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DA CAMISETA AO MUSEU
O ENSINO DAS ARTES NA DEMOCRATIZAÇÃO DA CULTURA
atormenta.”
Élie Faure
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO VI
PREFÁCIO VIII
país.
Assumindo corajosa e apaixonadamente esse compromisso, desde 1990 e
mesmo tempo, Maura, Sylvia, Vanildo e Yara encaminham sugestões para pensá-las e
livro, frutos de seus estudos, mostra o saudável desejo de compartilhar suas reflexões e
propostas com outros grupos que, em nosso país estudam a Educação Escolar em Arte.
Eis o instigante convite que nos fazem esses educadores aguardando nossas
Fazer arte neste país é difícil. Escrever sobre arte é talvez ainda mais difícil.
pudessem orientar a prática na escola. O fato de ser formado por professores das
Yara Rosas R. Peregrino, Maura Penna e Vanildo Marinho, este último afastado para
compõem a Parte II: “Percursos Históricos e Diretrizes para o Ensino das Artes”, desta
coletânea.
básicas. Aqui publicados pela primeira vez, foram, no entanto, apresentados e discutidos
em encontros da área.
pedagógicas para a concretização das diretrizes traçadas. Passamos então a uma análise
especialmente para esta coletânea os textos da Parte IV: “Pensando a prática nas áreas
específicas”.
Finalmente, a última parte: “A formação do professor” revela nossa
compartilhadas. A recorrência com que alguns aspectos são, às vezes, retomados deve-
se ao fato dos textos terem sido estruturados para que pudessem ter autonomia e unidade
próprias.
estudos.
rap à sala de concerto, da novela da TV ao teatro. Afinal, todas estas são produções
humanidade.
Coordenadora
Parte I
ARTE, EDUCAÇÃO
E COMPROMISSO SOCIAL
1
O PAPEL DA ARTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA*
Maura Penna
a dar atenção à produção plástica infantil.1 Na esteira deste movimento, as diretrizes que mais
se afirmaram entre nós para a arte-educação, difundidas a partir da Escolinha de Arte do
expressão e a criatividade.
A nosso ver, o objetivo central e último da educação escolar é dar acesso ao saber,
entendendo-se cultura como a produção coletiva de uma sociedade, ou mais ainda, como
sendo o seu alto grau de exclusão. Isto também é de conhecimento público, sendo evidenciado
*
Trabalho apresentado no III Encontro das Universidades do Nordeste sobre Educação Básica. João
Pessoa, 4 de setembro de 1992.
1
A este respeito, ver Percursos da Educação Artística: um balanço das diversas abordagens, de Sylvia R.
Coutinho, nesta coletânea.
13
especialmente nas primeiras séries, é suficiente para comprová-lo (cf. MEC,1979: 13-17).
Mas o que é isso e como realizar este projeto? Para responder a estas questões, é necessário
Essa compreensão só é possível se o outro entende o “código”, se ele domina – na maior parte
das vezes de modo inconsciente – os princípios de organização da mensagem. Mensagem que
se concretiza seja através do uso de formas e cores, nas artes plásticas, seja através de sons, na
princípios, e não aleatoriamente. Neste sentido, dizemos que a arte é uma linguagem, ou
melhor, as diversas formas de arte são linguagens. Se a arte, enquanto um fenômeno humano e
cultural, é universal, pois que presente em todos os tempos e em todos os grupos sociais, ela
Exemplifico: entre os sons possíveis de serem produzidos e captados pelo ouvido humano,
entre todos os sons da natureza, cada povo selecionou, numa determinada época, aqueles que
seriam o seu material musical e o modo de articular e organizar estes sons. Assim é que, para
sociedade – como a nossa, a brasileira –, de grupo para grupo, pois podemos pensar na cultura
e na arte eruditas e nas diversas formas de arte e cultura populares, com sua imensa variedade.
artística, não nos referimos a uma forma de apreensão e significação da mesma espécie que a
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da linguagem verbal cotidiana – essa de que fazemos uso, no momento. A linguagem verbal é
conceitual, atingindo um alto grau de automatismo. A linguagem artística, por sua vez, tem
características próprias, entre elas a de permitir uma leitura muito mais aberta, uma
Mas o fato é que ninguém gosta, se interessa ou procura por algo que não
consegue compreender. Quantos de nós, por exemplo, escolheriam, como programa de fim-
de-semana, assistir a um filme japonês sem legendas (um drama psicológico), mesmo que de
do povo brasileiro mantém das formas de arte, principalmente daquelas ditas eruditas, é
gerada pela falta de referenciais adequados, que permitam apreender as linguagem artísticas
algo assim; deve-se, sim, a certas formas de perceber, de pensar e mesmo de sentir que
percepção disponíveis, que por sua vez dependem da familiarização, podem parecer muito
difíceis ou confusas, mas na verdade dizem respeito a processos que atuam em tudo na vida.
Vou dar um exemplo bem terra-a-terra: o futebol. Como este esporte faz parte de nossa
cultura, e portanto de nossa vivência, aprendemos a compreender o seu “código”, sem que
ninguém nos dê uma aula a respeito. Assim, somos capazes de admirar um belo drible, ou de
xingar o juiz quando ele deixa de marcar um impedimento. A movimentação dos jogadores
faz sentido e pode ser apreciada em termos até mesmo de sua beleza, porque estamos
2
Para um aprofundamento desta questão, ver nosso artigo Diretrizes para uma Educação Artística
Democratizante: a ênfase na linguagem e nos conteúdos, nesta coletânea.
15
não é verdade, para a maioria dos brasileiros, com relação ao beisebol, que não faz parte de
nossa vivência cultural: este jogo, para nós, não consegue ter o mesmo grau de significação.
vive, uma vez que depende das possibilidades de contato com as obras artísticas. Este contato
familiarização com as linguagens artísticas são distintas conforme o meio em que se vive. Não
é uma questão vital, e uma criança de camadas mais elevadas do meio urbano. Podemos dizer,
acesso à arte. Mas a escola só pode de fato promover esta democratização se (e apenas se) ela
um trabalho que tanto permita o contato com diversificadas manifestações artísticas quanto
encare o difícil desafio de buscar formas alternativas para, no curto espaço da situação escolar,
desenvolver em todos a familiarização com a arte, que alguns devem a uma vida inteira em
É claro que a realização destas metas aqui expostas não é uma tarefa fácil,
envolvendo inclusive questões metodológicas que não cabe discutir agora. No entanto, vale
salientar que esse tipo de trabalho se diferencia radicalmente das propostas pedagógicas que se
apenas, a liberação de emoções – como muitas vezes acontece no campo das artes cênicas. O
trabalho que propomos se diferencia, ainda, das tradicionais aulas de teoria da música ou da
16
mera transmissão de definições dos elementos visuais, pois não se trata apenas de ensinar a
concreticidade: concreticidade sonora, no caso da música; visual, no caso das artes plásticas, e
escola, insistindo na sua obrigatoriedade em todos os níveis da educação básica, seja com o
nome de Educação Artística ou com qualquer outro nome. Está claro que, em qualquer destes
casos, é necessário resgatar a especificidade de cada linguagem artística, com seus conteúdos
próprios, pois estes conteúdos de linguagem são fundamentais na concepção que
apresentamos.
mesmo professor, em todas as áreas artísticas –, que é proposta pelos diversos termos
normativos para a Educação Artística. Embora não seja possível discutir, nos limites deste
tanto para a formação do professor quanto para a prática pedagógica, contribuindo para o
corporativismo, como muitas vezes foi acusado o movimento dos arte-educadores, por insistir
caminhos para a votação da nova LDB estão tão tortuosos, são tantos os impasses e os
interesses em jogo que – ainda mais no atual momento político – torna-se difícil qualquer
previsão com relação a quando e com que conteúdos ela será finalmente aprovada.3
Defendemos a arte na educação básica, portanto, por acreditar ser ela, por
excelência, o espaço escolar para uma ação efetiva no sentido de ampliar o universo artístico-
3
Para uma visão de algumas das discussões e problemas que têm cercado o processo de elaboração da
nova LDB, ver Penna (1991) e Oliveira (1991).
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democratização no acesso à arte e à cultura. Com este papel, defendemos a arte como
matéria na educação básica, com espaço próprio na grade curricular e na carga horária, e
apresenta problemas e que, de modo geral, podemos dizer que está longe de realizar o papel
por nós aqui traçado. No entanto, estes problemas não são motivos suficientes para que se
desista das potencialidades que o ensino da arte apresenta para a inserção mais ampla, plena
qualquer área de conhecimento. Também estamos longe de alfabetizar todas as crianças deste
pedagógicas e metodológicas. Pois é preciso, antes de mais nada, não fugir do desafio de
construir, neste país, as condições e os meios para uma real democratização no acesso ao
cidade. A formação do Estado moderno estabeleceu um caráter mais amplo ao termo, que
engloba desde o direito a um mínimo de bem estar econômico e segurança até a plena
participação na herança social como ser civilizado, de acordo com os padrões da sociedade. E
na base deste aspecto social da cidadania está, entre outros, o sistema educacional.
cidadania não se dá de imediato ou através de ato cartorial, mas somente por meio de um
processo contínuo e cotidiano, pois a “igualdade de oportunidades” requer uma contínua
poder. Sabemos que, em nossa sociedade, marcada pela distribuição desigual tanto de bens
materiais como simbólicos, dificultar o acesso ao saber e às diversas formas de conhecimento
*
Trabalho apresentado no Seminário Internacional Interdisciplinar “As Transformações do Conhecimento
na Virada do Século”. Universidade Federal de Santa Maria - RS, julho de 1993.
19
Sendo assim, democratizar o acesso aos bens coletiva e socialmente produzidos é primordial
níveis básicos, pela garantia das condições mínimas de sobrevivência para a maioria da
população, nem por isto devemos negligenciar a questão do acesso aos bens culturais e
artísticos. Afinal, a arte, inclusive em suas formas mais elaboradas (ditas eruditas), é uma
produção coletiva, que no entanto tem sido historicamente restrita às elites, uma vez que,
vivência (cf. Bourdieu e Darbel, 1985). São essas elites que acabam tendo maior facilidade no
obras de arte. Mais uma vez as desigualdades sociais geram posturas diferenciadas e
sociedades. Afinal, é a escola que em grande parte cria a necessidade cultural, ao mesmo
tempo em que fornece os meios para satisfazê-la. É necessário, portanto, refletir sobre as
forma de conquista da cidadania plena, pois “a condição para que a escola sirva aos interesses
populares é garantir a todos um bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares
da humanidade e sua importância como forma de expressão e comunicação. Mas, para que a
comunicação se efetive, é necessário que a mensagem seja apreendida, isto é, que o outro seja
Assim, podemos dizer que o gosto e o interesse pela arte dependem da capacidade
de compreensão, que por sua vez é fruto da vivência, familiarização e contato com as obras de
arte. Dessa forma, o acesso restrito às formas de arte mais elaboradas, fato comum em nossa
apropriados à compreensão e apreciação da arte. A posse desses esquemas gera o que Porcher
Sabemos que...
mais marcante. Percebe-se que a cultura de massa e a indústria voltam-se frequentemente para
a busca de padrões estéticos, antecipados pelas vanguardas artísticas, como forma de
Nenhuma sociedade esteve tão saturada por imagens e signos visuais como a
nossa. As mensagens visuais constantemente presentes na vida das cidades tornaram-se uma
cultura do consumo, que pode ser considerada uma cultura da comunicação visual por
fundamentar-se na produção e reprodução de sinais (cf. Canevacci, 1990). Uma das fontes
alimentadoras desse processo de reprodução seriam os signos visuais criados pela arte.
Se por um lado estas ”presenças” da arte podem ser entendidas como uma diluição
ou mesmo banalização da arte, por outro, acreditamos que o processo histórico que as gera
não pode ser negado e é irreversível. A nosso ver, não cabe nem supervalorizar estas
manifestações, nem lamentar a perda da “aura” da obra única, sob o risco de reforçar uma
postura elitista no acesso à arte (cf. Benjamin, 1983). Consideramos que a incorporação desses
signos, não significa apenas uma simples absorção da arte pela indústria cultural, pois
nível de exigência mais apurado. Além disso, pesquisas mostram que o apelo visual presente
em nosso cotidiano pode ser o responsável por grande parte de nosso aprendizado informal:
modo o clima do “flaneur” do século XIX de Benjamin. De fato, a absorção em larga escala
de padrões artísticos e estéticos opera uma transformação no sentido de que, agora, mesmo as
pessoas que não freqüentam os tradicionais espaços da arte (como museus, teatros e salas de
concerto) têm algum contato com ela, seja através de estamparias, posters, objetos1, seja
1
Neste sentido, apontamos a tendência atual de utilizar produções artísticas em embalagens de produtos,
como por exemplo algumas marcas de sabonetes, vinhos, colônias, etc. (Giudice, 1994).
22
através da indústria cultural. É necessário que se estabeleçam canais entre a escola, os meios
Assim sendo, acreditamos que qualquer forma de atuação pedagógica não pode
visuais com que as pessoas têm contato cotidianamente, sob o risco de exercer uma prática
desvinculada da realidade. Afinal, por que não tirar proveito desse poder de nos atingir por
nunca é importante definir como iremos atuar, pois a conquista desse espaço, não é, por si só,
cotidiano, pois, como mostram Bourdieu e Darbel (1985), todos os bens culturais podem ser
de arte mais elaboradas, uma vez que sua efetiva apreensão requer o domínio prévio dos
PERCURSOS HISTÓRICOS E
DIRETRIZES PARA O ENSINO DAS
ARTES
3
ESCOLA NOVA/EDUCAÇÃO ARTÍSTICA:
NOVOS RUMOS PARA A EDUCAÇÃO?*
escolarização era colocada como uma das condições para a consolidação da democracia.
