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Bolsonaro e o momento

hiperautoritário
do neoliberalismo
blogdaboitempo.com.br

"É uma dialética perversa: o


neoliberalismo conseguiu capturar e
explorar todas as formas de reação e de
ressentimento que esse mesmo
neoliberalismo suscitou."
Por Christian Laval.

O neoliberalismo é uma estratégia de transformação da sociedade


mas é também um sistema de poder. Com o tempo, implantou-se toda
uma série de regras, de funcionamentos, de restrições, de leis e
tratados que tornou o neoliberalismo sistêmico e levou os governos a
funcionar dentro desse quadro geral e mundial.

O neoliberalismo suscitou rancor social frustrações, ressentimentos,


paixões… paixões desigualitárias, mas também paixão pela
democracia e pela igualdade. Ele é um terreno de conflitos. Houve
fases no neoliberalismo. Houve fases de lutas intensas: a ascensão do
altermundialismo, os movimentos de rua no mundo inteiro… Mas,
hoje, estamos visivelmente em outra fase, que eu chamaria de
momento hiperautoritário do neoliberalismo.

Alguns falam de momento fascista ou neofascista do neoliberalismo.


Não gosto muito dessa formulação porque o fascismo tem sua
singularidade histórica. Houve momentos fascistas, claramente
identificados pelos historiadores como tal. É muito difícil transpor a
expressão. Há sentimentos fascistas, há aspectos fascistas na Europa
e nos governos estabelecidos. No Brasil, também há aspectos fascistas
ou sentimentos fascistas que se manifestam, por exemplo, na figura
de Bolsonaro.

Mas, para além das discussões terminológicas, o importante é


compreender que o neoliberalismo, em determinado momento do seu
desenvolvimento, do seu processo de desenvolvimento, conseguiu
capturar e explorar todas as formas de reação e de ressentimento que
esse mesmo neoliberalismo suscitou.

É difícil entender, mas trata-se de um tipo de dialética perversa:


neoliberalismo gera rancor, conflitos, ressentimentos, e,
diferentemente do que se esperaria, ao invés de essas reações
negativas contra o neoliberalismo se expressarem através da
esquerda, elas se expressaram através da direita e da extrema direita.
Elas foram capturadas, exploradas e manifestadas por correntes de
extrema direita, como estamos vendo na França, como vimos na
Itália, como estamos vendo na Inglaterra e em muitos outros países.
E, obviamente, como vemos com Trump e o trumpismo, que é, eu
diria, o sintoma mais visível dessa fase do neoliberalismo.

* Tradução de Mariana Echalar.

Entrevista: o fenômeno Bolsonaro

Na entrevista abaixo, conduzida por Mayra Juruá e Pedro Rossi, e


publicada no Brasil Debate em 26/10/2018 com o título
“‘Democratas de todo o mundo estão avisados: Bolsonaro é um fascista
fanático’“, Christian Laval discorre um pouco mais sobre o
fenômeno Bolsonaro, situando-o no interior de um processo que ocorre
em escala global.

[O professor tem se dedicado ao estudo do neoliberalismo


e sua relação com as chamadas “democracias liberais”,
como essa perspectiva pode ajudar na leitura da realidade
brasileira?]

Nós vivemos uma crise geral da democracia liberal em todo o mundo.


A eleição de Trump é um dos sinais mais importantes, mas está longe
de ser isolado. Décadas de políticas neoliberais têm enfraquecido os
fundamentos da legitimidade das instituições representativas e os
partidos políticos que detinham o poder desde a Segunda Guerra
Mundial. Isto pode ser visto na Europa, por exemplo.

Esse fenômeno mundial merece ser explicado. A legitimidade da


democracia liberal repousa paradoxalmente sobre a sua capacidade de
integrar uma lógica de proteção social e redistribuição o que permite
às classes populares sustentar, mesmo que de forma conflituosa, o
sistema político. Mas o neoliberalismo bloqueou essas possibilidades
e grande parte das forças políticas de esquerda, em especial a
tradição socialdemocrata, ao se alinhar com essa lógica neoliberal
perde as suas bases sociais. É o que explica o sucesso dos partidos
hiperautoritários, como o Lega na Itália, que operam em duas frentes:
com a promessa segurança policial e militar da sociedade e com
políticas muito favoráveis às empresas e aos mais ricos.

