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PLÍNIO O JOVEM, PETRÔNIO & PLUTARCO

HISTÓRIAS DE TERROR DA
ANTIGUIDADE CLÁSSICA

EDIÇÕES VIRTUAIS ARABESCO


Plínio o Jovem, Petrônio e Plutarco, Histórias de Terror
da Antiguidade Clássica.

Coleção Clássicos do Terror de Ouro nº 04.

Tradução: Paulo Soriano e Luciana Oliveira.

Coordenação editorial: Paulo Soriano.

Imagem da capa: A cabeça de Laocoonte, de


Parmagianino.

Edições Virtuais Arabesco – Salvador – Bahia – Brasil.


2015.
SUMÁRIO

Plínio o Jovem, 9

A casa mal-assombrada, 13

Petrônio, 21,

O Lobisomem, 23

As vampiras, 29

A matrona de Éfeso, 33

Plutarco, 41

O fantasma de Dámon, 43

O espírito de Cleonice, 49
NOTA DOS EDITORES

As narrativas de terror sempre existiram.


Sempre houve lugar, nas histórias das
sociedades humanas, lugar para o macabro e o
sobrenatural. A própria Bíblia nos relata
histórias fantasmagóricas, como a de Saul que,
com a ajuda de uma mulher necromante,
invoca, com sucesso, o espírito iracundo de
Samuel (1 Sam 28: 3-25), que, emergindo das
profundezas, o admoesta severamente.

Não espanta, pois, que autores da


antiguidade clássica tenham registrado – em
simples missivas ou em anedotas contidas em
obras extensas, de caráter histórico ou
ficcional – episódios mórbidos ou
sobrenaturais.

Neste livro, o leitor encontrará narrativas


de Plínio o Jovem, Petrônio e Plutarco, gigantes
da literatura greco-romana.
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PLÍNIO O JOVEM

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Caio Plínio Cecílio Segundo (61 ou 62
– 114 d. C.), chamado Plínio o Jovem, foi um
célebre orador, escritor, jurista e político
romano.
A casa mal assombrada consta da
Carta de Plínio a Sura (Livro VII, carta
XXVII). Muitos estudiosos consideram-na
uma das primeiras histórias de fantasmas,
uma narrativa pioneira em que releva o
componente sobrenatural. Pode o leitor
verificar que, ao longo dos séculos, e mesmo
na atualidade, tem-se explorado, nas
histórias de fantasmas, os elementos centrais
da narrativa do vetusto autor romano: uma
casa mal-assombrada; uma alma penada
arrastando correntes; moradores que,
aterrorizados, buscam liberar-se da entidade
alienando a casa mal-assombrada a preço
vil; um novo morador que, empregando
fórmulas ou meios rituais, busca a liberação

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do ente fantasmagórico. O título que
conferimos à narrativa parece ser o entre nós
consagrado (Cf. Massaud Moisés, “A criação
literária – Prosa I”, 23ª. edição, p. 33).

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A CASA MAL-ASSOMBRADA

Havia em Atenas uma casa ampla e


confortável, mas de má reputação e
perniciosa à saúde. No silêncio da noite,
ouviam-se ruídos de ferro e, se se prestava
bem atenção, escutava-se o estrépito de
correntes, que a princípio parecia vir de
longe, mas que, depois, se aproximava
paulatinamente. Em seguida, surgia o
fantasma de um velho consumido pela
fraqueza e pela miséria, de barba longa e
cabelos eriçados. Tinha grilhões nos pés e
correntes nos pulsos, que ele agitava e
sacudia terrivelmente.

Em razão da aparição, os moradores da


casa passavam, amedrontados, em vigília,
tristes e terríveis noites. A prolongada
insônia trazia a enfermidade, e esta,

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intensificada pelo medo, causava a morte,
pois, malgrado o espectro não aparecesse
durante o dia, a sua memória ficava
impressa nos olhos e, assim, o terror se
prolongava além das próprias causas.
Portanto, a casa ficou deserta, condenada à
solidão, completamente abandonada, à
mercê do espectro terrível. Apesar disso, a
casa foi exposta à venda ou locação,
esperando-se que alguém, que não soubesse
da terrível maldição, se dispusesse a adquiri-
la ou alugá-la.

