olhada nas atitudes e práticas puritanas
relacionadas ao dinheiro mostrará que a tese de Weber era uma boa ideia
que acabou pervertendo seriamente a verdade. (RYKEN, 2013, p. 111,
grifo nosso)

Demonstrando reservas ao método de pesquisa de Weber e,


consequentemente, em relação a certas conclusões as quais ele chegou, Ryken
(2013) cita nominalmente alguns estudos mais recentes e importantes que explicam
porque a tese do jurista e economista alemão, considerado um dos fundadores da
sociologia, vem declinando já há algum tempo tais como as críticas de Albert Hyma
em Christianity, Capitalism and Communism e H. M. Robertson em Aspects of the
Rise of Economic Individualism, entre outros14.
Portanto, ao longo do capítulo, Ryken, rigorosa e sistematicamente, traz a
lume as declarações e pensamentos dos líderes do movimento puritano os quais
evidenciam atitudes diametralmente antagônicas àquelas imputadas aos puritanos
pelo economista e pela opinião popular há mais de um século. Assim sendo, ele
assevera que, na verdade, os puritanos viam o dinheiro e as riquezas como algo
moralmente indiferente ou ambivalente, podendo, portanto, ser uma benção que
deveria ser administrada por eles na condição de diáconos ou mordomos de Deus
para o bem de todos e o auxílio aos mais necessitados. Contudo, não negavam o
benefício próprio, de suas famílias e da própria religião resultante das riquezas
materiais. Mais precisamente, nas palavras traduzidas de Ryken:

...a chave de tudo que disseram sobre o assunto era sua convicção de que
o dinheiro é um bem social, não uma propriedade privada. Sua
principal finalidade é o bem-estar de todos na sociedade, não o prazer
pessoal da pessoa que acaso tenha controle sobre ele.
O gênio do puritanismo foi sua percepção clara sobre a razão das coisas,
e esse gênio não desertou deles em matéria de dinheiro. (RYKEN, 2013, p.
127, grifo nosso)

14
Outros exemplos citados são: Protestantism and Capitalism: The Weber Thesis and Its Critics, ed.
Robert W. Green; e Walzer, The Revolution of the Saints.

84
Por outro lado, conforme Ryken (2013), os puritanos também perceberam
que uma vida sedenta das riquezas materiais deste mundo e destinada
prioritariamente a isso era algo evidentemente condenável e observaram, com
clareza, que as condições de riqueza e pobreza trazem no seu bojo várias tentações
ou tribulações, embora considerassem que estas fossem maiores no contexto da
primeira delas. Outrossim, os puritanos, naturalmente, preconizavam como objetivo
precípuo da vida de cada cristão os bens espirituais mesmo em detrimento dos
materiais, muito embora não reconhecessem incompatibilidade necessária entre as
riquezas materiais e a espiritualidade, visto que acreditavam que com o aumento da
riqueza, aumentam também as possibilidades de fazer o bem. Desse modo, o
pesquisador assevera que:

Os puritanos não sentiam culpa com relação a ganhar dinheiro; ganhar


dinheiro era uma forma de mordomia. Uma das passagens a que muito
recorreu Weber em sua tese é a seguinte frase de Richard Baxter: Se Deus
mostrar-lhe um meio pelo qual você possa legalmente ganhar mais do
que por outro meio (sem prejuízo à sua alma, ou à qualquer outra), se
você o recusa e escolhe o meio menos lucrativo, você cruza uma das
fronteiras do seu chamado e recusa-se a ser o mordomo de Deus.
No contexto mais amplo do escrito de Baxter sobre economia, este
chamado à eficiência e produtividade é simplesmente uma evidência
de senso comum e de um forte senso do desejo de ser um mordomo
dos dons de Deus. (RYKEN, 2013, p. 113, grifo nosso)

Como se pode ver, Weber, para usar uma linguagem bíblica, apenas teria se
escandalizado sem motivo com algo que lhe pareceu um erro, fazendo lembrar o
princípio da pureza contido no oráculo divino que assevera: “A candeia do corpo são
os olhos. Se estes, pois, forem simples, todo o teu corpo será luminoso; mas se
forem maus, todo o teu corpo ficará às escuras. Se, portanto, a luz que há em ti, são
trevas, quão densas são as trevas!”, ou “e bem-aventurado aquele que não achar
em mim motivo de tropeço.”. E ainda: “Tudo é puro para os que são puros, mas para
os corrompidos e incrédulos não há nada puro; pelo contrário tanto a sua mente
como a sua consciência são contaminadas.” (BÍBLIA, Mateus, 6, 22, 23; 11, 6 e Tito
1, 15). Consequentemente, afirma Ryken:

O endosso puritano do dinheiro e da propriedade não deveria ser


interpretado como uma elevação dos bens materiais acima dos valores
espirituais. John Winthrop desprezava aqueles que confundem "a
prosperidade exterior com a verdadeira felicidade". Peter Bulkeley escreveu