Penso que essa perigosa fase que nós atravessamos está marcada por
um novo neoliberalismo que canaliza e explora os ressentimentos, as
frustrações, o ódio, o medo de diferentes frações da população, dos
pobres e dos ricos, para direcioná-los contra bodes expiatórios. Esses
últimos podem ser imigrantes, pessoas consideradas preguiçosas,
vagabundas, parasitárias, as minorias sexuais ou étnicas, partidos ou
líderes políticos de esquerda, pouco importa. O neoliberalismo, para
evitar seu questionamento, sobrevive do ódio e mobiliza paixões
violentas como fez o fascismo e o nazismo.

Parece-me bastante óbvio que os países periféricos, como o Brasil,


que há muito conhecem regimes ditatoriais, cujas instituições
representativas são mais recentes ou mais disfuncionais, estão ainda
mais expostos às mudanças hiperautoritárias neoliberais. A fase de
“democratização”, muito relativa, muitas vezes muito hipócrita, que
marcou os anos 90, não está mais na agenda, porque não é mais
impulsionada pelos países do centro, Estados Unidos ou União
Europeia.

[De fato, no Brasil a ultradireita é uma negação da


redemocratização e traz de volta a participação dos
militares no debate político e o seu candidato prega o
“livre mercado” e um plano de privatizações radical. De
que forma o conservadorismo e o autoritarismo podem ser
compatíveis com o neoliberalismo?]

O Brasil é um caso especial, uma vez que as forças armadas


cumpriram por diversas vezes na história um papel político e
visivelmente não se submeteu inteiramente ao poder civil, fenômeno
que é dificilmente concebível em um país democrático. Mas o país
testemunha um processo que ocorre em escala mundial com o
advento de um neoliberalismo hiperautoritário, nacionalista e racista,
que viola abertamente os princípios da democracia liberal.

Tínhamos visto os primeiros sinais com a evolução do direito


americano e europeu na década de 2000, especialmente com o
aumento da xenofobia, o culto da identidade nacional e religiosa, e
medidas de segurança restringindo liberdades civis dentro da “Guerra
Mundial contra o Terrorismo”. Vimos também que o neoliberalismo
pode combinar ideologias muito diferentes, como o islamismo na
Turquia. Hoje, chegamos a uma nova fase em que várias lógicas
podem parecer contraditórias, mas que o novo neoliberalismo busca
conciliar: a intensificação das políticas neoliberais, o desejo de
restaurar a ordem moral mais tradicional e a “segurança nacional”. O
que torna tal mistura possível é o antidemocratismo fundamentalista
do neoliberalismo como doutrina e modo de governo, e é sobretudo a
sua lógica de guerra que o anima: trata-se de transformar à força a
sociedade, sem se preocupar com a resistência e as objeções que se
manifestam.

[De que forma o candidato Bolsonaro encarna esse nova


fase do neoliberalismo?]

O golpe de 2016 no Brasil abriu caminho para prolongar e mesmo


radicalizar a política neoliberal conduzida pelo presidente Temer. É
um candidato “outsider”, Bolsonaro, que com sua demagogia, sua
violência verbal, suas mentiras, conseguiu chegar à frente dos outros
candidatos da direita “clássica”.

Sua campanha, sustentada pelas oligarquias rurais, industriais,


midiáticas, religiosas e financeiras, já sugere o que seria uma
ditadura neoliberal aberta. Para ganhar as eleições com tal programa
neoliberal, recusado pela maioria da população brasileira, como
mostram pesquisas, foi preciso inicialmente mobilizar o eleitorado
das camadas superiores e média com o tema da segurança e da
corrupção. Foi preciso também explorar todas as fontes de ódio
contra as mulheres, negros, índios, homossexuais.