Francesa (cf. Saviani, l989a), assentado sobre ideais humanistas de igualdade, sobre os
pelas gerações anteriores, sistematizados de forma lógica, difundidos pelo professor, agente
social, eram repassados num ambiente onde a autoridade do professor garantia a disciplina e a
atenção. Aos alunos cabia assimilar o acervo cultural que lhes era transmitido.
Esta escola, concebida como único instrumento capaz de elevar todos os homens à
equalização social. A burguesia, que inicialmente levantara a bandeira na luta pelo princípio
da educação como direito de todos e dever do Estado, uma vez elevada ao status de classe
dominante, já tinha outras idéias em mente: não mais se interessava pelo acesso de todos à
educação.
*
Versão ampliada e revista do texto originalmente publicado no Caderno de Textos do CCHLA, no 32.
25
formação de uma nova teoria da educação, cujos princípios viessem a consolidar o poder da
descoberta de que “os homens são essencialmente diferentes”, a nova pedagogia advogava um
espontaneidade.
A escola nova, portanto, voltava-se para o aluno e tinha como objetivo não mais a
reformulação na organização dos sistemas escolares que, agora, deveriam ser concebidos com
bibliotecas, materiais sofisticados e salas para atendimento a pequenos grupos de alunos, onde
a relação interpessoal e a ênfase nos interesses individuais pudessem ser mantidas. Essas
condições só puderam ser atendidas em algumas escolas isoladas e destinadas a grupos
não puderam aplicar a nova proposta nas escolas da rede oficial, não só pela ausência de
condições físicas, mas também pelo excessivo número de alunos. Tudo isso, aliado à rejeição
Dentro desse contexto, como situar a questão específica do ensino de arte? De que
A escola nova, por sua vez, trouxe para o ensino de arte a ênfase na percepção,
Portanto, duas idéias caminhavam lado a lado com os princípios da escola nova.
Primeiro, a idéia de que a finalidade da educação artística não é apenas criar o gosto pela arte
1982: 25)
oportunidade de criar, de expressar, sem nenhum tipo de interferência por parte do professor,
como se a criatividade não pudesse, não devesse ser educada. Não se cuidava de orientar essa
criatividade, de reelaborá-la, tal como se trabalhava outras aptidões, no sentido de que dela
trabalho pedagógico. O próprio conceito de arte dava margem a diversas interpretações que
têm a ver com lazer, processo intuitivo, dom, liberação de emoções, comunicação. A pretexto
cultural enfim, foi sendo esquecida. Criava-se assim uma distância cada vez maior entre a
prática e o saber.
27
fazê-lo ver a necessidade da técnica enquanto recurso a serviço da expressão. Esqueceram que
a educação artística...
referenciais capazes de “situar” o indivíduo, tudo não passaria de confusão e nada teria
“Mas o que será mais democrático: excluir toda forma de direção, deixar
tudo à livre expressão, criar um clima amigável para alimentar boas
relações, ou garantir aos alunos a aquisição de conteúdos, análise de
modelos sociais que vão lhe fornecer instrumentos para lutar por seus
direitos?” (Libâneo, l990: 43)
forma, expressão. A formação de esquemas de percepção deve se dar a partir das experiências
culturais trazidas pelos alunos e de sua vivência familiar, cabendo ao professor ampliá-las. O
essencial, portanto, não deve ser colocar professor e aluno em pólos opostos e conflitantes. O
28
confronto poderia ser transformado em apoio para que o aluno estabeleça relações entre sua
cultura, sua vivência e os conteúdos transmitidos, ajudando-o a construir uma visão crítica de
sua experiência.
código mais rico e mais bem estruturado. A posse desse código é condição básica para que o
acadêmica, os artistas do início deste século dirigiram seu olhar para a produção alternativa à
Começava-se a entender que a arte não é privilégio das culturas hegemônicas, nem
Foram as vanguardas do começo deste século, portanto, que pela primeira vez
voltaram sua atenção para a produção plástica infantil, percebendo-a não como arremedo da
arte adulta, mas como produto estético com valor próprio. E, dentro das vanguardas, é o
talvez, libertem emoções ou mensagens emocionalmente carregadas” (Dynton, l99l: 24), que
consegue chamar especial atenção para o valor e beleza plástica da arte da criança. Isso
*
Trabalho publicado na revista Porto Arte, no 4, ano II, Nov. l99l, do Instituto de Artes da UFRGS.
30
aconteceu por duas razões principais. Primeiro porque o Expressionismo é a afirmação radical
estético dos elementos referenciais que constituem a obra plástica, usados e justificados por si
mesmos, levou o artista à consciência de que todas as naturezas mortas, por exemplo,
representadas durante séculos a fio, podem ser vistas como pretexto para o exercício da
linguagem e tratam de questões que dizem respeito à própria dinâmica da arte. Portanto, o
Foi nesse momento, então, que surgiu um novo olhar sobre a arte da criança. Suas
primeiras linhas e composições passaram a ser consideradas arte: “É preciso olhar a vida
inteira com olhos de criança, pois a perda desta condição nos priva da possibilidade de uma
maneira de expressão original, isto é, pessoal” (Matisse, s/d). Essa frase, do pintor francês
Henri Matisse, mostra bem a súbita valorização do caráter espontâneo da criança e sua arte.
Nasce aí a idéia da livre-expressão, que se baseia na noção de que arte não é ensinada mas
expressada e que o ato de desenhar é natural em qualquer criança a partir dos dois anos de
vida: basta que lhes dêem as condições favoráveis de incentivo e liberdade para que ela exerça
Durante um bom tempo, porém, essa nova visão da produção plástica da criança
ficou restrita ao circuito artístico. Ela não atingiu, ou talvez não tenha empolgado, nesse
mantinham um padrão rígido de ensino da arte, voltado ou para o seu aspecto puramente
31
“dom” especial.
Surrealista trouxe para a arte algumas das noções da psicanálise. Neste caso, foram os
termos positivos no que se refere a uma nova visão da criança e sua arte. De fato, através das
idéias da psicanálise, a criança passou a ser vista como um ser sui generis, com características
próprias, e não mais como simples miniatura do adulto. Nota-se uma atitude de respeito em
relação ao grafismo infantil, que se tornou relevante como forma de liberação emocional,
afetiva e de expressão do inconsciente. Esses dados, no entanto, pouca importância deveriam
ter para a relação da arte com a educação, pois eles se destinam mais a fins terapêuticos e
significativa dos estudos da psicanálise para a educação artística diz respeito ao fato de que a
arte infantil começou a ser encarada como índice de um processo lógico mental, que se
relaciona por sua vez com o desenvolvimento da percepção, e que reflete a organização
se novos dados trazidos à luz pela psicanálise, junto com a compreensão de que o ato de
produzir símbolos gráficos é uma maneira da criança se relacionar com o mundo, de forma
rica, pessoal e até crítica, e que esse processo é importante para seu desenvolvimento global.
Com a segunda guerra mundial, e como consequência direta dela, surgiram outras
idéias a respeito do papel da arte na educação. Essas idéias, que foram explicitadas pelo
crítico de arte Herbert Read, expressavam uma reação à depressão do pós-guerra e se definiam
como uma visão idealista e romântica. Acreditou-se, então, que a arte, ao preocupar-se com
1
O ensino da arte articula-se com as práticas industriais quando, a partir da metade do século XIX, o
positivismo dimensionou a educação como um meio para o progresso da nação. Criaram-se assim
inúmeras escolas técnicas que tentavam popularizar e adaptar o ensino do desenho aos fins da indústria.
A nível primário e secundário, pretendia-se o desenvolvimento da racionalidade como preparação para a
formação científica.
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qualidades como equilíbrio, harmonia e beleza, poderia funcionar como um elo de ligação
homem com uma nova mentalidade, para um novo mundo, voltado para os ideais da paz
coletiva.
Foi a partir daí que adotou-se o termo “educação através da arte”, e o eixo de
discussão deixou de ser o da livre-expressão e passou a ser o da luta pela ampla integração da
arte nas escolas, a fim de modificá-las. A educação através da arte tornou-se militância, cheia
de fé e esperança num mundo melhor que a arte ajudaria a construir. Os habitantes desse novo
mundo seriam seres criativos por excelência, em oposição aos homens destrutivos forjados
pela guerra.
torno das três visões predominantes, acima colocadas, variando a ênfase em algumas delas e
acrescidas de outras influências. Foi o caso, por exemplo, da nova Bauhaus, cujas idéias foram
difundidas por Albers nos Estados Unidos e que propunham integrar “auto expressão e
gramática visual (...) para revelar uma preocupação não só com a produção da arte, mas
A proposta de Albers, bastante apropriada, não foi no entanto muito influente num
dos métodos da nova escola no sistema escolar, desembocaria no experimentalismo dos anos
60.
levaria a um processo auto-motivador de investigação, que, por sua vez, seria a própria razão
pessoal do aluno.2
generalizando-se nos anos 80, no bojo de uma crítica mais ampla à educação e aos métodos da
escola nova em particular, os quais acabaram por diluir o ensino na pesquisa. Foi nesse
momento que começaram a surgir novos estudos e reflexões de pessoas envolvidas com o
ensino da arte. Elliot Eisner estabelece as bases do pensamento contextualista que “enfatiza as
A visão contextualista foi alvo de muitas críticas por parte de alguns arte-
educadores que viam nela o uso da arte como instrumento ou meio para se alcançar objetivos
alheios ao campo da cultura. O próprio Lanier fez, alguns anos mais tarde, uma auto-crítica à
2
Com relação aos vínculos entre a escola nova e a arte-educação, ver mais detalhadamente o texto: Escola
Nova/Educação Artística: Novos Rumos para a Educação?, de Yara R. Peregrino, nesta coletânea.
34
isto é, nas práticas do tipo atelier, e defende um trabalho que se volte também para a reflexão
sobre a natureza e a função das reações estéticas próprias do indivíduo; o objetivo principal da
Por outro lado, a corrente essencialista, que surge como reação ao contextualismo,
afirma:
...“a função da arte para a natureza humana em geral. A arte tem importância
na educação, porque ela é importante em si mesma para o homem, e não
porque seja instrumento para fins de outra natureza (...) por isso a arte não
necessita de argumentos que justifiquem sua presença na escola, nem de
métodos de ensino estranhos às suas qualidades intrínsecas (...) a própria
existência do universo artístico do homem torna necessária a integração da
arte na educação (...) que investigada e explicitada pela estética, teoria e
filosofia da arte, fornece os dados necessários para a operacionalização de
seu ensino (...) as maiores contribuições da arte são aquelas que a própria
arte pode oferecer, e qualquer programa de educação artística que use a arte
como instrumento para alcançar outros fins estará roubando da criança o que
a arte pode lhe oferecer”. (Barbosa, l984: 56, 57)
Suzanne Langer e Gombrich. Outra contribuição importante foi dada pelas pesquisas de
Marjorie e Brent Wilson, que vêm desde l976 desenvolvendo pesquisas sobre epistemologia
do desenho. Essas pesquisas colocaram algumas novas idéias que questionam alguns dogmas
do método da livre-expressão, que com o tempo se tornaram tão rígidos quanto os da antiga
academia. Uma delas é de que a cópia e a interferência do professor são meios naturais e
necessários para que a criança, a partir dos oito anos de idade, desenvolva a linguagem
plástica.
É interessante notar que, em l936, Viola escreveu que “quando as crianças fazem
somente aquilo que desejam, há o perigo de que elas possam copiar ou imitar ou serem
“Viola apenas notou e ficou espantado com o que sempre foi assim − todos
nós, inclusive as crianças, desenhamos principalmente através da imitação e
influência (...) de fato, o processo de perda da ingenuidade em arte envolve a
aquisição de convenções artísticas − processo imitativo este, que por muito
tempo permaneceu escondido (...) acreditamos que não haja nada
inerentemente errado com o fato de crianças serem influenciadas por
professores ou então com seus comportamentos copiativos. Estes são os
meios primários pelos quais as habilidades de construir símbolos visuais são
expandidas. Pensamos ser um mal, entretanto, que haja tão pouco para
influenciar os estudantes em suas aulas de arte, pois estas influências
derivam muito mais de assuntos fora do campo das artes (...) o conteúdo
desta instrução é fácil de concretizar, estando disponível já por várias
centenas de anos”. (Wilson, l982: l4, l6)
Esse tipo de colocação contradiz a antiga idéia que surgiu com o expressionismo
de que arte não é ensinada mas expressada. Admitir que a arte pode ser ensinada, no sentido
arte tem conteúdos, questões e códigos que se referem somente à ela. Com exceção do
especificidade do espaço da arte na educação. A diluição de seu papel dentro das escolas, seja
inadequados, levaram a uma reação que se caracteriza pela tentativa de resgatar os referenciais
artísticos abandonados em nome de projetos utópicos ou superficiais. Talvez, o radical
espontaneísmo que se pregou por algum tempo tenha sido uma etapa necessária para que o
ensino da arte se libertasse dos “traumas” da academia. No entanto, a consciência da
mostraram pertinentes.
Essa é a questão chave que tem desviado o ensino da arte do seu rumo
espontaneista para uma postura mais cuidadosa e reflexiva. Voltando-se para o estudo e
aprofundamento dos referenciais da linguagem, o professor de arte percebe que, por um lado,
os conteúdos específicos precisam ser retomados para se alcançar uma prática mais
consequente, e por outro, que a educação artística não pode limitar-se ao seu aspecto prático.
36
tão importante quanto o fazer num programa básico de ensino de arte. Essa é a maneira de,
desde cedo, familiarizar a criança com o universo da cultura, promovendo desta forma a
equilibrada diversas contribuições positivas até mesmo de outras áreas do saber sem, no
reflexão;
Maura Penna
Uma proposta educacional não pode ser avaliada apenas pelas suas intenções ou
sua fundamentação filosófica, mas pelas suas conseqüências sociais, como mostra Saviani
metodológicos, que só podiam ser eficazes nas escolas de elite (pela disponibilidade de
recursos, formação dos professores, número de alunos nas turmas, etc.), propagou-se,
ensino. Assim, o “respeito às diferenças” (seu lema) acarretou a manutenção e reforço das
diferenças que cada um trazia de seu meio sócio-cultural − em outros termos, gerou a
Pelos vínculos entre a Escola Nova e uma prática da Educação Artística (E. A.)
