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1Ele era Familiar do Santo Ofício, Cavaleiro da Ordem de Cristo e Provedor da Casa da Moeda. Para o conhecimento da vida de José Ramos da
Silva e de seu filho, Matias Aires, ver: ENNES, Ernesto. Dois Paulistas Insignes: José Ramos da Silva e Matias Aires Ramos da Silva e Eça. São
Paulo, Cia Editora Nacional, 1944.
2 LEITE, Solidônio. Clássicos Esquecidos. S/D
3O estudo mais respeitado sobre Matias Aires é o de Tristão de Ataíde, publicado como prefácio às Reflexões... em 1942. Não encontrei registro
de um estudo exaustivo sobre a sua obra. AMOROSO LIMA, Alceu (Thristão de Atayde). Introdução. In: AIRES, Matias. Reflexões Sobre a
Vaidade dos Homens ou Discursos Moraes Sobre os Effeitos da Vaidade offerecidos a El-Rei Nosso Senhor D. Josepho I. São Paulo, Livraria
Martins, 1952. 1ª. Edição: 1752.
4 AIRES, Matias. Op. Cit. 1952. Número 125.
5 CÉSAR, Constança Marcondes. As "Reflexões" de Matias Aires. Revista Brasileira de Filosofia, vol. XIX, fascículo 73, janeiro-março,1969.
Análise da crítica às “Reflexões...”
Duas polêmicas básicas giram em torno da obra de Matias Aires: 1) como ele nasceu no
Brasil mas se mudou para Portugal aos 11 anos de idade, um dos problemas se coloca em torno
de qual a é tradição da qual ele faz parte: se da brasileira ou da portuguesa. Assim, alguns
autores brasileiros nem sequer o mencionam como parte da nossa inteligência, como é o caso
de Antônio Cândido na sua Formação da Literatura Brasileira.6 Posições parecidas com essa
são as de José Veríssimo e de Wilson Martins. Ambos os autores, além de colocar Aires dentre
a tradição portuguesa,7 tornando, portanto, quase que irrelevante o fato de ele ter nascido no
Brasil, ainda o colocam como um escritor e pensador “menor”8, cujas idéias não se desenvolvem
de forma brilhante ou que apresentam grandes novidades. Opondo-se completamente a essa
visão, Ernesto Ennes situa a obra de Matias Aires como a primeira produção genuinamente
brasileira e a maior contribuição do Brasil para a cultura portuguesa.9
Além disso, a vontade de firmar valores genuínamente nacionais, “brasileiros”, gera
alguns preconceitos em relação à literatura produzida no período colonial, já que é complicado
estabelecer definitivamente a nacionalidade de um escritor ou obra colonial, o que gera
polêmicas do tipo: se um escritor nasceu no Brasil e estudou em Portugal, sua obra estaria
inserida na tradição literária brasileira ou portuguesa?10 Tal indefinição pode contribuir para a
falta de interesse em relação a autores cuja produção acaba por ser pouco considerada,
justamente por não fornecer o índice esperado de natividade.11 Entretanto, mais significativo que
apontar tais polêmicas como demonstrativas da inadequação da busca de uma nacionalidade
genuína é o anacronismo da própria idéia de nacionalidade quando referida às práticas textuais
do período colonial.
6 CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira. Belo Horizonte; Itatiaia, 1979. (Vol. 1).
7 “Seria, pois, um espírito de pura formação portuguesa, apenas melhorando, ou somente modificado, quanto à cultura, pela estadia em França...”
VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira:Bento Teixeira 1601 a Machado de Assis. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1969. Pág.
93. “Não é livro que pertença à literatura brasileira ou a nossa inteligência...” MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira. São Paulo;
Cultrix, 1978. (vol. 1)Pág. 142.
8 “(...) é um daqueles ‘clássicos menores’ que fazem a honra ‘das literaturas’, se é verdade que só grandes clássicos compõem ‘a Literatura’...”
cabedal literário da metrópole.” ENNES, Ernesto. A casa onde o Doutor Matias Aires pensou e escreveu as “Reflexões sobre a Vaidade dos
Homens”. In: Estudos Sobre História do Brasil. São Paulo, Cia Editora Nacional, 1947. pág. 209. Ver também: ENNES, Ernesto. Op. Cit. 1944.
