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SÃO PAULO
FEVEREIRO 2004
CURSO DE DIREITO
SÃO PAULO
FEVEREIRO 2004
BANCA EXAMINADORA
Orientador:_______________________
_________________________________
Arguidor:_________________________
_________________________________
Arguidor:_________________________
_________________________________
Nota( )_____________________
_________________________________
Agradeço a minha família pelo constante
Shiguemitsu Fujita.
SINOPSE
evolução histórica para, então, expormos uma visão geral da legislação sobre o
transplante.
brasileiro, assim como os assuntos que o seguem, serão colocados da forma mais
Ciência do Direito.
sua reforma.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................01
SOCIAIS.........................................................................................................................08
Corpo Humano..............................................................................................................12
Reprodução...................................................................................................................17
REALIZADO...................................................................................................................26
LEI 9.434/97...................................................................................................................34
BIBLIOGRAFIA..............................................................................................................51
ANEXOS.........................................................................................................................54
INTRODUÇÃO
A livre evolução ou aplicação da ciência não pode ser considerada ilimitada, seja
técnica cirúrgica.
e, de um só órgão duplo que possui todo ser humano vivo. Dos cadáveres se extraíam
dos vivos aos mortos, mas o respeito à própria vida. Nunca o conceito morte foi tão
lei.
A preocupação do legislador foi a de não entravar as experiências que vinham
sendo feitas no campo médico. Empregou inclusive uma fórmula ampla, que permite os
órgão humano.
Todoli entende por transplante a amputação ou ablação de um órgão, com função própria, de um
organismo para instalar-se em outro, afim de exercer neste as mesmas funções que no anterior. Também
são chamados enxertos vitais que deve compreender a secção de uma porção do organismo, próprio ou
2
alheio, com fins estéticos e terapêuticos, sem exercício de função autônoma.
Entre os autores nacionais, cremos que foi Daisy Gogliano quem melhor
luz do século XXI, podemos notar que o transplante de órgãos e tecidos possui caráter
de meio de cura, mas que a evolução salutar dos usos e costumes fez com que a
1
Ricardo Antequera Parili. em sua monografia El derecho, los transplantes y las tranafusiones, p.22.
2
Todoli, José. Ética dos trasnplantes, São Paulo, Herder, tradução, p.88.
3
Daisy Gogliano. O Direito ao Transplante de Órgãos e Tecidos Humanos; tese de doutorado apresentada à
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1986.
apossar de uma parte do seu corpo, dada como garantia da obrigação assumida, ou
seja, o credor detinha o poder de extirpar a quem lhe emprestou dinheiro e não pagou.
De acordo com a tradição chinesa, o cirurgião Pien Chiao realizou com sucesso
a troca de órgãos entre dois irmãos, por volta de 300 anos a.C.. Através de estudos
na América pré-colombiana.4
gangrenada que deveria ser amputada. Entre os antigos, os hindus eram conhecidos
para a reconstrução facial, realizada pelo cirurgião Sushruta no ano de 750 a 800 a.C..
extração de tecido animal para os homens, mas devido às infecções muitos terminaram
Macewec extirpou toda diáfise umeral (porção mais estreita de um osso longo, situada
entre as duas extremidades deste, as quais são mais largas do que ela e, em geral,
articulares; situada no úmero, osso único do esqueleto de cada braço5) de uma criança
medular e o tecido ósseo tornam-se infectados por uma bactéria que entra no corpo
4
Daisy Gogliano. O Direito ao Transplante de Órgãos e Tecidos Humanos; tese de doutorado apresentada à
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1986, p. 143.
5
Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e J.E.M.M. Editores. Rio de Janeiro; Editora Nova Fronteira S.A.,
1988, p.220 e 658.
através de um furúnculo ou outro tipo de ruptura da pele, convertendo o tecido
descoberta dos antibióticos a osteomielite era uma doença muito grave com uma alta
taxa de mortalidade6), alguns anos mais tarde outro médico implantou um grande
médico Gabriel Janelli, que pelo fato do doador vivo ter cedido a glândula por dinheiro,
extraiu o rim de um gêmeo para implanta-lo em seu irmão. Contudo, a problemática dos
do Cabo, África do Sul, quando o doutor Christian Barnard, retirou o coração de Denise
Ann Darvall, de 25 anos morta em acidente de trânsito, no qual o seu cérebro fora
trouxe à luz uma discussão bastante concisa tanto na medicina como no direito, ao que
fígado hipertrofiado e desta forma, sabia que não tinha outra possibilidade de
esperanças para a filha. A cirurgia durou cerca de cinco horas, mas após dezoito dias
Louis faleceu.
6
Spence, Alexander P. .Anatomia humana básica/Alexander P. Spence; tradução Edson Aparecido Liberti, São
Paulo; Manole, 1991, 2º Edição, p. 106.
Ainda durante o ano de 1968, mais de cem corações foram transplantados no
de 1987, pela primeira vez na história dos transplantes, uma pessoa viva foi doadora de
doador foi um homem de 32 anos vitima de um acidente de carro fatal, no qual a equipe
passou para um rapaz de 28 anos que sofria de fibrose cística. O coração do rapaz, em
bom estado, passou para um terceiro paciente com graves problemas cardíacos. A
grande novidade desse caso, é o fato de uma pessoa viva ter doado seu coração e ao
(A.B.T.O.), contudo, desde 1965, já foram realizados 1.247 transplantes renais somente
no Hospital das Clínicas, sendo que 300 deles através de doadores cadáveres. Em
7
Maria Celeste Cordeiro Leite Santos. Transplante de Órgãos e Eutanásia. São Paulo; Saraiva,1992, p.128.
3. DIREITO Á VIDA ASPECTOS GERAIS
Vida não é apenas a incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas é algo
São Paulo, Deisy Gogliano nos oferece o conceito de vida sob o aspecto médico-
biológico;
e sustentada por outros fatores extrínsecos adquiridos pelo próprio homem – cultura”.