é, por si só, suficiente para a transformação da prática − e temos consciência disto −, é sem
dúvida imprescindível para nortear a nossa busca de respostas a nível concreto, e até mesmo a
escolha de metodologias.
cultura. Sendo nossa sociedade marcada pela distribuição desigual tanto de bens materiais
quanto simbólicos, a manutenção do estreito acesso à ciência e à arte (à “alta” cultura, em
1
A respeito, ver Escola Nova/Educação Artística: novos rumos para a educação?, de Yara R. Peregrino,
nesta coletânea.
38
geral) funciona como instrumento de poder e de manutenção da dominação, uma vez que “o
massas” (Saviani, 1989a: 66). E democratizar significa dar a todos acesso − o mais amplo
possível − aos bens culturais socialmente (vale dizer, coletivamente) produzidos. Sem opor as
formas de arte ditas eruditas e as populares, cabe “abrir” o acesso a todas elas – pois todas
mais complexas (por ex., a música erudita)? A gratuidade no acesso (por ex., concertos
gratuitos, exposições de entrada franca, etc.) não é por si só suficiente. Ninguém se interessa
por aquilo que não consegue compreender, de modo que, na ausência de instrumentos
artísticas. A cada momento da vida cotidiana, nossos sentidos recebem uma profusão de
Esses esquemas de percepção que nos permitem dar significação aos estímulos
sensoriais, se por um lado são adquiridos em nossa história individual, por outro são fruto do
ambiente cultural em que vivemos, sendo portanto social e historicamente marcados.
obras de arte depende da disponibilidade de esquemas de percepção adequados. Claro está que
39
percepção artística tem, pois, sua especificidade. As linguagens artísticas são socialmente
construídas2: cada povo, cada grupo, em um determinado momento histórico, escolheu entre
todos os sons, cores, formas ou gestos possíveis aqueles que seriam objeto do fazer artístico,
obra de arte é codificada e a sua apreensão pressupõe o domínio do código.3 Assim, por
exemplo:
...“a escala de sete sons, a tonalidade, etc., representam códigos formais aos
quais a música ocidental obedeceu durante três séculos, e que a opõem
nitidamente à música de outros continentes [ou de outras épocas], que pode
nos parecer incompreensível ou monótona, simplesmente porque não se
baseia nas mesmas convenções e nas mesmas leis que a nossa, e porque nos
faz falta a posse do código que nos daria, junto com a possibilidade de
decodificação, o sentimento de familiaridade (resultado de expectativas
atendidas)”... (Forquin, 1982: 42)4
2
Ver, por exemplo, “A Música Relativa” (Moraes, 1983: 12-20).
3
Vale ressaltar que não entendemos a dinâmica da comunicação e compreensão como esgotando-se num
processo automático de codificação e decodificação. Tanto na linguagem verbal quanto na artística, o
processo de comunicação é muito mais complexo, de modo que a “leitura” (a compreensão) não é
simplesmente o resgate de uma mensagem unívoca, originalmente pretendida pelo emissor (o autor), mas
um processo ativo de interpretação. Mas as possibilidades de significação estão ancoradas na estrutura e
funcionamento da linguagem, encontrando aí os seus limites, pois toda linguagem é objeto de
convenção, por sua própria natureza cultural. Desta forma, o primeiro passo para a compreensão, assim
como para as múltiplas interpretações de uma obra artística, é o domínio da linguagem. Tomemos neste
sentido a idéia de “domínio do código”, considerando “decodificação” numa perspectiva dinâmica e
ativa, aberta à multiplicidade de interpretações possíveis.
4
Este exemplo relativo à música pode, sem dúvida, ser estendido às demais linguagens artísticas.
Em outros termos: “‘gostar’ ou ‘não gostar’ não significa possuir uma ‘sensibilidade inata’ ou ser capaz
de uma ‘fruição espontânea’ – significa uma reação do complexo de elementos culturais que estão dentro
de nós diante do complexo cultural que está fora de nós, isto é, a obra de arte.” (Coli, 1984: 117)
40
afetivo:
ceptível, lento e gradativo processo de familiarização do que de uma educação formal. Esse
Correntemente, a escola antes reforça e legitima essas diferenças de cunho social do que de
alguma forma as “compensa”, uma vez que, pressupondo uma familiarização prévia, trabalha
la, buscar formas alternativas para, no curto espaço da situação escolar, desen-
volver em todos a familiarização que alguns devem a uma vida inteira em de-
c) Recuperar a técnica enquanto veículo da expressão − que, por sua vez, articula
cepção disponíveis.
transmissão de conhecimentos, o que foi esquecido pela Escola Nova. Por outro lado, é
preciso evitar cair nos vícios da prática do ensino tradicional, repetitiva e mecânica, com base
(1989b) – são necessários para alterar a prática social. No campo da E. A., o que significa
prática social? Significa tomar como meta ampliar o universo cultural do aluno e dar-lhe
sentido da “leitura”, da alfabetização estética. Porém, não há uma forma fixa ou um modelo
apenas delineiam a meta perseguida, sem contudo traçar o caminho prático para alcançá-la.
No entanto, sem que saibamos o que buscamos, apenas vagaremos a esmo, ao sabor do vento.
para que realmente seja possível colocar, no centro do processo pedagógico, conteúdos vivos
e significativos, faz-se necessário tomar como ponto de partida a vivência cultural do aluno −
ou seja, a sua própria “prática social”. Os elementos de sua vivência são, sem dúvida,
5
Tal proposta pedagógica, como aponta Saviani, deverá levar em conta “os interesses dos alunos, os
ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a sistematização
lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-
assimilação dos conteúdos cognitivos.” (1989b: 79 - grifos nossos)
42
exercícios construídos por critérios exclusivamente técnicos pode substituir, sob o risco de
tornar a cair na repetição mecanizada do ensino tradicional, tão presente, ainda hoje, em
algumas escolas de arte de caráter mais técnico. Mas, se a formação dos esquemas de
percepção, o trabalho sobre os elementos básicos de cada linguagem, deve tomar como base
imediato, cabe indagar como cada um de nós, em seu espaço de atuação, pode começar a
AVALIAÇÃO CRÍTICA
DE PROPOSTAS PEDAGÓGICAS
6
ARTE NA ESCOLA: ORIGENS E APLICAÇÕES
DA METODOLOGIA TRIANGULAR
INTRODUÇÃO
baseado no modelo de oficina de criação. Esta prática pedagógica, voltada para o fazer
artístico e marcada por uma concepção espontaneísta, deixou de lado, em diversos momentos,
qualquer preocupação com conteúdos que viessem a dar fundamentação a uma prática artística
consciente e crítica.
que tem como base um processo pedagógico centrado no aluno. Assim, a aprendizagem se dá
pelas descobertas por ele efetivadas, enquanto resultado das pesquisas empreendidas.1 O
aprendizagem, que levou ao esvaziamento dos conteúdos, tiveram como resultado uma
1
Para maiores esclarecimentos sobre os pressupostos metodológicos e teóricos da Escola Nova
(Tendência Liberal Renovada), ver Tendências Pedagógicas na Prática Escolar (Libâneo, 1990: 25-
28).
2
Ver, a esse respeito, Escola Nova/Educação Artística: novos rumos para a educação?, de Yara R.
Peregrino, nesta coletânea.
56
Para fugir desse quadro, tem-se buscado resgatar os conteúdos específicos que
parecem esquecidos. No entanto, esses conteúdos são imprescindíveis para o aluno de arte,
A METODOLOGIA TRIANGULAR
Dentre as propostas que se encaminham nessa direção e com as quais vêm sendo
Metodologia Triangular, que tem como idealizadora e principal divulgadora a professora Ana-
A história da arte, a leitura de obras de arte e o fazer artístico, integrados, compõem o tripé
A nosso ver, a metodologia triangular é muito mais uma proposta para o ensino
de arte, do que realmente de uma metodologia, uma vez que define em grandes linhas o que
Neste contexto a história da arte não tem um fim em si mesma, como afirma a
profa. Ana-Mae Barbosa (1991: 38). Sua função é contextualizar a obra estudada, situando-a
enquanto produto de uma época. Faz-se importante observar como épocas posteriores têm
A leitura da obra de arte, por sua vez, é feita pela análise estética e crítica da
compreensão − tanto do ponto de vista dos elementos da linguagem quanto do ponto de vista
temático/filosófico.
56
O fazer artístico, desta forma, é o resultado de uma ação consciente, que pode se
dar através de releituras das obras estudadas ou de outras formas de criação, a partir da
Estas três abordagens do processo de ensino de arte devem ser consideradas dentro
de uma mesma disciplina, garantindo, assim, a inter-relação entre elas. Isto contribui para que
A CONTRIBUIÇÃO DO DBAE3
processo de ensino de arte nas escolas, muitos estudos foram e continuam sendo realizados,
em diversas partes do mundo, para se chegar a propostas metodológicas que venham a mudar
este quadro. Entre elas o DBAE − Discipline Based Art Education (Arte Educação Como
Disciplina) − projeto desenvolvido pela Getty Foundation, nos Estados Unidos, a partir do
Nos Estados Unidos, grandes modificações têm ocorrido no ensino de arte a partir
das idéias do DBAE. Esta proposta pedagógica que enfoca quatro áreas − história da arte,
estética, crítica artística e produção artística − surgiu para resgatar conteúdos que vinham
dos questionamentos levantados pelos alunos. É neste momento, também, que se introduzem
3
Para esta exposição baseamo-nos em Barbosa (1991), e Saunders (1990).
56
A crítica artística contribui para a apreciação das obras de arte. É nesse momento
Todas estas etapas podem ser aplicadas em qualquer nível do ensino escolar,
Tendo suas raízes no final da década de 50, início dos anos 60, o DBAE teve
como fonte inspiradora dois importantes movimentos em prol do ensino da arte: as Escuelas
al Aire Libre, criadas no México após a revolução de 1910 − semente do Movimento
Muralista Mexicano −, e o Basic Design Movement, surgido na Inglaterra nos anos 50,
parecer publicado pela Fundação Getty para Arte em Educação, sob o título: “Além da
Criação: um lugar para a arte nas escolas americanas”. Neste parecer os educadores Brent
Wilson, Marjorie Wilson, Elliot Eisner, Michel Day e Robert Stake, após analisarem sete
escolas distritais que vinham aplicando o DBAE, concluíram que, apesar de não serem
americanos. Esta polêmica acirrou-se a partir de artigos publicados sobre o assunto, alguns
deles acusando o DBAE de conservador, por provocar uma “possível” volta ao academicismo.
introduzir uma metodologia nesses moldes significa quebrar uma tradição no ensino de arte
nas escolas, onde as aulas desta disciplina são geralmente vistas como um momento de lazer
artístico propiciado às crianças. Tal mudança, no entanto, não significa que, por resgatar
4
A Metodologia Triangular mantém a história da arte e a produção (fazer artístico) do DBAE e junta a
estética com a crítica artística que dão origem à leitura da obra de arte.
56
conteúdos, se caia necessariamente nos moldes acadêmicos, inibindo a criação. Esta questão
conteúdo trabalhado.
Para Saunders − e aí nós concordamos com ele − não existe um modelo único que
se adapte a todas as situações. Neste sentido, a própria Fundação Getty e outras entidades e
pesquisadores têm feito propostas e desenvolvido projetos onde o essencial do DBAE está
presente, mas que procuram atender às necessidades específicas para a formação do aluno nos
vários eventos foram organizados pela Fundação, mais enfaticamente a partir de 1985. Entre
eles, várias atividades em escolas e museus, e, ainda, a promoção de encontros e seminários
em diversas entidades.
difundiram-se em outros países, que também questionavam seus processos de ensino de artes
nas escolas. Algumas vezes a proposta era assumida na íntegra, outras vezes era absorvido o
da cidade de São Paulo, são orientados em trabalhos que têm como ponto de
vem desenvolvendo, desde 1988, o projeto “Arte na Escola”, que utiliza o vídeo como recurso
como etapa instigadora do processo. Mesmo que a profa. Ana-Mae aponte a possibilidade de
iniciar o processo a partir do fazer artístico (cf. Barbosa, 1991: 37), a observação − momento
CONCLUSÕES E SUGESTÕES
Em linhas gerais, nem a Metodologia Triangular, nem o DBAE, que lhe serviu de
5
Informações mais detalhadas destas experiências podem ser obtidas em: Barbosa (1991: 91-92 e 105-
107).
6
Este projeto é citado por Evelyn Berg, na apresentação do livro A Imagem no Ensino da Arte (Barbosa,
1991), e foi exposto em mesa redonda, por Analice Dutra Pillar, no “IV Congresso Nacional da FAEB”,
que se realizou em Porto Alegre-RS, em agosto de 1991.
56
conteúdos específicos e uma produção consciente têm sido procurados por educadores que
Esses problemas vêm sendo discutidos pelo Grupo de Estudos. Como temos
Para que o professor de arte possa atuar neste sentido, consideramos necessário
rever a sua formação. A atualização dos cursos que proporcionam essa formação pode se
efetivar através da reformulação das posturas filosóficas, dos objetivos e dos currículos, no
sentido de prover os futuros professores do instrumental necessário para uma atuação eficiente
junto às escolas. Esta reformulação, no entanto, deve partir de uma ampla discussão, que é
videoteca, tintas, pincéis, etc. – são inacessíveis para boa parte delas. Aliado a isso, os
professores que atuam nesta área, nas escolas de 1o e 2o graus, não têm tido uma formação que
7
Para melhor compreeder as propostas e consequências da Escola Nova, ver Escola Nova/Educação
Artística: novos rumos para a educação?, de Yara R. Peregrino, nesta coletânea.
