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O CAMINHO DA

RESTAURAÇÃO

Comentário de
Ageu e Zacarias

Thomas Tronco dos Santos

Copyright © 2016 Thomas Tronco dos Santos


All rights reserved.
ISBN-10: 1539548449
ISBN-13: 978-1539548447
Índice

Prefácio ............................................................................. 5
Introdução ............................................................................. 7
Comentário de Ageu
Cap. 1 ............................................................................. 13
Cap. 2 ............................................................................. 27
Comentário de Zacarias
Cap. 1 ............................................................................. 51
Cap. 2 ............................................................................. 69
Cap. 3 ............................................................................. 81
Cap. 4 ............................................................................. 89
Cap. 5 ............................................................................. 97
Cap. 6 ............................................................................. 109
Cap. 7 ............................................................................. 123
Cap. 8 ............................................................................. 135
Cap. 9 ............................................................................. 155
Cap. 10 ............................................................................. 171
Cap. 11 ............................................................................. 179
Cap. 12 ............................................................................. 191
Cap. 13 ............................................................................. 203
Cap. 14 ............................................................................. 211
Referências ............................................................................. 223
Prefácio

Ageu e Zacarias atuaram em uma época em que Judá reconstruía sua vida
depois de anos distante da terra natal. Ambos contribuíram para que os judeus
fossem encorajados e entendessem sua participação na história da redenção
de Deus. Esses dois grandes “pequenos” profetas de Israel, com suas
características diferentes (Ageu com mensagens diretas, e um arrependimento
rápido do povo; Zacarias com visões apocalípticas que apontam para tempos
futuros da salvação e juízo de Deus), têm muito a nos ensinar sobre
obediência, fidelidade e confiança na consumação perfeita do plano do
Senhor para a história.
Meu amigo, Thomas Tronco, apresenta neste comentário tanto uma
exposição exegética clara sobre esses dois profetas do período pós-exílico
quanto aplicações profundas e pertinentes para a igreja atual. Você encontrará
aqui o trabalho que é fruto de bastante pesquisa e informação (análise do
texto hebraico e consulta de muitas obras acadêmicas atuais), bem como de
um desejo ardente em transmitir com clareza a ideia do texto bíblico. Seu
propósito é tornar acessíveis informações importantes e essenciais para
aqueles que estudam Ageu e Zacarias com o propósito de ensinar em grupos
de estudo bíblico, classes de Escola Bíblica e outros tipos de reuniões em
igrejas e campus universitário. Também pode ser usado no estudo pessoal e
devocional.
O comentário segue o fluxo do texto e tem uma excelente organização para
o leitor que deseja consultar um trecho específico desses dois profetas.
Thomas está comprometido com uma interpretação literal do texto bíblico e
com a autoridade da Palavra de Deus, dois aspectos muitos positivos do
comentário. O primeiro nos ajuda a perceber como o plano de Deus para
Israel e a dinastia de Davi ainda aguardam um cumprimento futuro. O
segundo nos convida a uma compreensão da perfeição e capacidade de Deus
em cumprir suas promessas.
Minha oração é que este comentário desperte seu desejo em aprender mais
da Palavra de Deus e o ajude a entender questões complexas literárias e
culturais que deixam muitos leitores “com uma pulga atrás da orelha” quando
estudam esses dois Profetas Menores. A igreja brasileira será profundamente
abençoada por essa obra de um servo de Deus profundamente capaz e
seriamente comprometido com a Palavra de Deus e com o Deus da Palavra!

Tiago Abdalla
Professor da área de Hebraico e Antigo Testamento
do Seminário Bíblico Palavra da Vida
Pastor da Igreja Batista Nova Esperança
Introdução

Antes de abordar o texto bíblico de Ageu e Zacarias, é necessário que se


faça uma apresentação introdutória do contexto desses livros, o que faremos
de maneira sucinta e acessível, levando em conta o caráter desse trabalho.
Tanto Ageu como Zacarias iniciaram suas profecias na segunda metade do
ano 520 a.C., em Jerusalém. Ageu encerrou seus discursos antes do final
daquele ano, enquanto Zacarias atuou por mais dois anos. O fato de atuarem
concomitantemente faz com que também sejam citados juntos por Esdras, o
qual lhes conferiu o mesmo status e função (Ed 5.1; 6.14). Já Ageu ser citado
antes pode sugerir que ele fosse mais velho que Zacarias. Ageu também devia
ser mais conhecido, pois, enquanto Zacarias é apresentado por sua filiação —
“filho de Ido” (Ed 5.1), ou “neto de Ido” (Zc 1.1, “filho de Baraquias, filho de
Ido”) —, Ageu é simplesmente chamado “o profeta” (Ag 1.1, heb. hannavi’).
Quando esses profetas iniciam seus ministérios, pelo menos no que diz
respeito ao que foi registrado nas Escrituras, o povo de Judá havia voltado do
exílio na Babilônia. Ciro, que derrotou a Babilônia em 539 a.C., autorizou, no
ano seguinte, que os judeus voltassem ao seu país a fim de o repovoarem e
ordenou a reconstrução do templo (Ed 1.1-4), devolvendo os utensílios
sagrados e determinando que os judeus fossem assistidos em tudo pelos
povos que os cercavam.[1] Em 537 a.C., cerca de 50 mil pessoas
empreenderam a jornada da Babilônia até a Judeia (Ed 2.64,65). Tendo se
estabelecido na terra, reergueram o altar, reinstituindo assim os sacrifícios,
sete meses após sua chegada (Ed 3.1-7). Após um período de preparação, que
envolvia a busca de madeiras no Líbano, em maio/junho de 536 a.C.[2] a
obra de reconstrução foi iniciada com grandes e divergentes emoções (Ed
3.8-13). Por diversas razões que serão tratadas adiante, depois de algum
tempo a obra parou.
No ano 520 a.C., a construção já estava parada havia cerca de dezesseis
anos. A negligência do povo, deixando a construção praticamente no alicerce
por uma década e meia era algo inesperado para as cerca de 50 mil pessoas
que retornaram do exílio, já que seu ânimo e os sentimentos nacionalista e
religioso eram substanciais. Entretanto, devido a problemas nascido no
desânimo dos antigos, no egoísmo e desejo materialista, no desprezo da
mensagem da restauração futura e na falta de familiaridade com o templo por
parte daqueles que nasceram na Babilônia,[3] a chama em seus corações,
vista claramente no início da obra, foi perdendo o brilho até que se apagou.
Apesar de Deus não ter feito questão de uma “casa” quando Davi se propôs
construí-la, explicando ao rei de Israel que ele não tinha necessidade de uma
habitação física (2Sm 7), no período pós-exílico, ou seja, depois do retorno do
povo da Babilônia, o Senhor não apenas exigiu a construção do templo como
também exortou e puniu o povo de Judá por negligenciá-la. É quando surgem
Ageu a Zacarias pregando e exortando os judeus a valorizar a casa do Senhor
e se empenhar na reconstrução.
Nesse sentido, há uma grande diferença entre a abordagem do templo pelos
profetas pré-exílicos e pelos profetas pós-exílicos. Os profetas pré-exílicos
anunciavam o juízo, inclusive sobre a capital, Jerusalém, afirmando que Deus
faria com que o templo fosse destruído (Jr 26.18 cf. Mq 3.12). Naqueles dias,
o povo se apegava justamente à esperança de que o templo, por marcar a
presença de Deus entre a nação, seria a causa de Jerusalém resistir a qualquer
ataque. O profeta Jeremias revela a valorização supersticiosa dos judeus em
relação ao santuário afirmando que eles se negavam a dar ouvido aos avisos
proféticos, dizendo entre si: “Este é o templo do Senhor, o templo do Senhor,
o templo do Senhor!” (Jr 7.4b).
Curiosamente, a Jerusalém pós-exílica pensava o oposto, desvalorizando o
templo, sem fazer questão de reedificá-lo. Desse modo, em vez de anunciar a
destruição do templo, os profetas Ageu e Zacarias trabalharam no sentido de
animar e encorajar o povo à sua construção, apontando as consequências da
negligência, os benefícios da obediência e as esperanças escatológicas ligadas
à existência daquela casa. Segue abaixo um quadro sobre as datas
identificáveis nos livros dos dois profetas.[4]

Ageu Zacarias
29 de agosto de 520 1.1
21 de setembro de 1.15
520
17 de outubro de 520 2.1
Outubro ou 1.1
novembro de 520
18 de dezembro de 2.10,18,20
520
15 de fevereiro de 1.7
519
7 de dezembro de 7.1
518

Uma parte notável na mensagem de Ageu e Zacarias — e de outros profetas


— é o papel do templo como peça fundamental da esperança messiânica e de
restauração (Is 2.2,3; Mq 4.1,2). Ezequiel 37, enfatizando a restauração de
Israel como um só reino e povo, debaixo do governo do descendente de Davi
e em obediência e santidade, tinha o templo com um fator integrante e
fundamental: “Minha morada estará com eles; eu serei o seu Deus, e eles
serão o meu povo. Então, quando o meu santuário estiver entre eles para
sempre, as nações saberão que eu, o Senhor, santifico Israel” (Ez 37.27,28).
Assim, com o conhecimento escatológico que eles tinham na época, sabiam
que precisavam do templo reconstruído por três razões: aguardar o Messias,
se preparar para a restauração ampla da nação e promover a glória de Deus. A
negligência com a obra do santuário afetava frontalmente esses três objetivos
e os fazia andar longe das ordens e dos objetivos do Senhor, demonstrando
descaso com a revelação de Deus e com as esperanças graciosamente
concedidas a eles.
Felizmente, o ministério de Ageu e Zacarias, pela graça de Deus, foi bem
sucedido. Por causa das suas exortações, a obra recomeçou (Ed 5.1,2), mas
não sem enfrentar novamente oposição externa (Ed 5.3). O que os inimigos
dos judeus não esperavam era que o imperador Dario Hystapes, avisado por
eles da obra, mandasse procurar e encontrasse o decreto no qual Ciro
ordenava a reconstrução do templo com os custos a serem pagos pelo Estado
(Ed 6.1-5). Assim, Dario confirmou aquele decreto sob pena de morte para
quem o descumprisse (Ed 6.6-12) e a obra foi concluída em 12 de março de
515 a.C. (Es 6.15), quatro anos e meio após o reinício das obras. A diferença
de tempo entre essa obra e a de Salomão que, apesar de ter muito mais gente
e recursos, levou sete anos e meio para ser concluída, se deve ao fato de que
os alicerces do primeiro templo foram reaproveitados na segunda construção.
[5]
Diante disso tudo, não é difícil notar as diferenças e semelhanças entre o
povo judeu daqueles dias e a igreja de hoje. No campo das diferenças estão as
previsões da aliança mosaica sobre o tratamento de Israel diante da
obediência ou da rebeldia em um sistema de recompensa e castigo[6] (Lv 26;
Dt 28), algo que não se aplica à igreja na forma de um acordo entre duas
partes, e também a detalhes da esperança escatológica que, no caso de Israel,
não envolve apenas restauração espiritual, mas também nacional. Entre as
semelhanças estão o desejo de Deus de ser obedecido e honrado por seus
servos, as dificuldades que os homens têm nesse campo devido ao egoísmo e
orgulho e, ainda, as consequências de se manter rebelde e apático diante da
obra do Senhor.
Esses livros nos chamam a olhar para o passado de Israel e da igreja, avaliar
nossos impulsos e nosso comprometimento com Deus e com suas orientações
e, finalmente, vislumbrar o futuro com esperança tal que produza fidelidade a
Deus digna dos cidadãos da pátria celestial. Também apontam para a
exclusividade do caminho de acesso à comunhão com Deus, no passado pelo
sangue de animais oferecido em fé no templo e no presente por meio do
sangue de Cristo (Hb 10.19-23).[7] Por isso, mais que nunca é importante e
relevante para os servos de Deus dar ouvidos ao que o Senhor revelou e
ensinou por meio de Ageu e Zacarias.
Comentário de
Ageu
AGEU 1.1-6
Um Povo Inerte e Sofredor