85
que um cristão "pode fazer muitas coisas por si", entretanto, apenas
enquanto "isto não está em oposição, mas em subordinação a Deus e a sua
glória”. (RYKEN, 2013, p. 115, grifo nosso)

Quanto à pobreza, por sua vez, os puritanos não a consideravam meritória


em si mesma, podendo, entretanto, ser a porção de Deus dada aos santos como
uma benção espiritual. Também acreditavam que Deus mesmo havia criado os
pobres e os ricos para que haja o encontro da necessidade com a generosidade. 15
Enfim, para encerrar este assunto, Ryken oferece um resumo do capítulo com as
seguintes palavras:

Uma das ironias da história dos puritanos é que sua própria


industriosidade e vida simples tendiam a torná-los relativamente
afluentes. Suas virtudes produziam tentações correspondentes. Por um
lado, os puritanos sustentavam atitudes conducentes ao acúmulo de
riqueza e propriedade: a visão de que o dinheiro e a propriedade eram
bons em princípio, a descrença em que o dinheiro era meritório em si, uma
convicção de que um estilo de vida disciplinado e de trabalho árduo é
virtuoso.
Por outro lado, para restringir o potencial para a autoindulgência que
acompanhava seu estilo de vida, os puritanos tinham uma lista ainda
mais longa de precauções: uma consciência de que Deus envia pobreza
assim como riquezas, uma obsessão pelos perigos da riqueza, o ideal de
moderação, uma doutrina da mordomia na qual Deus é visto como o
proprietário máximo dos bens e uma visão do dinheiro como um bem social.
(RYKEN, 2013, p. 135, grifo nosso)

6.6. A Improbabilidade das Revoluções nos Regimes Democráticos


No tocante às revoluções, Tocqueville (1840) informa a respeito da existência
de uma perspectiva que, por sua vez, afirma haver na essência do estado social
democrático, ou mais precisamente no seu princípio da igualdade de condições, um
elemento perturbador que impediria a sociedade de consolidar-se, dispondo
necessariamente seus cidadãos à renovação incessante de suas leis, doutrinas e
costumes. Este elemento consistiria dos hábitos revolucionários que permitira a esta
mesma sociedade passar de um regime de castas ou classes para o regime
democrático por meio de transformações penosas, violentos esforços e numerosas
vicissitudes os quais, durante o processo, modificaram repentinamente de lugar os
bens, as opiniões e o poder.

15
A esse respeito, ver, por exemplo, os textos que se encontram registrados em Pv. 22:2; Rm.15:25-
28; 2Co.8-9 e 1Tm.6:17-19.

86
Assim, segundo esta perspectiva, entre a igualdade de condições e as
revoluções haveria uma relação ou um vínculo secreto, necessário e consequente. E
isto, basicamente, porque os níveis mais ou menos iguais em termos de recursos
materiais e intelectuais dos indivíduos os conduziria, inevitavelmente, a uma
independência tal que resultaria, no final das contas, no isolamento e,
consequentemente, na ausência de vínculos recíprocos entre os cidadãos, além de
encaminhá-los à rejeição de quaisquer autoridades. Outrossim, de acordo com
Tocqueville (1840), esta mesma causa levaria os indivíduos para novos e inquietos
desejos econômicos sempre em busca do bem-estar e da estabilidade, estimulando-
os sem cessar.
Realmente, esta é uma percepção verossímil dos fatos e poder-se-ia dizer
que este desfecho somente seria evitado pela presença do poder regulador,
moderador e unificador da religião cristã. O que, de fato, é em grande medida
verdadeiro conforme o contexto de tudo quanto declara Tocqueville sobre a utilidade
social desta religião em sua obra principal ou mais conhecida usada neste trabalho.
Contudo, no capítulo destinado ao tema das revoluções, ele discorre a respeito de
vários outros elementos essências aos regimes democráticos que travam ou
impedem as revoluções, mesmo aquelas que trariam efeitos positivos ou benéficos
para a sociedade. Portanto, em outras palavras, se por um lado, as revoluções
perniciosas de caráter marxista são corretamente impedidas pelos elementos que
serão listados em seguida, por outro, as revoluções que visam à correção de
equívocos na sociedade e o avanço ou progresso de suas instituições e do gênero
humano também podem ser comprometidas.
Dito isto, o jurista passa então a discorrer sobre tais elementos. O primeiro
deles refere-se ao estado social no qual “cada um tenha algo a guardar e pouco a
tomar” (TOCQUEVILLE, Vol. 2, p.316). Em outras palavras, o estado social no qual o
cidadão tenha o direito à propriedade, direito este consagrado e promovido por leis
que permitam e estimulem a mobilidade social, ou seja, que não prendam os pobres
à miséria. Evidentemente, a possibilidade de que este fenômeno da mobilidade
social ocorra no seio das sociedades democráticas conta com a simpatia da
população que trabalhará para que esta condição se mantenha.