A Atenas chegou o filósofo Atenodoro


(1), que leu o anúncio. Uma vez ciente do
preço, e como sua modicidade despertava
suspeitas, cuidou de indagar o motivo.
Inteirado do que ocorria na casa, longe de
desistir do negócio, o filósofo ainda mais
interessado ficou em alugá-la. No limiar da

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noite, já na casa instalado, ordenou que lhe
preparassem o leito no cômodo da frente.
Pediu suas tábuas de escrita, um estilete e
luz, determinando que os demais se
retirassem aos fundos da vivenda.
Concentrou, pois, o seu ânimo, olhos e mãos
no exercício da escrita, para que sua mente
não desse azo a ruídos imaginários ou medos
absurdos.

A princípio, como em qualquer outro


lugar, ouviu-se apenas o silêncio da noite.
Mas, em sequência, chegaram a ele o ruído
de ferro agitado e o estrépito dos movimentos
das correntes. O filósofo não ergueu os olhos
nem abandonou o seu estilete, pondo,
resolutamente, a vontade à frente dos
ouvidos.

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O espectro estava ali, de pé. Com um
dedo, fazia um sinal, chamando-o. O filósofo,
de sua vez, acenava para que o fantasma
esperasse um pouco, retomando o trabalho
com suas tábuas e estilete. Mas o espectro
insistia, fazendo soar as correntes para
atrair-lhe a atenção. O filósofo voltou a
cabeça para a aparição, que continuava a
chamá-lo com um dedo. Então, tomando a
lamparina, prontamente a seguiu.

O espectro seguia a passos lentos,


como se o peso das correntes o oprimisse.
Então, desceu ao pátio da casa e, de repente,
após desvanecer-se, abandonou o seu
acompanhante. O filósofo recolheu folhas e
ervas e, com elas, marcou o lugar onde o
fantasma desaparecera.

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No dia seguinte, procurou os
magistrados, deles obtendo a licença para
escavar o lugar. Encontraram-se ossos,
ainda enredados em correntes. A carne,
apodrecida pelo efeito do tempo e da terra,
havia sido consumida, expondo os ossos
jungidos aos seus grilhões. Reunidos
cuidadosamente os ossos, foram eles
enterrados em cerimônia pública. Depois
disto, a casa ficou finalmente livre do
fantasma, uma vez que os seus restos
mortais foram sepultados convenientemente

Versão livre em português de Paulo Soriano.

Nota:
(1) Atenodoro de Tarso (74 a.C – 7 d.C), filósofo
estoico grego.

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PETRÔNIO

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Caio (ou Tito) Petrônio Árbitro,
escritor e político romano, autor do famoso
romance Satíricon, era contemporâneo de
Nero e, acusado de traição, cometeu suicídio,
antecipando-se à ira do imperador.
A primeira das narrativas abaixo, O
lobisomem é, certamente, a primeira história
de horror a abordar a licantropia. Muitos de
seus elementos se repetem até hoje: noite de
luar; a transformação que se segue a rituais
macabros em ambiente funesto; o retorno à
forma humana após um grave ferimento. Já
a segunda, As vampiras, talvez seja a
primeira história protagonizada por vampiros
da literatura ocidental.
A conhecida narrativa A matrona de
Éfeso constitui uma anedota em que o
macabro funde-se ao humor, ao passo em
que urde uma crítica mordaz à hipocrisia.

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As histórias constantes deste livro são
episódios narrados por personagens no
Satíricon.

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O LOBISOMEM

Quando eu ainda era escravo, morava


na Rua Estreita, na casa que hoje pertence a
Gavila. Quiseram os bons deuses que ali eu
me apaixonasse pela mulher de Terêncio, o
taberneiro. Vocês a conhecem: é Melissa, a
Tarentina, uma preciosidade, um a joia de
mulher. Mas, por Hércules, eu não a
cortejava pelos seus dotes físicos, ou para
satisfazer à minha lascívia. Fazia-o pelas
suas qualidades morais. Quando lhe pedia
algo, ela nunca me negava; se ela ganhava
um asse (1), dava-me a metade, que eu
guardava em sua bolsa, e ela nunca me traiu
a confiança.

Certo dia, o seu marido, que se


encontrava na casa de campo, faleceu. Fiz o
impossível para estar com ela, pois, como se

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costuma dizer, é na adversidade que se
conhecem os amigos.

