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Análise da introdução de um

novo paradigma em segurança


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pública no Brasil

Mariana Kiefer Kruchin


Análise da introdução de um novo paradigma
em segurança pública no Brasil
Mariana Kiefer Kruchin

Mariana Kiefer Kruchin é mestre em Sociologia Jurídica pelo Instituto Internacional de Sociologia Jurídica de Oñati – ES;

bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e em Direito pela PUC-SP; trabalha com monitoramento e

avaliação de projetos no escritório de advocacia Rubens Naves, Santos Jr.

Rubens Naves, Santos Jr. E Hesketh Escritórios Associados de Advocacia – São Paulo – SP – Brasil

marianakruchin@gmail.com

Resumo
Este artigo pretende analisar o processo de construção do chamado “novo paradigma” em segurança pública e o
significado da municipalização das políticas de segurança em termos sociojurídicos. Mudanças discursivas alteraram
na prática os termos do debate no campo, mas se faz necessário o questionamento sobre se as transformações no
plano discursivo, mais do que no sistema normativo, são suficientes para alterar o modelo político vigente. Ainda, se as
transformações em curso produzem o resultado esperado, isto é, se alteram o modelo vigente da segurança pública.

Palavras-Chave
Políticas de segurança pública; Municipalização; Descentralização; Prevenção da violência.

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O propósito desse artigo é apresentar
os principais elementos para uma
análise da introdução do chamado “novo pa-
dores públicos reivindicam uma mudança nessa
estrutura que atribui aos Estados a responsabi-
lidade pela segurança pública, argumentando

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radigma” em segurança pública no Brasil e sua que o novo mainstream seria agora o tratamento
repercussão no sistema político vigente. Serão multidisciplinar do crime e da criminalidade. O
apresentadas as principais conclusões de pes- que antes era visto como área exclusivamente
quisa realizada no Instituto Internacional de policial teria se tornado um campo mais amplo,
Sociologia Jurídica de Oñati, Espanha, na qual tanto conceitual como administrativamente
se buscou investigar em que medida o processo (KAHN; ZANETIC 2005, p. 3). Conceitual-
de municipalização da segurança pública e a mente, um tratamento multidisciplinar da cri-
introdução de programas federais para a área minalidade se dá não somente sobre o crime,
alteraram o modelo vigente de segurança. Pri- mas também sobre suas causas; não somente por
meiramente será discutida a natureza das mu- meio da polícia e do suporte material das forças
danças reivindicadas, as características do novo policiais, mas ainda pela intersecção de diferen-
paradigma. Em seguida serão apresentados os tes áreas de governo, por meio de novas políticas
principais termos do debate expressos em dife- públicas. Isto é, o novo conceito trata de uma
rentes arenas. Por fim, é realizada uma análise abordagem preventiva do crime. Administra-
das possibilidades oferecidas pela introdução tivamente, um tratamento multidisciplinar do
de um novo discurso em segurança e de novas crime seria caracterizado por uma expansão das
práticas de superação do modelo vigente, tido esferas de governo responsáveis pela segurança
como repressivo-punitivo. pública. No contexto dessa nova abordagem é
que surge a reivindicação da existência de um
As bases para um novo paradigma em novo paradigma, que será aqui discutido.
segurança pública
A Constituição Federal de 1988 estabelece A ideia de paradigma diz respeito a um
no art. 144 que o governo do Estado é o ente novo entendimento sobre o controle do crime
federativo responsável pelas Polícias Civil e Mi- e da violência e remete à responsabilização de
litar. Governos municipais e o federal, desta ma- toda estrutura federativa no tratamento dessas
neira, não teriam responsabilidades relacionadas questões, além de considerar um enfoque no
à segurança pública, com as exceções de que o papel dos municípios como instância de im-
governo federal deve controlar a Polícia Federal plementação de políticas públicas de seguran-
e as administrações municipais podem montar ça. Ou seja, pressupõe-se o rompimento com
suas Guardas Civis. Acadêmicos e administra- o modelo vigente.

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Para um breve histórico da nova concepção temente na última década. Um grande esforço
em segurança, é necessário apontar para uma acadêmico foi feito no sentido de desenvolver
mudança conceitual introduzida pela Assem- explicações para o fenômeno da violência e seu
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bleia Constituinte de 1987-1988: o que antes campo de estudos foi fortalecido nas últimas
era chamado de “segurança nacional” tornou- décadas (VASCONCELOS, 2009). Diferen-
-se “segurança pública”, denotando a diferença tes percepções sobre as causas da violência e
entre uma polícia equipada para o combate das altas taxas de criminalidade geraram uma
aos inimigos da ditadura estabelecida em 1964 reivindicação para que as políticas de contro-
e a questão de segurança nas instituições que le fossem interpretadas e aplicadas de forma a
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comporiam o processo de democratização. acompanhar o campo científico.