87
Outro elemento que decorre da mobilidade social consiste de uma classe
média numerosa, isto é, uma população cuja maioria seja constituída de pequenos
proprietários. É útil observar que a condição econômica e atitudinal dos indivíduos
desta classe, caracterizada pela quantidade mediana de bens e por fortes paixões
dirigidas ao seu patrimônio, os faz desejar a ordem ao mesmo tempo que não se
tornam alvo preferencial da cobiça em caso de uma eventual revolução.
A propósito, foi contra esta mesma classe média, também denominada
pequena-burguesia, que, conforme o jornalista Augusto Nunes (2017), a filósofa
Marilena Chauí, musa do PT (Partido dos Trabalhadores), crocitou, dizendo:

Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida. A classe média


é estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante,
arrogante, terrorista. A classe média é uma abominação política, porque ela
é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e ela é uma
abominação cognitiva, porque ela é ignorante.

Obviamente, a classe média é odiada por esta senhora porque ela representa
a intelectualidade brasileira cuja mentalidade foi tomada pelo “pensamento”
revolucionário. Melancólico espectro intelectual da realidade nacional avesso a tudo
que impeça o livre curso da revolução socialista neste país.
Por outro lado, este mesmo fenômeno da mobilidade social, somente possível
em países democráticos, segundo Tocqueville (1840), ao mesmo tempo que permite
a existência de indivíduos ricos oriundos da própria população majoritária, torna-os
esparsos, sem privilégios políticos hereditários e necessariamente presos à massa
através de uma infinidade de ligações secretas ou tácitas de tal modo que estes
indivíduos não formam uma classe à parte e facilmente definida para que possa ser
espoliada no caso de uma revolução. Desse modo, a despeito do ardor intenso que
demonstra a classe média no seu desejo de enriquecer-se, o embaraço estaria em
saber de quem ela poderia expropriar, tomar ou roubar riquezas, visto que, em face
das ligações estreitas entre ricos e pobres, o povo não poderia atingir os ricos sem
prejudicar a si mesmo. E isto porque a mobilidade social, conforme Tocqueville
(1840), estabelece, numa medida significativa, um estado de indefinição das
classes, visto que os ricos saem a cada dia do seio da multidão e retornam a ela
sem cessar.

88
Outro elemento aventado pelo jurista e historiador do século XIX está
relacionado à igualdade de condições. Esta condição ou elemento fomentaria o
interesse por carreiras profissionais voltadas à indústria e ao comércio, além do
aumento e diversificação da propriedade fundiária e, finalmente, o desejo ardente e
constante pelo aumento do bem-estar. Conforme Tocqueville (1840, p.318), não
haveria “nada mais oposto aos costumes revolucionários do que os costumes
comerciais.” O comercio seria, portanto, “naturalmente inimigo de todas as paixões
violentas”. Havendo dito isto, ele passa a caracterizar a atividade comercial,
asseverando que a mesma é identificada por sua moderação, seu apego pelos
compromissos assumidos, pela fuga da cólera, pela paciência e flexibilidade, além
de ser insinuante, tornar os homens bem-sucedidos e independentes uns dos
outros, valorizar a individualidade e, por fim, estimular a paixão pelos negócios.
Numa palavra, a atividade comercial suscitaria a liberdade.
A prevenção das revoluções nos regimes democráticos, para ele, também
estava relacionado ao aumento e diversificação tanto dos bens móveis quanto dos
seus possuidores. Ademais, a insatisfação relativa com o montante de sua
propriedade, o esforço para aumentar o patrimônio e o bem-estar e a absorção dos
esforços dos indivíduos nesta empresa doméstica os faria indispostos e impotentes
para a realização de uma revolução. Outrossim, além da satisfação com a
possibilidade da mobilidade social e com a capacidade e o direito de adquirir, manter
e aumentar o patrimônio, os americanos, ou os homens criados em regimes
democráticos, aferrados às suas crenças estariam dispostos a modificar
constantemente os elementos secundários ou periféricos de suas condições de vida,
contudo, sempre com a intensão precípua de manter o principal. Por isso mesmo,
rechaçariam automaticamente teorias revolucionárias e suas aplicações.
Portanto, em matéria de política, filosofia, moral e religião o espírito
americano se ocupa em variar e descobrir, até o infinito, as consequências dos
princípios já conhecidos e não em criá-los. Ou seja, ele amplia ou estende a esfera
de aplicação e os modos de aplicação destes princípios, sem rupturas bruscas. Isto,
portanto, explicaria, em boa medida, a fixidez de certos princípios e ideias na
sociedade norte-americana.