8
Para estimular uma discusssão em torno de uma possível reformulação dos cursos de licenciatura em
Educação Artística, publicamos o artigo: O que fazer, aqui e agora? (Marinho, 1991), que discute o
caso específico do nosso curso na UFPB, e também A Questão Curricular: por um eixo pedagógico
para as licenciaturas em arte, produção coletiva do Grupo de Estudos do Dep. de Artes da UFPB, nesta
coletânea.
56
Para que a metodologia triangular possa ser viabilizada de modo mais amplo – e
não apenas nas escolas de elite, providas de materiais e espaços adequados, além de pessoal
inserida.
acervo para serem utilizadas nas escolas. Livros e textos para consulta
d) Cursos de reciclagem, para possibilitar aos professores que atuam nessa área
tanto da área específica, quanto da área pedagógica, que preparem para uma
atuação nos moldes da metodologia triangular, nas escolas de 1o e 2o graus.
num projeto de democratização no acesso à cultura e à arte. Metodologia esta que poderia ser
aplicada, também, em outras áreas do saber artístico, como por exemplo: música ou artes
9
O projeto “Vídeo Escola”, da Fundação Roberto Marinho, dispõe de um acervo que abrange várias áreas
do saber – ciências, história, artes, etc. –, disponíveis para serem utilizados no processo pedagógico em
sala de aula.
10
A Fundação IOCHPE mantém um acervo de vídeos significativo na área de artes plásticas, e possibilita
a sua utilização, através de empréstimos, por instituições ou particulares interessados, inclusive de outros
estados.
56
cênicas – para as quais se pensaria como encaminhar as suas diretrizes básicas −. Nestes
especificamente dos recursos pedagógicos necessários. Entretanto, qualquer que seja a área de
atuação, devemos ter em mente que o ponto de partida deve ser sempre a vivência do aluno.
Maura Penna
Educação Artística (E.A.) voltada para a democratização no acesso à cultura e à arte, faz-se
Fayga Ostrower (1983), a partir de um “curso sobre os princípios básicos da linguagem visual
e de análise crítica” (p. 17), ministrado por ela a um grupo de operários de uma fábrica (uma
seguir, mas analisar essa rica experiência, principalmente quanto aos questionamentos que
a prática da E. A. Apesar de ser um trabalho no campo das artes plásticas, os problemas que
levanta, em seus aspectos básicos, concernem também às demais linguagens artísticas.
elementos e estruturas básicas de cada linguagem pode desenvolver de modo mais eficaz e
adequado, recursos disponíveis, etc.), a parte de produção/criação pode ter que ser sacrificada.
E acreditamos que foi este o caso na experiência que Fayga nos relata.
Por outro lado, apesar do curso não se propor a trabalhar a parte prática de
produção artística, isto não significa para o aluno uma postura meramente passiva:
distintas, ao mesmo tempo em que permite o trânsito por diversos períodos históricos:
“Assim, sobre um mesmo tema pudemos comparar soluções de épocas diferentes”. Em lugar
1
Ver Diretrizes para uma Educação Artística Democratizante: a ênfase na linguagem e nos conteúdos,
nesta coletânea.
56
sobre uma compreensão ampla e profunda da arte, que é considerada enquanto expressão e
comunicação, enquanto história e cultura, e enquanto linguagem, sendo este último enfoque o
eixo condutor da ação educativa. Por outro lado, sua abordagem reafirma a importância – quer
na produção quer na fruição artística – do pensar e refletir sobre a arte, tão importantes quanto
criativa, sustentando mitos como o de que “artista sente, mas não pensa”.
pedagógicos.
do movimento visual, que dizem respeito ao modo de articulação dos elementos visuais na
perceptivos pelo uso dos diversos planos com diferentes funções expressivas.
(plano), volume, luz e cor – que, na composição, assumem o caráter ativo de figura, enquanto
composição, com base em semelhanças (que criam ritmo) e contrastes (que geram tensão
compreensão progressiva.
aos poucos mais nítida e coerente, à medida que os componentes da linguagem e suas
organização dos conteúdos, pois estes direcionam a formação dos esquemas de percepção
objetivos e a organização dos conteúdos, etapas básicas a partir das quais deverá ser feita a
não apenas a gramática formal, mas esta enquanto veículo de comunicação e expressão. Neste
prisma, os elementos de linguagem, por exemplo, não valem por si mesmos, não são formados
isoladamente, em uma abordagem fragmentária, mas em função do seu uso no espaço – onde,
pelas relações que estabelecem, ganham um papel expressivo. Desta forma, o processo
específicos das linguagens artísticas, tomam os seus elementos isoladamente – como muitas
vezes acontece na tradicional “teoria musical”. Isto ocorre com certa freqüência quando o
Por outro lado, os conteúdos de linguagem são vistos em sua evolução histórica –
conseqüência deste enfoque, a avaliação crítica das obras é sempre baseada em critérios de
2
O mesmo aplica-se às demais linguagens artísticas. Ver Penna (1990: 47ss.), com relação à música.
56
propostas pelas “vanguardas”. A partir das primeiras décadas de nosso século, a arte sofre pro-
própria e seu lugar na sociedade. “Nenhum ideal teórico, nenhum princípio formal poderiam
defini-la ou qualificá-la a priori”. (Brito, 1980: 5). Desta forma, os novos códigos colocados
pela arte contemporânea não podem mais ser avaliados pelos mesmos critérios, uma vez que
O ENCAMINHAMENTO DIDÁTICO
Uma das maiores contribuições desta experiência para a prática dos professores de
adotada parece-nos viável e eficiente para a concretização das metas propostas e para a
receita universal. Apesar desta ressalva, acreditamos que as linhas básicas de procedimento
pedagógico – muito mais do que uma preocupação com os exercícios específicos que Fayga
propõe ou com os detalhes de sua prática – têm uma larga faixa de aplicação, quer em relação
da apresentação de definições que muitas vezes são “decoradas” sem qualquer compreensão.
“Se substituísse a definição verbal por uma experiência direta, por uma
atuação do grupo? (...) Não haveria necessidade de se abstrair ou verbalizar
o sentido do fazer. O fator mais importante e convincente seria mesmo a
possibilidade de se vivenciar o fazer. Quando as pessoas participam
ativamente da feitura de formas, vendo-as nascer sob suas mãos – nem que
sejam poucos traços – não só se cria uma situação afetiva imediatamente
carregada de associações, como também o exemplo concreto é sempre
mais eloqüente do que explicações abstratas”. (Ostrower, 1983: 21-22 -
grifos nossos)
56
direcionadas.
linha), chamando a atenção para o fato de ela ser um elemento de caráter mais
estático do que dinâmico, pede que um aluno desenhe no quadro-negro uma série
73).
Por exemplo: Na aula sobre o elemento cor, Fayga deixa que os alunos discutam a
contexto colorístico) e como sua utilização influi sobre a percepção do espaço (pp.
234-235).
Apenas após esta etapa em que o aluno é chamado a agir e participar, através de atividades
claramente direcionadas para o domínio de conteúdos específicos, é fornecida a
marcas que julgam mais corretas. Depois, todas elas são confrontadas com o
centro “medido”, verificando-se que este está abaixo das demais. Fayga conceitua,
então, centro visual perceptivo (as marcas dos alunos) e o centro geométrico,
Nesta etapa, portanto, as informações são fornecidas e podem ser apreendidas com base numa
aluno/professor.
visual.
Claro está que tanto as experiências planejadas para desencadear o processo pedagógico
descrevemo-no em etapas. Mas vale ressalvar que não se trata de momentos estanques e
sucessivos, mas sim interligados e interrelacionados num processo orgânico. Assim, muitas
vezes nas próprias aulas relatadas, combinam-se as duas primeiras etapas – a experiência
tempo o resgate dos conteúdos de linguagem e a participação ativa do aluno. Entendemos esta
atuação do aluno não apenas em termos de uma criação/produção artística, mas também
enquanto ação estruturante sobre os objetos de sua experiência, o que pode se dar através da
Por estas suas características, consideramos que esta experiência que analisamos
nos oferece direções importantes para o ensino de arte, em todas as áreas. Cabe ao professor
apontado para duas questões básicas que vêm provocando um redimensionamento de seu
expressivo. Deste modo, o ensino de arte tende a superar tanto os métodos tradicionais
Por outro lado, a preocupação com os conteúdos das linguagens e sua transmissão
como base para o conhecimento e a criação implica, também, no resgate do papel do professor
como agente do processo ensino-aprendizagem. Este papel, que foi fundamental no projeto
democratização do saber através da implantação dos sistemas nacionais de ensino, acabou por
diluir-se, tanto pelo caráter autoritário que assumiu ao longo do tempo, quanto pelas
conhecimentos sistematizados – e por isso é capaz de conduzir um processo que faz com que
(Saviani, 1989a: 60) – passa pela incorporação de experiências mais recentes. Experiências
estas que se voltam para o atendimento das necessidades e características do aluno, levando
em consideração sua bagagem sócio-cultural. Dessa forma, a ênfase nos conteúdos realiza-se
56
através de uma prática dinâmica, em que esses conteúdos são definidos e assimilados a partir
ampliar estas demandas, de modo a tornar viável e eficaz tal dinâmica, onde conhecimentos
Essas questões aqui colocadas são, sem dúvida, diretrizes gerais para o ensino de
arte e estão vinculadas a um projeto mais amplo, voltado para a democratização no acesso à
domínio dos códigos artísticos são imprescindíveis para promover uma distribuição mais
igualitária dos bens culturais, ampliando o seu “consumo” e desenvolvendo as bases para
adequados para sua implantação. Segundo José Carlos Libâneo, além do domínio dos
requisito indispensável para um trabalho docente eficaz. Supõe-se assim, uma articulação
entre estes dois elementos da prática educativa, uma vez que é “a flexibilidade metodológica
do professor que lhe permitirá tomar decisões de cunho pedagógico-didático face a situações
métodos que dêem respaldo às novas diretrizes do ensino de arte, que deslocaram o eixo de
sua atuação pedagógica de uma concepção da arte apenas como meio de expressão pessoal
para a noção de arte como forma de conhecimento. Esta noção tem por base a idéia de que a
específicas, tanto de natureza prática quanto teórica, que dizem respeito: a) à história da arte e
Diante deste quadro, fica claro que a livre-expressão, método muito usado nos
últimos anos pelos professores de arte, não responde mais aos atuais direcionamentos, uma
56
vez que suas bases se voltam apenas para o fazer artístico, assentando-se na crença de que arte
não pode ser ensinada, mas sim expressada. Naturalmente, a dimensão da criação é um
familiarização com o universo da arte. De acordo com Elliot Eisner1, o trabalho de arte,
inclusive o da criança, está inserido numa cultura que influi sobre ele e, portanto, não se
desenvolve a partir do nada. No entanto, esta era a tarefa árdua que os professores propunham
a seus alunos, isto é, que a experiência artística se desse sem qualquer tipo de referencial ou
de apoio instrumental. Colocações do tipo “o que importa é o processo e não o produto” eram
usadas para justificar os inevitáveis resultados medíocres.
tualizada, uma vez que está vinculada ao que Sérgio Paulo Rouanet chama de espírito
modernista:
Não resta dúvida que, com o passar do tempo, a educação artística desligou-se do
original espírito modernista para aderir ao modernismo vulgar, baseado na falta de conteúdos
e no desprezo pela tradição cultural, vulgarizando, inclusive, o que era considerado então
como o meio mais eficaz de recusar os dogmas acadêmicos, ou seja, o método da livre
expressão.
1
Conforme palestra do Prof. Elliot Eisner Enfoques contemporâneos em Arte-Educação no IV Congresso
Nacional de FAEB (Federação dos Arte Educadores do Brasil). Rio Grande do Sul, 1991.
56
adotada como método adequado para concretizar as novas diretrizes do ensino de arte.
Estabelecendo bases conceituais que têm como idéia geral a simultaneidade da produção, da
princípio, de diferentes formas, uma vez que não se aprofunda nas questões que se referem a
da Arte, onde Ana-Mae esclarece apenas que “a leitura da obra de arte é enriquecida pela
informação histórica e ambas partem ou desembocam no fazer artístico” (Barbosa, 1991: 37).
Entretanto, o procedimento mais usual – inclusive o adotado pela autora e sua equipe nas
como suporte para a produção. A ênfase em algum desses três momentos é variável de acordo
com os objetivos de cada experiência.
procedimento adotado por Fayga Ostrower em um curso para operários de uma fábrica de
2
Com relação aos vínculos da metodologia triangular e o DBAE, ver mais detalhadamente no texto Arte
na Escola: origens e aplicações da Metodologia Triangular, de Vanildo Marinho, nesta coletânea.
56
encadernação, no início da década de 70.3 Ambos têm em comum a valorização dos conteúdos
alunos, Fayga dá início ao curso, partindo das noções mais básicas até chegar às mais
estratégia mais comumente adotada na metodologia triangular, que começa pela apresentação
das obras de arte, Fayga parte da proposição de experiências ou exercícios direcionados para
adiante. Desta forma, além de evitar um enfoque puramente teórico e abstrato, Fayga cria
gramática visual para a formação dos esquemas de percepção. Sabemos que sem esses
esquemas, tanto a produção como a apreciação artística correm o risco de se tornarem uma
3
Este trabalho é minunciosamente descrito por Fayga Ostrower em Universos da Arte (1983) e discutido
pelo grupo de estudos no texto Desvendando os Universos da Arte: análise crítica da experiência de
Fayga Ostrower, de Maura Penna, nesta coletânea.