Seja lá como for, não há como negar que o primeiro e mais importante de todos
os direitos é a vida. É o primeiro dos direitos naturais que o Direito Positivo pode
o direito à vida não fosse tutelado pelo sistema jurídico, sua natureza de Direito Natural
Carlos Alberto Bittar, no mesmo sentido, afirma que dentre os direitos da ordem
física, ocupa posição de primazia o direito à vida, como o bem maior na esfera natural e
embora constituídos ou adquiridos durante o seu curso tais como direito à honra, à
imagem, etc.8
Trata-se de direito que se reveste, em sua plenitude, de todas as características
indisponibilidade, uma vez que se caracteriza, nesse campo, um direito à vida e não um
Como se vê, o direito natural é primordial e sublime e, como tal, deve ser
respeitado por todos e tutelado rigorosamente. Direito natural pois a vida não é, como
vimos uma concessão jurídica-estatal, mas um bem maior, que apenas o reconhece.
Há vinte anos atrás, doutrinadores renomados já se preocupavam com os reflexos sociais dos
transplantes de órgãos e tecidos na sociedade brasileira. O problema já era inquietante, pois, como
sabemos, o índice de analfabetismo no Brasil atinge escala altíssima se o compararmos com o dos povos
civilizados. A escassez sociocultural somada ao baixo poder econômico são fatores que, há muito,
fenômenos que tem tomado a sociedade mundial de sobressalto. A situação não é diferente com os
Antônio Chaves relata que em outubro de 1982 foi veiculada pesquisa popular
que visava suprimir do artigo 1º da antiga lei de transplantes (Lei n.º 5.479/68) a
expressão “sem risco de morte ou de lesão corporal de natureza grave” por entenderem
os estudiosos que risco de morte ou risco de vida é a mesma coisa, além de não haver
8
Carlos Alberto Bittar. Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro; Forense Universitária, 2000, p. 89.
Ademais, todo transplante, especialmente o realizado “inter-vivos”, provoca lesão
de natureza grave (a retirada de um órgão, por exemplo, o rim, uma vez extraído,
função renal). Ora, sob esse aspecto essencial, já que espelharia a verdadeira
Não foi essa, contudo, a opinião majoritária dos entrevistados. O inquérito levado
a efeito pela Folha de São Paulo, em outubro de 1982, como se disse, dava a entender
que nada menos de 98% das pessoas ouvidas manifestaram-se contra o Anteprojeto da
Lei do Governo.
meia-noite”; se for fácil tirar seus órgãos depois de mortos, suas vidas poderão ser
povo.
Não podemos negar que a situação foi alterada no decorrer dos anos, embora,
Outro problema que existe, contudo, é o que esta calcado no pequeno número
envolvendo córneas, pele, rins, ossos, entre outros órgãos e tecidos, atinge resultados
tão satisfatórios que a procura de órgãos acaba sendo maior que a oferta.
9
Antônio Chaves. Direito à Vida e ao Próprio Corpo. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1986, p. 223.
Devido a esse obstáculo, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul foi a
pioneira ao aprovar lei no sentido de oferecer incentivo aos doadores. Seguindo seus
gaúcha. Acreditamos que foram projetos como este que acabaram por levar a efeito a
Todavia, no Brasil, ainda persiste o quadro em milhares de pacientes que poderiam ter seus
males solucionados e suas vidas salvas, esperando meses ou anos por transplante sem que os possam
realizar, pela falta de doadores, vivos ou mortos. Eis a principal razão que estimula, educa e desperta os
indivíduos para este gesto humano, democrático e solidário de doar órgãos e tecidos com único objetivo
de salvar vidas humanas. Sejamos nós os precursores desses gestos para que, no futuro, possa existir
10
maior esperança de vida saudável entre os homens.
5. O QUE É UM DOADOR
Doador é a pessoa que não implica em nenhum momento sobre a disponibilidade gratuita do
próprio corpo. È a pessoa maior e capaz, apta a fazer doação em vida, ou “post mortem” de tecidos,
6. O QUE É UM RECEPTOR
10
Freitas Nobre .O Transplante de Órgãos Humanos à Luz do Direito. p. 81.
É a pessoa em condições de receber por transplante tecidos, órgãos ou partes do corpo de outra
pessoa viva ou morta e que apresenta perspectivas fundadas de prolongamento de vida ou melhoria de
11
saúde.
7. RETRIBUIÇÃO ECONÔMICA
sempre informada, de forma honesta e clara, sobre o real procedimento do transplante, mostrando que a
doação de órgãos não é feita de um doador para um receptor específico e sim de maneira geral para os
bancos de órgãos, que escolhem qual o melhor par doador-receptor. É preciso que se esclareça que a
doação é feita à humanidade. É um ato nobre, que não visa lucro algum aos doadores, mesmo que estes
(órgãos) sejam entendidos como bens do indivíduo, bens fora do comércio, previsto em lei penal, em
A maioria dos juristas recusa a procedência da retribuição econômica para o doador, pois
recorrem a antigos preceitos, como: “o cadáver não é uma mercadoria, o cadáver é coisa fora do
comércio, o cadáver não pode ser apropriado por seus herdeiros e parentes”, ou mesmo por que
12
evidência uma falta de solidariedade humana.
Corpo Humano
transplantes constituem uma das maiores conquistas da ciência. Sem dúvida os abusos
11
Antônio Chaves. Direito à Vida e ao Próprio Corpo. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1986, p. 249.