89
Ressalte-se ainda o fato de que, por estarem sempre muito ocupados,
preocupados e mesmo apaixonados pelo que fazem, torna-se difícil atrair a atenção
dos americanos e encontrar neles tempo e energia para tais ideias revolucionárias.
Ademais, a igualdade de condições, ao contribuir para o isolamento dos
indivíduos, faz com que estes esqueçam as questões públicas e, por conseguinte,
as paixões políticas. A democratização do conhecimento e o incremento de suas
experiências coletivas como nação também contribuiria no sentido de evitar
manipulações destinadas a produção das revoluções. Outrossim, instituições
públicas bem estabelecidas, ao favorecer e reprimir determinados instintos,
igualmente teriam um peso relevante no sentido de evitar tais convulsões sociais.
A igualdade de condições jurídicas, educacionais e econômicas do regime
democrático norte-americano também explicaria a semelhança de ideias e opiniões
dos seus cidadãos que funcionaria também como uma barreira contra as revoluções.
A propósito, este fenômeno, de acordo com Tocqueville (1840), é observado após
uma primeira fase de anarquia intelectual resultante da sobrevida das diferenças
pessoais dos indivíduos oriundas, por sua vez, das diferenças sociais de um regime
aristocrático, logo após haverem sido rotos seus vínculos interpessoais ou
relacionais típicos deste regime na transição para o regime democrático. Com o
tempo, contudo, a igualdade de condições conduziria os cidadãos a necessidades,
hábitos e gostos semelhantes e, consequentemente, a uma percepção dos objetos
da realidade sob o mesmo aspecto ou perspectiva geral. Isto faz com que surja uma
espécie de consciência coletiva que não permite, facilmente, a entrada de elementos
culturais estranhos.
O dogma da igualdade das inteligências, que faz com que a autoridade de um
nome tenha muito mais peso do que a força de um raciocínio, também consistiria
noutro corolário da igualdade de condições que impediria a manifestação das
revoluções, particularmente as revoluções de natureza intelectual. Enfim, como já
mencionado em outras ocasiões, é por meio da desconfiança nas luzes ou na
superioridade intelectual do outro que a igualdade de condições insinua nos espíritos
humanos este dogma.
Tocqueville também lista neste rol de fatores antirrevolucionários, a
dificuldade de mobilização da massa em função da inexistência ou relativa

90
debilidade dos vínculos entre os indivíduos de uma sociedade democrática, fraqueza
esta que demandaria, para o sucesso de uma revolução, o convencimento individual
ou um a um dos cidadãos. Enfim, como também já foi indicado acima, neste tipo de
sociedade, a massa da população exerce uma enorme influência sobre o espírito de
cada indivíduo, envolvendo, dirigindo, oprimindo e convencendo-o de tal maneira
que seus cidadãos não possuem, separadamente, grandeza e força próprias,
dependendo excessivamente da aprovação desta mesma massa para viverem. Do
contrário, caso ousem desafiá-la, serão isolados e se verão impotentes, intimidados
e entregues ao sentimento de desespero.
Finalmente, como dito a princípio, se por um lado estes elementos inatos à
essência das sociedades democráticas, como a americana, são positivos quando
evitam a instalação de revoluções comunistas, por outro, sua imobilidade – em razão
do que Tocqueville (1840) identificou como sendo uma espécie de amor covarde,
inquieto e ardente para com os prazeres presentes e aos bens materiais – pode
redundar no desaparecimento do interesse pelo futuro e, por conseguinte, na
desconsideração e desprezo pela necessidade de aperfeiçoamento, melhoramento
ou correção dos erros desta mesma sociedade. Por conseguinte, podendo acarretar
na estagnação das instituições, dos preconceitos, costumes e ideias da sociedade,
na paralização e bitolação intelectual, cultural e espiritual do gênero humano e, em
suma, na cessação ou interrupção do avanço em geral.

91
7. A SUPERIORIDADE DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL E SEUS INIMIGOS

De acordo com o Prof. Olavo de Carvalho (2016), a superioridade da


civilização ocidental se manifesta em sua capacidade de absorver e integrar
cosmovisões e pontos de vista de outras civilizações e não perder sua unidade e
identidade. Esta capacidade permite que ela absorva e acomode, como parte dela,
seus inimigos ao invés de destrui-los. Este fenômeno ou habilidade é inconcebível,
por exemplo, para a civilização islâmica que “não absorve nem sequer o que ela
mesma produz de melhor” (CARVALHO, 2016).

Contudo, esta unificação promovida pelo Ocidente, em grande medida, tem


ocorrido mais por meio da técnica e da economia do que através do espírito e dos
valores ocidentais. Disto resultando um ganho material para a civilização, contudo,
em detrimento da perda destes valores. Sendo assim, conforme Carvalho (2015), os
judeus tornaram-se poderosos, política e militarmente, mas, na essência, deixaram
de ser judeus, visto que abandonaram a adoração a Jeová para adorarem a si
mesmos. Enquanto a civilização ocidental, a despeito de sua inspiração cristã
originária e da conquista de outras civilizações, também deixou de ser cristã.

Considerando que a inspiração originária e fundamental para a civilização


ocidental é cristã, evidentemente, são muitos os inimigos do ocidente porque são
muitos os inimigos do cristianismo autêntico ou da espiritualidade cristã genuína que
sobrou no ocidente a qual, diga-se de passagem, está dentro e fora das principais
denominações cristãs oficiais. Sendo assim, entre outros inimigos, podem ser
mencionados o espírito laicizante do homem moderno, de um lado, e as religiões
orientais, de outro, tais como o hinduísmo que é vendido no pacote do Movimento
Nova Era com a aparência de ciência pura, objetiva e imparcial no ocidente.

