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A Mulher (ainda) Amadora

Bárbara Luisa Martins Wieler

Introdução

Tudo começou com a Eva. Ao incitar Adão e tentá-lo a provar o fruto proibido
da Árvore do Conhecimento, a primeira mulher da humanidade condenou todas as
outras a padecer pelo seu pecado original. Porém, Eva não está sozinha: ao abrir
a caixa e soltar no mundo os sentimentos negativos, Pandora também sacrificou
as pessoas a viverem em desgraça. Esses são apenas dois exemplos de figuras
femininas que representam a calamidade, as dores, a destruição. Ao longo da
História, o desenho da mulher foi sempre pintado com tintas vis e amaldiçoadas, já
que ela seria a responsável por provocar as tormentas humanas. Assim, ela seria
o ser impuro, renegado e marginalizado; o sangue da menstruação penitenciaria
seus erros, e a ela caberiam as dores do parto. Estigmatizadas, sendo portadoras
da maldição e vistas com desconfiança e temor (PATRASSO e GRANT, 2007), as
mulheres sofreram, por muito tempo, uma discriminação exacerbada em todas as
culturas, principalmente na ocidental-cristã.
Na Europa Ocidental do século XVII, o movimento feminista, que apregoa a
igualdade entre os sexos, começa a desabrochar, ganhando suas primeiras
partidárias. Aliado à Revolução Francesa e à Revolução Industrial, o feminismo
imprime mudanças substancias na ótica e nas relações sociais, como direitos
femininos ao voto, à educação e ao trabalho. Autoras como Simone de Beauvoir e
Betty Friedan direcionam suas obras à defesa da igualdade entre os gêneros.
Desde o século XXVIII, foram incontáveis as conquistas femininas e sua presença
em âmbitos da sociedade anteriormente dominados pelos homens.
Inevitavelmente, explode a revolução sexual. Com o advento da pílula
anticoncepcional, a mulher passa a ser dona de seu corpo, e, ao controlar sua

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fertilidade, abre-se para outras esferas da vida que não a materna. Podendo
transitar em áreas mais largas que seu próprio lar, e possuindo o poder de escolha
sobre ter ou não filhos, moças descobrem (ou apenas deixam emergir) seus
desejos sexuais, desatrelando-os ao amor e ao compromisso matrimonial.

Surge uma “nova mulher”

Os meios de comunicação, sobretudo os de massa, registram o perfil dessa


“nova mulher” do século XXI, mais livre e ativa, e o moldam como o paradigma
contemporâneo: intelectualizada, antenada ao mundo, possuidora de bens, em
busca de seu prazer. Por seu poder persuasivo, tais meios encantam e
embebedam seus consumidores, criando mitos facilmente digeridos, e,
posteriormente, cobiçados (MORIN, 1969). Essa imagem da mulher é mais um
desses fantoches propalados pela mídia, que mesmo enaltecendo certas
características, ainda as mantêm acorrentadas ao sexo masculino: todas essas
super-mulheres vendidas pela televisão e pelas letras, por mais bem-sucedidas e
livres que sejam, por mais sexo hedonista que façam, por mais desbocadas que
pareçam, invariavelmente, esperam por seu príncipe encantado. A mulher
assujeita-se, mais uma vez, para corresponder a esse padrão estabelecido
modernamente. Como bem explica Swain:

A mídia, em tempos de globalização, pretende a homogeneização


da condição feminina e a recuperação da imagem da “verdadeira
mulher” feita para o amor, a maternidade, a sedução, a
complementação do homem, costela de Adão reinventada
(SWAIN, 2001: 20).