Com crescente freqüência, a imprensa internacional vem veiculando notícias
sobre a compra e venda de órgãos humanos para transplantes; existem denúncias até
agências que colocam órgãos à venda, bem como de pessoas dispostas a vendê-los.
bioethics.
transplantes renais, que o senhor mesmo tanto estimulou de forma útil e ativa na
Inglaterra.
abusos registrados neste campo podem não somente desacreditar esta prática, como
também suscitar viva repulsa com relação a muitos aspectos do progresso científico,
12
Maria Celeste Cordeiro Leite Santos. Transplante de Órgãos e Eutanásia. São Paulo; Saraiva,1992, p. 145.
principalmente aqueles relacionados com o mais profundo da existência humana e que
liberdade e o mercado.13
Entendemos por venda do uso a troca de moeda por função corporal, que seja
teóricas e dos maiores conflitos sociais, é a venda da força de trabalho, que Marx
grupo, o caso das amas de leite, uma atividade muito difundida antes da introdução do
aleitamento artificial com métodos modernos, assim como, em tempos mais recentes, o
sistema de ‘úteros de aluguel’ para a procriação assistida. Existem ainda os casos de
que são típicos da sociedade capitalista, como o trabalho assalariado; fenômeno que
para a saúde física e mental de quem vende. Referimo-nos, por exemplo: ao maior
risco de transmissão de doenças pela via sexual, assim como o emprego de violência
subtração da nutrição dos próprios filhos pelas amas de leite; à interrupção brusca da
13
Berlinguer, Giovanni; Guarrafa, Volnei. A Mercadoria Final: ensino sobre a compra e venda de partes do corpo
humano. Tradução: José Colaço Barreiros. Portugal: Difel, 1997. Título original: La Merce Finale.
relação psicofisiológica entre mãe e filho durante a gravidez, no caso dos úteros de
aluguel.14
deste século. Houve alguns precedentes como a amputação estética dos cabelos para
a fabricação de perucas ou, no caso mais grave, uma vez que é também debilitante, a
personagem Fantina de Os Miseráveis, a mulher que, para criar Cosetta, vende seus
belos cabelos loiros por dez francos, depois seus dentes incisivos por dois napoleões
Vítor Hugo. Significa a sociedade que compra uma escrava. A miséria oferece, a
sociedade aceita.
pacto de Antônio com Shilock pela cessão de uma libra de carne em troca de um
argumento: O contrato não te concede nem mesmo uma gota de sangue; as palavras
precisas são ‘uma libra de carne’; mas, se ao cortá-la verteres uma só gota de sangue
cristão, a terra e teus bens, pelas leis de Veneza, serão confiscados em favor do
Estado.
14
Berlinguer, Giovanni; Guarrafa, Volnei. A Mercadoria Final: ensino sobre a compra e venda de partes do corpo
humano. Tradução: José Colaço Barreiros. Portugal: Difel, 1997. Título original: La Merce Finale.
Nas leis de Veneza havia, provavelmente, qualquer salvaguarda com relação a
contratos similares àquele imposto por Shilock, não sabemos se em base ao direito
natural ou ao desejo de tutela dos cristãos com relação aos judeus. No entanto, nem a
lei antiga nem as constituições modernas previram que a retirada de algumas gramas
ou libras de tecidos e órgãos fosse possível “sem verter uma só gota de sangue”, e de
modo que parte da matéria humana viva pudesse constituir, danosamente ou não ao
Uma primeira diferenciação pode ser feita com base nas condições do corpo:
vivo ou morto. Este aspecto traz à discussão, obviamente, a definição de morte e seu
Uma outra, no caso de remoção de órgãos de pessoas vivas, pode ser feita com
(do sangue ou de órgãos, por exemplo) e a compra e venda. È oportuno ressaltar que
próprios órgãos.
Uma terceira diferença é possível de ser estabelecida com base nas partes do
rins, e partes únicas e essenciais, como o coração. Esta distinção envolve um juízo
sobre a conseqüência da remoção quoad vitam et quoad valetudinem, com respeito à
momento nos ateremos a uma outra diferença possível: uma classificação com base
mercado.
primeiro deles, que é totalmente novo, consiste no uso industrial das células humanas
modificadas com a técnica de DNA recombinado, que tem originado discussões morais
pergunta que exige resposta tão difícil quanto complexa: as situações aqui descritas
Reprodução
15
Berlinguer, Giovanni; Guarrafa, Volnei. A Mercadoria Final: ensino sobre a compra e venda de partes do corpo
humano. Tradução: José Colaço Barreiros. Portugal: Difel, 1997. Título original: La Merce Finale.
Nos últimos trinta anos os transplantes de órgãos experimentaram um notável
casos de fígado, 85% para o coração, 50% para a combinação coração-pulmão. Outros
commercialism). A respeito desta útil classificação, podem ser feitas duas observações.
cincia de donis et muneribus (204 a.C.) e em toda legislação posterior, a doação exclui
qualquer contrapartida e pressupõe, por sua vez, um animus donandi, uma vontade
desinteressada, portanto, o termo mais adequado para definir a quarta situação, ainda
fenômenos diferentes entre si que vão desde a compra-venda sem regras, até o roubo
de órgãos e assassinatos com a justificativa de busca ou procura de matéria-prima
proposta. Não nos ocuparemos neste capítulo dos três primeiros pontos da
classificação sugerida pela Transplantation Society, mas somente dos dois últimos
denúncias da venda de rins feita por instituições da Índia para hospitais privados
ingleses. Como conseqüência do primeiro episódio, foi aprovada uma lei sobre
transplantes com base na qual o contrato de cessão de órgãos não é válido; tanto quem
apoiou um artigo escrito por M. Evans no Journal of medical ethics, que defendia a
‘doação’ de órgãos por parte de não-parentes vivos: Existe tanta coação comercial
Não existem argumentos morais conclusivos contra este tipo de pagamento pela
doação.
Estados Unidos - Embora o Congresso norte americano tenha aprovado uma lei
que prevê penas pecuniárias e prisão de até cinco anos pela compra e venda de órgãos
vindas inclusive de setores da profissão médica, para que isso seja revisto. Foi proposto
por Peters, por exemplo, uma recompensa de mil dólares como uma espécie de caução
aos parentes de pessoas mortas que tenham tido algum órgão retirado. Por outro lado,
Brasil, em troca de fornecimento de órgãos para os Estados Unidos. O Dr. Starzl, diretor
do Instituto de Pittsburg, quando indagado a respeito declarou: “Este tipo de acordo não
Siegfriend Pater e Ashwin Raman, intitulado Organhadel - Ersatzeille aus der Dritten
obtidos até mesmo através de homicídios. Esta notícia, assim como outra similar,
mais conclusiva.
