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Apsique02Discurso do estudante trans Marcelo Caetano da Costa Zoby na formatura da

sua turma na UNB (2016):

“do alto dos seus títulos


daí de onde você vê
a universidade é pra quê?
pra caber quem?
dentro da sua sala
você se esconde
pra não ver lá fora
ou pra quem tá lá fora não te ver?
o conhecimento que você produz
é pro povo ou pro CNPQ?
pra sociedade ou só pra enfeitar lattes?
se quem tá dentro
não vê os muros em volta
quem vê de fora
não enxerga nada além da muralha
se no meio da aula
você diz que eu tô todo errado
eu te digo que pra chegar até aqui
atravessei cerca de arame farpado
você escreve
artigo, livro, capítulo
resumo, paper, ensaio
fala da gente
sem nem lembrar
de olhar no olho da nossa gente
alcança seus índices de produtividade
no dia seguinte,
não sabe nossa cara,
nosso nome, desconhece nossa identidade
nossa cor é objeto de pesquisa
nosso sexo, etnografia
nossas casas são seu campo
e seu olhar
branco, macho, eurocentrado
justifica-se com metodologia
na sua nota da Capes
o que conta mais:
seus pontos ou nossa voz?
sua tese ou nossa história?
o que vale mais:
suas oito páginas de referência
ou a nossa ancestral experiência?
e não pense que entramos aqui por favor
que não merecemos
ou que qualquer coisa aqui nos foi dada
cotas não são presente
são só um pequeno pedaço do que nos devem
chegamos aqui forjados
pelos que nos precederam
não se esqueçam:
nossos passos vêm de longe
se estou aqui hoje
é só porque tantos outros já vieram
erguer muros não vai nos impedir de entrar
se precisar,
nós vamos derrubar
tomar de assalto o que é nosso
e não queremos só um lugar à mesa
queremos interromper o jantar
e começar tudo de novo
reerguer uma universidade que seja do povo e para o povo
onde não apenas se fala sobre o outro
mas onde o outro se torna um nós que é capaz de falar sobre si mesmo
não criem a ilusão
de que tudo que se diz na academia é a verdade
mas lembrem-se: é sempre poder
inclusive, o poder de dizer
o que é a verdade
como cientistas políticos
termos lugar para dizer o que é a democracia
vivemos em uma, nossos professores vão dizer
Estado Democrático de Direito é o seu nome
Será mesmo?
pois vamos aos fatos:
Planaltina, Distrito Federal, 26 de Maio de 2013. Antonio Pereira de Araújo, auxiliar de
serviços gerais, é detido em abordagem padrão. Conduzido à delegacia, nunca mais foi
visto.
Rocinha, Rio de Janeiro, 14 de Julho de 2014. Amarildo Dias de Souza, pedreiro,
limpava peixe na porta de casa quando policias que conduziam a operação “Paz
Armada” o abordaram. Nunca mais foi visto.
Grajaú, São Paulo, 16 de Outubro de 2015. Yago Pedrosa Araújo, estudante de 16 anos,
é parado em mais uma abordagem daquelas: padrão! 4 dias depois é encontrado morto,
executado. Nunca mais foi visto vivo.

Infelizmente, a lista poderia continuar: Cláudia Ferreira da Silva, Cristian do Carmo,


Rafael de Souza Paulino, Roberto de Souza Penha, Carlos Eduardo da Silva de Souza,
Wilton Domingos Junior, Cleiton Correa de Souza e tantos outros.
Os mortos da democracia se acumulam
Já não se escondem mais nos porões
Mas ficam expostos, em plena luz do dia
Nas vielas de uma quebrada qualquer
Se a Democracia existe, ela não é para todos
Mas hoje, saímos daqui com o poder de dizer
É nossa a responsabilidade de combater esse genocídio
Um genocídio que começa aqui dentro
Quando são brancos todos os nossos professores
Quando é branca e masculina toda a nossa bibliografia
Se a ciência pensa que tem todas as verdades
Digo-lhe agora que não
Que não sabe o que é caminhar com a cabeça na mira de uma HK
Que não sabe o que é ter o corpo vendido por séculos
Ter a mente diminuída, ver todo um povo destruído
Essa ciência que trabalha com hipóteses
E esquece que o que chama de objeto é feito da carne viva
Ainda aguardamos pelo dia
Em que o preto estará no rosto
Mais do que nas becas
Em que as travestis estarão na escola
Mais do que na esquina
Se esse dia não chega, a gente toma!
Nada nunca foi dado, porque agora seria?
mas ainda vai chegar o dia
Em que outros tantos como eu
Estarão aqui e poderão dizer
Tudo nosso, nada deles!"

Pedro Ribeiro da Silva

É interessante essa súbita defesa da Filosofia enquanto disciplina universitária.

Da minha experiência como estudante do Ensino Superior, ela sempre me pareceu


objeto de profundo desprezo - inclusive de pessoas de esquerda.

Já ouvi coisas como: de "Estudar filosofia não presta para nada, temos de partir para a
ação" até "Vai lá ler o seu Sócrates enquanto eu luto por um mundo melhor".

Implícito nisto, um anti-intelectualismo com fragrância subversiva, que, no fim das


contas, redunda numa aderência impensada e sentimental a certos dogmas rasos,
temperada com quilos da certeza de quem pensa possuir um acesso imediato ao que
deve ser feito, bastando simplesmente consultar o coração da sua bela alma.

Não é à toa que estamos aonde estamos - não é à toa a miséria da esquerda, e sua
impotência generalizada.

...
Os esforços psicológicos são sempre parcialmente paranoicos porque, como diz Jung, a
psique não oferece um ponto de vista objetivo exterior a ela. Estamos sempre presos à
nossa própria visão das coisas.

Além do mais, nosso talento profissional depende da habilidade paranoica de detectar,


suspeitar, interpretar, fazer estranhas conexões entre os acontecimentos.
Devemos "olhar através" da tela das aparências procurando seus significados, e escutar
com um terceiro ouvido.

Devemos perceber no outro aquilo que o outro nega existir, apoiando-nos numa teoria
do "inconsciente" – por definição, o funcionamento invisível de uma mente invisível –
para justificar esse comportamento licenciado com o nome de psicologia profissional.

Sempre que revelamos o significado de algo, atraímos um potencial paranoico.

A psicologia caminha na linha divisória entre significado e paranoia.


