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OPINIÃO
Para contextualizar esse tema, pedimos vênia para transcrever toda a noticia da
Folha, verbis:
1. Os fatos
“Planalto não explica por que ministro repassou dados de investigação que tramita
em segredo em MG.
O Ministério da Justiça confirmou, em nota enviada à Folha, que Jair Bolsonaro “foi
informado sobre o andamento das investigações em curso” sobre as candidaturas
laranjas do PSL, sigla à qual o presidente é filiado. A pasta acrescentou que “as
informações repassadas não interferem no trâmite das investigações”.
A Folha quis saber, entre outros pontos, por que o ministro Moro encaminhou uma
cópia da investigação ao presidente e qual o amparo legal para o repasse de
informações cobertas por segredo de Justiça. O Planalto não respondeu.
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08/07/2019 ConJur - Cezar Bitencourt: Moro confirma crime de violação de sigilo funcional
A Folha também fez uma série de indagações ao Ministério e ao ministro Moro, por
meio de sua assessoria, mas não houve respostas exatas sobre os pontos
questionados.
A reportagem quis saber, por exemplo, como Moro teve acesso ao inquérito
protegido por sigilo e por que decidiu repassar cópia para Jair Bolsonaro.
O Ministério encaminhou apenas uma curta nota na terça-feira (2), que afirma: “O
presidente da República foi informado sobre o andamento das investigações em
curso [laranjas do PSL]. Também foi informado que existem outras investigações em
andamento que tratam de possíveis irregularidades envolvendo questões relativas a
agremiações partidárias. Todas as informações repassadas não interferem no
trâmite das investigações, que correm com total independência na Polícia Federal”.
Indagada sobre por qual motivo Moro teria repassado dados da investigação para
Bolsonaro, a PF acrescentou: “As manifestações do Ministro devem ser esclarecidas
pela assessoria do próprio MJ [Ministério da Justiça]”.
Revelado pela Folha no início de fevereiro, o caso das laranjas do PSL é alvo de
investigações da Polícia Federal e do Ministério Público em Minas e em Pernambuco
e levou à queda do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno,
que comandou o partido nacionalmente em 2018.
Reações
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Segundo Randolfe, a notícia sobre o repasse dos dados “é extremamente grave” pois
“coloca em dúvida a lisura e a imparcialidade das investigações por parte da Polícia
Federal”.
O senador pediu que Moro seja indagado se está ciente da lei que estabelece que “é
dever do Estado controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas
produzidas por seus órgãos e entidades, assegurando a sua proteção”.
“Só posso falar em tese. Em tese nós sempre queremos acreditar que jamais um
terceiro vai ter acesso a uma investigação. O presidente, apesar de ser autoridade
máxima de um país, é sempre um terceiro, ele não deve ter acesso a investigações
em andamento”, disse o representante dos delegados.
“Tem que ter uma notícia-crime. Um inquérito tem que ter justa causa para
instauração, um indício de que houve um crime. Se o presidente tiver indício de que
houve crime e apresentar como notícia-crime, a instauração tem que ser feita.
Genericamente não é possível, porque senão vira fiscalização, e a PF não é órgão de
fiscalização”, disse Paiva".
2. O direito
O nosso Código Penal disciplina distintamente a violação do segredo profissional
(artigo 154) e a violação do sigilo funcional (artigo 325), reconhecendo a necessidade
de proteger o sigilo de determinados atos praticados pela Administração Pública,
que merecem, não raro, maior reprovação social, prevendo, inclusive, sua forma
qualificada.
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08/07/2019 ConJur - Cezar Bitencourt: Moro confirma crime de violação de sigilo funcional
Sujeito ativo desse crime só pode ser quem tem ciência de segredo em razão de
cargo (público). Trata-se de uma modalidade muito peculiar de crime próprio, uma
vez que a condição especial não se encontra no sujeito ativo propriamente —
funcionário público —, mas na natureza da atividade ou função em razão da qual
tem a possibilidade de ter ciência do sigilo funcional. Enfim, embora não diga
expressamente o texto do artigo em exame, que sujeito ativo somente pode ser
funcionário público, ainda que o seja transitoriamente, como autoriza o artigo 327
do Código Penal.
