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MARGARITA ZAMORA University of Wisconsin-Madison Revista Critica de Ciéncias Sociais Para uma Cartografia das Descobertas: Mapa / Viagem / Texto * Explorando as relagGes entre a car- togratia, a geografia, os textos nduti- Gos, a eratura de peregrinapao @ 08 escritos de Cristévao Colombo, propoe-se uma abordagem interdiscl- plinar para o estudo dos discursos do fenémeno do descobrimento @ dos problemas epistemologicos e textuais coneretos postos pelo Descobrimen- to da América. Mais especificamente, se nos relatos que Colombo fez da primeira e da segunda viagens a énfase recai sobre as propriedades da escrita enquanto forma de registo, segundo uma estra- tiégia_narrativa’ aparentada a car- ta-portulano — em que a viagem se desenrola sintagmaticamente, pro- gredindo de modo linear atraves da eogratia—, a ‘Relacion’ refe- rente a tefceira viagem oferece uma exegese das Descobertas recorrendo a uma interpretacao dos seus espa- Gos centrada no plano espiritual: ou ‘Seja, optando por uma abordagem da viagem de tipo paradigmatico. No 38 Dezombro 1993 123 um livro recente sobre a explorac¢do e povoamento da Australia, Paul Carter avanga a ideia de que o que fizeram os que escreveram sobre as suas experiéncias nessas paragens no foi tanto relatar a viagem como construir uma geografia de natureza figurada em que ela surgisse dotada de sentido. Nessa conformidade, o referido autor demonstra seguidamente o modo como os espacos geograficos, antes nao assinalados, passaram a existir como objectos de conhecimento, através de uma onoméastica da exploragao entendida como actividade metaférica: A justificagao para os testemunhos deixados pelo explo- rador residia em que, quer ele descobrisse alguma coisa quer nao (caso encontrasse, digamos, objectos que jé tivessem (*) 0 presente ensaio é uma verso abreviada de um capitulo do meu livio Reading Columbus (Zamora, 1993), intitulado "Viagem 20 Paraiso”. Muita da investigagao desenvoivida fol levada a cabo gracas a uma bolsa atribuida pelo Cyril B. Nave Bequest da Universidade de Wisconsin para consultar 3s de Portugal. Para além do Cyril B. Nave Bequest, gostaria de agradecer @ Biblioteca da Marinha, a Biblioteca Nacional e @ Biblioteca Municipal de Evora pelo generoso acesso que me facultaram as respectivas colecgbes. 124 Margarita Zamora nome), 0 relato que fizesse do seu percurso haveria de servir Para trazer a terra em causa ao existir hist6rico; tratava-se de um equivalente metaférico, que de maneira figurada punha coisas afastadas entre si em relacdo umas com as outras. Neste sentido, viajar nao era primordialmente uma actividade fisica, mas antes uma estratégia epistemolégica, um modo de conhecer (Carter, 1987: 69). Embora as preocupacées de Carter se centrem na topo- nimia, a sua tese de que nestes textos os nomes funcionam como metaforas espaciais que conferem sentido a viagem afigura-se igualmente pertinente para outros aspectos das narrativas de viagens. A relevancia da teoria de Carter para 0s objectivos que aqui me proponho perseguir reside sobretudo na sugestaéo de que os relatos das viagens sao vefculos retéricos para uma hermenéutica do espago, para uma geo-grafia (a “escrita da terra’) interpretativa que define a relagao entre a terra antiga e a terra recém-descoberta ('). Vale a pena ter em mente qual era a expectativa de Colombo quando largou de Palos em 3 de Agosto de 1492: uma viagem por Aguas nunca antes cartografadas, em busca de terras cujas linhas costeiras se encontravam gravadas tanto nas linguagens do mito, da lenda, da profecia e do dogma religioso como nos tragos concretos da pena do cartégrafo. Ao relembrar as razées que teriam levado o Almirante “a acreditar que poderia descobrir as Indias”, 0 seu filho Fernando salientou