Brasil - Este país, onde não é raro nem mesmo o roubo de cabelos à mão
vizinhos. Os jornais Folha de São Paulo (Brasil) e La Repubbica (Itália) informaram que,
duzentos rins. A polícia uruguaia prendeu sete pessoas que repassavam para um
hospital de São Paulo pela quantia de 40 mil dólares, rins obtidos por dois mil dólares
nos bairros pobres de Montevidéu. O que existe de concreto, contudo, é que vem se
mantendo com inusitada freqüência nos últimos anos, através dos ‘classificados’ dos
principais jornais brasileiros, o oferecimento de rins (assim como de úteros para
acusados de vender rins por US$ 6 mil. Trata-se de uma quadrilha internacional de
Entre estes, pode ser citado o caso de uma senhora de Lamezia Terme que ofereceu o
próprio rim para saldar as contas com os credores da sua empresa; trata-se de um
P. J. Morris e R. A. Selles, escreveram uma carta à revista The lancet na qual diziam:
utilizadas para preservar a saúde, seja do doador, seja do receptor... Esta última
objeção é confirmada pelas experiências com transfusões de sangue nos países onde
vigora a doação paga... No entanto, consideramos agora mais importante fato que tais
pagamento possa trazer para a melhoria do bem estar e nível de vida do doador e de
sua família, não pensamos que existam justificativas morais possíveis para a venda de
um órgão.
aquisição de órgãos.
Nos anos seguintes, todavia, além de haver se difundido na prática ainda mais, a
chamado de doador), submete-se a uma operação cirúrgica com risco mínimo, ajuda
para todos. A conclusão de quem defende todos estes argumentos é que “os vínculos
sociedade, que são proibidos e punidos pela justiça, outros bons e úteis para outras
pessoas e que por isso as éticas não são absolutas e modificam-se de acordo com as
muito apressadamente e das possíveis infeções que possam vir em decorrência. São
também publicadas numerosas pesquisas sobre a preservação, seguimento ou controle
mercantilização do corpo humano tem uma origem muito complexa. Em termos morais
ela deriva da tendência, típica do século XX, de mercantilizar qualquer coisa: não
próprio corpo. Em termos científicos deriva das descobertas que tornaram possíveis a
troca e a utilização de partes do corpo, assim como do fato que alguns campos de
nos transplantes.
16
Berlinguer, Giovanni; Guarrafa, Volnei. A Mercadoria Final: ensino sobre a compra e venda de partes do corpo
compradores. Entre estes dois, quase sempre se coloca uma terceira figura: o
algumas vezes são os próprios médicos que associam a este encargo suas atividades
cidadãos com duas necessidades vitais bem diversas: os primeiros, tendo que vender
uma função ou uma parte - regenerável ou não - do seu corpo e os segundos, na falta
principalmente por dois aspectos: o primeiro é que este problema não diz respeito às
conceito essencial de que o corpo é o lugar de moradia da vida, o outro é que cria-se
em uma população aquela que pode - o interesse em manter sob sujeição sócio-
econômica e cultural uma outra população - aquela que pode - o interesse em manter
sob sujeição sócio, da qual pode adquirir as condições indispensáveis para a própria
sobrevivência.
seres vivos. De uma forma geral, pode-se dizer que estas tendências representam uma
humano. Tradução: José Colaço Barreiros. Portugal: Difel, 1997. Título original: La Merce Finale.
mercantil que vem assumindo, em muitos casos, o exercício da medicina nos nossos
tempos.
desestimulem e excluam o uso das funções e das partes do corpo humano como
mercadoria. Nos países onde tais normas não existem ou são imprecisas, tal comércio
feitas de modo apropriado coloca-se uma barreira, como aconteceu na França com a
comprados de cidadãos turcos e na Itália com a sentença que assegurou à mãe natural
havia ainda sido prevista pela ciência, pela filosofia, pelo direito, pela política, somente
próximo século. Felizmente está ainda circunscrita ao aspecto quantitativo, pois até o
presente momento não faz parte dos fenômenos que envolvem as multidões humanas
estas dimensões. De qualquer forma, na medida em que lida com o que há de mais
profundo do ser humano, exige, a partir de agora, reflexões e ações que dizem respeito
relatos de que a estrutura retirada venha de uma pessoa rica para beneficiar um pobre,
ou mesmo que o comércio se desenvolva com material biológico levado dos países do
norte em vantagem dos países do sul. Deve-se ainda assinalar que este fato, ou seja, a
conduzem à derradeira mercadoria. Mas, além disso ser impossível, criaria obstáculos à
evolução real do conhecimento e às vantagens que este progresso traria para muitas
pessoas.17
A lei brasileira determina que o doador de órgãos tecidos ou partes do corpo vivo seja pessoa
maior e capaz. E o transplante só será realizado se não houver outro meio de prolongamento ou melhora
na medicina que admita algum êxito na operação, ficando vedada a tentativa de experimentação no ser
humano.
17
Berlinguer, Giovanni; Guarrafa, Volnei. A Mercadoria Final: ensino sobre a compra e venda de partes do corpo
humano. Tradução: José Colaço Barreiros. Portugal: Difel, 1997. Título original: La Merce Finale.
Em se tratando de retirada de órgãos ou partes de pessoas em vida, o ponto basilar de qualquer
grave.
omissão ou mesmo comissão, diante da possibilidade, por maiores que sejam as cautelas, de surpresas.
Só é permitido à pessoa maior e capaz dispor de órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins
humanitários e terapêuticos.
Podem ser objeto da doação de órgãos e de tecidos cuja a extração não altere a saúde do
doador de forma permanente e não ponha em perigo a sua vida. O doador não pode ter diminuída a sua
Por esta razão não poderão ser objeto de doação órgãos ímpares, nem membros ou outras
partes que produzam uma diminuição funcional, nem que afetem o seu aspecto estético. A retirada de um
órgão hígido de uma pessoa saudável não lhe traz nenhum benefício, pois deixa-a situação vulnerável,
pois passa dispor de apenas um órgão, que se lesado não terá mais seu par para suprir-lhe a função,
A doação intervivos exige informação clara ao doador sobre todos riscos imediatos e tardios do
processo de doação, a fim de que ela possa exercer a sua autonomia de forma esclarecida.