...
J. HILLMAN, "Paranoia"

Adiu Bastos

7h

Dar o cu e ser gay não são implicâncias diretas. Tem muito gay que não gosta de dar o
cu, inclusive. Pode ser hétero e gozar no brioco tranquilamente, também. Inclusive ser
homem cis hétero e gozar com outro homem ou mulher ou sabe se lá quem ou o que
penetrando no cu sem detrimento da orientação afetiva. Pode ser sapa e curtir piroka.
Pode ser homossexual e curtir uma pepeka de boas, tá liberado: sempre foi. Pode ser
homo sem ser gay e pode ser gay sem ser homo e não tem nada de errado nisso. Pode
ser g0y, br0ther, pode dar o nome que quiser, o desejo está pouco se fudendo com as
normas e mesmo quando é oprimido por alguma, sempre encontra uma fresta.
Nada, absolutamente nada freia o desejo!
Genital não tem quase nenhuma implicância com orientação ou identidade de gênero, é
preciso libertar o corpo dos tabus de suas zonas recônditas e da fetichização do
cientificismo seculodezenoviano. Viva as diferenças do corpo, do desejo, da fome, do
tesão, do saber e do fazer!
Só não vai cagar regra no desejo do vizinho. Seria uma displicência imperdoável com as
deliciosas complexidades do próprio desejo, dos próprios afetos, dos próprios buracos.

Andy Máwun

Nem política de identidade


Nem busca de prazer e satisfação
(Afinal uma coisa só)
Interessam nesse debate

André Vallias

12 h

Os debates e os silêncios

CONTARDO CALLIGARIS
Na Sexta-Feira Santa, assisti (online) ao debate entre Jordan Peterson e Slavoj Zizek
(legendado).

Peterson é um psicólogo clínico de talento, autor do best-seller mundial “12 Regras para
a Vida” (Alta Books). Ele pensa sem se preocupar com os clichês “progressistas” de
nossa época e seduz pela coragem de sua sinceridade.

Zizek é um filósofo, prolífico e às vezes genial, traduzido no Brasil por várias editoras.
Ele pode ser identificado como “progressista”, mas tampouco se preocupa com os
clichês de nossa época.

Peterson e Zizek têm em comum um interesse pela psicanálise (Peterson por Jung,
Zizek por Freud e Lacan) e, se não uma fé, ao menos uma “inquietação” cristã.

O título do debate —“Felicidade: Capitalismo contra Marxismo”— não foi escolhido


por eles, pois ambos têm pouca simpatia por vidas orientadas pela procura da
“felicidade”.

Resultado do debate: quando as pessoas se falam, não dá Fla-Flu, pois elas descobrem
que concordam mais do que discordam e, mesmo quando discordam, é mais sobre os
meios do que sobre os fins.

Por exemplo, que sejamos de esquerda ou de direita, queremos que todos tenham uma
vida decente, a discórdia é sobre os meios para chegar lá.

Como João Pereira Coutinho comentou na Ilustríssima de domingo passado, houve


debate, mas não combate.

Um espectador otimista poderia concluir que a oposição entre marxismo e capitalismo


não faz mais sentido: a famosa “terceira via” entre capitalismo e comunismo ganhou os
corações e as mentes de todos nós. Somos social-democratas e somos instigados ao ódio
e à gritaria por aproveitadores que nos transformam em cachorros para luta. Vai lá, mata
o filho da puta, que apostei em você.

Num momento do debate, Zizek quis entender a quem e ao que Peterson se referia
quando falava de “marxismo cultural” (que é um bicho que vinga até nos trópicos).
Entendi assim que o apelido “marxismo cultural” designa o politicamente correto e a
política das identidades (étnicas, sexuais e de gênero) — todas preocupações que não
têm rigorosamente nada de marxista.

Peterson e Zizek, aliás, concordaram na recusa da política das identidades: para se


engajar politicamente,
haveria “razões” maiores (mais sérias?) do que sexo, gênero ou etnia. Por que essa
antipatia espontânea deles pela política das identidades?

Acontece que, no debate, Peterson e Zizek tiveram uma outra convergência inesperada:
ambos descartaram com suficiência a ideia de que a procura pelo prazer tivesse
qualquer relevância para a política dos humanos.
Ora, a política das identidade tem uma certa relação com o registro do prazer, porque
muitas identidades (sobretudo de sexo e gênero) se constituíram como identidades de
defesa: reações contra a repressão do desejo e dos prazeres de seus membros.

Você duvida que a política das identidades seja uma reação contra a repressão?

OK, um exemplo. Na quinta passada, o presidente Bolsonaro declarou que o Brasil “não
pode ser o país do turismo gay”. Tudo bem, o país é muito rico e, à diferença da
Espanha e da Holanda, por exemplo, não precisa dessa fonte de renda. Agora, a frase
bastaria para entender o que é uma identidade homossexual como prática de defesa. Mas
continuemos.

O presidente acrescentou que se alguém “quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher,
fique à vontade”. Talvez a venda de meninas para turistas compense as perdas do
turismo gay, certo? O futuro Museu da Imagem e do Som, em Copacabana, poderia,
aliás, ser transformado de volta em boate (o antigo Help), ponto de encontro de meninas
e gringos.

As mulheres (outra identidade de defesa) protestaram por se sentirem e serem oferecidas


como iscas para turistas.

Mas a verdadeira repressão do desejo feminino não estava na grosseria do presidente;


estava em algo que faltou nas considerações dele sobre turismos sexuais. Os agentes de
turismo do exterior devem estar esperando um sinal, verde ou vermelho.

O presidente não disse nada das mulheres que viriam ao Brasil para encontrar uma boa
transa. Nesse campo, o Caribe (até Cuba) se dá muito melhor que a gente. Será um
problema dos homens brasileiros? Um excesso de evangélicos?

Não sei, mas o âmago da misoginia está no “esquecimento” do turismo sexual praticado
pelas mulheres, como se não reconhecêssemos que existe um desejo feminino e que ele
pode ser tão cru, direto e forte quanto o masculino.

Contardo Calligaris
Psicanalista, autor de “Hello, Brasil!” e criador da série PSI (HBO).

FSP 2.05.2019

Só porque
erro
encontro
o que não se
procura

só porque
erro
invento
o labirinto

a busca
a coisa
a causa da
procura

só porque
erro
acerto: me
construo.

Margem de
erro: margem
de liberdade.

(Errância, Orides Fontela)

Vem.
Conversemos através da alma.

Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos.

Sem exibir os dentes,


sorri comigo, como um botão de rosa.
Entendamo-nos pelos pensamentos,
sem língua, sem lábios.

Sem abrir a boca,


contemo-nos todos os segredos do mundo,
como faria o intelecto divino.
Fujamos dos incrédulos
que só são capazes de entender
se escutam palavras e vêem rostos.

Ninguém fala para si mesmo em voz alta.


Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.
Como podes dizer à tua mão: “toca”,
se todas as mãos são uma?

Vem, conversemos assim.


Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas, posso mostrar-te.
~ Rumi

Numa aula sobre Deleuze, apresentava a filosofia de Duns Scoto e um ouvinte lançou a
seguinte pergunta: com tantas urgências contemporâneas, qual seria o sentido de perder
tempo com um filósofo medieval? Não seria apequenar as preocupações como na velha
escolástica, quando se debatia sobre quantos anjos caberiam na ponta de uma agulha?

Eu disse: não. Na verdade, o conceito de univocidade de Duns Scoto é o antídoto para o


caráter escolástico-medieval das discussões que é justamente o caráter predominante das
nossas discussões contemporâneas.

