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A Sociedade do Círculo Perfeito

JAJ Ribeiro
Este é um livro que mistura ficção com realidade. A maioria dos personagens citados pelo autor são
fruto da imaginação e qualquer semelhança com pessoas que existiram ou existem terá sido mera
coincidência. Alguns fatos são reais, como as reportagens sobre doenças sexualmente transmissíveis e
adultos desaparecidos. Cabe ao leitor decidir onde começa e onde termina a realidade e a ficção.
É dezembro.
A noite está agradável. O clima de verão mantém a temperatura na média dos 25 graus. As árvores
estão carregadas de folhas.
Uma lua cheia no céu faz companhia a um grupo infindável de estrelas.
Faltam poucas horas para a essa discutível virada do século. É a chegada do ano 2000! (Alguns
dizem que virada do século, mesmo será em 2.001, porque 2.000 apenas completa o século 20) A
humanidade está festejando alguma coisa, creio que a sua própria sobrevivência. O ser humano, desde a
virada do primeiro milênio, acreditava (ou ainda acredita?) que o mundo acabaria no ano 2000. Isto está na
Bíblia, em alguma passagem, que diz "chegará a mil, mas não a dois mil". Nunca foi pesquisar se isso é
verdade.
Da sacada do pequeno prédio-pensão onde mora, Gabriel acompanha, pelo clarão, o início dos
festejos da chegada de mais um ano novo. Não tem muito com o que comemorar.
Pé apoiado na grade corroída pelo tempo, cotovelo apoiado no joelho e, na mão, um copo de
uísque, um dos raros prazeres que ele mantém. Abandonou o cigarro, mas pensa no “amigo das horas
incertas” quase sempre, apesar de ter prometido a si mesmo, nunca mais puxar uma baforada. Nem que
seja “natural”.
E pensa. E observa.
Afinal, é disso que é feita sua vida. De pensar e observar. E escrever. Gabriel é jornalista.
E ao pensar e observar, ele lembra de coisas que havia prometido fazer no ano que está
terminando. A maioria delas continua por fazer. Só Celine foi e continua sendo uma realidade.
Trinta e cinco anos, um casamento e vários relacionamentos fracassados, alto e não muito forte,
Gabriel é o que ele mesmo costuma chamar de “um joão”. E explica: “O joão é aquele que chega em
qualquer lugar e ninguém vê que ele chegou, de tão comum”. Realmente, a única coisa que ele tem de
especial é um brilho nos olhos. Afinal, é através deles que aprendeu a ser observador. E essa qualidade o
fez um excelente repórter.
Quase instintivamente ele se volta para o pequeno quarto, sempre com a cama revirada, livros
jogados pelo chão, um computador domina o lado direito, ao lado da porta - que se abre para a esquerda,
senão derrubaria sua ferramenta de trabalho - e um grande espelho (parece aqueles de motel) do lado
esquerdo, este sim, atrás da porta quando ela se abre. Por certo o antigo morador daquele pequeno
“apartamento” gostava de olhar a si mesmo, hábito que Gabriel acabou por adotar.
Ao ver refletida no espelho a imagem de Celine, imagina estar sonhando. E caminha para abraçá-la.
Mas ela não está ali. É apenas o desejo de vê-la que o faz sonhar. Ou seria o uísque. Olha o copo onde já
predomina o gelo - obtido na geladeira da dona da pensão - e se dá conta que está só.
Dá mais um passo e olha em volta. De novo se dá conta de que o pequeno quarto é a clara
demonstração de mais uma promessa não cumprida. Num “cabideiro” provisório - que acabou definitivo -
feito rusticamente dominando um canto, de parede a parede, estão pendurados alguns ternos (usados em
ocasiões especiais) e toda a roupa que ele possui. Logo abaixo, numa cômoda daquelas que bem poderia
ter pertencido a Henrique III (se é que ele existiu) está o que lhe restou. Meias, lençóis, cuecas, fotografias.
Nada em ordem.
Gabriel lembra de Amanda, que viveu naquele mesmo quarto por alguns meses (se é que dormir e
sair de madrugada, de fininho, para chegar em casa sem que ninguém visse que ela havia saído pode se
chamar de “viveu”) e que se recusava a arrumar a cama, que ela encontrava sempre desarrumada.
- Prá que arrumar agora, se a gente vai desarrumar tudo de novo, logo mais à noite -, costumava
dizer.
Estão ali os fragmentos de uma vida. Ou seria de várias vidas?
Enquanto começa a juntar algumas roupas espalhadas pelo chão, enumera nomes que lhe vêm à
lembrança. Amandas, Sandras, Fernandas, Marias, Vívians, Solanges... Eram apenas nomes.
Mas Celine...!!! Celine, não. Essa era a sua realidade.
Com os olhos perdidos na parede, ele vê Celine à sua frente, olhos azuis, amendoados, grudados
nos seus. Morena, alta, de curvas perfeitas, vinte anos. Pele queimada do sol. No rosto, entre os olhos, uma
pequena mancha - como as que usam as mulheres na Índia. Ele gostava e ela adorava aquele enfeite. Nos
lábios, um batom vermelho. Nos olhos - aqueles olhos que pareciam contar histórias - leve contorno negro.
Sobre os ombros, um filete branco, mostrando que ela era recatada e usava biquíni - as duas peças -
quando se banhava ao sol, na piscina ou na praia. No rosto, perfeito, um sorriso. Como quem sabe que está
sendo avaliada. E mais ainda. Que o resultado dessa avaliação é muito bom!
O barulho de foguetes o desperta do sonho.
Celine desapareceu.
Gabriel se levanta e volta à janela. Acompanha o espoucar dos foguetes que anunciam a chegada do
novo milênio. E, ali, de pé, volta a fazer algumas promessas que, sabe, não serão cumpridas. Mas é um
ritual a que se dá o direito, todos os anos.
- Vou me dedicar a ganhar dinheiro este ano, prá sair desse pardiero -, diz, em voz alta, para ver se
convence a si mesmo a tornar a promessa realidade.
- Vou casar com Celine e acabar com essa monotonia, essa solidão , afirma. E, convencido de que
agora pode tudo, meio que com raiva garante:
- Esse é o meu ano. Vou dar um furo de reportagem e ganhar muito dinheiro, porra!!!
O rosto se ilumina com um sorriso. Ou seriam apenas os relâmpagos dos foguetes que iluminaram
aquele rosto? Difícil dizer.
Mas Gabriel sabia o que estava dizendo e olha, agora, diretamente para o ponto onde parece fluir
sua alegria. A algumas centenas de metros à sua frente, não fosse os edifícios que estão entre eles, poderia
ver um prédio com a cobertura toda iluminada. Ali acontece uma grande festa. É naquela festa que está
Celine. Em um ambiente do qual ele se recusa a compartilhar.
Celine, aquela morena de olhos azuis que não sai do seu pensamento, é filha de George W. Navarro,
um figurão da alta sociedade. Não é empresário, sequer produz alguma coisa. É superintendente de uma
estatal previdenciária. Mesmo a contragosto, Gabriel tem que admitir que existe alguma coisa de errada na
vida de George. Um alto funcionário público, mesmo “alto”, não pode ganhar tanto para levar a vida que ele
leva. Mora numa cobertura, oferece festas gigantescas, vive nas colunas sociais...
Mas isso não importa agora.
O que importa é Celine.

***********

“Hoje como todos os dias acordei


pensando em você.
Olhei no espelho
e vi sua imagem refletida em
meus olhos.
Bem lá no fundinho,
como se fizesse parte de mim.
Fechei os olhos.
Quando abri você
não estava mais lá.
Sumiu como
uma gota se perde no oceano.
(autor desconhecido)”

************

Celine está na sacada do prédio e, não fosse a distância e os prédios entre eles, poderia enxergar
Gabriel. Ela também, copo na mão, beberica uma mistura de batida de morango com vodca. No corpo
esguio, um vestido longo, negro. Rosto alongado, com traços perfeitos, cabelos pouco abaixo dos ombros,
negros, lisos. Os olhos - ah, aqueles olhos! - são azuis, profundos (mulher de olhos claros parece que tem o
poder de ler o pensamento da gente...). A boca se abre num leve sorriso e leva o copo à boca. Refletido na
bebida um colo separado por ligeiro traço negro onde estão dois seios redondos, pontudos, firmes. Nos
ombros, finas tiras de tecido apenas fazem de conta que sustentam a roupa, moldada em seios perfeitos.
Ao lembrar que poderia estar com Gabriel sente um fremito percorrer o corpo. E vem à lembrança alguns
dos momentos já vividos naquele pequeno quarto-apartamento.
(Ela está encostada na porta, ao lado do computador e do espelho. Apenas um passo à esquerda e
fica diante dele. O mesmo vestido negro apenas escorrega pelo corpo recoberto de uma pele bronzeada e
pelas coxas, quando ela desamarra os dois pequenos laços que o prendem sobre os seios. E o espelho
revela um corpo cheio de desejos. Quadris nas mesmas medidas que o busto cobertos por penugem
dourada. Entre as coxas uma penugem negra cobre o sexo, dois “V” um sobre o outro. O primeiro, mais
claro, a marca do biquíni. O outro escuro, uma penugem perfumada e macia. Aos olhos de Gabriel, uma
visão indescritível. Dois passos e os dois estão abraçados. E enquanto exploram - um o corpo do outro - se
ajoelham e se deitam sobre a cama, desarrumada. E os dois corpos se tornam um só, cheios de desejo.
Como em “flash-back” as imagens se sobrepõe em seu pensamento. Os lábios de Gabriel percorrem
o seu corpo. Depois de beijos nos olhos - ela adora ser beijada nos olhos - ele desce para o pescoço.
Enquanto isso as mãos - aquelas mãos sedentas e curiosas - percorrem suas pernas, seus seios, descem
para a vagina. Os lábios continuam descendo. Beijam entre os seios e mordiscam, de leve, os mamilos, que
se enrijecem. Ela geme ainda mais quando a boca desce para a barriga e contorna o umbigo. A língua de
Gabriel penetra naquele buraquinho e continua descendo. Ao encontrar os pelinhos em volta da vagina ele
sente o cheiro de fêmea, pronta para o sexo. E sua língua continua explorando locais que já conhece,
enquanto Celine se contorce de prazer.)
Celine pisca para afastar a lembrança. Seu corpo pede pelo corpo de Gabriel. Suas mãos exigem
carinho e o peito dói com a lembrança. Ela se dá conta que está cada vez mais apaixonada. E essa
constatação faz doer ainda mais o peito, porque ela carrega dentro de si um objetivo. E, por amor, por
determinação, por honestidade, ela precisa usar Gabriel para atingir esse objetivo.
Ela se volta e acompanha os convidados do seu pai para a festa do fim-de-ano. Estão ali o prefeito,
o delegado de polícia, o padre, a maioria dos amigos de sua mãe. Ela não compreende porque os colegas
de trabalho do pai não são convidados. Mas pessoas estranhas - alguns dos quais ela nem conhece - estão
sempre presentes.
E o espoucar de foguetes também ilumina seu rosto. Que sorri. Pela lembrança de Gabriel. Por saber
que dentro poucos minutos - assim que conseguir fugir da festa do pai - estará em seus braços.
Ela também pensa no que fará no ano que está chegando. Só que não tem o hábito de prometer e
não cumprir.
- Este ano vai ser um ótimo ano... um ótimo ano.. murmura.
E não se permite revelar - nem no pensamento - quais são os seus.
Mas os olhos brilham - na verdade parecem soltar faíscas - refletindo as luzes dos foguetes que
continuam explodindo no céu.

********

"O chão é cama para o amor urgente,


amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.
E repousar, vamos à cama.”

(Carlos Drummond de Andrade)

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- “E então, vamos ou não vamos sair?. Tá uma verdadeira festa, um baile ali na Marechal” (rua
Marechal Floriano), Gabriel ouve às suas costas.
É Marcos, o fotógrafo de um jornal onde Gabriel já entregou muitas reportagens, companheiro de
muitas horas de solidão e com quem divide muitas de suas incertezas. Os dois, juntos, já realizaram
trabalhos de reportagem que renderam alguns prêmios e preparam outra.
- Sei não! Tô aqui pensando com meus botões se vale a pena ou não. Acho que vou ficar um pouco
mais. Acho que Celine vem prá cá. Aí sim, quem sabe a gente sai.
- Aquela vai ficar na festa do pai. Tá cheia de gente da alta. Não vai vir não. Tô com a Luísa e uma
amiga. A gente vai prá Marechal porque estamos sem grana. Espero só mais meia hora. Se você for, bate lá
(se referindo à porta do seu quarto, no mesmo prédio-pensão).
- Tá bem. Quem é essa Luísa? Eu conheço?
- É uma dançarina de boate. Mulherão. Tirou folga hoje porque passagem de ano ninguém vai prá
boate. Depois a gente completa a noite aqui no meu quarto. Se você não for, fico com as duas.
- Vai firme.
- Orra meu. Tu tá perdido, hein. Recusando mulher?
Marcos sai e fecha a porta. Gabriel pensativo, remói a frase “recusando mulher?”. Quem diria. Até
há algum tempo isso não aconteceria, jamais. A festa estava pronta. Ficariam os quatro no quarto e até
mais se tivesse quem topasse. Mas agora, Celine mudou sua vida. Será?
Gabriel se estira na cama e começa - de novo, em pensamento - a tirar a roupa da garota. Primeiro
é a blusa. Ela levanta os braços para ajudar a tirá-la, os olhos (amendoados) fixos nos seus. Ele adora ver o
biquinho róseo daqueles seios, que ficam trêmulos diante de si. Aquele corpo moreno, bronzeado, se revela
por inteiro. As mãos - são quatro, que se revezam explorando todos os cantos dos corpos de cada um. Seus
lábios se unem num beijo apaixonado. E as mãos revelam contornos cada vez mais explorados mas sempre
desconhecidos. Mais uma vez, os dois corpos se fundem num só.

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Estava mais angustiado, que um goleiro na hora do gol;


Quando você entrou em mim, como o sol no quintal
Ai um analista amigo meu, disse que desse jeito, não vou ser feliz direito,
Porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual;
Ai um analista amigo meu, disse que desse jeito não vou viver satisfeito
Porque o amor é uma coisa mais profunda que uma transa sensual

Deixando a profundidade de lado,


eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia,
fazendo tudo e de novo dizendo sim à paixão, morando na filosofia.

Quero gozar no seu céu, pode ser no seu inferno,


Viver a divina comédia humana, onde nada é eterno...

Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso e eu vos direis no entanto,
Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto.

Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto...

************

Mariana se olha no espelho e gosta do que vê. Do alto do seu um metro e setenta de altura, loira,
olhos castanhos, seios fartos, firmes, e quadris proporcionais, ela enxerga uma mulher bonita, muito bonita.
Psicóloga, dona de uma clínica de atendimento médico, trinta e cinco anos bem vividos, distribuídos por um
corpo ainda escultural para quem não gosta de exercícios físicos, ela considera que apenas aquela cicatriz
que desce um pouco acima e ao lado do umbigo até desaparecer entre os pelos pubianos, destoa do
conjunto.
Ela está nua e um relâmpago traz à lembrança a noite em que foi atacada por um marginal e sentiu
algo frio e penetrante cortando a sua barriga. Ainda sente um arrepio ao lembrar da lâmina brilhando sob o
casaco daquele homem que é apenas uma vaga lembrança. Ela vinha da faculdade, se despedia de Lauro
na porta do prédio onde morava e foi atacada por um assaltante. Não houve tempo para qualquer reação e
ela já sentia algo pegajoso em suas mãos. Era o seu próprio sangue. No hospital, vários dias na UTI entre a
vida e a morte. Mas seu desejo de viver foi mais forte e ela está ali, muitos anos depois, recordando o
passado. Isso sempre acontece quando ela está diante do espelho. Mas o que fazer, ela gosta de se ver
nua.
Não é apenas Mariana que gosta dela mesma assim, “vestida” apenas com uma pulseirinha no
tornozelo direito. Fernando, seu marido, também gosta de vê-la nua. E aproveita todas as oportunidades
para isso. É um autêntico voyer. Mariana sabe. Deixa. Gosta. Se sente desejada, provocante.
...Ele está no canto da porta, prestes a entrar no quarto mas pára, dando vazão à sua necessidade
de observá-la. Como quem não sabe de nada, ela dobra o corpo para apanhar um lenço no chão e oferece
ao marido a visão que ele gostaria de receber. Ainda como quem não sabe de nada, ela joga o lenço sobre
os ombros, cobre os seios e passa a percorrer com a mão os pelos pubianos. (Fernando não sabe, mas na
mente de Mariana não é ele quem está passando as mãos em seu corpo, fazendo com que ela fique
molhada de tesão. É Gabriel, por quem ela sente desejo. É apenas um caso - pensa Mariana - que não
imagina trocar Fernando por Gabriel. Mas ela o quer na cama. E isso a deixa cada vez mais com tesão. (Eles
se conheceram durante uma reportagem sobre massagem terapêutica, da qual participaram como
verdadeiras "cobaias" humanas. Daí em diante, os dois continuaram se encontrando, se olhando, se
tocando.)
Mariana e Fernando - ele médico conhecido na cidade - estão se vestindo para ir à festa de George.
Fernando não perde as festas de arromba promovidas pelo superintendente. E o que Mariana não sabe é
que Fernando participa também de outras festas promovidas por George, essas bem menos “família” como
a que eles se preparam para participar. Além disso, há um clima de segredo entre os olhares trocados por
ele e Suzane, a mulher de George. Mariana suspeita dessa “ligação” de Fernando com George. Há muito
tempo ela recebeu de forma velada, algumas propostas “indecorosas” para superfaturar atendimentos na
clínica. E a frase de George ecoa em sua cabeça:
- “Você pode ganhar muito dinheiro, se apenas fizer de conta que não sabe de nada e permitir que a
gente estruture o atendimento da tua clínica. Tenho gente especializada nisso. Tudo é legal!!!”
Ela não aceitou. E ainda não entende o que poderia ter sido feito.
Fernando entra no quarto e ela se volta, ainda nua, como que com vergonha, tapa os seios e o sexo
com as mãos, puxa o lenço sobre o corpo e se volta para a cama onde um vestido longo, branco, espera
para decorar aquele corpo escultural.
- Não demore porque eu também não demoro. Vou só jogar uma água sobre o corpo, me vestir e
estarei pronto. Já avisei no hospital que só estou para emergências, portanto, temos a noite toda para nós,
diz ele.
Ela veste uma calcinha cor da pele, coloca meia calça e olha para um sutiã sobre a cômoda. Resolve
que não vai vesti-lo. “Abaixo o sutiã” chega a murmurar, lembrando a campanha das feministas. Ela não
precisa. Seus seios são firmes, duros. Senta-se sobre a bancada da cômoda e começa a modelar o rosto
com sombra... rímel... batom...
E, por fim, o vestido. Se Gabriel a visse, por certo, pelo menos daria um suspiro. “Você é muito
gostosa” ela ouve ele sussurrar no seu ouvido, como sempre faz quando estão juntos. E o corpo se arrepia,
quando relembra alguns momentos já passados juntos. Os dois já estiveram muito próximos de uma transa,
que só não aconteceu ... por detalhe. E Mariana sonha com esse momento.

************

Do outro lado da cidade, Antônio Fernando também está diante de um espelho e se prepara para ir
a mesma festa. Jovem, atlético, vinte e oito anos, cabelo curto, olhos penetrantes. Nunca passa
desapercebido entre as mulheres, pelo contrário, faz um grande sucesso. Veste um terno bem cortado,
gravata, um relógio cartier no pulso junto a algumas pulseirinhas de ouro. Na mão esquerda, um anel
também de ouro, nada extravagante. Mas marcante.
Esse é o seu verdadeiro nome, mas há muito tempo que ele usa alguns, “emprestados”. Nos últimos
anos tem usado o nome de Francisco Leandro, o “Chico”, mais íntimo. O que ele procura esquecer é a
infância pobre no interior do estado. Das “peladas” de futebol no bairro trouxe como lembrança o corpo
atlético e um gosto por jogar todas as semanas com um grupo de conhecidos, mas no outro lado da cidade.
Não fala onde mora, não diz o que faz. Só se encontra com o grupo. Para todos é um viajante, um
representante comercial. Pára pouco na cidade, viaja muito. “Desaparece” por uma ou duas semanas, para
aparecer depois como se nada houvesse acontecido.
Na sua cabeça o último encontro com George. A caixa que ele lhe entregou parece de charutos. Mas
Chico não fuma. Dentro dela pelo menos 20 mil dólares em notas de 20 e 50. Ele só levanta os olhos como
que agradecendo, vira-se e sai da sala do superintendente. A mesma caixa que está sobre sua cama, agora
vazia. O dinheiro está no fundo falso do guarda-roupas junto a outros pacotes de dólares. São pelo menos
200 mil dólares guardados ali.
Chico não trabalha. É um boa vida. Na garagem um carro esporte, importado. No guarda-roupas
apenas ternos de grife, no bolso, muito dinheiro, cartões de crédito. O que ele faz só não é uma incógnita
para George, que sabe a preferência de Chico por mulheres loiras e altas. Dinheiro para o seu hobby não
falta. Há apenas uma restrição, clara, entre os dois. Ele não deve - e não pode - se aproximar de Celine.
Todas, menos Celine.
E é justamente Celine que não sai da cabeça de Francisco. Só que ele sabe que, se houver qualquer
coisa entre os dois, sua cabeça vai à prêmio. E George não costuma brincar quando se trata de cabeças...
Ele ri, ajusta a gravata, apanha um maço de dinheiro no fundo falso do guarda-roupas e lembra que
cedo tem que viajar, para cumprir com o que considera sua “obrigação”. Apaga as luzes do quarto e fecha a
porta. Uma noitada o espera...
Enquanto desce pela escadaria do prédio onde mora, toca o telefone celular. Ele atende o que diz se
perde em meio ao barulho que vem da rua.

*************

George está ao telefone. Fala baixinho, como se para impedir que alguém o ouça. Está visivelmente
irritado. A casa está cheia de convidados, outros estão chegando e agora esse telefonema. Murmura
algumas palavras em tom raivoso e desliga o aparelho ao mesmo tempo em que Suzane, sua mulher, se
aproxima. Ex-bailarina, ex-mis universitária, ex-mis simpatia de um clube local e ex-rainha das piscinas, ela
é o que se pode chamar de “mulher de parar o trânsito”. Sua beleza só é comparável à sua falta de
interesse pelos negócios do marido. A ela interessa dinheiro na conta bancária. O carro sempre abastecido,
talão de cheques, empregadas correndo pela casa. Vive cercada de homens, mas mantém - pelo menos
aparentemente - o que George considera “uma fidelidade canina” ao marido. Ele sequer imagina que seu
amigo Fernando está “beliscando” aquela flor. E há outros pretendentes. Isso ele sabe. Só que o medo do
que George pode fazer, ao mesmo tempo em que os faz amigos, afasta os mais afoitos.
Só então é possível perceber quem é George. Alto, corpulento, aparenta bem menos que seus
sessenta anos de idade, barba bem aparada entremeada de fios prateados como os cabelos, escondem
uma cicatriz, herança de uma infância não tão radiosa como está sendo a meia-idade. Terno cortado sob
medida, no pulso esquerdo um relógio cartier de ouro. Na mão direita um pequeno anel do curso de Direito,
que ele faz questão de usar, mesmo estando “fora de moda’’ como diz Suzane. “Isso impõe respeito”,
costuma dizer à mulher. Porém, profissionalmente nunca defendeu uma causa. Aos amigos afirma que “é
preciso conhecer as leis para poder burlá-las”.
- “Quem era ao telefone, amor”, pergunta a mulher.
- “Era engano”, diz, para não dar explicações.
E se dirige aos convidados. Um sorriso no rosto esconde a preocupação com o telefonema. Mas isso
pode ser resolvido com outra ligação, pensa. E conversando com um e outro se dirige à sala ao lado, onde
o telefone é direto, sem extensões, para não correr qualquer risco.
Entra na biblioteca, levanta o telefone, disca um número e fala por monossilabos:
- É George!!!
- .....
- Está confirmado. Ele está investigando e chegando perto.
- ...
- Agora é com você. Eu não quero saber o que você vai fazer. Só quero resultados práticos.
E desliga.
A ruga de preocupação continua lá. Ele força um sorriso e retorna à sala.
A festa promete....
Não fosse aquele telefonema...