Em conseqüência é necessário realizar um minucioso exame no doador que permita prever se,
por seu estado de saúde atual, pode ver-se seriamente prejudicado no futuro pela doação, também são
à autorização judicial. Outro ponto a discutir é quanto à utilização de órgãos de fetos inviáveis como, por
exemplo, na anencefalia, uma mal formação congênita do sistema nervoso central em que não se
desenvolvem os hemisférios cerebrais que poderiam ser considerados apenas meros bancos de órgãos.
Este tipo de doação somente tem sido aceito quando existe relação de parentesco entre doador e
receptor, a doação de órgãos por parte de amigos ou até mesmo de desconhecidos tem sido fortemente
evitada.
diferentemente, de uma opção religiosa feita pelos pais e que poderá ser mais tarde modificada pelo
18
filho.
trabalhista.
O efeito pré e pós operatórios do doador não surge em conseqüência de enfermidade, nem de
Suas ausências no trabalho seriam injustificadas acarretando sua demissão. Por outro lado
muitas extrações ocasionam uma diminuição na capacidade do doador, circunstâncias releváveis nos
casos em que o paciente desempenha um ofício onde prevalece o esforço físico, resultando na sua
O direito do homem sobre seu cadáver é da mesma natureza do direito que tem sobre seu
próprio corpo. Se o homem tem o direito de viver conforme suas concepções filosóficas e religiosas, ele
também tem direito de exigir que suas vontades sejam respeitadas e executadas após sua morte.
Assim, toda pessoa viva, como sujeito de direitos, pode dispor em vida do destino de seus
18
Bacchela, Teleforo."Doação de Órgãos: vale a lei ou a decisão da familiar". In: Revista INCOR, ano 04, Número
36, 1998, p. 19-24.
sepultamento, embalsamento, proteção e incolumidade, já que esta não reside só na pessoa viva, por
O dispoente perde a propriedade do órgão ou parte do corpo que cedeu, o receptor passa a ser
proprietário do bem que se incorporou definitivamente ao seu corpo, a parte que se integra no todo perde
sua individualidade originaria, decorrente da separação e fazendo parte do corpo humano, passa a
Uma vez manifestada a vontade por ato de última vontade, para a retirada de órgão e tecidos
após a morte, a renuncia do ato, uma vez expressa, tem o condão de revoga-lo, sem qualquer
O homem ao dar destino ao seu cadáver, não pode ultrapassar os limites éticos em que se
A decisão pessoal intransferível de quem cede seu corpo ou parte dele em proveito de pesquisa
cientifica ou da vida de seu semelhante, através de documento para valer nos após-morte, deve ser
A retirada de partes do cadáver, sujeito por força de lei à necropsia ou à verificação diagnostica
“causa mortis”, deverá, nos termos da lei ser autorizada por médico legista e citada no relatório da
necropsia ou da verificação diagnostica. A retirada não pode ser acionada por um só médico, nem pode
O doador deve evidenciar estado de ausência completa e irreversível das funções do cérebro,
pois a vida humana subsiste até que se declare a cessação da atividade cerebral. Após a retirada de
órgãos ou partes de cadáver, é obrigatória sua recomposição para que seja entregue aos responsáveis
O primeiro diploma legislativo que entre nós regulou a matéria foi a Lei n.º 4.280, de 06.11.63,
Regulava não só a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes de cadáver, como indica o
Até 18.11.1992, a Lei n.º 5.479 não havia sido regulamentada, a falta do decreto regulamentador
desta, podia levar a discussão sobre a possibilidade de realização de transplante de órgão, perturbando a
Preceitua a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 199, § 4º “A lei disporá sobre as
condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de
transplantes, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
O regulamento poderia perfeitamente dispensar a expedição de novo diploma, uma vez que o
anterior contempla todos os pressupostos estabelecidos na Constituição e apresenta como modelo para
a cumulação dessa lacuna (apesar de posterior a nossa) a lei Argentina, que teve seu regulamento
Houve alguns projetos para alteração dessa lei um deles é do Deputado Geraldo Alckmin Filho,
foi somente em 02.09.92 que a Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados aprovou o
projeto, que, com a intenção de elevar o número de transplantes, propunha que, se a pessoa se
manifeste em vida como doadora, não seria mais necessária a consulta à família para retirada de órgãos
O projeto, segundo o relator, Deputado Geraldo Alckmin Filho, seria um dos mais adiantados do
Converteu-se, finalmente, na Lei n.º 8.489, de 18.11.1992, que dispõe sobre a retirada e
transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com fins terapêuticos e científicos e dá outras
providências, desta feita o regulamento não tardou tanto Decreto 879, de 22.07.1993.
A Lei n.º 8.501, de 30.11.1992, por sua vez, dispõe sobre a utilização do cadáver não reclamado,
estabelece normas de credenciamento do hospitais que realizam transplantes para o Sistema Único de
Saúde, e registre-se que a Constituição do Estado de São Paulo determina, art.225, crie a Unidade da
9.434, que dispõe sobre remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e
tratamento. Esta lei de transplante é resultado de um substitutivo elaborado pelo Senador Lúcio Alcântara
que reuniu três projetos sobre o assunto (PLS 6/95 – PLS 8/95 – PLS 15/95) que se encontrava em
tramitação conjunta. O substitutivo foi aprovado em 22.02.96 e encaminhado à Câmara dos Deputados
onde o número PL 1.579/96 e, também, foram apensados outros projetos que versavam sobre a matéria.
Uma vez aprovado na Câmara o substitutivo, que naquela Casa teve como relator o Deputado Federal
Carlos Mosconi, retornou ao Senado onde, após apreciação, tiveram algumas mudanças acatadas,
outras não. O ponto discordante foi artigo 4º e seus parágrafos, que pela proposta do Senado instituía o
afirmativo, prevalecendo, no final, a redação dada no Senado. A diferença entre os dois princípios é que,
no consentimento afirmativo, todas as pessoas devem se manifestar se querem ou não doar seus
órgãos, enquanto que no presumido, todos os que não se manifestarem em contrário, são considerados
automaticamente, doadores.