Entretanto, o filósofo Olavo de Carvalho tem focado sua atenção, há algumas


décadas, no movimento ideológico revolucionário. Isto se justifica em razão da força
política significativa que demonstra este movimento devido ao seu modo de pensar e
agir denominado dialético histórico o qual lhe permite um amplo leque de alianças
com o propósito conspiratório real, megalomaníaco, psicopata e maquiavélico de
92
tomada do poder e destruição da cosmovisão ocidental. A propósito, de acordo com
Carvalho, foi György Lukács (1885 – 1971), filósofo húngaro de grande importância
no cenário intelectual do século XX, quem, primeiramente, teria proposto a ideia que
compreende a destruição cultural da civilização ocidental como ponto crucial ou
nevrálgico da luta comunista e não, propriamente, a luta de classes. Antônio
Gramsci (1891-1937), intelectual comunista italiano, simultaneamente, também teria
preconizado a mesma ideia no início do século passado. Enfim, esta foi ainda a
inspiração da Escola de Frankfurt.

Sendo assim, conforme Carvalho (2009), o movimento revolucionário, em sua


aparência geral, demonstra uma espécie de unidade diversa, ou seja, uma unidade
na diversidade que se constitui das mais variadas manifestações, correntes e
fisionomias do pensamento revolucionário. Neste ponto, a indicação de outras
características desse movimento, características de natureza moral e psicológica,
são úteis para o seu reconhecimento e identificação, a saber: a aplicação de uma
estratégia de tomada do poder que independe de qualquer eficácia econômica e
social benéfica para o povo; uma administração estatal literalmente homicida,
usurpadora e mendaz; prodigiosa e eficiente racionalidade na criação de meios para
a destruição dos inimigos e a conquista do poder total e, enfim, o propósito
revolucionário destrutivo e autodestrutivo. Quanto a esta última característica,
esclarece o professor:

A pobreza e o caos derrubam governos democráticos, mas para uma


ditadura revolucionária podem ser o pretexto salvador de que ela
necessita para militarizar a sociedade e unificar o povo sob a bandeira do
ódio ao inimigo. Cada vez que falta carne, pão e leite na mesa dos
venezuelanos, cubanos ou norte-coreanos, a revolução prende ou
mata mais alguns bodes expiatórios e emerge revigorada desse ritual
macabro. (CARVALHO, 2009)

E isto, evidentemente, porque os ditadores revolucionários e sua equipe, por


meio de instituições oficiais de governo e associações civis aparelhadas, estão
constantemente reinventando suas narrativas que atribuem e convencem boa parte
da população destes países de que os males enfrentados por ela - em decorrência
93
da aplicação de suas próprias políticas socialistas – na verdade, se deveriam ao
suposto imperialismo norte-americano. Por exemplo, conforme Carvalho (2017), a
revolução cubana foi justificada pelos seus comandantes com a alegação de que o
comércio com os Estados Unidos seria a causa determinante dos principais
problemas sociais observados durante o governo de Fulgêncio Batista (1901-1973),
sendo, portanto, um regime comercial exploratório. Contudo, atualmente, o discurso
dos comunistas a este respeito mudou completamente, pois, agora, afirmam que o
embargo econômico dos E.U.A. é que seria a causa dos problemas sociais de Cuba.
Os quais, na verdade, foram muito mais agravados após a abolição, pela própria
revolução de Fidel Castro (1926-2016), do livre comércio. Dito de outra forma, seja
pela presença ou pela ausência da suposta exploração capitalista e imperialista dos
Estados Unidos, a culpa sempre recairá sobre a mesma.

Outrossim, além das características já mencionadas acima, de acordo com


Carvalho (2009), o pensamento revolucionário dispõe, a seu favor, de uma visão
ampla e unitária do alvo a ser aniquilado: a civilização ocidental! Esta perspectiva faz
com que o combate revolucionário seja total, radical e implacável, nada relevando,
perdoando ou deixando escapar, cedendo em algum ponto apenas provisoriamente
a fim de retomá-lo na próxima oportunidade. Para tanto, seus agentes são
essencialmente maquiavélicos em sua “ética”, justificando todos os meios
necessários para a vitória, sem qualquer escrúpulo moral, visto que para eles não há
um dever mais sublime que o próprio combate revolucionário em si mesmo.

Finalmente, para combater um monstro ideológico, político e social com esta


configuração, que se assemelha a mitológica Hidra de Lerna, Carvalho (2009)
sugere, além da identificação e o ataque político direto e franco ao que denomina
unidade diversa do movimento revolucionário, uma articulação das mais variadas
correntes do espectro ideológico de direita - desde os conservadores religiosos aos
extremistas liberais, passando pelos conservadores laicos e liberais clássicos e
modernos – ao invés de ataques pontuais a alvos ocasionais, isolados ou mesmo
ilusórios e em lugar do boicote recíproco que amiúde se observa entre estas
mesmas correntes.