Conceitualmente, a ideia de segurança nacio-
nal foi superada pela nova Constituição, com Muito brevemente, de acordo com Vas-
base no entendimento de que ela dificultaria concelos (2009), durante a década de 1970, o
a proteção do indivíduo (pois ela protegia o crime era visto, por meio de abordagens, por
Estado) e, principalmente, que não asseguraria exemplo, marxista, como resultante de estru-
a proteção dos direitos e garantias individuais turas políticas e econômicas. Mas o entendi-
(LIMA, 2010, p. 15). mento da violência nesses termos engendrou
críticas no sentido de que a correlação entre
Porém, diversos estudos apontaram para pobreza e criminalidade poderia gerar mais
uma superação apenas formal do paradigma violência da polícia contra a população pobre.
de “segurança nacional” – em se tratando de Já nos anos 1980 e durante a transição demo-
controle do crime –, mostrando dificuldades crática, momento caracterizado por um grande
para desafiar em termos práticos o modelo aumento das taxas criminais (principalmente
pré-constitucional. Para Choukr (2004, p. 3), nos grandes centros urbanos, que tiveram cres-
“a superação formal do regime militar brasi- cimento acelerado a partir dos anos 1970),
leiro transformou muito pouco a essência e o acadêmicos passaram a relacionar o autorita-
funcionamento das estruturas policiais. [...] a rismo do Estado ao crescimento da violência
Constituição Federal abrigou todas estruturas interpessoal, argumentando que haveria co-
policiais já existentes”. Outro autor que tratou nexão entre a manifestação dessa violência e a
do tema foi Jorge Zaverucha, (2008, p. 142) aceitação de valores autoritários e violação de
que afirma que a justiça de transição produ- direitos (VASCONCELOS, 2009, p. 146).
ziu um “híbrido institucional”, caracterizado Depois disso, importantes análises se voltaram
por uma democracia baseada no voto, mas que para o controle social entre a sociedade e não
mantém enclaves autoritários. somente do Estado. Aliado a isso, os estudos
passaram a mostrar a relação entre violência e
Nesse sentido, a reivindicação para a im- formas de interação entre os indivíduos; e en-
plementação de um modelo que superasse tre cultura política autoritária e cultura política
concretamente o modelo repressivo advindo democrática, além de introduzirem os direitos
do período político anterior aparece mais for- humanos como um tópico pertencente à área

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de políticas públicas e não como discursos que as principais políticas de governo voltadas para
protegeriam criminosos (VASCONCELOS, implementação prática do novo paradigma fo-
2009, p. 112). ram incorporadas ao trabalho. Isto é, a forma-

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ção de um novo discurso compõe o objeto da
A introdução das noções de direitos humanos análise, mas foi necessário, em alguma medida,
estava relacionada à ideia de falta de mediação tratar da relação entre discurso e prática.
entre as instituições públicas e o sistema legal:
A hipótese de que a continuidade da violação Apesar da extensa revisão realizada na
dos direitos humanos é um dos elementos pesquisa das declarações que formam o novo

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que minam a construção de uma cidadania discurso e de suas variações, para o proposto
universal e credibilidade das instituições de- trabalho será necessário exprimir as principais
mocráticas (em especial os atores encarrega- ideias e correntes que alimentam a noção de
dos da aplicação da lei e da pacificação da um novo paradigma.
sociedade) é fundamentada na existência de
uma cidadania restrita, parte constitutiva de Os três campos discursivos analisados fo-
uma cultura política marcada pela não insti- ram: a literatura produzida pela academia,
tucionalização dos conflitos sociais, pela nor- especialmente aquela resultante de pesquisas
malização da violência e pela reprodução da aplicadas e realizadas por acadêmicos envol-
estrutura de relações de poder vigentes (VAS- vidos direta ou indiretamente com políticas
CONCELOS, 2009, p. 132). públicas e trabalhos em organizações sem fins
lucrativos; o material produzido pela e a partir
Essa linha de análise enfatiza “aspectos socie- da Primeira Conferência Nacional de Seguran-
tários e culturais dos contextos da violência” e ça Pública – Conseg, que aconteceu em 2009 e
utiliza uma abordagem estrutural que a entende reuniu a diversidade de atores envolvidos com
a partir de suas relações “com as mudanças que a área da segurança (governo, sociedade civil
afetaram a realidade brasileira na economia e e trabalhadores da área – as forças policiais);
no espaço” (VASCONCELOS, 2009, p. 174). e entrevistas com gestores públicos envolvidos
Desta forma, a sociologia urbana e noções de com políticas de segurança.
saúde pública são incorporadas e contextuali-
zam o debate incipiente sobre políticas locais de A literatura e a prevenção do crime
segurança e, consequentemente, um novo papel Conforme mencionado anteriormente, a
para os municípios na segurança pública. academia tem oferecido diferentes explicações
para o fenômeno da violência e as altas taxas
A construção do novo paradigma criminais ao longo das últimas três décadas. É
Para uma análise da construção de um novo necessário explicitar que a violência constitui
discurso sobre segurança pública, ou uma nova um fenômeno complexo e, por isso, vem sen-
interpretação da Constituição federal que base- do estudada por diferentes disciplinas, como
asse as políticas de segurança públicas, três cam- sociologia, psicologia, direito, história, etc. De
pos discursivos foram estudados. Além disso, todo modo, em comum entre essas disciplinas,

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há o enfoque, no Brasil, na violência interpes- e operacionais do governo central para os perifé-
soal em detrimento daquela autoinflingida e ricos; a econômica, relacionada aos conceitos de
da violência coletiva.1 O tipo interpessoal é “desregulamentação” e “privatização” e, princi-
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subdividido entre violência da família e dos palmente, ao estímulo à transferência, do setor