**********

A festa foi realmente muito boa... para os outros. Gabriel acordou no primeiro dia do ano sozinho.
Sonhou com Celine, mas ela não veio. Acabou dormindo e esqueceu o convite de Marcos para ir até a
Marechal. Azar.
Repassa, mentalmente, o que aconteceu na noite anterior. Se dá conta de que é o ano 2000 e vê
que o mundo não acabou. Sabe - agora com certeza - que será, mesmo, o ser humano quem ainda acabará
com essa nave chamada terra, que percorre o espaço num círculo constante. Se move lentamente na cama.
Percorre com os olhos todos os cantos do quarto. Imagina que deve ser pouco depois de 7h da manhã e
decide que não tem nada para fazer. Afinal, hoje é dia primeiro do ano, da graça do ano 2000, virada do
século!!! que mais posso ter para fazer a não ser dormir? me pergunto.
Antes de chegar os olhos imagina o que poderia ter acontecido se tivesse ido à festa de George
Navarro. Mesmo se sentindo um tanto “por fora” do ambiente estaria com Celine. Sequer imaginava que
também encontraria Mariana. E é justamente Mariana que, num relâmpago, passa pelo seu pensamento.
Ele a vê sorridente - “aquela mulher tem uma energia muito positiva”, pensa - e inquieta. Ela não pára.
Caminha de um lado para o outro, senta um pouco, pega suas mãos. Conversa. Conversa. Conversa. Parece
que não cansa. Mas ele gosta. Ela tem o poder de levantar o seu astral.
Não foram poucas as vezes que ela serviu como um ombro amigo. Nem mesmo ela sabe que em
várias oportunidades, quando foi visitá-la, precisava mesmo era desabafar alguma coisa. Psicóloga, Mariana
acabava apontando algumas saídas para seus traumas. Ao mesmo tempo em que contava parte de seus
problemas - e com isso também acabava desabafando - a mulher, com um sorriso enigmático (mas sempre
simpático) lhe proporcionava prazer. E esse prazer era o mesmo que uma massagem. Ao ir embora se
sentia, sempre, mais leve.

Toca o bip, ele o apanha e lê a mensagem. “Encontrado um corpo de homem não identificado no rio
Barigüi. Informações no local e com a DH”. Ele não tem compromisso com o fato. Olha no espelho prá uma
cara amarrotada, vira para o outro lado e tenta dormir mais um pouco.

********

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo


Perdeste o senso!” E eu vos direi; no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol saudoso e em pranto
Ainda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas.”

(Olavo Bilac

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“O corpo de um homem não identificado foi encontrado, ontem, boiando no Rio Barigüi por pessoas
que corriam pela pista de cooper. O desconhecido, aparentando entre 45 a 50 anos, com barba por fazer,
roupas surradas, tinha quatro disparos de arma de fogo pelas costas. Tudo indica que foi uma briga de
gangues por droga que acabou em homicídio.
A polícia técnica de Curitiba fez o levantamento do local e não encontrou nada estranho. Calcula que
o corpo do desconhecido foi ‘desovado’ no rio em outro local e o corpo veio boiando até próximo ao parque,
onde foi visto pelos transeuntes.”
A notícia do jornal, no dia seguinte, era lacônica, sem outras informações. Gabriel lembrou ter
recebido um aviso no dia anterior, da Delegacia de Homicídios, informando sobre um corpo encontrado.
“Deve ter sido esse”, lembrou. Não deu muita atenção ao fato já que assassinatos não eram sua
especialidade, apesar de já ter feito muitas reportagens policiais. “Mundo cão, esse. Aí está um que festejou
demais na passagem de ano”, pensou, de novo. Mas alguma coisa ficou no ar. Ele gostaria de saber quem
era o desconhecido. “Quem sabe o assunto não rende uma boa reportagem”, voltou a conjeturar.
- São centenas de pessoas que desaparecem, diariamente, em todo o País. Quem sabe esse
desconhecido não é um dos “desaparecidos” de outro lugar. Depois vou até a DH para pegar mais
informações. Por enquanto, vou pesquisar números, fatos. Depois de montar um “esqueleto” vou me
aprofundar no assunto. Quem sabe não me rende uma “especial”, de novo, falou consigo mesmo.
Sentou-se diante do computador, ligou-se à Internet e começou a procurar algumas informações.
Ele tinha faro. Ali estava uma boa reportagem.
Poucas horas depois, o teclado do computador já fazia um som diferente. Parecia uma máquina de
escrever. As informações fluíam rápido. Faltaria apenas levantar o que a polícia tinha de informações sobre
o desconhecido.

Desaparecidos - um mistério cada vez maior

“Uma média de cento e sessenta pessoas desaparecem, todos os dias, no Brasil. Segundo as
autoridades policiais, a maioria delas simplesmente resolve “desaparecer” por problemas familiares. Alguns
se perdem por problemas de saúde (amnésia, temporária ou definitiva). Há os que fogem de problemas
financeiros e, ainda, os assassinados cujos corpos não aparecem.
Em Curitiba, em pleno 1.º do ano, mais um candidato a desaparecido em algum lugar do País foi
encontrado. Sem qualquer documento que possa identificá-lo, o homem aparentando cerca de 50 anos,
barba por fazer e roupas rasgadas parece ter se metido numa briga e saiu perdendo. Foi assassinado com
quatro tiros, disparados pelas costas.
“Tudo indica que se trata de um andarilho. A nossa única dúvida é que ele gozava de excelente
saúde, tinha os dentes perfeitos, inclusive alguns tratamentos de canal e obturações feitas com material de
primeira categoria. As mãos não aparentavam ser de alguém acostumado a ‘batalhar’ pela vida, pelo
contrário, eram finas e bem tratadas” explica o delegado encarregado pelo caso. O delegado acha estranho,
ainda, que ninguém nos últimos dias fez qualquer denúncia de desaparecimento nas delegacias de Curitiba.
Os dados do desconhecido foram enviados para todas as capitais, para ver se são obtidas algumas
informações que possam ajudar nas investigações"...

Esse era o começo da matéria. Deixa-a gravada no computador e se prepara para buscar mais
informações. Depois de conversar demoradamente com o delegado, vai até o necrotério. Conversaria com
seus conhecidos. Quem sabe levantaria outras informações.
- E aí, José. Tudo em cima?
- Claro ! E com você!
- Legal!!
- Tá procurando o quê? Ou vai dizer que veio só para fazer uma visita aos amigos das horas
impróprias?, diz o funcionário do necrotério.
- Que é isso, meu. É verdade que vim buscar algumas informações, mas nem por isso deixo de
tomar um cafezinho com os amigos. Vamos lá?
- Ok. Enquanto a gente bebe, você pergunta e eu, se puder, respondo, tá?
- Valeu, mano. Tô atrás de informações sobre aquele desconhecido cujo corpo foi encontrado no
Barigüi. Acho que ali tem alguma coisa estranha...
-Olha, eu achei algumas coisas diferentes no corpo do cara. Não exatamente no corpo, mas na
roupa. Tava tudo molhado, mas tinha esse pequeno papel já borrado, no bolso da calça. Achei que ninguém
ia querer. Mas agora, pensando bem, também acho que pode ter fundamento.
Gabriel pega o pequeno papel, amassado, e algumas palavras ainda estão legíveis.
“ ...MARCA ONSULTA PREVI DR ERNANDO PARA DIA 8 DE ABRIL. VER ORGE....”
- É, tá meio difícil.
- Tem outra coisa - diz o funcionário. A roupa do cara!!!
- Que tem a roupa?
- A etiqueta!!!
- Que tem a etiqueta...
- É de uma loja bacana. Tem marca. Foi comprada no shopping Curitiba, aquele que era um quartel
do exército e que virou shopping, aqui pertinho...
- Sei ... sei... que loja?
- Tá aqui, ó. Te engana com os próprios olhos...
- Gabriel observa o pequeno pedaço de pano e as engrenagens do cérebro fervilham. “Eu sabia que
aqui tinha coisa”, pensa.
- Valeu, cara... te pago uma cerveja. Hoje à noite lá na boate, legal?
- Legal. Tô precisando espairecer um pouco, mesmo...
- Tchau...
Com os dados da roupa na mão, Gabriel vai até a loja no Shopping. Os vendedores, porém, não
ajudam muito. A loja tem um bom movimento e fica difícil identificar quem possa ter comprado. Nem
mesmo com as características do morto eles conseguem lembrar quem seja. Decepcionado, ele vai embora.

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... "quando a gente gosta é claro que a gente cuida !!!


...
**************

A sociedade tem ares secretos. E é secreta. Chama-se Sociedade do Círculo Perfeito. Tivesse
estatutos, quadro social, diretoria, seria mais uma entidade dessas que existem aos montes por aí. Só
estaria faltando uma sede social, com piscina, churrasqueira e famílias se reunindo todos os finais de
semana. Mas são poucos os “associados”. Eles sempre se conhecem em reuniões fechadas. Raramente um
novo “sócio” é admitido. Para que se identifiquem, os homens ostentam dois círculos, um por dentro do
outro, tatuados no braço direito, logo abaixo do cotovelo, pelo lado de dentro. As mulheres - são poucas
nessa confraria - possuem os dois círculos tatuados na parte interna da coxa esquerda, meio palmo abaixo
da virilha.
O símbolo foi criado por George. É dos tempos de estudante, quando ainda em colégio interno, leu
um livro onde os homens se reuniam para conspirar sob o lema do círculo perfeito. Era a maneira pela qual
se identificavam, às vezes em postos chaves do poder. “Somos um círculo perfeito”, davam um jeito de
dizer numa conversa qualquer, banal. Quem pertencesse à confraria, sabia que tinha ali um companheiro.
Imaginou-se sentado à ponta de uma grande mesa - ela nunca seria redonda para não dar direitos
iguais - de onde coordenava um grupo de pessoas. Dava ordens, recebia informações, decidia destinos.
Hoje (à exceção da mesa) era o que fazia. Só que não estava mais sentado na ponta. Apesar de ter criado
a “Sociedade” e estruturado sua forma de atuação, acabou perdendo o posto. Pessoas mais poderosas
haviam assumido o controle. Mas ele também não havia perdido o pulso...
A inclusão de novos “integrantes” era uma solenidade curiosa e interessante. Todos os rituais
também foram criados por George. Sabia que os “novatos’’ se sentiriam impressionados. Quatro pessoas -
George, o Juiz, Chico e Fernando - que eram quem controlava a confraria., nunca eram vistos pelos
“iniciados”. Eles colocavam máscaras negras sobre a cabeça, coordenavam o ritual da tatuagem, davam as
ordens, estabeleciam o que o novo integrante faria, e repassavam um envelope, normalmente contendo
cerca de dez mil reais. Era o início de uma nova vida. Aquele “iniciado” caso estivesse em dificuldade - fosse
ela econômica ou com as autoridades - bastava incluir a frase “somos um círculo perfeito” que alguém
apareceria para ajudá-lo.
A confraria pagava advogados, médicos - tudo, afinal - para que o integrante se sentisse seguro. A
partir da sua inclusão ele passava a ter, mesmo, uma nova vida. Com a mesma frase, alguém poderia pedir
seus serviços. Fosse o que fosse...
As obrigações do novo integrante eram lidas por George - sentado à ponta da mesa, os outros
mascarados ao lado, alguns integrantes para dar apoio e o novato na outra ponta - na maioria das vezes
assustado, atento...
“Prometo - sob pena de responder com a minha vida - ser fiel, sem fazer perguntas, à Sociedade do
Círculo Perfeito...”
... Eu prometo! Repetia o iniciado.
“Prometo - sob pena de responder com a minha vida - cumprir às ordens da Sociedade do Círculo
perfeito...”
... Eu prometo!!
“ Prometo - sob pena de responder com a minha vida - respeitar em igualdade de condições todos
os integrantes da Sociedade do Círculo Perfeito...
- Eu prometo!!!
Os "iniciados” precisavam tirar a roupa. Ficavam nus. Segundo o estatuto da “sociedade” eles se
livravam, assim, de tudo o que havia passado. Recebiam um roupão, com dois círculos entrelaçados
bordados do lado direito. Mas não era apenas tirar a roupa. Para isso também havia um ritual. Homens,
primeiro a camisa, devagar (nada deveria ser feito com pressa), depois a calça, sapatos e meias. Por último
a cueca. Era um autêntico “strip”. George sabia que as mulheres normalmente se sentiam excitadas,
principalmente aquelas que estavam vendo aquilo pela primeira vez. Depois ele aproveitaria essa excitação.
Em seguida os homens eram tatuados no braço direito. Era a sua “marca” e o compromisso de seguir as
orientações da “Sociedade”.
Para as mulheres o ritual seguia o mesmo caminho. Primeiro a camisa ou blusa. Em seguida o sutiã.
Depois a saia ou calça comprida e calçados (junto com meias). Por último a calcinha. Normalmente quando
chegava a esse ponto George já estava “no ponto”. A tatuagem, depois, entre as pernas das mulheres o
deixava ainda mais excitado (e elas também). As mulheres também recebiam um roupão com os círculos
bordados.
Em seguida entrava o tatuador. Era alguém contratado, que não via o rosto de ninguém. George
tinha especial prazer em ver as mulheres sendo tatuadas. Escolheu - de propósito - um local sensível,
dolorido. Eram poucas. Não passavam de meia dúzia. Vê-las nuas, sentindo dor pela penetração da agulha
próximo à virilha, lhe dava tesão. Todas as mulheres pertencentes à sociedade, sem exceção, saíam da
sessão direto para a sua cama. Elas o conheciam - ninguém mais na Sociedade sabia disso. Fora ele quem
as colocara ali. Eram todas suas mulheres. Para isso, mantinha um apartamento num conjunto residencial
afastado do centro. Sempre chegava de carro, à noite. E saía antes de nascer o dia.

************
"Vou fazer a louvação, louvação, do que deve ser louvado...
...
Louvando quem bem merece, deixo o que é ruim de lado...
...
Louvo a paz pra haver na terra, louvo o amor que espanta a guerra..."

(Louvação - Gilberto Gil e Torquato Neto)

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Os dias seguintes são de muito trabalho. Ao mesmo tempo em que começa as investigações sobre
as falcatruas da Previdência, Gabriel prepara uma reportagem especial sobre o aumento das doenças
transmitidas pelo sexo. Pensa em ligá-la a mulheres e homens que fazem da prostituição meio de vida.
Precisa ir conversar com as mulheres que fazem ponto na rua Visconde de Guarapuava. Quer conhecer um
pouco do lado “humano” de cada uma delas. Mas a preguiça não deixa. Acabou não indo à boate conforme
combinou com o amigo que trabalha no necrotério. “Puxa, to devendo um bocado de cerveja. Preciso
arrumar uma grana de sobra para poder aparecer nos barzinhos da cidade, porque sempre vou encontrar
alguém prá quem estou devendo”, lembra.
Liga para o banco, apanha um extrato via computador e faz as contas. Ainda dá para sobreviver
durante alguns meses, sem muitos problemas. A última série de reportagens lhe rendeu uma grana legal.
“Preciso investir um pouco também na investigação daquele caso do corpo”, lembra. Mas a matéria sobre o
aumento no número de doenças sexualmente transmissíveis - e por vias indiretas sobre prostituição -, pelo
menos por enquanto, é mais importante. “A chegada do Viagra vai colocar no “mercado” um monte de
caras que estava com o “pinto morto”, pensa ele. A reportagem ele já tem para quem vender. A grana é
legal, vai ajudar a pagar as prestações do carro.
Levanta o telefone e faz algumas ligações. Precisa preparar o terreno para ouvir as pessoas certas.
Chama o fotógrafo e combina para se encontrarem no final da tarde. Vão juntos para a reportagem. Abre
um jornal da capital, seleciona - entre quase duas dezenas de anúncios de ofertas - um de uma garota se
oferecendo para programa. “Loira, sensual, com aparelhos. Satisfaz qualquer fantasia. Ligue para Keila,
telefone 972 mais alguma coisa.”
“O telefone celular foi a liberação do putedo”, pensa. É verdade. É difícil não encontrar uma mulher
de transa que não tenha seu celular para combinar os encontros. E a maioria já tem apartamento e local
para o “trabalho”.
Marca com uma delas. Tudo acertado precisa apanhar a garota, conversar primeiro, explicar a
intenção da reportagem (não dá prá falar por telefone porque elas desligam) e se a gata topar, quem sabe
rola um transa numa boa, imagina. Se der tudo certo, apanha o fotógrafo na lanchonete, conforme o
combinado.
A intenção é completar a reportagem ouvindo alguns garotos que ficam na praça Ruy Barbosa
esperando pelos coroas para festas de arromba ou apenas uma transa. Isso fica para outro dia. Hoje o
negócio é falar com mulher.
Apanha na secretaria da Saúde algumas informações sobre a disseminação de doenças sexualmente
transmissíveis, principalmente AIDS. E começa a reportagem::

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A cápsula verde da esperança

Remédio que chega como salvação para impotentes pode esconder outro tipo de problema para a
sociedade

“A chegada do Viagra - um remédio que acaba com a impotência sexual dos não-cardíacos e
daqueles que não têm o problema de origem psicológica - é mais uma das preocupações do setor de
Doenças Sexualmente Transmissíveis - DSTs - da Secretaria da Saúde do Paraná. É que o brasileiro - e o
paranaense por extensão - ainda não acredita no uso da camisinha como preservativo de doenças venéreas
em plena campanha de prevenção contra a AIDS. Os últimos números dos avanços da AIDS e das outras
doenças são preocupantes. Demonstram que a grande maioria ainda considera que “AIDS é coisa de
homossexual” e gonorréia, sífilis e outras doenças, são “coisa de macho”.
Os últimos anos mostram um avanço muito sério em todos os tipos de doença originadas no sexo.
Em 1990, por exemplo, a Secretaria da Saúde do Paraná registrou um total de 1.890 casos (em todo o
Estado) de DSTs (doenças sexualmente transmissíveis, as mais simples, como gonorréia, sífilis, etc). Em
1991, esse número saltou para 2.300 e subiu ainda mais em 1992: 2.865 casos. Em 1993, ainda não se
sabe porquê, mas o número de casos registrados diminuiu para 1.909. Em 1994 aumentou de novo: 2.436.
Em 1995 se estabilizou com o número do ano anterior: 2.428 e em 1996, voltou a cair: 1.897. O último ano
de registro, 1997, é ainda mais alto: 3.028 casos. A secretaria não tem como explicar as oscilações, mas
demonstra preocupação com a evolução dessas doenças.
“Isso demonstra que o paranaense não está usando camisinha em suas relações sexuais, hetero ou
homossexuais”, diz a encarregada pelo setor. O que mais chama a atenção, porém, é o fato de que os
números em poder da secretaria são os oficiais. “Todos os médicos são obrigados, por lei, a comunicar
quando tratam doenças transmissíveis”, explica a encarregada. Porém, sabe-se que uma grande parcela de
infectados - falar a maioria seria arriscado - se trata diretamente com os farmacêuticos, por orientação de
amigos. “O pessoal não tem vergonha de transar, mas tem vergonha de se tratar depois. O pior é que nem
o infectado nem quem infectou são tratados corretamente”, continua a coordenadora do setor de doenças
sexualmente transmissíveis. Na verdade, na maioria das vezes quem passou a doença adiante sequer fica
sabendo. “Na mulher, a gonorréia é quase assintomática”, diz. “Isso significa que ela passa a doença
adiante para vários homens, antes de buscar tratamento”.
Os números mais preocupantes, porém, se relacionam à progressão da AIDS. Doença que ainda não
tem cura, leva irremediavelmente à morte, a Síndrome da Imuno-deficiência adquirida parece não assustar
o paranaense. Em menos de uma década - de 1990 até 1997 - a doença deixou a tabela dos dois dígitos,
passou por três dígitos e já está em quatro: 1990, 82 casos; 1991, 102; 1992, 132; 1993, 145; 1994, 208;
1995, 326; 1996, 818; 1997, 2.636. Mais de três mil por cento de aumento em apenas sete anos.
Mas de que forma o Viagra preocupa esse setor, específicamente?
É simples. Uma grande massa de impotentes sexuais volta, literalmente, “ao mercado” do sexo. São
homens que vão tentar “tirar o atraso”. “A gente fica preocupada com o fato de que essas pessoas podem
sair por aí tentando extravasar o que não podiam fazer antes, sem esclarecimento, sem o uso de
preservativos. São sérios candidatos a tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, quando não
AIDS, que não tem retorno”, reflete a coordenadora.
E a preocupação parece ter um certo fundamento. Apenas no primeiro mês em que o Viagra foi
vendido - mediante receita médica - em Curitiba, alguns motéis bem situados registraram um leve aumento
na ocupação de seus quartos. Ou seja, o curitibano está, realmente, tentando recuperar o tempo perdido.
Exemplo de que a preocupação com doenças sexualmente transmissíveis não faz parte do dia-a-dia
do morador da capital, está no depoimento de mulheres (e homens) que fazem do sexo o seu ganha pão.

O corpo como meio de vida

“Keila - o nome verdadeiro dela é outro, claro - veio do interior. Mora em Curitiba há dois anos. Para
os pais que ficaram na distante Goioerê, ela cursa Agronomia na Universidade Federal do Paraná e trabalha
meio expediente para ajudar a pagar os estudos. Loira “fabricada” (segundo ela os homens preferem as
loiras), corpo sedutor mas já com algumas marcas de agressão pela própria vida e lábios prontos para o
que der e vier, ela conta que tem 22 anos. Porém, nada indica que tenha mais que 18. Ela é uma das
centenas de garotas que anunciam o corpo através dos jornais da cidade. E o faturamento - apesar da
concorrência - vem aumentando.
Deve ter pouco mais que um metro e meio - ela faz questão de dizer que tem um metro e sessenta.
Pequena, corpo proporcional, tem as pernas bonitas. Se veste bem e ‘se desveste melhor ainda’, como
costuma dizer. Para provar o que afirma, começa um strip tease, sem música. Fecha os olhos e o corpo
balança num ritmo lento - sonolento - e a blusa se abre. Deixa à mostra um par de seios durinhos,
pequenos, cobertos por um negligê preto. O corpo continua balançando de um lado para outro. Só ela ouve
a música. E o pequeno sutiã já está no chão. Ela aperta o seio, esmaga, esfrega e em fração de segundos o
biquinho está duro, enrijecido sabe-se lá por qual pensamento da garota.
Agora chegou a vez da saia. Pequena, parece couro. Ela abre o ziper nas costas e começa a descer
sobre aquelas coxas roliças. Algumas manchas roxas entre as pernas, resultado de alguma transa mais
complicada. (E os olhos continuam fechados, e o corpo continua balançando). Ela se vira, oferece o
traseiro, se inclina, se mexe, se esfrega. A saia já não existe mais. Só uma minúscula calcinha preta cobre
aquele corpinho delicioso. As mãos dançam dos seios até entre as coxas. E ela oferece, meio radiante, meio
sonolenta, a prova de que está pronta para uma trepada. O sexo está molhado, liso. Ela geme, as carícias
ficam mais nervosas. A mão sobre o sexo introduz os dedos na vagina. Ela imagina que está sendo
penetrada e se torce, deita no chão, completa o gozo. Só então os olhos se abrem. O espetáculo foi digno
de aplauso. Aquele corpo nu se oferece. Sabe o que proporciona a quem se deita com ele, seja homem ou
mulher. “Não faço distinção”, diz a garota, que afirma já ter transado com mulheres “da alta sociedade”.
- Acho que meu tipo ‘mingon’ atrai umas coroas da grana. Nunca fiquei sem dinheiro para pagar o
aluguel e a gasolina do Golf, garante.
Mas faz algumas restrições.
- "A gente encontra gente de todos os tipos. Já fui agredida, chupada, mordida. Faço um trabalho
completo, mas tinha um cara que queria enfiar uma garrafa no meu traseiro. Até aí, não", conta.
E camisinha, você exige?
- "A maioria dos homens quer fazer amor sem camisinha. Inclusive dizem que pagam mais para
transar sem ela. Eu não aceito. Tenho medo. Já vi amigos e amigas morrendo de Aids. É terrível. Mas
parece que ninguém se importa. Eu só transo com camisinha", garante.
E conta histórias:
“Há poucos dias estive numa chácara em Almirante Tamandaré. É de um político. Tinha umas trinta
pessoas entre garotas e homens. Tava todo mundo pelado, era a maior fodeção. Devo ter trepado com no
mínimo meia dúzia, mas valeu a grana. Voltei de lá dolorida, fiquei quase uma semana sem transar. Ganhei
dois paus”, conta, acentuando que foi o dinheiro enviado para a mãe, que continua morando em Goioerê.
E drogas?
“Não uso, me recuso inclusive a fumar. Sei que se ficar chapada ou usar qualquer pó, não vou ter
controle sobre quem está comigo e sobre meu corpo. Não aceito. Sou limpa”, garante.
Como toda mulher que caiu na vida, tem uma história, geralmente muito triste, para contar: “Quem
me botou no mundo foi meu padrasto. Ele me comeu na minha própria cama quando eu tinha quatorze
anos. Não foi ruim não, ele foi muito carinhoso. Deitou, passou a mão pelas minhas coxas, enfiou o dedo na
minha grela e eu gozei. Aí ele transou comigo. Vim embora porque ele queria chutar minha mãe e ficar
comigo. Não dava. Já tinha pensamento de vir estudar em Curitiba. Resolvi me mandar quando estava
perto de fazer cursinho. Ele me liga, quer transar de novo, queria vir aqui. Não deixei. Acabou. Agora sou
outra, mulher, dona do meu destino. Quando ganhar bastante dinheiro paro com isso, vou ser a agrônoma
que sempre quis. Quem sabe até volto para o interior”, encerra.