O livro de Ageu, como é costume da maioria dos livros proféticos, inicia


identificando o autor e a ocasião (v.1): “No segundo ano do rei Dario, no
sexto mês, no primeiro dia do mês, veio a palavra do Senhor por meio do
profeta Ageu a Zorobabel, filho de Sealtiel, governador de Judá, e ao
sumo sacerdote Josué, filho de Jeozadaque, dizendo”. Há nesse texto um
modo formal de se referir a cada um como sendo pessoas únicas em suas
funções: “Dario, o rei”, “Ageu, o profeta”, “Zorobabel, governador de Judá”
e “Josué, [...] o sumo sacerdote”. Nenhum desses personagens era novo ou
desconhecido dos judeus. No caso do seu governador e do sumo sacerdote,
além do rei do Império Medo Persa, não é de admirar que fossem bem
conhecidos entre o povo. Mas quando Ageu é tratado do mesmo modo, sendo
denominado “o profeta”, isso nos sugere que ele era bastante conhecido e
respeitado em seus dias. Talvez até já tivesse uma carreira profética, apesar
de só conhecermos os fatos ligados aos acontecimentos da reconstrução do
templo (Ed 5.1; 6.14) a partir do ano 520 a.C., o “segundo ano do rei Dario”.
[8] A função profética de Ageu era amplamente reconhecida e a ele era
reputado o título de “mensageiro do Senhor” (v.13). Como mensageiro, ele
dirige suas palavras ao governador e ao sumo sacerdote, líderes do país
renascido, tendo como alvo final toda a população. O início dessa mensagem
traz à atenção de todos um sistema de “ação e reação”: o descaso dos judeus
com o templo do Senhor e a consequente carestia que vinham sofrendo.
Em primeiro lugar, o profeta, em nome do Senhor, aponta o erro do povo
com um tom muito claro de repreensão (v.2): “Assim diz o Senhor: Este
povo tem dito: ‘Não chegou o tempo de a casa do Senhor ser edificada’”.
A fórmula “assim diz o Senhor” marca os pronunciamentos dos mensageiros
do Senhor desde Moisés (Êx 4.22; 5.1) e Josué (Js 7.13; 24.2), passando
pelos profetas pré-monárquicos (Jz 6.8; 1Sm 2.27; 15.1,2), pré-clássicos
(2Sm 7.3; 1Rs 11.30,31; 13.2; 20.17-19; 2Rs 3.15-17), até os profetas
clássicos pré-exílicos e exílicos (Is 7.7; Jr 2.2; Ez 3.27; Am 1.3; Ob 1; Mq
2.3). Esse é, também, o modo como os profetas pós-exílicos apresentam as
palavras de Deus aos homens (Ag 2.11; Zc 1.3). Com isso, Deus também
quebrou um silêncio profético que marcava esses dias.[9] Tendo usado a
fórmula que, além de tradicional, tinha em si um peso muito grande e
conferia um caráter temível à mensagem, Ageu revela o problema: o templo
não fora construído e o povo não estava se importando com isso. Apesar de a
construção ter sido iniciada, ela ficou somente nos alicerces (Ed 3.10).
Contudo, o altar estava pronto e em pleno uso (Ed 3.2), o que, com o tempo,
passou a bastar para os moradores de Jerusalém. Diante do desânimo e da
oposição que os judeus receberam ao se lançarem à obra do templo, eles
desistiram de prosseguir e se convenceram de que não era em seus dias que a
edificação seria concluída.
As razões para isso são complexas, mas podem ser rascunhadas. Uma
dessas razões foi o desânimo que os atacou em duas frentes. A primeira é
que, apesar da grande exultação que sentiram no início da obra (Ed 3.11), a
alegria não era geral. Os judeus idosos que conheceram o primeiro templo,
em vez de se alegrarem pela reconstrução, ficaram a lamentar (Ed 3.12) —
nesse texto, a interpretação do significado do choro em alta voz deve recair
sobre uma profunda tristeza e não como um simples choro de alegria, já que a
parte final do texto contrasta a atitude dos idosos com a alegria do povo (ver
também Ed 3.13). Mas por que esses idosos estariam tristes? É possível que,
não obstante buscarem reconstruir sobre os antigos alicerces ainda sob o solo,
fosse possível antever a diferença de riqueza que haveria entre as duas
versões do edifício (Ag 2.3). Talvez, nem fosse possível fazer tal previsão e
eles simplesmente estivessem sendo pessimistas. O fato é que isso pode ter se
tornado um fardo para quem estava trabalhando a grandes custos, sabendo
que nos dias de Salomão havia muito mais riquezas e trabalhadores que em
seus dias.[10] A segunda frente do desânimo veio de inimigos
samaritanos[11] que, preteridos no trabalho de reconstrução (Ed 4.1-3), se
dispuseram a pagar quem trabalhasse ativamente para desanimar os
construtores (Ed 4.4,5). Esses inimigos se empenharam ainda mais e os
acusaram diante das autoridades, salpicando sua acusação com mentiras e
sagacidade, até que a obra fosse embargada (Ed 4.6,12,13,23,24). Mesmo
havendo recursos para a população lutar por seu direito, já que o imperador
Ciro havia permitido e ordenado a obra (Ed 1.2), chegou uma hora em que o
desânimo foi mais forte que o desejo e a responsabilidade de ver o templo de
pé.
A segunda razão de a obra ter parado é que, além de desânimo, o povo
passou a nutrir um sentimento egoísta e materialista (vv.3,4): “Mas veio a
palavra do Senhor por meio do profeta Ageu, dizendo: ‘É tempo de vós
morardes em vossas casas luxuosas enquanto esta casa está
arruinada?’”. O paradoxo era evidente: a casa de Deus abandonada e as
casas da população — ou pelo menos da aristocracia de Jerusalém —
recobertas de belezas e cheias de luxo. É também notável a ironia e a
reprovação nas palavras de Deus ao contrapor o dizer dos judeus (v.2) “não
chegou o tempo de a casa do Senhor ser edificada” com a pergunta (v.4) “é
tempo de vós morardes em vossas casas luxuosas?”. Essa pergunta, de
natureza retórica, devia ser respondida com um sonoro “não”.[12] Mas,
infelizmente, era exatamente o que vinha ocorrendo. O que aqui é traduzido
como “casas luxuosas” quer literalmente dizer casas “cobertas”, “revestidas”
ou “apaineladas”. Essa era uma característica do templo construído por
Salomão (1Rs 6.9) e de casas dignas da nobreza (1Rs 7.7) e da aristocracia
(Jr 22.13-15), os qual eram “cobertos” ou “revestidos” de cedro. Pois era
assim que os judeus queriam viver e vinham investindo seus recursos e
esforços. Não há nada errado em alguém desejar e trabalhar para melhorar
sua casa e dar mais conforto à sua família. Entretanto, isso estava
acontecendo em prejuízo do templo do Senhor, o qual estava “arruinado” —
a palavra assim traduzida também quer dizer “não construído”. Assim, o
egoísmo materialista dos judeus desses dias, desejando o bem para si ao
passo que desprezavam a casa do Senhor e o culto, constitui-se em uma das
razões para que a obra estivesse parada havia uma década e meia.
Mas quem pensa que os judeus estavam vivendo bem, se engana. Suas casas
luxuosas destoavam dos seus campos e celeiros empobrecidos. Por isso, Deus
os chama a avaliarem seus procedimentos e os efeitos do desprezo para com a
edificação do santuário (v.5): “Agora, porém, assim diz o Senhor dos
Exércitos: ‘Ponhais vossa consciência sobre os vossos caminhos’”. Esse é
um modo de dizer: “Avaliem cuidadosamente o que vocês têm feito e quais
têm sido os resultados das suas ações”. Por si só esse chamado era suficiente
para eles compreenderem o que o Senhor queria dizer. Entretanto, para que
ninguém se fizesse de desentendido, a lista das consequências é declarada
como se fosse uma sentença (v.6): “Vós tendes semeado muito, mas colhido
pouco. Comeis, mas não vos fartais. Bebeis, mas não ficais alegres. Vesti-
vos, mas não vos aqueceis. E o assalariado põe o pagamento em uma bolsa
furada”. Em resumo, seus investimentos agropecuários estavam fracassados e
deixando-os na carestia. A comida não podia saciá-los, pois as colheitas
decepcionavam os produtores devido à seca enviada por Deus (cf. vv.10,11).
A bebida, provavelmente vinho, era tão pouca que seu efeito de alegrar (Pv
31.6,7) — literalmente “embriagar” — nem era sentido. A produção de
roupas, cuja matéria-prima podia ser de origem animal ou vegetal (Pv 31.13),
também foi afetada e eles careciam de vestes e coberturas contra o frio. Por
fim, a pouca oferta de produtos básicos no comércio e, consequentemente, a
grande procura, elevou os preços de mercado a ponto de o dinheiro dos
assalariados acabar rapidamente, como se estivesse caindo de um saco
furado. Tratava-se do oposto da opulência que eles tanto queriam.
Infelizmente, essa triste história não costuma andar tão longe da igreja atual
como desejaríamos. Em primeiro lugar, é possível notar o desânimo tomando
conta de crentes que antes eram dedicados, fervorosos e tremendamente
interessados pela Palavra de Deus e pela causa do mestre. Contudo, com o
passar do tempo, as dificuldades da vida cotidiana, desânimo transmitido por
pessoas de dentro e de fora do corpo de Cristo, intrigas entre irmãos e
perseguição do mundo acabam por abalar a firmeza da fé e da comunhão com
Deus, esfriando o amor pelo Salvador e por sua igreja. Ao mesmo tempo que
isso ocorre, o amor pelo mundo cresce e traz um grande perigo de
afastamento e rebeldia, conforme testemunhou o apóstolo Paulo na vida de
um servo que fora dedicado e ativo: “Porque Demas, tendo amado o presente
século, me abandonou e se foi para Tessalônica” (2Tm 4.10a). Por outro lado,
ainda que os termos do nosso relacionamento com Deus tenham algumas
diferenças entre os da aliança mosaica feita com Israel, é possível notar as
consequências que muitos crentes sofrem por conta do abandono e do
descaso para com o Senhor (Hb 10.25) na forma da disciplina como de um
pai para o filho (Hb 12.7,8). Apesar do lado positivo da correção paternal (Hb
12.6), o escritor bíblico é claro ao dizer que ela, assim como a repreensão de
um pai, ainda que produza um resultado positivo (Hb 12.11b), também
produz dor e tristeza: “Toda disciplina, com efeito, no momento não parece
ser motivo de alegria, mas de tristeza” (Hb 12.11a).
Enfim, o risco e as consequências do desânimo e do apego ao mundo devem
nos fazer avaliar nossos caminhos e nos levar ao arrependimento de toda
rebeldia e desvio dos caminhos de Deus. Além disso, devem nos levar ao
temor de Deus — algo de que a igreja moderna parece ter se esquecido — e
ao amor crescente por nosso salvador e pelo povo que, por sua graça, ele tem
unido em um só corpo.
AGEU 1.7-11
A Bifurcação da Obediência e da Rebeldia