94
A propósito, segundo o economista da FEA-USP, Alan Ghani (2016), este
movimento revolucionário, no presente, conta com poderosos aliados, a saber, os
chamados metacapitalistas os quais, através de suas fundações, financiam ONGs,
“coletivos” e movimentos que fazem a apologia das ideologias que caracterizam a
chamada new left, isto é, a nova esquerda tais como o feminismo, a ideologia de
gênero, o black lives matter, o gayzismo, o abortismo, a legalização das drogas, as
fronteiras livres para a imigração, o desarmamentismo e a descriminalização da
pedofilia. A esse respeito, o jornalista e professor Bruno Bruno Garschagen (2017)
esclarece que:

O financiamento de organizações socialistas e comunistas por uma certa


elite econômica nem é uma novidade histórica: os revolucionários russos
foram financiados por grandes empresários para fazerem a revolução
de 1917; os nazistas foram financiados por grandes empresários para
conquistarem o poder em 1932; os petistas foram financiados por
grandes empresários até conquistarem o governo federal em 2002 (a
Operação Lava Jato apresenta cada dia mais a dimensão, por ora
incalculável, desse financiamento). (grifo nosso)

Destarte, de acordo com Ghani (2016), a despeito da aparente contradição,


de fato, há um casamento entre grandes capitalistas globalistas, como o bilionário
húngaro-americano George Soros (1930- ), e os movimentos de esquerda ao redor
do mundo. Conforme o economista, o que os une consiste no objetivo em comum
adotado, a saber, a destruição dos princípios e valores conservadores e cristãos.
Pois, para os indivíduos ou as partes envolvidas nesta associação, tais princípios e
valores constituiriam o principal entrave ou impedimento contra a paz no mundo.
Desse modo ou a partir desta perspectiva, eles concebem a criação ou o
estabelecimento de um estado forte e internacional, que exerça controle absoluto
acima das forças ou lideranças locais, como um instrumento necessário para a
destruição das fontes de desigualdade na sociedade ocidental. Sendo assim, Ghani
(2016) assevera categoricamente:

A razão é simples, muitos destes movimentos de esquerda não são


necessariamente contra o capitalismo de George Soros, mas contra
valores e princípios conservadores, base da civilização ocidental, que

95
representam obviamente uma resistência aos anseios globalistas das
famílias Soros, Rockfeller, Ford, entre outras.
Uma hipótese plausível é que para estes metacapitalistas colocarem em
prática seu projeto de governo global – novamente, tema amplamente
discutido no primeiro mundo - é necessário enfraquecer qualquer
resistência a esse supergoverno. Evidentemente que todos os
elementos defendidos pela direita, principalmente pelos
conservadores, são uma resistência ao poder global, tais como a
família, a religião judaico-cristã, os poderes locais, o respeito às
tradições, aos costumes e à liberdade individual. Por exemplo, é muito
difícil um governo moldar um comportamento numa sociedade em que os
valores são transmitidos pela família ou pelo convívio social, e não pelo
Estado. Na mesma linha, é quase impossível um governo impor sua agenda
diante de costumes e tradições tão enraizadas na sociedade. Em outras
palavras, estes elementos conservadores representam uma resistência a
qualquer tentativa de CONTROLE de governos sobre a sociedade civil.
Por isso, que é perfeitamente compreensível que George Soros, um super
capitalista, financie agendas progressistas mundo afora: os movimentos
de esquerda de hoje lutam contra princípios conservadores, que são
elementos de resistência ao projeto globalista de George Soros. Mais
do que isso, muitos destes movimentos progressistas não lutam pelos mais
oprimidos, mas se vendem como bem-intencionados, politizando problemas
de fato reais, para imporem sua ideologia sobre a sociedade. (grifo nosso)

Na mesma linha, Garschagen (2017) corrobora o que foi informado pelo


economista, acrescentando que, graças aos vazamentos de documentos ocorridos
em 2016 através do Wikileaks e do DC Leaks, foi possível ter uma noção da
dimensão do fluxo de recursos destinados “para organizações, partidos e políticos
de esquerda em várias partes do mundo, dos Estados Unidos, passando pela
Hungria até chegar ao Brasil”. Conforme Garschagen (2017) estes recursos
econômicos são destinados a uma engenharia social mundial que visam à
concretização dos planos de uma grande agenda global.
Longe de ser uma teoria da conspiração, os documentos mencionados
atestam uma transferência bilionária de recursos para a organização Open Society
do próprio George Soros e desta para diversas organizações e entidades de
esquerda ao redor do globo. As quais, por sua vez, estranhamente, dispõem de
atendimento VIP junto a jornais, emissoras de rádio e canais de TV onde disfrutam
de enorme influência na configuração dos programas exibidos ao grande público
com a finalidade última e precípua de transformar a imaginação moral e, por
conseguinte, a mentalidade das pessoas. A esse respeito, o jornalista declara
categoricamente que:

96
Os representantes dessas organizações têm uma espécie de sala VIP em
grandes jornais e emissoras de tevê. Não importa o que digam e defendam,
contam sempre com a valiosa ajuda dos grandes canais de comunicação e
assim também conseguem influenciar a produção artística das
empresas, como programas de auditório, séries e novelas. Dessa
forma, o telespectador é submetido a uma grade de programação
revolucionária que gradualmente faz cumprir o seu intento de destruir
a imaginação moral, de mudar mentalidades e, portanto, a sociedade.
Várias dessas entidades que gozam de prestígio na tevê e na grande
imprensa brasileira são financiadas por um bilionário húngaro-americano
[George Soros] que tem como objetivo promover uma engenharia social
mundial que atenda a sua agenda ideológica e empresarial.
(GARSCHAGEN, 2017, grifo nosso)

Havendo dito isto, o jornalista oferece uma lista bastante detalhada das
entidades, organizações e indivíduos que recebem o apoio financeiro do bilionário.
Portanto, de acordo com Garschagen (2017), nos documentos vazados constam,
por exemplo, o Partido Democrata norte-americano de Hillary Clinton e Barack
Obama. No Brasil, esta lista é formada pelos representantes da assim chamada
Mídia “Independente”, a saber, a Mídia Ninja; o Fora do Eixo do ativista político e
produtor cultural Pablo Capilé; o Agência Pública do jornalista Leonardo Sakamoto;
ao menos dois comentarias da Globonews: Ronaldo Lemos e Ilona Szabó de
Carvalho do ITS Rio e do Instituto Igarapé respectivamente. A lista é constituída
ainda por institutos como o Arapyaú fundado por Guilherme Leal, um dos donos da
empresa Natura e candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva em 2010 e
o Movimento Viva Rio entre outros.
Também fazem parte da mesma lista personagens muito influentes e
adinheirados da sociedade brasileira, envolvidos inclusive com o governo e a política
tais como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e seu instituto de mesmo
nome; Luiz Eduardo Soares, o idealizador do Mudamos.org e ex-secretário de
segurança pública dos governos Antony Garotinho e Lula; Pedro Abraamovay que
trabalhou no Ministério da Justiça nos governos Lula e Dilma e o Dep. Federal Jean
Wyllys, etc.
Enfim é de especial interesse e significado, mormente para os cearenses,
inclusive para se obter uma noção da abrangência e ramificação da influência de
George Soros e sua agenda no país, saber que um dos integrantes e convidados de
um jantar/evento oferecido ao bilionário no Brasil, foi Carlos Jereissati do Grupo

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Jereissati. Portanto, como se vê, as relações são mais próximas e concretas do que
alguns queiram ou possam admitir e imaginar.

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CONCLUSÃO

Finalmente, chegamos ao termo deste trabalho que demandou considerável


dedicação e esforço intelectual durante mais de dois meses e muitas horas de
leitura, estudo e resumo de todo o material selecionado para que fosse utilizado
como fonte da presente pesquisa. Somos gratos a Deus que nos permitiu esta
oportunidade de conhecer melhor a história da Igreja cristã e, por conseguinte, a
história da civilização ocidental, visto que, conforme evidenciam os melhores
historiadores, estas se confundem ou se mesclam em face das extraordinárias
contribuições do cristianismo formal ou organizado para o surgimento desta última,
mesmo em meio ao caos, selvageria e densas trevas morais e culturais promovidas
pelas invasões ao Império Romano levadas a cabo por tribos bárbaras já desde o
séc. II e intensificadas na chamada Idade Média.

Sobretudo, somos gratos porque pudemos contemplar uma figura, aparência


ou espectro inicial do significado e da relevância da influência da vida, obra e
ensinamentos de Jesus Cristo para que a restauração da cultura clássica greco-
romana e o surgimento de uma civilização superior e sem precedentes fossem
possíveis. Durante este trabalho, foi de especial proveito pessoal e apreciação
deleitosa poder vislumbrar a beleza dos princípios cristãos, beleza esta que se
intensificou ao pressentirmos a inspiração e o esforço supremos que causaram em
indivíduos das mais diversas origens socioeconômicas e culturais, os quais
entregam ou dedicaram tudo, inclusive a própria vida para colocá-los em prática e,
assim, concretizá-los no cotidiano de todas as esferas da vida humana,
particularmente, no âmbito das atividades culturais, sociais, políticas e econômicas.