Tome por exemplo a oposição pela esquerda ao novo governo brasileiro. O que se lê
nos muitos artigos acadêmicos ou de jornal, nas redes sociais ou na mesa de bar, são
incontáveis variações da mesma proposição: é o fascismo. É um concurso de calouros
em que cada concorrente tem 15 minutos para dizer do seu jeito porque Bolsonaro e seu
governo são, de fato, fascistas. Você vai multiplicando maneiras de dizer a mesma
coisa, num ciclo interminável ao redor do mesmo.

Outro exemplo é neoliberalismo. Foi um conceito relevante na época de sua formulação,


nos anos 70, mas não tardou para passar pelo que Willard Quine chama de ascese
semântica. Neoliberalismo virou uma válvula de regulagem, uma categoria para clivar o
âmbito do discurso. No seu núcleo semântico está sempre a mesma coisa e os usos daí
por diante devem atrelar-lhe novos modos de dizer esse mesmo, agregando conteúdos e
incidências. Agora, quando "fascismo" se eleva como significante reinante, é preciso
conciliá-lo com "neoliberalismo", tarefa capciosa, pois exige construir uma diarquia de
equivocidades.

Ou então o feminismo da segunda geração, surgido nos EUA durante os anos 60, que
tem por foco a violência estrutural contra as mulheres. Aqui, uma das palavras ascéticas
é "estupro". As clivagens dependem da fixação do significante: toda manifestação
machista embute, enquanto emulação, o ato do estupro. Daí falar-se em cultura do
estupro. A operação semântica consiste em ir agregando-lhe referentes: o abuso sexual
também se enquadra como estupro, a violência simbólica idem, e isto e aquilo também e
assim por diante. Até que o menor gesto de masculinidade performada, por exemplo,
um olhar, um comentário, até mesmo um pensamento íntimo, contenha o gérmen do
significante mestre, isto é, uma manifestação de um estupro equívoco e onipresente.

Para entender como o conceito de univocidade rompe esse ciclo da linguagem é preciso
antes compreender o jogo de forças no século 13. Aquele foi o século do Pequeno
Renascimento, um período de uma efervescência cultural no interior da Idade Média,
relacionado à intensificação das interações com povos árabes muçulmanos e asiáticos, à
tradução de obras clássicas do grego, e à relativa prosperidade econômica decorrente de
inovações técnicas e da paz que precedeu a Guerra dos Cem Anos.

O século 13 foi de desenvolvimento extraordinário das universidades e da informal


república das letras que se estendia por toda a Europa cristã. Se, por um lado, levou ao
florescimento da teologia e da filosofia; por outro lado, suscitou riscos para o
monopólio intelectual mantido pela Igreja Católica. Como a autoridade religiosa não
tinha mais como conter a produção e distribuição do discurso, a solução encontrada foi
deslocar o regime de controle para o interior da própria proliferação de falas e
linguagens. Nisso, a obra de Tomás de Aquino (1225-74) -- ou talvez certa interpretação
oficialista do tomismo -- caiu como uma luva.

O debate circundava a questão da relação metafísica entre Deus e o mundo, mas as


consequências dele iam muito além da teologia. Uma concepção era a de que o que se
falava de Deus não se falava do mesmo modo como se falava das coisas. Se eu digo que
Deus é bom, eterno e perfeito, isto não é a mesma coisa do que falar que Manoel é bom,
eterno e perfeito. Haveria uma equivocidade em Deus que confere à autoridade religiosa
um monopólio absoluto e dogmático. Mas isto estava se tornando insustentável, graças
ao Pequeno Renascimento.

A solução salomônica de Tomás é a seguinte: o que se diz de Deus, se diz


*analogamente* das coisas humanas e mundanas. Simplificando bastante: dizemos as
mesmas coisas de maneiras diferentes. Ou seja, acolho a liberdade de falar de muitos
modos, desde que se aceite a premissa da Mesma Coisa do que falamos. Nossos
discursos são análogos ao redor do Mesmo que já estaria dado em primeiro lugar. Os
ideólogos da Igreja, que não eram nada burros, homologaram essa doutrina e em
consequência o tomismo galgou duradoura fortuna crítica no âmbito das instituições
eclesiásticas daí por diante. Isso contemplou um imenso espectro de muitas discussões
(muitos modos de dizer), mas os muitos modos de dizer permanecem regulados de
dentro do discurso. O tomismo é uma válvula interna de regulagem, a partir do que o
exercício do poder de veto e interdição se exercerá, tanto na Primeira quanto na
Segunda Escolástica (contrarreformista).

O funcionamento escolástico do tomismo é assim: você pode falar à vontade e


multiplicar os modos de dizer, desde que não haja dúvida na comunidade dos falantes
sobre a mesma coisa do que se diz: é fascismo, é golpe, é neoliberalismo, é violência
etc. A liberdade e boa consciência de falar no interior do guarda-chuva da doutrina das
analogias é proporcional à sensação de impotência que vem junto, porque os modos de
dizer não deixam de ratificar a mesma coisa, que jamais muda.

Duns Scoto (1265-1308), ao contrário da concepção análoga ou equívoca, afirmava a


univocidade do ser. Quer dizer, o que se diz de Deus e o que se diz das coisas finitas e
mundanas, se diz do mesmo modo. Só há um modo de dizer das coisas. O que parece
restringir a produção do discurso, na verdade provoca uma mutação interna no seu
funcionamento. Só existe um modo de dizer das coisas, o que muda, justamente, são as
coisas! Cai o imperialismo do significante, a narratocracia escolástica. Deixamos de
disputar o significado das mesmas coisas em seus muitos modos de dizer (ascese
semântica de Quine), para disputar as coisas mesmas. Não estamos tão preocupados
com a narrativas sobre as coisas, mas com elas próprias. A fala e o lugar de fala, os
modos de dizer o mesmo, importam menos do que sobre o que se fala em primeiro
lugar.

É toda uma inversão. Quando 250 anos depois de Scoto, o furiosamente herético
Giordano Bruno afirma a pluralidade de mundos, ele não está simplesmente fazendo
uma tese astronômica na esteira de Copérnico. Ele está dizendo que as outras Terras, os
outros planetas povoados, são efetivamente outros mundos, de pleno direito, que não
podem ser reduzidos a novas versões de nós mesmos, da humanidade cristã. O universo
é populoso, porém, mais do que isso, é populoso de diferença, e não de um Mesmo que
se repete com variações de narrativa.

É o que Deleuze, afinal, arremata: monismo = pluralismo. O único modo de escapar dos
círculos viciosos e imperialismos escolásticos (que ele chama de opiniocracia) não
consiste em mudar e multiplicar os modos de dizer, mas em mudar e multiplicar as
próprias coisas. Recriá-las novas. Se, para Scoto, tudo o que se diz, se diz do mesmo
modo; em Deleuze, o "tudo que se diz" é a própria diferença. O Mesmo é a Diferença.