No período em que a Lei, ainda em forma de projeto de lei, tramitou no Congresso Nacional,
houve manifestação de apoio, assim como as de rejeição. Os opositores se apoiaram na idéia de que a
doação presumida, como é denominada na Lei, descaracteriza o ato de doação que deve ser voluntário.
Porém, ela continua a ser voluntária, uma vez que o cidadão tem liberdade de escolher ser um não-
doador. É verdade que há uma inversão, já que ser voluntário implica em uma atitude de dar-se um
passo à frente, mas isso não quer dizer coibir o direito à escolha.
Outro questionamento suscitado foi a possibilidade da sanção da lei propiciar o aquecimento do
comércio ilegal de órgãos. Considerando-se que uma oferta abaixo da demanda é o propulsor do
mercado negro (seja qual for o produto), a doação presumida deve, assim se espera, aumentar a oferta
de órgãos e, consequentemente, minar as bases de tráfico. É bem verdade que a doação presumida não
vai eliminar o problema da carência de órgãos da noite para o dia, mas deve diminuir o problema
consideravelmente.
hospitais brasileiros para comportar a captação e distribuição de órgãos. Atualmente nem todos os
Estados brasileiros possuem centrais de capitação de órgãos e os hospitais a maioria situada nas regiões
sul e sudeste, realizam transplantes, sendo que alguns apresentam uma produtividade abaixo da
expectativa. Em alguns hospitais, não chegam a ser realizados nenhum transplante durante o período de
um ano.
A Lei, enquanto projeto, previa a criação das centrais de notificação, captação e distribuição de
órgãos, porém este artigo foi vetado no ato de sanção da Lei por tratar-se de matéria da competência do
Presidente da República, conforme o disposto na artigo 61, inciso II, letra e, que diz “São de iniciativa
privada do Presidente da República, as leis que dispunham sobre criação, estruturação e atribuições dos
Ministérios e Órgãos da Administração Pública”. O veto não significou uma divergência quanto ao mérito
O Ministério da Saúde regulamentou a lei e dispõe sobre a criação de uma Central Nacional de
Transplante que é encarregada de realizar o intercâmbio entre as centrais estaduais e os hospitais, que
Alemanha, Bélgica, França, Itália e Espanha que, sem sombra de dúvida, aponta para a adoção do
A princípio, pensou-se que o Presidente vetaria este artigo, diante das manifestações em
contrário de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, Conselho Federal de Medicina,
Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas, Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo -
Cremesp, Igreja Católica e outros. Mesmo o Conselho de Saúde do Ministério da Saúde, mostrou-se
19
resistente em aceitar o projeto, mas reconsiderou sua posição.
Na maioria dos países civilizados, o cidadão tem a liberdade de escolher entre ser ou não
doador, no Brasil pelas legislações anteriores, a permissão para aproveitamento de órgãos, havia de ser
Poderia ainda ocorrer à doação, quando inexistia manifestação em vida, expressa do doador,
consultando-se sua família e não havendo manifestação contrária à retirada, se operava a doação.
Com advento da lei 9.434/97, que tornou todos os cidadãos doadores obrigatórios, compulsórios,
reservando àqueles que tem direito a não doar, o inconveniente expediente de ter que se deslocar a uma
repartição pública, dirigindo-se a um funcionário e revelando sua vontade de não ser doador, registrando
Assim, os brasileiros que não desejarem ser doadores, terão de enfrentar vários obstáculos pois
os que não quiserem doar seus órgãos terão de tratar desse assuntos com um estranho, sendo um
assunto pessoal, sempre haverá constrangimento. Ocorre que o constrangimento maior é manifestar-se
como não-doador e verificar uma sutil censura de quem quer que seja, pois por essa lei, o indivíduo é
exposto a reprovação, não só do funcionário público que o atende, mas sempre que apresentar seu
documento no qual estiver escrito “NÃO-DOADOR”, que para muitos será traduzido como “EGOÍSTA”.
Falhou o legislador e falhou o governo, e até o Ministro da Saúde, que se manifestou contrário à
O assunto não esta esgotado e causara muitos problemas, posto que provoca reflexões em torno
19
Antônio Chaves. Direito à Vida e ao Próprio Corpo. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1986, p.224.
O legislador trabalhou com a hipótese do tráfico, tanto é que previu uma posição severa para
aquele que remove ilegalmente órgãos ou os comercializa, com penas que podem chegar a 20 anos.
Com essa lei inúmeros brasileiros esperam que jamais precise de cuidados médicos tão
delicados que possam os fazer ser vistos como um doador compulsório, ou até, por alguns
inescrupulosos, como uma prateleira de órgãos disponíveis para doação em questão de momentos. O
cidadão tem o direito de ser visto, sempre, como alguém que merece toda atenção e cuidados de seus
médicos, visto somente como uma criatura humana que quer viver.
O corpo humano sem vida que antes pertencia à família enlutada foi confiscado pelo Estado, que
o estatelou, como se fosse uma coisa de ninguém. O corpo inanimado pertence a família e qualquer
parte desse corpo só poderá ser retirada, por vontade daquela mesma criatura manifestada em vida, ou
por um profundo sentimento de caridade dos familiares, confortados pelo gesto da decisão.
A população brasileira tem baixo grau de individualismo ou seja é voltada para sua coletividade.