parceiros íntimos e violência comunitária (PI- público para o privado, de autoridade, funções
NHEIRO; ALMEIDA, 2003, p. 22), sendo e recursos; e, finalmente, a política, baseada na
ambos objetos dos estudos acadêmicos. No reforma dos processos decisórios do Estado,
Brasil, os principais crimes relacionados à vio- buscando sua democratização e a participação
lência interpessoal e, portanto, foco das políti- direta dos cidadãos no planejamento de políti-
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cas de segurança pública, são homicídios, rou- cas públicas (DIAS NETO, 2005 apud AZE-
bos e furtos, invasão de propriedade, violência VEDO; FAGUNDES, 2007, p. 8). É possível
doméstica, entre outros. dizer que a literatura se inclina para a primeira e
terceira abordagens. O segundo modelo de des-
Tendo definido o objeto das pesquisas no centralização trata da segurança privada, o que
campo da violência, é possível discutir o que também pode ser visto no Brasil como um fenô-
a literatura chama de uma abordagem preven- meno importante, mas inacessível para a maior
tiva do crime: basicamente, há uma oposição parte da população. Além disso, a literatura re-
à ideia de que segurança é responsabilidade visada vai em uma direção oposta, mostrando
exclusiva dos Estados e, então, das forças po- que a privatização da segurança pode produzir
liciais. Até o presente momento, não há alte- mais segregação e, então, violência.
rações na Constituição que embasem esse po-
sicionamento, ficando a cargo das reinterpre- Em resumo e de acordo com a classificação
tações do texto legal a possibilidade de novos apresentada, descentralização significa então um
arranjos institucionais.2 A prevenção é baseada processo decisório mais democrático, com en-
no entendimento das causas da criminalidade volvimento de todos os entes federativos e par-
e representa uma superação do paradigma de ticipação social na formulação de políticas, com
“segurança nacional”, sendo implementada a ressalva de que o modelo de gestão encontrado
por meio de políticas de segurança pública de na maioria dos municípios ainda não suporta
responsabilidade de toda estrutura federativa. tais arranjos que permitam investimento em se-
Nesse sentido, a literatura traz duas importan- gurança e participação da sociedade civil.
tes características da ideia de prevenção: des-
centralização da gestão das políticas; e interdis- A classificação de Dias Neto diz respeito à
ciplinaridade no tratamento da violência. forma dada ao processo de descentralização,
sendo possível, assim, ver uma aparente homo-
Segundo a classificação de Dias Neto geneidade entre a literatura. Fez-se necessária
(2005), o conceito de descentralização pode a classificação não da forma, mas sim dos mo-
ser entendido por três diferentes abordagens: a tivos, dos argumentos encontrados para que
administrativa, baseada na transferência de res- fossem produzidas transformações na estrutu-
ponsabilidades e de competências institucionais ra política da segurança, a fim de estabelecer

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a relação entre as diferentes motivações que • a abordagem política, que traz uma expli-
embasam a descentralização e a introdução de cação antitécnica, ou seja, por uma orienta-
um novo paradigma. Dessa forma, na litera- ção interessada: o aumento nas taxas de ho-

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tura revisada, foram encontrados argumentos micídio e do sentimento de insegurança da
classificáveis em três linhas distintas: sociedade teria forçado os políticos a fazerem
• a abordagem histórica, que leva ao en- algo relativo às maiores preocupações da po-
tendimento de que a descentralização é um pulação. Ainda, a mudança no envolvimento
processo natural e esperado. Até meados dos federal e municipal com a segurança pública
anos 1990, os gestores locais se utilizavam do estaria diretamente ligada à vontade dos elei-

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art. 144 da Constituição para argumentar tores, que supostamente não diferenciam as
que segurança era uma atribuição dos gover- responsabilidades de cada esfera governamen-
nos estaduais e, assim, manter a segurança tal (KAHN; ZANETIC, 2005, p. 4).
pública longe de suas agendas. Mas, durante
a década de 1990, a perspectiva descentraliza- Entendidos conforme as classificações pro-
dora teria surtido efeitos nas áreas da saúde, postas, os argumentos, apesar de não serem an-
educação e habitação, tendo sido introduzida tagônicos, demonstram que o campo está ain-
pelo novo texto constitucional, mas especial- da sendo construído e teorizado. O que pode
mente impulsionada pela obrigação, a partir ser visto em comum é o fato de que violência
de 1997, de implementar na administração e insegurança se tornaram um problema para
local organismos colegiados de representação a população e uma questão para ser tratada de
paritária entre Estado e setores da sociedade forma diferente se comparada ao modelo atual.
civil relacionados à diferentes políticas sociais Há um consenso, mas não uma razão domi-
(RIBEIRO; PATRÍCIO, 2008, p. 8). A segu- nante e aceita por todos.
rança pública teria sido influenciada por esse
processo, mesmo que tardiamente; Assim, uma transformação vertical na ges-
• a abordagem geográfica, que permite tão das políticas públicas é uma importante ca-
concluir que o processo é resultante de uma racterística do processo de construção do novo
exigência técnica: por ser o Brasil um país de paradigma em segurança. No âmbito horizon-
grandes proporções, uma visão centralizado- tal, o movimento é oposto à descentralização:
ra da segurança não é possível (RICARDO; pesquisas clamam para uma maior integração
CARUSO, 2007). Políticas formuladas em entre diferentes áreas de governo, isto é, para a
termos gerais e homogeneizantes não seriam integração entre governo e outras instituições,
eficientes: “justamente porque há uma diver- entre as pastas da educação, saúde, planeja-
sidade territorial, cultural e social brasileira mento urbano, assistência social e segurança,
inquestionável que ao longo dos últimos anos na produção de informação e conhecimento.
ganhou força no debate público a tese de que Dias Neto (2005, p. 85) define esse movimen-
o poder local pode e deve ser criativo para to dizendo que ações preventivas demandam
pensar soluções para sua própria realidade” “um esforço interdisciplinar de compreensão
(RIBEIRO; PATRÍCIO, 2008, p. 7); do homicídio enquanto fenômeno social as-