Bruno Cava Rodrigues

"(...) Sejamos diretas: a heterossexualidade compulsória é um instrumento de poder do


patriarcado, é um regime político. Por meio da patologização de sexualidades
desviantes, institui-se a heterossexualidade como aquilo que é normal — e,
consequentemente, esperado”.

A Roda de Mulheres convida vocês mulheres a debater sobre a


HETEROSSEXUALIDADE COMPULSÓRIA, independente da sua orientação sexual,
o que queremos é entender como a heterossexualidade nos é imposta a cada dia como
mais um instrumento do patriarcado. Os nossos encontros são agora às quinta-feira e
esse já essa semana, dia 22/04 às 14:00 na Torrinha no CH 2 da UFC.

Leticia Takahashi

13 h

Com esse documento impresso em minhas mãos e sabendo do peso que ele carrega, não
poderia deixar de vir aqui escrever meu desabafo sobre o atual cenário que tem cercado
as universidades públicas brasileiras.
.
Faço parte da universidade pública há quase 10 anos e queria um pouco da atenção de
vcs para contar um pouco da minha trajetória acadêmica. O texto é longo mas acredito
que valha a pena ler, principalmente vc que acha que universidade federal é lugar que só
tem maconheiro e vagabundo.
.
Em 2009, no final do meu 3º ano do E.M., fiz 6 meses de cursinho particular para tentar
“tirar a defasagem” de um Ensino Médio “reformulado” pelo Governo Estadual de
Minas Gerais onde eu não tive disciplinas importantes como Biologia e Geografia.
Obviamente esses 6 meses não foram suficientes e eu não tinha condições de pagar mais
tempo de cursinho.
.
Em 2010, comecei a frequentar o cursinho popular oferecido pela UFTM para alunos de
baixa renda provenientes de escolas públicas. As aulas eram ministradas por alunos de
diversos cursos de graduação da universidade e com certeza foram muito importantes,
não só para mim, mas para vários estudantes que não tinham como pagar por cursinhos
particulares.
Nessa época comecei a entender que a universidade pública não era importante apenas
para seus alunos e professores, mas também para nós, da comunidade externa.
.
Em 2011, fui aprovada em primeiro lugar no vestibular para o curso de Licenciatura em
Química da UFTM. Minha colocação no vestibular carregava consigo não só somente
meus esforços particulares, mas também todos os ensinamentos que recebi de forma
gratuita pelos professores do cursinho popular. Alguns conteúdos que vi durante o
cursinho, não havia tido a chance de ver durante o Ensino Médio e nem nos meus 6
meses de cursinho particular. Então posso dizer que a primeira ação de transformação
da universidade pública na minha vida foi a oferta do cursinho como projeto de
extensão universitário.
.
Logo que entrei na universidade fui aprovada como bolsista do Programa de Educação
Tutorial (PET). O PET foi um marco na minha vida universitária pois me possibilitou
adquirir conhecimentos e habilidades nas áreas de pesquisa, ensino e extensão. Eu
começava a enxergar a universidade e seu papel social com outros olhos.
Além disso, a bolsa que recebia possibilitou eu me manter dentro da universidade por
um tempo. Não só eu, mas inúmeros outros alunos da graduação só conseguiam estar ali
devido às bolsas e auxílios estudantis.
.
Em 2012 por motivos pessoais precisei arrumar um emprego fixo para poder começar a
me sustentar sozinha. Tive que largar o PET pois, apesar da bolsa ter me ajudado muito,
já não era mais suficiente para pagar todas as minhas contas mensais. Nessa época meu
rendimento acadêmico caiu absurdamente pois era exaustiva a rotina de acordar cedo
para trabalhar em pé o dia todo no comércio e ter que ir para a universidade a noite.
Veio então a difícil decisão precisava trancar a universidade.
.
Para minha sorte, em 2013 fui nomeada em um concurso público do Estado. Com a
carga horária reduzida e trabalhando com funções administrativas foi possível retornar à
universidade. Não foi fácil, nunca é fácil ter que conciliar trabalho e estudos. Mas nessa
época eu enxergava com clareza que eu era privilegiada em ter um cargo que me
possibilitava estudar ao msm tempo. Nem todo mundo consegue trabalhar e estar na
universidade pois nem todos os empregos são iguais.
.
De volta à universidade, o que eu mais presenciei foram pessoas em situação de
vulnerabilidade socioeconômica assim como eu. Vi alunos que só conseguiam cursar
uma graduação devido à oferta de cursos pela universidade pública, pois não tinham
condições de pagar uma universidade particular. Vi gente vendendo desde brigadeiro até
cosméticos nos corredores da universidade para poderem se manter ali. Vi cortador de
cana que acordava 4h da manhã para começar a trabalhar às 5h sentado na msm sala que
eu, num curso noturno com aulas até 22h40. Vi alunos que iam cedo para universidade e
ficavam até de noite, às vezes sem comer, pois não tinham dinheiro para pagar
passagem de ida e volta no ônibus. Vi minha orientadora de TCC mais de uma vez ter
que tirar dinheiro do próprio bolso para custear banners e passagens para que eu pudesse
ir aos congressos e eventos científicos, pois eu não tinha condições de arcar com os
gastos. Vi gente tendo que abandonar o sonho de obter o título da graduação pq não
conseguiam mais se manter ali. Vi muita coisa e muito tipo de gente diferente, mas
nunca vi ninguém pelado dentro dos muros da universidade!
.
Em 2017 me formei e já estava aprovada no mestrado. Apesar de ter sido aprovada em
primeiro lugar, não tinha bolsa no momento da matrícula e por um tempo tive que
conciliar o emprego com o mestrado. Diferente da graduação, percebi logo de cara que
não seria possível fazer os dois ao msm tempo. O mestrado exigia uma dedicação
diferente da graduação, o laboratório precisava que eu estivesse mais tempo presente, as
disciplinas eram mais pesadas, enfim, não dava para conciliar. Ou eu trabalhava para me
sustentar ou eu me dedicava às atividades da pós-graduação. Para minha sorte, antes de
tomar qualquer decisão, veio uma bolsa. Alívio. Poderia me dedicar à pesquisa e pedir
exoneração do meu cargo.
.
Se engana quem pensa que foi fácil, afinal, eu recebia “só” para estudar. Pelo contrário.
Foram os 2 anos mais insanos que já vivi e foram mais pesados do que qualquer outro
“emprego” que tive.
.
A dedicação exclusiva tem um preço alto.
Não existe férias, finais de semana, descanso ou feriado. Se uma reação precisa da sua
atenção por 18h, vc vai ficar no laboratório 18h. Se precisa ser monitorada aos finais de
semana, então vc irá trabalhar aos finais de semana. Se os resultados deram errado e seu
prazo está apertado, então vc irá fazer dar certo em tempo recorde. Isso sem contar o
trabalho que vc leva para casa, já que a parte escrita acontece nos intervalos do trabalho
no laboratório, normalmente nas madrugadas.
Tudo isso sem ser reconhecida como trabalhadora. Sem direito à férias remunerada, 13º,
FGTS, insalubridade ou periculosidade. Sem nenhuma garantia trabalhista, mas
trabalhando feito louca sem parar.
.
Se não fosse por acredito naquilo que pesquisava, ninguém se submeteria a tais
atividades pelo valor da bolsa que recebemos.
Mas seguimos firmes e fortes na pós-graduação pq acreditamos nos resultados e
benfeitorias que nossas pesquisas podem trazer à sociedade.
.
Durante os 2 anos de mestrado vi minha orientadora tirar dinheiro do próprio bolso para
comprar insumos pro laboratório, pq não havia verba e ela acreditava nos resultados que
estávamos obtendo. Vi muitos alunos desistirem no meio do caminho por falta de bolsa
ou auxílio. Vi alunos fazendo vaquinha para ajudar colegas quando as bolsas atrasavam.
Vi alunos deixando de publicarem artigos em revistas conceituadas pq não tinham o
valor para pagar a taxa de publicação. Vi alunos deixando de irem em congressos por
falta de recursos. Vi faltar reagentes e materiais. Vi laboratórios funcionarem com o
muito menos que o mínimo, a base de verdadeiros “milagres”. Vi muita coisa durante a
pós mas se tem algo que não vi, foram vagabundos!
.
Agora no começo de 2019 defendi o mestrado com resultados promissores na
descoberta de novas moléculas com potencial para se tornarem novos fármacos no
tratamento da leishmaniose. Defendi o mestrado já aprovada no doutorado e o plano era
dar sequência à essa pesquisa. Uma pesquisa que poderia levar à um novo medicamento
contra a leishmaniose! Mas infelizmente isso não será possível.
.
Apesar de ter passado em segundo lugar no doutorado, não teve bolsa. Não teve
nenhuma bolsa! E, sem bolsa, não é possível pesquisar em dedicação exclusiva. Apesar
de amar muito a minha pesquisa e acreditar nos resultados que estou/estava obtendo,
não tem como viver de amor. As contas no fim do mês chegam e a prioridade querendo
ou não é a sobrevivência básica. Tentei conciliar meu (novo) emprego como professora
na rede estadual com o doutorado, mas não dá. A pesquisa precisa ser vivida
integralmente, não da para levar as coisas pelas metades e esperar obter bons resultados.
.
E é quando chego aqui, nesse exato momento, com esse documento em minhas mãos.
.
Dói olhar para as palavras escritas nesse papel. Dói pq eu amava minha pesquisa e
acreditava nos resultados que obtive. Dói saber que a pesquisa será interrompida. Dói
pq eu sei que não sou a única, que assim como eu, muitos pesquisadores Brasil afora
estão desistindo por falta de meios para subsistência. Dói pq, com o corte de verba
anunciado para as universidades públicas, muitos laboratórios fecharão suas portas e
muitas outras pesquisas serão interrompidas. Dói pq todas as pesquisas poderiam curar
doenças, salvar vidas, mudar a nossa realidade!
.
Não existe pesquisa se não existir Universidade Pública de qualidade!
.
E talvez daqui alguns dias, não exista mais universidade pública...
.
Quem está batendo palmas para tudo isso, não faz a menor ideia do que está
acontecendo!!