Depois de introduzir o discurso aos judeus, apontando-lhes a dupla


condição desfavorável, a apatia e o sofrimento, o profeta Ageu continua seu
pronunciamento acrescentando novos vislumbres do quadro teológico e
prático daquela situação. Com exceção da primeira palavra hebraica, ausente
no v.7, o profeta repete o que disse no v.5, no sentido de o povo avaliar os
acontecimentos ao seu redor (v.7): “Assim diz o Senhor dos exércitos:
‘Ponhais vossa consciência sobre os vossos caminhos’”. Na primeira vez
que Ageu disse essa frase, ele só colocou diante dos judeus as consequências
ruins decorrentes das suas más ações na forma do egoísmo que os levou a
negligenciar a casa de Deus. Entretanto, ao dar sequência a essa ideia, ele
agora aponta dois rumos, como se o povo estivesse diante de uma bifurcação
e precisasse escolher que caminho seguir e em que destino chegar.
A bifurcação na estrada da história dos israelitas daqueles dias era a
seguinte: duas possibilidades de o povo agir — obediência ou rebeldia — e as
consequências, opostas entre si, mas compatíveis com as atitudes que os
judeus mantivessem. Essas determinações não são exclusivas ou de autoria de
Ageu. Na verdade, o profeta apenas interpreta e aplica algo que a nação de
Israel já tinha havia quase mil anos: as bênçãos e maldições da aliança
mosaica (Lv 26; Dt 28).[13] Esses termos previam que, caso o povo de Israel
desse ouvidos ao Senhor e guardasse os estatutos da aliança, Deus os
abençoaria com prosperidade e paz na terra de Canaã (Lv 26.3-13; Dt 28.1-
14). Por outro lado, se fossem rebeldes e resistentes ao controle divino,
seriam alvo de severa punição (Lv 26.14-39; Dt 28.15-68) envolvendo fome,
seca, doenças, infertilidade e guerras, podendo chegar até ao ponto de serem
exilados — o que realmente ocorreu com a geração anterior. O que vem a
seguir (vv.8-11) é o desdobramento desse acordo entre Deus e a nação.
A primeira estrada que nasce da bifurcação das ações diante de Deus é a
obediência (v.8): “Subi vós ao monte, trazei madeira e edificai a casa.
Então, eu me deleitarei nela e me cobrirei de glória — diz o Senhor”. Isso
dito após o chamado à reflexão contido no versículo anterior quer dizer que
eles não deviam considerar apenas o que estava acontecendo por causa da
desobediência, mas também o que deveria ocorrer no caso de serem fiéis e
dedicados. Trata-se de um olhar para o passado a fim de transformar o
comportamento no futuro.[14] Deve-se notar os três imperativos (jussivos,
em hebraico) que surgem na primeira parte do versículo, decorrentes das
ações de “subir”, “trazer” e “edificar”. São ações que exigem esforço,
dedicação e paciência, algo que nunca seria realizado por mero impulso, mas
por deliberada e consciente obediência. A ordem é subir aos montes e buscar
madeira para a construção — a região montanhosa de Canaã era marcada pela
presença de árvores. Não há ordens para que se busquem pedras porque,
provavelmente, as do antigo templo ainda estavam no local da destruição.
Obviamente, organizar grandes comitivas para cortar madeira e fazer um
difícil transporte exigiria um comprometimento incompatível com o egoísmo
daqueles dias. Em outras palavras, eles teriam de abandonar suas próprias
obras domésticas e se empenhar na obra do templo.
Entretanto, esse esforço teria compensações. Em primeiro lugar, o Senhor
garante que se alegraria. Essa é uma menção simples, mas com sentido
teológico significativo e consequências práticas incalculáveis. Nesse caso, a
obediência do povo seria uma dessas alegrias e estaria de acordo com a
aliança feita com o povo que deixou o Egito, garantindo também a eles as
bênçãos da aliança — isso não é declarado aqui, mas é claramente implícito e
posto em contraposição à punição que vinham recebendo. Contudo, se essas
bênçãos são implícitas, Deus afirma explicitamente que seu deleite seria na
casa em si — “eu me deleitarei nela”. Isso leva à segunda compensação do
trabalho que seria a restauração da glória de Deus no meio de Israel, pelo que
o Senhor diz “me cobrirei de glória”, indicando uma ação a que Deus se
propôs realizar.[15] Apesar de esse tema ser trabalhado mais à frente, o
Senhor desejava que o reerguimento da sua casa atestasse às nações que ele é
um Deus que não perde batalhas e nem abandona seu povo e, de igual modo,
que produzisse, entre os judeus, temor por seu nome e esperança de uma
restauração completa no futuro em lugar da esperança frustrada no presente
(v.9).[16] No presente, isso também se daria pela ação contrária ao que
ocorreu antes da queda de Jerusalém e da destruição do templo em 587 a.C.,
quando a glória do Senhor, que havia enchido o tabernáculo no Sinai (Êx
40.34-38) e o templo de Salomão (1Rs 8.10,11), deixou o edifício e pousou
sobre o Monte das Oliveiras — “o monte que está ao oriente da cidade” (Ez
11.23) —, marcando assim a rejeição e punição divina (Ez 10.18,19 cf.
11.22,23). Essa foi a necessária preparação para que Deus entregasse
voluntariamente o templo a fim de ser destruído sem que houvesse razões
justas para que alguém pensasse que ele podia ser vencido por homens.
Porém, agora, com a lição aplicada, assim que se terminasse a reconstrução, o
Senhor encheria o santuário novamente com sua glória (Ag 2.6-9).
A segunda estrada nascida da mesma bifurcação é a rebeldia. Para essa
opção, também há tristes consequências previstas na aliança, pelo que o
Senhor lhes diz (v.9a): “Vós esperais a abundância, mas eis que obtendes
pouco. O que trouxestes para casa, eu o assoprei” — síntese da ideia
exposta no v.6. A primeira palavra do versículo quer dizer, literalmente,
“virar a cabeça” ou “olhar para”. Assim, é possível que a plantação, quando
vista por eles em seu processo de desenvolvimento, os tenha animado e feito
esperar uma colheita farta.[17] Contudo, a falta de chuva afetou o
amadurecimento dos grãos e frutos, prejudicando seriamente a colheita. A
segunda parte é enfática em apontar a causa do sofrimento, fazendo-o por
meio de uma pergunta e resposta (v.9b): “‘Por que?’ — declara o Senhor
dos exércitos. Por causa da minha casa, a qual está arruinada enquanto
cada um de vós se apressa por sua própria casa”. O contexto demonstra
que se trata de uma pergunta de natureza retórica que reforça a declaração de
Deus a respeito do pecado do povo, de modo que o verbo “declarar”, como é
dito no texto original, transmite a seriedade dessas palavras e confere temor
diante da repreensão. Outra coisa a se obversar é que a ideia de “se apressar”
indica tanto a prioridade que os judeus davam às suas casas como o grande
esforço e dedicação que eles empreendiam nelas. Em outras palavras, Deus
diz que o povo merecia o que estava passando por não honrá-lo e por
priorizarem a beleza das suas casas enquanto a construção do templo estava
vergonhosamente abandonada na altura dos alicerces ou, no máximo, nas
primeiras fileiras de pedras acima do solo.
Desse modo, a consequência era óbvia (v.10): “Por isso, sobre vós os céus
retiveram a chuva e a terra reteve a colheita”. Apesar de céus e terra
surgirem aqui como agentes das ações de reter os recursos necessários, fica
claro, principalmente diante do versículo seguinte, que era Deus o agente da
ausência de chuvas e da pequena colheita (v.11): “Pois eu chamei a seca
sobre a terra, sobre os montes, sobre o cereal, sobre o vinho, sobre o
azeite, sobre o que cresce do solo, sobre os homens, sobre os animais e
sobre todo o trabalho das mãos”. O acréscimo dos diversos setores
prejudicados com a falta de chuva não era necessário. Dizer apenas “eu
chamei a seca sobre a terra” bastava. Contudo, o Senhor quis apontar o
tamanho do prejuízo e da carestia que os desobedientes vinham enfrentando,
seja nas diversas produções agrícolas e pecuárias e até no próprio
abastecimento de água, tão necessário aos homens. Sendo assim, não havia
espaço para um “plano B”. A consequência era ampla e convincente no
sentido de chamá-los à reflexão e mudança de rumo (vv.5,7). Joyce Baldwin
observa a ironia nas palavras de Deus com intenção didática e punitiva ao
fazer um trocadilho com a palavra “seca” (horev), no v.11, e a palavra
“arruinado” (harev), nos vv.4,9.[18] A ideia é: “Vocês deixaram meu templo
‘arruinado’ e eu deixei vocês sob uma terrível ‘seca’” — algo bem
compatível com as maldições da aliança (Dt 28.23,24). Agora, pesava a
decisão dos judeus sobre que caminho seguir nessa bifurcação e que
consequências receber. Era, para eles, a “hora da verdade”.
Pelo menos duas lições sobre tais princípios devem surgir na mente dos
crentes de hoje ao verem o modo de Deus tratar os rebeldes. Em primeiro
lugar, lembrar que o Senhor bem sabe retribuir o esforço e o descaso dos
servos. Isso não acontece com prejuízo da sua graça e misericórdia no
relacionamento com seu povo — a igreja foi salva sem merecimento algum,
gratuitamente, e a misericórdia do Senhor o impede de nos consumir tão logo
o tenhamos desrespeitado e obedecido (Lm 3.22). Entretanto, foi dito à igreja
de Cristo: “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo que o
homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7). A segunda lição é sobre o
peso da “colheita” da desobediência. Apesar de vir do Deus amoroso e
misericordioso, o autor de Hebreus declara: “Horrenda coisa é cair nas mãos
do Deus vivo” (Hb 10.31). Para o crente que quiser se eximir de tais palavras,
argumentando que elas dizem respeito apenas aos incrédulos, o texto
precedente encerra a questão: “Porque bem conhecemos aquele que disse:
minha é a vingança, eu darei a recompensa, diz o Senhor. E outra vez: o
Senhor julgará o seu povo” (Hb 10.30). De que alertas mais nós precisamos
para repensar nossos caminhos e escolher a direção correta diante da
bifurcação da obediência e da rebeldia?