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sociado a desvios no processo de socialização, públicas baseadas no novo modelo paradig-
ao desemprego, à ausência de lazer, ao consu- mático emergem em um contexto de ampla
mo de bebidas alcoólicas, ao porte de arma, à discussão, em que participam diversos atores
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cultura da violência, entre outros diversos fa- atuantes no campo da segurança, conforme
tores”. Nessa direção, a integração das politicas mostrado a seguir.
sociais visando a prevenção da criminalidade
é possibilitada principalmente no âmbito das A Conferência Nacional de Segurança
politicas publicas urbanas, locais. Tem-se en- Pública: a articulação de um debate
tão um sentido comum nos dois caminhos A Conferência Nacional de Segurança Pú-
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apontados, a descentralização no sentido ver- blica – Conseg ocorreu em agosto de 2009,


tical e a integração política e administrativa no após 1.433 conferências preparatórias (muni-
âmbito horizontal. cipais, estaduais e informais), e congregou os
diversos atores envolvidos na área de segurança
Como consequência do tratamento inter- e representantes dos diversos entes federati-
disciplinar das ações preventivas da violência, vos. Após análise de dois produtos resultantes
é possível observar que há uma busca por uma dos debates promovidos pela mobilização da
eficiência simbólica na extensão do alcance das Conseg, foi possível estabelecer aproximações
políticas criminais, trazendo atribuições dos e diferenças entre o discurso acadêmico e o
municípios já previstas no sistema legal para produzido na esfera da Conferência, que con-
o âmbito da segurança pública. “A prevenção sideramos como campo político. Os produtos
criminal no âmbito local não constitui tarefa são o Texto Base, elaborado pelo Ministério
nova para os municípios [...] sempre foi imple- da Justiça com contribuições de entidades que
mentada. [...] Nova é simplesmente a visão de participaram das conferências preparatórias e
que a prevenção criminal não deve ser apenas da Comissão Organizadora Nacional da Pri-
um subproduto, mas deve ser uma tarefa trans- meira Conseg, e o Relatório Final da Conseg,
versal” (DIAS NETO, 2005, p. 134-136). Po- produzido por uma entidade independente
de-se afirmar que as pesquisas acadêmicas indi- contratada para fazer o monitoramento e a
cam a possibilidade de transformação do mo- avaliação do encontro. O primeiro tem como
delo político vigente primeiramente por meio objetivo contextualizar o tema para orientar as
de uma reestruturação das forças simbólicas discussões da Conferência, enquanto o segun-
do campo, nos termos utilizados por Bourdieu do contém os principais princípios e diretrizes
(1983), pela formação e consolidação de um votados durante a Conferência, resoluções que
novo discurso. Esse novo discurso, uma vez foram tidas como sendo a base das futuras po-
consolidado, passaria a ser incorporado pela líticas de segurança pública.
estrutura política a fim de fazer emergir novas
práticas. Isso pode ser aplicado não somente à O Texto Base traz para o debate preocupa-
interdisciplinaridade, mas também à demanda ções semelhantes àquelas presentes na literatu-
por uma responsabilidade descentralizada pela ra, mas há um foco muito maior na atuação do
segurança, uma vez que as principais políticas governo federal como indutor do processo em

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questão e da inserção dos municípios nas po- como educação, saúde, planejamento urbano,
líticas preventivas. O chamado “novo paradig- etc. Aquelas que tratam da descentralização
ma” seria promovido, em termos de políticas buscam criar ou reforçar instituições e práti-

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públicas, pelo programa federal Pronasci (Pro- cas institucionais, como conselhos municipais
grama Nacional de Segurança Pública com Ci- e federais, a regulamentação da atuação das
dadania), que, por meio de financiamento aos guardas municipais, e gabinetes de gestão in-
Estados e municípios, visa fortalecer os laços tegrada entre as diferentes esferas de governo.
federativos e comunitários (MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA, 2009, p. 21), com vistas à articula- Nesse sentido, a Conseg levou ao centro do

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ção de políticas de segurança com ações sociais, campo diferentes discursos que estavam presen-
priorizando a prevenção aliada a estratégias de tes de forma difusa na sociedade e na literatura
ordenamento social e segurança pública. Além produzida por pesquisadores da área. A Confe-
do Pronasci, o Susp – Sistema Único de Segu- rência permitiu a articulação de um debate que
rança Pública foi elaborado também pelo gover- já estava posto, seja no campo acadêmico, seja
no federal para disciplinar e organizar os órgãos por ações promovidas pelo governo federal na
responsáveis pela segurança pública por meio última década. De todo modo, é preciso ressal-
da coordenação da União. Os dois programas tar que as políticas governamentais que fomen-
tratam das dimensões de integração de áreas no tam a introdução do chamado novo paradigma
âmbito local e descentralização vertical descritas são políticas de governo e não de Estado e de-
acima, porém com forte enfoque no papel do pendem largamente da percepção por parte dos
governo federal como articulador e definidor gestores públicos e da sociedade civil de que não
das políticas de segurança. somente o Estado e as polícias são responsáveis
pela segurança pública para que possam aderir
Os princípios e diretrizes do Texto Base da aos programas. A Conseg teve então o papel de
Conseg estão alinhados com a literatura aca- aumentar o capital simbólico3 do paradigma de
dêmica, refletindo também a necessidade de segurança cidadã (diverso da “segurança nacio-
descentralizar a responsabilidade pelas políti- nal”), fazendo com que “verdades” produzidas
cas de combate ao crime e controle da violên- em campos diversos fossem articuladas. Mas há
cia e de promover a integração intersetorial de contradições e disputas que restaram latentes,
diferentes áreas de governo para promoção de tais como resoluções e princípios que reforçam
uma sociedade mais segura. As resoluções que a manutenção da previsão constitucional do
contêm o conceito de integração entre diferen- artigo 144 da CF – e então dos Estados como
tes pastas e entre governo e sociedade trazem responsáveis pela segurança pública –juntamen-
em si a ideia de que segurança deve ser enten- te com resoluções que preveem o protagonismo
dida como direito fundamental do cidadão de conselhos federais e programas de fomento à
e de que, uma vez entendida dessa maneira, municipalização e até a necessidade de “pautar-
passa a ser necessária a prevenção à violência -se no reconhecimento jurídico legal da impor-
e então de suas causas, o que remete à ideia tância do município como co-gestor” (VIA PÚ-
de integração e articulação das diversas áreas, BLICA, 2009, p. 80).