Para minha sorte, o meu amo havia ido


a Cápua liquidar algumas mercadorias
inservíveis. Aproveitando a oportunidade,
convenci um convidado a acompanhar-me
até uma distância de cinco milhas. Era um
soldado forte como um demônio. Saímos
antes do amanhecer, ao primeiro canto do
galo, e o luar era tão claro que mesmo
parecia dia. Aproximamo-nos de uns
túmulos e meu companheiro começou a
conjurar as estelas funerárias. Sentei-me
cantarolando uma ária, e fiquei a contar as
lápides. Depois, voltando-me para ele, vi que
o homem se despia, deixando as vestes à
beira da estrada. Fiquei mais morto do que
vivo, imóvel como um cadáver. Então, ele se

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pôs a urinar em torno das roupas e se
transformou num lobo.

Não imaginem vocês que eu esteja


brincado. Eu não mentiria por todo ouro do
mundo. Mas, voltando ao ponto: quando ele
se transformou em lobo, pôs-se a uivar, e
desapareceu nos bosques. A princípio, não
bem sabia onde estava. Depois, aproximei-
me para apanhar as roupas; contudo, elas se
tinham convolado em pedra. Se sustos
matassem, eu já estaria morto. Todavia,
saquei a espada e segui em frente, golpeando
as sombras durante o todo o caminho, até
que cheguei à casa de minha amiga. Ao
entrar, assemelhava-me a um fantasma. O
suor escorria-me da face e os meus olhos
estavam mortos. Custou-me muito recompor-
me.

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A minha amada ficou surpresa com a
minha chegada àquelas horas, dizendo:

–– Se você tivesse chegado antes,


poderia ter-nos ajudado. Pois entrou na
herdade um lobo, que sangrou todos os
nossos animais, como se fosse um
açougueiro. O lobo escapou, mas ferido. Um
de nossos escravos atravessou-lhe o pescoço
com uma lança.

Quando clareou, fugi à casa de nosso


amo Gaio, correndo qual um mercador
assaltado. Chegando ao lugar onde ficaram
as roupas petrificadas, vi somente manchas
de sangue. Em casa, encontrei o soldado
estirado na cama, sangrando como um boi;
um médico enfaixava-lhe o pescoço. Sem
dúvida, ele era um lobisomem.

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A partir de então, preferia ver-me morto
a comer um naco de pão em sua companhia.
Cada um pense o que lhe aprouver: se eu
estiver mentindo, que a ira dos nossos
Numes Tutelares (2) caia sobre mim.

Versão livre em português de Paulo Soriano.

Notas:
(1) Antiga moeda romana de cobre, de pouco valor.
(2) Espírito que, acreditavam os antigos,
acompanhavam as pessoas para inspirá-las ou
protegê-las. Assemelhavam-se aos nossos anjos da
guarda.

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AS VAMPIRAS

Quando eu ainda tinha os cabelos


longos –– pois desde criança levei uma vida
licenciosa e sensual ––, morreu um servo de
meu amo. Por Hércules, uma autêntica
pérola, perfeito em todos os aspectos.

A mãe do garoto chorava-o, e muitos


de nós a acompanhávamos em sua tristeza,
quando, de repente, vieram as vampiras
urrando: pareciam cães perseguindo lebres.

Naquela época, tínhamos um escravo


da Capadócia –– um gigante –– muito
destemido, e incrivelmente forte: erguia no
ar um touro bravio. Sem hesitar, o homem
sacou a espada, lançou-se à rua e, com a sua
mão esquerda cuidadosamente protegida
pela capa, traspassou no meio uma dessas

29
vampiras, bem aqui (e que o céu proteja onde
toco!).

Ouvimos um gemido, embora, para


falar com sinceridade, não tenhamos visto
a estriga (1).

Nosso gigante, transpondo os umbrais,


deixou-se cair na cama: tinha o corpo todo
roxo, como se ferido a chicotes.
Evidentemente, uma mão maligna o havia
ferido.

Fechando a porta, voltamos ao que


fazíamos. Mas quando a mãe se inclinou
para o filho, a fim de abraçá-lo, nada mais
encontrou que um feixe de palha. Não tinha
coração, nem intestinos, nem nada. Sem
dúvida, as vampiras haviam furtado o
corpo menino e posto o boneco em seu lugar.

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Acreditem no que lhes digo:
há mulheres noturnas mais sábias do que
nós. Notívagas, transtornam tudo em sua
volta. E quanto ao nosso gigante, jamais
recobrou a cor natural, e delirando, louco,
morreu poucos dias depois.