Um rosto lindo que esconde uma bomba relógio

Essa preocupação, porém, não parece ser de todas as mulheres que fazem do sexo uma maneira de
vida. Às vezes, um rosto bonito esconde uma verdadeira bomba relógio. É o caso dessa mulher. Ela é
soropositiva, não desenvolveu a doença. Mas nada indica que o estopim não possa ser aceso de uma hora
para outra:
“Ela se chama Suzane. Se é o seu nome verdadeiro só ela mesma sabe. Todo dinheiro que ganha
vendendo o corpo é investido na criação de um filho, agora com três anos de idade. “Caí no conto de um
homem por quem me apaixonei. A gente começou a transar sem camisinha e engravidei. Adoro o meu filho.
Faço tudo por ele. Mas não quero outro. Fiz laqueadura (processo cirúrgico que interrompe a descida do
óvulo para o ovário impedindo a gravidez) e não posso engravidar mais. Quando ele crescer um pouco mais
vai sofrer se souber o que faço hoje. Não quero isso. Quero que ele seja feliz, um homem realizado, com
profissão, ganhando muito dinheiro", desabafa a garota
Na verdade, são raras as mulheres que se prostituem seja em casas ainda chamadas de “de
tolerância” ou pelas ruas da capital, que não têm filhos. Aqui reside, talvez, o maior risco dessas mulheres,
a maioria delas “joguetes” de alguns “cafetões”. A transa sem camisinha, para ganhar um pouco mais.
As campanhas de esclarecimento para o uso de preservativo são freqüentes. As Organizações Não
Governamentais (ONGs), entre elas a “Orgulho Gay”, realiza demonstrações em plena rua XV de Novembro,
a chamada Rua das Flores, em Curitiba. Mas as ações ainda são insuficientes. Muitas mulheres estão se
contaminando por desconhecimento ou para satisfazer os parceiros, que se recusam a usar o preservativo.
Suzane é soropositiva. Ela sabe, pede para transar com camisinha, mas não explica porque. A
maioria dos homens não quer, considera que o pau “perde a sensibilidade”. Não sabem o que estão
arriscando com aquela carinha de mulher-menina.
“Faço uma média de dois programas por noite. Mas tem noite que não sai nada. Aí a solução é ir
embora, dormir, acordar com a cara amarrotada e se arrumar para “batalhar” de novo. O mínimo que eu
cobro é cinqüenta reais. Mas sempre peço cem. Tem gente que paga, e isso prova que não sou de jogar
fora”, explica Suzane.
Rosto pequeno, cabelo cortado curto, olhos vivos, azuis, demonstram uma tristeza profunda mesmo
ela garantindo que está alegre. O rosto se “contorce” num meio sorriso e ela continua contando parte da
sua vida.
“Já fui secretária executiva, sei falar inglês e espanhol. Trabalhei durante dois anos numa
multinacional na Cidade Industrial de Curitiba. Transei com meu chefe e com o dono da empresa, um
americano que veio fazer uma visita e se encantou comigo. Aí perdi a vergonha. Eles me pagaram e eu
resolvi assumir esse tipo de faturamento. Saí do emprego e os dois são meus clientes. O americano, que
agora vem mais freqüentemente a Curitiba, já deixou quinhentos reais na mesinha do meu quarto. Ele
gosta de mim. Também pudera, faço tudo o que ele quer. Só sei que ele é casado, arranha um pouco no
português, mas gosta, mesmo, é de me ensinar a falar inglês. Só não posso contar que transo com o
diretor da empresa, senão sobra pra ele”.
Peço para fotografá-la e ela recusa. A família - que também é do interior e sabe como ela ganha a
vida - não gostaria de ver os vizinhos lendo a reportagem e descobrindo o que ela faz na capital. Segundo
Suzane, só os pais e os irmãos sabem que ela é uma “mulher da vida”. Os amigos e vizinhos imaginam que
ela ainda é a secretária executiva - que inclusive já foi entrevistada até na televisão (ela guardou uma fita
com a reportagem) - da multinacional. Só aceita se o rosto não aparecer. Ela se coloca contra a lâmpada e
o resultado é uma obra prima. Um rosto triste no escuro diante de um ponto de luz.

Os garotos-homens
Poucos imaginam que a prostituição resume-se à venda do corpo pelas mulheres. Garotos - os
chamados michês - também proliferam pelas ruas da tradicional e conservadora Curitiba. O ponto é a praça
Ruy Barbosa. Ali eles aguardam por carros importados - na quase totalidade das vezes ocupado por homens
- para a realização de programas que podem durar de uma a três horas.
Vico (ele prefere não dizer o nome) é um desses garotos. Bancário durante o dia, 22 anos de idade,
diz que a grana não foi suficiente numa época que comprou um carro e a alternativa foi fazer o que um
amigo sugeriu. Bonito, cabelos longos presos num rabo-de-cavalo, rosto afilado e olhos ligeiros, tem um
metro e oitenta de altura e corpo atlético. Ele diz não se importar com o que faz, mas prefere que os
colegas de trabalho não tenham conhecimento.
“Aqui aparece de tudo, mas principalmente velhos querendo transar”, diz ele. A grana é boa. Dá
para faturar numa noite legal até trezentos reais. Quando o dinheiro do meu salário não foi suficiente eu
vim para cá e fiquei quase uma semana sem conseguir sair com alguém. Fiquei com medo. Até que
aconteceu o primeiro programa. Depois tudo rolou.
Vico olha para os lados enquanto conversa. Ele está aguardando um cliente “cativo” como ele chama
aqueles que voltam sempre. Bonitão, ele já tem uma “agenda” de clientes que, se quisesse, nem precisaria
incluir outros.
“Hoje garanto uma média de três mil por mês com esses clientes. Já estou até pensando em sair do
banco. Só não saí ainda porque um cliente, um alto executivo que é apaixonado por mim, me aconselhou a
não fazer isso. Ele sabe que mais cedo ou mais tarde eu não terei mais as oportunidades que tenho agora e
vou precisar de um emprego. Me estimula, inclusive, a voltar a estudar - eu parei antes de concluir o
segundo grau - para fazer um vestibular e começar uma profissão. Ele se propõe, inclusive, a patrocinar
tudo prá mim. Quer que eu vá viver com ele. Ainda estou pensando." Vico gosta do que faz e se sente
realizado sexualmente transando com homens e mulheres. E a puritana Curitiba, quem diria, tem causos e
histórias para contar por trás das fachadas de concreto, que poucos acreditariam estar acontecendo.
“Na semana passada um sujeito chegou aqui. Eu já conhecia ele de outras vezes, saiu com colegas
meus. Ele me procurou para um “programa especial”, como disse. Me ofereceu quinhentos reais para não
ter que explicar o que era - “sem perguntas”, disse - e entrei no carrão, um importado. A festa era na casa
dele, com a mulher dele e ele. Cara, foi muito bom.
- “A mulher era uma quarentona, enxuta, peitos e bunda durinhos. Ela se agarrou no meu caralho e
parecia que não queria largar mais. Quando o cara me viu fodendo a mulher dele, gemia e batia punheta. A
mulher só gemia e pedia mais. A gente gozou junto. Ela esperou uns minutos e caiu de boca no meu pau.
Quando ele estava em ponto de bala, o sujeito ficou de quatro e pediu para que eu comesse ele. Aí a
mulher entrou por baixo para que o marido pudesse transar com ela também. Passamos a noite fodendo. A
última trepada - o marido não agüentou mais - foi como eu queria. Botei a mulher deitada sobre a cama,
abri bem as pernas dela e introduzi meu cacete na buceta. Enquanto socava meu pau, segurava nas pernas
dela, totalmente abertas. Cara, essa mulher gemia e pedia mais. Meu pau ficou dolorido, mas ela deve ter
ficado ainda mais”, conta.
“Camisinha? Às vezes eu uso, depende da cara de quem eu vou comer”
“Drogas? Já experimentei. Mas é muito louco!!!!”....

***********

“Garotos como eu sempre tão espertos,


perto de uma mulher,
são só garotos.
Passam pelos pêlos, boca e cabelo,
peitos e poses e apelos.
Se amarram pelas pernas de certas mulheres.
Você me embebeda, você me enlouquece.
Garotos não resistem aos seus mistérios,
garotos não aprendem não”

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Para complementar as informações, um quadro sobre doenças sexualmente transmissíveis,


apanhada na Internet:

Doença - Gonorréia ou blenorragia; Causa - Bactéria (Gonococo); Tempo de incubação e sinais - 2 a


10 dias. Dor, ardência e pus ao urinar. Mulher geralmente sem sintomas; Tratamento - Antibióticos (cura
rápida); Complicações por falta de tratamento - Meses ou anos depois, pode atacar o coração, Juntas etc.
Sífilis - Bactéria (Treponema pallidum) -3 a 6 semanas. Ferida (cancro) sem dor, avermelhado com a
base endurecida, na área genital (às vezes no ânus, boca ou dedos), que some após alguns dias. Semanas
ou meses depois: manchas etc. Na mulher esses podem ser os únicos sinais. Mesmo que desapareçam, a
doença continua. - Antibióticos e testes de laboratório.
Embora os sinais possam sumir sem tratamento, a doença pode atacar, até muitos anos depois, outros
órgãos, provocando paralisia, loucura e morte. Pode passar da mãe para o feto.
Piolho púbico ou chato - Piolho (Phthirius pubis) - Coceira na região pubiana - Tratamento local e
medidas higiênicas (banho diário, fervura de roupas infestadas).
Clamídia - Bactéria (Clamídia trachomatis) - tempo variado de incubação. Ardência ao urinar, ou
nenhum sintoma aparente - Antibióticos - Infecção nas trompas ou testículos. Esterilidade. Pode passar da
mãe para o feto.
Tricomoníase - Protozoário (Trichomonas vaginalis - Incubação variável. - Corrimento e prurido vaginal.
O homem geralmente não apresenta sintomas -- Medicamentos curam a doença. Devem ser tomados pelo
homem e pela mulher.
Monilíase - Fungo Monília (Candida albicans)- 3 a 60 dias. Corrimento esbranquiçado e prurido vaginal -
Tratamento local com cremes contra o fungo curam a doença.
Verrugas venéreas ou condiloma - Vírus- 4 a 12 semanas. Verrugas na vulva, na vagina e no pênis -
Cauterização com bisturi elétrico ou produtos químicos - Mulheres com verrugas no colo do útero devem
fazer exames periodicamente para prevenção de câncer de útero. O parceiro deve ser examinado e tratado
para evitar reinfecção.
Herpes - Vírus da herpes - 2 a 7 dias. Bolhas formando “cachos de uvas” nos órgãos genitais ou na
boca, dor de cabeça, febre e outros sintomas. Os sintomas regridem, mas podem aparecer novamente de
tempos em tempos, geralmente mais fracos - Sem cura. Há medicamentos que previnem e reduzem a
freqüência e a intensidade dos ataques.
Nas primeiras crises, às vezes ocorrem infecções no colo do útero e outros órgãos. Para evitar outras
complicações, mulheres com herpes na área genital devem fazer o exame preventivo a cada seis meses.
Pode passar para o feto.
Cancro Mole - Bactéria (Haemophilus ducreyi) - Apresenta nos órgãos genitais várias feridas ulceradas,
dolorosas, que acompanhadas de íngua na virilha (Bubão) - Sua cura pode ser obtida com sulfas e
antibióticos - O Bubão não desaparece se não tratad0.
Linfogranuloma Venéreo - actéria (Chlamydia trachomatis) - Inicia-se com uma discreta lesão nos
órgãos genitais, que na maioria dos casos nem é percebida - Causa grande íngua na virilha, que tende a se
romper em múltiplos orifícios.
Uretrite não Gonocócica - Causada por vários germes - Apresente uma leve secreção na uretra (canal
do pênis), sentem dor e ardência ao urinar - Pode virar uma doença grave quando não tratada.
Granuloma Inguinal - Suas lesões são úlceras crônicas nos órgãos genitais, que geralmente não
apresentam dor; Estas lesões evoluem muito lenta e freqüentemente acometem pessoas de baixíssimo nível
sócio-econômico-cultural, que só procuram auxílio médico após anos de doença.
Outras doenças:
Escabiose - Também conhecida como Sarna é produzida pelo Sarcoptes scabiei, que é um parasita da
família dos aracnídeos.
A principal manifestação da doença é a intensa coceira (prurido) na pele afetada, ocorrendo com isto
várias feridas puntiformes.
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AIDS - É uma doença do sistema de defesa imunológico, provocada por um vírus o HIV (Human
Immunedeficiency Virus). Não trata-se, portanto, de uma doença hereditária, mas adquirida. Por causa da
falha das defesas do organismo, germes e micróbios, contra os quais normalmente esse organismo se
defende bem, invadem o sangue e os tecidos.
Esses germes são chamados de “oportunistas”, pois eles aproveitam a ocasião que lhes é dada para
se desenvolverem. Da mesma forma, as células anormais (cancerosas) aproveitam para se multiplicar e
gerar tumores.
As manifestações clínicas da doença não aparecem pela reação dos próprio sistema imunológico,
mas por essas infecções e por esses cânceres, que vão construir o quadro clínico da doença e configurar
sua gravidade, enquanto a falha do sistema imunológico é a sua causa oculta.
A AIDS é principalmente transmitida na relação sexual, mas existem outras formas de transmissão,
como por exemplo, através da transfusão de sangue, e no compartilhamento de agulhas contaminadas.

BIBLIOGRAFIA
Passos, M. R. L. Doenças sexualmente transmissíveis. RJ: Ed. Biologia & Saúde, 1985.
Gewandsznajder, F. Sexo e Reprodução. SP: Ed. Ática, 1992
Enciclopédia Médica Ilustrada. Vários autores. SP: Ed. Abril Cultural, 1976.
AIDS: síndrome da imunodeficiência adquirida. Vários autores. RJ: Ed. Biologia & Saúde, 1985.

***
A matéria, editada e com as fotos, foi entregue na redação. Era só esperar a publicação e ir buscar a
grana.

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A dor doía no peito. Mas não era dor. Ou era dor? Não sabia explicar. A dor, doída, era
gostosa. Era dor de paixão...
Aquela imagem não lhe saía da memória. A mulher estava de costas, tinha um corpo
bonito, aos poucos ela olhava para o lado e ele a reconhecia... era ela. Aquela mulher que fazia
o corpo doer. A dor começava no estômago e subia. Sentia-a nas pernas, nos braços. Mas a pior
dor era a do peito. Era mais opressão do que dor. Mas era dor.
- Como explicar!!!
O que ele queria era gritar...
Primeiro, espantar aquela dor.
Depois apanhá-la de volta. E conviver com ela.
Tudo por causa daquela mulher.
Queria era abraçá-la. Queria sentir o seu corpo sobre aquele corpo. Queria sentir seus
lábios sobre aqueles lábios. E queria sentir suas mãos percorrendo suas mãos... seu corpo, seus
seios... seu rosto... seus cabelos...
Seus olhos fitando os olhos dela. E absorvendo aquele sorriso.
Aquele sorriso.
- “Ô mulher. Teu sorriso acaba comigo”... dizia de si para si.
Era verdade.
Quando ela sorria irradiava uma felicidade que não seria possível descrever em palavras.
E quando aqueles olhos brilhavam, felizes, ele sentia como que um soco no estômago. Não
conseguia imaginar que aquele ar de felicidade, aquele sorriso, aqueles lábios e aquele corpo
vibravam por ele.
“Quero o abraço do seus braços...
“E o beijo de seu beijo...
“Não só o beijo...
“Não só o abraço...
“O beijo do beijo
“E o abraço do abraço...
Até poesia estava fazendo.
Vivia as vinte e quatro horas do dia para aquela imagem...
Aquele corpo...
Aquele sorriso.
De quando em vez acordava e se dava conta que continuava existindo...
Ela não era um sonho, uma miragem.
Existia.
E sorria.
E era a cada dia mais desejável.
********************

O nome dele era Celso W. R. Ribas, superintendente adjunto da Previdência. Tinha vindo
especialmente de Brasília, por ordem do ministro, para averiguar algumas coisas que estavam acontecendo
na superintendência do Paraná. Via Internet, marcaram um encontro secreto. Tinha que ser no Mercado
Público, em Florianópolis, capital de Santa Catarina, estado ao lado do Paraná. No meio das pessoas, em
outra cidade, ficaria mais difícil serem vistos juntos. Seriam apenas mais uma dupla de turistas
aproveitando Floripa. A situação ganhava um contorno misterioso e agradável. Havia um bom tempo que
Gabriel não iniciava uma investigação que exigisse esse tipo de comportamento, e voltar a agir como
verdadeiro detetive era muito bom.
A capital de Santa Catarina, para quem não sabe, fica numa ilha. É uma das mais belas capitais do
Brasil. Logo ao passar a ponte que a liga ao continente, um dos pontos mais tradicionais é o Mercado
Público. Construído nos tempos do Brasil colonial, preservado pelo município e pelo governo do Estado,
transformou-se num referencial do catarinense e dos turistas que visitam a capital. Ali se encontra de tudo.
E, sempre aos finais de tarde, o catarinense se mistura a todos os que vão visitar floripa como ele chamam
carinhosamente a capital. Dessa mistura resulta, sempre, uma festa.
Gabriel chegou no bar 21, tradicional do Mercado Público, sentou-se à mesa do canto direito
conforme o combinado e aguardou. Era quase seis da tarde, o horário marcado para o encontro. Uma hora
depois, quando ele já considerava a possibilidade do homem não aparecer, um sujeito que havia estado
sentado numa mesa ao lado da porta da entrada se levantou. Ele havia esperado para ver se Gabriel não
dava importância ao assunto e acabava indo embora. O fato de ter permanecido por pelo menos uma hora
a mais do que o combinado, esperando, lhe dava certeza de que o assunto era de seu interesse.
Dava para descrever Celso com apenas uma palavra: “inexpressivo”. Porém, ao começar a falar,
Gabriel observou que o que faltava na sua aparência, sobrava na inteligência. Baixinho, deveria ter pouco
mais de metro e meio de altura, cerca de 90 quilos, o que o colocava na lista dos “gordinhos”, Celso era
advogado e estava investigando alguns casos considerados “estranhos’, que estavam acontecendo na
região da superintendência do Paraná.
Na maleta ao lado, além do lap-top, muitos documentos. O computador colocado diante de Gabriel
“cuspia” informações muito interessantes. Celso digitou a frase “listar benefícios acima de R$ 10 mil”
sugiram pelo menos cinqüenta dúzia de nomes. Entre eles estavam, segundo Celso, os beneficiários do que
garantia ser um golpe bem armado com os recursos públicos da previdência. Outra frase digitada: “listar
pagamentos acima de R$ 200 mil”. E a lista, foi, de novo, de pelo menos quinhentas pessoas. Pelo menos
dez por cento delas tinham ao lado de seus nomes cifras com dois dígitos e nove zeros em seguida.
“Francisco V. Salermo, quatrocentos e oitenta e cinco milhões de reais, aposentado por acidente de
trabalho. Isso é que é aposentadoria”, exclama.
Verdadeiras fortunas. As datas eram recentes, não mais que dez anos antes. Era o pagamento de
benefícios para pessoas que haviam entrado com petições junto à Previdência do Paraná e que, justificando
direitos retroativos, haviam recebido verdadeiras “boladas”.
- O ministro quer diminuir, já que acabar é quase impossível, com os casos de aposentadorias e
pensões fraudulentas. Lá em Brasília não temos acesso a muitas informações porque o nosso sistema ainda
não funciona em rede nacional. Mas estou no Paraná há dois meses e já encontrei evidências de fraudes,
explicou Celso. E continuou: o que eu preciso é da tua ajuda na investigação de alguns nomes. Se
conseguirmos levantar os dados e comprovar a fraude, você fica com o furo de reportagem. Que acha?
- Bem, o caso requer algum investimento. Vai ser preciso viajar. Estou vendo aqui nomes de Foz do
Iguaçu, Maringá, Londrina, Umuarama, Caiobá, Guaratuba... Mas eu aceito. Vamos investigar juntos. O que
você descobrir você me conta. O que eu descobrir, vou precisar da tua ajuda para confirmar, certo?
- Certo! Mas há uma exigência. Não podemos, nunca, pelo menos nessa fase de investigação, nos
encontrar na superintendência. Vamos nos encontrar em outros locais. Não podemos dar a entender que
essa investigação já encontrou nomes. Sei que estou sendo observado, só não sei por quem. Faço idéia,
mas não posso revelar mais nada agora.
- Entendido....
- Vamos manter contato via Internet. Só em último caso por telefone. Se receber ligações e ouvir
apenas o número do meu bip, sabe que deve ligar para a central e deixar recado. Quando precisar falar
comigo, proceda da mesma maneira. Deixe recado, eu entro em contato. Combinado? Tem um policial
federal investigando comigo. Faz algum tempo que ele não entra em contato nem responde meus avisos.
Assim que eu conseguir falar com ele, a gente faz outra reunião para começar a costurar os fatos, ok?
- Oquei.
E uma grande reportagem começa a ganhar contornos interessantes.
Já que está em Florianópolis, a “ilha da magia”, aproveita para ficar mais alguns dias. “Praia não faz
mal a ninguém”, pensa.
Já está se preparando para ir embora quando Celso retorna do meio do caminho e pergunta:
- Você conhece a Sociedade do Círculo Perfeito? Já ouviu falar nela?
- Não, respondo.
- Deixa prá lá. Por enquanto é isso que a gente pode fazer. Em outra oportunidade conto o que sei
dessa sociedade. Acho que você vai gostar. Só que preciso de mais informações...
- Legal...
- Até logo...
********

Difícil escolher em que praia ficar em Florianópolis. Ela tem pelo menos trinta delas, distribuídas pela
ilha, uma mais interessante que a outra. E algumas quase virgens. Um mapa facilita a localização. Quem
está de carro pode ficar um dia em cada uma delas e descobrir seus encantos. Na praia do Santinho, bem
no alto tem um hotel e uma boate. Gabriel decide que vai dançar pelo menos uma noite naquele local, que
parece ser muito agradável. O hotel é usado pelo tenista Guga para seus treinamentos.
A “Praia dos Ingleses” é outra bem interessante e convidativa. Ampla, com água morna, sem muitas
ondas, agradável para quem gosta de nadar ou flutuar. Era tudo o que Gabriel queria. Na manhã seguinte
acordou bem cedo e foi direto para a praia. O café da manhã foi um milho verde na carrocinha do vendedor
à beira d´água.
- E aí tio? Muito turista?
- Tá bom, prá fim de temporada. Tem muito argentino ainda. Eles tomaram conta de Florianópolis
há muito tempo. Desde quando a economia deles era melhor que a nossa. Veio muita gente para cá e
comprou casa, terreno até prédios inteiros. Agora, mesmo com a economia deles pior que a nossa, ainda é
vantagem eles virem para cá, porque não pagam hotel, nem alugam mais casas. É tudo deles.
- Mas e para a população, isso é bom?
- Pelo menos para mim é. Vendo bastante, recebo a maioria das vezes em dólar e não tenho o que
reclamar. A cada temporada, ganho o suficiente para passar o resto do ano numa boa, diz o vendedor.
Satisfeito com as informações, Gabriel deixa a toalha próxima ao carrinho e vai para a água.
“Vou encontrar uma gringa por aqui. Além de treinar o meu espanhol ainda vou passar bem por
alguns dias”, pensa.