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De todo modo, é nítida a emergência de do modelo atual, mas compreendem que são
ideias que se contrapõem em seu conjunto à necessárias medidas pontuais como resposta
concepção repressivo-punitiva do tratamento às demandas de ordem e segurança. “Há uma
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da violência que teve respaldo até então pela ênfase nas grandes reformas legais, mas apenas
determinação constitucional de que a seguran- aquelas que poderiam reforçar a capacidade de
ça pública deve ser exercida pelos órgãos elen- atuação das instituições atuais. [...] A partici-
cados no art. 144, quais sejam, Polícia Federal, pação social é vista como algo positivo, mas
Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária sem grandes propostas de sua inclusão”. Os
Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e grupos integrantes da terceira corrente reco-
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Corpos de Bombeiros Militares. Não é possí- nhecem que inovações na gestão e melhorias
vel negar que há um consenso de que o modelo tecnológicas são essenciais, porém insuficientes
vigente deve ser aprimorado e complementa- sem a inclusão de novos atores na operação do
do, principalmente pela ideia de prevenção sistema de segurança pública. A participação
da violência (e os arranjos que essa concepção social é vista “como positiva e propostas nes-
supõe). Por outro lado, pode-se afirmar que a se sentido são apresentadas. [...] A valorização
delimitação entre a velha e a nova concepção profissional é vista como determinante para
de segurança pública não é ainda totalmente o sucesso de políticas mais eficientes e, mais,
clara. Há disputas tanto institucionais quanto para a incorporação dos preceitos de garantia
simbólicas que denotam fragilidades em um dos direitos humanos na cultura organizacio-
discurso aparentemente contínuo e delimita- nal das polícias” (LIMA, 2010, p. 13). Por
do, o discurso do novo paradigma. fim, a quarta corrente caracteriza-se pelo não
reconhecimento do modelo atual como eficaz
Isso pode ser demonstrado por meio da e pelas propostas de mudanças radicais, como
análise dos dados produzidos por Lima (2010), por exemplo, fim das Polícias Militares.
no contexto da Conferência Nacional, sobre a
adesão ao novo paradigma. A pesquisa apresen- Segundo o autor, “o novo paradigma con-
ta uma descrição das quatro correntes hipotéti- figura-se em torno dos grupos classificados na
cas de segurança pública, quatro “tipos ideais”. terceira corrente” (LIMA, 2010, p, 103). Mas
A primeira corrente trata de “grupos que acre- o que interessa para o presente trabalho é me-
ditam que o atual modelo de organização do nos a diferença entre os participantes e mais o
sistema de segurança pública do país é adequa- fato de que 70% dos que responderam à pes-
do [...] e que os problemas enfrentados dizem quisa, quando solicitados a se inserir em uma
respeito apenas à carência de recursos financei- das quatro correntes predefinidas, admitiram
ros e humanos para o seu bom desempenho. estar na terceira e quarta. Esse percentual de
Há, nesta corrente, uma marca muito forte nas 70% se transfigura quando os pesquisadores
polícias. A participação social é vista com cau- modificam a metodologia, pedindo aos par-
telas [...] [e] a valorização profissional é reduzi- ticipantes que dessem opiniões (de acordo ou
da a questões salariais”. A segunda corrente diz desacordo) sobre cinco diferentes tópicos pré-
respeito àqueles que também creem na eficácia -codificados e que eram relacionados às quatro

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correntes. Nesse caso, o resultado indicou que Outra entrevista foi realizada com José Vicente
48,3% pertenciam à terceira e quarta corren- da Silva, coronel da Polícia Militar do Estado de
tes. Ainda, 78,8% foram identificados com São Paulo, ex-secretário nacional de Políticas de

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uma só corrente, mas 21,2% pertenceriam a Segurança e ex-coordenador dos Conselhos de
mais de uma. Dos participantes, 12,5% foram Segurança Comunitária no Estado de São Pau-
identificados com a segunda e terceira corren- lo. A última entrevista foi realizada com Cris-
tes (LIMA, 2010, p. 105), o que demonstra tina Villanova, em 2010 coordenadora geral
que a definição entre as concepções não está de Ações Preventivas em Segurança Pública da
ainda totalmente clara. Isto é, os participan- Secretaria Nacional de Segurança Pública, que

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tes se identificam com o novo discurso, o que pertence ao Ministério da Justiça.
pode ser visto pela grande autoinserção no
grupo que mais se aproxima da nova compre- Os entrevistados acreditam ser fundamen-
ensão sobre segurança pública. Porém, quando tal a participação dos municípios atualmente
os participantes se identificam com práticas na área de segurança pública, porém, é muito
relacionadas à segurança e suas políticas, essa diverso o entendimento sobre a natureza des-
adesão muda e se dilui. Isso pode indicar que sa participação. Para Cristina Villanova, são
o discurso está sendo incorporado, porém, a essenciais o desenvolvimento de políticas de
tarefa de transformá-lo em novas práticas e de prevenção à violência e a integração entre dife-
consolidar novos arranjos político-institucio- rentes competências, ou áreas de governo e dos
nais ainda não está solidificada. O mesmo con- gestores locais com as lideranças comunitárias.
clui-se da investigação realizada com gestores Já João Sana enfatiza o papel de ente integra-
públicos a respeito de seu entendimento sobre dor, ou o fortalecimento da integração entre as
o chamado novo paradigma e da tradução de diversas esferas de governo, assim como Carlos
seus conceitos em práticas político-administra- Sant’Ana, que acredita ser o papel do muni-
tivas, conforme apresentado a seguir. cípio agir em conjunto com as polícias e arti-
culadamente com o governo federal por meio
Gestores públicos e o papel dos de programas como o Pronasci. Perrenoud diz
municípios na segurança pública que o município não deve somente prevenir,
Cinco entrevistas semiestruturadas foram mas principalmente atuar nas políticas repres-
realizadas no bojo da pesquisa que embasa sivas juntamente com as polícias estaduais,
esse artigo. Três entrevistados eram, em 2010, pois “hoje a polícia não faz mais segurança
secretários municipais de segurança: Carlos pública sem o apoio da fiscalização municipal,
Sant’Ana, secretário de Segurança em São Le- da guarda municipal na questão da repressão”.
opoldo, Rio Grande do Sul; Renato Perrenoud, Por fim, José Vicente traz um outro ponto de
secretário de Segurança de Santos, Estado de vista, ao afirmar que o município passa a ser
São Paulo; e João Sana, secretário de Segurança fundamental, mas atuando na recuperação de
em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, áreas degradadas, de ordenamento do espaço
e presidente do Conselho Nacional de Secretá- público, além de programas para a juventude
rios de Segurança Pública e Gestores Públicos. na esfera da prevenção.