Luciano T. Filho

13 h

A palavra cu está disponível na língua portuguesa há séculos, sendo registrada pelo


Padre e lexicógrafo, Raphael Bluteau (1728), como sinônimo de traseiro, no primeiro
dicionário da história da língua portuguesa. Mais tarde, o impoluto Aurélio Buarque de
Holanda também registra cu como sinônimo de ânus em seu dicionário. O próprio
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de
Letras, traz ainda 18 substantivos derivados do radical cu.
Dar o cu, uma expressão sintaticamente simples, causa, em muitos, uma enorme cara de
cu. Sempre que se fala em cu, vemos um pavor tremendo saltando da face daqueles que
não conseguem lidar bem com um companheiro inseparável do seu dia-a-dia: o cu.
Esse pavor ao cu, porém, é incompatível com a prática filosófica. Fazer Filosofia é o
exercício perene de luta com e contra a linguagem para dar conta das instâncias do real,
onde o cu está presente, sem qualquer contradição. O medo da linguagem, por outro
lado, torna a Filosofia fraca, pueril e inócua.
Cu é uma palavra da língua portuguesa, como mostrei. Está disponível para o uso. Dar é
o infinitivo do verbo de mesmo nome. Dar o cu é uma expressão linguística
absolutamente válida e, portanto, usável pela Filosofia. E esse é o caso. Recusar
moralmente a expressão significa limitar os horizontes de reflexão da própria Filosofia,
pois, sim, cus existem e podem ser dados, trocados e emprestados.
Aos colegas que estão sendo bombardeados pelo uso da expressão cu, devo dizer que
quem tem cu, tem medo. Entendo, portanto, que a situação seja chata. Mas não se
preocupem, pois falar cu, dar o cu, ou, até mesmo, referir-se a babacas como cuzões,
está inscrito, no nosso extrato jurídico, pelo nome de liberdade de expressão. A
Constituição Federal de 1988, no seu Art. 5º, afirma: “IX - é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença”. Ainda complementa, no Art. 206 da mesma Constituição cidadã,
promulgada contra a censura, e “com ódio e nojo à ditadura”: “II - liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo
de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e
privadas de ensino”.
Em termos leigos, afirmo que o cu está liberado. Pode ser dado, ministrado, expresso,
complementado. Pode-se penetrar, com prazer, no assunto do cu. Aos contrários,
cuzões, guardem seus cus em segurança, mas saibam que ninguém quer dá-los por
vocês. Mas se quiserem dar, também, não há problema nisso. Como disse, o cu está
livre.

Marcos Paulo Sousa

A [oni] presença do Espaço Vazio no universo aparente é o fator auto-liberador que nos
liberta do senso de sermos sólidos e reais. Não lutem com fantasmas interiores na
tentativa de sustentar uma noção de um 'eu', de um 'ser' ou de uma 'entidade' fictícia...
Sabendo agora da [oni] presença do Espaço Auto-Liberador porque sustentar aquilo que
é a causa do sofrimento e da dor?

"Quando te vi, amei-te já muito antes.


Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há coisa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que não o fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro,
E com essas alegrias e esse prazer
Eu viria depois a amar-te."

Fernando Pessoa

Deleuze Recombination

Barthes dizia que há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida
outra, em que se ensina o que não se sabe: isso ele chamava de pesquisar. Porém,
Barthes pontua a chegada da idade de uma outra experiência, a de desaprender.