As pessoas de países com culturas coletivas controlam seus membros através da pressão social externa,
através da pressão interna, ou seja, da culpa. Este traço cultural pode explicar porque tantas pessoas
O Brasil tem alta intolerância à incerteza, ou seja, as pessoas tendem a utilizar diferentes formas
de controle da situação vigente, seja através de métodos objetivos (planejamento, legislação detalhista)
declarando-se “doadores”, pois assim controlariam a incerteza de que sues familiares aceitariam doar
seus órgãos. A motivação maior era a beneficência social, isto é, a possibilidade de um benefício para
uma ou mais pessoas. Antes da reforma da lei o cidadão pode exercer sua autonomia, efetivamente,
declarando-se “não-doador”. Os riscos, reais ou imaginários, não importa, incorporam-se ao seu conjunto
de crenças, passando a influenciar o processo de tomada de decisão. O risco, que assusta muitas
pessoas, é o da perda de controle sobre o destino de seu próprio corpo, as pessoas tem medo desta
situação trágica e desconhecida. Desta forma, evitam a incerteza através de sua manifestação contrária a
A legislação, que sempre é uma coerção do Estado sobre o indivíduo, pode estabelecer uma
alteração no processo de captação de órgãos para fins de transplantes, contudo, nem sempre o resultado
diferente do legal. O desconhecido sempre gera angustia, pela nova possibilidade que se oferece.
Assim, a totalidade da sociedade é diretamente atingida por esses atos e por suas
conseqüências prováveis. Com efeito, a partir de 4 de abril de 1997, presumiu-se a decisão autônoma de
que todas as pessoas identificadas no Brasil viessem a ser, “post mortem", doadores de tecidos, órgãos e
partes do corpo, com exceção do sangue, do esperma e do ovulo, para fins de transplantes e tratamento.
E a conseqüência direta dessa disposição foi que qualquer pessoa identificada podia após aquela data
ter seus tecidos, órgãos e partes do seu corpo extraídas “post mortem”, para servirem de meio de
tratamento ou serem transplantadas, sempre que deixarem de fazer constar por desinformação ou por
doação.
de opção moral em um documento de identificação física a lei esta criando potencial elemento de
discriminação ética. È fácil enumerar possíveis situações em que seria notada a gravação “não-doador
de órgãos e tecidos” em documentos de identidade, implicando a pecha de não solidário ao seu portador,
podendo algumas delas assumir um caráter de certa gravidade quando por exemplo, um atendente,
fervoroso adepto da solidariedade social, receber, no serviço de emergência médica, um acidentado cuja
Seria adequado, portanto numa sociedade liberal e pluralista como é a brasileira que a lei
garantisse que comportamentos diferentes baseados em valores diversos possam conviver sem o
tema legitimando-se, assim, o estabelecimento de diretrizes para promover a correção da lei, para
20
eliminação das irregularidades jurídicas.
OS TRASNPLANTES DE ÓRGÃOS
fática.
ainda, ser inseridas nesse contexto, o que não obsta o ingresso no Judiciário.
20
Antôno Chaves. Direito à Vida e ao Próprio Corpo. São Paulo; Revista dos Tribunais,1986, p. 243.
No plano penal, quando constitutiva de delito a conduta violadora, cabe a
perseguição criminal por via queixa do interessado, ou, quando, for o caso, ação
Esta em vigor a Lei 9.434/97 reformada pela Lei 10.211/01 dispondo sobre a
terapêuticos e científicos.
destino a ser dado aos despojos, etc.. Não há excesso em dotar tais dispositivos da
saúde ou melhora do receptor. Assim, o legislador enfatiza tal condição, com exigência
para o receptor.22
21
Carlos Alberto Bittar. Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro; Forense Universitária, 2000, p. 49-51.
22
Marrey Neto, José Adriano. Transplante de Órgãos: disposições penais: notas às disposições penais contidas na
Lei n. 8.489, de 18-11-1992, São Paulo; Saraiva, 1995.
identificadores dos fatos ou condutas penalmente relevantes, sendo a mesma
do receptor após avaliação médica e ciente dos ricos inerente e a sua inscrição em lista
de espera.
pena será de reclusão variando de três a doze anos e multa, e se resultar morte a
infrator será apenado com reclusão de três a oito anos e multa. A realização de
transplante utilizando órgão ou partes do corpo sabendo-se que foram obtidos de forma
obtidos em desacordo com a Lei comete crime apenado com reclusão de seis meses a
anos.
doações de órgãos.
ao medicar ou operar, e o ignorante da sua arte deve ser responsável, por imprudência,
negligência ou impericía.
Assim, todo rigor e cuidado que se deve exigir ao firmar-se o diagnóstico de que
sem razão fundada em sua saúde, para retirar órgãos que, sem risco de vida, tenham
sido doados para fins humanitários ou terapêuticos. Desde que desapareça essa
seja, o médico que exceder os limites do exercício regular de seu direito de intervir no
recorrente.23
951 do Código Civil nos seguintes termos: "o disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-
mesmo diploma legal dispõe " aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
23
Antônio Chaves. Direito à Vida e ao Próprio Corpo. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1986, p.314.
O Código de Defesa do Consumidor, reafirma o princípio da responsabilidade
aquiliana dos médicos, em seu artigo 14, § 4º. Ampliou para o médico o ônus
probatório, cabendo ao paciente provar-lhe a culpa, ainda que o serviço prestado tenha
Pelo Decreto n.º 2.268 de 30 de Junho de 1997, que regulamentou a Lei n.º 9.434 de 04 de Abril
de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, foi criado o Sistema
verificada em todo território nacional e a determinação do destino dos tecidos, órgãos e partes retirados.