De qualquer forma, a mulher do século XXI, inegavelmente, assume uma


postura de independência e força, admitindo seus desejos e criando um novo
estereótipo, hiperbolizado pela indústria cultural, como revistas e filmes. Sobre o
boom de produtos culturais destinados à mulher, Patrasso e Grant afirmam:

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As mulheres gradualmente passam a tornar públicas suas
intimidades, idéias, desejos e devaneios, que antes eram escritos,
quase que secretamente, em seus diários; Aliás, esse tornar
público, encurtar cada vez mais a fronteira entre o público e o
privado, que foi inaugurado na modernidade, está no ditame do
“manual da mulher pós-moderna” (PATRASSO e GRANT, 2007:
141).

Basta uma rápida visita a uma banca de jornal para encontrar inúmeras
publicações destinadas ao público feminino. As capas dessas revistas são
estampadas por modelos e atrizes deslumbrantes, enquanto as manchetes
anunciam reportagens sobre moda, comportamento, astrologia, e, em especial,
sexo: dicas para seduzir o homem, truques para ter mais prazer na cama, manuais
de como se portar no primeiro encontro... Segundo a Revista Nova, a publicação
feminina mais vendida no Brasil, essa atual personagem feminina é “moderna,
guerreira, sexy, ousada e determinada”, e os veículos de comunicação engajam-
se para cristalizar essa personalidade, comercializando-a como a ideal para suas
consumidoras.
A televisão enverga-se pelo mesmo caminho. Seriados incensados por um
público fiel retratam a vida de mulheres contemporâneas e, sempre em destaque,
suas complicadas relações amorosas. Sex and the City, série americana
produzida ente 1998 e 2004, é uma representante desse padrão – “quatro
mulheres solteiras, bonitas, inteligentes, independentes, sexualmente ativas”
(MESSA, 2007: 2), na faixa dos 30 anos, vivendo em uma grande cidade,
respondem a esse estereótipo que ganhou o senso comum e atualmente povoa o
imaginário feminino.
A partir dessas mídias, é possível desenhar a imagem feminina que se
pasteurizou: não mais a virgem e delicada donzela à espera do príncipe
encantado, tampouco a feminista valente queimando o sutiã em praça pública.
Impinge-se como modelo feminino uma mulher “dona de si”. Entretanto, o que
mais se exalta recentemente é sua dita igualdade perante os homens. Essa
igualdade implica, sobretudo, nivelação sexual. O sexo deixou de ser um assunto
escondido, de alcova, e ganhou a pauta da conversa em diferentes círculos
sociais. A sociedade, inclusive, incita a perpetuação dos assuntos, usando esses

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meios de comunicação como canal para revelar as fantasias, angústias e dúvidas
femininas. Fala-se de sexo para e com as mulheres. Se antes a palavra “sexo” era
silenciada na boca das meninas, atualmente há uma provocação explícita para
que elas verbalizem seu lado erótico.
Nesse mesmo cenário contemporâneo, irrompe-se ainda a literatura erótica
feminina, liderada por autoras corajosas, dispostas a retratar toda a violência do
sexo frágil. Essas letras (nem tão) cor-de-rosa fogem do paradigma de mulher
lançado pelos outros meios, já que está na própria essência da arte subverter e
aflorar o que está encoberto. Como bem define Coelho (1989 apud PATRASSO e
GRANT, 2007: 141), “Há, na literatura feminina atual, algo mais, algo essencial
dentro das transformações em processo no ser humano e na sociedade, e que
podemos definir como a busca da Nova mulher”.
Amadora, de 2001, é o primeiro romance da paulista Ana Ferreira. O livro
começa instigando pelo título dúbio: “amadora” pode tanto remeter à novata,
inexperiente, pueril, como pode se tratar de quem pratica o amor, “aquela que
ama”. Protagonizada por Ângela, a história desdobra-se em uma série de relatos
de uma mulher intensa, que deitou em diferentes lençóis.
A obra, construída em 1ª pessoa, não apresenta uma narrativa linear. Ao
descrever seu envolvimento com diversos tipos, Ângela demonstra como o sexo é
democrático: pessoas de diferentes raças e credo, homens e mulheres, cultos e
rudes, ricos ou pobres – todos desfrutam as mesmas sensações e necessidades.
A personagem se relaciona com motorista de táxi, artista de circo, advogado – não
há restrições ou imposições para ela. Contanto que haja disposição, Ângela não
alimenta preconceitos nem privilegia tipos. Explica-se, assim, uma das
possibilidades do título: “amadora” porque é capaz de sempre se entregar com
paixão, e sempre ter o amor (ou um sentimento de afeto, na maioria das vezes
transformado em desejo sexual) sombreando seus passos. “Só sei falar de amor”
(p. 14), ela confessa. Ângela é enérgica, e contagia seus pares com sua sede por
sensações. Revelando o lado mais instintivo do humano, ela guia-se pela atração
do momento, como fica claro em seu encontro com o dono da imobiliária.
Metaforizando o mundo animal, os dois copulam, refestelam-se. Nesses