Yvytu - Força Originária

12 h ·

"Antes de nossos irmãos brancos chegarem para nos tornar civilizados, nós não
tínhamos nenhum tipo de prisão. Por causa disso, não tínhamos delinquentes.
Sem prisão, não pode haver delinquentes.
Não tínhamos fechaduras nem chaves e, por isso, não haviam ladrões entre nós.
Quando alguém era tão pobre que não podia pagar por um cavalo, uma tenda ou um
cobertor, nesse caso, ele receberia tudo como um presente.
Éramos demasiado incivilizados para dar grande importância à propriedade privada.
Não conhecíamos nenhum tipo de dinheiro e, consequentemente, o valor de um ser
humano não era determinado por sua riqueza.
Não tínhamos leis escritas estabelecidas, nem advogados, nem políticos. Por isso, não
éramos capazes de trair e enganar uns aos outros.
Nós realmente estávamos em má forma antes dos homens brancos chegarem e eu não
sabia como explicar como éramos capazes de administrar/gerenciar sem essas coisas
fundamentais que (assim nos dizem) são tão necessárias para uma sociedade civilizada".

John (Fire) Lame Deer, Sioux Lakota (1903-1976)

Andy Máwun

Ontem Boaventura dizendo o óbvio: que não basta pedir que se lute por casa, comida,
trabalho, saúde e educação. Na prática, as pessoas vão lutar por um valor ou por uma
crença ou por uma causa: não há como demonstrar que um mundo com igualdade ou
solidariedade seja universalmente "melhor" do que outro mundo de lutas individuais.
Para diferentes tradições, essa tal graça irracional pode ter vários nomes: direitos
humanos, dignidade, justiça, esperança, amor. Difícil é quando já não existir nenhuma
fé que alimente à coragem e à cor-ação dos que possam desejar a vertigem da mudança.

https://www.facebook.com/centrodeestudossociais/videos/296526361298024/?hc_locati
on=ufi

Tatiana Nascimento Dos Santos

5h

na colonialidade, o desejo é colonial. y colonial é, efetivamente, sinônimo de racista. indo pra oitava edição do workshop sobre Privilégio branco, privilégio cis: alianças y limites, tenho estudado as respostas das pessoas inscritas, nos
formulários, pra saber mais sobre elas. me interessam principalmente as motivações, os desejos em fazer essa formação [proposta inicialmente por mim, com foco em privilégio branco como manifestação específica do racismo, y depois
com a entrada de Magô Tonhon na linha de frente pedagógica, abordando privilégio cis o qual, segundo ela mesma, "é da mesma família"]. no caso das motivações alegadas com relação ao privilégio branco, muitas vezes (y já comentei
isso por aqui, tb nos próprios cursos) há a alegação de "quero reconhecer, pra saber o que fazer com meu privilégio branco", mas também a de "quero saber como desconstruir meu privilégio branco", & a mais grave até então, "quero
usar meus privilégios brancos pra empoderar mulheres negras".

essas respostas apareceram muito. vi também, algumas vezes, variações da motivação-chave "estou fazendo esse curso por causa de uma pessoa negra", nunca dito assim bem explicitamente mas quase: "estou fazendo esse curso porque
minha melhor amiga é negra", ou essa que me instigou muito: "quero fazer o workshop porque participo de um sarau de mulheres e a maioria é negra; eu sou fotógrafa independente e tenho feito as fotos e vídeos do coletivo,
voluntariamente, há X meses". transcrevo as respostas de forma aproximada, de memória, sem voltar no formulário, pra garantir anonimato às pessoas.

essa resposta literalmente me parou no tempo. fiquei lendo y relendo ela, apreendendo as molas desse desejo. num próximo campo do formulário, em que pergunto qual é a justificativa pra solicitação de bolsa (quando feita), essa mesma
fotógrafa respondeu pertinentemente ser mãe solo, trabalhadora autônoma – justificativas suficientes pra solicitar bolsa, que é pra pessoas desempregadas, ou LBTs em vulnerabilidade, ou periféricas. mas, no final da justificativa,
novamente ela alegava ser a fotógrafa y videomaker daquele sarau, y insistia de novo em explicitar que estava fazendo esse trabalho voluntariamente, sem remuneração, há X meses.

a pausa no tempo, que a resposta primeira tinha me dado, se transformou num tipo de raiva específico ao ler sua repetição na justificativa. como estou há alguns anos tentando me movimentar sem ser pela raiva (que é, paradoxalmente,
uma ótima energia de ignição, mas oferece pouco combustível à continuidade y por isso mesmo é profundamente imobilizadora, pra mim), & como me propus a estar nesse espaço de formação desde uma pedagogia crítica que seja ao
mesmo tempo crítica y o mínimo possível desgastante pra mim (raiva É muito desgastante), aproveitei a oportunidade pedagogicamente y pedi à respondente que analisasse sua própria resposta de justificativa de bolsa avaliando "em
quê sua resposta pode estar reincidindo nas estruturas do racismo entre pares, e como."

pedi que ela me entregasse, no início do encontro, a resposta por escrito. ela o fez. no texto, com duas páginas y meia, nove parágrafos, só o antepenúltimo tratava do que tinha me feito passar raiva. e ainda assim era um esboço de
compreensão, o início da jornada: "agora eu vou tentar pensar sobre os pontos que eu citei para justificar o pedido de desconto. eu usei minha atuação como parceira do [coletivo tal] na produção de material fotográfico e audiovisual
como justificativa para estar apta a receber a isenção de 50%. foi através delas que eu fiquei sabendo desse curso. mesmo assim, pensando agora, se eu tivesse que pleitear alguma isenção ou permuta decorrente desse meu trabalho de
militância ao lado delas, teria que ser diretamente com elas. mesmo sabendo que vocês se conhecem, por que razão eu achei que uma coisa deveria estar ligada a outra? ainda estou refletindo sobre isso."

a reflexão não chegou à compreensão intrinsecamente racista de que, por estar trabalhando sem remuneração com algumas pessoas negras, a respondente pareceu sentir que todas as pessoas negras (ou ao menos algumas outras, como
eu) devemos algo a ela. eu devia uma bolsa de isenção num curso sobre privilégio branco, já que ela isentava de pagamento pelas fotos y vídeos algumas pessoas negras. com quem trabalha "como parceira" – o que eu, obviamente, não
sou, porque me propus, "surgi a ela", como proponente de um curso.

na colonialidade, o desejo é uma armadilha. ele fala através de nós as estruturas de uma máquina antiga. no caso dessa resposta em específico, o desejo parece estar muito ligado a uma ambiguidade nos ímpetos pelos quais pessoas
brancas querem saber de sua própria branquitude, do que vão fazer com isso. para quê. y porquê. se o desejo de escrutínio da própria branquitude está relacionado a conseguir um posto de destaque, um tipo de protagonismo branco, no
que é entendido (pelas próprias lentes distorcidas de pessoas brancas) como anti-racismo, esse desejo ainda atende ao ímpeto colonial y, por si só, é suficientemente problemático.