AGEU 1.12-15
Como Reagir a uma Exortação
A repreensão de Ageu ao povo de Jerusalém foi severa, não por causa de
palavras duras, mas em decorrência da dura realidade que eles estavam
enfrentando ao serem disciplinados por Deus com seca e carestia. Entretanto,
não é sempre que a consequências de um erro são suficientes para
desencorajar seu abandono. Nesse caso, felizmente, as consequências
negativas, interpretadas pelas palavras do profeta, foram o bastante e uma
mudança diametral se deu no meio de Judá. Essa seção se inicia com uma
frase que pode surpreender os leitores do Antigo Testamento tão acostumados
com as respostas negativas às palavras de Deus e dos seus profetas (v.12):
“Então, Zorobabel, filho de Sealtiel, e o sumo sacerdote Josué, filho de
Jeozadaque, e todo o restante do povo deram ouvidos à voz do Senhor,
seu Deus, e às palavras do profeta Ageu conforme lhe ordenou o Senhor,
seu Deus. Assim, o povo temeu diante do Senhor”. Apesar de simples, essa
frase contém muitos significados importantes.
O primeiro deles é que a palavra hebraica para “restante” (she’erît) é usada
de pelos profetas como designação teológica dos sobreviventes de Israel que
continuam a história depois de o Senhor os ter abatido por meio da Assíria e
da Babilônia,[19] um povo de número bastante reduzido se comparado com o
que havia antes do exílio e com a população trasladada para a Mesopotâmia.
[20] Assim, o texto não aponta apenas a totalidade de uma população, mas
para um grupo personalizado, com sua história marcada por sofrimento,
mortes e exílio, que tinha agora uma nova chance de fazer o que era certo
perante seu Deus. Por isso, pode-se perceber que essa reação unânime foi
mais que o efeito a um comando eficaz. Tratou-se da decisão coletiva de
pessoas arrependidas de seus erros e desejosas que viver as bênçãos vindas
do Senhor amoroso que os dirigia. O segundo é a repetição da expressão “seu
Deus” ou “o Deus deles” (’elohêhem) — duas vezes no v.12 e uma vez no
v.14. Apesar de parecer uma referência óbvia para a Israel, os israelitas
rebeldes do passado, desejosos de seguir seus próprios caminhos e não os do
Senhor, negaram-se a se arrepender e o Senhor os nomeou Lo-Ami (Os 1.9)
— “não é meu povo” —, e anunciou sua rejeição irrevogável que redundaria
em juízo e exílio (Jr 15.1). A repetição aqui de “seu Deus” marca
indubitavelmente o sentido oposto do tratamento passado do Senhor para
com o povo.
Feitas essas observações, é possível notar três atitudes positivas, dignas de
servos verdadeiros, presentes na reação dos judeus à exortação de Ageu. A
primeira é descrita na ação “deram ouvidos”. O sentido disso é mais que a
ação de apenas escutar uma pessoa dizer algo, mas de desenvolver uma
verdadeira obediência que, nesse caso, é marcada pela unanimidade: “todo o
restante do povo”. O texto também não deixa dúvidas sobre quem eles
obedeceram, dizendo claramente: “à voz do Senhor”. E isso não é tudo, pois
eles também deram ouvidos “às palavras do profeta Ageu”. Em outras
ocasiões, os profetas eram ouvidos e recebiam aprovação apenas de um
pequeno grupo dentre a nação, enquanto eram rejeitados e perseguidos pelos
demais. Entretanto, a sujeição obediente dos judeus ao Senhor foi tão
marcante e sincera que vemos o profeta Ageu receber reconhecimento de
todos como um enviado do Senhor.[21] A segunda reação à exortação
encerra o v.12 e é descrita como temor: “o povo temeu diante do Senhor”.
Apesar de parecer se tratar de uma consequência natural à atitude obediente
— ou sua própria causadora, por medo de o juízo prosseguir —, ela traz uma
ideia solene e reverente de adoração ao Deus supremo e soberano. Isso fica
claro ao fazerem-no na presença de Deus ou “diante do Senhor”. O povo
entendeu seu erro e seu afastamento de Deus e corrigiu completa e
profundamente o que o desagradava.
Cronologicamente, o v.12 é seguido dos vv.14,15, de modo que o v.13 é
uma digressão ou uma prévia do que virá no capítulo seguinte. Apesar de não
haver qualquer prejuízo em se aguardar alguns versículos para registrar seu
segundo discurso, parece que Ageu não quis, contudo, deixar escapar a
pronta resposta de Deus diante do arrependimento e da resposta positiva do
povo à exortação (v.13): “Então, Ageu, o enviado do Senhor, transmitiu ao
povo a mensagem do Senhor: ‘Eu estou convosco’, declara o Senhor”.
Esse resumo da segunda mensagem do profeta (Ag 2.1-9) está contido em Ag
2.4 e foi pronunciado três semanas após o reinício das obras (vv.14,15 cf. 2.1)
— não se pode descartar, contudo, a possibilidade de ser esse, apesar de
curto, o segundo pronunciamento de Ageu, enquanto o de Ag 2.1-9 seria o
terceiro, o que não é muito defendido. Independente da data do discurso, o
fato é que o Senhor se agradou da obediência e do temor demonstrado pelo
povo e voltou a se relacionar com eles sendo “seu Deus”, depois de
sarcasticamente os chamar de “este povo” quando os repreendeu no início do
livro (v.2).[22]
O v.14 traz mais uma das reações dos judeus de Jerusalém à exortação de
Ageu, mas não sem antes apresentar um vislumbre da soberania graciosa de
Deus por trás dos atos corretos e honrados dos seus servos (v.14): “Assim, o
Senhor impeliu o espírito de Zorobabel, filho de Sealtiel, governador de
Judá, e o espírito do sumo sacerdote Josué, filho de Jeozadaque, e o
espírito de todo o restante do povo, de modo que eles vieram e se
dedicaram ao trabalho na casa do Senhor dos exércitos, seu Deus”. A
atuação silenciosa do Senhor de impelir o espírito do povo todo,[23] desde os
líderes até os menores da nação, surge como fator transformador do coração e
do “espírito” daqueles homens. Entretanto, de um modo comovente, Deus
não tira o valor das ações dos servos, ainda que ele mesmo as tenha impelido.
Ao contrário, ele se mostra satisfeito e disposto a abençoá-los (v.13) por sua
obediência e temor (v.12) e pela terceira reação diante da exortação, o
trabalho, já que é dito que “eles vieram e se dedicaram ao trabalho”. A apatia
e o comodismo dentro dos lares confortáveis foram abandonadas e as pessoas
foram ao templo, pondo-se a trabalhar com empenho e convicção. A
repetição da formula que engloba todo o povo e da expressão “seu Deus” põe
em evidência o tamanho do movimento iniciado em Jerusalém e até o ânimo
decidido e unânime dos participantes da obra da casa do Senhor dos
exércitos.
O último versículo do capítulo registra a data do reinício da construção do
templo (v.15): “No vigésimo quarto dia do sexto mês do segundo ano do
rei Dario”. Como o primeiro discurso de Ageu teve lugar 23 dias antes da
retomada da obra, há quem considere esse prazo um tempo alongado que
eventualmente refletiria a incerteza do povo em mudar de atitude e em se
envolver no trabalho. Contudo, dado os enormes planejamentos, preparativos
e organização logística para um empreendimento desse porte, principalmente
quando era justamente a época da colheita,[24] tais dias devem ser encarados
como um período breve que demonstra determinação, prontidão,
compromisso e abnegação. Eles poderiam ter adiado a retomada da obra ou
encontrado desculpas — algumas certamente muito boas — para continuar
sem um templo. O fato de não o fazerem revela que a obediência, o temor e o
trabalho não eram fruto de interesses pessoais, mas de uma grande contrição
e transformação impelida pelo próprio Deus soberano e glorioso.
A igreja de hoje precisa, sob a graça e a atuação do soberano Senhor, imitar
as reações dos judeus dos dias de Ageu diante das exortações bíblicas. Em
lugar disso, o que se testemunha são ações como desobediência e
desvalorização das Escrituras, abertura para filosofias, doutrinas e práticas
agradáveis aos perdidos e àqueles que se enamoram do sistema mundano,
relutância diante do dever de exercer a disciplina eclesiástica, amor ao
dinheiro, status e poder, perda da identidade de um povo santo e separado ao
Senhor e rejeição e rotulação de pastores e líderes bíblicos que exortam
segundo o Senhor ordena. Talvez também precisemos da repreensão de Deus
como dada a Judá seguida da ação de impelir o nosso espírito. Como tais
atitudes cabem à exclusiva vontade, plano e domínio de Deus, a parte que
cabe à igreja de Cristo é, com coração contrito e sincero, ouvir as palavras do
Senhor e se dedicar a obedecer, temer e trabalhar para o “seu Deus”.
AGEU 2.1-5
Perseverança em Tempos de Desânimo