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momentos, o livro tenta dessacralizar o sexo ao desamarrá-lo de sentimentos
amorosos. Nesse sentido, confirma-se o perfil esperado da (super) mulher de hoje:
realizada profissionalmente, próspera, senhora de seu corpo e de suas escolhas,
mesmo que tal imagem seja desmistificada ao longo da narrativa.
O livro, submerso nesse clima de sedução, ganha um ritmo quase
inverossímil. Ângela é apresentada como uma mulher irresistível. Ela confessa-se
traída no caso com Jaime, mas não é outra mulher que a desbanca – o namorado
a troca por outro homem. Difícil ignorá-la ou não se sentir encantado por ela . É
esse o comportamento esperado da jovem contemporânea, que de tão perfeita,
acaba assustando os homens. Na coluna “Cabeça de Mulher”, da Revista Nova de
setembro de 2008 (p. 86), a leitora Aline Souza, de 27 anos, diz-se tão prodigiosa
e autossuficiente que acaba assustando os homens – reclamação feminina
generalizada, registrada pelas revistas e televisão, mas que não ressoa na obra
aqui discutida. A independência e a cultura de Ângela não afugentaram nenhum
parceiro, e nem a fizeram mais criteriosa (ou crítica) em relação a eles.
Paradoxalmente, esse estereótipo de Ângela também converge para outra
reportagem publicada nessa mesma edição da revista, “Por que a mulher de
NOVA tem mais chances de encontrar o amor” (p.180), em que são elencados os
adjetivos das leitoras que atraem o sexo oposto: “decidida”, “confiante”,
“naturalmente sexy” – qualidades que a protagonista parece esbanjar em suas
conquistas.
Ao mesmo tempo em que essa característica cria uma heroína um pouco
exagerada, desmente também as arcaicas representações midiáticas da mulher
do século XIX e do início do século XX: ela também busca seu prazer, não há uma
reificação. Usualmente, sobretudo no cinema pornográfico, as garotas são apenas
corpos vigorosos dispostos a satisfazer o viril macho. As mulheres da maioria das
obras pornôs são os objetos que levam os homens ao gozo, mas têm suas
fantasias ignoradas. Ângela as contradiz ao também reivindicar suas seus
desejos.
A protagonista afina-se ao modelo da “super mulher de capa de revista”,
mas a autora persevera em diferenciá-la em um aspecto: ela não é escrava do