56
fundamental, a questão chave que direciona a apreciação da obra de arte para uma prática
assentada num real conhecimento dos códigos da linguagem artística. E é nesse rumo que
Fayga trabalha ao abordar, por etapas, os princípios básicos das artes visuais que, depois de
ausência desse instrumental é inevitável que se apele para uma leitura restrita aos aspectos
subjetivos ou temáticos como uma forma de apoio. Isso ocorre não apenas na área das artes
plásticas, mas também nas outras áreas artísticas. Em música, por exemplo, tanto na audição
quanto na criação, quando os alunos são solicitados a estruturar sons, o apelo ao uso de temas
A leitura da obra desenvolvida por Fayga, por sua vez, procura relacionar a
exploração do tema com o uso expressivo dos elementos da linguagem, afastando-se não só da
pura associação temática, mas também da compreensão dos elementos apenas em sua
estruturação formal. Este procedimento fica bastante claro no caso da apreciação de obras de
arte figurativas, onde o referencial temático é muito forte. No entanto, o elo que Fayga
estabelece, entre o modo de organização dos elementos e o conteúdo da imagem, torna claro o
quanto o tema está vinculado à expressividade dos elementos articulados numa determinada
obra. No capítulo III, por exemplo, onde trata de questões sobre o movimento visual, Fayga
usa dois desenhos com o mesmo tema – uma paisagem de Van Gogh (1888) e outra de
Leonardo da Vinci (1473) – para mostrar como formas e conteúdos expressivos diversos são
termos de sua função expressiva, são acrescentados dados biográficos dos artistas, vinculando
a personalidade deles ao contexto cultural em que viveram: “Queria mostrar que as obras de
arte revelam a experiência do artista, como indivíduo, diante de propostas e valores que
Admitindo que a leitura temática pode ser usada como um estágio ou como uma
entanto, que a permanência neste nível de abordagem enfraquece o trabalho com os conteúdos
referentes à leitura, chamando atenção para o fato de que, nos Estados Unidos, alguns
No entanto, neste mesmo livro, a autora não esclarece muito acerca do procedi-
mento mais adequado para se desenvolver a leitura das obras de arte, dando apenas algumas
indicações rápidas:
Ana-Mae propõe que, para a leitura das obras, se construa uma metalinguagem da
imagem que “não é falar sobre uma pintura mas falar a pintura num outro discurso, às vezes
56
silencioso, algumas vezes gráfico, e verbal somente na sua visibilidade primária” (Barbosa,
1991: 19).
que não o verbal, para uma aproximação com as obras pode remeter às transposições ou ex-
pressões paralelas a que Forquin se refere quando propõe uma pedagogia da familiarização
acelerador de familiarização” (1982: 46), não garantem por si só a alfabetização estética, nem
Nesse sentido, a leitura que Fayga desenvolve em seu trabalho, como foi visto,
segue por outros caminhos, uma vez que faz uso do verbal e desenvolve uma decodificação da
obra de arte solidamente baseada no conhecimento dos conteúdos da linguagem. Aqui, o uso
não dê indicações para um possível desdobramento de seu trabalho nesta direção, acreditamos
que isto não seria difícil se tomássemos como base as etapas de seu programa e o
procedimento adotado. Consideramos que este processo que, no trabalho de Fayga, estabelece
Por sua vez, a releitura tem sido o meio mais frequentemente utilizado, na
Basicamente, a releitura consiste na escolha de uma obra de arte, na apreciação desta obra e na
sua recriação pelo aluno – o que tem sido feito, correntemente, com base no tema. A nosso
obra enfocada, com base nos conteúdos da linguagem. A releitura que tiver como suporte a
leitura apenas temática da imagem, estará incentivando o aluno a uma prática, também
temática, de reprodução da obra. Não importa se esta reprodução vai revelar uma atitude
acadêmica, de representação fiel da imagem, ou uma atitude interpretativa mais moderna: em
ambos os casos não se chega a uma desconstrução da imagem para se alcançar uma nova
imagem.
contramos um exemplo claro de como uma leitura temática leva a uma produção também
temática. Na análise de “O Banho” (1845), de Mary Cassat, quadro que representa uma
mulher dando banho em uma criança, Saunders propõe uma série de perguntas que o professor
pode fazer aos alunos, e que chama de “exercícios de ver”: “o que você vê na pintura; que
outra série de questões chamadas “exercício de aprendizagem”: “como difere este banho do
que tomamos usualmente; que outras atividades domésticas poderiam dar uma boa pintura?”
etc. Por último, na extensão da aula que pretende incentivar exercícios práticos, o autor
sugere que se faça um desenho: “minha mãe me ajudando a pentear os cabelos”. Analisando o
4
Um exemplo deste desdobramento é apresentado no texto O ensino das artes plásticas na formação do
professor: uma proposta metodológica, nesta coletânea.
56
temática, que provoca, normalmente, uma tosca e frustrante tentativa de imitação da arte
adulta pela criança. Portanto, mesmo quando a releitura é tomada como base da ação
como também da idéia de que não se cria a partir do nada. Segundo Otávio Paz:
como artistas foram influenciados pelo trabalho de outros artistas. O contato com a obra de
compreender, gostar e produzir arte. O referencial artístico, portanto, é relevante para que,
através de exercícios específicos, as habilidades técnicas sejam expandidas, e também para
promover a inserção sócio-cultural mais ampla do aluno no universo da arte, o que em última
análise, lhe dará, de fato, os meios para que ele venha a exprimir-se artisticamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
meio de evitar a sua cristalização como uma nova receita ou fórmula que, aplicada superficial
(in)formado.
Por outro lado, existe também o perigo da metodologia triangular vir a ter as
adequado nas poucas escolas bem equipadas e com maiores recursos, nos grandes centros
econômicos do país. Somente aí, se pode ter acesso a vídeos, reproduções de boa qualidade,
como também acesso ao insubstituível contato direto com obras de arte em bons museus e
galerias de arte. Entretanto, esta não é a realidade da maioria de nossas escolas e, se por um
lado, existe a alternativa de se trabalhar com produções artísticas locais, por outro, sabemos
que insistir no uso destes referenciais locais acaba por reforçar os guetos culturais e as
sociais e políticas complexas, mas também uma atuação pedagógica consciente e competente.
visão crítica que discuta, não apenas as várias correntes existentes no debate sobre o assunto,
reformulação curricular voltado para a questão da segregação racial, dos direitos humanos e
da igualdade de oportunidad
es.
etnologia, pretende, por um lado, reforçar a identidade cultural das minorias raciais que aí
vivem e, por outro, ampliar os referenciais culturais das crianças européias, através do contato
com a produção artística de outros países. Em termos práticos, o objetivo seria dar mais
espaço no currículo escolar aos grupos que reivindicam maior representação nos países onde
vivem.
estar contemplado nos currículos. Porém, o que havia eram estruturas com fortes tendências
*
Trabalho apresentado no Painel: Conteúdo – Status Epistemológico, a Multiculturalidade Brasileira, VI
Congresso Nacional da FAEB em Recife, novembro de 1993.
56
seguintes procedimentos:
um escultor peruano, por exemplo, trazendo informações sobre sua arte, numa
quanto ao tipo de aprendizado que daí surge, seu valor cultural no local em que
adquirindo novos contornos em virtude de suas implicações políticas. Nos Estados Unidos,
por exemplo, reivindica-se não apenas a integração com outros povos mas a inclusão de novos
De uma forma geral, apesar desta preocupação com a melhoria das relações
Na verdade, em muitos casos, o termo diversidade parece ter sido usado para
Em outros casos, na certeza de estar construindo uma nação com unidade cultural,
produto da fusão de várias etnias, não se percebeu que esses diferentes grupos culturais não se
burocrático, defendendo e preservando espaços que nunca se intercruzaram. Uma noção que
pressupõe harmonia e consenso, num espaço pacífico onde diferenças coexistem mas não se
não se percebeu que a diferença deve ser entendida como algo nascido das restrições sociais e
políticas.
vezes por contribuir para o surgimento do que poderíamos chamar de um racismo “às
Uma das formas assumidas por esse tipo de reação é a de conferir privilégios
resgate das “raízes culturais” de um grupo, desprezando-se toda e qualquer influência que este
grupo tenha sofrido. Acontecem em algumas escolas, até mesmo, programas e classes
especiais para os “culturalmente diferentes”. Para provar a relevância de uma cultura não é
necessário negar ou abolir os legados de outras etnias. Este tipo de atitude acaba por estimular
dentro e fora da escola, quando o correto é fornecer meios para que essas minorias possam
No Brasil, não se tem notícias de práticas pedagógicas que reflitam essa tendência
multicultural, pelo menos no que diz respeito ao ensino formal. O currículo de nossas escolas
tem dado pouca ou nenhuma atenção ao passado étnico e cultural, aos diferentes modos de
importância, elas cedem lugar a outro tipo de segregação ainda pior: a discriminação por
fatores sociais e econômicos. É preciso lembrar que, apesar de não termos leis que
discriminem, um racismo velado permeia nossas relações. Aparente ou não, existe uma grande
diversidade de grupos culturais em nossa sociedade. Além disso, enormes diferenças culturais
entre classes sociais, diferenças essas forjadas pela nossa formação histórica.
contato ou aproximação com outros códigos culturais. As nossas escolas geralmente refletem
valores e costumes da classe média dominante. Esses padrões impostos aos alunos muitas
vezes não têm nenhuma relação com seu meio ambiente e incorporam valores que não lhes
dizem respeito. Isso contribui para a manutenção de grupos presos a determinados códigos
sem possibilidade de acesso a outras linguagens e outras culturas, ou nos termos de Rouanet
(1987: 137), manter num gueto cultural “o indivíduo marginalizado que já vive num gueto
sócio-econômico”.
esses aspectos, de abrir o acesso a outros códigos, de ampliar os horizontes culturais de modo
a abarcar a diversidade, estarão usurpando um instrumento de que poder-se-á lançar mão para
situação. Pois, de acordo com Rouanet somente o domínio de outras formas de conhecimento
tendências. Na primeira, eles não incluem os esforços e as contribuições de grupos que, por
estimulam e exaltam a cultura popular, enfocada como “guardiã das tradições”, nos termos de
Chauí (l986: 20) e portanto de forma fixa e sem dinamismo. Desse modo, a pretexto de
reforçar nossa identidade cultural, acaba-se por desvalorizar, de certo modo, a alta cultura. Ao
56
tipos de cultura, seria necessário criar mecanismos que, por um lado, preservassem e
Em alguns casos, tentando recuperar a herança artística dos alunos, com base em
seu ambiente sócio cultural, a escola tem contribuído para reforçar a criação de guetos
culturais ao invés de promover uma aproximação dos códigos culturais de diferentes grupos.
meios de comunicação de massas, as escolas deveriam criar mecanismos que, por um lado,
procurassem assegurar o acesso de todos a outros códigos culturais, e por outro, resgatassem e
preservassem a multiplicidade dos diversos grupos que compõem nossa sociedade.
Com relação a esse resgate, queremos deixar claro que não estamos nos referindo
ao resgate ou culto puro e simples das raízes culturais de um grupo. Essa visão de cultura
como algo tradicional, imutável, fixo e sem dinamismo, embaça a realidade. A essa visão
influências passa a incorporá-las na sua prática, não fechando os olhos, nem julgando
grupos historicamente dominados, sem cair na ingenuidade de fazer de conta que a cultura
dominante nunca existiu. É preciso não cair num nativismo purista ou essencialista que vê a
cultura através de uma perspectiva estática, como homogênea e não afetada por outras
influências.
culturais e institucionais, é apenas mais uma forma de acomodação à ordem social vigente.
56
feita de diferentes relações de poder e por isso a questão da educação multicultural deve
erudita, estamos reafirmando nosso próprio percurso histórico e, ao mesmo tempo, tomando
cultural, mas sobretudo a um compromisso de criar mecanismos que dêem a todos iguais
condições de atuação na sociedade. Deve-se fazer do processo educativo “...uma atividade que
supõe uma heterogeneidade real e uma homogeneidade possível: uma desigualdade no ponto
sentido de transformar as práticas vigentes através de uma participação mais ampla e ativa na
PENSANDO A PRÁTICA
NAS ÁREAS ESPECÍFICAS
10
O ENSINO DAS ARTES PLÁSTICAS NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
INTRODUÇÃO
Com a intenção de contribuir para esta discussão, apresentamos aqui uma análise
do trabalho que temos desenvolvido, no campo das Artes Plásticas, com alunos da
primeira delas, atendendo o aluno de todas as habilitações (plástica, música e cênica), possui
um caráter introdutório de iniciação ao códigos1 e conteúdos básicos da linguagem visual.
disciplina prática, não deixamos de lado, em momento algum, a referência aos conteúdos da
linguagem. Assim, o aprendizado técnico está sempre integrado ao conhecimento dos códigos
1
Compreendemos por códigos, os princípios de estruturação da linguagem, inclusive as diferentes formas
que assumiram ao longo da história da arte.
88
tituído por duas disciplinas lecionadas em semestres diferentes, possui conteúdos com uma
técnicos e expressivos. Por outro lado, os alunos que são das outras habilitações e não cursam
que compõem esta coletânea, achamos conveniente ressaltar, mais uma vez, que nossas
atuar no sentido de democratizar o acesso à cultura e à arte. É por isso que colocamos em
primeiro plano o trabalho com os conteúdos da linguagem, pois acreditamos que é apenas
através do domínio deste saber que se tornam mais reais e concretas as possibilidades de se
sociedades. Para Porcher (1982b) ensinar o desenho consiste em ensinar um poder, no sentido
Isso não quer dizer que esquecemos ou que desprezamos o aspecto expressivo e os
processos cognitivos específicos que a arte é capaz de mobilizar no contexto pedagógico. Ao
conteúdos que subsidia a apreciação e também a atividade prática desenvolvida com a criança.
Pensamos, no entanto, que é desnecessário nos determos nestas questões, pois elas já são
ORIENTAÇÃO DIDÁTICA
trabalho. Consideramos este eixo condutor indispensável, pois ele forma a base necessária
para a compreensão ampla e profunda da arte no que diz respeito tanto ao aspecto conceitual e
noções de espaço e composição. Estas noções, integradas aos referidos elementos visuais,
formam os princípios e a estrutura fundamental da obra de arte.
conceitos elementares, seguidos de exercícios práticos que explicam e reforçam tais conceitos.