O Ministério da Saúde, exerce a função de órgão central do SNT, e gerenciará a lista única
nacional de receptores, com as indicações necessárias à busca, em todo território nacional, de tecidos,
órgãos e partes compatíveis com as suas condições orgânicas. Também é quem autoriza
equivalentes, para que se integrem ao SNT, deverão solicitar ao órgão central o seu credenciamento
junto ao SNT, assumindo certos encargos. Assim, as CNCDOs deverão coordenar as atividades de
do SNT as inscrições que efetuar para a organização da lista nacional de receptores. Receber
notificações de morte encefálica ou outra que enseje a retirada de partes para transplante, ocorrida em
sua área de atuação. Determinar o encaminhamento e providenciar o transporte das partes retiradas ao
estabelecimento de saúde autorizado, em que se encontra o receptor ideal. Notificar o órgão central do
SNT de partes não aproveitáveis entre os receptores inscritos em seus registros, para utilização dentre os
relacionados na lista nacional, encaminhar relatórios anuais a central do SNT sobre o desenvolvimento
das atividades de transplante em sua área de atuação. Exercer controle e fiscalização sobre as
Das muitas questões polêmicas que cercam a legislação, é a estrutura precária das CNCDOs, o
entrave principal não é falta de órgãos, mas sim o mal aproveitamento do potencial doador, que não é
mantido em condições satisfatória para o posterior aproveitamento de sues órgãos em boa parte dos
Médicos afirmam que o sistema público de saúde é a principal porta de entrada hospitalar de
pacientes graves, representando o grande potencial para a obtenção de doadores cadáveres para a
utilização de órgãos e tecidos para transplante. A concordância da família com a doação, ao saber da
morte cerebral do paciente é em média de 75% dos casos. É um índice equivalente aos dos serviços que
transplantam no EUA e nos países europeus. O diferencial é em relação ao aproveitamento, muito maior
nestes países.
No Brasil mesmo sendo obrigatória, a notificação ainda é feita excepcionalmente, por falta de
paulista, supera a rotina de transplantes realizado por outros Estados, outro problema de monta é que
É inegável que a doação de órgãos salva vidas e por isso não pode ser condenada. Mas também
é obvio que essa questão envolveu aspetos polêmicos. Não se pode discutir o tema sem revelar as
diferentes religiões e o culto que elas dispensam aos mortos além, é claro dos fundamentos legais.
A Igreja Católica aprova a doação de órgãos, o Papa Pio XII apoiava a intervenção de retirada de
órgão de cadáveres no interesse de salvar os que sofrem, e salientava a necessidade de educar o povo
a respeito do assunto.
O Papa João Paulo II, no dia 29 de agosto, pela primeira vez, deslocou-se para comparecer ao
mensagem aos seus participantes. Em sua alocução em Roma, na praça em frente ao Palácio dos
Congressos, o Sumo Pontífice reafirmou o apoio da Igreja Católica aos transplantes de órgãos como
instrumento de defesa e promoção da vida. O Santo Padre expressou a sua confiança no diagnóstico de
morte tendo por base os critérios neurológicos que definem a morte cerebral, definindo-os como
instrumentos para alcançar a certeza moral, base de todo procedimento ético. O Chefe da Igreja Católica
reafirmou ainda grandes princípios éticos e morais que devem nortear esses procedimentos.
O judaísmo considera fundamental o respeito pelos mortos. Neste contexto, a lei judaica proíbe a
mutilação do cadáver e exige que o corpo seja sepultado intacto e os mais breve possível.
Essas exigências, entretanto, como todas as leis de Tora, a Bíblia hebraica, podem ser postas de
lado diante do mandamento supremo do judaísmo: pikach rijesch, o dever de salvar uma vida. Não pode
haver maior tributo aos mortos do que utilizar seus restos mortais para salvar ou prolongar outra vida
humana.
17. LEI N.º 10.211/01 ALTERA A LEI N.º 9.434/97
abordagem de mercado.
longa discussão, a nova lei de transplantes (Lei 9434/97), sancionada pelo Presidente
nova mudança, através da lei 10211, que dá plenos poderes para a família doar ou não
desta questão no Brasil. No período de 1968 a 1997 era válida a vontade do indivíduo,
do indivíduo.
escassos deve ser feita em dois estágios. O primeiro estágio deve ser realizado pela
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O transplante pode suscitar reações contraditórias, como fascínio e inquietação. O seu fascínio
decorre da perspectiva da vida que ele proporciona a pessoas ameaçadas pela falência de um órgão
ou tecido, da mobilização de uma grande cadeia de solidariedade que se forma com o apoio de
tecnologias inovadoras.
não ultrapasse o fascínio, situação que poderia corresponder a uma sentença de morte
para milhares de pacientes que aguardam por um transplante. Para impedir essa
justificada angústia daqueles que esperam por um órgão, conscientes de que a sua
vida pode ser ceifada durante a espera. O atendimento a esse direito à vida,
coletiva. Nesse mutirão pela vida, cabe papel a cada um de nós, a todos os segmentos
da sociedade.
otimizar a utilização de órgãos e para que estes sejam alocados segundo princípios
justos e éticos.
tecidos retirados sejam alocados aos pacientes receptores segundo critérios médicos e
realizados com toda segurança possível. Como corolário dessas ações, governos
não ser realizados, já que ela detém a chave de todo o processo; a autorização para a
transparência.
Informar corretamente e sem distorções nem sempre é tarefa fácil, exige um mínimo de
A lei que o governo editou, acabando com a doação presumida de órgãos para
transplante, ilustra bem o erro, mais comum entre nós do que se imagina, de legislar
De acordo com a doação presumida, estabelecida pela Lei n.º 9.434/97, todos
fosse a melhor possível, isto é, aumentar o número de doadores e assim salvar mais
A lei da doação presumida não contribuiu para nada, a não ser para intranquilizar
a população. A reforma da lei, como reconheceu o Ministro da Saúde, José Serra, veio
apenas oficializar o que na prática já acontece. Agora tranqüilizados, e se forem bem
deveriam meditar. Não bastam boas intenções para produzir leis de boa qualidade.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Marcos. Considerações de Ordem Ótica Sobre o Inicio e o Fim da vida. Material da
BACCHELA, Teleforo. “Doação de Órgãos: vale a lei ou a decisão da familiar” . In: Revista INCOR,
partes do corpo humano. Tradução: José Colaço Barreiros. Portugal: Difel, 1997. Título original: La
Merce Finale.
Universitária, 2000.
CHAVES, Antônio. Direito a Vida e ao Próprio Corpo. São Paulo, Editora dos
1986.
ano 1995.
1995.
RODRIGUES, José Carlos. Tabu do Corpo. Rio de Janeiro, Editora Achiamé, ano 1979.
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Transplante de Órgãos e Eutanásia. São Paulo, Editora
TODOLI, José. Ética dos Trasnplantes, São Paulo, Herder, tradução, p.88.