******************
Ao retornar para Curitiba, Gabriel começa a preparar as malas para fazer algumas viagens. A
primeira delas é Foz do Iguaçu. Apanha a relação de nomes e confere inclusive endereços. Senta à frente
do computador e começa a organizar a ação. Faz uma relação do que precisa levar na viagem. Chega a
escrever “revólver” mas pára, pensa, e acha melhor não. “Vai que eu preciso disso e acabo me
complicando”, pensa e apaga a palavra. “Acho que a situação não é assim tão preocupante como chego a
pensar”, analisa com seus próprios botões. Depois, repassa a documentação que está ao lado e começa a
se preocupar, realmente.
...”As pessoas que estão envolvidas nesse negócio não podem ser apenas ‘bagrinhos’... tem peixe
grande nisso...”volta a pensar. À sua frente, correm nomes e mais nomes, com endereços, CPFs... “CPFs.
Quem sabe eu não começo a conseguir algumas coisas por aqui”... imagina.
Liga-se à Internet. Vai começar a colocar em prática alguns ensinamentos sobre “hackers” (piratas
de computador) que aprendeu com um amigo. Precisa entrar nos computadores da Receita Federal para
confirmar CPFs e nomes.
A conexão não é demorada. A primeira tentativa não é satisfatória. No máximo consegue saber se o
CPF está incluído ou não na relação das devoluções do Imposto de Renda. Durante mais de duas horas ele
tenta obter pelo menos uma confirmação de nome e CPF. Nada. “Parece que as autoridades federais estão
se preocupando um pouco mais com a segurança do contribuinte”, imagina. E desiste. “É mais fácil de outra
maneira”.
Apanha o telefone e disca o número da receita. Tem um amigo que trabalha lá. “Se não pode fazer
pelos meios ilegais, faça pelos meios legais”, volta a discutir com os botões.
Foi fácil. Em meia hora recebe, via fax/modem uma relação de dez nomes e dez CPFs. É muito
estranho. Na comparação com os nomes e CPFs dos documentos da Previdência, nenhum deles bate. “Tem
fantasma nesse negócio”, imagina. E continua os preparativos para a viagem. Volta levantar o telefone, liga
para a agência de passagens da companhia aérea e confirma. Vôo às 13h até Foz do Iguaçu. Hotel
reservado, o negócio agora é chamar um táxi e ir para o aeroporto.

****************

"Descobri que te amo demais


descobri em você minha paz
Descobri, sem querer, a vida
verdade..."
(Nelson Rufino e Carlinhos Santana na voz de Zeca Pagodinho)

***************
O avião se inclina para a esquerda e, pela janela, logo abaixo está o lago formado pela Usina de
Itaipu. Quando as rodas do aparelho tocam o solo, Gabriel lembra que precisa ligar para um amigo que
trabalha na Usina. Ele deve conhecer tudo em Foz, e até ajudar a procurar os endereços aonde vai, já que
pelo menos dois deles estão dentro da Vila construída pela Usina, ainda no tempo das obras. “Não vai ser
fácil”, pensa. E volta a se preocupar com os procedimentos de pouso. Apesar das viagens que já fez, ainda
sente um frio na barriga à cada decolagem e aterrissagem. “Um dia ainda perco o medo de voar”, imagina.
E só se sente tranqüilo, mesmo, quando está percorrendo a pista, com os pés no chão, em direção ao táxi
que o espera, enviado pelo hotel.
O Hotel Mabu de Foz fica numa avenida movimentada. O táxi o deixa na porta do hotel e um
recepcionista apanha sua bagagem. Pouca coisa. Apenas uma mala com um pouco de roupas e o seu
inseparável note-book. Noutra maleta de mão estão a agenda - com os endereços que ele precisa verificar -
e um monte de papéis a maior parte coisa que poderia muito bem ser jogada fora que não faria falta
nenhuma. Mas é hábito. Gabriel guarda (quase) tudo que ele acha que um dia pode interessar como fonte
de informação. A cada seis meses - ou antes - faz uma limpa na maleta para começar tudo de novo. “O que
não serviu até agora é porque não vai servir mais”, costuma pensar ele. Mas já se enganou e não foram
poucas vezes. Depois de jogar fora um papel, acaba precisando dele no dia seguinte.
Ao chegar na recepção, onde pergunta sobre a sua reserva e enquanto o atendente procura as
informações, Gabriel se vira para observar o ambiente. É outro hábito. Procura se cercar de todas as
informações visuais possíveis. E nota que sentada à um canto, lendo um jornal, está uma mulher que ele
conhece. Mas como na maioria das vezes, não lembra quem é.
“Já vi essa dona em algum lugar”, pensa. Guarda a informação num canto da memória e começa se
preocupar com as informações que o atendente lhe pede. Mas a mulher não lhe sai da cabeça. Ainda mais
por ser uma linda mulher. Corpo bem feito, um tailler vermelho que não seria vestido por quem não
quisesse chamar a atenção, olhos claros, cabelos ruivos até os ombros, pintura amena, mas olhos e lábios
bem situados.
Volta-se para o balcão, de novo, e só se surpreende - ou melhor, leva um susto - quando alguém lhe
bate no ombro. Ao olhar para trás não demonstra surpresa, mas fica imaginando o que pode acontecer.
- Como vai? pergunta a mulher que ele acabara de medir da cabeça aos pés e que lia (ou fazia de
conta) jornal sentada no canto.
- Tudo bem. E você? Devolve.
- Acho que não está lembrado de mim, mas a gente se conhece do Traviatta.
O Traviata - deixa-me abrir um parêntese aqui - é uma casa de solteiros. Um bar de mulheres. Uma
casa de tolerância. Uma boate de strip... o que você quiser. Aquela mulher bem que poderia ser do
Traviatta, claro. Ele bem que poderia tê-la visto por lá. Na maioria das vezes bebe além da conta, arranja
uma mulher e vai embora. Mas aquela... ele não teria deixado passar.
- Bom ver você por aqui. Essa cidade tá meio chata. Vim acompanhado um empresário que negocia
com os muçulmanos, e mulher fica sempre de fora. Acabo ficando fechada no hotel ou indo às compras de
Cidade de Leste. Agora pode ser que fique bom!
O convite estava implícito!
Mas eu tinha coisas - profissionais - para fazer. Achei melhor deixar de lado. Se ela estava no hotel,
não seria difícil encontrá-la nos finais de tarde. O bate-papo se alongou. Como eu não poderia fazer mais
nada naquele dia, aproveitei o convite.
- Vamos sair agora à tarde? Pretendo comprar alguns eletrônicos, principalmente equipamentos para
o meu computador no Paraguai. Você vai? Perguntei.
- É claro. Meu acompanhante só volta à noite. E deixou, inclusive, um monte de verdinhas (dólares)
prá eu gastar no Paraguai. Só vou trocar de roupa e aguardo você, legal?
- Tudo bem.

***********
Como eu sei que mulher demora prá cachorro quando “só vai trocar de roupa” - na verdade eu
achava que ela estava ótima com a roupa que vestia - apanhei minha chave e fui para o quarto. Tomei um
banho sossegado, vesti o roupão e espalhei sobre a cama alguns documentos com nomes e endereços. Era
o que eu tinha que investigar. Quando bateram à porta...
Cláudia (era esse o seu nome) estava na porta, braços levantados, apoiada com uma mão em cada
batente, com um roupão aberto na frente. E por baixo dele... nada. Revelava um corpo moreno com uma
penugem loira. Nos braços, nas pernas e na vagina os pelos eram levemente descoloridos. Os seios firmes
tinham auréola escura e dois bicos que apontavam para mim como se implorassem por carinho. Na mão
esquerda duas taças e na direita uma garrafa de champanhe. Por alguns segundos fiquei sem reação.
Aquela mulher era muito gostosa...
- Não me convida?
Sem falar nada apenas saio da frente da porta e continuo olhando aquele corpo. Ela entrou, leve e
sensual. Empurra a porta com o pé e ergue os braços. Enlaça o meu pescoço e o beijo chega quente,
gostoso. E aquele corpo exala um perfume simplesmente delicioso...
- Porquê você fez isso? pergunto
- Eu sempre quis saber que gosto tinha tua boca! responde ela.
- E então, gostou?
- Ainda não deu para definir qual o sabor. Acho que preciso experimentar mais! diz ela, e sua língua
penetra fundo. “Além de linda, sabe beijar muito bem”, penso eu.
Entrego-me àqueles braços, boca, pernas e corpo. E a tarde fica pequena para nossos carinhos e
abraços.
Algumas horas depois, me surpreendo ao vê-la me olhando. “Que estará pensando essa mulher”,
converso com meus botões. Aqueles olhos claros parecem me dizer alguma coisa. Sempre acreditei que em
mulher de olhos claros é possível ver a alma. E aqueles olhos estão me contando algo que ela não quer
dizer. Mas há alguma coisa intrigante. Eles são misteriosos, tentam me esconder algo que foge ao seu
controle.
Começo a beijá-la, de novo. Primeiro de mansinho, no rosto. Depois no pescoço. Começo a descer
um pouco mais. Seus seios já estão com os biquinhos totalmente durinhos. Os pelos da barriga ficam
eriçados e ao levar a mão à sua grutinha, sinto-a molhada. Ela já está pronta para uma nova rodada.
Mas meus lábios querem explorar com lentidão aquele corpo moreno. Desço para suas pernas e
beijo seus pés. Ela se contorce e geme. Geme ainda mais quando meus dedos esfregam seus pelinhos. E
fica toda arrepiada quando minha mão toca uma tatuagem estranha: dois círculos entrelaçados na coxa
esquerda, bem perto da virilha, no meio das pernas.
Só então ela me puxa para sobre o seu corpo e pede para que a penetre. E beija minha boca. E
crava as unhas nas minhas costas. E se contorce, geme...grita... grita... e goza. Só então seu corpo relaxa.
Mas ela fica ali, com as pernas entrelaçadas sobre minha cintura. Seus braços me abraçam, me prendem. E
pede para que eu continue dentro dela. Me abraça... me aperta. Quer mais. Eu também quero mais...
...
- Vamos às compras?, pergunta ela radiante, enquanto passa a escova nos cabelos, diante do
espelho que toma toda a altura da porta do roupeiro. Parece uma criança prestes a entrar numa loja de
brinquedos.
- Vamos. Mas eu não tenho dinheiro para fazer suas vontades. Vou comprar apenas alguns
acessórios para o meu computador e nada mais.
- Não se preocupe. Tenho dinheiro. Se quiser posso até comprar um computador novo para você.
- Não, obrigado. Só aceito presente de amigos. De mulher, vai parecer que sou gigolô.
- Deixe de ser idiota. Acha que se uma mulher quiser comprar algo para você, isso vai rebaixar sua
masculinidade?
- Você manda. Você sabe.
E o resto da tarde foi agradável. Era gostoso ver os homens quebrarem o pescoço para olhar para
aquele mulherão que estava comigo. A gente andava de mãos dadas, parecia namorado. De vez em quando
eu encostava no seu traseiro, aproveitando quando ela olhava alguma coisa na vitrine ou no balcão. E ela,
levemente, esfregava a bunda em mim. Eu imaginava o que seria depois. E estava quase esquecendo o que
havia me levado a Foz.

*******
Felizmente a noite foi tranqüila. Cláudia ficou com seu acompanhante e pude ficar sozinho, apesar
de não ser esse o meu desejo. Apanhei a van do hotel e fui para a Argentina, jogar no cassino. Não fiquei
muito tempo. Não tinha muito dinheiro para perder, mesmo.
Cláudia estava lá. Com um homem não muito estranho. Algumas vezes eles olharam para mim. Não
me importei. O que não pude ver era que eles tinham em comum muito mais do que um executivo com
uma acompanhante. Ele tinha no braço esquerdo uma réplica da tatuagem que Cláudia tinha entre as
pernas...Voltei para o hotel. Queria sair cedo atrás das informações que havia ido buscar.
Sete horas da manhã estava de pé, tomei café no salão e chamei um táxi. Precisava ir até a Vila
Energia, uma espécie de cidade construída pela hidrelétrica de Itaipu, para abrigar os trabalhadores na
época de sua construção. Hoje, a maioria dos moradores está desempregada, a vila meio abandonada e
muitas reclamações. Os moradores querem deixar de pagar as prestações dos imóveis, alegando que Itaipu
não lhes dá trabalho, portanto não pode cobrar.
Felisbino M. Soares Machado mora nessa vila. Na rua C, número 358, fundos. Pelos documentos que
tenho em mãos ele recebeu uma aposentadoria razoável. Foram mais de 350 mil reais de atrasados e,
pagamentos, mensais, agora, de cerca de 2 mil e quinhentos reais. Deveria estar morando num palacete,
ou pelo menos num endereço melhor da cidade. Demoro para encontrar o endereço. Aquilo parece tudo
igual. Não fosse o motorista do táxi conhecer a região, creio que não teria encontrado. Felisbino me recebe
desconfiado. Eu também fico desconfiado. Ele mora num casebre, quase uma favela. Digo que sou da
Previdência e estou só conferindo alguns dados de sua aposentadoria.
- O seu Chico esteve aqui, me entregou os papéis para assinar e estou recebendo meu salário por
mês. Mas a situação 'tá' difícil, 'dotô', o dinheiro não dá 'prá' nada.
- Quem é esse Chico, Felisbino?
- Não sei não. Ele se apresentou como Francisco, disse que vinha me trazer a aposentadoria. Assinei
os papel e a primeira vez ele mesmo me trouxe o dinheiro, disse que tinha uns atrasado.
- Quanto você recebeu? (imaginei, pela pobreza do lugar, que não deveria ser muito dinheiro)
- Recebei uns quinhentos real, de atrasado, e hoje ganho meu salário mínimo, que é depositado
numa conta do banco, todo mês. Conta que foi aberta pelo seu Chico.
- Felisbino. As informações da Previdência dizem que você recebeu uma bolada e tanto, mais de 350
mil reais. Onde está esse dinheiro?
- Que dinheiro 'dotô'. Veja lá na conta do banco. O que eu recebi e o que recebo é só isso, graças a
Deus.
- Você não está escondendo esse dinheiro todo, não é Felisbino?
- Deus me livre seu 'dotô'. Se tivesse dinheiro 'tava' morando num lugar 'mió'. E meus filhos não
'tavam' aí, jogado na rua não.
Era a primeira confirmação de que havia algo de podre na superintendência.
O segundo endereço, em Foz, não era muito distante. Parece que havia uma certa preferência no
alfabeto. Felisberto Gonzales, que havia trabalhado na Itaipu, também havia recebido uma bolada. Quase
trezentos mil reais e aposentadoria por invalidez de três mil reais por mês. O negócio é conferir.
- Felisberto não tá não, disse a garotinha, olhando entre as traves do que deveria ser uma janela.
Ele foi jogar bocha atrás da igreja.
Se Felisberto havia sido aposentado por invalidez, como estava jogando bocha?
Encontrei-o num grupo de homens. Todos bonachões, mas olhando desconfiado. Chamei Felisberto
para um canto, conversei com ele. Aposentado por invalidez, como? perguntei.
- Tenho um problema no fígado, doutor. Posso me arranjar mas não posso trabalhar. Tenho os
atestados médicos todos em casa. Seu Chico da Previdência sabe de tudo, pode perguntar, foi ele quem
arrumou os papéis e me encaminhou para o médico, diz ele.
“De novo esse Chico”.
Você tem o nome completo e o cargo desse Chico?
- Tenho não. Só um documento assinado por ele e pelo superintendente da Previdência, quando
minha aposentadoria foi liberada. Posso mostrar, tá lá em casa.
Na casa de Felisberto tudo é muito simples. Um pouco melhor que Felisbino, mas nada que possa
indicar ter ele recebido todo esse dinheiro que os documentos afirmam. E a assinatura dele está ali,
confirmando que recebeu.
- Tá aqui, ó.
Legível, mesmo, só a assinatura do superintendente George W. Navarro. A assinatura do Chico é um
rabisco. Pode ser qualquer coisa.
- Quanto de dinheiro você recebeu, Felisberto?
- Acho quem uns mil real. Tenho aqui o recibo de depósito na conta do banco aberta pelo seu Chico.
São novecentos e trinta e oito real e sessenta e sete centavos. Esse era o atrasado. Hoje recebo cento e
oitenta real, por mês, também depositado na conta. Não fosse esse dinheiro estaria ainda mais difícil a
situação, seu Gabriel. A Previdência não vai tirar a minha aposentaria, vai?
- Creio que não Felisberto, mas algumas coisas que estão erradas precisam ser corrigidas. Esse
Chico, você tem visto ele?
- Depois que tudo ficou resolvido ele não apareceu mais. Telefonou perguntando se meu dinheiro tá
chegando certo. Acho ele muito educado e interessado pelos pobre, seu Gabriel. Se todo mundo na
Previdência fosse assim, acho que seria diferente.
Não há mais nada para ver ou dizer. Os documentos estão certos. Há alguma coisa de podre nesse
“reino da dinamarca”. A única pista ainda é esse tal de Chico. Até porque é difícil acreditar que o
superintendente esteja envolvido.
Gabriel volta para o hotel. Já é meio da tarde. Ao entrar no quarto tem uma surpresa: Cláudia, nua,
sobre a cama.
- Onde você andou. Porque não me disse que ia sair cedo. Queria sair com você. Você não pode sair
sem mim, sabia?
- Porque não? Você está acompanhada, mulher, fica na tua, o que aconteceu entre nós foi legal,
mas não temos nada mais que isso.
- Promete que se você for sair, me leva junto. To curiosa para saber o que você está fazendo aqui.
Promete?
- Tá bem, digo, mas sem vontade nenhuma de cumprir com o prometido.
- Que você vai fazer amanhã? pergunta.
- Preciso ir a Assuncion, visitar um brasileiro que está morando lá.
- Eu vou junto.
- Que nada. E teu acompanhante?
- Ele já foi embora, mas tenho dinheiro suficiente para nós dois.
Pensei um pouco. Seria melhor ficar sozinho, teria mais liberdade de movimento. Mas não estava
vendo perigo nenhum no que estava fazendo, portanto, seria até bom aproveitar aquela companhia. A
mulher, além de linda, era agradável, tinha um papo legal, era estudante de Administração e tinha na
cabeça muito mais que lindos cabelos ruivos.
- Tá bem. Mas a gente tem que sair bem cedo, porque pretendo voltar amanhã mesmo. Vou pegar o
vôo das oito e trinta.
- Ótimo, já que vou dormir aqui mesmo, a gente levanta junto.
E a festa continuou.
Quer detalhes?
Aí vão:

*******

"Aos poucos as roupas estão sobrando. Saem os sapatos, a calça dela, a blusa e, em
poucos minutos estão os dois nus... O corpo da garota é sensacional. Esculpido graças a
exercícios rigorosos. Ela pratica alguns esportes radicais.
As palavras estão sobrando...
Os sussurros ficam cada vez mais rápidos.
Gabriel descobre dois seios pequenos, pontudos, esperando para serem sugados....
E ao levar a mão por entre as pernas da garota, sente que ela está, mesmo, preparada. A
vagina está molhada. E sua língua começa a trabalhar. Beija o pescoço, desce para a barriga,
passa pelas coxas e chega àquela grutinha molhada...
Vira-a de costas e começa a morder uma bundinha durinha, gostosa....
- “Vem, quero você dentro de mim”, diz ela.
Gabriel bem que quer esperar um pouco mais. Está gostando de admirar aquele corpo
gostoso. Mas não consegue. Coloca a camisinha e penetra-a lentamente....
Com delicadeza, mas demonstrando força, ela o vira e fica por cima. Cavalga, agora. Está
no comando. Um comando gostoso. Ela sobe e desce num ritmo frenético. Não dá mais para
segurar... não dá mais para segurar... e os dois chegam ao gozo, juntos.
Foram alguns minutos que pareceram uma eternidade. De prazer. Ele dentro dela,
olhando dentro de seus olhos, apertando aqueles peitos durinhos e sentindo seu cacete latejar
de tesão. Ela subindo e descendo, gemendo, no comando, querendo mais e mais....
Agora ela desaba sobre ele....
Ele desaba.
- “foi bom?”
- “Foi maravilhoso!”.
E a conversa continua. O tesão retorna. Gabriel está pronto, de novo, para a batalha....
“Vem assim, agora”, diz ela.
E se vira de costas. Aquele traseiro convidativo. Gostoso, firme.
Ele penetra, firme.
E o vai-e-vem começa, de novo.
- “Me fode, me fode”, geme ela, enquanto ele agarra sua cintura e a penetra cada vez
mais fundo.
Os minutos passam. De novo, parece uma eternidade. Gabriel procura prolongar o gozo,
mas aquela visão é gostosa demais. “Essa mulher é muito tesão”, pensa, enquanto continua o
movimento que o leva a gozar, de novo, junto com a garota.
- “Continue deitado em cima de mim”, pede ela.
- “Estou molhado de suor”, diz ele.
- “Não faz mal. É gostoso. Não se preocupe com o peso. É bom sentir você em cima de
mim”, implora ela.
E, assim que ele deita, ela profere uma frase que ficará marcada para sempre na
memória de Gabriel.
- “Bem vindo à sua nova área de lazer”...
A promessa é tão gostosa que ele fica sem palavras.
- “Eu vou fazer tudo para você sentir prazer”, continua ela.
A ele só resta agradecer ter conhecido aquela mulher.
A promessa continua no ar...
E ele promete cobrar...
**********
"I need you"

***********

A missa transcorre tranqüila em um domingo de Páscoa. Porém, Gabriel não estou tranqüilo... acaba
de descobrir que não é isso que quer. Sempre foi um católico apostólico romano não praticante, mas agora
decide que vai, mesmo, fugir da igreja. Pelo menos dessa igreja católica que aí está. Não preenche os seus
vazios. Esta desiludido. As palavras que o padre pronuncia são vazias. “A gente só pode dizer ´amém”. Não
participamos. Apenas colaboramos com a “caixinha”. “Não posso dizer que outras religiões sejam
diferentes. Não as conheço em profundidade. Não deve ser muito diferente. Todas precisam sobreviver”,
pensa ele.
Porém, tem certeza, agora, que precisa encontrar alguma coisa para preencher esses vazios. Não,
não são essas palavras que precisa ouvir. Quer muito mais do que apenas ser mero figurante nessa história.
Enquanto as pessoas cantam cânticos sem qualquer rima, alguns totalmente sem nexo e de pura
adoração a alguma coisa etérea, sente-se perdido no meio daquela multidão. “Que faço aqui?” se pergunto.
E não encontra resposta. As palavras ditas pelo padre soam falsas. Não sabe porquê! Talvez porque
ultimamente tem observado demais o cosmos. Pára, à noite, em noites que perde o sono, se perguntando o
que existe em volta de nós. “Estamos sós nesta imensidão?”, questiona. Também não encontra respostas.
Porém, considera meio impossível que com tantas galáxias, tantas estrelas, tão grande ser esse
nosso sistema que sejamos apenas nós os privilegiados em um mundinho - na verdade tão pequenininho (e
o pior é que estamos acabando com ele).
Mas voltemos ao assunto anterior.
Olha em volta e vê rostos inexpressivos. Adorar um deus (seja com maiúscula ou minúscula, o que
importa é a importância que a gente dá a ele) deveria ser algo alegre, festivo. Mas as pessoas estão
inexpressivas. Levantam os braços mecanicamente. Movimentam os lábios mas não cantam. São robôs que
entram no templo para ouvir um pastor falar sem lhes dar condições de participar...
Não quero isso para mim, decide ...
Gabriel sai da igreja e logo à frente vê alguém acenando com os dois braços. Quer chamar a
atenção. Imagina que seja o guardador de carros - lá vai gorjeta, pensa com seus botões. Mas não! É
Celso...
- Tem tempo, pergunta ele.
- Todo tempo do mundo, responde Gabriel.
- Então entra aí, e faz sinal para o carro que está estacionado.
- Prá onde a gente vai? Pergunta.
- Você já vai ver...
O trajeto é curto e reconheço o local. É o bar da Ópera de Arame, um local gostoso, com barulho de
água caindo (água cair parece ser algo que vivia na cabeça dos prefeitos de Curitiba. Quase todos os locais
da cidade ‘fabricados’ para atrair turistas possuem uma queda d’água).
- Veja esses documentos, diz Celso. E abre uma pasta executivo sobre a mesinha onde já estão,
fumegantes, duas xícaras de café preto, um dos vícios de Gabriel (o cigarro ele abandonou até com certa
facilidade, mas não larga do café).
As folhas se sucedem. A numeração passa de trinta. E é apenas relação de nomes, tendo ao lado
números de documentos e valores. Alguns endereços, para os quais Celso chama a atenção.
- Nem todos são verídicos. A maioria é fantasma...
Gabriel continua folhando a documentação. Encontra alguns nomes conhecidos.
- Impossível!!!
- Tudo isso aqui é aposentadoria fraudada? Questiona.
- Tudo!!!