Esta ordem pode ser invertida, isto é, de acordo com as necessidades didáticas podemos
uma outra forma, nova para a maioria dos alunos, de pensar. Estamos nos referindo à
organização do pensamento que depende da acuidade e do refinamento da percepção visual. O
que propomos é que o aluno aprenda primeiro a ver para depois então, como coloca Porcher
(1982b: 104), aprenda a dominar o gesto do desenho: “gesto esse que não é, aliás, um puro
2
GARDNER, H. Frames of mind: The Theory of Multiple Inteligences. N. York: Basic Books, 1985,
apud MORAN, 1990: 30.
88
imagens e pensar as imagens. É esse tipo de pensamento que sustenta todas as artes visuais
e é com o objetivo de estimulá-lo que levamos nossos alunos, logo no começo do trabalho, a
das formas (combinações entre os elementos visuais) entre si e das formas com o espaço
(suporte).
Vale lembrar que todas as pessoas guardam pelo menos um mínimo e intuitivo
senso de equilíbrio e composição, que é bastante nítido, em geral, nas primeiras etapas do
grafismo infantil. Esta questão é muito bem colocada por Rhoda Kellogg, em Analysing
Children’s Art (1970), onde a autora faz um estudo sobre a evolução do grafismo infantil,
pensando também a relação das formas com o espaço. Tomando por base as teorias da gestalt,
ela afirma que toda criança é capaz de, a partir dos seus primeiros desenhos, por volta dos dois
anos de idade, construir imagens onde o espaço é não só experimentado e percebido, mas
O esforço que propomos de início aos alunos trata, então, de resgatar e ampliar a
percepção para as estruturas visuais mais elementares. Principalmente porque a maior parte da
clientela do curso de Educação Artística não tem nenhuma experiência prática anterior, nem
Na medida em que os alunos vão compreendendo que o desenho pode ser con-
siderado uma forma de grafia que vai construindo imagens – as quais seguem determinados
obras de arte de diferentes épocas e estilos. Essa aproximação com a arte funciona como uma
3
Embora saibamos que alguns movimentos artísticos do séc. XX se propõem a romper e extrapolar os
limites dos princípios e da estrutura tradicional da arte, trazendo novos elementos e modos de atuação,
consideramos que não seria conveniente levantar tais questões neste momento do processo pedagógico.
Algumas vezes, no entanto, o próprio aluno, mais adiante, traz algumas indagações sobre o significado
de tais movimentos.
88
como apreciação das obra de arte, um processo que engloba a descrição da imagem
configurada, referências ao contexto em que foi elaborada, análise de sua estrutura (elementos
ORIENTAÇÃO DIDÁTICA
Apreciação Produção
Ênfases Diferenciadas
Linha
Superfície
ELEMENTOS E PRINCÍPIOS DA LINGUAGEM Luz Noções de Espaço e Composição
Volume
Cor
AÇÃO PEDAGÓGICA
Fluência
todas as artes visuais. Sobre esse assunto, tomamos como apoio didático as idéias de Pierre
Francastel (1982) sobre espaço genético e espaço plástico e de Fayga Ostrower sobre espaço
expressivo, que encontra-se em Universos da Arte (1983). Este livro fornece também um rico
linguagem.
Francastel faz uma leitura da obra de arte como tradução da concepção que o
artista e seu tempo têm do espaço. Assim, ele analisa alguns tipos principais de construção do
espaço plástico: a) Espaço Projetivo, que seria o espaço da arte medieval e egípcia, por
exemplo. Aqui os elementos visuais são enumerados todos num mesmo plano; geralmente são
arbitrária, esses elementos, no entanto, seguem uma ordenação onde símbolos descritivos são
arrumados de forma a passar uma mensagem ou contar uma estória; b) Espaço Perspectivo,
desta nova concepção foi um processo que se tornou bastante nítido na pintura de Cèzanne e
tem predominado na arte do séc. XX: os conceitos topológicos de proximidade, distância,
4
Esta abordagem da perspectiva pode ser encontrada em Alberti (1990).
88
interna e específica do espaço na arte. Dessa forma, verificamos, por exemplo, como um
mesmo elemento adquire peso visual e conteúdo diferenciados, de acordo com a sua
localização no espaço (suporte). Com isso, fica claro que esse espaço não é neutro, e sim um
Essas noções nos levam a trabalhar, então, com a idéia de que a imagem é
constituída através da inscrição de formas – que são as diversas combinações possíveis entre
exige que se estabeleça uma relação dinâmica, um diálogo entre as formas e o espaço na busca
sempre das questões básicas de composição, de modo que cada elemento é conceituado,
experimentado através dos exercícios práticos, e ainda, exemplificado com obras de diversos
artistas. Em determinadas etapas, propomos exercícios em que dois ou três elementos visuais
expressivas.
desenho: sem uma linha expressiva não há desenho. Indicativas de direção no espaço, as
linhas podem ser retas (estáticas), curvas e diagonais (dinâmicas), finas, espessas, quebradas,
contínuas, próximas ou distantes entre si (indicando claro e escuro), representar texturas etc.
de desenhos de alguns artistas como Da Vinci, Van Gogh, Calder, Picasso, entre outros.
Nesses exemplos a linha é, sozinha, o único elemento visual articulado no espaço, podendo,
de acordo com o modo como é usada, representar outros elementos como a luz e o volume
(fig. 1).
que se fecha em torno de si mesma, criando assim um espaço bidimensional (largura e altura)
quadrados, triângulos...), como fizeram, de uma maneira rigorosa, por exemplo, Mondrian e
Malevith, ou então como Rothko, que usava uma geometria mais informal em sua pintura.
contornos irregulares ou orgânicos, como bem ilustra a fase conhecida como abstracionismo
maneira chapada, sem indicações de volume. Por isso, as imagens por ela produzidas têm um
caráter sintético. Essa característica é bem percebida em trabalhos figurativos, como por
exemplo, nas pinturas de fachadas e paisagens de Volpi, anteriores à fase das bandeiras (fig.
3).
Outra qualidade das mais importantes da superfície é que ela pode ser represen-
tada superposta, isto é, podemos desenhar superfícies surgindo por trás umas das outras,
criando assim uma sensação de profundidade, de avanços e recuos no espaço. Esse é um dos
princípios básicos do cubismo, que faz exatamente uma síntese geometrizante dos objetos,
Usamos, como referência para esses exercícios, obras de Miró, Calder e Kandinsky, por
contrastes de claros e escuros, o que cria ritmos de avanços e recuos no espaço, já que o claro,
em nossa percepção, avança, enquanto o escuro, recua. De início, essas qualidades da luz são
ampliando assim a noção de profundidade espacial (fig. 5). Outros exercícios são também
Rembrandt e Goya, mestres na representação da luz, são usados como referência didática com
perspectiva clássica, que usa um único ponto de fuga central (fig. 8), pois nossa intenção é
vezes, induz a imagens do tipo naturalista mais acadêmico. No entanto, levamos ao aluno
outras visualidades também naturalistas, mas que são possibilidades alternativas ao
predomínio do modelo artístico que fez do realismo clássico um padrão de cultura. É o caso,
A cor, quinto e último elemento visual que tratamos, envolve uma série de teorias
e relações colorísticas bastante extensas. Em nosso trabalho, nos restringimos a quatro destas
primárias e secundárias, quentes e frias, complementares e escalas tonais. Essas relações são
abordadas levando-se em consideração as diferentes estruturas espaciais que por elas são
geradas.
88
percebemos as cores quentes como indicadoras de massa e densidade que avançam no espaço,
enquanto as cores frias, indicadoras de leveza e transparência, recuam. Este é o princípio que
A partir daí, a densidade dos objetos passa também a ser representada por esta
relação colorística (fig. 9), o que podemos perceber muito bem nas belíssimas naturezas
mortas de Cèzanne.
...
conteúdos expressivos específicos. Daí o dizer corrente de que, quando mudamos a forma,
mudamos também o conteúdo da imagem representada.
Chamamos a atenção também para o fato de que são os contrastes entre as qua-
lidades dos elementos que criam as tensões que dão expressão ao desenho.
Ao final desta primeira etapa do trabalho, conseguimos, em geral, atingir três dos
nossos principais objetivos, pois a maioria dos alunos é capaz de: a) articular conscientemente
os elementos visuais, pensando a sua relação com o espaço; b) observar uma obra de arte e
88
perceber sua estrutura e suas qualidades expressivas com base na leitura dos seus conteúdos
obras de arte que, usadas como exemplo dos conteúdos abordados, traçam um panorama da
história da arte.
Vale ressaltar que neste curso não utilizamos nenhum tipo de material sofisticado;
ao contrário, usamos apenas materiais bastante simples, como lápis de cera, de cor, grafite e
tinta anilina. Isto porque nossa preocupação, neste primeiro momento, não é tanto a expressão
Suporte Técnico
embora, ao final do curso, utilizemos também materiais como pastel oleoso, aquarela e guache
que, às vezes, dependendo do modo como são empregados, podem ser considerados pintura.
podem ser conhecidas seguindo-se uma metodologia organizada. Da mesma forma, aprender a
desenhar envolve princípios específicos, que também podem ser conhecidos, pois “o ensinar
a desenhar, equivale a dessacralizá-lo, a dar-lhe o seu verdadeiro sentido e sua mais elevada
do desenho; c) no estímulo da percepção visual, pois aqui estão novamente “em jogo as inter-
hábitos de percepção, hábitos de origem social que tendem a fazer ver os objetos somente sob
sua função utilitária se torna secundária em relação à função estética. Aliás, o que distingue a
88
arte dos demais objetos criados pelo homem é justamente o fato de que, na arte, a função
estética é predominante em relação às outras funções que possam com ela coexistir. Mesmo
na arte abstrata, onde o objeto da arte é o próprio signo ou elemento artístico, opera-se esta
nova e específica contextualização. Dessa forma, dá-se uma apropriação do objeto num
sentido transformador. Para Piaget, “conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo para
transformadoras.”5
Essas questões acima colocadas são importantes para que não se reduza o
exemplos, com parte dos materiais que utilizamos ao longo do curso e que descrevemos aqui
mações sobre as suas qualidades expressivas peculiares com os elementos visuais. O carvão é
um material gráfico por excelência, já que com ele é possível traçar linhas de vários tipos,
articular tons que vão do cinza mais claro ao preto mais fechado e, ainda, obter nuances de
sombras que dão uma densidade extraordinária aos objetos (fig. 10). Com desenhos clássicos,
como de Dürer, modernos, como de Degas, até contemporâneos, como de Alan Cote,
expressiva da linha com o bico de pena (fig. 11), ou significativos contrastes de claro/escuro
nas aguadas (fig. 12). Aqui, a principal referência – na verdade uma grande lição – que
usamos é a da tradicional pintura oriental (japonesa e chinesa), que, além da fantástica técnica,
é exemplar da capacidade de síntese na arte e de uma relação própria das formas com o
espaço.
5
PIAGET, Jean. Psychologie et Pédagogie. Paris: Demoël - Gounthier, 1968, p. 48, apud PORCHER,
1982b: 106.
88
ainda, a própria relação colorística adequada ao tipo de imagem e de espaço a ser construído
(fig. 13).
explorando também a relação das manchas de cor com interferências de linhas (usando bico
de pena e lápis de cor) como fizeram Kandinsky e Paul Klee (fig. 14).
cor, texturas secas e superposição de camadas de tinta. Essas qualidades técnicas do guache
permitem buscar referências visuais na própria pintura – já que a atitude plástica é muito
próxima – como as de Tomie Otake, Iberê Camargo, J. Pollock, entre outros (fig. 15).
...
Nesta disciplina, seguimos uma dinâmica que procura alternar exercícios mais
abertos, que dão espaço para uma expressão mais pessoal, com propostas mais fechadas, que
acreditamos que não existem fórmulas mágicas para que o aluno sem maiores vivências
adquira este domínio. Ao mesmo tempo, temos a intenção de, através destas propostas,
diferentes referenciais visuais utilizados como suporte, pela técnica ou pelo modo como é
88
utilizado o próprio material – cada material engloba o uso de diferentes técnicas – e ainda
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise que aqui apresentamos é uma síntese do percurso básico que costu-
mamos seguir ao longo de oito meses de trabalho. É importante ressaltar que existe uma
trabalho:
b) Uma vez que o nosso curso é uma licenciatura, ter em vista sempre a formação
Desta forma, acreditamos que os resultados de nosso trabalho têm sido bastante
satisfatórios, cumprindo com sua meta principal que é a iniciação à linguagem, favorecendo a
apreciação e o fazer artístico. Com isto, procuramos formar profissionais capacitados para
arte.
88
_______________
Agradecemos a todos os alunos que passaram por nossas turmas, cuja experiência nos enriqueceu. A
seleção de trabalhos para as ilustrações restringiu-se à exemplificação de aspéctos básicos, sendo
portanto uma amostra reduzida das questões abordadas no texto.
11
MOVIMENTO, DANÇA E EDUCAÇÃO:
UM DESAFIO DA ESCOLA DE HOJE.
uma visão dualista de mundo que separa corpo e mente, razão e emoção, matéria e espírito.
Refletindo essa visão, as nossas principais instituições educacionais primam por privilegiar o
aspecto sensorial-afetivo.
1
Gardner, Howard - Frames of Mind: the Theory of Multiple Inteligences. N.York: Basic Books, l985,
apud Moran, l990; 30.
88
Tanto é assim que podemos encontrar pessoas com uma habilidade especial para
ouvir e escrever, enquanto outras acompanham com mais facilidade o que podem ver. O
“inteligência” procurando...
E como educar para o desenvolvimento integral? Como fazer com que as escolas
trabalhem não apenas o aspecto informativo e racional, mas também tentem desenvolver
um tipo de habilidade que nos permita ver, perceber e sentir melhor o mundo. Além disso,
lembrá-las e poder externá-las através das diferentes formas de representação entre as quais as
Acreditamos que não se trata, no momento, de optar por esta ou aquela tendência.