10 VERNEY (1713-1792), considerado o primeiro “verdadeiro” iluminista português, tem seu interesse voltado para os conhecimentos exatos para
a educação pela razão, “ele fez a crítica do ensino de filosofia em Portugal à luz do ideário iluminista, mas sem nunca por em dúvida a
superioridade da Revelação e da Graça divinas sobre o mecanismo da natureza e da razão humana. A presença desse princípio escolástico no
bojo do “modernismo” português é uma prova de que não se pode, impunemente, ver no momento das reformas pombalinas da instrução pública
uma atitude filosófica absolutamente contrária à tradição espiritualista portuguesa. Infelizmente, não foi essa a interpretação que prevaleceu na
historiografia filosófica brasileira. O simples fato de o pensamento filosófico português ter-se voltado, no século XIX, sobre questões de origem,
isto é, questões pertinentes à origem escolástica do seu tradicional aristotelismo, foi suficiente para rotular de ‘tradicionalismo’ essa atitude, com
toda a carga semântica negativa do termo. Inversamente, o simples fato de a intelectualidade brasileira, no mesmo período, ter-se socorrido da
língua francesa para modernizar-se, assimilando as questões e os temas da filosofia moderna por intermédio de autores franceses, foi suficiente
para se constatar, falsamente, uma “diversidade original de interesses” entre as filosofias brasileira e portuguesa.” In: CERQUEIRA, Luiz Alberto
A modernização no Brasil como problema filosófico. In: Impulso - Revista de Ciências Sociais e Humanas, vol. 12, nº 29, 125-136. Piracicaba/SP:
Unimep, 2001.
11 A busca de uma literatura genuinamente nacional vai valorizar de maneira hierárquica a produção intelectual brasileira, como se
gradativamente se fortalecesse um pensamento tipicamente nacional. Mais uma vez citando um comentário de José Veríssimo sobre Matias
Aires: “Ele seria o melhor dos nossos moralistas se de fato a sua obra não valesse principalmente ou quase somente como uma curiosidade
literária daqueles tempos, sem tal superioridade de pensamento ou de expressão que lhe determine a integração nas nossas letras, e menos
qualquer repercussão ou influxo nelas”.VERÍSSIMO, José. Op. Cit. Pág. 94.
A outra polêmica que envolve Matias Aires é a da sua filiação intelectual: ele viveu em
plena época do Iluminismo, viveu a maior parte do tempo em Portugal12, mas estudou na França
durante alguns anos e admirava os progressos do conhecimento científico das ciências positivas
e naturais. A polêmica básica gira em torno de classificá-lo ou como um remanescente do século
XVII ou como um expoente do Iluminismo francês em Portugal. Aliás, a própria crítica Sua
admiração pelas ciências positivas e a crença no progresso desse mesmo conhecimento torna-
se mais visível no seu livro Problema da Arquitetura Civil Demonstrada, publicado em 1777 e
elaborado por causa do terremoto de Lisboa, ocorrido no ano de 1755. Assim, costuma-se dizer
que sua ligação com o século XVII estaria expressa de forma explícita nas Reflexões... por ter
um caráter misantropo e pessimista; e seu espírito progressista se demonstraria no Problema da
Arquitetura...
Essa posição que coloca o autor como que dividido e/ou tendo em si elementos de duas
épocas diferentes, é expressa por Alceu Amoroso Lima. Este apresenta Matias Aires como um
“elo” que ligaria duas culturas: “Matias Aires não foi um homem do seu tempo, ele foi empirista
como o século XVIII; e providencialista como o século XVII (...).”13 Interpretadas dessa forma, As
Reflexões... tornam-se, somente, um elo de transição entre duas épocas, o que as fazem perder
muito de sua complexidade e valor. Matias Aires passa a ser, somente, um anunciador das
novas idéias e métodos de conhecimento. A obra perde seu sentido de coesão e unidade ao ser
tratada dessa forma. As principais razões usadas para filiar Matias Aires ao século XVII são: uma
visão depreciativa do homem, a certeza da corrupção completa e irremediável da natureza
humana, a sua impotência diante do poder implacável da providência e de sua manifestação
temporal; a outra principal característica que leva a classificá-lo como um remanescente do
século XVII é sua crítica ao poder da razão como força capaz de guiar as ações humanas.