Enfim, a despeito dos erros que, de fato, ocorreram e a respeito dos quais
sabemos haver registros históricos, a balança ainda parece pender, em muito,
favoravelmente ao cristianismo formal ou visível e não nos parece justificável o
desprezo militante de determinados setores das sociedades ocidentais contra o
cristianismo em suas diversas vertentes. A não ser quando se quer justificar certa
aversão razoável ao fazer referência às guerras religiosas que tiveram lugar na

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Europa, à chamada Santa Inquisição e à reiterada exploração oportunista e
cotidiana do Evangelho por figuras réprobas e estelionatárias tais como o senhor
Edir Macedo, autênticos anticristos e lobos em peles de ovelha contra os quais o
juízo divino não dormita conforme informa o Ap. Pedro em todo o capítulo 2 de sua
segunda epístola. Causa-nos também preocupação observar que o fundamento
“mítico” cristão, que tornou possível a civilização ocidental, encontre-se sob cerrados
e viscerais ataques culturais, políticos e jurídicos, entre outros, oriundos de múltiplas
fontes simultaneamente; não somente por parte do marxismo cultural gramsciano ou
frankfurtiano, mas também, do materialismo promovido pela economia liberal e por
parte de grandes metacapitalistas bilionários como George Soros e famílias
dinásticas tais como Rockfeller e Rothschild que encabeçam centenas de outras
famílias cujo propósito megalomaníaco consiste, nada mais nada menos, na criação
de uma nova civilização pós-cristã e anticristã. Sem mencionar os ataques das
religiões orientais que, como o hinduísmo, vêm travestidas de pura ciência no bojo
de movimentos esotéricos como a Nova Era.

Portanto, esta conclusão foi também o grande objetivo proposto por este
trabalho e acreditamos que o tenhamos alcançado em medida considerável e
suficiente para que possamos manter uma posição e opinião favoráveis em relação
aos princípios e valores cristãos tidos como imprescindíveis para a civilização. Não
que a tenhamos forçado, de modo algum, mas após décadas de leituras
precedentes, ainda que esporádicas, a respeito do assunto, esta conclusão se
impunha como uma tese a ser examinada. Nosso objetivo, portanto, foi verificar e
comprovar esta tese usando fontes bibliográficas não comprometidas com o
stablishment ideológico e cultural ainda vigente no país. Embora, possivelmente,
este objetivo não tenha sido alcançado com maior amplitude e fundamentação no
caso de que houvéssemos, como planejado a princípio, abordado separadamente os
outros dois pilares da civilização ocidental, relativos às contribuições gregas e
romanas, além de outras contribuições minoritárias de diversas culturas.
Infelizmente, isto não foi possível por falta de quórum que integrasse um grupo de
pesquisas para a divisão das tarefas. Deste modo, a fim de aprofundar o tema e,
assim, fornecer uma fundamentação confiável das informações correntes neste

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trabalho, preferimos nos ater ao pilar que pareceu, num primeiro momento, central e
que, no decorrer da pesquisa, se confirmou como tal, a saber, o cristianismo.

Destarte, apesar dos seus muitos inimigos e de inúmeras acusações feitas


contra o cristianismo organizado, muitas das quais absolutamente sem fundamento
e resultantes de malícia e maldade premeditadas, concluímos que suas
contribuições para a humanidade em, praticamente, todas as áreas da atividade
humana – contribuições estas que se deram em razão diretamente proporcional com
a intensidade do vínculo que manteve com os princípios ensinados por Cristo a cada
momento da história – justificam sua preservação, promoção e estímulo nas
sociedades ditas modernas tardias ou pós-modernas. Por outro lado, em face dos
erros mencionados acima, entre outros, e devido à natureza essencialmente
corrompida do ser humano, além das novas demandas da mentalidade presente é
urgente que a igreja adote uma lógica e mecanismo de funcionamento que promova
a sua constante reforma, visando sempre o retorno à pureza dos princípios
ensinados pelo Logos Divino e sua adequação ao contexto histórico e cultural
coetâneo em tudo quanto for possível e necessário, mantendo, contudo,
absolutamente inegociável o conteúdo central da fé cristã como bem preconizou
Tocquevile no séc. XIX.

Enfim, este trabalho, além de contribuir para o nosso conhecimento,


aprofundamento e compreensão concernentes às realizações levadas a cabo pela
Igreja cristã organizada ao longo dos séculos, também imputou-nos um certo
sentimento de dignidade pelo fato de crer e buscar seguir os ensinamentos de Jesus
Cristo. Isto é importante, mormente quando experimentamos um contexto cotidiano
cada vez mais hostil ao cristianismo o qual tem sido visto como sinônimo de
ignorância, alienação e debilidade emocional ou psicológica, entre outras
adjetivações, e no qual somos alvo de preconceito e ridicularização. A impressão
que fica, quando se ousa identificar-se publicamente com o cristianismo bíblico, é a
de que as pessoas podem crer em todos os absurdos ensinados pela ideologia
revolucionária e pelas religiões orientais e de todo tipo, mas crer em Jesus parece, a
certos seguimentos sociais, em especial aos acadêmicos, algo, no mínimo, démodé,
além de intolerável, retrógrado e reprovável que deve ser extinto a todo custo do

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coração dos alunos desde a mais tenra idade, inclusive por meio da doutrinação
materialista, cientificista e marxista nas escolas e universidades.

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REFERÊNCIAS

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