A conduta praticada por Sérgio Moro, como ministro de Justiça, foi revelar segredo
que significa contar a alguém (presidente da República) fato de que tem ciência em
razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação que é
tornar possível ou acessível seu conhecimento, sendo duas, portanto, as condutas
previstas no artigo 325 do Código Penal, que têm o seguinte significado: a) revelar
(desvelar, declarar, divulgar) fato de que o sujeito ativo tem conhecimento em razão
do cargo (segredo de ofício) e que deva permanecer em segredo. Revelar tem uma
abrangência mais restrita do que divulgar, que implica um número indeterminado
de pessoas, ao passo que para revelar é suficiente que conte ou declare a alguém; b)
facilitar (pôr à disposição, facultar) a revelação (o funcionário propicia dolosamente
a descoberta).
Essa matriz típica objetiva a proteção do sigilo funcional específico, próprio e típico
da função pública, para manter secretos ou sigilosos fatos relevantes, inerentes à
função pública, punindo a violação do sigilo de fatos que se tem conhecimento no
exercício de certos cargos públicos. A proteção inclui o segredo oral e não apenas o
documental, ou seja, não importa a forma ou o meio pelo qual o funcionário toma
conhecimento do fato ou do segredo: por escrito, oralmente, compulsando
documentos etc.; desde que tal conhecimento tenha ocorrido em razão do cargo
público que exerce, tampouco é relevante o meio ou forma pela qual faz a
revelação, desde que, ressalta a descrição típica, se trate de fato que deva
permanecer em segredo.
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08/07/2019 ConJur - Cezar Bitencourt: Moro confirma crime de violação de sigilo funcional
No entanto, não é qualquer fato ou segredo que merece a proteção penal. Para que o
sigilo de fato justifique a proteção penal é necessário que reúna dois elementos: (i)
um negativo — ausência de notoriedade do fato, isto é, que não seja de
conhecimento público ou daqueles fatos cuja publicidade lhe seja inerente, sem
violar o direito à privacidade individual, que é o caso de investigações criminais
com sigilo decretado pela autoridade competente; (ii) outro positivo — dever
funcional de preservá-lo, cujo sigilo funcional é exigido pela elementar típica “que
deva permanecer em segredo”, exatamente como é o caso concreto da divulgação
total da investigação sigilosa dos “laranjas do PSL.
Aliás, o ministro da Justiça nem deveria saber do conteúdo das investigações, mas
apenas informações sobre o seu andamento, como chefe administrativo da Polícia
Federal. Mas, na hipótese, Moro foi mais longe, muito mais longe, ao não apenas
revelar segredo funcional a um terceiro estranho ao inquérito, in caso, um “terceiro
qualificado” - como diria o douto vice-presidente Mourão – o presidente da
República, o capitão Jair Bolsonaro, e o mais grave, pessoa diretamente interessado
no resultado das investigações, posto que os investigados são integrantes do seu
próprio partido político, o PSL.
ativo (Moro) revela a terceiro fato que teve ciência nas circunstâncias definidas no
tipo penal, isto é, em razão do cargo e que deve ser mantido em segredo; consuma-
se, enfim, com o simples ato de revelar, independentemente da ocorrência efetiva
de dano, pois é suficiente que a revelação tenha potencialidade para produzir a
lesão, que, se ocorrer, constituirá o exaurimento do crime, e, nessa hipótese,
qualifica a infração penal (pena de dois a seis anos de reclusão, e multa). Aliás, o
dano à Administração da Justiça é automática, rompendo o sigilo decretado e
prejudicando as próprias investigações.
Para concluir, o parágrafo 2º do artigo 325 qualifica o crime quando resultar dano
para a Administração Pública. Todo esse dispositivo legal disciplina crime de perigo,
tanto no caput quanto em seu parágrafo 1º; contudo, se de qualquer das condutas
sobrevier dano, quer para a Administração Pública, quer para terceiro, configurar-
se-á a modalidade qualificada (parágrafo 2º) (crime qualificado pelo resultado), que,
na hipótese, é inevitável. Aliás, o dano nem precisa ocorrer: basta a potencialidade
lesiva da conduta (figura qualificada). Na hipótese, verifica-se o seu exaurimento,
sobrevindo dano à Administração Pública ou a terceiro, in caso, a própria Justiça e
os investigados.
[1]. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo brasileiro, 16. ed., São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1991, p. 389.
[2]. Ver nosso Tratado de Direito Penal, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2006, v. 2.
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