Matias Aires coloca a razão como, ao mesmo tempo, efeito e causa da vaidade, mas é certo de
que seu desenvolvimento é gerado pela vaidade do reconhecimento.14 Nesse sentido, ele não
compartilha da fé iluminista na razão pura. Antônio Paim15 afirma que o pessimismo de Matias
Aires muito mais o aproxima dos homens do século XVII do que dos iluministas, além do fato de
ele não ter conseguido se libertar da escolástica e dos ensinamentos jesuítas. Assim também se
exprime Ernesto Ennes, afirmando que apesar de a obra ter sido escrita no século XVIII, ela
deve ser analisada como a de um autor do século XVII.16
Numa análise que valoriza o contrário exato dentro da obra de Matias Aires, está a
interpretação de Jacinto Prado Coelho. Este autor afirma que o ceticismo de Aires em relação ao
homem é totalmente compensado pela confiança na razão pragmática. Matias Aires seria, então,
um “lúcido e fervoroso representante do Iluminismo em Portugal.”17 Retirar elementos que
coloquem o autor como obscurantista ou iluminista significa não valorizar a obra como um todo,
já que Matias Aires tinha idéias que poderiam tanto ser creditadas ao iluminismo quanto a uma
descrença na razão como guia da humanidade em direção ao progresso. Tais idéias, por vezes
contraditórias fazem parte de um tempo quando as novas idéias ainda não estavam definidas ou
12 Caberia, ainda uma discussão sobre a especificidade da Ilustração portuguesa. Sobre isso, ver: MORSE, Richard M. O espelho de Própero:
cultura e idéias nas Américas. São Paulo; Cia. das Letras, 1995.
13 AMOROSO LIMA, Alceu. Introdução. In: AIRES, Matias. Op. Cit. 1952. Pág. 10.
14 “São raros os que nas letras buscam a ciência; o que buscam, é utilidade e aplauso (...)” AIRES, Matias. Op. Cit. Número 118.
15 PAIM, Antônio. “As idéias filosóficas difundidas na colônia até a expulsão dos Jesuítas”. In: História das Idéias Filosóficas no Brasil. São Paulo;
obra de Matias Aires tem de ser analisada como a de um autor do século XVII, (...). E é-o pelo carácter que apresenta, pelas concepções que
formula, pelos temas que desenvolve, pela maneira de se exprimir, pelos conceitos que tira, pelas imagens que cria, pelos pensamentos que
revela, pelas influências que manifesta.” ENNES, Ernesto. Op. Cit. 1947. Pág. 38.
COELHO, Jacinto do Prado. O Humanismo de Matias Aires: Entre o Cepticismo e a Confiança. Revista Brasileira de Filosofia, no. 57, janeiro-
17
A Natureza e a Providência
A partir do fim do século XVII até início do século XVIII o paradigma mecanicista atinge a
inteligência européia em diversas áreas, embora a arquetipologia mecanicista não seja uma
invenção iluminista. A partir de então, a explicação da totalidade física torna-se mecanicista, o
que não equivale a materialista ou ateísta. Longe de questionar a fé, tal mecanismo seria capaz
de ilustrar a onipotência divina e de sua Criação, a partir da equivalência entre desígnios de
Deus e Leis Naturais.19 Assim, o corpo, como explorado por Matias Aires, tem, na sua criação, o
movimento inicial, que é dado por Deus, e continua em movimento através da alma, mas sua
existência física está sujeita às leis da natureza, leis de perpétuo movimento, como as outras
criações divinas. O sopro divino que anima o corpo humano está na alma, e o que anima a
natureza está nos fenômenos naturais. O corpo humano passa, então, a fazer parte dessa
mesma natureza, criada por Deus (a origem Divina do Homem e da Natureza não é
questionada), mas com uma existência “profana”. Deus é o criador do movimento e sua
quantidade é constante; ele não continua sendo a causa particular dos fenômenos, que, a partir
do primeiro movimento, desdobram-se regularmente: “A vida consiste no movimento: quem
primeiro o causa é que se diz ser o princípio dele; mas não se segue daqui, que a causa que
depois se move fique com alguma porção do princípio que a moveu.”20
18 CÉSAR, Constança Marcondes. “As ‘Reflexões’ de Matias Aires” In: Revista Brasileira de Filosofia, vol. XIX, fascículo 73, janeiro-março,1969.
19 O newtonianismo generaliza o paradigma mecanicista para o mundo orgânico e humano. Newton afirma que Deus é a Causa Primeira de todos
os fenômenos naturais, e também o responsável pela harmonia da natureza.Ver: CUNHA, Norberto Ferreira da. “A Física do Corpo Humano em
Luís Antônio Verney” In: CUNHA, Norberto Ferreira da. Elites e Acadêmicos na Cultura Portuguesa Setecentista. Lisboa; Imprensa Nacional -
Casa da Moeda, 2001. pp. 219 a 246.