***************

"Nobody knows it, but you get a secret smile


and you use it, only for me"

(secret smile)

*************

Mariana está pensativa. Ficou curiosa com um telefonema que recebeu da superintendência da
Previdência. George Navarro quer falar com ela, de novo. Volta ao passado quando ele sugeriu que a clínica
fosse incluída num “esquema” de atendimentos. Não foi muito claro, mas deixou antever que rolaria muita
grana. Só que Mariana não gostou da entonação na voz do homem. Ele parecia alguém acostumado a
mandar e não gostava de ouvir quem lhe dissesse “não”. Pensa em consultar o marido, mas prevê que ele
vai dizer para que ela aceite a proposta de George. Porém, Fernando não tem nada a ver com a clínica, que
é dela. Ali está o seu trabalho diário, suas economias, seu presente e seu futuro. Por isso, não está muito
inclinada a aceitar o que o marido pensa sobre o assunto.
O encontro está marcado para o dia seguinte, na própria superintendência, no centro da cidade.
Mariana aproveita para se inteirar um pouco mais sobre que tipo de contratos a Previdência pode lhe
sugerir. Já possui alguns convênios, inclusive alguns que lhe permitem cobrar da Previdência, mas todos de
pequenos valores, quase insignificantes. A maior parte de sua renda vem de convênios particulares. Não é
muito dinheiro, mas dá para sobreviver com dignidade. A situação é muito boa porque Fernando, o marido,
ganha muito bem. Mais até do que ela esperava.
Absorta nos seus pensamentos, liga o computador que tem sobre a mesa. Acostumada a verificar o
correio eletrônico, sua primeira ação é ligar-se à Internet. Os e-mails começam a aparecer diante da tela.
Um aviso do provedor sobre melhorias no sistema, um anúncio de uma empresa vendendo computadores e
um com apenas um coração colorido de vermelho, transpassado por uma flecha. “Parece coisa de criança”,
pensa ela. Mas sorri e já imagina de quem seja a mensagem. Não há remetente.
Por alguns momentos ela fica como que perdida, olhando para aquele pequeno coração. Imagina
quem o mandou. Já faz algum tempo que não se falam e ela reluta em aceitar os convite que recebe para
“passear no parque”. Sabe que esse convite é apenas uma desculpa. Quem a convida quer, mesmo, muito
mais do que apenas um passeio. Ela também quer, mas reluta em trair o marido. “Não sei lidar com esse
negócio”, pensa. Mas já aceita a idéia de tirar a roupa para Gabriel - essa talvez seja a parte mais difícil na
traição a alguém, tirar a roupa - , coisa que ela não admitia fazer para ninguém mais.
Sobre a mesa vários documentos relacionados aos convênios que mantém. Começa a colocá-los em
ordem. "Vou aproveitar a saída de amanhã para entregar as cobranças do mês”, pensa Mariana. E os
pensamentos que fizeram com que ela sentisse um frio percorrer a barriga desaparecem. Agora ela volta a
ser a profissional competente, cuidadosa, criteriosa e preocupada com a sua clínica.
Assina alguns documentos, analisa, pensativa outros e, quase sem sentir, baixa o óculos e volta a
ficar pensativa.
“Que pode o superintendente querer comigo?” Pensa com seus botões. Que tipo de proposta pode
ter para com sua clínica?
A manhã passa depressa quando se está ocupada. Distraída, olha no relógio. São 11h30! É tarde,
pensa. E se dá o direito de divagar, de novo. Está precisando de um pouco de ação em sua vida. Ela está
muito monótona.
Algumas imagens começam a fluir.
Ela se recosta na cadeira e usufrui do calor que percorre seu corpo. Sente tesão ao imaginar
"aquele" corpo nu. E, na imaginação, começa a percorrer as costas de Gabriel com as unhas, enquanto o
corpo se aconchega ao seu. Fecha os olhos e parece estar sentindo o calor da pele dele. Suas mãos
percorrem seu corpo. Seus lábios molham seu pescoço e a barba - sempre por fazer - espinha seu rosto,
seus seios, sua barriga e - ahhhhhh!!!! - um gemido sai de sua garganta quando ele beija o umbigo. Sente
um tesão ainda maior imaginando Gabriel beijando a cicatriz que quase atravessa sua barriga. Com as duas
mãos empurra a cabeça dele para baixo. “Mais embaixo” sussurra. E leva as mãos o meio das pernas. Está
molhada e doida de tesão.
As mãos começam a esfregar o sexo com mais rapidez, delicadamente. O clitóris entumescido
cresce, fica cada vez maior. É agradável a sensação que sente ao passar os dedos sobre ele. Está quente,
duro, sensível. Sente que vai gozar. Precisa gozar. “Alguma coisa está errada com meu marido”, pensa. Há
alguns dias - ou semanas - que ele não a procura. “Que estará acontecendo?” se pergunta. “será que deixei
de ser “interessante” sexualmente? Não! Ela se recusa a aceitar essa idéia. Fosse assim não teria - sem
falta modéstia - pelo menos uma dúzia de homens querendo levá-la para a cama.
Ao fechar os olhos sente o corpo de Gabriel deitando-se sobre ela. Sente sendo penetrada. Suas
mãos estão cada vez mais molhadas. Ali mesmo, sobre sua cadeira de trabalho, sente escorrer o gozo.
“Ah, que gostoso...Eu estou precisando de algo mais”, pensa. As imagens de uma transa continuam
na sua imaginação. Ela se obriga a afastá-las. Precisa continuar trabalhando.
Batem à porta.
- Entre! comanda.
É a secretária. Mais papéis.
- "O dr. George ligou. A senhora estava ocupada e não quis incomodar. Ele vai ligar, de novo, no
início da tarde."
“George. Ele de novo. Preciso falar com Fernando sobre isso”, pensa.

**************

“ O amor, quando se revela,


Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,


Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr’a saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;

**************

Celso está diante de um arquivo metálico, contendo centenas de pastas, a maioria delas
amarrotadas pelo excessivo manuseio. À meia luz, ele manuseia uma pequena lanterna para procurar o que
quer. Pesquisa alguns nomes que estão numa pequena lista sobre o arquivo. Cabisbaixo, pensativo, não se
dá conta de que não está sozinho naquela sala de arquivos da Previdência. Uma sombra se projeta a
poucos passos dele e, como se estivesse olhando sobre seu ombro, observa tudo o que está fazendo.
A sala é grande e contém pelo menos cinqüenta arquivos metálicos, distribuídos de forma a manter
corredores entre eles. Uma escada com rodinhas permite ser carregada de um lado para outro e permite
acesso às gavetas mais altas. Ali estão todos os processos de aposentadoria - por tempo de serviço, por
incapacidade ao trabalho, etc. A Previdência sofre com a falta de recursos - uma parcela, talvez a maior, é
desviada para o bolso de pessoas inescrupulosas, quase sempre de dentro do próprio esquema de trabalho
- e ainda não conseguiu estabelecer um sistema de informatização, que permite acesso rápido, fácil e
transparente aos processos.
A listagem que ele pesquisa é de pelo menos vinte nomes. São aposentadorias com valores altos, a
totalidade delas determinada por ordem judicial. Uma rápida olhada nos processos encontrados e que estão
sobre o arquivo mostram pelo menos uma coincidência interessante. Todas as decisões judiciais foram
dadas pelo mesmo magistrado. E nenhuma delas teve qualquer contestação por parte da superintendência.
...”que estranho”, pensa ele, e sente um calafrio. Aquele sexto sentido - que, dizem, só as mulheres têm -
lhe avisa que há mais alguém na sala. Volta-se e observa um movimento logo adiante. Agora tem certeza
de que está sendo seguido, observado... Gostas de suor começam a correr pelo rosto, mas ele prefere
arriscar e dá dois passos na penumbra para ver o que é aquele movimento. Dirige a lanterna para onde
verifica o momento e dá um suspiro de alívio ao ver que é apenas a sua própria imagem refletida no
monitor de um velho computador descartado como sucata.
Dá uma olhada em volta e resolve parar por hoje. Sabe que está se arriscando porque algo de
estranho está acontecendo naquele velho prédio. Alguns traços ele já encontrou - os processos que foram
mostrados a Gabriel - e outros ele continua encontrando. Preocupa-se porque ao que tudo indica quem
manipulou os processos de aposentadoria parecia não estar muito preocupado em apagar as pegadas. A
impressão que ele tem é de que quem quer que seja que está “metendo a mão” no dinheiro público, não
temia ser apanhado... “estranho... muito estranho...”
“Amanhã vou dar mais uma conferida”, pensa. Volta, fecha o arquivo e - por mais alguns
centímetros - quase esbarra na sombra que ele acabou não vendo. Apanha um calhamaço de processos e
coloca debaixo do braço. Fecha a porta e sai. Na portaria, avisa que vai trabalhar em casa. Menos de meia
hora depois que ele desce e apanha o carro para ir embora, sua secretária levanta o telefone e disca um
número. Do outro lado está George Navarro. O diálogo é curto.
- “Ele estava no arquivo, procurando pastas de aposentados”...
- ...
- “Vou continuar observando, não se preocupe. Tchau!”
......
- A secretária também tem, entre as pernas, uma tatuagem - mais que isso, uma marca - de dois
círculos entrelaçados... a “sociedade do círculo perfeito” tem ali mais um associado.

*******************

Os óculos escuros não conseguem esconder a beleza de Suzane, que passeia pelo shopping Curitiba,
como que furtivamente. Parece estar procurando por alguém. Mas só um observador mais atento poderia
considerar essa hipótese. Veste-se de maneira sóbria, não usa qualquer pintura, parece estar se
escondendo. Diante da vitrine de calçados lembra que precisa comprar uma sandália nova. “George pode
resolver dar uma festa-surpresa e preciso ter um calçado novo”, pensa. Esquece - simplesmente esquece -
que dentro de seu closet estão pelo menos cinqüenta pares de calçados. Comprar calçado é um dos
maiores prazeres de Suzane.
Caminha mais um pouco e se imagina dentro de uma calça larga, camiseta por fora da calça,
cabelos soltos e um tênis. Mal sabe que se ela desperta desejos da maneira como se veste - ou como os
homens a imaginam despida - vestindo o que está imaginando, então, acenderia a imaginação já fértil
daqueles que a cercam.
Levanta a cabeça e sorri. No andar superior, observando-a sobre o parapeito da escadaria está
Fernando. Nos olhos de Suzane um brilho todo especial. Ela simplesmente está apaixonada por aquele
homem. “Meu Deus, eu adoro estar nos braços dele”, imagina. E já se imagina sendo apertada por aqueles
braços fortes. A barba - sempre por fazer - espinha seu rosto, seu pescoço, desce sobre os seios e desce
ainda mais sobre a barriga. Ela geme e antecipa o que vai acontecer. Está ali por isso. Veio encontrar
Fernando...
Na praça da alimentação parecem dois namorados.
Por baixo da mesa - para o caso de algum conhecido passar por ali - ele afaga suas pernas. Já a
imagina nua. “Essa mulher me deixa louco”, pensa. Enquanto ela sente que alguma coisa a incomoda na
chamada “boca-do-estômago”.
- A gente ama pela barriga, conclui.
Fala isso para Fernando e sorri. E o seu sorriso é algo realmente muito bonito. Pena que sob aqueles
cabelos quase louros exista apenas beleza. Suzane nunca se preocupou em aprender algo. Não foi preciso.
Desde garota todo mundo - literalmente - faz tudo o que ela precisa. Basta acenar e seu menor desejo será
atendido. Sempre foi assim.
Mas Fernando não está preocupado com isso. Ele deseja aquela mulher tanto quanto ela o deseja.
Só que George não pode saber - sequer desconfiar - que ele está “tirando” uma lasquinha da sua mulher.
O lanche foi apenas uma desculpa. Eles se dirigem para a garagem e, com o carro de Fernando, se
dirigem para o Motel na rodovia.
Uma garrafa de vinho abre as preliminares.
....
Fernando sabe que não deve fumar. Afinal, ele mesmo recomenda para todos os seus pacientes.
Porém, o momento é de glória. Ele precisa comemorar. Um vinho, uma transa deliciosa e, para concluir, um
cigarro.
- Que está acontecendo com George? pergunta Suzane. Ele está tão esquisito nos últimos meses.
- Sei lá. Deve ser os negócios, afirma Fernando.
Porém, ele sabe o que está preocupando o homem. A investigação que está sendo desenvolvida
pelo superintendente adjunto está se aproximando de algumas provas que ele não gostaria fossem
descobertas. E precisa tomar providências. Tem ainda o caso daquele policial que também investigava as
aposentadorias... ele afasta o pensamento. Acompanhou todo o desenrolar do drama e, como médico,
sente que está em dívida consigo mesmo.

...

...... "O barracão, localizado numa chácara perto do Parque Barigüi, estava na penumbra e apenas
algumas frestas deixavam passar a luz que vinha da rua. O local pertencia a George, que o utilizava para a
realização de “‘trabalhos especiais”. Esse era um dos “trabalhos especiais”. O homem, ajoelhado, implorava
para seus algozes. “Pelo amor de Deus, tenho família, tenho dois filhos, não façam isso comigo”... repetia
ele. À sua frente estavam George e Chico. Os dois frios. Nas mãos de George a documentação do homem,
que não podia negar mais ser um policial. À direita um homem corpulento. Os quatro tinham algo em
comum. No braço esquerdo de cada um deles, próximo do cotovelo, dois círculos entrelaçados os
identificavam como “parceiros”, “sócios”...
- O quê você está investigando? Quem você está procurando? Porque se infiltrou na Previdência?
Vamos homem, responda! ordenava George.
Chico apenas observava. Nas mãos uma pistola .65. Quando viu que o homem não iria responder as
perguntas, bateu duas vezes na cabeça e no rosto com a coronha da arma. O sangue escorreu.
Instintivamente Fernando se moveu. O seu senso de médico lhe determinava atender um paciente. Mas
ficou no mesmo lugar.
George gritava no rosto do homem para que ele falasse. Nada, ele apenas gemia.
George então se afastou. Cochichou alguma coisa com Chico e virou as costas. Fernando já previa o
que estava para acontecer. Chico se aproximou, deu dois chutes no corpo do homem e voltou a insistir. “Se
você falar a gente vai embora, não seja idiota”... Nada. O policial era durão, mas já devia saber o que
aconteceria, falasse ou não. Então Chico levantou o mão e deu dois tiros. Um no peito - “prá não matar
imediatamente”, segundo disse - e outro na cabeça - “de misericórdia”, acentuou. Fernando virou o rosto.
Não estava habituado a isso. Pelo contrário. Ele apenas salvava vidas e não permitia que as pessoas
morressem. Enquanto lembrava sentiu um arrepio no corpo. Ele se sentia impotente quando perdia um
paciente, mesmo sobre a mesa de cirurgias. Mas agora estava ali, vendo alguém ser morto sem que
pudesse se defender. Mas a única coisa que fez foi dar dois passos à frente, só para verificar que o policial
estava morto.
Voltaram a verificar os bolsos para ver se nada havia que os incriminasse, mas esqueceram um
pequeno bolso localizado do lado esquerdo. Ali, um pequeno papel, todo enrolado, previa uma consulta
para dentro de poucos dias. E Fernando sequer imaginava que ela estava marcada com ele mesmo. Se
soubesse que seu nome já fazia parte do organograma que começa a ser esboçado numa sala escura de
São Paulo, talvez tivesse adotado outra atitude.
Apanhou o homem pelas pernas enquanto Chico fazia o mesmo pelos braços. E o corpo afundou no
Rio Barigüi. Dois dias depois ele leu no jornal o encontro do corpo. Ninguém sabia de nada. Ninguém
desconfiava de nada. Mas ele sabia que alguma coisa não estava certa. O resultado da autópsia
obrigatoriamente identificaria as marcas de projéteis. Só que nada mais foi publicado pela imprensa.
- "A polícia deve ter pedido para que nada fosse divulgado. É porque está investigando, imaginou.
....

Piscou os olhos e tentou limpar da cabeça todas aquelas imagens. Olhou para o lado e viu aqueles
olhos claros lhe fuzilando.
- O que está pensando. Faz algum tempo que você está viajando, amor! pergunta Suzane, enquanto
percorre com os dedos o peito peludo do amante. Suas mãos percorrem o pescoço, a barriga, e por um
instante fica com uma delas parada sobre a tatuagem dos círculos entrelaçados, que encontrou em
Fernando.
- Nada... nada...responde, evasivo.
- O que é isso... pergunta.
- A tatuagem? Nada de importante. Coisa de juventude, responde.
Ela não fala nada. Mas reconhece a mesma tatuagem que o marido tem, também no braço. Pensa
em perguntar, mas se cala. Não gosta de se envolver em algo cuja compreensão lhe escapa. Só sabe que
ali existe algo que ainda não entendeu. Não importa. Só quer aquele homem... neste momento é tudo o
que importa. Seu corpo pede sexo. Precisa sentir prazer.
Fernando envolve seu corpo num abraço apertado. Suas mãos procuram os seios. Seus lábios a sua
boca. Aquela mulher é para ser comida... Esfrega seu sexo contra os pelinhos louros da vagina dela e sente
nova ereção. Enquanto beija os seios, esfrega a barba sobre a barriga, sente que ela segura sua cabeça e o
força a descer um pouco mais. Os gemidos ficam cada vez mais fortes, até que Suzane não segura mais.
Relaxa num gozo demorado enquanto sente a língua de Fernando fazer um trabalho gostoso. Num sobe e
desce calmo, lento, como ela gosta. “Foi assim que eu ensinei ele a fazer” lembra. E se entrega ao
orgasmo...

************

“Puedo escribir los versos más tristes esta noche.


Escribir por ejemplo: “La noche está estrellada,
Y tiritan, azules, los astros, a lo lejos”.
El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.


Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la queria..
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.


Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oir la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.
Qué importa, que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada e ella no está conmigo..

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.


Mi alma no se contenta com haberla perdido.
Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
Yo la quiero, es cirto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cirto, pero tal vez la quiero.


Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
Mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
Y éstos sen los últimos versos que yo le escribo.

(Pablo Neruda)

****************

A Traviatta estava lotada.


Cláudia não estava.
Na verdade Gabriel não estava procurando por ela. Queria apenas me divertir. Mas alguma coisa lhe
dizia que a noite seria interessante. A Traviatta, afinal, nunca esteve tão lotada! Se bem que fazia algum
tempo que ele não comparecia ao local. Tinha outras boates para visitar. A noite curitibana é convidativa.
Um dia, noutra casa noturna, a “Casa Rosada”, Gabriel acabou ganhando um espetáculo totalmente
inesperado.
Sentado numa mesa de canto (ele não gosta de ficar no centro das atenções), tomava uma
cervejinha gelada, sozinho, quando de repente uma morena de corpo escultural saiu por uma porta,
vestindo calcinha, apenas. No tornozelo uma correntinha extremamente sensual. E nas costas, sobre o
ombro direito, uma tatuagem tribal, como costumam dizer os aficcionados pelo tema.
Veio em direção à mesa. Subiu, e começou a dançar. Era um strip por conta da casa. Nos olhos
daquela mulher, alguma coisa além da compreensão humana. Deve ter exagerado no “talco”, pensa
Gabriel. Seu sorriso era enigmático. Mas seu rosto - assim como o corpo - lindo.
No ritmo alucinante da música tecno tirou a calcinha. E no mesmo ritmo, abaixou-se, pegou o copo
de cerveja e despejou entre os seios. E com a mesma agilidade, levou a mão à vagina, já molhada pela
cerveja, enfiou os dedos e os levou à boca. Chupava os dedos como devia chupar um cacete.
Olhava fixamente para Gabriel.
Com alguns gemidos, fez de conta - acho - que chegou ao gozo. Desceu da mesa, foi aplaudida, e
desapareceu, de novo, na mesma porta.
O garçom trouxe outra cerveja para substituir a que foi usada pela garota. “É por conta da casa”,
disse ele com um meio sorriso.
"Eu bem que tomaria aquela cerveja que desceu sobre o corpo da garota. Que garota!!!", pensa.
Mas voltemos à Traviatta.
Gabriel encontra alguns amigos e inclusive o responsável pelo necrotério, a quem devia uma cerveja.
Sabia que o local não era para discutir o assunto, mas profissional é profissional.
- E aí, alguma novidade naquele sujeito? Perguntei
Ele como que já esperava pela pergunta. Sabia por quem estava interessado.
- Não, nada. Só o que te falei.
- Legal. Vamos tomar uma cerveja!!!
Quase madrugada. Já havia bebido além da cota e pensava em ir embora. Tinha uma garota na
“mira”, e pensava em levá-la para dormir na pensão. Estava torcendo para que não aparecesse ninguém
querendo levá-la. “Se sobrar tá no papo”, pensa. E continuei falando com o amigo, sentado na mesa do
canto. Foi então que notou um pequeno movimento no canto direito da casa. Por uma porta que se sabia
dava para um quarto, saiu uma morena. De máscara e capa. Um corpo sensacional.
Dançou entre os presentes e encarou Gabriel.
-”Orra”, pensa ele....
A música era rápida. Os passos dela também. Mas aquela máscara...
A mulher sentou no colo de alguns homens e veio em direção de Gabriel. Apanhou-o pela camisa -
como quem vai beijar - e lhe sussurrou ao ouvido
- “Siga o dinheiro”.
- Hein? Pergunta ele, sem compreender.
Mas ela se afastou, rápida.
- Mais uma volta pela sala e, de novo, ela se aproxima. Agora é Gabriel quem a apanha pela capa.
Ela está só de calcinha. O show é agradável. “Mulher não precisa tirar tudo, quando é gostosa”, pensa com
seus botões.
- Que recado você me deu, linda?
- Siga o dinheiro, gostosão. Entendeu agora? A voz era rouca, sussurrada, com quem está tentando
imitar alguém. “Ela está mudando a voz’, identifico, de imediato...
- Que dinheiro...que dinheiro?.... pergunto.
Tarde demais. Ela lhe escapa das mãos, se afasta e entra pela porta de onde saiu.
Gabriel fica parado, pensando no que ela lhe disse.
Procura o dono da casa para pedir informações sobre a mulher.
- Quem é ela?
- Só sei que é estudante, que quer se divertir, mas não faz programa, não adianta insistir. Nem seu
telefone eu tenho. Ela aparece, faz o show e vai embora, diz o proprietário.
- Mas eu preciso falar com ela.
- Nada feito. Se sair agora é provável que os seguranças o façam voltar. Ela tem vindo uma noite
por semana. Venha na próxima sexta-feira, quem sabe ela está aqui de novo, diz.
- Ela me deu um recado... só que não entendi.
- Volte na sexta...
- Tá bem.
“Siga o dinheiro”... “siga o dinheiro”... “siga o dinheiro”....A frase não lhe sai da cabeça.
Agora está ali com essa mulher. O que fez, não lembra. Procura olhar seu rosto para ver se por
acaso não é a morena da máscara. “Não é não”, confirma. “O corpo é diferente. Aquela mulher era muito
melhor”.
“Siga o dinheiro”, volta a lembrar.
E alguma coisa lhe diz que conhece aquele corpo. Alguma coisa lhe aponta para alguma coisa. Só
que não consegue entender o que é. "Deve ser a bebida"...