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universo masculino. O orgasmo de Ângela não está associado ao amor, como
também se insinua nas publicações. A prática sexual sem vínculos afetivos ainda
desemboca na culpa, como se a mulher estivesse cometendo um pecado e
precisasse se justificar por isso, sendo celebrado o sexo com envolvimento, em
que não apenas o prazer está em jogo, mas também a intimidade.
Mesmo ostentando a exuberância e a pose segura, Ângela é uma mulher em
busca de identidade. A personagem percorre vários caminhos, tentando encontrar
sua verdadeira vocação. Se suas constantes mudanças de profissão e moradia
denotam impermanência e versatilidade, essa intermitente procura também
demonstra que a personagem não sabe ao certo qual é o seu lugar no mundo. A
diversidade de experiências sexuais comprova que além de insaciável, Ângela é
uma garota em busca de referências. Assim como ela procura a variedade e a
intensidade no sexo, ela o faz nas outras instâncias de sua vida, e a urgência que
mostra na cama é um reflexo do que espera em outros âmbitos. A tônica do livro é
a busca por variadas formas de se satisfazer sexualmente, mas se examinarmos
não apenas essa superfície, veremos que Ângela também garimpa atividades
cada vez mais desafiadoras e lugares inusitados. Há uma ânsia em conhecer,
descobrir, degustar. Aqui reside a outra interpretação do título: ela é uma amadora,
experimentando a vida, tentando, provando, aprendendo, enfim.
Tal busca pela identidade não é privilégio de Ângela. Ao se abrir um recente
e convidativo leque de possibilidades, há uma tentação de experimentar todas. A
mulher não precisa mais ser dona-de-casa. Solteira ou separada, não enfrentará
tão ferozmente as cobranças sociais. Ela não obedece, como condição imposta,
obedecer ao pai e ao marido. Ângela não se prende a nada e a ninguém, e
desfruta de todos os caminhos que a mulher conquistou o direito de trilhar.

Ela amando ela: descortina-se o prazer

Outro livro dessa geração feminina que desabrocha para a literatura erótica
é Calcinha no Varal, de Sabina Anzuategui. Mas enquanto a Ângela de Ana

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Ferreira transpira liberdade, revelando um deleite em seus atos, conforme o
esperado das mulheres contemporâneas, a adolescente Juliana apresenta um
discurso mais pungente e visceral. Calcinha no varal desnuda o amadurecimento
de uma menina que entra na vida acadêmica, e, por meio dela, descobre os
meandros e as agruras das relações amorosa. A protagonista de Anzuategui, ao
mesmo tempo em que se distancia consideravelmente do modelo feminino
proposto pelos meios de comunicação, aproxima-se dolorosamente da realidade
ao vivenciar as situações conhecidas das meninas de hoje, tornando-se quase de
carne e osso. Nesse sentido, essa autora é mais ousada do que Ana Ferreira, por
fugir dos tabus (já virados clichês) sexuais pontuados em Amadora. Conforme
aponta Dalcastagnè:

Parece ser mais fácil atacar os tabus relacionados à sexualidade


feminina, o que já é feito, de algum modo, na mídia em geral, do
que representar, por exemplo, o sentimento de perda causado por
um aborto involuntário ou mesmo voluntário, bem como os riscos e
o estigma que pesa sobre aquelas que passaram pela experiência,
comum entre tantas mulheres. (DALCASTAGNÈ: 6)

Percebe-se que Anzuategui aborda questões mais marginalizadas da sexualidade


do que Ferreira, que apela para as situações mais corriqueiras e menos
embaraçadas, assemelhando-se ao discurso das revistas e dos programas
televisivos.
Como Ângela, Ju também aventura-se em encontros com desconhecidos,
porém, os resultados para ela são mais devastadores. A menina procura, ao
deixar-se ser penetrada, preencher um vazio existencial, mas essa tentativa acaba
sempre a frustrando. Há nesse livro um tom de melancolia, e a paulistana é
possuída por tipos abomináveis, como o velho que paga seu jantar – ao mesmo
tempo em que essa entrega é uma auto-penitência, Juliana parece cultivar uma
espécie de insensibilidade, tornando-se impassível a esses acontecimentos, como
se eles não pudessem tocá-la. Essa aparente indiferença, entretanto, quebra-se
quando a menina confessa sua solidão e seu tédio em relação ao mundo. As
experiências dela também são mais doídas que as de Ângela: ela sofre um aborto
e encara o sexo com uma pontada de desespero. Juliana admite que muitas vezes