O segundo capítulo de Ageu nos coloca diante de um quadro bem diferente


daquele que vimos no início do livro, no qual os moradores de Judá, movidos
por um egoísmo materialista e inércia de uma década e meia, não viam
problemas em permanecer sem o templo do Senhor e a glória que ele
representava. Entretanto, depois de exortados, eles se voltaram a Deus e
reiniciaram a obra. O capítulo 2 surge quase um mês depois de os judeus se
porem ao trabalho (v.1): “No vigésimo primeiro dia do sétimo mês, veio a
palavra do Senhor por meio do profeta Ageu, dizendo”. Esse dia, o
vigésimo primeiro de Tishri, coincidia com o sétimo dia da Festa dos
Tabernáculos (Nm 29.12,32-34) e com o aniversário de 440 anos do término
da primeira construção do templo pelo rei Salomão[25] — ele começou a
reinar em 971 a.C. e iniciou as obras do templo no quarto ano do seu reinado
(1Rs 6.1), em 967 a.C., levando sete anos para concluí-lo, em 960 a.C., o
undécimo ano de governo (1Rs 6.38).
Assim, o dia descrito no v.1, que, no calendário moderno, é 17 de outubro
de 520 a.C., deveria ser um dia muito alegre e festivo, mas não foi. Ao
contrário, foi ocasião de lembranças difíceis de encarar, de carestia em
tempos que deveriam ser marcados pela abundância e da sensação de
incapacidade e desânimo que poderiam novamente jogá-los na inércia na qual
estiveram imersos nos últimos quinze anos. Os prospectos negativos dos
anciões de Jerusalém — com respeito ao resultado final da obra, em
comparação com o templo antigo (v.3) — e a pouca comida que tinham a
oferecer e com que se alegrar na festa que celebrava a colheita devem ter sido
motivos de grande desânimo para o povo. O futuro parecia bastante difícil.
As incertezas e temores se espalharam pelo coração do povo — este, aliás,
teria pela frente uma jornada dura e longa. Talvez até já houvesse começado
comentários como “nunca conseguiremos terminar essa obra com tão pouca
gente”, “de que adianta construir um templo que não será nada comparado ao
de Salomão?” ou “nós aqui nos esforçando e investindo nossos recursos
enquanto nossos celeiros estão vazios”.
Por essa razão, o Senhor mais uma vez se dirigiu ao povo por meio de Ageu
(v.2): “Fala agora a Zorobabel, filho de Sealtiel, governador de Judá, e
ao sumo sacerdote Josué, filho de Jeozadaque, e ao restante do povo,
dizendo”. Esse texto demonstra que a mensagem foi endereçada ao povo de
Judá como um todo. Entretanto, há partes da mensagem que atingem melhor
certos grupos. O teor desse discurso visava ao encorajamento diante do
desânimo gerado por condições adversas durante o trabalho, diferente do
primeiro que trazia repreensão pelo erro, vergonha pelo fracasso e a
necessidade de uma transformação total. Com a intenção de encorajar, o
Senhor se dirige a dois grupos: os velhos demais para trabalhar, mas cujas
palavras agiam tanto quanto os braços dos operários, e os mais jovens que
tinham as condições e a responsabilidade de trabalhar diretamente na
edificação do templo, mas que estavam passando por um momento de
dificuldade e desânimo.
Assim, o primeiro grupo é o de anciões, os quais eram velhos demais para
trabalhar por já estarem vivos antes de o templo ser destruído pelo exército de
Nabucodonosor 67 anos antes. Tais homens tinham pelo menos algo em
torno de setenta anos de idade. O grande problema é que, apesar de a maioria
desses homens não estar envolvida diretamente na construção, suas palavras
desanimadoras e pessimistas estavam abalando todo o grupo de
trabalhadores. A eles Deus diz (v.3): “Quem há dentre vós, o
remanescente, que viu esta casa em sua primeira glória? Como ela lhes
parece agora? Acaso não é como se fosse nada diante dos vossos olhos?”.
“Primeira glória” pode também ser traduzida e interpretada como “antiga
glória”. A palavra traduzida como “nada” tem o sentido triste de uma
nulidade como se não houvesse na construção qualquer traço de glória. É
claro que não havia glória em uma construção abandonada ao nível dos seus
alicerces, mas não é essa a questão. Desde que as fundações foram lançadas,
os antigos moradores de Jerusalém — o grupo a quem é dirigido o v.3 —, que
viram o templo construído por Salomão, já se haviam lançado ao choro
antevendo o resultado final da obra, mostrando que sua tristeza não se devia
ao presente, mas ao futuro.
O pessimismo não vinha do fato de o templo ainda não estar construído,
mas de os anciões do povo acharem ser impossível fazer uma construção do
mesmo tamanho, de não poderem contratar trabalhadores especializados de
fora de Israel, nem tampouco forrar o interior do tempo com ouro (1Rs
6.21,22).[26] Por isso, apesar de o início de uma edificação trazer alegria e
ânimo, os anciões de Judá acharam que seria impossível restabelecer a glória
da primeira construção e, por isso, passaram a desprezar a segunda. Deve-se
lembrar que, quando esse sentimento surgiu uma década e meia antes, a obra
foi abandonada e isso poderia se repetir agora. Uma nova onda de
reclamações, lamentos e críticas contra a construção seria um grande risco à
sua continuidade. Assim, tendo chamado a atenção de tais homens
desanimados e desanimadores do povo — o fato de dizer que eles tinham o
novo templo como “nada” era em si uma reprimenda convincente —, o
Senhor lhes muda o ânimo por meio de promessas (vv.6-9) para lhes dar
esperança e impedir que atrapalhassem a obra.
O segundo grupo que recebe a atenção e o encorajamento de Deus são os
trabalhadores, desde os organizadores até os operários. A eles a ordem é bem
clara: “Sê forte!” (v.4a): “Mas agora, sê forte, ó Zorobabel — declara o
Senhor. E sê forte, ó sumo sacerdote Josué, filho de Jeozadaque. E sê
forte, ó todo povo da terra — declara o Senhor”. Essa mesma ordem se
repete no Antigo Testamento em circunstâncias em que o tamanho da obra
supera a força do servo. Exemplos disso são Josué, na missão de substituir
Moisés e introduzir Israel na terra da promessa (Dt 31.23; Js 1.6,9), e
Salomão, na função real de dirigir a nação e de construir o templo (1Cr
22.13; 28.20). Os judeus tinham um novo desafio tão difícil quanto o dos
servos do passado, com a diferença de contarem com muito menos gente que
Josué e Salomão. Certamente, Deus sabia que eles precisavam desse
encorajamento para serem fortes e não lhes negou isso.
Algo interessante de se notar nas ordens de ser forte ao longo do Antigo
Testamento é que sua tônica nunca é “sê forte, pois tu és capaz”, mas “sê
forte, pois o Senhor está contigo”. Aqui não é diferente (v.4b): “E trabalhai,
pois eu estou convosco — declara o Senhor dos exércitos”. A presença de
Deus com os judeus era a razão de se manterem fortes. Por isso, faz sentido a
ordem de se empenharem no trabalho, o qual não é especificado literalmente,
mas subentende-se ser especificamente o trabalho da reconstrução do templo.
[27] Sem a ação soberana de Deus guiando, capacitando, provendo e
protegendo, tais orientações teriam o mesmo peso de técnicas de autoajuda
ou de discursos meramente retóricos. Longe disso, a certeza da presença e do
auxílio de Deus vinha de duas fontes (v.5): “Esta é a aliança que fiz
convosco quando saístes do Egito e o meu Espírito permanece entre vós.
Não temais!’”. O v.5 contém um texto de difícil tradução, mas duas coisas
ficam patentes: a aliança feita por Deus no passado e sua presença entre o
povo no presente. Na aliança feita no Sinai e repetida na Transjordânia depois
de quatro décadas, o Senhor se comprometeu a habitar no meio do povo e
guiá-lo. Assim, a garantia da presença contínua do Senhor e de seu espírito
com eles era o cumprimento do pacto feito com a nação no êxodo.[28] Como
a palavra que o Senhor empenha não falha e sua presença declarada por Ageu
comprovava isso, o povo podia se fortalecer, se dedicar ao trabalho e
abandonar os temores.
A igreja também conhece esse encorajamento produzido pela presença do
nosso Senhor. Em situações aterrorizantes como uma tempestade se abatendo
sobre um barquinho, a presença de Jesus conferiu coragem e determinação e,
ao mesmo tempo, reduziu o medo, simplesmente dizendo: “Coragem! Sou
eu! Não tenham medo!” (Mc 6.50).[29] Fora do barquinho galileu, Jesus
Cristo diz à igreja: “E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”
(Mt 28.20b). É claro que para essa verdade nos tocar tão profundamente
quanto é necessário, é preciso que os desanimadores do povo de Deus se
calem. Não me refiro a gente de fora da igreja, mas de dentro. Murmuradores,
pessimistas e críticos mal-humorados tiram a coragem do restante do corpo
de Cristo e os ajuda e se tornarem letárgicos. Não obstante, Jesus, além de
garantir sua presença para nos encorajar, também anunciou a presença do
Espírito de Deus entre os seus: “Quando vier o Conselheiro, que eu enviarei a
vocês da parte do Pai, o Espírito da verdade que provém do Pai, ele
testemunhará a meu respeito. E vocês também testemunharão, pois estão
comigo desde o princípio” (Jo 15.26,27). Quão importante e significativa é a
presença do Senhor amoroso e soberano conosco! Por isso, também podemos
hoje, em tempos de dificuldades e desânimo, atender à ordem: “Sê forte e
trabalhai, pois eu estou convosco”.