Versão em português de Paulo Soriano

Nota:
(1) Entidades vampíricas que, conforme crença
popular romana,furtavam as crianças adormecidas
para chupar-lhes o sangue. Ovídio, nos “Fastos”,
narra um episódio em que as estriges atacam o
garoto Proco (vide tradução de Castilho, tomo 3,
1862, p. 106 e 107).

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A MATRONA DE ÉFESO

Em Éfeso havia uma matrona com tal


fama de honesta que até as mulheres dos
países vizinhos saíam a conhecê-la. Tendo
perdido o marido, não se contentou, como é
co costume do povo, em seguir o enterro com
os cabelos em desordem, nem em golpear-se
no peito desnudo diante dos olhos de todos,
mas achou por bem acompanhar o seu
finado marido até a tumba, e, logo após
sepultá-lo, segundo costume dos gregos, no
hipogeu (1), devotou-se a velar o corpo e a
chorá-lo dia e noite. Seus pais e familiares
não puderam fazê-la cessar aquela atitude
que, levada ao desespero, havia de matá-la
de fome. Até os magistrados desistiram do
intento ao verem-se expulsos por ela.

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Todos choravam, dando quase como
morta essa mulher que dava exemplo sem
igual, consumindo-se há cinco dias sem
provar bocado. Uma serva muito fiel a
acompanhava e compartilhava seu pranto, e
renovava a chama da lamparina, que
iluminava o sepulcro, quando começava a se
apagar. Na cidade, não se falava outra coisa
senão esta abnegação, e homens de toda
condição social a davam como exemplo único
de castidade e amor conjugal.

Àquela época, o governador da


província ordenou crucificar vários ladrões
próximo à tumba onde a esposa chorava,
sem interrupção, a recente morte do seu
marido. Durante a noite seguinte à
crucificação, um soldado, que vigiava as
cruzes para impedir que alguém descravasse
os corpos dos ladrões a fim de sepultá-los,
percebeu uma luzinha a brilhar entre as

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tumbas e viu os lamentos de alguém que
chorava. Levado pela natural curiosidade
humana, quis saber quem estava ali e o que
fazia. Desceu à tumba e, descobrindo uma
mulher de extraordinária beleza, ficou
paralisado de medo, crendo estar frente a um
fantasma ou a uma aparição. Mas quando
viu o cadáver estendido e as lágrimas da
mulher, de faces arranhadas por unhas, a
sua impressão foi desvanecendo. Deu-se
conta de que estava diante de uma viúva que
não achava consolo.

Levou à tumba seu magro jantar de


soldado e começou a induzir a aflita mulher
a que não se deixasse dominar por aquela
dor inútil, nem enchesse o seu peito com
lamentos sem sentido.

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–– A morte –– disse –– é o fim de tudo o
que vive: o sepulcro é a íntima morada de
todos.

Ele recorreu a tudo o que se pode dizer


às almas perpassadas pela dor. Porém, esses
conselhos de um desconhecido a exacerbava
em seu padecer e ela golpeava mais
duramente o peito, arrancava mechas de
cabelo e se jogava sobre o cadáver.

O soldado, sem desanimar-se, insistiu,


tratando de fazê-la provar seu jantar. Ao fim,
a serva, tentada pelo aroma do vinho, não
pôde resistir ao convite e estendeu a mão ao
que lhe era oferecido, e quando recobrou as
forças com o alimento e a bebida, começou a
atacar a teimosia da sua ama:

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–– De que te servirá tudo isso? –– lhe
dizia. –– Que ganhas com deixar-te morrer de
fome ou enterrada, entregando tua alma
antes que o destino te peça? Os despojos dos
mortos não pedem semelhantes loucuras.
Volta à vida. Deixa de lado teu erro de
mulher e goza, enquanto possível for, da luz
do céu. O mesmo cadáver que está ali tem
que bastar para que vejas o belo da vida. Por
que não escutas os conselhos de um amigo
que te convida a comer algo e não te deixar
morrer?

Ao fim, a viúva, esgotada pelos dias de


jejum, depôs sua obstinação e comeu e
bebeu com a mesma ansiedade com que
antes havia feito a servente.

Sabe-se que um apetite satisfeito


produz outros. O soldado, entusiasmado com

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seu primeiro êxito, investiu contra a sua
virtude com argumentos semelhantes.