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Outra questão importante e que foi revela- Esses são alguns dos pontos que permitem
da pelas resoluções da Conseg é a necessidade dizer que há certa incorporação de valores novos.
de regulamentação legal para uma definição Todos os entrevistados partilham conceitos, tais
Artigos

do papel dos municípios na segurança pública. como: necessidade de uma gestão descentraliza-
É ponto de comum acordo a necessidade de da da segurança que incorpore os diversos entes
regulação das atividades das guardas munici- federativos; integração entre áreas diversas, como
pais, que realizam tarefas totalmente diversas e planejamento urbano, políticas para juventude,
muitas vezes conflitantes com as atividades po- educação, ente outras; a ideia de prevenção;
liciais. A exceção vem de José Vicente, que re- necessidade de regulamentar a atividade das
Análise da introdução de um novo paradigma
em segurança pública no Brasil
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chaça qualquer necessidade de regulação legal guardas municipais, etc. Porém, a interpretação
na área da segurança. Mas alguns entrevistados desses conceitos está longe de ser homogênea e,
acreditam serem necessárias outras mudanças portanto, as práticas relativas a eles. A hipótese
legais, como, por exemplo, a superação do aqui formulada é a de que, no caso específico das
paradigma militarista que se manteve após a políticas em questão, o modelo político-jurídico
Constituição, isto é, uma nova legislação con- tradicional da segurança pública está sofrendo
cernente à atuação das forças policiais como alterações, mas, por enquanto, encontram seu li-
um todo (opinião de João Sana). mite no âmbito discursivo. Não se excluem aqui
as novas práticas e programas federais que indu-
Quanto aos fatores que alimentaram o pro- zem municípios a participarem da formulação e
cesso de participação dos municípios na segu- implementação de políticas de segurança, mas é
rança pública, foi possível apreender entendi- possível dizer que o entendimento delas ainda é
mentos diversos nas respostas obtidas. Altas muito heterogêneo e, muitas vezes, conectado ao
taxas criminais e a consequente preocupação chamado velho paradigma.
da população para com a questão, segundo
Sant’Ana, constituíram fator determinante Análise: continuidades e
para que os municípios passassem a introduzir descontinuidades do chamado “novo
a segurança em suas agendas. Já José Vicente paradigma”
acredita que a polícia passou a perceber que o Tendo observado que avanços existem, mas
problema do crime não é só o criminoso e sua que talvez o campo não seja dotado de força sim-
vítima, sendo também decisivo o local em que bólica suficiente para ser incorporado pelas diver-
ele ocorre. Por isso a polícia deve atentar para sas instituições a ele pertencentes e que transfor-
as especificidades locais em suas atividades, e mam o discurso em práticas concretas, foi preciso
essa demanda teria levado o município a parti- identificar quais elementos do modelo tido como
cipar mais ativamente nas questões de seguran- “paradigma a ser superado” ainda vigem, ou mes-
ça pública. Outra abordagem é a de Cristina, mo resistem através da ressignificação.
que acredita que o tamanho do país e a quan-
tidade de tarefas do Estado proporcionaram a Nesse sentido, um primeiro ponto a ser
abertura de um espaço de atuação preventiva considerado é o de que, apesar de a insurgên-
por parte dos governos locais. cia de uma nova visão de segurança pública in-

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fluenciar o discurso corrente entre gestores pú- reduzido a uma política de aumento de renda
blicos, há espaço para que velhas práticas sejam para os agentes de segurança”. Outro estudo,
implementadas sob conceitos do novo para- Pronasci em Perspectiva, realizado pela FGV em

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digma na implementação de politicas públicas. 2008, revela que, entre os projetos apresentados
José Vicente e Renato Perrenoud, por exemplo, ao Pronasci pelos Estados e municípios naquele
tratam da importância da municipalização e ano, 48,13% não tinham vínculos com as ações
prevenção, mas com enfoque na ação policial do Programa, 21,44% versavam sobre ações
como reflexo de problemas locais, ou na prepa- de segurança defensiva,4 0,94% sobre ações de
ração da guarda municipal para agir como força segurança repressiva,5 e 29,5% dos projetos se-

