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Assim, Carlos Drummond de Andrade, traduziu o título da canção de John Lennon e Paul
MacCartney - Happiness is a warm gun. Com essa música, os Beatles introduzem na
cultura de massa contemporânea uma das definições mais singulares sobre a felicidade.
Segundo os biógrafos, esse título é uma citação a uma capa da revista da Associação
Nacional de Rifles americana que Lennon utiliza em sua política de paródia.
Penso ser uma frase-enigma, que por sua força e nonsense oferece bons subsídios para
explorar o tema da felicidade na contemporaneidade. De fato, a partir dessa referência à
máquina de morte muitas são as perspectivas que se abrem, desde uma exploração
sobre o fascínio posto nestes objetos, até às supostas alusões feitas por Lennon à
felicidade encontrada nas seringas de heroína.
Contudo, utilizo essa citação para fazer a hipótese segundo a qual, o título da canção é
signo do descentramento sofrido pela noção de felicidade na contemporaneidade, onde
deixou de ser tributária exclusiva dos ideais (terrenos ou supra-terrenos) para se
estabelecer prioritariamente, a partir da referência à experiência corporal. Se levarmos
aos termos a felicidade dos Beatles, vemos que a felicidade é definida desde uma
menção a um objeto e ao que este causa no corpo. A felicidade da arma quente é signo
do furo do grande Outro.
A simples compra de uma calça jeans conduz a uma série de desdobramentos: justa,
reta, larga, descontraída, com stretch ou sem stretch, e assim por diante. Tornou-se
comum crer que a demanda excessiva a escolhas constantes sobre qualquer atividade de
consumo, gera um alto nível de ansiedade e frustração. Com tal argumento, percebe-se
que numa época onde o Outro não oferece garantias como em outros tempos, a liberdade
passa a ser um fardo. Quem já se viu obrigado a escolher previamente o assento na
compra do ingresso de cinema sabe o que estou falando, especialmente se a sessão
estiver vazia.
Ressalto este ponto, pois esta liberdade parece existir apenas em função do que está
previamente posto pelo mercado. Esta é uma concepção de liberdade parasitária ao
próprio modelo de consumo. Se como alguns autores sustenta-se que talvez fôssemos
mais felizes com menos escolhas a todo tempo, a liberdade estará sempre em função do
objeto, e não do sujeito em sua particularidade (e se eu quiser pedir um prato que não
está no menu?). Pôr em cena o particular é a ferramenta da psicanálise e o que permite
considerar o uso do Sinthome como via para um exercício da liberdade no plano da
invenção do objeto. “Eu não procuro, acho”, diria Picasso.
Para alguns essa ordem do consumo hedonista atesta um caráter desagregador dos
laços sociais, da perda dos ideais elevados, como se o indivíduo contemporâneo apenas
estivesse condicionado ao império dos sentidos dos objetos de consumo e com isso,
sujeito a uma foraclusão da castração. Conclui-se apressadamente, que o declínio da
autoridade paterna conjuga-se com uma era do gozo sem limites – perspectiva, ao meu
ver, marcada por um forte traço imaginário.
Um exame mais detalhado da trama contemporânea sobre a felicidade associada ao
consumo indica que apesar das extrações de gozos subjetivos dos objetos serem um
índice relevante, existe também, uma série de fortes elementos não regidos pelo princípio
hedonista, dentre eles: a preocupação corrente sobre a educação e aperfeiçoamento, a
preparação precoce em como sustentar o futuro, a aposta em modos de consumo menos
contraproducentes á saúde e à natureza, o incentivo constante ao pensamento crítico e
criativo, os tão famosos comitês de ética. Estes são exemplos de como o regime
hedonista não é suficiente para sustentar a idéia de um homem desbussolado.