*********************

George está sentado diante da escrivaninha no escritório de casa. As luzes estão apagadas e apenas
um abajur ao lado da estante dá luminosidade a alguns documentos que estão sobre a mesa. Ele folheia
alguns deles, anota nomes, números, valores. Não são nada pequenos.
Como se estivesse lembrando do passado, algumas coisas voltam à sua mente. A visita do juiz
Ricardo Mendonça y Mendonza - apesar do nome espanhol, muito brasileiro - trazendo uma proposta,
velada. “Podemos ganhar algum dinheiro com aposentadorias”, diz, como quem não quer nada. Isso já faz
dez anos. E a coisa cresceu, cresceu, tomou proporções muito maiores do que se poderia imaginar. Além
disso, ganhou em importância, tanto que foi preciso matar para manter o anonimato do que se fazia dentro
da superintendência. “Bastam algumas assinaturas em documentos especiais e livramos uma parcela do
dinheiro. Mas o mais importante - as palavras do juiz ressoam em seu cérebro - é que livramos também a
nossa cara. Nunca alguém vai desconfiar”, havia dito.
Mas desconfiaram.
E investigaram...
E em algumas oportunidades chegaram bem perto... por isso foi preciso matar.
A “Sociedade do Círculo Perfeito” foi colocada em ação...
“Primeiro foi aquele investigador...
“Agora pode ser que haja necessidade de uma ação mais “enérgica” contra o superintendente
adjunto. Ele está se tornando “meio que inconveniente” com essa investigaçãozinha. Tem também um
jornalista metido no meio, mas esse está bem vigiado. Não podemos vacilar. Há muito em jogo...”
Isso começou há quase dez anos. Muita gente ganhou dinheiro com o esquema formado dentro da
Previdência e em algumas clínicas paralelas. Nesse período, o golpe foi se aperfeiçoando. Envolvia gente
simples, mas em alguns casos - foram exceção - gente graúda entrou na jogada. Ele sabia que havia muita
coisa em jogo. Credibilidade, honestidade, status, muitos nomes importantes... Se o esquema viesse à tona,
muita gente teria que sumir do mapa. Se fosse no Japão, faltariam janelas de altos edifícios para executivos
e gente importante pular...
As clínicas eram coisa pequena. Serviam apenas para os trocados. Era o dinheiro distribuído para os
“bagrinhos” do esquema. Mas tinha uma que havia se recusado a participar. Era da mulher do Fernando.
Tudo bem. Ele queria preservá-la. Mas se ele estava envolvido, porque não a mulher, também?
Nas clínicas o que funcionava era a repetição do atendimento. Uma mesma pessoa era atendida até
dez vezes. Variava o atendimento de simples consulta a cirurgias. E o dinheiro era cobrado da Previdência,
com concordância da Superintendência. Era fácil descobrir qual atendimento fazia parte do “caizinha’’. A
guia vinha com um “AP” escrito em vermelho no canto esquerdo. O “Atendimento Privilegiado” era a senha
para a liberação imediata.
Quanto aos aposentados, não se poderia dizer que o trabalho fosse complicado. Pelo contrário...
...o trabalho era bem simples.
Um grupo de pessoas - a quadrilha agia desde o recepcionista até o juiz que assinava a papelada -
escolhia alguém que estivesse em dificuldades. Não havia nem a necessidade de que o “parceiro” como era
chamado (talvez fosse melhor chamar de vítima, mas isso eles se recusavam) estivesse pleiteando
aposentadoria. Era “descoberto” em algum lugar alguém em dificuldades. Chico (então era esse o chico)
entrava com a conversa, se apresentava como integrante da Previdência e convencia o sujeito a pedir
aposentadoria por invalidez, por tempo de serviço, por qualquer coisa. A partir desse momento, a quadrilha
começava a agir. Os números eram multiplicados. Documentos eram alterados. Atestados médicos
confirmavam invalidez e, por fim, a assinatura do superintendente garantia o resultado.
Para dar ares de legitimidade, a própria quadrilha entrava na Justiça questionando os valores (já
razoavelmente altos). O juiz, então, dava ganho de causa para o “parceiro” (ou vítima) e o dinheiro -
grandes quantias - era liberado. A vítima (ou parceiro) recebia um pequeno valor - questão de cinco ou dez
salários mínimos - mais a aposentadoria mensal de um ou dois salários. Assinava papéis, normalmente em
branco, e a quadrilha abocanhava milhões. Mas garantia que todo o mês o pequeno quinhão da vítima
chegasse ao destinatário. Não queriam correr riscos de alguém ir procurar um dinheiro que existia, mas que
era muito mais do que o beneficiário ganhava.
No esquema, a relação era muito grande. Mais de cinco mil pessoas. Num cálculo médio de cerca de
quinhentos mil reais para cada um, é fácil ver quanto a quadrilha havia levantado nos últimos cinco anos.
Mais de dois bilhões de reais haviam sido distribuídos - em parcelas generosas para o juiz, o
superintendente e o médico - para os integrantes da quadrilha.
Diante de George estava mais uma meia dúzia de documentos. Eram novos “parceiros”. - “Acho que
alguém está ganancioso nessa história e isso pode estourar” pensou o superintendente diante dos números.
O juiz havia conquistado uma amante que praticamente comia dinheiro. Precisava cada vez mais para
cumprir com os caprichos da mulher. Era carro importado, casacos de pele, viagens para a Europa. “Haja
grana”, matutou, meio preocupado. Ele sabia que a situação estava um pouco preocupante. “Se um dia
estourar, vai estourar em outro”, continuou pensando. Ele havia preparado álibis que considerava perfeitos
para caso uma investigação chegasse perto demais.
Mas assim mesmo, preparava outra saída. Havia comprado um apartamento em Roma. E a conta na
Suíça engordava um pouco a cada mês. Dinheiro para fugir ele tinha. E, a bem da verdade, era esse o seu
maior pensamento. Pegava a mulher - a filha não, porque ela tinha vida própria - e ia embora. “Me
aposento”, pensou. E foi obrigado a rir de si mesmo.

*****

“Siga o dinheiro”.
Aquela frase não saía da cabeça de Gabriel.
Precisava encontrar aquela mulher. Como ela poderia saber que ele estava numa investigação.
Claro, porque para dizer aquilo ela tinha que saber o que estava acontecendo. “Siga o dinheiro”. Ele tinha
certeza de que já havia ouvido aquela frase, em algum lugar. Só que não conseguia lembrar.
“Oôôôô cabecinha... preciso fazer alguns exercícios de memória. Preciso descobrir onde ouvi essa
frase. Ela não é novidade. Só é novidade ouvi-la da boca daquela mulher”, pensa ele, inquieto.
Sai da pensão ainda conversando com seus botões. Chega na praça Osório e resolve ir ao cinema.
Afinal, preciso descansar um pouco, pensa. Esse negócio está me fundindo a cuca. Vou espairecer com um
filme de ação.
Olha o cartaz e decide assistir uma comédia. “Não existe coisa melhor para relaxar do que rir”,
pensa.
...
O filme é um misto de comédia, ficção e suspense. O mocinho acaba, como sempre, conquistando a
mocinha. E tudo acaba bem.
Ali sentado, assistindo ao filme, Gabriel remói a frase que não lhe sai da cabeça: “siga o dinheiro”...
siga a grana. De repente dá um salto.
- Já sei!!
Chega a esquecer que está no cinema. As pessoas pedem silêncio, mas ele está eufórico. Conseguiu
lembrar onde havia ouvido a frase. “É do garganta profunda, no filme ‘Todos os homens do presidente’, que
investiga o escândalo de Watergate, que acabou derrubando o presidente Nixon, dos Estados Unidos. Era o
garganta profunda (Dep Troat em inglês) quem passava as informações aos jornalistas. Ele que disse para
seguir o dinheiro. Essa mulher quer que eu siga o dinheiro, o que foi pago aos aposentados....”
- Claro - fala consigo mesmo - se eu descobrir quem está mandando o dinheiro (porque não é a
Previdência, lógico, já que o valor liberado é maior) vou começar a puxar o fio da meada.
- Orra mulher, agora mais do que nunca preciso encontrar você... Mas quem é você??
E a investigação começa a tomar rumo.
Antes, porém, ele precisa fazer mais algumas viagens. Vai confirmar se o esquema é semelhante em
outros locais.
As coisas começam a se encaixar. Por dedução, ele chega a conclusão de que o processo de
aposentadoria dá entrada na Previdência, alguém libera o dinheiro, alguém recebe, e o legítimo aposentado
só fica sabendo que tem uma pequena parcela do que foi liberado. “Preciso descobrir esse Chico”, pensa. “É
bem provável que as pessoas assinem documentos em branco. E um desses documentos deve ser uma
procuração. Vou dar uma pesquisada nos cartórios. Chico só pode ser Francisco”. A questão, agora, era
convencer algum cartório - acho que deve ser no centro da cidade - a abrir os livros de procurações onde
ele precisava procurar.
“Vou bancar o haker, de novo. Quem sabe tenho sucesso”, pensa.
Liga o computador e com a ajuda de alguns softwares especiais consegue entrar na rede de um dos
cartórios de Curitiba.
- Vejamos - “pesquisar Francisco *.*” tecla. Aparecem dois Franciscos, mas a procuração não tem
nada a ver com a Previdência.
A pesquisa continua até que um aviso começa a piscar no lado direito da tela.
- “Opa. Já sabem que alguém entrou. Estão tentando me rastrear. O negócio é cair fora”; Desliga a
conexão e parte para outro.
Na lista telefônica alguns números. Quando a ligação é normal, sem sinal de fax ou rede, desliga
imediatamente. Mas dá sorte. Outra linha aberta para quem sabe por qual porta entrar...
A procura continua minuciosa. Levou sorte porque já percorreu vários documentos e até o momento
ninguém havia detectado que um intruso estava bisbilhotando os livros do cartório.
Nada...
Nada....
Já estava desistindo quando aparece o primeiro Francisco. Um tal de Francisco Leandro, com um
endereço no centro da cidade, que recebeu uma procuração de Alexandre V.S. Frowlick, para dar
continuidade com a documentação para aposentadoria na Previdência Social. Tudo parece correto. Até o
fato de Alexandre residir em Buenos Aires. “Calle 23, n.º 1245, capital”, diz o documento. Claro que
residindo na Argentina, ficaria mais fácil deixar alguém da própria cidade providenciar a documentação para
aposentadoria.
- Quem eu procuro primeiro. O Francisco ou o Alexandre?
A lógica mandava que ele procurasse Francisco. Afinal o endereço era quase no centro, perto de
onde estava. Era o primeiro indício. A primeira pista. Quem sabe não começava por ali a puxar o fio da
meada?
Tudo parecia muito fácil. Não fosse o fato de, no endereço citado na procuração, não existir nenhum
Francisco Leandro.
- Tem certeza, perguntou, de novo, ao síndico do prédio.
- Absoluta. Sou síndico aqui há pelo menos cinco anos. Nunca ninguém morou aqui com esse nome.
Estava fácil demais...
Onde encontrar esse Francisco Leandro....
Ao sair, pára diante do prédio e fica olhando em volta, sem saber que passo dar em seguida.
Soubesse ele que naquele mesmo momento “Chico”, na verdade Antônio, está chegando em casa. Seu
primeiro erro foi ter dado o endereço dele num documento onde usa nome falso. Nem havia se dado conta.
Na verdade. Nem se deu conta, ainda, do que está acontecendo. Ele não conhece Gabriel. E Gabriel não o
conhece.
****************

“ No velho oeste ele nasceu...


“ E entre bravos se criou...
“ Seu nome lenda se tornou...
“ Bat Masterson... Bat Masterson...

A música não lhe sai da cabeça. Fez parte de sua juventude, assim como deve ter feito parte da
juventude de muita gente de sua idade. Fica cantarolando baixinho enquanto percorre as ruas do centro
histórico de Curitiba. Gosta de andar por alí. Apesar de não ser um paranaense, adotou Curitiba como “sua
cidade”. Gosta da cabeça de cavalo derramando água numa fonte que o prefeito mandou colocar no Largo
da Ordem, apesar de considerar que ela transmite muito sofrimento. Gosta do relógio das flores, da feirinha
dos domingos de manhã, dos restaurantes do centro da cidade e dos barzinhos que rodeiam o Largo da
Ordem.
Já se pegou ao lado do bebedouro, uma fonte colocada bem no centro da cidade onde no tempo da
escravatura era colocado o pelourinho, local para chicotear negros arredios e que se recusavam a respeitar
seus donos. Se sentiu parte da história. E cada vez que passa por ali, lembra de uma oportunidade, em
Brasília, quando diante de um espelho de cristal, dentro do Tribunal de Justiça, ficou imaginando quantas
personalidades mundiais - desde o tempo do Império - se viram refletidos naquele vidro cristalino...E ele
estava ali, sendo refletido também, junto com todas aquelas almas... se sentiu viajando... viajando...
E lembra que há poucos anos Curitiba não tinha nenhum atrativo para quem a visitasse. Hoje,
porém, além dessas características todas especiais no centro da cidade, ainda pode enumerar a Pedreira
Paulo Leminski (o nome de um poeta da cidade, morto há alguns anos), a Ópera de Arame (um teatro feito
de colunas de ferro, semelhante a muitas construções francesas), os parques Barigüi, Tingui, ..., a
Universidade Livre do Meio Ambiente (onde o lago, dependendo do ângulo em que você olha, é da cor do
céu), entre tantos outros. Curitiba foi “fabricada” para atrair pessoas.
O bar do Alemão, no Largo da Ordem, por onde ele caminha agora, mãos no bolso, boné na cabeça,
sandália nos pés e camisa de manga curta, é agradável. A comida é boa e a bebida melhor ainda.
Cervejinha (ou chope) estupidamente gelado, acompanhado por batata frita. Ao fundo, uma música alegre.
Tudo combina. Até os olhos negros daquela morena, uma “coleguinha de trabalho” como Gabriel costuma
chamar as jornalistas com quem convive no dia-a-dia.
Mas aquela é especial. Há algum tempo vem procurando uma oportunidade para encontrá-la. E tudo
começa pela conversa agradável. E de agradável aquela mulher tem muita coisa. O corpo de pouco mais de
um metro e setenta, cabelos negros, lisos, à altura dos ombros, os olhos negros, o rosto bronzeado, a boca
(hum... que boca), que propicia um sorriso agradável, tranqüilo, e que faz pensar em beijos ardentes,
apaixonados, profundos... um par de seios pequenos, duros e um par de coxas roliças (ele já se imagina
passando a mão naquelas pernas...). No tornozelo uma correntinha... por sobre o ombro direito a tatuagem
de uma borboleta. E no umbigo... (hummmm... aquele umbigo....) um piercing... brilhante...convidativo...
E o rosto...
(Ah! mulher. Soubesse você o quanto é linda...)
Você é como uma poesia. Tudo se encaixa. Tudo é certo.)
É possível cantar prosas e versos a partir desses olhos negros, convidativos. E sonhar com a tua
boa, bebendo teus beijos.

(Ah! Mulher...
Soubesses o quanto é linda...
E o quanto despertas desejo.
Mulher-menina...
Mulher-menina...
Desabrochas para o amor como uma flor
que se abre para o sol
e se entregas ao amor.
Por amor.
Como a flor se entrega ao beija-flor...
sedenta de amor.
Há algo de especial neste sorriso,
mulher-menina
Ou menina mulher...
Difícil saber em quê você se encaixa...
Ah! Mulher...)

...Então eu disse a ele: assim não. Preciso decidir com calma. Afinal, é a minha vida e não a sua...
Ela está dizendo.
Mas ele não enxerga mais suas roupas. Ela está nua... e sorri. No pescoço uma correntinha de ouro
que desce entre o “valinho” dos seios. Mais embaixo, o umbigo e ao redor dele uma penugem colorida.
Assim como ela está, sentada, não vê muito mais, mas imagina pelos negros entre as pernas dela... E sente
seu sexo se movendo. Está com tesão. Ele quer possuí-la...agora...
Quer abocanhar aquela boca, sugar aqueles lábios, morder aqueles seios, escorregar pelas coxas,
beliscar seu traseiro e sorver o líquido que escorrer daquela grutinha deliciosa... O umbigo terá um
tratamento especial. Ele se vê beijando o piercing que balança sobre aquele buraquinho que parece ter sido
especialmente desenhado. E coloca a língua sobre ele...
... Vamos deixar para conversar depois. Vamos lá na minha casa? Pergunto. Apesar do ar de
certeza, fico com o coração na mão à espera da resposta dela.
- Agora? Diz.
- Agora, claro. Vou mostrar a você minha coleção de cintas-ligas das Irmãs Carmelitas Cegas
dedicadas a Santo Inácio...
- Não sabia que existia essa congregação. É nova?
- Novíssima...
- Mas como você já tem uma coleção de cintas-ligas das freirinhas?
- Coisa de quem sabe o que terá valor no futuro...
- Que mais você tem pra me mostrar?
- Vejamos... uma coleção de caramujos vindos diretos da praia de Caiobá... uma coleção de fotos,
minhas, nu...e o rosário usado por Santo Inácio quando decidiu criar a congregação das irmãs cegas.
- Não tá muito religiosa essa tua coleção?
- É verdade. Brincadeirinha. Estou mentindo para você. O rosário não existe...
- E o resto, existe?
- Claro. Você também poderá apreciar a minha coleção de canivetes. São dois. Mas tem mil e uma
utilidades cada um. Portanto são duas mil e duas utilidades. Você vai adorar...
- Que mais...
- Tem também a minha coleção de bom-bril...
- Porquê?
- Ora, também tem mil e uma utilidades...
- Que mais?
- Você quer mais?
- Não tem nada de especial, mas especial mesmo, para eu ver no teu quarto?
- Tem...
- O quê?
- Eu...
- É só o que me interessa, seu bobo...pensei que você não fosse convidar. Há um tempão que
espero tua iniciativa...
- Claro. As mulheres acham que só o homem precisa correr o risco de levar um não. Se você
também queria, porque não me convidou antes?
- A mulher ganhou muito em liberdade nos últimos tempos. Mas ainda não chegamos a ponto de
tomar a iniciativa da cantada, começa ela, com ares de intelectual...
- Pare aí. A mulher conquistou seus espaços profissionalmente. A maioria delas não se intimida
quando quer alguma coisa. Enfrenta chefias, trabalha, se destaca. Porque não pode tomar a iniciativa com o
homem? Acha que só pode cobrar resultados no nosso desempenho? Conheço algumas mulheres que
chegaram no homem que lhe agradou e perguntaram, na lata: quer sair comigo? Não sei de nenhuma delas
(até algumas bem feias) que tivesse levado um não.
- É, mas eu ainda não cheguei lá...
- Pois é. Eu com medo de levar um não. Você esperando... sabe-se lá quanto tempo perdemos...
- Vamos recuperá-lo, então, ela diz, com os olhos cheios de promessas...
Pega-a pela mão e puxa-a contra si. O corpo é macio, leve, cheiroso. Antevê uma noite muito
agradável.
Enlaça-a pela cintura e saem, braços dados... como dois namorados...
Gabriel tem uma desagradável surpresa ao chegar ao seu quarto-apartamento/sala/cozinha. Está
tudo revirado. Sua caixa de disquetes sumiu e o computador está ligado. “Que pode ter acontecido?”,
pensa. Primeira providência: questionar a dona da pensão, afinal ele paga mais caro para ter um quarto
exclusivo...
... “Não vi ninguém entrando no teu quarto”, diz a mulher, meio desconfiada, e olhando meio de
lado para a garota que o acompanha.
... Você tem certeza de que não convidou ninguém ‘estranho’ ou andou bebendo demais? Pergunta
ela.
... Afinal, você fica quase uma semana fora, a porta fechada à chave - a gente não pode entrar nem
para a limpeza - e agora você vem dizendo que está tudo bagunçado?
- Ok Titia. Tudo bem. Valeu. Deixa prá lá!!!
Mas ao retornar para o quarto começa a observar melhor.
As roupas estão reviradas - não que isso seja alguma novidade...
As gavetas também estão abertas...
“Alguém andou procurando por alguma coisa aqui”, pensa.
No computador, abre o seu programa de e-mail e se surpreende: há uma única mensagem, todas as
demais foram deletadas.
E a mensagem que resta é quase uma ameaça...
“Eu sei quem você é... eu sei o que você faz... eu sei por onde você anda... eu sei com quem você
fala. Sei tudo sobre você... portanto, cuidado. Ou você pode sofrer um acidente a qualquer momento”.
Não há remetente. Claro, ninguém mandaria uma mensagem daquelas e assinaria embaixo.
“A coisa está ficando meio preocupante”, pensa Gabriel, ao mesmo tempo em que lembra ter
tomado algumas providências que julgava necessárias, como apagar - deletar mesmo - as correspondências
enviadas por Celso. Nada no disco rígido, nada em disquete. E os documentos que ele mandou - cópias e
originais - carrega consigo. A pasta pesa, mas ele se sente mais tranqüilo assim. E agora tem certeza de
que está agindo corretamente.
... Então, onde está sua coleção de rosários, de santos, de qualquer coisa?... a garota está
perguntando.
- Tá por aí, embaixo dessa bagunça. Mas não vou procurar agora. Tenho coisas mais importantes
para fazer. Quem sabe a gente vê a coleção amanhã cedo, quando acordarmos, antes de tomar café?
OK...
OK...
....
Duas horas depois Gabriel está sentado, fumando um cigarro. O rosto não expressa, absolutamente,
nenhuma satisfação.
- Isso nunca aconteceu antes, te juro, diz, meio sem convicção e como querendo se justificar.
- Ora, meu amor, isso acontece... diz ela, também sem muita convicção.
“Puxa, deve ter sido pelo que aconteceu aqui. Gente estranha no meu quarto, tudo revirado. Acho
que errei em ficar aqui, tinha que ter ido para um motel. Transar numa situação dessa...” pensa ele. O
cigarro não serve mais como companhia. O verdadeiro companheiro de muitas festas teima em continuar
nocauteado...
“Será que eu não sou atraente... será que fiz alguma coisa errada?... puxa eu 'tava' com tanto tesão
por esse cara...mas claro que um dia isso teria que acontecer...” pensa a garota, enquanto continua deitada
sobre o peito de Gabriel. Sua mão persiste em carinhos, sua boca ainda beija seu pescoço...
“Nada...”
“Nada...”