o caracter especulativo da empresa, sublinhando o papel importante que as préprias interpro- tagdes de Colombo, informadas pela tradigao néutica popu- lar e pelas suas leituras na area das geografias classica, Arabe e crist&, desempenharam na criagéo e manutengao dessa crenga (Colombo, 1947: 42). Sem diivida que uma das tarefas mais prementes para Colombo seria a de co-rela- cionar com as nogées geograficas do seu tempo todas as novas paragens do mundo que encontrasse, tragando para isso em cartas a rota seguida e registando toda e qualquer terra que fosse sendo descoberta. Enquanto empreendimento geografico, contudo, as Descobertas tiveram, para além da dimensao empirica, uma importante dimensdo interpretativa, (*) Nogao semelnante & a proposta por de Certeau em The Practice of Everyaay Life, onde este autor sustenta qua as histérias constituem “lingua- gens de espaco simbdlicas”. A minha praferéncia vai, aqui, para a formulacao de Carter, devido a sua maior especificidade. A tese de de Certeau segundo @ qual toda a historia uma histéria de viagem— ‘uma pratica espacial" — ‘epaga aquilo que para mim constitul uma distinggo fundamental entre histdrlas sobre viagens @ as que 0 ndo sdo (de Certeau, 1984) Para uma _Cartografia das Descobertas pautando-se portanto por objectivos tanto de caracter ideo- légico como de natureza epistemoldgica. Paralelamente aos mapas e as cartas nduticas correspondentes a uma geografia funcional que explicava a maneira de se chegar ao longe e voltar, a escrita colombina, com a sua interpretagao do signi- ficado da viagem, constituiu também uma resposta as ‘exigéncias de uma geografia cultural de caracter predominan- temente hermenéutico. Os textos que narram as Descobertas podem, pois, ser lidos como mapas verbais que delineiam de forma figurada as linhas costeiras, complementando @ 125 interpretando as cartas nauticas e os diarios de bordo que tragavam o desenho da navega¢ao e lhe marcavam os espagos. Esta figuragao textual do espago, que é simultaneamente uma metafora do mapa e um tragar metafdrico, conferiu significado & geografia percorrida e A viagem por meio da qual esse espaco foi experienciado. Os escritos de Colombo descreveram um certo espago e€ comunicaram a experiéncia mesma desse espago, definindo desse modo uma forma de © compreender, de o imaginar e de com ele estabelecer relagéo. Ao dar o nome de Sao Salvador a ilha a que os indios chamavam Guanahani, Colombo estava a praticar um acto de devogao pessoal ao mesmo tempo que oferecia uma interpretagao do significado da travessia do Atlantico. A viagem textual transformava-se, assim, numa imitatio Christi, levada a cabo nao apenas em nome de Cristo, mas exactamente segundo a maneira evangélica de viajar do préprio Jesus. Devotamente dedicada a Cristo, ela constituiu por outro lado, em sentido figurado, o primeiro passo de uma viagem milenarista que implicava levar a Palavra para além das fronteiras da Cristandade, até aos confins do mundo pagao. Na historia da viagem, a chegada a Sao Salvador transforma-se numa sinédoque da propria viagem enquanto experiéncia apostdlica do espaco tal como se descreve nas Escrituras. O nome que Colombo tomou para si, Christoferens, € como que o emblema de uma viagem empreendida nao s6 em nome de Cristo, como também “4 maneira de Cristo” (2). @) “Christoferens® significa segundo a maneira—de transportar, falar, suportar, divulgar— de Cristo (do latim fero, transportar, falar de, suportar, divulgar). A partir de 1501 Colombo passou a assinar os seus escritos com ‘© nome ‘Christoferens’. Para uma avaliagéo pormenorizada do contexto ideolégico que, segundo Alain Milhou, exolica 0 significado da assungdo deste nome em particular, veja-se Milhou, 1983: 55-90.

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