Análise da introdução de um novo paradigma


em segurança pública no Brasil
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policial assim que a lei permitir (comentário de riam para ações de cunho preventivo.6 Ou seja,
Perrenoud). Os termos do debate são os mes- menos de um terço dos projetos tratava de ações
mos utilizados pelos outros gestores, ainda que de prevenção, que contemplam ações sociais
esses estejam tratando os referidos conceitos executadas primordialmente pelos municípios.
como elementos que contrariam a tendência Note-se também que quase a metade dos pro-
de monopólio do governo do Estado sobre a jetos não tinha relação com a proposta do pro-
segurança e de reforço do enfoque na atuação jeto, o que é indício de que não está claro para
policial. Assim, além de podermos observar di- os gestores como transformar o novo discurso/
ferentes práticas baseadas em um discurso co- paradigma em ações práticas.
mum, é possível dizer que, em muitos casos, o
chamado novo paradigma serve de abrigo para Um segundo aspecto a ser ressaltado e que
o reforço do trabalho policial, seja por meio das facilita a preservação do “velho paradigma” é o
guardas municipais (que surgem juntamen- fato de que o gestor necessita ter “vontade po-
te com a ideia de uma maior participação do lítica” (que emerge por diferentes razões) para
município), seja pelo uso de termos como “pre- programar ações no nível local. A maioria dos
venção” no sentido de consolidar um trabalho entrevistados aponta para essa questão, João
policial mais efetivo. Não se avalia aqui a ne- Sana sublinha que “o gestor que quiser contri-
cessidade do trabalho policial, mas sim a ideia buir com a segurança em seu município pode-
de que conceitos cunhados no âmbito do novo rá fazê-lo”. Perrenoud expressa a mesma ideia
modelo servem, muitas vezes, para fortalecer ao dizer que “hoje você depende de um pre-
aspectos centrais do modelo a ser superado. feito que tenha sensibilidade para a questão e
uma fatia de orçamento municipal para estru-
Essa primeira conclusão pode ser aferida na turar uma segurança municipal”. E acrescenta
prática por meio da análise dos impactos do ainda: “a gente fica dependendo do entendi-
Pronasci – Programa Nacional de Segurança mento do prefeito para estruturar essa área e
Pública com Cidadania. O estudo Segurança desenvolver essa área. Se ele não quiser, não é
Pública e Cidadania: uma análise orçamentária obrigado”. Cristina Villanova trata da mesma
do Pronasci revela, como uma de suas conclu- questão, dizendo que “é imprescindível que a
sões, que “as exceções de boa execução confir- administração municipal esteja sensibilizada
mam que o Programa, até o momento, está para também aportar recursos na segurança”.

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Nesse sentido, prefeitos podem até ser induzi- cesso, tem-se a dependência do entendimento
dos a trabalhar questões de segurança por meio dos gestores públicos em como transformar o
da possibilidade de repasse de fundos, mas a novo discurso em práticas políticas correlatas,
Artigos

subjetividade do gestor é fator relevante, além conforme dito anteriormente.


da percepção da população sobre o tema. Isso
constitui um desafio à implantação do novo Além dessa inversão apontada, outra im-
modelo, preventivo e descentralizado, no sen- portante característica desse processo merece
tido de uma implementação maciça que possa atenção: a introdução do conceito de pre-
interferir no modelo dominante. A vontade venção por meio da integração entre políticas
Análise da introdução de um novo paradigma
em segurança pública no Brasil
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política do gestor, quando encontrada, depen- sociais no âmbito local. De acordo com Dias
de da absorção do novo discurso, uma vez que Neto (2005, p. 89), os discursos sobre confli-
questões partidárias e a dimensão interpreta- tos sociais continuam convertidos em discur-
tiva da letra da lei fazem a implementação do sos sobre a criminalidade. “A prevenção crimi-
novo paradigma dependente de sua força sim- nal deixa de ser finalidade específica da justiça
bólica e do poder de produzir verdades aceitas criminal para converter-se em finalidade trans-
fora do campo onde foram produzidas (a aca- versal de outros sistemas estatais e sociais, nu-
demia, por exemplo). blando as diferenças entre o espaço da pena e o
espaço da política, entre as políticas criminais
Essa fragilidade apontada está relacionada e as políticas sociais” (DIAS NETO, 2005, p.
à inversão que se deu na produção do novo 100). Isto é, a ideia de prevenção não necessa-
modelo de segurança: o campo político é, ge- riamente agrega novas dimensões ao tratamen-
ralmente, o campo da legitimação das verdades to do crime, mas sim amplia a esfera criminal
jurídicas. No caso apresentado, a visão jurídi- para áreas de cunho mais social.
ca, entendida como a interpretação recorren-
te do texto constitucional, foi deslegitimada, Podemos estabelecer um paralelo entre
enquanto a produção de novas verdades se essa percepção do fenômeno e o conceito de
deu mais fortemente nos campos político e “correctional continuum” cunhado por Stanley
acadêmico. A literatura revisada demonstrou Cohen (1994, p. 344). O autor afirma, a res-
que a legislação infraconstitucional e progra- peito do tratamento comunitário do desvio e
mas políticos eram suficientes para embasar a do crime, que as distinções entre dentro/fora
participação da administração local em políti- da prisão, inocente/culpado, preso/liberto
cas de segurança e a Conferência Nacional, en- passam a ser muito tênues, a não ter limites
tendida como arena política, resultou na legi- definidos. O autor não nega os aspectos po-
timação dos discursos produzidos como nova sitivos do tratamento comunitário da questão
diretriz na área da segurança. Sendo assim, não da violência, mas alerta para a dificuldade de
foram verdades jurídicas, mas sua deslegitima- delinear onde começa e onde termina a linha
ção, que ensejaram o fortalecimento dos con- entre a criminalidade e a comunidade, o que
ceitos cunhados no âmbito do chamado novo pode, contraditoriamente, acabar por expan-
paradigma.7 Como consequência desse pro- dir o alcance de atuação das forças de segu-

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rança pública. O mesmo pode ser dito sobre de Segurança Pública produzem modificações
as distinções cunhadas pelo novo paradigma na responsabilização pelo controle criminal,
e que representam a divisão entre o “velho” e modificações essas diferentes da responsabili-

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o “novo”: repressão/prevenção; integração/he- dade atribuída a órgãos especificados no art.
gemonia de políticas criminais; centralização/ 144 da CF/88, que é taxativo em seu rol de
descentralização. Essa última distinção se faz instituições responsáveis pela segurança. Nes-
presente quando da análise do papel do gover- se sentido, novas e variadas práticas aparecem
no federal na consolidação do novo discurso sem um “lastro” normativo preciso, já que,
durante a Conseg e do papel a ele atribuído como observado, cada gestor interpreta os ter-