AGEU 2.6-9
A Glória do Senhor Deus

A primeira parte do segundo capítulo de Ageu demonstra a disposição


mental marcada pelo desânimo que se espalhava entre os judeus diante do
enorme projeto de reconstrução da casa do Senhor e das óbvias barreiras e
limitações que tinham diante de si. Naquele trecho, Deus revela tais
problemas ao povo e o fortalece incentivando a trabalhar com fidelidade, sem
se esquecer da aliança feita no passado. Os vv.6-9 são a continuação dessa
mensagem, porém, olhando agora para o futuro iminente e o futuro
escatológico. Se o Senhor reafirmou sua aliança na primeira parte do segundo
discurso de Ageu, ele acrescenta algumas promessas na segunda parte
condizentes com suas predições mais antigas, exemplificando o que
conhecemos como “revelação progressiva” — significa que Deus foi
acrescentando mais e mais informações a respeito dos seus planos à medida
que enviou servos para pregar e registrar seus ensinos ao longo da história até
completar o cânon.
Desse modo, a predição de Deus aponta para uma ação de grande porte
vinda da sua soberania sobre tudo que existe e acontece (v.6): “Pois assim
diz o Senhor dos exércitos: ‘Dentro de pouco tempo, hei de agitar os
céus, a terra, o mar e a superfície terrestre’”. Esse é o único texto de Ageu
citado no Novo Testamento (Hb 12.26), mas o uso do autor de Hebreus não
ajuda a interpretação da ideia do profeta tanto quanto gostaríamos, já que ele
tem outro tempo e aplicação em mente. Assim, voltando nossos olhos para o
contexto do período pós-exílico, quando se diz “dentro de pouco tempo”, isso
condiz com o fato de o Senhor ter com efeito providenciado naqueles dias a
autorização imperial e os recursos do Estado persa para o término da
construção. Entretanto, não se pode desprezar a possibilidade de o texto
querer dizer “em pouco tempo”, tendo relação com o modo como Deus agiria
— rápido — e não exatamente quanto tempo depois tais eventos ocorreriam.
[30] Na verdade, fica presente uma ideia muito forte de um evento iminente,
ou seja, a ocorrer a qualquer momento no decorrer da história.[31] Isso é
importante porque a descrição que vem a seguir, do que Deus faria, parece
suceder os eventos daqueles dias e abranger o mundo todo em uma data
futura e com implicações além da construção em si. De qualquer modo, fica
claro que aquilo que os judeus não podiam obter para a reconstrução, Deus
lhes daria. Quando o Senhor diz “hei de agitar”, o sentido literal disso é o de
catástrofes naturais como furacões, terremotos e maremotos. Entretanto,
ainda que a Bíblia fale sobre eventos como esses, os resultados descritos nos
versículos seguintes apontam para um uso figurado da agitação que Deus
produziria, em sentido político, militar e até espiritual.
Dando sequência à figura de tremores em todas as esferas do planeta, o
Senhor aplica agora a mesma ideia a um contexto de caráter econômico e
multinacional (v.7): “Eu farei tremer todas as nações. As riquezas de
todas as nações virão e eu encherei esta casa de glória — diz o Senhor
dos exércitos”. O significado iminente desse texto se cumpriu quando os
inimigos dos judeus tentaram deter a reconstrução denunciando-os por um
falso e inexistente movimento de insubordinação (Ed 5.6-17). Ao contrário
do que eles esperavam, o imperador Dario Hystapes, ao ser consultado sobre
o assunto, encontrou o decreto de Ciro sobre a reconstrução do templo do
Senhor e não apenas a autorizou, como também decretou que fossem
concedidos aos judeus os materiais e fundos necessários, recursos esses
retirados dos cofres imperiais (Ed 6.1-12). O texto de Jeremias 51.29 é um
exemplo de que esse controle de Deus sobre os destinos, decisões e políticas
das nações é descrito em termos figurados como um “estremecimento de
terra”.[32]
Entretanto, à luz das Escrituras, esse fato contemporâneo de Ageu parece
não esgotar o significado desses versículos. O quadro pintado é mais amplo.
Em primeiro lugar, o alvo da ação divina é “todas as nações” e não apenas o
Império Medo Persa. Em segundo, a descrição de um abalo de céus, terra e
mar, provavelmente mais em sentido figurado que literal, introduz a ideia de
uma intervenção bem mais impactante que a simples aprovação e subsídio da
obra do templo. Sendo assim e levando em conta o fato de o Senhor garantir
a confirmação da sua glória no e perante o mundo, essa declaração constitui
uma parte importante da esperança messiânica, algo que é um tema
fundamental dos livros de Ageu e Zacarias. Vale lembrar que as promessas
sobre a vinda e o domínio do Messias, “estremecendo” o poder das nações (Is
60.12), também envolvem eventos de abalos literais sobre todas as partes do
planeta, dando vivacidade e amplitude muito grandes em relação ao
significado e implicações dos dizeres de Ageu nesse discurso.
O resultado da ação de Deus descrita no início do v.7 é que “as riquezas de
todas as nações virão”. Primariamente, vemos Deus cumprir esse dito
levantando recursos do Estado para fazer o que aqueles reconstrutores
estavam perdendo a esperança de conseguir. De modo maior, aguardamos o
dia em que as nações virão à Jerusalém aprender do Senhor e lhe prestar culto
(Mq 4.1-3), inclusive com ofertas de grande valor (Is 60.9). Em uma posição
intermediária na história, está a reforma promovida pelo rei Herodes, o
grande, que tornou o templo um lugar de beleza e riquezas que
impressionavam os visitantes (Mc 13.1; Lc 21.5) e também impressionaria
muito os trabalhadores desanimados e desesperançados dos dias de Ageu. Em
consequência disso tudo, a segunda parte do resultado é a emblemática
declaração “e eu encherei esta casa de glória”. Uma vertente dessa afirmação
certamente tem a ver com a qualidade e majestade da construção, pelo que
Deus garante o suprimento financeiro por ser ele mesmo o dono das riquezas
(v.8): “Minha é a prata e meu é o ouro — declara o Senhor dos
exércitos”. Que ninguém se engane com essa simples afirmação de posse,
pois ela é também a garantia de que tais recursos seriam empregados na
construção do templo.
Por outro lado, a glória prometida assume um caráter superior ao dos
elementos da construção, correspondendo às esperanças nacionais e religiosas
que Israel nutria desde muito tempo antes (v.9): “Grande será a glória desta
segunda casa, mais que a primeira — diz o Senhor dos exércitos —, e
neste lugar eu porei a paz — declara o Senhor dos exércitos”. Quando a
glória do templo é associada à ideia de paz, percebe-se que o assunto
transcende o campo da engenharia e da arquitetura. Inevitavelmente, o
sentido da glória recai sobre a experiência israelita de ver o tabernáculo
recém-construído no Sinai ser cheio pela presença gloriosa de Deus (Êx
40.34-38). Como o assunto é o templo e há uma referência ao primeiro deles,
também nos lembramos da mesma experiência na consagração do edifício
construído por Salomão (1Rs 8.10,11). Esse conceito da glória do Senhor,
identificado com o termo “shekinâ” — derivado do verbo hebraico “shakan”,
que significa “instalar-se” ou “habitar” —, aponta para o resplendor e a
presença permanente de Deus habitando entre seu povo.[33] Assim, há uma
reafirmação de que a habitação de Deus entre seu povo se tornaria marcante e
mais intensa que antes, condizendo com a aguardada promessa da vinda do
Messias (Is 40.3-5; 60.1-3), o maior adorno possível e imaginável para a casa
do Senhor (Mt 12.6).[34] Com sua vinda a Jerusalém para reinar sobre Israel
e submeter as nações, certamente a glória de Deus se fará bem mais presente
e visível que por meio da nuvem que encheu o tabernáculo/templo.
Quando isso acontecer, eventos políticos, jurídicos e religiosos serão
sentidos e farão jus à declaração “e nesse lugar eu porei a paz”. Essa
afirmação tem um caráter duplo: o de dar paz a Jerusalém e seus habitantes
(Is 60.18) e de conceder paz às nações a partir de Jerusalém (Is 2.2-4).
Ambos os eventos estão ligados à ação escatológica da presença de Deus por
meio do Messias, o Senhor Jesus Cristo, o “príncipe da paz” (Is 9.6)[35] na
cidade de Jerusalém, cujo significado é “herança de paz” ou “habitação da
paz”.[36] Por isso, os judeus podiam trabalhar com coragem no templo, pois
ele em nada perderia para o anterior. Ele seria forrado de prata e ouro como o
primeiro e receberia a presença gloriosa de Jesus, tanto em seu ministério de
“servo sofredor” como de “rei glorioso”. Essa presença de Jesus no templo se
dá em duas construções diferentes, já que o templo em que ele esteve em seu
ministério terreno foi destruído pelos romanos no ano 70, ao passo que sua
segunda entrada nele se dará em um templo a ser ainda edificado (Ez 40—
48). Não obstante, nota-se, pelo uso da expressão “esta segunda casa”, a ideia
de continuidade do templo pós-exílico, ainda que seja construído duas vezes,
mostrando que a ideia da presença e da glória de Deus supera os elementos
da construção em si.[37]
A importância desse texto transcende seu uso como motivador da
reconstrução dos dias de Ageu. Ultrapassa, também, a esfera nacional
judaica, estendendo-se a todos os servos de Deus de todos os lugares e
tempos, incluindo a igreja de Cristo da atualidade. As razões são várias. A
primeira é que o texto nos descortina o grande poder de Deus para comandar
as nações e sua soberania sobre os rumos da história, o que deve nos encher
de toda confiança no seu controle. Isso, obviamente, muda o nosso modo de
ver a igreja em seus objetivos, parâmetros e negócios, já que não depende de
nós, mas de Deus, o suprimento e as direções que ela tem diante de si. A
segunda razão é que nos garante a segunda vinda do Senhor Jesus Cristo
como rei, salvador, juiz e libertador, cuja ação se dará sobre Israel e sobre
todas as nações do mundo, produzindo paz e justiça, o que deve nos encher
da esperança de ver cumpridas todas essas promessas. Isso, graças ao bom
Deus, nos fortalece e ajuda a continuar servindo o Senhor com fidelidade
quando as lutas e dificuldades se abatem sobre o povo de Deus e sobre a
igreja de Cristo. Sabendo onde essa jornada irá terminar, nós podemos
continuar firmes na esperança de ver o dia em que luta alguma permanecerá
diante dos salvos pela fé em Cristo. Quanto ao tempo presente, nossa
confiança e esperança também estão nas palavras do fundador, protetor e
libertador do seu povo: “... edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não
poderão vencê-la” (Mt 16.18b).