–– Não parece mal nem odioso este


jovem –– dizia a esposa, que antes era
acusada pela serva, que lhe repetia:

–– Resistirás a um amor tão doce?


Perderás os anos de juventude? Por que
esperar mais tempo?

A mulher, depois de haver satisfeito as


necessidades do seu estômago, não deixou
de satisfazer este apetite... e o soldado
triunfou. Deitaram-se juntos no chão essa
noite e também no dia seguinte e no outro,
fechando bem as portas da cripta, de modo
que se passasse por ali um familiar ou um
desconhecido, acreditaria que a fiel esposa
estaria morta sobre o cadáver do seu esposo.

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O soldado, encantado pela beleza da
mulher e pelo mistério desse amor, comprava
o melhor que seu bolso permitia e, ao cair a
noite, levava ao túmulo. Porém, um dos
parentes dos ladrões, tendo notado a falta de
vigilância noturna, descravou o cadáver de
um dos seus e o sepultou. O soldado, ao
descobrir, no outro dia, uma cruz sem o
morto, temeroso do suplício que o aguardava,
contou o ocorrido para a viúva.

–– Não, não –– lhe disse. –– Não


esperarei a condenação. Minha própria
espada, adiantando-se à sentença do juiz,
castigará o meu descuido. Peço-te, minha
amada, que, uma vez morto, deixa-me nesta
tumba. Põe teu amante ao lado do seu
marido.

Mas a mulher, tão compassiva como


virtuosa, lhe respondeu:

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– Que os deuses me livrem de chorar a
morte dos dois homens que mais amei! Antes
crucificar o morto que deixar morrer o vivo.

Uma vez ditas essas palavras, fê-lo tirar


o corpo do marido da tumba e colocá-lo na
cruz vazia. O soldado usou o engenhoso
recurso da cautelosa mulher e, ao dia
seguinte, o povo se perguntava como um
morto poderia ter subido até a cruz.

Versão em português de Luciana Oliveira, a partir


de tradução espanhola.

Nota:
(1) Monumento funerário subterrâneo.

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PLUTARCO
(c. 46 d.C – c. 120 d. C.)

41
Lúcio Méstrio Plutarco, filósofo e escritor
grego, tinha cidadania romana. Deixou obras
notáveis, a exemplo de Vidas Paralelas, de
cujos excertos foram tiradas as narrativas O
fantasma de Dámon e O espírito de Cleonice
(Címon, nº 1 e nº 11, respectivamente).

42
O FANTASMA DE DÁMON

Peripoltas, o adivinho, acompanhando


da Tessália à Beócia o rei Ofeltas, e os povos
submetidos ao seu comando, deixou uma
descendência que foi por muito tempo
benquista, e os mais importantes dessa
estirpe se estabeleceram em Queroneia (1),
que foi a primeira cidade que ocuparam, dela
expulsando os bárbaros. Os demais dessa
linhagem, valentes e guerreiros por natureza,
por se expuserem a riscos excessivos,
pereceram nas campanhas contra os medos
e nos combates com os gauleses.

Mas desse povo remanesceu um jovem,


órfão de pai, chamado Dámon, e de
sobrenome Peripoltas, que sobrepunha
em compleição física e coragem os demais

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jovens de sua idade, malgrado fossem estes
tão indóceis e violentos quanto ele.

Ao transpor a infância, Dámon atraiu


a atenção de um romano, comandante de
uma coorte, que passava o inverno em
Queroneia. E como não conseguiu cooptar o
adolescente com persuasões ou dádivas,
tentou conquistá-lo pela força, sobremedo
por considerar que, porquanto se achava a
cidade enfraquecida e reduzida à pobreza,
não daria azo a uma rebelião. Temendo que
tal acontecesse, Dámon, incomodado com
aquelas solicitudes, cuidou de armar uma
cilada ao capitão. A tal fim, conseguiu que
alguns jovens, embora, para resguardar o
sigilo, não em grande número, conspirassem
contra o comandante. Ao todo, eram
dezesseis companheiros.

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Certa noite, tisnaram os rostos com
fuligem e, tendo bebido abundantemente, ao
amanhecer atacaram o militar romano, que
no momento realizava um sacrifício religioso
na praça. Mataram-no e aos que com ele se
encontravam. Depois, fugiram da cidade.