Devemos resgatar as diversas contribuições positivas lembrando que o essencial é que se abra
corporal.
Sabemos que é por meio de seus movimentos que a criança entra em contato com
o mundo, busca informações, assimila experiências e capta impressões. Em seu livro The
“A criança prova a vida por meio de seus músculos. Estende progressivamente seu horizonte
mental graças a sua habilidade de enxergar melhor e manter a cabeça na posição ereta”.2
Ora, se a criança aprende a partir das relações que estabelece entre os sentidos e o
corpo, entre o corpo e o ambiente; se é através do movimento que ela se expressa e se
comunica, é necessário que aprenda a conhecer seu corpo para melhor utilizá-lo. Explorando
Existe portanto uma via de mão dupla nesse processo. Da mesma forma que nos
movimentamos para aprender, a qualidade dos nossos movimentos é fruto da nossa história de
vida. A maneira como nos movimentamos e como usamos nosso corpo varia segundo o
ambiente sócio-cultural onde vivemos. É a cultura que define, limita e algumas vezes, até
mesmo autoriza o espaço de movimento do corpo. Se, por um lado, temos o meio ambiente
2
Citado por Stokoe (l975: l2) onde não encontramos maiores referências sobre o livro de Catherine
Landreth.
88
Na tentativa de superar esse impasse é que a escola não pode ter apenas a função
Deve assumir como tarefa oferecer programas que privilegiem o corpo enquanto veículo
expressivo capaz de despertar a consciência para as relações que existem entre o corporal e o
verbal, entre o concreto e o abstrato, entre o homem e o mundo. É precisamente este trabalho
que vai resgatar na pessoa sua expressão individual, aquilo que faz de cada um de nós um
mais aguçado. De uma boa percepção se formam imagens claras; sobre imagens claras se
constrói uma linguagem (seja verbal, escrita ou corporal) mais precisa e ampla, através da
qual o indivíduo estabelece uma boa relação consigo mesmo e com o mundo (cf. Stokoe e
Harf, l980).
sensorialmente, não apenas o aluno, mas também o professor. Trabalhar novas formas de ver,
em que coloca a criança em contato com as tradições locais. Do mesmo modo, estímulos à
criatividade através da imitação de animais, insetos e aves induzem a percepção das noções de
volume, velocidade, peso e intensidade. Nesse sentido, as relações entre conceitos espaciais e
o processo de alfabetização adquirem extrema importância. Como identificar as letras p, q, b
percepção da sequência das letras deve ser o resultado da compreensão dos conceitos de
Outro aspecto a ser considerado é a enorme defasagem motora com que a maioria
das crianças chega à escola. Com a complexidade da vida urbana e o crescimento das cidades,
as crianças não têm mais espaço para suas brincadeiras. Ficam mais tempo em casa,
acomodadas diante da televisão que lhes satura os olhos e os ouvidos com todo tipo de
nosso trabalho e nossa cultura exigem de nós relações que passam pela mente e não pelo
corpo, vamos ficando cada vez mais distantes da experiência corporal. Estamos acostumados
interação entre as diversas partes do corpo, fornecendo à criança os meios para melhor
que sentimos, do que queremos dizer e de como queremos dizer” (Stokoe e Harf, l980: l5).
E não apenas isso. Além de estimular o uso do corpo como veículo expressivo, o
trabalho de expressão corporal e dança vem complementar outras disciplinas tradicionais que
muitas vezes de caráter lúdico, envolvendo sensibilização, criatividade e expressão. Por isso,
no trabalho com movimento corre-se o risco de cair no comodismo do laisser-faire tal como
ocorre em outras áreas do ensino de artes. Tal atitude invalidaria todo o processo de
reeducação do corpo. Não se trata de deixar que os alunos se movimentem à vontade ao som
energias ou uma descarga emocional, mas de como transformar isto em ações significativas.
88
um conjunto de técnicas que oriente a prática. Antes de propor qualquer atividade, o professor
deve ter muito claro o que quer e aonde quer chegar. É necessário uma cuidadosa organização
e um planejamento prévio. A nosso ver, Patrícia Stokoe e Ruth Harf (l980: 16-22) apontam
um caminho, quando mostram que o trabalho de expressão corporal deve ser desenvolvido
e o para quê das partes que compõem nosso corpo e de suas ações.
ambiente.
girar, arrastar-se.
aula deve ser não apenas a de orientador, mas também de estimulador, investigador,
diferentes respostas.
que essas atividades vão despertando a capacidade de perceber a beleza do movimento, vão
movimento que não só oferece uma rica experiência física, psicológica e social, mas capacita
desenvolveram o gosto pela arte do movimento. E aqui nos referimos ao movimento como
uma linguagem artística culturalmente estruturada, segundo princípios que variam de acordo
com a história e com as diferentes sociedades. Por isso estamos falando de familiarização, da
artísticas. Para uma criança brasileira, por exemplo, a dança de Shiva, tão rica em movimento,
pode não ter, a princípio, nenhuma significação, por não fazer parte de seu universo cultural, o
que já não acontece com o pagode ou a lambada. Há que se trabalhar, portanto, no sentido de
ampliar este universo, colocando o aluno em contato com a maior variedade possível de
manifestações artísticos corporais para que se estabeleçam pontes que levem do samba ao
ensinar a ler, escrever e contar, mas ajudar os alunos a amadurecerem integralmente como
seres humanos. Por isso, não nos importam as diversas denominações que se possa e queira
dar ao trabalho com movimento na escola. Que se trate de educação pelo movimento,
expressão corporal ou dança. Discutir sobre qual dessas atividades escolher parece inócuo. O
88
essencial é que aconteça uma inversão do eixo saber/sentir colocando o sistema sensorial
como responsável pela obtenção de informações. lembremos de que não há nada na cabeça
Se, repetindo Spinoza, “ninguém determinou até hoje o que o corpo é capaz de
fazer”, urge, mais do que nunca, descobrir este corpo e seu potencial. Tomar posse desse novo
universo, aprendendo a conhecer a sua história, como ele se movimenta e o que o impele a
em transformação.
12
ENSINO DE MÚSICA:
PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS DO CONSERVATÓRIO
Maura Penna
multifacetada. Entretanto, como um recurso para a discussão que se segue, tomamos a liberda-
formação da personalidade;
linguagem;
da E. A. é marcada pela proposta polivalente, que concebe uma abordagem integrada das
curta, que pretende formar, até mesmo em um ano e meio, um professor capaz de atuar no
primeiro grau em todas as áreas artísticas – contribuiu para a diluição dos conteúdos
Apesar dos problemas que cercam a prática da E. A., consideramos que essas duas
terceira etapa, em busca de caminhos para o resgate de conteúdos, necessários para que a E.A.
continuidade e qualidade – nas escolas (regulares) de 1o e 2o graus. Por um lado, isto se deveu
ao predomínio das artes plásticas (e em menor medida das artes cênicas) no espaço da E. A..
Por outro, inserida no campo da E.A., a música também enfrentou o processo em que a
proposta polivalente e as deficiências dos cursos de formação do professor (não exclusivas das
Neste quadro, muitas vezes o espaço reservado para a música está a cargo de
professores que encontram dificuldade em desenvolver objetivos propriamente musicais,
...“uma ação pedagógica mais centrada no falar sobre música do que com o
fazer musical propriamente dito ou com a convivência com os modos de
estruturação da linguagem musical em cada contexto cultural [... ou ainda]
por certas práticas devido tão somente ao prazer imediato que possam
proporcionar enquanto atividade lúdica, recreativa, promovendo a
descontração, o desenvolvimento psicomotor, a fixação de outros
conhecimentos (a música como veículo de transmissão da palavra), a
integração grupal, a liberação emocional”. (Santos, 1990: 31)
1
Excetuando-se tanto o período do canto orfeônico quanto algumas escolas de elite, de grandes centros
urbanos.
88
em grande parte, de enfrentar o desafio de levar uma educação musical de qualidade para a
escola de 1o e 2o graus. Isto é evidente no desprestígio dos cursos voltados para a formação do
professor em diversos centros de ensino superior em música2, ainda que muitos bacharéis só
preservou seus conteúdos – assim como seus problemas – porque conservou-se sem
pressupostos destas, o que talvez seja consequência de seu relativo isolamento, que o protege
de grande parte dos problemas e dos processos de questionamento da educação brasileira. Por
autonomia interna – na estruturação dos cursos, por exemplo – , por não estarem sujeitas a um
controle tão intenso dos órgãos normativos. No caso dos cursos superiores, o mesmo acontece
escolas de acesso restrito, em sua grande maioria particulares, com função (social) básica
também bastante restrita: formar tecnicamente, pelo e para o padrão da música erudita4, os
2
Diversas universidades (como a UNICAMP, por exemplo) mantém apenas bacharelados, em detrimento
de licenciaturas − em música ou em E.A./ habilitação música.
3
Por “escolas especializadas” referimo-nos às instituições voltadas para o ensino de música. Tomamos o
“conservatório” como protótipo deste tipo de escola e do ensino de caráter técnico-profissionalizante. É
claro que essas escolas diferenciam-se entre si, mas o que pretendemos em nossa discussão é uma
caracterização em termos globais.
Quando “escola” não receber especificação, trata-se da “escola regular”, ou seja, voltada para o ensino
de 1o e 2o graus.
4
Quanto à música erudita como referência e modelo para o ensino, ver Penna (1992: 23ss.).
88
de concerto. Ou, ainda, enriquecer, através da prática musical, a formação pessoal daqueles
que têm, socialmente, a possibilidade de acesso a essa forma artística. Isolamento que parece
por este processo. A própria prática pedagógica das escolas de música especializadas é,
aponta em relação ao modo como o método tradicional costuma ser utilizado em sala de aula,
de forma repetitiva e mecânica.
Não são conteúdos desse tipo que buscamos preservar ou resgatar, pois não são
da linguagem musical.5
5
Entendemos por metodologia bem mais do que estratégias de ensino, o “como fazer”. É o método que,
em função de uma finalidade educativa, dá a forma da ação pedagógica, selecionando e organizando
conteúdos, e planejando atividades para a sua aquisição. Ver, ainda, Gainza (1977).
88
II
de relações sonoras.
expressão.
6
Ver a análise de Algumas cenas cotidianas de aprendizado musical, em Penna (1992). As cenas 2, 3 e 4
retratam práticas correntes nos conservatórios.
88
metodologias que mostram-se inadequadas para vincular o fato sonoro à sua representação
gráfica, a vivência musical à sua formalização abstrata. A questão básica é que tais
rios à apreensão da linguagem musical – só podem ser eficazes para quem já possui
familiarização com a música e seus códigos, ou por outro tipo de experiência de contato com a
música.
apenas para poucos, e mesmo profissionais que tiveram esse tipo de formação carregam
deficiências daí decorrentes. Assim, se não são eficazes sequer para a própria clientela dos
conservatórios, por que tais modelos pedagógicos são preservados? Mais ainda: eles não
apenas são preservados, mas correntemente aceitos e reconhecidos como o modelo do ensino
espaços, até mesmo nas escolas públicas, cuja clientela é distinta e tem necessidades
licenciaturas plenas em E.A./Música, uma vez que as disciplinas do currículo voltadas para o
domínio dos conteúdos de linguagem são, muito frequentemente, marcadas por esse mesmo
modelo, carregando os seus problemas. Além disso, o currículo deixa pouquíssimo espaço
metodológicas. O mito do dom, do talento inato, ainda corrente, age como uma proteção
7
Tanto a questão da formação dos esquemas de percepção necessários à apreensão das linguagens
artísticas através da familiarização, quanto a necessidade de se tomar como objetivo próprio da ação
pedagógica o seu desenvolvimento são discutidas mais detalhadamente em outros textos desta
coletânea. Ver, por exemplo, O Papel da Arte na Educação Básica.
88
atender às necessidades dos alunos, que passam a ser responsabilizados por seu próprio
fracasso.
Diante deste quadro, não basta apresentar alternativas metodológicas. Aliás, são
desde o início do século8, sem que o ensino de música de fato se renove, uma vez que não
sustentam as práticas conservatoriais, o que procuramos fazer até este ponto da nossa
discussão. Pois este é o primeiro passo, no desafio de encontrar caminhos para que o ensino
de música possa, nas salas de aula do 1o e 2o graus, realizar um projeto de democratização no
acesso à cultura.
III
Para que a ação pedagógica no campo da música possa concretizar tal projeto,
(Penna, 1990: 37). Pois o objetivo central da música na escola regular é distinto da formação
8
Como, por exemplo, as propostas de Orff, Willems, Suzuki, entre outros, lembrando que interessa, mais
do que “adotar fielmente” um método, analisá-los e incorporar suas contribuições. Para uma visão geral
das abordagens que têm colaborado para a renovação da pedagogia no campo da música, ver Gainza
(1988).
88
Para dar à música esse papel, não há receitas prontas que garantam a ação
cotidiana em sala de aula. No entanto, podemos contar com algumas indicações. Em primeiro
lugar, é preciso aprender com a análise crítica tanto da prática conservatorial quanto do
percurso da arte-educação. A construção de novos caminhos não se dará pela opção por um ou
por outro, mas antes através da procura de incorporar suas contribuições e ultrapassar os seus
limites, sem descartá-los a priori. Assim, não há porque repudiar o movimento da arte-
educação...
indivíduo, embora critiquemos o modo como suas bandeiras se difundiram gerando práticas
que levaram ao esvaziamento dos conteúdos de linguagem.
indicação que nos é dada pela experiência pedagógica de Fayga Ostrower9, nas artes plásticas:
Pois devemos lembrar que mesmo propostas de musicalização a princípio bem orientadas –
baseadas sobre o fato sonoro e buscando formar esquemas de percepção – por vezes
9
Para uma análise de seus princípios básicos, ver Desvendando os Universos da Arte..., nesta coletânea.