***
Gabriel vira para o outro lado. Tenta dormir. Mas é difícil. Primeiro aquela bagunça no quarto.
Depois essa broxada. “Orra meu. Tô fudido. Será que vou virar viado? Não consigo traçar essa garota. E
olha que ela é um tesão de mulher”, pensa.
“Dólar explode e real perde 50% em apenas duas semanas”...
“Governo diz que fará tudo para impedir a volta da inflação”...
“Denúncia de corrupção mexe com o poder central”...
“Manipulação de pesquisas elegeu governadores”...
As manchetes de jornais que lhe passam pela cabeça não conseguem fazer com que esqueça o
fracasso. Pior. Estão fazendo com que brucutu (uma maneira carinhosa de se referir ao “amigo de todas as
horas” lembrando de um personagem do passado que ‘caçava mulher à pancada’) continue sonolento. Pior
que sonolento, desmaiado, desinteressado, alheio...
Ela levanta, veste a calcinha, mas fica sem sutiã. Seios durinhos, morenos, implorando por lábios
quentes. Vai até a parte da cozinha e começa fazer um café.
- Vem tomar um café, amor...
- Tô indo...
- Sabe que todas as vezes que visitei você no jornal eu nunca imaginei que você estivesse
interessado em mim?
- É? Pois eu cansei de tirar a tua roupa. Cada vez que via você, realizava um strip imaginário.
Imaginava exatamente esse corpo que estou vendo agora. Mas tinha medo de chegar em você e levar um
não...
- Ora, o “não” você já tinha, porque não correu o risco de ganhar um “sim” antes?
- É que enquanto eu tenho o “não” assim, não consentido, é uma coisa. Se eu ganhasse um “não”
definitivo, seria bem diferente...
A gente ali, sentada - eu apenas de cueca e ela de calcinha - conversando. Ela se aproxima, encosta
a perna na minha perna como sem querer. Alguma coisa começa a acontecer.
- Você é um tesão, mulher... O que aconteceu antes não tem nada a ver com você. Era comigo.
Tanto que olha só o que está acontecendo...
Ela olha o volume crescendo sob a cueca, se ajoelha ao lado, tira o membro para fora e começa a
massageá-lo.
- Era assim que eu o queria... em pé.
E começa a beijar a barriga, as pernas, a cabeça do membro...
- Vamos para a cama...
- Vamos...
E a festa foi ainda melhor do que se tivesse acontecido tudo rápido...

****************

Celso está diante do computador. Sabe que está correndo perigo. Já teve algumas demonstrações
de que o que está fazendo não é mais segredo. O texto que está redigindo é longo. Tem algumas
indicações do que está acontecendo. Nomes, endereços, CPFs. E valores. Alguns com vários zeros à direta,
diante de algarismos que vão de um a nove. Ele já conseguiu mapear praticamente todo o caminho da
corrupção. Mas agora precisa se cercar de cuidados. A bomba vai atingir quem ele menos esperava - apesar
de já ter algumas desconfianças.
Pensa em usar o telefone para se comunicar com seus controladores. Mas sabe que isso é ainda
mais perigoso. Vai manter o que vinha fazendo. Manda todos os arquivos - inclusive documentos
escaneados - via Internet para os dois endereços costumeiros e depois deleta tudo. Guarda em disquetes -
bem escondidos -, para não deixar rastros.
O endereço de destino é o de Gabriel. Com uma recomendação - “Copie tudo e delete. Estamos
sendo observados”. O outro endereço é no Rio de Janeiro. Sabe que aqueles nomes e endereços serão
colocados num organograma. Uma grande parte já foi investigada. A maioria não tem qualquer ligação com
o que está acontecendo. Na verdade, a “Coordenação” imagina que ninguém tem nada a ver. Todos os
nomes - como aqueles investigados por Gabriel - foram descartados como integrantes da quadrilha. Foram
recrutados em meio a pessoas simples, que apenas queriam um direito, a aposentadoria. Ela veio, mas
beneficia outras pessoas, não quem deveria ser beneficiado.
Essa mensagem, porém, acrescenta alguns nomes à cabeça do organograma. “Eles vão se
surpreender com a simplicidade do esquema e com a facilidade de tudo” pensa Celso. Ele mesmo se
surpreendeu. Precisou ler mais que uma vez os documentos que estavam diante de seus olhos, para se
certificar que ali existia um golpe. “Tudo simples demais, por isso é fácil. E por isso é difícil de descobrir”,
continua pensando.
Todos os documentos foram enviados. Todos os arquivos foram delegados. O computador está
limpo.
Celso Mora sozinho. Abre a geladeira e vê que está vazia. “Preciso me acostumar a comprar coisas
para comer enquanto estou em casa”, imagina. E se vê na Rua 24 Horas - onde passa uma grande parte do
seu tempo - tomando um chope e comendo um sanduíche. “Acho que vou ter que fazer isso de novo”, volta
a confabular com seus botões. Apanha o sobretudo que está sobre o sofá, abre a porta e sai. Na mão a
inseparável maleta, onde estão documentos que ele não pode, em hipótese alguma, deixar que caiam em
mãos estranhas.

*************

O ambiente é desolador...
À sua volta, escombros, fumaça, corpos e silêncio, muito silêncio...
Os primeiros passos são ainda trôpegos. Ao olhar em volta sente um princípio de náusea.
Porquê tudo isso? Pergunta para si mesmo. Finalmente conseguimos acabar conosco... reflete. Dali a
pouco sente que não está só. Com cuidado supera pequenos obstáculos formados por entulhos. E diante de
si surge um grupo de pessoas. São verdadeiros zumbis. Olhos parados, cabelos desgrenhados, rostos sujos
de fumaça e fuligem. Roupas rasgadas e pés descalços. Perambulam sem rumo. Alguns caem e morrem por
inanição. Ninguém sente fome. Ninguém sabe nada. Alguma coisa os atingiu e parece ter simplesmente
“derretido” seus cérebros.
E o silêncio...
Nada além daqueles robôs se move. E o som é apenas de seus passos sobre a terra sobre os
entulhos. Não há pássaros. Pode parecer incrível, ou irônico, mas aquele silêncio era ensurdecedor. Doía
meu ouvido.
Só então me dou conta de que há no ar algo mais que silêncio.
Um cheiro terrível.
Mistura de corpos em decomposição, de podridão, de tudo...
Uma névoa amarelada cobre toda a extensão de onde posso enxergar. No alto, o sol brilha, também
silencioso. Testemunha de alguma coisa que não consigo imaginar. Mas porquê eu? Que houve? Que
aconteceu?
Caminho mais um pouco e ... que alegria... um som quebra o silêncio. Um pequeno córrego de
águas turvas. A água também cheira mal. Dou-me conta de que estou com sede. Mas onde posso tomar
água?
O que a gente fez com a gente? Pergunto-me...
Não encontro resposta. Pelo contrário. O que encontro pela frente são outras pessoas tropeçando
sobre si mesmas.
Só então me dou conta de que estou nu.
Procuro pelas minhas roupas, e me dou conta de que estou caminhando há algum tempo. Se elas
existiram, ficaram para trás. Mas ninguém parece preocupado com a minha nudez...
São robôs...
Verdadeiros autômatos sem direção, sem saber o que querem, o que são, o que fazem...
Passo as mãos pelo corpo e sinto algo pegajoso. Parece um óleo. Levo as mãos ao nariz e não sinto
nada. Será que meu olfato foi afetado de alguma forma pelo que aconteceu? Não. Lembro que ainda há
pouco sentia um odor fétido de corpos mortos e de monturos de detritos. Portanto, sinto cheiro...
A tarde cai lentamente...
O sol desaparece sobre escombros de prédios, que mais parecem esqueletos de concreto e ferro...
E a escuridão começa a se aproximar...
No alto, uma lua redonda, cheia... cheia de mistérios. E testemunha. Ela viu tudo o que aconteceu
com a gente.
Mas não pode fazer nada.
Só foi cúmplice, como sempre foi cúmplice. De homens, namorados...
Redonda...linda... cheia.
A lua é agora a nossa única fonte de luz.
E ao meu redor, as pessoas continuam caminhando, se chocando.
A rua onde estou está também pegajosa. Algum líquido que não consigo identificar escorre sobre o
asfalto. E sobre ele brilham alguns raios de luz, que vêm da lua.
Tropeço em algo.
Não consigo enxergar o que é.
Só sinto uma mão no meu tornozelo.
Tento me livrar, mas a mão se transforma numa garra. Segura violentamente, não parece ter
qualquer intenção de me largar.
Tento um grito, mas me sinto sufocado.
As palavras não saem...
Mas estou ouvindo um gemido...
Estou me sentindo molhado de suor pelo esforço de me livrar daquela mão sobre o meu tornozelo.
Só então acordo...

***************

"Estou molhado, mesmo, de suor...


Sobre o meu tornozelo direito a perna de uma mulher...
Não sei de quem se trata...
Bebi além da conta ontem à noite e acordo com uma desconhecida...
Ontem à noite..."
Gabriel apanha um papel e, olhos fixos na tela do computador, começa a montar o que ele considera
um quebra-cabeça.
Ali estão alguns nomes...
“Meu Deus...”pensa, ao se deparar principalmente com um deles... “Se esse homem estiver
realmente envolvido, não sei o que vai acontecer”...
A ramificação do quadro que ele prepara já tem uma cabeça, pelo menos três “pernas” na primeira
base de sustentação e cada uma delas com pelo menos cinco ramificações. “Só aqui são pelo menos 20
pessoas envolvidas”, imagina, dando imagem a cada um dos nomes. A maioria delas são pessoas
conhecidas. Alguns são nomes que ele já ouviu falar, mas que ainda não sabe quem são.
- “O Chico está aqui... dá-se conta. Só que ele aparece com pelo menos seis nomes diferentes”.
- “Se esse médico estiver envolvido também...”...”e a mulher dele, será que está?”...
- “Minha nossa. Esse juiz é famoso, tem fama de honesto... Meu Deus... onde vamos parar?”.
A seqüência do texto enviado por Celso é apenas a confirmação do que Gabriel imaginava. Está ali
uma trilha demonstrando o caminho utilizado pela quadrilha para aplicar um dos mais bem montados
planos contra a Previdência.
-”Mas é simples demais”, constata.
- “Deve ter alguma coisa a mais por trás disso tudo”, imagina...
E, de repente, alguma coisa lhe bate à cabeça...
- “Siga o dinheiro”...
- Preciso encontrar aquela mulher. Preciso saber quem ela é!!!
- Esta é a prova que precisamos para fechar o cerco à quadrilha. Se eu apresentar isso e a Justiça
não conceder quebra de sigilo bancário, eles escapam...
- “Preciso ver se consigo descobrir o caminho do dinheiro...”.
- “Primeiro passo: consultar um advogado... melhor ainda: consultar um juiz”.
- Espere aí... tem outra coisa...
E procura entre os papéis enviados por Celso uma citação. “Aqui tem uma coisa que eu sei que já
conheço...”.
Está lá...
“As pessoas se reúnem sob uma seita, organização, clube, sindicato ou algo parecido que responde
pelo nome de “Sociedade do Círculo Perfeito”. Os homens se reconhecem pela tatuagem de dois círculos
entrelaçados no antebraço direito. É uma tatuagem pequena, mas perfeitamente visível quando se
cumprimentam, se estiverem em manga de camisa. As mulheres integrantes da “sociedade” têm a mesma
tatuagem - dois círculos entrelaçados - na parte interna da coxa esquerda”. Eles têm uma frase-chave
inserida na conversa para detectar integrantes da organização: “somos um círculo perfeito”. Ao ser
pronunciada, avisa os membros que ali tem mais um participante.
- “Cláudia..” murmura Gabriel.
- “Ela tem essa tatuagem. Eu vi quando a gente transava em Foz...”.
- “Ela faz parte da “sociedade”...
- “Será que foi por isso que se aproximou de mim?...”.
- “Ela fazia questão de me acompanhar em Foz... queria ver quanto eu sabia...”.
As afirmações se sucedem na cabeça de Gabriel. O faro de jornalista está indicando mais coisas...
- “O dinheiro...”.
- “Preciso descobrir quem envia o dinheiro para os aposentados...”.
- “Alguma coisa me diz que é alguém desse organograma...”.
- “Todo mundo fala no Chico...”.
- “Preciso de uma foto desse cara...”.
- "Primeiro de tudo, vamos encontrar essa Cláudia. Ela pode dar algumas informações, pensa
Gabriel.

*************

O caminho mais lógico é procurar na Traviatta. Porém, ali é informado que a dançarina não aparece
já há alguns dias. Ninguém fornece endereços. Mas ele precisa encontrá-la. Agora mais que nunca.
- Você procura a Cláudia? É uma dançarina da boate. Solange. Ele a conhece. Sempre a vê por ali.
- Sim, você tem o endereço dela?
- Tenho, só que ninguém pode ficar sabendo que eu estou te informando. Alguma coisa errada está
acontecendo com ela...
- Você sabe o que é?
- Não, mas estou curiosa. Se você descobrir me avisa?
- Legal. Dá o endereço.
- Aqui está.
E, ao mesmo tempo em que passa a mão pelo peito de Gabriel, ela introduz um pequeno papel no
bolso do paletó.
Ele sabe que não pode arriscar a vida de ninguém. E que as pessoas com as quais está envolvido
parecem não ser de brincadeira. Vai até o banheiro e apanha o pequeno papel onde está escrito o
endereço: “Avenida Visconde de Guarapuava, 12455, 12.º andar”.

****

"Preciso aprender a ser só!"

****

Ao chegar ao apartamento do endereço, Gabriel tem uma surpresa. No térreo do edifício encontra
um amigo policial. Ao contar que pretende conversar com uma bailarina que mora no 12.º andar, é
informado sobre um crime.
- Você conhece a moça?
- Claro. É bailarina da Traviatta. Estivemos juntos em Foz do Iguaçu. Preciso falar com ela.
- Não sei se você vai gostar de saber, mas o crime é exatamente no 12.º andar. Tem uma moça
morta sobre o sofá da sala. Fomos avisados pelos vizinhos que viram um homem sair daqui, nesta
madrugada. Onde você estava?
- Estava na Traviatta. O dono da boate e algumas bailarinas podem confirmar isso.
- Tudo bem, a investigação vai verificar tudo isso. Você quer subir?
- Claro
Sobre o sofá, estendido e amarrado com as cordas da cortina, está o corpo de Cláudia. No rosto e
no pescoço (onde outra corda de cortina está amarrada) marcas de espancamento. Gabriel passa em
revista o pequeno local de moradia da bailarina, procurando por alguma evidência que possa explicar o que
aconteceu ali. Não há sinais de luta. Tudo indica que ela abriu a porta para alguém conhecido e estava
conversando quando tudo aconteceu. Ela foi apanhada de surpresa. Os olhos arregalados confirmam isso.
O que confirma, também, que era alguém que ela conhecia que praticou o crime era o fato de estar
vestida apenas com um roupão de seda (que acabou rasgado provavelmente quando ela foi agarrada pelas
costas) e calcinha e sutiã. O sutiã também rebentou deixando à mostra um belíssimo par de seios apertado
pelas cordas da cortina que transpassavam o corpo levando as mãos para as costas. A posição em que o
criminoso a deixou faria com que, mesmo que pudesse estar viva, acabaria morrendo asfixiada pelas
próprias cordas que a amarravam. Não lhe deixou qualquer chance de escapar. Apesar de ser uma mulher
de programa, Claudia - os mais céticos nunca acreditavam - era recatada. Nunca fez strip-tease porque
dizia não gostar de se despir em público nem para desconhecidos. Só fazia isso entre quatro paredes, para
no máximo duas pessoas, sendo bem paga para isso.
Sem tocá-la - por respeito e por determinação da perícia - Gabriel apenas confirmou a tatuagem dos
dois círculos entrelaçados entre as pernas da bailarina. E, se deu conta de que havia perdido, ali, um dos
elos que o levaria a descobrir aquela seita secreta. Gostaria de ter podido perguntar para ela porque o
interesse em Foz do Iguaçu. Porque o acompanhou em todas as entrevistas que buscavam informações
sobre as falcatruas da Previdência? Estaria interessada apenas em vigiá-lo?
Não deixou de se sentir desconfortável com aquele pensamento. Ele tinha certeza de que ela
gostava dele. Precisava pensar dessa maneira porque gostava dela, também. De uma maneira especial -
não era amor - mas gostava. Tinha necessidade de sentir aquele corpo colado ao seu, sussurrando e
gemendo. Porém, agora, ficava em dúvida. Seria ela tão boa atriz que o enganou durante todo esse tempo?
A quem prestava contas do que faziam juntos - seria que teria contado também os contatos mais íntimos?
Eram perguntas que, sabia, jamais teriam respostas.
********************

Não restam muitas alternativas a não ser voltar para casa. A investigação tem que ficar para o dia
seguinte. Afinal, é madrugada. E, de madrugada todos os gatos são pardos, pensa Gabriel, quando se dirige
ao automóvel estacionado ao lado da calçada. Só então se dá conta de um pequeno papel colocado junto
ao limpador de pára-brisa. Apanha e vai jogá-lo fora pensando ser uma propaganda qualquer quando um
instinto o avisa que é necessário ler primeiro. Uma frase seca, direta, o deixa estático.
"Cuidado com o que faz! Cuidado até com o que pensa!".
Olha em volta, mas não vê ninguém. Aquele pequeno papel pode ter sido colocado no carro em
qualquer lugar. Diante da Traviatta. Diante do seu quarto-pensão... Pensa em procurar o policial que ainda
está acompanhando a perícia no apartamento - até porque está vendo que estas pessoas não estão para
brincadeira - mas desiste. Precisa procurar um delegado de polícia, contar a história, pedir
acompanhamento de profissionais porque a situação começa a ficar um pouco mais difícil. Entende, então,
que a garota foi assassinada como queima de arquivo. Ela sabia demais!
Ao chegar em casa, outra surpresa está no seu endereço eletrônico. Um bilhete com um pequeno
nome lhe provoca calafrios.
"Preciso falar com você. Caso de vida ou morte. Escolha local. Chico, da Previdência".
- Aqui tem coisa!, pensa com seus botões. Ou alguém está me preparando uma armadilha ou está
querendo cair fora.
Aproveita o endereço eletrônico (é um daqueles que você pode conseguir em vários locais, sem que
precise se identificar corretamente) - ele quer mesmo algum contato, caso contrário não mandaria o
endereço eletrônico - e responde:
- "Terça-feira, oito da noite, no Bar do Alemão, no Largo da Ordem!".
- Foi dada a largada, fala em voz alta para si mesmo. Agora é esperar para ver o que acontece. Olha
no relógio. São 4 horas da madrugada. Hoje é terça-feira!!!

**************

O Bar do Alemão estava lotado. Sentei à direita, logo depois da entrada. Precisava ficar atento à
movimentação. Às minhas costas um grupo de teatro ensaiava uma peça no centro de convenções. Acabei
prestando atenção em duas garotas que encenavam uma briga e tirei a atenção da entrada. Mas não me
passou desapercebida a chegada de dois homens - um alto, magro, de bigode e outro um pouco atarracado
- ambos de paletó. A noite estava agradável, por isso aqueles paletós acabaram me chamando a atenção. E
outro detalhe: os dois olharam em minha direção e fizeram de conta que não estavam nem aí.
Estava na cara que os dois eram policiais. O que estavam fazendo naquele local, naquele momento,
eu ainda não havia conseguido "conectar". O garçom chegou e eu pedi um chope e uma porção de batata
frita (se você não experimentou o chope e a batata frita do Bar do Alemão, não perca tempo).
Os dois homens sentaram quase à minha frente, e em nenhum momento voltaram a olhar para
mim. Aquela situação estava ficando um tanto quanto estranha. Primeiro, não havia nada que me fizesse
suspeitar que policiais estavam ali por algum motivo que me envolvesse - ou ao Chico, a quem eu fora
encontrar. Segundo: ninguém sabia do meu encontro com o Chico! Portanto...
Assim mesmo, alguma coisa cutucava o meu cotovelo (já cheguei a falar que cutucão no cotovelo é
sinal de que alguma coisa - interessante pelo menos- vai acontecer? Não? Que pena! Outro dia eu falo!). Eu
farejava alguma coisa, mas não conseguia imaginar o que pudesse ser. Foi então que as coisas começaram
a acontecer numa velocidade que eu sequer consegui imaginar.
Chico - eu pelo menos imaginei que fosse, porque se dirigiu diretamente a mim - entrou no bar.
Olhou ao redor. Ficou desconfiado mas me olhou fixamente (ele me conhecia, deve ter visto alguma foto no
meu apê-pensão, pelo que tudo indicava) e estendeu a mão. Foi então que os dois homens que estavam à
minha frente sacaram das armas e apontaram para a gente. Orra! Você algum dia já se viu diante do cano
de um revólver? Nunca queira estar nesta situação!
- Pare! Levante as mãos! Você está preso!, gritou um dos homens, arma apontada em nossa
direção...
Chico paralisou o braço no ar, estendido em minha direção. Eu também. Não sabia o que estava
acontecendo. Ele me olhou e viu na minha cara o mesmo espanto que eu conseguia enxergar na dele. E as
coisas continuavam rápidas. Cheguei a ouvir palavras como "levante as mãos, você está preso", e "fique
quieto, não se mexa", mas em nenhum momento sabia a quem elas eram dirigidas. A mim ou a aquele
homem que estavam à minha frente?
De repente Chico baixou a mão, colocou-a na cintura e de lá a trouxe de volta, só que empunhando
também uma pistola calibre 7.65. Ele estava de costas para os dois policiais e de frente para mim. Gelei.
Imaginei num relâmpago - nesse momento dizem que a vida da gente passa diante dos nossos olhos - e
pensei - creiam, foi isso mesmo que pensei - quantas mulheres amanhã estariam chorando por mim!!!
Mas não era minha hora...
Chico se virou e tentou puxar o gatilho. Tentou. Nesse instante eu já havia me jogado ao chão,
como um grande número de freqüentadores do Bar do Alemão. Eu ainda estava caindo ao chão quando
ouvi os estampidos e o corpo de Chico parecia estar recebendo chicotadas. Dois... três... quatro... cinco...
seis. Vi que alguns disparos eram feitos pelo próprio Chico, provavelmente no espasmo dos projéteis que
perfuravam o seu corpo.
Foram os dois ou três minutos mais longos da minha vida. Parecia uma eternidade. O cheiro da
pólvora que ficou no ar impregnou o meu nariz. Algumas mulheres choravam. A maioria - eu inclusive -
estava embaixo das mesas. Consegui - com as pernas trêmulas - me levantar, sentindo uma mão que me
puxava. Era um dos policiais.
- Você é o Gabriel? perguntou
- Ah? Balbuciei...
- Você é o Gabriel? Perguntou, de novo, o policial
- -Sim!
- Você está bem? Está ferido?
- Não, estou bem. O que aconteceu, perguntei.
- Vamos sair daqui, disse o policial, enquanto outros policiais - à paisana e fardados - começavam a
chegar, correndo. O corpo de Chico estava estendido a menos de dois passos. No peito, sinais de pelo
menos quatro tiros.
- Ele reagiu. A gente queria pegá-lo vivo. Ele teria muito que contar. Mas ele sabia que, se fosse
preso, acabaria morrendo na cadeia. Portanto... Explicava o policial, enquanto a gente caminhava pelo
Largo da Ordem.
- Você precisa ir à delegacia. A gente soube do teu encontro com o Chico - ou qualquer nome que
ele tenha - e preparou uma cilada. Há muito tempo que estamos atrás desse homem, numa investigação
que envolve falcatrua da Previdência. Sei que você sabe muita coisa e agora precisamos - mais que nunca -
da tua ajuda, disse o delegado.
-Tudo bem, consegui murmurar, com as pernas ainda trêmulas.