mas se a pessoa branca está movida pela sensação de que alguma pessoa negra (no caso, eu) DEVE alguma coisa a ela (no caso, isenção no curso que é um trabalho meu, do qual tenho recebido remuneração) porque ela faz alguma outra
coisa com outras pessoas negras (no caso, o trabalho dela de fotos y vídeos feitas voluntariamente) – que ela entende ser feita, aparentemente, PARA as pessoas negras y não como parte orgânica do trabalho dela "como parceira" num
coletivo que deve ter muitas frentes de trabalho, remunerados ou não – então essa sensação tem que ser examinada como uma expressão típica do desejo colonial:

que é um desejo por subordinação, subserviência, servidão prestada por pessoas negras a pessoas brancas. y porque essa pessoa branca específica parece achar que seu trabalho de produção audiovisual é um favor que faz em prol da
libertação das pessoas negras com quem está-junto, "como parceira", em um coletivo, então a pessoa negra que eu sou deveria a ela um favor também.

percepção equivocada do próprio trabalho feito em coletividade, sipá até uma demanda por remuneração ainda não compreendida; mas, de onde vejo, distorção racista, colonial, das motivações de atuação numa luta anti-racista. relendo
o livro que escrevi pra montar o curso ("privilégio branco: uma questão feminista?", que vai ser lançado em julho desse ano), depois de ter pedido a algumas pessoas que fizessem leitura crítica, cheguei num comentário da
querida Bruna Ferreira, que fez uma pergunta retórica muito funda, algo como "então, quais seriam as motivações válidas ou aceitáveis pra uma pessoa branca se inscrever no curso?".

ainda tenho pensado muito sobre essa pergunta. y cada vez mais chego à conclusão de que: TODAS as motivações são válidas. y todas são, também, passíveis desse tipo de escrutínio, análise, reflexão, todas estão sujeitas a virar um
textão na rede social – porque isso é fazer um uso pedagógico importante dessas respostas, motivações, interesses, desses desejos, interpelados em maior ou menor nível pela colonialidade y com os quais, no limite, não tenho muita
coisa a ver. eu ofereço um curso pelas minhas motivações. as pessoas cursam pelas delas. o tempo todo, nos encontramos y desencontramos, porque estamos em lados diferentes de uma gangorra racial permanentemente desequilibrada.

passada a raiva inicial por aquela resposta da fotógrafa, entendi como era importante politizá-la, desdobrá-la, insistir em explicitar seus significados velados. porque o racismo colonial é feito de grandes silenciamentos, de muitas
tentativas de tornar transparentes, "naturais", suas construções históricas y cotidianas. me sinto agradecida às pessoas que falam honestamente sobre seus quereres nesses formulários de resposta, porque no curso o que percebo é um
super-silenciamento a ver tanto com quererem mesmo ouvir o que tenho a dizer (ou o que temos, quando estou com magô), sim, mas também que tem muito a ver com uma vergonha ou medo de dizer coisas terríveis, ou que vão ser
apontadas como nitidamente racistas, que as exporiam, ou (y por isso eu sou também grata) me constrangeriam ou machucam mesmo (como alguns casos exorbitantes y dolorosos que algumas sentem que precisam contar em minha
presença mas penso que seria mais apropriado falar entre brancas).

anti-racismo é um fazendo, é processual, não é um objetivo, um lugar a que se chega y do qual não se sai mais. não fica pronto em algum momento. não termina, enquanto houver racismo (insisto naquele pessimismo estratégico: o
racismo não vai acabar). y enquanto o desejo por fazer ação anti-racista seja pronunciado desde a colonialidade, nenhuma libertação é possível. mapear, reconhecer, refletir sobre a própria branquitude não é ser nem estar anti-racista. é:
refletir sobre, reconhecer, mapear a própria branquitude. um processo, também. um fazendo. que pode ser, talvez, sipá, quiçá, um passo inicial numa caminhada cujos rumos são igualmente incertos. pessoas brancas terão que entender
isso por elas mesmas, inclusive avaliando em que medida um alegado desconforto com seus privilégios brancos resulta em desejos coloniais de protagonismo numa utopia que chamam de luta anti-racista y em nome da qual mascaram
de solidariedade um anseio antigo por dominação.
a próxima turma do workshop é dia 09 de junho, em são paulo. as inscrições tão abertas [bit.ly/privilegiosbrancoycis] y eu espero que as pessoas sigam sendo sinceras em suas respostas: todxs nós podemos aprender y desaprender muito
com elas.

Cezar Migliorin

O capitalismo e o guarda-chuva


Os primeiros seis meses do governo Bolsonaro explicitam o funcionamento do capitalismo contemporâneo.



Por toda parte o capitalismo funciona. Ou seja, a lógica do poder capital, do lucro máximo, do ganho na exploração e na renda apenas funciona. Automaticamente.

Para que isso funcione, nada que é humano deve intervir. O automatismo desliza por cima dos humanos. Os líderes são trocados e descartáveis depois de usufruírem de seus 15 minutos de caneta e novos são colocados no lugar. Suas
funções? 1) Não deixar o lugar vago. 2) Esvaziar qualquer resto de vida – humana ou não humana - que constranja a velocidade alucinante das trocas sem fronteira. Trocas que a materialidade do mundo - humanos, árvores, arte, etc -
limitam.

Mas o capitalismo depende de árvores e humanos, você poderia dizer. Sim, mas como comodities, como números e não como “coisa”, como agência ou como objetos não isolados de outras coisas. No capitalismo mundial integrado a
árvore tem dois destinos: 1) ou ela é um número, tem valor e pode ser eliminada; ou 2) ele é árvore e deve virar número para não perturbar, uma vez que como árvore tem excesso de relação – com humanos, com o ar, com as
comunidades, etc.

Mas por que logo o governo Bolsonaro explicita o funcionamento do capitalismo?

Primeiramente estão ali para transformar todos os vivos em números, deixar o capital flanar sem os constrangimentos dos vivos.
Mas, nossa vida em grupo, na cidade, na representação, no desamparo, não suporta a absoluta vacância do humano proposta pelo capitalismo. Precisamos que alguém esteja naquele lugar do ministro, do líder, do presidente. Mesmo que
o objetivo do ocupante seja eliminar o próprio humano que deseja sua presença ali.

O círculo se fecha. Por um lado, os vivos precisam parar de atrapalhar o capitalismo. Por outro, os humanos precisam ocupar o lugar destinado a humanos sem causar ruído. Ou seja, sem nada para fazer além de eliminar os vivos, resta a
Bolsonaro e seus parceiros o que só nós, humanos, sabemos tão bem fazer: sermos radicalmente ridículos.

Assim, quando vemos um ministro, um senador ou um presidente fazendo algo constrangedor, estúpido e ridículo, eles não estão escondendo nada. Pelo contrário, estão, pornograficamente, sendo humanos, ocupando o lugar vago
deixado pelo extermínio que praticam.

Renato Janine Ribeiro

4h

Brilhante, a estratégia de Glenn Greenwald:

1. Assumiu o protagonismo do jogo. Seus alvos estão fazendo exatamente o que ele quis ou previu. Ele controla o tabuleiro. Pela primeira vez desde 2015, a extrema-direita perdeu a iniciativa.