AGEU 2.10-19
A Grande Virada
O terceiro discurso de Ageu aconteceu no dia 18 de dezembro de 520 a.C.
(v.10): “No vigésimo quarto dia do nono mês do segundo ano de Dario,
veio a palavra do Senhor por meio do profeta Ageu, dizendo”. Essa
introdução posiciona tal sermão quase quatro meses após o primeiro discurso
de Ageu, três meses após o início da reconstrução e dois meses depois do
discurso de encorajamento com a promessa da glória do segundo templo.
Esse discurso também foi proferido cerca de um mês e meio depois do início
do ministério do profeta Zacarias (Zc 1.1). Olhando para essas datas e para os
pronunciamentos proféticos ocorridos, pode-se perceber que toda a direção
necessária no que tange à retomada da edificação do templo já havia sido
concedida pelo Senhor por meio dos seus servos. Entretanto, Deus não queria
transformação apenas no que se referia à existência do templo em Jerusalém.
Seu objetivo era bem maior, pelo que esse sermão visava a promover duas
grandes viradas na condição de vida dos judeus daqueles dias. Uma delas
relativa ao relacionamento com Deus, e outra, ao sustento que buscavam da
terra. Uma dessas viradas devia ser promovida por eles mesmos, em
obediência a Deus, e a outra, pelo Senhor, mudando o modo de tratar seu
povo.
O discurso inicia com perguntas que têm a clara intenção de usar as
próprias palavras dos ouvintes como repreensão e ensino. Apesar de a
audiência ser geral, as perguntas são dirigidas aos sacerdotes mostrando que
o campo de atuação deles — o culto a Deus e os estatutos da aliança — seria
o tema abordado (v.11): “Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Pergunta aos
sacerdotes o que diz a lei’”. A partir daqui, duas perguntas hipotéticas são
lançadas e suas respostas, coletadas para uso na argumentação adiante (v.14).
A primeira questão trata da santidade da oferta de carne segundo as
prescrições da lei (v.12): “‘Se alguém levar carne santificada na borda da
sua roupa e tal borda tocar no pão, no alimento cozido, no vinho, no
azeite, ou em qualquer alimento, ele estará santificado?’. Os sacerdotes
responderam: ‘Não!’”. Há aqui um tipo de pegadinha, pois a lei informava
que o que era santo também santificava tudo aquilo em que tocasse (Êx
29.37; Ez 44.19).[38] No caso específico da carne oferecida a Deus, a lei
dizia: “Tudo o que tocar na carne se tornará santo” (Lv 6.27a). Porém, o
quadro é mais complexo, pois, na questão hipotética de Ageu, a carne
santificaria a borda da roupa, na qual ela tocaria diretamente, e não os outros
alimentos citados, nos quais o toque não era direto. A questão é: a carne santa
santifica o que ela tocar; mas, sem um toque direto, a santificação não é
indiretamente retransmitida a outros. Por isso, quando Ageu pergunta “ele
estará santificado?”, o objeto do pronome “ele” é a expressão “qualquer
alimento”. A intenção parece ser aclarar o fato de que a presença de Deus
entre eles, santificando-os e abençoando-os, necessitava da existência do
templo, sem o qual, os benefícios da aliança lhes estavam vetados. Não
bastava estar na cidade santa, ou ser o povo escolhido. Eles tinham de estar
ligados diretamente ao Senhor em obediência e temor, o que seria externado
pelo seu interesse e execução da reconstrução da casa de Deus.
A segunda questão envolve a impureza ritual, abarcando o outro extremo
em relação ao versículo anterior (v.13): “Então, disse Ageu: ‘Se alguém,
que ficou impuro por encostar em um cadáver, tocar alguma dessas
coisas, tornar-se-á ela impura?’. Os sacerdotes responderam: ‘Tornar-
se-á impura!’”. Se a transmissão da santidade exigia condições especiais, a
transmissão da impureza ocorria com extrema facilidade de um para outro.
Várias coisas podiam tornar alguém ritualmente impuro em Israel,
impossibilitando-o de prestar culto a Deus no local devido e até de
permanecer no arraial israelita. Dentre elas estava a ação de tocar em um
cadáver (Nm 19.11). A hipótese de Ageu visava a uma realidade presente que
parece ser o fato de que o templo em ruínas parecia jazer como um cadáver
no meio da cidade, tornando-os impuros diante de Deus.[39] Por isso, o
profeta completa a ideia aplicando as conclusões aos judeus (v.14): “Então,
Ageu respondeu: ‘Assim é este povo e assim é esta nação diante de mim’
— declara o Senhor. ‘E assim são todas as obras das suas mãos e as
coisas que eles ali apresentam: são impuras’”. Novamente Deus se refere
ao povo de Judá como “este povo”, demonstrando seu tom de desaprovação
com respeito ao modo como se comportaram até que os buscou por meio de
Ageu em Zacarias. A frase, como um todo, revela a dupla realidade da
condição dos judeus que, por um lado, eram o povo escolhido e santificado
pelo Senhor, e, por outro, a nação que havia se tornado impura pelo pecado,
infidelidade e descaso para com Deus. “Assim é este povo” traça um paralelo
entre as duas perguntas e a condição dos judeus: eles não estavam
santificados por causa da ausência do templo e encontravam-se impuros pela
convivência aceitável como um cadáver simbólico na figura do templo em
ruínas. Apesar de terem voltado à terra santa e à santa cidade, o fato é que
eles se encontravam impuros por causa da desobediência, o que se revertia
também sobre “as obras das suas mãos” em termos de colheitas insuficientes
e de pobreza.[40]
Assim como nos casos previstos pela lei, a condição dos judeus da
Jerusalém pós-exílica tinha consequências (v.15): “Mas agora, deste dia em
diante, ponhais a vossa consciência sobre [o tempo] antes de colocardes
pedra sobre pedra no templo do Senhor”. Deus ordena ao povo que olhe
para trás e avalie o período antes do reinício da construção do templo. A
partir desse versículo, o tempo é algo muito importante e definido no texto
por causa das grandes mudanças que ocorreriam. Isso porque a pobreza e a
fartura tinham relação direta com o modo de agir dos israelitas em relação a
Deus e com o modo de o Senhor dispor da disciplina e da graça em relação
ao povo. Sem delongas, Deus lhes explica (v.16): “Antes daquele tempo,
quando alguém vinha para colher vinte feixes, só havia dez. Quando
alguém vinha ao lagar para produzir cinquenta medidas de vinho, só
obtinha vinte”. O Senhor lhes chama a atenção para o fato de que, por muito
tempo, eles vinham produzindo menos do que esperavam e do que
necessitavam para uma subsistência tranquila e aprazível. Ao associar essa
condição com o tempo “antes de colocardes pedra sobre pedra”, ele cria uma
relação de causa e efeito em que a carestia se devia à negligência quanto à
restauração do templo.
Isso se deu foi pelo envio de agentes naturais que frustraram os trabalhos na
lavoura (v.17): “Eu vos feri com pragas, com ferrugem e com granizo em
todas as obras das vossas mãos e nenhum de vós voltou a mim — declara
o Senhor”. O v.17 é uma citação adaptada dos dizeres do profeta Amós três
séculos antes: “‘Muitas vezes castiguei os seus jardins e as suas vinhas,
castiguei-os com pragas e ferrugem. Gafanhotos devoraram as suas figueiras
e as suas oliveiras, e ainda assim vocês não se voltaram para mim’, declara o
Senhor” (Am 4.9). A citação não visa apenas a mostrar a repetição dos
infortúnios, mas também a intervenção de Deus.[41] A disciplina divina
estava se repetindo porque, em ambos os casos, o povo agiu igual, sem
qualquer arrependimento — “nenhum de vós voltou a mim” —, revelando a
obstinação nos pecados de desobediência e negligência. Não é sem razão que
eles atravessavam dias tão difíceis e amargos.
Algo que não é declarado abertamente, mas que é claro como o dia, é a
condicionalidade. Fica evidente, diante da referida relação de causa e efeito
que, caso o povo se arrependesse, voltando-se a Deus em obediência, temor e
honra, sua nova condição espiritual produziria também uma nova condição
social segundo os parâmetros da lei (Lv 26; Dt 28). Por isso, depois de
descortinar a situação passada, Deus os traz a uma análise do presente (v.18):
“Deste dia em diante, o vigésimo quarto dia do nono mês, ponhais a
vossa consciência sobre [o tempo] desde o dia em que lançastes os
fundamentos do templo do Senhor. Ponhais a vossa consciência”. É
preciso, em primeiro lugar, determinar o momento que o profeta tem em
mente ao se referir ao “dia em que lançastes os fundamentos”. O início do
trabalho nos alicerces aconteceu alguns meses após o primeiro retorno de
judeus da Babilônia, doze anos antes do ministério de Ageu (Ed 3.10).[42]
Entretanto, a menção do v.18 tem relação com o reinício do trabalho a partir
dos fundamentos, já que a antiga obra não havia deslanchado. Basta notar que
todo o contexto trata de realidades mais imediatas. Assim, o período que está
em relevo envolve os últimos três meses, desde que voltaram à reconstrução.
A análise é clara e simples (v.19a): “Ainda há grãos no celeiro? Nem a
videira, ou a figueira, ou a romãzeira, ou a oliveira deram ainda frutos”.
A pergunta é meramente retórica, pois eles não tinham mais nada em seus
celeiros por terem tomado os últimos grãos a fim de os plantar, aproveitando
o período de chuvas, na esperança de obterem logo o tão necessário alimento.
Por outro lado, suas outras produções ainda aguardavam para dar a safra
anual. Em resumo, eles tinham investido tudo que possuíam e ainda não
tinham obtido o retorno. Ao dizer isso, talvez alguns judeus pensassem: “Que
bom que o Senhor tocou nesse ponto, pois já voltamos ao trabalho e até agora
nada aconteceu. Cadê a ‘causa e efeito’?”. Diante disso, o Senhor oferece a
eles a “grande virada” (v.19b): “Mas a partir deste dia eu vos abençoarei”.
A consequência é que os judeus, vítimas da infertilidade, seca, pragas e
carestia até então, teriam uma colheita inesquecível nesse ano, a qual
reverteria diametralmente as dificuldades que eles vinham enfrentando. A
“grande virada” em termos de relacionamento com Deus, marcada por
arrependimento e obediência, ia se encontrar com a “grande virada”
socioeconômica cuja causa era a graça de Deus e seu cuidado para com seu
povo amado e fiel. Com base nessa experiência, podemos até arriscar dizer
que sempre que a fidelidade dos servos se encontra com a imerecida graça de
Deus, há grandes mudanças.
Essa é uma lição muito atual. A igreja deve refletir em duas realidades
ligadas ao seu culto a Deus. A primeira é “o que ela está oferecendo a
Deus?”. A segunda é “como ela está oferecendo a Deus?”. A desobediência
às orientações divinas não são prerrogativas exclusivas do povo de Israel do
Antigo Testamento. Da mesma forma que aconteceu a eles, Deus não é
obrigado a receber um culto falho e manchado pelo mundanismo, egoísmo e
hipocrisia de pessoas mais ligadas aos próprios interesses que às orientações
reveladas nas Escrituras. E pode haver, ainda hoje, uma relação de causa e
efeito, ligada aos preceitos santos de Deus de obediência, temor e honra, que
torne crentes relapsos alvos do tratamento disciplinar do Senhor, motivo pelo
qual eles também devem “pôr sua consciência” nisso tudo. Outra lição que se
deve aprender é que é mais fácil ser acometido pela impureza do mundo que
pela santidade de Deus. A transmissão da impureza necessita de condições
mínimas como a simples negligência ou descaso por Deus, por sua palavra e
por sua vontade. Já a santidade exige determinação pessoal, disposição de
coração e dependência de Deus.
Olhando para tudo isso e fazendo uma análise pessoal, tentando identificar
as relações de causa e efeito no relacionamento com o Senhor — obviamente,
dosadas por sua graça —, o povo de Deus deve ter como objetivo vivenciar
uma “grande virada” na sua sujeição e adoração a Deus. Que o
arrependimento verdadeiro, o perdão genuíno, a santidade e a fidelidade
marquem a virada do nosso modo de servir a Deus! E que a graça
maravilhosa do nosso Salvador seja visível e marque a virada da nossa
existência nesse mundo, até que a morte ou o arrebatamento marquem a
“grande virada” da nossa condição mortal de pecadores para a condição
plenamente redimida da vida eterna!