****************

Impossível descrever o que a gente sente quando se vê, assim, cara-a-cara com a violência. Isso
nunca havia acontecido comigo antes. Algumas vezes, como repórter policial, acabei tendo que fazer
cobertura de matérias que envolviam assassinatos. Corpos estendidos no chão. Ou acidentes. Corpos entre
ferragens. Mas nunca a violência - simbolizada pela mão que empunha a arma - havia estado tão perto.
O cheiro da pólvora se mistura com outro cheiro, estranho, adocicado, diferente. Alguns policiais já
haviam me dito que esse era o cheiro da morte. Eu nunca havia sentido, antes. Ele realmente impregnava
na roupa, nas narinas. Era difícil de sair.
As cenas que havia assistido no centro da capital ainda estavam nítidas diante dos meus olhos e as
revia a cada momento. Por mais que me esforçasse para mandá-las embora elas persistiam. Ficavam ali.
Dançavam diante de mim.
Eu me via caindo em câmera lenta. O mesmo acontecia com Chico, à minha frente, que se
movimentava também em câmera lenta. Era incrível o que havia acontecido. Em nenhum momento ele
pensou em atirar em mim. Poderia até ter imaginado que eu o havia entregado, mas é bem provável que
tenha notado a minha surpresa.
Os estampidos ressoavam nos meus ouvidos. Persistiam. Tinham um som diferente. Eram secos,
como estalos, seguidos em milésimo de segundo por um impacto estranho, que meus ouvidos não
conseguiam esquecer. Só depois fiquei sabendo que era o barulho dos projéteis impactando no corpo da
vítima. Se você nunca ouviu um ser humano sendo atingido por um tiro, nunca queira ouvir. É diferente.
Estranho. Triste...
Quando a gente escreve sobre os acontecimentos policiais diários "- bandido troca tiros com a policia
e acaba fuzilado - policiais feridos em confronto - " é tudo tão distante e tão mecânico que você não
consegue imaginar-se numa situação semelhante. Por isso, na maioria das vezes compreendo a violência
dos policiais - civis ou militares - com a população em geral. Eles passam por essa adrenalina - a
possibilidade de matar alguém a qualquer momento - em todos os instantes do seu trabalho. Eles
aprendem isso. São estimulados a isso (eu até diria que são verdadeiros assassinos fabricados pelo
sistema). Se observarmos pelo ângulo da necessidade de segurança, compreende-se perfeitamente o que
fazem as escolas militares. Porém, se formos analisar essa situação pelo lado do ser humano, vemos que,
pelo contrário do que a gente mesmo afirma, não podemos ser racionais quando exigimos de nossos
subordinados agilidade de raciocínio e frieza para puxar o gatilho. Essa mesma frieza que já fez muitas
vítimas inocentes, apenas porque quem estava segurando a arma não tinha preparo suficiente para saber
quem estava diante dela.
Ao se observar a reação de Chico, compreende-se a ação policial. Mesmo se sentindo acuado ele
não recuou. Soube depois que isso fez parte de toda a sua vida. Ele nunca recuou.

***

O delegado que havia participado da frustrada ação para prender Chico estava diante de mim. Ele
me explicava o que havia acontecido.
- Vim especialmente do Rio de Janeiro, onde estamos acompanhando toda essa operação, para
apanhar o Chico, uma das "pernas" do organograma que estávamos investigando atrás de aposentadorias
fraudulentas. Ninguém conhecia o seu rosto - a não ser os aposentados que ele havia atendido - por isso
era tão importante acompanhar o que aconteceria com você.
- Mas porque ele marcou encontro comigo?
- A gangue está quase desbaratada. Já sabemos quase tudo. Creio que ele também sabia disso e
queria negociar alguma coisa. Nós estávamos dispostos a aceitar essa negociação. Mas ele não deve ter
pensado assim...
- Quem informou vocês?, pergunto
- Tudo o que Celso faz - inclusive o material que ele te passou - ele passa para a gente. O
assassinato de uma bailarina que você conhecia, a Cláudia, está precipitando as coisas. Acho que o
Chico imaginou que ele seria o próximo, se não foi ele mesmo quem a matou...

No dia seguinte, o jornal estampava, com manchete de primeira página, a reportagem exclusiva que
Gabriel havia escrito, baseado no que havia levantado de informações e nos documentos entregues à
Justiça.

Juiz e superintendente na gangue que roubava a Previdência

Polícia desmantela quadrilha que - de dentro da própria Superintendência da Previdência -


aposentava trabalhadores e ficava com o dinheiro.

A autorização do juiz federal Elionoro S. Souza e Silva, emitida sob segredo de Justiça na semana
passada, para quebrar o sigilo bancário de algumas autoridades paranaenses permitiu à Polícia Federal
chegar a quatro autoridades ligadas à superintendência da Previdência em Curitiba e desmantelar uma
quadrilha que já deve ter retirado dos cofres públicos pelo menos US$ 200 milhões nos últimos cinco anos.
O principal envolvido, o juiz Ricardo Mendonça y Mendonza está foragido, juntamente com o
superintendente da Previdência no Paraná, George W. Navarro, o médico Fernando F. Contreras, e outros
auxiliares diretos. O magistrado emitiu, ainda ontem, o pedido de prisão para todos os envolvidos já
identificados.
A quadrilha montou o esquema - considerado simples pelas autoridades que investigam o golpe - a
partir da superintendência do Paraná, que autorizava a emissão de aposentadorias milionárias para alguns
dependentes da Previdência. O pedido partia sempre de uma mesma banca de advogados - também
devidamente presos - e era contestado pela Previdência, mas acabava sendo aprovado pelo juiz, que faria
parte do esquema. Nas aposentadorias por invalidez, todas as perícias estão assinadas pelo médico
Fernando Contreras.
A maioria dos aposentados - todos os investigados até agora não fazem parte da fraude - são
pessoas simples que acabaram entrando com pedido de aposentadoria, estimulados por integrantes da
quadrilha. Um auxiliar direto de George, mas que não é funcionário da Previdência, conhecido apenas por
“Chico” - a identidade dele ainda não foi levantada - era o encarregado dos contatos. A partir desse
contato, a “vítima” era encaminhada à banca de advogados que se encarregava de todo o procedimento a
partir de uma procuração. Chico morreu em confronto com a polícia em pleno centro de Curitiba, após ter
armado uma cilada para forçá-lo a delatar a quadrilha. O marginal preferiu reagir e acabou baleado.
“O sistema era simples, talvez por isso mesmo tenha demorado a ser detectado”, explicou o juiz,
ontem. “A partir do pedido de aposentadoria - sempre com direito a valores retroativos - a Previdência e o
Juiz Ricardo Mendonza aprovavam valores astronômicos - temos aqui algumas de mais de quatro milhões
de reais. Porém, o aposentado recebia valores ínfimos - como mil reais, por exemplo - e um depósito em
conta-corrente quase sempre um pouco acima de um salário mínimo. Só que mensalmente a quadrilha
embolsava de quatro a seis mil reais de cada aposentadoria fraudada. Isso multiplicado por 2.366 fraudes já
constatadas, revertia num significativo valor para os integrantes da gangue”, disse.
Violência
A quadrilha não se limitava a fraudar a previdência. Para conseguir seus objetivos chegou a matar.
Pelo menos duas mortes já estão confirmadas como ligadas diretamente às falcatruas no sistema
previdenciário. Um policial designado pelo Serviço Nacional de Investigações e que enviava as informações
para a Polícia Federal, no Rio de Janeiro, foi assassinado pela quadrilha e seu corpo jogado no Rio Barigui.
Uma segunda vítima foi a bailarina Cláudia S. Sowaya, integrante da gangue, mas que acabou sendo
eliminada no que a polícia chama de “queima de arquivo”. Seu corpo foi encontrado no próprio
apartamento onde morava, num bairro chique de Curitiba.
Um terceiro assassinato foi tramado pela quadrilha, mas infelizmente não deu certo. O encarregado
pela investigação das fraudes no sistema previdenciário - com designação direta do Ministério da
Previdência em Brasília - Celso W.R. Ribas, que acabou descobrindo toda a trama, foi atingido por um
incêndio que queimou todo o apartamento onde estava morando. Com o corpo parcialmente atingido pelo
fogo, ele está internado num hospital especializado em queimaduras, da capital. Ele tem em seu poder,
documentos que comprovam toda a fraude que vinha sendo praticada no Paraná há pelo menos cinco anos.
Os levantamentos iniciais indicam que os valores fraudados da previdência até agora apurados, podem ser
bem maiores.
A polícia investiga, também, outra tentativa de assassinato, desta vez contra a mulher do médico
Fernando Contreras, integrante da gangue, ocorrida há alguns anos. Não há ainda indícios de que a facada
dada contra a psicóloga Mariana Contreras tenha ligação com a fraude da Previdência, mas sabe-se que em
várias oportunidades a quadrilha tentou usar a clínica de propriedade da psicóloga para expandir os golpes,
sem ter obtido êxito.

************

Um mês depois da denúncia estar em todos os jornais - inclusive com algumas fotos, principalmente
do Superintendente e do Juiz, que viviam saindo em colunas sociais - o carro de George foi encontrado.
Estava despedaçado na ponte que liga Curitiba ao Litoral, no local chamado de “Viaduto dos Padres”. Em
seu interior, três corpos, de homens, irreconhecíveis. Não só pelo tempo que haviam estado no local, mas
também pela ação de animais.
Trazidos para o Instituto Médico Legal, foram reconhecidos. Eram George, o juiz Ermeto Sandoval e
o médico Fernando Contreras. Segundo deduções da polícia, na tentativa de fuga o carro derrapou e
acabou caindo no precipício, que local deve ter pelo menos 100 metros de altura.
As viúvas foram comunicadas e chamadas a reconhecerem os corpos. Era impraticável. Estavam
irreconhecíveis. Eram apenas massas disformes de carne. A alternativa era chamar o dentista de cada um
deles. Sorte, ou coincidência, o dentista de George, Ermeto e Fernando era o mesmo. A polícia, a princípio
desconfiou, mas como eram pessoas que conviviam diariamente, era bem plausível que utilizassem os
serviços do mesmo profissional. Ninguém reparou que ele tinha, no braço direito, dois pequenos círculos
tatuados. Veredito: o corpo era mesmo das pessoas que a polícia estava procurando. Apresentou, inclusive,
cópia das formações dentárias - dos corpos e dos clientes.
Ninguém reparou em detalhes como o de não existir marcas de freada em cima da ponte, nem
mesmo no fato de os corpos terem compleição física um tanto quanto diferente dos procurados. Mas se
justificava. A sociedade queria uma resposta às fraudes e a polícia entregou o corpo dos envolvidos. Bem
que a maioria dos policiais preferia que tudo tivesse transcorrido de forma diferente. Alguns, inclusive,
sonhavam com um tiroteio, em pleno centro da cidade, e os corpos dos meliantes estendidos no chão. A
polícia dando resposta direta ao clamor público. Mas não foi assim. Na frase de um investigador “estes
infelizes tinham que ter desabado no Viaduto dos Padres”.
Antes mesmo de os corpos terem sido encontrados, começou uma verdadeira “caça às bruxas”
dentro da Previdência. A secretária de Celso foi apanhada - alguém dedurou que ela tinha dois círculos na
coxa - assim como outros serventuários ligados à “Sociedade”. A maioria das mulheres, porém, conseguiu
escapar. Era mais difícil encontrar a tatuagem nelas. A mulher de Fernando, Mariana, foi intensivamente
interrogada. Porém, nada conseguiram provar contra ela. Sequer tinha tatuagens no corpo, à exceção de
uma longa cicatriz na barriga. Mas isso não tinha nada a ver com o que eles estavam procurando.
Suzane, a mulher de George, também foi interrogada. Sempre com os olhos em lágrimas, mal
sabem os policiais que ela chora por dois. Não consegue esquecer o amante. Sua inteligência não consegue
imaginar procurando - e encontrando - um outro homem tão adorável. Fala de George já tão distante.
“Nunca imaginou que aquele homem tão distinto, tão amável, pudesse estar fazendo o que esses policiais
estão dizendo”... O pensamento já está no advogado, recém formado, garotão, que contratou para
defendê-la. Agora ela precisa é se preocupar em saber onde estão os bens do marido, aqueles que não
foram apreendidos pela Justiça. “Será que vou ficar na miséria”, se pergunta, enquanto derruba a cabeça
sobre o ombro do advogado.
Ironia das ironias. Entra com pedido de pensão e passa a ser sustentada com o dinheiro público. Um
bom salário - digamos que é um ótimo salário - para quem vivia com toda a pompa com o dinheiro
roubado.
Passa a se dedicar à filantropia. “Dez por cento do que ganho da Previdência vou destinar aos
pobres”’, diz Suzane. E entrega uma quantia - razoável - a uma creche. Tudo devidamente documentado.
Porém, foi só no primeiro mês. No segundo, já havia se mudado para o Rio de Janeiro. “Preciso esquecer o
que aconteceu”, costuma dizer, hoje, ao grupo de garotões que recebe no seu apartamento de cobertura
(que já estava no seu nome antes da ‘casa cair’). Sempre recebe, pelo menos uma vez por mês, a visita do
advogado curitibano, que faz tudo o que ela pede sem cobrar nada, achando “uma lástima”, aquela mulher
linda, gostosa, morar sozinha naquela apartamento de frente para o mar.
Mariana, por sua vez, voltou-se ainda mais para a clínica. De vez em quando recebe uma mensagem
via computador. Um coração atravessado por uma flecha. Sabe quem manda - algumas ela respondeu,
outras não. Ainda está pensando o que fará. É tudo tão recente. Não imagina Fernando envolvido naquela
gangue, se bem que na maioria das vezes tinha alguma coisa que a avisava de algo errado. “Instinto
feminino ou sexto sentido” costuma pensar.
Hoje é um desses dias. A mensagem à sua frente é sugestiva. "Preciso encontrar você. Sabe que
sinto necessidade do teu corpo. Quero abraçá-la, sentir tua boca, passar a mão pelos teus seios, beijá-los...
beijar você inteirinha!". A proposta é sugestiva. Ela também sente necessidade de carinho. Seu corpo clama
por mãos agressivas, investigativas, carinhosas. Clama por uma boca quente, gostosa...
"Se você quiser, basta apertar sim ou não nesta mensagem", continua lendo Mariana.
Pensativa, ela ainda não se decidiu se sim ou se não! Até que sua mão apanha o mouse do
computador e decide-se!!! Aperta um dos botões...

************

Celine está sentada à mesa do bar. O ambiente é agradável, em penumbra. Lembra um "pub"
inglês. O balcão em formato de "U", banquetas em volta, mesas distribuídas por todo interior. À direita um
elevado onde normalmente se apresenta uma banda. Mais à direita um reservado com duas ou três mesas.
Local especial.
Enquanto espera toma um chope. Geladinho, gostoso. À sua frente, fotos de personalidades que
passaram por aquele local. Enquanto observa, ela relembra os últimos dias. Não foram fáceis. Mas sente
que tem a consciência tranqüila. Não poderia deixar continuar acontecendo o que vinha acontecendo. Tinha
que fazer algo. E fez.
Ela sabia das falcatruas do pai. Havia descoberto não há muito tempo e a consciência pesava. Seus
estudos, sua vida, suas bonecas, seus finais de semana, seu carro, o apartamento, a boa vida... tudo era
oriundo de um dinheiro sujo, roubado. Essa dor ela não se permitia sentir mais.
Porém, era seu pai...
E ela tinha que tomar uma decisão. Denunciar , com todas as conseqüências que isso representava
para a sua vida e a da sua mãe, ou se calar. Havia decidido que não denunciaria, pelo menos não
diretamente. Mas faria, de alguma maneira, algo para que isso acabasse.
A primeira providência foi tentar falar com o pai. Porém, sentiu que isso não seria possível.
Simplesmente não conseguia falar com ele. E não sabia, também, como começaria o diálogo: "- sei que
você está roubando da Previdência", ficaria muito pesado. Depois, não tinha provas, só alguns indícios.
Decidiu que faria alguém descobrir o que estava acontecendo. Se fossem apanhados os cúmplices
talvez o pai se visse obrigado a parar com o que vinha fazendo. Por isso, fantasiada de máscara, indicou o
caminho das pedras para quem ela sabia que poderia descobrir algo: o namorado.
Era ele que ela estava esperando, agora.
Gabriel ainda sequer desconfiada quem era a morena mascarada. Ela não lhe saía da cabeça.
(...)
E enquanto se dirigia ao encontro de Céline, chegou a uma grande conclusão:
- Descobri que não sou homem de apenas uma mulher, disse ao amigo Marcos, que o
acompanhava. Adoro a Celine, mas não consigo deixar de pensar na morena da máscara, continua ele.
- Não esquenta. A gente quanto mais tem mais quer. Mulher parece dinheiro. A gente - quando
consegue - junta, junta e sempre quer mais, diz Marcos, com ares de filósofo grego.
- Pois é. Se eu for enumerar, acho que a lista fica longa. Não tenho todas, mas quero todas,
continua Gabriel.
***
Mas quando ele entra pela porta do bar e vê aqueles olhos negros (amendoados) que lhes sorri,
esquece tudo à volta. Não existem mais Marias, Jaquelines, Mônicas, Claudias, Suzanas, Fabianes. É Celine.
"Esqueci da enumerar a Fiji, uma japonesa linda, que entrou na minha lista", pensa, rapidamente...
- Oi amor!
- Oi.
- Você demorou, ela diz.
- Mas cheguei. Não via a hora de ver esses seus olhos lindos...
Não há muito diálogo entre os dois. Os gestos - mão na mão, olho no olho - falam muito mais. As
bocas se procuram. Os lábios são doces...
- "Meu Deus... essa mulher me deixa louco", pensa ele. E um pensamento maluco lhe passa pela
cabeça. "Seria Celine a morena da boate?". - Não!, responde para si mesmo. "Ela nunca faria aquilo. Afinal,
a dica levou direto ao seu pai", continua pensando.
"Mas aquela morena...!!" se descobre pensando, e mais uma vez se dá conta de que nunca será um
homem fiel. Por mais que ame Celine, sempre existirão aquelas que farão a diferença.
Viva a diferença!!!

**************

"Eu quero o abraço do teu abraço...


e o beijo do teu beijo..."

**************

O avião se inclina para a direita e a imagem que enche os olhos dos passageiros turistas é
incrivelmente linda. Mar de águas transparentes se perdem até onde a vista alcança. No centro da ilha, para
onde se dirige o avião, perdem-se florestas de um verde intenso. Mais ao longe, beirando toda orla
marítima, coqueirais parecem enfileirados para proteger o mar da terra e a terra do mar. Enquanto o avião
se aproxima é possível ver, mais à esquerda da pista de pouso, um aglomerado de edifícios. A maioria deles
é de hotéis de luxo. Outros, um pouco menores, são estabelecimentos bancários ou escritórios de prestação
de serviço para quem quer “abrir” uma empresa naquele paraíso fiscal. A ilha toda é uma cidade. Uma
cidade-estado.
Dificilmente aquela mulher que desce do avião, sozinha, passaria desapercebida em qualquer lugar
que chegasse. Morena, alta, óculos escuros, sobrancelhas cerradas, um vestido cor creme, curto, acima do
joelho, deixando à mostra pernas bem torneadas. Um blazer por sobre um minúsculo sutiã deixa à mostra
um corpo escultural. O rosto absorve aquela luminosidade mas os olhos por sob o óculos escuro são
rápidos. Antes mesmo de chegar ao saguão do aeroporto ela já percorreu a vista por todas as pessoas que
numa marquise aguardam os passageiros de mais uma turma de turistas. São motoristas de táxi,
carregadores de bagagem, curiosos...
A mulher já sabe a quem se dirigir. Um homem de terno e também de óculos escuros segura uma
placa onde está escrito “Sabrina”. Ela apenas o cumprimenta, diz seu nome e os dois se dirigem para um
automóvel estacionado à frente do aeroporto. Destino: um daqueles hotéis de luxo. Motivo: a vida
continua...
A ilha é paradisíaca. Centenas de milhares de dólares entram no País não apenas através dos
turistas que chegam para saborear as delícias do paraíso tropical. Aqui tudo é possível. Até pensar que está
na “ilha da fantasia”. Pense e terá - costuma dizer um dos taxistas mais conhecidos da região. Porém, ele
acrescenta: “é preciso pensar verde (em dólares)”.
Outra maneira de saber que os dólares percorrem aquela ilha de ponta a ponta é conhecer o sistema
bancário. Pelos computadores dos bancos - todos os internacionais têm filial aqui - passam diariamente
outros centenas milhares de dólares - legais e ilegais. Não importa ao governo da pequena ilha. O que
importa é que o comércio prospera e o governo também. As autoridades são complacentes. Você só paga o
imposto - na verdade um pequeno percentual - e pode usufruir de todos os benefícios de um sistema feito
para proteger os clientes. Ninguém pergunta nada.
Seis pessoas estão sentadas em volta de uma mesa redonda. A sala é fracamente iluminada. A um
canto uma armadura medieval dá um ar ainda mais sombrio ao ambiente. As luzes - de um candelabro que
desce do teto - estão apagadas. A luminosidade que existe provém apenas de uma dúzia de velas colocadas
estrategicamente de forma a lançar sombras de uns sobre os outros. Assim, quase todos enxergam apenas
formas humanas. Não dá para vislumbrar o rosto em sua plenitude.
Em outro canto um relógio de pêndulo. Mais à direita uma mesa retangular, coberta por uma toalha
branca. Ao começar a tocar as doze badaladas a maioria dos presentes sente um calafrio.
Ao soar a décima segunda badalada a porta se abre. Por ela entram três homens e uma mulher (é a
mesma que há poucas horas havia desembarcado no aeroporto). Eles vestem roupas pretas e se
caracterizam por estar com a cabeça coberta por uma máscara, também preta, que deixa à vista apenas os
olhos. Cada um deles se dirige para um lugar vago à mesa e, em silêncio, sentam-se.
Um deles, o que parece ser o líder, começa a falar...
- “Senhores - senhoras. Estamos aqui para dar continuidade a uma congregação de amigos que já
foi responsável por muitos sucessos. O grande segredo da humanidade é se ajudar. Nós precisamos nos
ajudar...Você foram os escolhidos para fazer parte de uma sociedade que tem como premissa básica ajudar
seus integrantes...
Todos ouvem atentamente. De um lado três homens - um deles é detetive (e está em dificuldades
financeiras); outro é fiscal da aduana (e precisa cobrir um rombo senão vai parar na cadeia) e o terceiro é
membro do governo local e também precisa cobrir um rombo feito para sustentar uma vida de orgias,
amantes, festas...
As mulheres - precisaria algum tempo para descrevê-las. São altas, uma loira, uma morena e outra
ruiva. Corpo escultural e sorriso cativante. Têm os olhos penetrantes de quem sabe o que quer. São
mulheres experientes. Foram “conquistadas” pelo jeito carismático e cativante do cabeça da “Sociedade”,
um homem másculo, alto, uma cicatriz no rosto, e que atende pelo nome de Matews. Elas sabem de que
maneira vão servir à “sociedade”. Precisam conquistar algumas autoridades, pessoas chaves definidas por
Matews como necessárias à organização.
Todos fazem uma promessa solene. Vão respeitar as orientações da “Sociedade” sob “pena de pagar
com a própria vida”.
São “marcados’’. Cada homem ganha dois pequenos círculos entrelaçados no antebraço esquerdo.
As mulheres ficam de calcinha, mas depois que os três novos membros são liberados, e são também
“marcadas” com dois pequenos círculos na coxa esquerda, meio palmo abaixo da virilha.
O tatuador é o próprio Matews, que agora tirou a máscara. Algum dia ele já se chamou George, teve
um poder muito grande nas mãos e está começando tudo de novo. Ao seu lado estão Fernando, o médico,
Sabrina que um dia num país distante foi secretária de um alto funcionário da previdência e seguia todos os
passos do chefe para contar a quem lhe pagava mais (e a quem devia muito) e Ermeto, um ex-juiz. Depois
do trabalho feito, à sós, os quatro erguem um brinde.
- “Começamos tudo de novo”, diz George.
Fernando, pensativo, apenas levanta o copo. Lembra da mulher e tudo que deixou para trás. Está
“morto”.
O juiz é o mais entusiasmado.
- “Vamos começar e ganhar muito dinheiro”.
A mulher apenas sorri. Há uma vida toda pela frente...
Mas isso já é outra história.

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