Análise da introdução de um novo paradigma


em segurança pública no Brasil
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pelas resoluções da Conferência, qual seja, o de mos do novo discurso de uma forma diferente,
indutor de políticas municipais. gerando tecnologias para sua aplicação tam-
bém diferentes, e até contraditórias. Em outra
Nesse sentido, pode-se concluir que há um direção, os debates que foram desenvolvidos
continuum conectando o velho e o novo. A ideia na Conferência Nacional e então o fato de que
de paradigma pressupõe rompimento, supera- segurança pública passa a ser aberta ao deba-
ção, e o que pode ser observado é um modelo te permitem um acompanhamento maior de
que começa a expandir os meios de controle sua implementação, maior accountability. Mas,
da violência, mas que mantém continuidades por outro lado, o controle da criminalidade
e contradições. Por exemplo, a descentraliza- pela comunidade pode reduzir a transparên-
ção, que é a principal característica do processo cia e dificultar a chamada accountability. Essas
analisado, tem como consequência prática mais contradições parecem inerentes ao processo e
acessibilidade à participação social − que se dá reforçam a ideia citada de um continuum entre
principalmente por meio dos conselhos muni- o modelo vigente e o proposto.
cipais − e dos gestores públicos, que estão sendo
fortalecidos nesse processo. Não se pode negar A conclusão deste trabalho não é então a
esse avanço em termos de implementação do negação de mudanças existentes, seja nas po-
novo paradigma. Por outro lado, é possível que líticas de segurança pública, seja no modelo
o controle, pela sociedade, das políticas públicas político que sustenta a implementação des-
possa ficar comprometido, bem como a respon- sas políticas. O que se pode concluir é que a
sabilização das instâncias de controle criminal, superação do modelo vigente tem limitações
uma vez que a dispersão das responsabilidades e contradições, que se devem ao processo de
não segue um padrão legal. formação do discurso do novo. E mais, que
a ideia de um novo paradigma está ainda em
Os convênios celebrados no âmbito no processo de construção, principalmente cons-
Pronasci e financiados pelo Fundo Nacional trução discursiva.

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1. Tipologia elaborada pela OMS em 1996 (PINHEIRO; ALMEIDA, 2003, p. 22).

2. Já existem iniciativas para alteração e regulamentação do art. 144 da CF/88, em especial os parágrafos 7º e 8º. Em maio de 2012
foi aprovado pela Comissão de Segurança Pública e Crime Organizado da Câmara dos Deputados o Substitutivo ao PL 1332/2003,
que dispõe sobre a atuação das Guardas Municipais. As iniciativas para alteração concreta da Constituição Federal são voltadas
Artigos

principalmente para reformas institucionais das forças policiais.

3. Diz Bourdieu (1989, p. 183) que “a simples ‘corrente de idéias’ não se torna num movimento político senão quando as idéias
propostas são reconhecidas no exterior do círculo dos profissionais”.

4. De acordo com a classificação do estudo, projetos de segurança defensiva seriam voltados para a implantação de ações voltadas
para o policiamento comunitário, capacitação dos profissionais de segurança, valorização profissional e incremento dos processos
de gestão.

5. Ações típicas de policiamento ostensivo.

6. Projetos voltados para ações sociais e relacionados aos diversos atores públicos envolvidos nessas políticas.

7. Esse processo não é exclusivo da construção do campo da segurança no Brasil: A ideia de dano, cunhada pela criminologia crítica
inglesa para substituir a noção individualizante de crime, que em tese permite responsabilizar quem ou o que estaria envolvido
Análise da introdução de um novo paradigma
em segurança pública no Brasil
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em uma situação de dano social de forma mais abrangente, aponta que o compromisso em um foco em danos sociais tem
como consequência o fato de as atividades políticas e intelectuais não privilegiarem o campo jurídico como arena de disputas
e atividades e poderem lidar com a ideia de dano sem fazer referências ao direito e a lei (HILLYARD; TOMBS, 2005). O conceito
de dano pode ser visto como semelhante ao processo de tratamento da violência por meio de políticas públicas urbanas, da
integração entre diversos campos como o social e o penal.

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Análise da introdução de um novo paradigma
em segurança pública no Brasil
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Resumen Abstract
Análisis de la introducción de un nuevo paradigma en Analysis of the introduction of a new paradigm in
Análise da introdução de um novo paradigma
em segurança pública no Brasil
Mariana Kiefer Kruchin

seguridad pública en Brasil public safety in Brazil


Este artículo pretende analizar el proceso de construcción This article seeks to analyze the process of building a so-
del llamado “nuevo paradigma” en seguridad pública called ‘new paradigm’ in public safety, and the meaning
y el significado de la municipalización de las políticas of increased municipal accountability for safety policies in
de seguridad en términos sociojurídicos. Hay cambios socio-legal terms. Changes in discourse have, in practice,
discursivos que han alterado en la práctica los términos del altered the terms of debate in the field, but we should ask
debate en este campo, pero se hace necesario cuestionar whether changes at the level of discourse rather than in
si las transformaciones en el plano discursivo, más que the normative system are sufficient to change the prevalent
en el sistema normativo, son suficientes para alterar el political model. Furthermore, are these ongoing changes
modelo político vigente. Asimismo, se cuestiona si las producing the expected results—that is to say, changing the
transformaciones en curso producen el resultado esperado, prevalent model of public safety?
esto es, si alteran el modelo vigente de la seguridad pública.

Keywords: Public safety policies; Municipalization;


Palabras clave: Políticas de seguridad pública;
Decentralization; Prevention of violence.
Municipalización; Descentralización; Prevención de la
violencia.

Data de recebimento: 29/10/2012


Data de aprovação: 15/01/2013

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