88
Podemos, finalmente, apontar algumas etapas concretas que, a nosso ver, integram
o percurso necessário para a concretização deste projeto para o ensino de música nas escolas:
escolar ou no 1o grau, há professor e horário específico; em outras, uma banda ou coral, como
atividade extra-curricular, envolve apenas alguns alunos. Na maior parte das vezes, o espaço
em que a música pode se instalar é o da E.A., em meio a todo tipo de dificuldade, inclusive
professores de música na vida de nossos alunos, e por um curto período.” (Penna, 1990: 72-
73)
mas nunca dissolvidas na polivalência –, seja sob qualquer outro nome, o que importa é a
prazo:
das políticas educacionais e a mobilização por uma ampla participação na sua elaboração.
10
Nos termos de Santos (1990: 34), que analisa o problema e propõe alternativas, em artigo que traz
relevantes subsídios para o ensino de música nas escolas regulares.
88
especificamente formados para tal. Professores capacitados para uma ação pedagógica
domínio da linguagem musical com um enfoque educativo, que lhes forneça tanto
portanto, repensar a formação deste educador, pois nem os bacharelados em música, nem as
cunho teórico-abstrato e/ou caráter polivalente, em decorrência dos termos normativos que
linguagem musical são, no geral, insuficientes para uma formação consistente. Por sua vez,
estas disciplinas costumam ser ministradas segundo o modelo conservatorial, de modo que, na
sua discussão.
professor precisa dispor de alternativas metodológicas que possam adequar-se tanto aos
recursos disponíveis quanto às características de cada turma com que trabalha. Por vezes,
principalmente quando somos “os únicos professores de música na vida de nossos alunos”,
11
Um tratamento mais aprofundado dessa proposta pode ser encontrado no artigo sobre o tema: A questão
curricular: por um eixo pedagógico para as licenciaturas em arte, nesta coletânea.
88
possibilidades restritas de uma situação desfavorável ao ensino. Assim, diante dos limites e
dológica do professor que lhe permite decisões de cunho pedagógico-didático que atendam
busca não pode se dar a esmo, mas em função das diretrizes básicas para uma E.A.
consciência de nossos pressupostos, princípios e metas que podem balizar as nossas buscas,
Se o caminho não está pronto, ele se abre à nossa frente, no momento em que nos
O conservatório que está tanto fora quanto dentro de nós, quer em nossa prática ou em nossa
formação, quer nos compêndios didáticos ou nos modelos que adotamos. Cabe, neste
12
Para a discussão de algumas propostas “de emergência”, ver Penna (1990: 72-80).
13
Apresentadas em Diretrizes para uma Educação Artística Democratizante..., nesta coletânea, e Penna
(1990 - parte II), respectivamente.
Parte V
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
13
A QUESTÃO CURRICULAR: POR UM EIXO PEDAGÓGICO
PARA AS LICENCIATURAS EM ARTE
primeiro momento, em tomar consciência do trajeto do ensino de arte em nosso país. Neste
ensino de arte formal e instituído, quer dizer, o ensino oficial, em contraposição a formas de
À primeira vista, podemos dizer que o ensino de arte oficial cumpriu um percurso
a Academia Imperial de Belas-Artes, criada em 1816 com a Missão Francesa (cf. Barbosa,
1978: 16-17), ou o Conservatório de Música do Rio de Janeiro, fundado em 1847 (cf. Kiefer,
1976: 71). Eram escolas de caráter técnico que visavam formar os profissionais de um
entretenimento da elite – esta, os consumidores de arte –; eram escolas localizadas no centro
1971, que pretendeu, através da Educação Artística (E.A.) como componente curricular
obrigatório, colocar a arte em todas as escolas de 1o e 2o graus deste país – particulares e
públicas, urbanas e rurais, dos grandes centros culturais ou de qualquer rincão do interior.
1
Os dois primeiros itens deste texto foram originalmente desenvolvidos pela Profa. Maura Penna, para a
apresentação da proposta do eixo pedagógico no Painel Currículo - Em Busca da Sintonia Histórica, VI
Congresso Nacional da Federação de Arte- Educadores do Brasil, Recife, novembro de 1993.
128
insere – configura uma ampliação no acesso à escola. Mas não por uma evolução natural, nem
por benevolência dos governantes, mas como resultado de uma luta popular pelo direito à
médio, de modo que os cursos técnicos não credenciavam ao vestibular, não davam acesso à
universidade, o que significava chances desiguais para as diferentes camadas sociais. Esta
situação é revertida com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961 (Lei 4024), que por sua
vez estabelecia o ensino básico em apenas 4 anos, sendo omissa quanto à questão de sua
gratuidade. Por sua vez, a Lei 5692/71 estende o ensino básico para 8 anos, comprometendo o
Assim, apesar de todos os seus problemas, é fato que a Lei 5692 resultou na
expansão do sistema público de ensino e colocou mais gente na escola, dando oportunidade
para que camadas sociais antes totalmente excluídas frequentassem as salas de aula.
Simplesmente com isso, portanto, ela configurou um avanço social e democrático. Sendo
proclamamos, essa ampliação no acesso à escola por si só deveria ser suficiente para nos levar
a rejeitar qualquer forma de saudosismo de uma antiga escola, onde “nos bons e velhos
tempos se aprendia”. Não cabe lamentar a antiga escola eficiente, nem o seu canto orfeônico
ou outras de suas práticas, pois essa escola era ainda mais elitizada, e boa parte de sua
eficiência assentava-se justamente na origem social de seus alunos. Alunos que podiam trazer
de casa uma série de habilidades prévias, que garantiam a eficácia das práticas pedagógicas
vigentes – inclusive podiam trazer de casa uma vivência de contato com as linguagens
Precisamos, no entanto, ser críticos tanto com essa “antiga escola” quanto com os
efeitos concretos da Lei 5692. Pois também é fato que a Lei 5692 não trouxe a universalidade
pretendida, e o sistema de ensino ainda não atende a todos como deveria. Ou, pior, embora
haja uma maior presença do povo na escola, a elitização mantém-se por outras vias. Como diz
o educador Luiz Antônio Cunha (1985: 57-58), é um paradoxo perverso: “a expansão da rede
acaba por manter a restrição no acesso ao saber, protelando-se para estágios mais adiante e de
acesso mais difícil – como a pós-graduação – a formação que antes era disponível em outros
níveis.
reproduzida também através das práticas pedagógicas e metodológicas adotadas. Mais gente
na escola significa alunos de origens sociais diferenciadas, de modo que práticas pedagógicas
anteriormente eficazes não mais “funcionam”, não podem mais atingir os mesmos resultados.
Isto porque estas práticas pressupõem habilidades prévias; no caso do ensino de arte, uma
vivência de contato e familiarização com as linguagens artísticas, o que só é possível através
de determinadas experiências culturais, que não são dadas a todos igualmente na sociedade, e
às quais a nova clientela da escola não tem acesso. A ação educativa, então, fornece a
A isto tudo se liga a discussão sobre currículo, de modo que se torna crucial
O modelo de licenciatura nas diferentes áreas artísticas que vigorava com a LDB
metodologia, etc. – é abordada em abstrato, como se fosse possível aprender a ensinar não
para dar um encaminhamento pedagógico adequado aos aspectos técnicos do fazer artístico.
Isto porque, ao se enfatizar o conhecimento técnico desvinculado dos conteúdos das
inconcebível que, ainda hoje, quando todos os programas e propostas de reforma curricular se
encaminham no sentido de democratizar o acesso à educação, encontremos correntes
defendendo o resgate deste antigo modelo para as licenciaturas em arte. Não podemos
esquecer que este modelo de licenciatura só podia ser eficaz em um determinado momento
quanto a sua licenciatura são marcadas pela proposta polivalente, já bastante criticada, que se
mostra ainda mais nefasta nas licenciaturas curtas, que pretendem formar, no curto espaço de
licenciatura curta são bastante conhecidos, de modo que nos ateremos à discussão da
apresenta deficiências. Até mesmo pelos dispositivos que estabelecem o currículo mínimo, as
modo que as disciplinas voltadas para o domínio dos conteúdos específicos da linguagem
mais diante das necessidades da maioria de nossos alunos, que chegam à universidade tanto
sem a bagagem de um estudo de arte consistente a nível de 1o e 2o graus, quanto sem uma
vivência de contato e familiarização com as linguagens artísticas em suas formas mais
O que tem acontecido, na maioria das vezes, é que não há integração entre os
conteúdos técnicos e pedagógicos. Isto é, nas disciplinas práticas, que tratam do fazer artístico
em cada linguagem, não se estabelece uma ligação com os aspectos pedagógicos envolvidos
neste fazer. Ao mesmo tempo, nos poucos espaços curriculares voltados para as questões
pedagógicas, muitas vezes os conteúdos são secundarizados, quando não totalmente ausentes,
como no caso de disciplinas de didática geral, que pretendem garantir a ação educativa do
formação do professor, assim como o enfoque abstrato e genérico que é dado às disciplinas
pedagógicas alimentam uma postura, bastante corrente inclusive entre os alunos, que relega as
técnico. Assim seria num bacharelado, voltado para a formação do artísta. Na licenciatura,
com a luta por uma real democratização no acesso ao saber, à cultura e à arte, o resgate de
conteúdos precisa estar incorporado em uma formação que tome como objetivo central e
linguagem específica – quer isso seja feito em uma licenciatura específica ou em uma
educador. Essa proposta2 não pretende ser um modelo fechado, mas um convite à discussão.
Por eixo pedagógico, referimo-nos a um elenco progressivo de disciplinas que,
partindo das questões mais gerais da educação, tem por objetivo: a) promover experiências
práticas, b) fornecer embasamento teórico, c) incentivar reflexões voltadas para as questões
pedagógicas - preparando assim a atuação do futuro professor na escola. Este modelo sugerido
é composto de disciplinas semestrais a serem distribuídas sequencialmente ao longo do curso,
tomando-se como referência a duração média de quatro anos (ver fig. 1).
2
A proposta do eixo pedagógico foi originalmente desenvolvida pelo Grupo de Estudos, coletivamente, no
texto O Ensino das Artes nas Universidades e a Formação dos Professores para a Educação Básica,
apresentado no I Congresso sobre o Ensino das Artes nas Universidades (ECA/USP, maio de 1992).
128
Os dois eixos podem ser articulados, já que é reconhecida a necessidade de resgatar a prática
campo da arte, apenas por meio de disciplinas de cunho pedagógico – já que metodologias
sem conteúdo são simplesmente vazias –, por outro, um currículo orientado exclusivamente
composta de duas disciplinas, reunindo os alunos das diversas áreas artísticas, para possibilitar
um intercâmbio. Isto visa evitar que a reação contra a polivalência leve a uma concepção
PARTE COMUM
− Voltada para os problemas básicos e atuais da educação em nosso país, como por exemplo
caminhos educacionais é necessária, como aponta Libâneo (1990: 143), a “compreensão dos
mecanismos geradores do insucesso escolar”, como condição para que evitemos reproduzi-los.
Fique claro que não se trata aqui de um estudo formal da legislação, como atualmente
− Voltada para o estudo e discussão das diversas concepções das funções da arte na educação,
contribuições e limites. Sem se restringir à experiência das artes plásticas, esta discussão deve
linguagem, diferenciando-se para cada área artística. O nome de cada área poderia completar,
3 - Oficina Pedagógica I
4 - Oficina Pedagógica II
etárias, a disponibilidade de recursos materiais, etc. O primeiro nível tem por objetivo a
abordados.
5 - Metodologia do Ensino I
6 - Metodologia do Ensino II
− Visam o conhecimento e análise crítica dos vários métodos disponíveis na área específica,
assim cair no tecnicismo que em diversos momentos imperou na área de educação. Vale
salientar que entendemos que a metodologia não se restringe ao “como fazer”, envolvendo,
básica. Mas o ideal é que a experiência na escola não se restrinja a estes estágios, sendo
deveriam estar a cargo de professores, da área artística, que tenham uma preocupação com a
particulares de cada centro de formação. Apesar de não pretendermos que seja definitiva,
consideramos que a proposta aqui apresentada constitui o mínimo indispensável para a
Educação, que poderia ser paralela à primeira Oficina Pedagógica, como uma disciplina
voltada para o conhecimento dos diversos processos psicológicos envolvidos na
Para compor o currículo pleno, seria necessário articular a este eixo as disciplinas,
de caráter teórico ou prático, voltadas para o domínio dos conteúdos específicos de cada
linguagem. A nosso ver, é indispensável que o objetivo destas disciplinas seja sempre a
lugar de pressupor uma familiarização prévia, visar a própria formação dos esquemas de
construção formal, sem os pré- requisitos para tal. Como etapas deste processo de formação
dos esquemas de percepção, vale lembrar que o primeiro passo deve ser sempre o manejo
prático dos elementos de linguagem, e em seguida a sua conscientização; apenas sobre esta
de partida a realidade do aluno, para evitar trabalhar com conteúdos esvaziados, que para ele
não têm qualquer significação. Por outro lado, a oposição entre a expressão e a técnica pode
ser evitada, na medida em que a técnica seja concebida e abordada enquanto um instrumento a
serviço da expressão, e não como finalidade em si mesma. Tal abordagem dos conteúdos de
discutidos.3
com reflexões mais amadurecidas e claras sobre os problemas da E.A., sobre a função do
formado para tal. Sem dúvida, a tarefa de reestruturar os cursos de formação do professor de
arte, assim como a luta pela valorização social dos profissionais de educação, não passa
apenas por propostas curriculares ou discussões acadêmicas. Mas estas são, certamente,
imprescindíveis.
3
A este respeito, ver artigos da parte III e IV desta coletânea.
128
Figura 1
EIXO PEDAGÓGICO
• PARTE COMUM
3 - Oficina Pedagógica I
4 - Oficina Pedagógica II
5 - Metodologia do Ensino I
6 - Metodologia do Ensino II
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