Formou-se em Queroneia um grande


alvoroço e, reunido o Conselho, proclamou-se
uma sentença de morte contra os mancebos,
o que significava um penhor de desagravo da
cidade para com os romanos. À tarde, como
era de costume, os magistrados se juntaram
para cear e, lançando-se de surpresa Dámon
e seus companheiros sobre o consistório, a
todos mataram, escapando em seguida.

Quis o acaso que, naquela ocasião,


para cumprir certos misteres, se dirigisse
Lúcio Lúculo (1) àquela região, trazendo

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consigo suas tropas. E, detendo a marcha,
pôs-se a investigar tais fatos, que eram
recentes, e considerou que a cidade não
tivera culpa alguma no incidente, decidindo,
ao contrário, que ela havia sido, igualmente,
ultrajada. Então, recolhendo a tropa, levou-a
embora.

Entretanto, Dámon infestava as


cercanias com latrocínios e perseguições,
ameaçando a cidade e os cidadãos. Estes,
com mensagens e decretos ambíguos,
lograram atraí-lo à cidade. De volta a ela,
fizeram-no administrador do Ginásio. Certa
feita, quando ele se untava de óleo na sauna,
mataram-no traiçoeiramente.

Porquanto durante muito tempo


sucedessem aparições de fantasmas, e se
ouvissem gemidos naquele lugar, como nos

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relatam os nossos pais, lacraram-se as
portas da sauna, interditando-a. Mas ainda
hoje os espectros aparecem aos habitantes
das cercanias, que ali discernem visões e
vozes amedrontadores. Os seus descendentes
–– alguns ainda hoje existem na Fórcida, na
proximidade da cidade de Estíris –– são
alcunhadas de enfeitiçados, por ter-se
Dámon tisnado de fuligem quando este se
lançou contra o capitão da coorte romana.

Versão livre em português por Paulo Soriano, com


lastro na tradução castelhana de Antonio Ranz
Romanillos (1759 — 1830).

Notas:
(1) Cidade grega, terra natal de Plutarco.
(2) Lúcio Licínio Lúculo (c. 118 a.C. — 56 a.C.),
general e político romano.

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O ESPÍRITO DE CLEONICE

Conta-se que, certa feita, o general


Pausânias (1), movido por pérfidos propósitos
libidinosos, ordenou que lhe trouxessem a
Bizâncio uma donzela, filha de pais nobres,
chamada Cleonice.

Os pais, por medo e premência,


deixaram-na ir.

Pediu a jovem às criadas que as luzes


do quarto fossem apagadas. Assim, em meio
à escuridão, ao dirigir-se ao leito,
inadvertidamente tropeçou numa lamparina,
que foi ao chão.

Pausânias acordou sobressaltado com


o ruído. E, acreditando-se atacado por algum

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inimigo, lançou mão da espada, derrubando
donzela.

Morta pelo ferimento, a donzela não


mais deixava Pausânias dormir em paz. A ele
aparecia em sonhos noturnos, pronunciando
furiosamente estes versos heroicos:

Venha pagar a pena,


Que a injúria traz aos homens somente males.

Este ultraje atraiu a ira de seus aliados


que, acompanhados por Címon (2), puseram
cerco a Bizâncio. Todavia, Pausânias fugiu e,
aterrorizado por aquele espectro, dirigiu-se,
segundo se diz, ao oráculo dos mortos de
Heracleia. E, evocando a alma de Cleonice,
rogou-lhe que atenuasse a sua ira. Ela
acudiu ao conjuro e, aparecendo-se-lhe,
disse-lhe que o libertaria da opressão assim

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que o general estivesse em Esparta. Dava o
espírito a entender, conforme se acredita,
que o fantasma estaria a anunciar-lhe,
veladamente, a morte que haveria de ter. É o
que escrevem diversos historiadores.

Versão livre em português por Paulo Soriano, com


lastro na tradução castelhana de Antonio Ranz
Romanillos (1759 — 1830).

Notas:
(1) Pausânias (? — 470 a.C.), estadista e general
espartano, sobrinho do rei Leônidas, liderou forças
helênicas na Batalha de Plateias, derrotando os
persas. Posteriormente, foi condenado à morte em
Esparta.
(2) Címon (c. 510 a.C. — 449 a.C.), estadista e
general ateniense.

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Edições Arabesco

Salvador-BA

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