20 AIRES, Matias. Op. Cit. Número 160.
Há dois sentidos para o uso do termo natureza no texto de Matias Aires: quando se
refere ao mundo natural, do qual os homens fazem parte, e que é uma criação divina; e outro,
quando trata da essência das coisas, dos fenômenos naturais e do próprio homem.
No sentido de criação divina, a natureza compõe o mundo e suas partes, é um “retrato
da Onipotência,”21 e sua grandeza indica a “majestade da causa.” A perfeição da natureza se
mostra na força dos seus elementos e na admiração que ela nos causa, mesmo quando seu
efeito é destrutivo: “A mesma desordem e confusão das coisas nos recreia; o furor dos
elementos causa um espetáculo perfeito: o ar com seus bramidos, a terra com seus tremores, a
água com seus combates, o fogo com seus incêndios.”22 A providência, para a conservação do
mundo, suscitou em toda a natureza o amor; a conservação do mundo depende, pois, do amor,
mesmo entre seres que nos parecem insensíveis. A natureza é uma metamorfose constante, que
a tudo vai alterando para se perpetuar em movimento. Tudo o que compõe a natureza é passível
dessa mudança, e destruição, inclusive o homem.23
Aquilo que compõe o homem, e que não se resume a seu corpo, ou seja, a parte moral
do homem, sua essência, também é chamada por Matias Aires de natureza humana. A natureza
humana propende para o mal, quanto maior é sua imersão na sociedade. Para Matias Aires, o
homem não nasce bom, nem mal, nasce como uma infinita possibilidade. A vaidade é que vai
esculpindo seu caráter, numa relação entre a resistência dos homens à vaidade e sua aceitação.
À medida que aumenta a capacidade de racionalização do homem, aumenta sua vaidade,
porque a vaidade é comunicada, através do discurso. Quando se nasce, apenas se pode
distinguir as coisas por instinto, pela natureza pura. Apenas sente-se dor ou prazer em termos
sensoriais, mas, com o tempo, a vaidade vai se comunicando, pelo contato social, e o bem ou o
mal, não dependem de si mesmos ou de nós, mas da opinião.24 A partir de então, com a
vaidade, a natureza do homem propende para o mal, “no exercício do mal achamos uma doçura
e de naturalidade.”25 Quanto mais instruída, mais vaidosa fica a natureza humana, e mais
dependente da aprovação dos outros para se alcançar a felicidade. Ao contrário dos partidários
do racionalismo como possibilidade de libertação do homem, e essa libertação como condição
de felicidade,26 Matias Aires afirma o verdadeiro contrário: não só que a razão não tem essa
capacidade emancipadora radical como também que pode gerar mais insatisfação, uma vez que
a razão quer e precisa do constante reconhecimento e aprovação de uma comunidade.
De acordo com Matias Aires, os homens são criados iguais por Deus, com um mesmo princípio
que anima, conserva, debilita e acaba.28 A vaidade é que cria e comunica a diferença entre os
homens ao longo da vida, através do contato social, da comunicação, “como contágio contraído
no trato e conversação dos homens”29 e de acordo com o papel a ser representado no teatro do
mundo.
Ao morrer, os homens se tornam mais uma vez iguais, apesar de tentarem, até o fim, até
a hora da morte, ou mesmo depois dela, se distinguir através da vaidade: “nessa hora em que
estamos para deixar o mundo, ou em que o mundo está para nos deixar (...) com vanglória
antecipada nos pomos a antever aquela cerimônia, a que chamam as nações as últimas honras,
devendo antes, chamá-la vaidades últimas.”31
As diferenças entre os homens encontram-se no exterior, há corpos mais débeis e mais
robustos; no interior, ou seja, na essência, não há nenhuma, já que os homens são compostos
do mesmo modo, e organizados da mesma forma, e por isso mesmo, sujeitos às mesmas
vaidades e paixões. A própria natureza não fez os homens maus ou bons, e os homens não são,
pois, virtuosos ou viciosos por natureza, mas por ocasião. O desejo de reconhecimento por parte
dos outros homens leva ao encontro do vício ou da virtude, dependendo de qual garantirá maior
admiração social. Essa mesma igualdade é algo insuportável para os homens, que por isso
buscaram artifícios para se distinguir, e o principal deles, foi a instituição da nobreza. A nobreza
foi formada pela composição de muitas vaidades “especulativas e sutis,”32 para fazer a
sociedade crer que se pode comunicar características morais através do sangue.