Ouvindo Bolsonaro e sua família, ele reprimirá e criminalizará


qualquer atividade social e política que possa opor-se a ele para
alcançar a unidade nacional em torno de seu programa. A arma da
polícia e militar será o meio para aplicar a sua lógica e com todas as
suas consequências, um neoliberalismo generalizado. Todos os
democratas do mundo estão avisados: Bolsonaro é um fascista
fanático que arrisca chegar ao poder no Brasil.

[No seu livro Comum: ensaio sobre a revolução no século


XXI o senhor apresenta princípios e práticas para um
futuro não capitalista. Em que consiste o Comum? Como
difundir essa ideia? Como a crise do neoliberalismo pode
abrir espaço para um futuro não capitalista?]

O neoliberalismo deu origem a reações muito diferentes. Por um lado,


havia essa raiva, esse sentimento de abandono, esses pânicos
identitários, explorados pela extrema-direita por seu discurso de
ódio. Por outro lado, apareceu uma resposta muito diferente, que é
uma demanda por mais democracia, democracia real, radical e direta.
Nós entramos nos anos 90 em uma fase de inventividade democrática,
minoritária sem dúvida, mas com alternativas para o longo prazo.
Essa demanda democrática foi particularmente vista nas principais
mobilizações dos anos 2011-2016, em todo o mundo. Adicionado a este
requisito está o questionamento da lógica da propriedade, que
continuou a crescer com capitalismo cada vez mais predatório,
procurando explorar todas as possíveis fontes de lucro,
particularmente no campo do conhecimento, mas também
aproveitando recursos naturais, espaços urbanos, serviços públicos
etc. O sucesso global do tema “comum”, sustentado em especial pelo
movimento social “altermundialista”, apontou para a existência de
uma racionalidade alternativa ao neoliberalismo.

Com Pierre Dardot, nomeamos a “racionalidade do comum” porque a


noção rica e antiga dos “comuns” estava de volta à realidade.
Queríamos recuperar essa história em nosso livro, mas também
propondo uma nova teoria que seja politicamente operacional. Em
outras palavras, os experimentos no campo da internet, como os
movimentos cooperativos, bem como a defesa e reativação das
comunidades indígenas, nos parecem todos um princípio político
básico, que chamamos de “princípio político do comum”.
Este princípio visa a estabelecer uma organização democrática do uso
coletivo dos recursos produzidos por uma comunidade, grande ou
pequena. Ele associa, como podemos ver em muitos casos concretos, a
busca por uma democracia genuína e a implementação de um direito
coletivo de uso. Submetemos este princípio aos atores sociais como
um ponto de referência teórico ou apoio para a sua própria reflexão
sobre suas práticas. Deste ponto de vista, o livro funcionou bem. Este
livro também abre, como seu subtítulo sugere, uma reflexão mais
ampla sobre a necessidade de uma nova ideia da revolução que
articule práticas institucionais básicas – a capacidade de criar
instituições sociais autogovernadas – e a transformação em um
sentido democrático das grandes estruturas políticas e econômicas da
sociedade. O importante, em tempos tão sombrios, é garantir que a
esperança sempre conduza a ação e ao pensamento. E, para isso, nada
supera o exercício da imaginação política coletiva.

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Christian Laval é professor de sociologia da universidade Paris-


Ouest Nanterre-La Défense. Pierre Dardot é filósofo e pesquisador
da universidade Paris-Ouest Nanterre-La Défense, especialista no
pensamento de Marx e Hegel. Desde 2004, coordenam o grupo de
estudos e pesquisa Question Marx, que procura contribuir com a
renovação do pensamento crítico. Juntos, escreveram A nova razão do
mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal (Boitempo, 2016)
e Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI (Boitempo, 2017).
Colaboram com o Blog da Boitempo, especialmente para o dossiê
sobre o centenário da Revolução Russa.

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