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A divisão em três momentos narrativos acaba por corresponder a três fases
distintas nesta busca de um paraíso perdido ou, simplesmente da felicidade. Num
primeiro momento, é apresentada uma sociedade onde a imagem é o principal
nutriente do indivíduo. Numa segunda fase, os malefícios deste tipo de controlo são
denunciados e confrontados com um mundo anterior que está próximo da realidade do
leitor. Por fim, dá-se a definitiva tomada de posição com o vislumbrar de uma
identidade diferente que renascerá depois de uma guerra necessária para expurgar os
males da civilização.
Em toda a descrição, o fogo é o elemento primordial que desempenha funções
antitéticas: o fogo infernal que tudo destrói com o sopro breve de um extintor
transformado em lança-chamas pelas mãos de um “bombeiro” e o fogo que aquece e
revitaliza. Este culto do fogo, enquanto princípio elementar, está presente em cada um
dos momentos supracitados e subjaz a este discurso do pós-guerra que vive no limiar
de uma modernidade estética à procura de uma renovada identidade.
Paul Éluard
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No início queimar era um prazer. A identidade contra a qual Montag se
insurgirá vive do poder destruidor do fogo imposto pelas forças da ordem de uma
sociedade onde tudo é ignífugo - Não só as casas como as pessoas que, salvo uma
pequena minoria em vias de extinção, sobrevivem à prova do calor das emoções.
Neste cenário de total inversão de valores tudo é analisado e determinado sob a
forma de uma doutrina pragmática e eficaz:
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É um bom trabalho. Segunda-feira queimar Millay, Quarta -feira Whitman, Sexta-feira
Faulkner, transformá-los em cinzas e depois queimar as cinzas. É o nosso estribilho oficial. 5
Chupa-se o que está velho para pôr novo em seu lugar e tudo fica outra vez certo. 6
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Nicholas Riddley queimados por heresia em pleno século XVI. O método dos
bombeiros é inquisitorial, vive de denúncias e do faro de um cão mecânico. À falta de
um livro que reúna as preferências de todos, queimam-se as palavras e reduzem-se a
pó os textos e os seus autores. Diz Montag, após assistir ao suicídio de uma mulher
que é cremada com os seus livros:
(…) pela primeira vez, notei que, atrás de cada um desses livros estava um homem.
Algumas vezes é necessária toda uma vida a um homem para pôr as suas ideias por escrito,
olhar o mundo e a vida à sua volta; e eu chego e bum! Em dois segundos tudo se acaba. 7
Montag, ao ser abordado por Clarisse, desperta para uma consciência profunda
da pluralidade intrínseca a cada ser e transforma-se em leitor das obras que destrói,
compreendendo, neste processo, que o sofrimento pode ser benéfico quando ligado à
reaprendizagem da vida.
Sendo a felicidade entendida como um axioma, o questionar da mesma torna-
se no pesadelo de Montag que compreende o grau do seu infortúnio quando concluí:
Deve haver alguma coisa nesses livros, coisas que não podemos imaginar,
para decidir uma mulher a ficar numa casa que arde. (…) Lembrar-me-ei
desse fogo toda a minha vida! Toda a noite na minha imaginação tentei apagá-lo. 8
A primeira resposta é-lhe dada pelo capitão Beatty, líder exemplar, na medida
em que possui memórias do passado, ainda que seleccionadas, conhece o conteúdo de
alguns textos e cita mesmo alguns excertos, quando testemunha que os livros nada
dizem de importante. A tarefa do bombeiro é, nas palavras do capitão:
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Vamos recomeçar, partindo do princípio. Ao proferir esta sentença, Montag
inicia a desconstrução da sociedade perfeita.
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da história. Uma vez mais, a ordem e a lei prevalecem e a justiça é implacável mesmo
tratando-se de um dos seus discípulos.
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conheceu Mildred e consegue sofrer por ela, Montag liberta-se do poder exercido
pelos bombeiros, como se o homem que capturaram no seu lugar representasse,
simbolicamente, a sua vida anterior. Após todas estas transformações, é-lhe possível
recordar a passagem bíblica, também ela utópica, do livro de Eclesiastes que contém a
filosofia da nova sociedade:
Conclusão:
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Notas:
1. Contudo, em Portugal, a legendagem inviabiliza, desde logo, o propósito do realizador.
2. Posteriormente Wim Wenders em “Until the End of the World” voltou a questionar a influência viciante das
imagens que é superada pelo poder de uma obra de ficção inédita. Já em “Lisbon Story” contam-se imagens
roubadas ao acaso e as palavras tornam-se acessórias, reformulando a noção Becketiana que nada há a dizer,
contudo diz-se ainda.
3. Ray Bradbury, Fahrenheit 451, Edições Livros do Brasil, Lisboa, s.d., p. 11
4. Ibidem, p.114
5. Ibidem, p. 16
6. Ibidem, p. 24
7. Ibidem, p. 68
8. Ibidem, p. 67
9. Ibidem, pp. 76-77
10. Ibidem, p. 106
11. Ibidem, p. 195
Bibliografia:
AA. VV., Utopia Mitos e Formas, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1993.
Ray Bradbury, Fahrenheit 451, Edições Livros do Brasil, Lisboa, s.d.