Segundo Matias Aires, há três tipos de nobreza: a antiga, que se baseava na mitologia e
na descendência de heróis para ser nobre; a moderna nobreza, que também é de origem, mas
tem seu fundamento no sangue, na sucessão familiar; e a nobreza fundamentada nas ações
nobres, no reconhecimento Real dessas ações.
Apesar de a nobreza européia moderna fundamentar sua distinção num elemento
natural – o sangue – é a fortuna, e o “costume” (“o costume é tudo, as coisas não são nada; o de
28 Ibidem. Número 79.
29 Ibidem. Número 38.
30 Ibidem. Número 79.
31 Ibidem. Número 2.
32 Ibidem. Número 139.
que fazemos tanto caso não é mais do que os homens significam ou explicam o respeito”)33 que
dotam o sangue dessas características, e não a natureza. A natureza faz o sangue das espécies
igual,
Mas, enquanto as espécies animais se distinguem umas das outras por suas
características particulares,35 os homens, querem se distinguir em relação aos mesmos homens,
então encontraram no sangue um depositário de características morais, supostamente
perpetuadas pela família, através da descendência.36 As características poderiam existir no
sangue de modo “intelectivo, imaterial e etéreo, mas parece que nem assim podia ser, porque
aquilo que é vão, de nenhuma sorte existe.”37 Os inconvenientes desse tipo de nobreza, além da
sua própria fragilidade por ser algo criado arbitrariamente pelo homem, é que não suporta a
prova da experiência: como as árvores, que parecem que de um mesmo tronco saem mais
galhos, e que esses participam da mesma seiva vital, sendo, portanto uma mesma árvore, mas,
isso é só aparente, porque muda a terra, e o alimento, e por isso o sangue das árvores. Assim
acontece com os homens: o sangue está em movimento e em mudança, daí que sua constante
renovação é o que garante a vida, porque a falta de movimento e de transformação significa
morte. De modo que o sangue, não pode ser o depositário da nobreza, já que é mutável e
incerto. A vaidade, apoiada na história é que dá o fundamento à essa nobreza que se diz de
sangue.
A nobreza moderna é uma espécie de corrupção da nobreza antiga, que, segundo o autor,
tinha mais “corpo”, isso porque iam buscar nos deuses os seus ascendentes, ficando, assim,
humanos, mas participando de certas diferenciações extra-humanas, o que possibilitava,
então, uma diferenciação mais “real”, uma vez que não se reconheciam como inteiramente
homens, justificando, pois, uma diferença real em relação aos outros homens. Com o fim da
Para Matias Aires, a nobreza e seu contrário, a vileza, são substâncias incorpóreas, e
por isso, vãs. A valorização das coisas que existem, coisas, portanto, corporificadas, é pelo fato
de que, se elas existem, são criações divinas, e os costumes, a nobreza e as diferenças sociais
são quimeras sem valor algum, pois são criações puramente humanas. A nobreza pode ser uma
forma de escapar às leis e se dar aos vícios, porque garante impunidade. Mas, assim como a
vaidade, ou outros vícios, se bem usada – ou seja, através de merecimento e reconhecimento
Real, a instituição da nobreza faz com que a sociedade funcione de maneira mais organizada:
Conclusão
As idéias professadas por Matias Aires no livro “Reflexões Sobre a Vaidade dos
Homens”, são idéias marcadas pela inserção nas discussões que estavam em voga por toda a
Europa Central. As questões da natureza humana, da Providência Divina, da racionalidade todas
participam dos mais acirrados debates. Situar Matias Aires como, por um lado, representante de
atraso português é uma redução que não permite que se compreenda sua obra em seus próprios
termos, bem como colocá-lo como representante das Luzes em Portugal também é destacar
algumas passagens em suas obras em detrimento de outras, buscando essa adequação. A
solução de tratá-lo como “híbrido” entre duas culturas ainda não é a forma mais acertada, uma
vez que tal designação parte do pressuposto de rupturas bruscas entre os séculos XVII e XVIII,
como se ambos fosse irreconciliáveis. Neste texto, tentamos compreender de que maneira o
autor articula suas idéias acerca de Providência e Natureza dentro de uma lógica que faz sentido
sem recorrer a enquadramentos doutrinários.
Fonte:
EÇA, Matis Aires Ramos da Silva e. Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens ou Discursos
Moraes Sobre os Effeitos da Vaidade offerecidos a El-Rei Nosso Senhor D. Josepho I. São
Paulo, Livraria Martins, 1952. 1ª. Edição: 1752. (1761, 1778, 1786).
Bibliografia:
CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira. Belo Horizonte; Itatiaia, 1979. (Vol. 1).