2. Os procuradores e Moro responderam a ele justamente o que ele queria: confirmaram a autenticidade das fitas. Foram debater a forma, não o conteúdo. Assim disseram: você, Glenn, diz a verdade.

3. Ele previu até o argumento que iam usar: a defesa da lei e da privacidade. E respondeu a isso domingo, antes mesmo da reação do grupo: vcs não fizeram isso com Dilma? Que moral têm? Assim, tirou deles o argumento moral, que
era o principal da LavaJato e que esta conduziu para a ideia de que os fins justificam os meios.

4. Enquadrou a mídia pátria. A imprensa internacional caiu matando. A Folha de hoje tem um relato bom das reações no estrangeiro. E os jornais de fora que li chamam todos nosso governo de exceção de “extrema-direita”. Nenhum usa
o eufemismo “direita” (direita é Merkel, cara-pálida!) ou “liberal” (liberal é o Economist, stupid!). Vai ser difícil passar pano por muito tempo.

5. Ao dizer que não divulgaria as intimidades dos membros do grupo , mostrou-se superior a eles (que publicaram conversas privadas de dona Mariza - sem falar na subtração do iPad do pequeno, hoje falecido, Artur) - e deve ter
causado medo de que divulgue. Acuou-os.

6. Finalmente, anunciou que soltará mais dados a conta-gotas. Tornou-se senhor do tempo ou, se quiserem, é quem decide quais serão as próximas etapas, o desdobramento do assunto (até porque ninguém sabe o que ele sabe).

chamar o inimaginável para si


Alberto Pucheu

ao longo do massacre midiático antipt que preparou o golpe etc..., várias pessoas supostamente à esquerda criticavam de vários modos o lula, tendo chegado mesmo a xingarem-no. uma dessas críticas dizia que lula tinha essa coisa
messiânica, populista, e que o brasil precisava de uma construção coletiva, não dependente de um líder "carismático" etc. como se lula não fosse uma construção coletiva do brasil desde o tempo sindicalista passando pela fundação do
pt, chegando às presidências etc. tudo ótimo, mas eu sempre achei que no mundo de hoje, sobretudo no brasil, nós precisamos mesmo de figuras que chamem a responsabilidade para si, que encampem em seu corpo político o corpo
infelizmente não político (sem voz política) dos mais necessitados, de alguém, sobretudo, exatamente como lula, que tenha um partido fortíssimo junto com ele e uma fidelidade partidária total. lula confunde-se com o pt, que é um dos
partidos de esquerda (ou centro-esquerda) mais fortes da américa latina e do mundo. certa esquerda atacou lula, certa esquerda exigiu autocrítica de lula e do pt, e, com a globo, com a grande mídia, com os whatsapp, com o grande
acordo nacional, afinal, foi bolsonaro, esse sim que se quer o pior "messias" possível, o "messias" da morte e da destruição, já na incorporação do nome, quem se elegeu para desespero de todos nós, ou ao menos de qualquer esquerda ou
centro-esquerda ou de quem busque um mínimo de justiça social. e moro, outro que se quer messiânico e salvador e justiceiro assumindo um papel decisivo na lava jato e chegando, em seu acordo com bolsonaro, ao ministério, com
chances reais, até 3 semanas atrás, de chegar ao supremo ou a candidato à presidência em 2022. até poucas semanas atrás, com moro mandando e desmandando, prendendo quem ele queria, com bolsonaro governando esse país com uma
necrocracia literal (como witzel no r.j.), com os militares dos porões da ditadura chegando ao poder, com o ultraliberalismo pronto a dar seu último ataque total, estávamos sem chances de reconstrução a curto e talvez mesmo a médio
prazo. eis que, subitamente, quem nos dá um fôlego e uma esperança nesse momento não é uma nova esquerda que se construiu à sombra da prisão do lula, não é um partido nem uma rede que reclamava que não conseguia se
estabelecer por causa do lula. quem nos dá uma esperança nesse momento, quem está conseguindo revirar o jogo (não sabemos o que ocorrerá, mas tem algo forte já ocorrendo) é uma pessoa, que assumiu uma imensa responsabilidade
para si, uma responsabilidade de proporções incomensuráveis, que nenhuma mídia nacional jamais ousou fazer. quem nos dá algum alento nesse momento é um jornalista (formado em direito), Glenn Greenwald, que conseguiu o que era
inimaginável no curto prazo: trazer completamente para si, com a distribuição que ele começa a fazer da informação entre outros veículos de comunicação no brasil e no mundo, a responsabilidade de fazer o que muitos de nós
desejávamos e parecia impossível: a de investigar aqueles que ocupavam a suposta última instância da investigação, detendo o discurso da verdade. dentro da impossibilidade que é o brasil, o que mais desejo é que isso tenha, isso sim,
tenha um efeito de real!!!

Andy Máwun
Estava falando com Berta: essa questão do Moro não é um vício da moralidade, nem uma infração republicana. É outra coisa, é de outra matéria. A gente precisa lembrar que essas categorias sociais e
institucionais, por exemplo, o conceito de "identidade" não é suficiente para explicitar a complexidade de todos os fenômenos psicológicos e anímicos, menos ainda outras zonas limítrofes do espiritual. Há várias
dimensões que podem ter efeitos sociais mas não se sucedem, não se inscrevem, não se efetuam pelas dinâmicas genéricas das instituições - além do acontecimento que é a psicoterapia ou a filosofia, também a
pintura e a matemática não invocam o território da democracia. Precisamos suspender o equívoco de sinonimizar o inominável com o inefável: Moro é inominável, é o sem inscrição - Moro não é inefável, Moro
pode ser falavel embora sua particularidade não tem lugar com os nomes. Moro é uma violência com um grunhido. A violência sem forma e sem nome ultrapassa as instituições. Sabemos disso, e impomos guerra
nos contextos semelhantes. Não se iludam. O sintoma da tal imobilidade é o de pretender responder a esse nível de violência com as palavras e instituições, quando ela, a violência, define-se pela ultrapassagem de
Berta Lúcia Neves Ponte Muito além do que nossas nomeações possam alcançar.. o tempo sábio e senhor de todos .... quem sabe eles nos revelem....

"O amor aceita você.


Ele nada exige de você, não diz:
"Seja isso, seja aquilo."
O amor simplesmente lhe diz para
ser você mesmo, que você é bom assim como é,
que você é belo assim como é."

Osho
Michelle Sales

Curadoria para mim é isto. Interesse público e educação. Ouvi uma frase recente que me fez pensar "os museus hoje ou são pós-coloniais ou não são nada". Como opensamento pós-colonial e sua tradição anglo-saxã, em geral, não faz
sentido algum no Brasil, parafraseio o Antonio Pinto Ribeiro (autor da frase acima) dizendo que "os museus hoje no Brasil ou são decoloniais ou não são nada".

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