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deitou-se com Tico por puro impulso e necessidade. Ela é desajustada à
sociedade, e busca no sexo uma inspiração para a vida e um meio para ser aceita,
para se encontrar. Quando descobre a paixão por Isabela, a obra ganha outro
ritmo e outra cor – a protagonista, enfim, intensifica-se, reagindo com uma emoção
ímpar a essa epifania. O lesbianismo, nesse sentido, “abre um espaço para a
realização pessoal e sexual da mulher, no qual a identificação com outro ser igual
torna possível a auto-integração do sujeito feminino”. (FERREIRA-PINTO,
1999:407)
O lesbianismo, tratado com muita delicadeza em Calcinha no varal, é
também apresentado em Amadora. O tema não é novidade na literatura brasileira
– o naturalista “O Cortiço” já traz um envolvimento entre duas mulheres, e
Cassandra Rios escancara essa forma de identidade em seus romances. Não há
estereotipagem no relato desses dois casos – há, antes, certa naturalidade.
Ambas as autoras narram com muita segurança o amor entre duas mulheres, e
tentam apresentá-lo com algum sentimento, ou seja, o romance não é apenas
uma experiência carnal, há também o aspecto afetivo. Essa representação ainda
não encontra espaço na mídia, que permite uma libido controlada, incentivando
certas práticas e recriminando outras, e, especialmente, julgando com assombro
manifestações de homossexualidade, estancando-a como uma categoria à parte.
A Revista Nova, por exemplo, dificilmente destina alguma matéria a meninas que
gostam de meninas, enquanto em Sex and the City, Samantha, a personagem
mais sexual, considerada, inclusive, promíscua por seu comportamento liberal,
mantém um relacionamento homossexual por três episódios na quarta temporada
(MESSA, 2007). Samantha, Juliana e Ângela são registros da “mulher
contemporânea”, que provam novas possibilidades (incluindo, aqui, os
envolvimentos homossexuais) e, com a abertura e exposição de sua sexualidade,
sente-se até impelida a testar limites, isto é, a desafiar a sociedade patriarcal
burguesa.

E todos viveram felizes para sempre...

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Ângela encara o sexo com naturalidade. Ela não precisa de apetrechos e
artifícios para se sentir feminina e sedutora. Despojada, em um dos episódios ela
comenta estar usando uma simplória calcinha azul, e não é uma refém de sua
imagem para hipnotizar os homens. O sexo, no livro, é abordado de forma menos
mecânica e artificial: as personagens seguem seus instintos, são atraídas pelo
cheiro, pelo clima, não precisam de super-produções para se entregar. Ela,
mesmo sabendo-se bonita, em momento algum se descreve fisicamente ou
menciona regimes e tratamentos estéticos. Sua atividade sexual e seu poder de
atração parecem descolados dos ditos ideais de beleza, independem do tamanho
dos seios ou da rigidez da barriga – apenas em um encontro com Luiz, ela relata
ter se perfumado e passado rímel. Esses valores eróticos sobrepostos aos valores
plásticos desdizem o teor geral das publicações femininas, em que maquiagens,
cirurgias e tratamentos são usados como fórmulas para se tornar mais irresistível
ao sexo oposto. Ângela é uma mulher que, em todas as relações, sente muito
prazer, e talvez desacorrentada de ideologias religiosas e preceitos morais
castradores, vive sua sexualidade de forma plena, colocando-se como prioridade.
Nas revistas femininas, o poder de atração da mulher vem sempre, mesmo que
sutilmente ligado à sua aparência – até por isso, as matérias destinadas à estética
usam como chamariz os homens que poderão ser conquistados com tal visual.
Há ainda nessas representações, mesmo que de intenção velada, uma
submissão da mulher em relação ao homem, subordinando o prazer daquela à
aprovação deste. O sexo continua visceralmente, segundo a ótica da cultura de
massa, ligado ao amor e a sentimentos. Por mais que se incentivem encontros
casuais, descompromissados, e esteja em alta divulgar esse tipo de prática, em
que nenhum laço afetivo ou vínculo se forma, ainda se prima pelo “fazer amor”.
Essa postura liberal é aprovada em momentos isolados, como um grito de
emancipação e uma prova que a mulher pode ter até os mesmo sentimentos que
o homem, mas, como normalidade, o esperado são relações estáveis,
monogâmicas, nas quais o sexo é um momento a mais para viver o amor. Arruda
Filho constata que:

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Uma parcela do imaginário feminino ainda está atrelada ao mito de
Cinderela: com os pés no século XXI e o coração no século XVIII,
essas mulheres sonham com o dia em que o “príncipe encantado”
vai superar as adversidades, matar o dragão, derrotar o vilão e
pedir em casamento a virgem desprotegida – ao fundo, uma
música orquestral acompanhará as palavras “The end”, que
encerram mais uma bela história de amor. (ARRUDA FILHO, 2006:
2)

Os meios de cultura de massa endossam essa mensagem, ainda que


maquiada, de que a real felicidade e completude feminina só é encontrada no
casamento. Não basta estar apenas acompanhada: a aliança ainda, para esses
veículos, é a jóia mais idílica com que as meninas podem sonhar. Isso é bastante
explícito em Sex and the City, conforme assegura o estudo de Messa (2007), e
embora a Revista Nova não faça menção direta ao casamento, visto seu público
alvo não ser mulheres casadas, suas reportagens insistem em pautas sobre como
conquistar um pretendente e nas artimanhas para se conseguir um
relacionamento estável. Ângela casou-se três vezes, mas não demonstra
preocupação com o termo. Ela, de fato, não passa longos períodos solteira, e
parece igualmente sentir um desespero, um vazio quando está sozinha. A
passagem do capítulo Furta-Cor é bastante significativa:

Vivi uma seqüência de decepções amorosas que deixaram o meu


coração em farrapos. Nada a ver com medo de amar, eu só estava
decidida a apagar os homens por um tempo, queria experimentar
uma solidão inédita... (FERREIRA, 2001: 119)

Essa sua postura confirma o paternalismo dominante na sociedade, cuja


ideologia vigorante é “ninguém pode ser feliz sozinho”, e a solteirice é só um
período. O amor, encarnado na figura do matrimônio, é pesado como uma
recompensa, como uma garantia do final feliz e o remédio para todos os
problemas existenciais.

Conclusão

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Na conta-capa, Amadora promete uma leitura incendiária, e com certa
petulância, desafia cânones da literatura erótica mundial, colocando-se mais
arrojada, atrevida e desvirtuada que autores como Henry Miller e Charles
Bukowski. Essa arrogância, entretanto, esvanece-se ao término do livro. Ângela,
de fato, é provocante, brinca e goza das delícias do sexo, extrapola limites, mas
não é maldita – é, antes de tudo, uma mulher apaixonada. A protagonista é
desatrelada do domínio masculino, e nesse ponto, a literatura consegue ser
acintosa e avançar nas fronteiras ainda mal-traçadas dos outros produtos
midiáticos: a personagem possui um erotismo próprio, inerente, sem depender de
um homem ou de fórmulas para desabrochá-lo, como impõem os outros meios
aqui analisados. Entretanto, o “happy end” ao lado do homem amado deixa ver
que Ângela se aproxima muito das mulheres fabricadas pelos outros veículos de
comunicação, já que “a busca pelo prazer, assim como seu poder de compra, são
uma espécie de resistência ao poder masculino, mas, por trás desta
independência e desprendimento, a mulher tem medo de ficar sozinha.” (MESSA,
2007:4) Ela gosta de sexo, vive sua sexualidade, mas o amor ainda sublima os
instintos carnais.
Amadora conta, sobretudo, uma história de amor, e os delírios sexuais da
protagonista são fulminados quando ela se aconchega nos braços do homem da
sua vida. A imagem de sexo descomprometido é, mais uma vez, subjugada ao
enlevo de um amor romântico, confirmando, por trás da aparência despojada e
independente, a espera pelo príncipe encantado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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