AGEU 2.20-23
Tomando Parte na História da Redenção

O último parágrafo de Ageu contém o quarto sermão do profeta. Assim


como nos outros, ele começa com a data (v.20): “Veio novamente a palavra
do Senhor a Ageu, no vigésimo quarto dia do mês, dizendo”. O termo
traduzido como “novamente” quer, literalmente, dizer “segunda [vez]”
(shenît), dado ao fato de que essa mensagem veio em 18 de dezembro de 520
a.C., exatamente no mesmo dia do discurso anterior (vv.10-19). O v.20 data o
sermão no vigésimo quarto dia, porém não cita o “nono mês”, mas “do mês”,
mostrando se tratar de uma continuidade do que começou no v.10. Assim,
podemos esperar que os dois discursos, ainda que tratem de assuntos
diferentes — ou complementares —, compartilhem o mesmo propósito e
aplicação diante da nação cuja responsabilidade era grande e cuja
participação no plano de Deus era importante. A diferença marcante entre os
dois sermões é que, enquanto o primeiro trata das bênçãos de Deus no tempo
presente — que, para eles, se daria em termos de produção agrícola favorável
e permissão e subsídios imperiais para o término da reconstrução do templo
—, nesse sermão o assunto tem relação com as bênçãos futuras a serem
promovidas pelo Messias, tanto na nação israelita como em todo mundo. A
similaridade das duas mensagens, por sua vez, está no fato de ambas
proverem Israel de esperança e encorajamento para servir ao Senhor sabendo
que um dia receberiam tudo que lhes fora prometido.
Algo novo nessa mensagem é o destinatário. Enquanto outros discursos são
endereçados às lideranças e ao povo, esse enfoca uma pessoa apenas (v.21):
“Fala a Zorobabel, governador de Judá, dizendo: ‘Eu hei de agitar os
céus e a terra’”. A mensagem é dirigida a Zorobabel. Entretanto, não
devemos entender que se tratasse de uma mensagem só para ele ouvir, como
algo secreto. Basta notar que a mensagem foi registrada no livro de Ageu para
ser lida por todos, com um caráter de mensagem pública. Assim, Zorobabel é
o destinatário dos dizeres do Senhor pela função que ele ocupa na mensagem
e na esperança que a profecia produziria em todo o povo. Quanto ao teor, o
início da mensagem traz a repetição de um trecho do v.6: “Eu hei de agitar os
céus e a terra”. Com isso, o Senhor associa essa mensagem ao segundo
discurso de Ageu no qual ele garantiu que o segundo templo seria marcado
por uma glória maior que a do primeiro, ideia que assume características
messiânicas na esperança judaica. Pois é exatamente isso que o Senhor
aborda e produz no último discurso do profeta.
Se o segundo discurso tinha uma aplicação contemporânea a Zorobabel e
Ageu — no sentido de Deus prover as riquezas e recursos necessários para o
término da construção — e uma aplicação futura — de natureza messiânica
—, o último discurso assume um caráter puramente futuro ao descrever
eventos que não ocorreram nos dias da composição do livro. O caráter
mundial e radical das ações divinas previstas aqui volta nossos olhos para os
eventos escatológicos (v.22): “Eu tombarei o trono dos reinos e destruirei
o poder dos reinos das nações. Eu tombarei o carro e o seu condutor. Os
cavalos e seus cavaleiros cairão, cada um pela espada do seu irmão”. A
ideia de Deus destruir os reinados humanos já havia sido exposta de uma
maneira impactante no sonho de Nabucodonosor, interpretado por Daniel, na
figura de uma pedra singular que, atingindo a base da estátua, abateria todos
os reinos e impérios do mundo que atravessaram a história (Dn 2.34,35). O
próprio Daniel associa a subjugação das nações e o governo soberano sobre o
mundo à pessoa do “Filho do Homem” (Dn 7.13,14 cf. Mc 14.61,62).
Colocando em outras palavras que expressam bem a ideia pretendida pela
primeira parte do texto, pode-se dizer: “Eu estou prestes a arruinar a
autoridade e o poder dos reinos estrangeiros”.[43] O texto de Ageu 2.22 faz
coro com a mensagem de Daniel, pois ambos tratam do futuro dos reinos
gentílicos que atravessaram a história, sendo abatidos e submetidos pelo
Senhor no futuro. Esse caráter futuro deve ser observado a partir da
magnitude dos julgamentos anunciados nos vv.21,22 por meio de uma
linguagem única que não pode ser confundida com eventos cotidianos da
história.[44]
Para que fique claro não se tratar de um domínio por meras alianças
políticas, tão frágeis como os ânimos de cada governante, mas de uma
conquista plena, a sequência do texto coloca o abatimento dos governos das
nações em termos militares como “cavalos” e “carros” de guerra, sem falar
nos soldados que os utilizam. Para completar, a situação é pintada em tons
caóticos ao dizer que os soldados cairão “cada um pela espada do seu irmão”.
Para os judeus, tais dizeres traziam recordações de vitórias poderosas
efetuadas por Deus em benefício de Israel no passado. A primeira lembrança
era da batalha vencida por Gideão, o qual atacou 120 mil midianitas com
apenas trezentos soldados (Jz 7.7; 8.10). Quando os soldados israelitas
cercaram o acampamento de Midiã e começaram a quebrar jarros vazios,
tocar trombetas e gritar (Jz 7.16-20), o Senhor promoveu uma grande
confusão entre os midianitas, o que acabou levando-os a matar uns aos outros
(Jz 7.22). A segunda lembrança era da tentativa frustrada de invasão dos
povos amonitas, moabitas e edomitas nos dias do rei Josafá. Os exércitos
dessas três nações se uniram para invadir Judá e o fizeram vindo por um
caminho de onde não se esperava nenhuma invasão, de modo que se
aproximaram sem ser notados até que fosse tarde demais (2Cr 20.2,10).
Josafá orou (2Cr 20.5-12) e a resposta foi que o próprio Senhor venceria
aquela batalha (2Cr 20.14,15). Em cumprimento a isso, Deus fez com que os
exércitos amonita e moabita se voltassem contra o exército edomita e, tendo
dado cabo deste, se voltassem um contra o outro de modo que todos
acabaram mortos por suas próprias espadas (2Cr 20.22-24). Tanto no caso de
Gideão como de Josafá, a morte dos inimigos pelas espadas uns dos outros
marcou o grande poder de Deus e a grande libertação que efetuou em favor
de Israel. Era exatamente algo assim que o Senhor prometeu por meio de
Ageu.
Nesse momento, o Senhor se dirige a Zorobabel e faz declarações difíceis
de ignorar ou de minimizar o impacto. Repetindo por três vezes a fórmula de
uma declaração divina, provavelmente para render ao texto a devida
confiabilidade e seriedade que ela merecia, disse Deus (v.23): “Naquele dia
— declara o Senhor dos exércitos — tomar-te-ei, ó meu servo Zorobabel,
filho de Sealtiel — declara o Senhor —, e colocar-te-ei como um anel de
selar, pois eu escolhi a ti — declara o Senhor dos exércitos”. Zorobabel é
aqui qualificado como “meu servo” em vez de “governador de Judá” (v.21).
O título “meu servo” constava na mente dos judeus como um dos títulos
messiânicos especialmente enfatizados por Isaías (Is 42.1-7; 49.6,7; 52.13-
15; 53.11,12). Essa mudança de tratamento de Zorobabel não é mera questão
de estilo literário. A julgar pelo que foi dito no versículo anterior e pela
menção de um dia futuro quando tudo isso seria efetivado — “naquele dia”
—, a pessoa e a função de Zorobabel aqui devem ser mais bem investigada,
pois os eventos preditos não se cumpriram nos seus dias e, na verdade, ainda
aguardam cumprimento. Ao que tudo indica, o profeta Ageu faz um uso
tipológico da pessoa de Zorobabel, assim como outros profetas o fazem em
relação a Davi.
Ezequiel, falando da restauração futura de Israel, diz: “O meu servo Davi
será rei sobre eles, e todos eles terão um só pastor. Seguirão as minhas leis e
terão o cuidado de obedecer aos meus decretos” (Ez 37.24; ver também
34.23,24). Tal promessa vislumbra seu cumprimento não na pessoa de Davi,
mas de um descendente dele (Jr 23.5). Jeremias, a exemplo de Ezequiel, faz
uso tipológico de Davi para se referir ao Messias nos dias escatológicos (Jr
30.8.9), talvez seguindo o profeta Oseias (Os 3.5). Dada a promessa de um
descendente de Davi que reinará para sempre (2Sm 7.16 cf. Is 11.1-5; 55.3,4),
o Novo Testamento identifica esse “Davi”, tipologicamente falando, com
Jesus (Lc 1.32; Ap 22.16). o Texto de Ageu 2.23 parece fazer o mesmo com
Zorobabel e, por isso, o chama de “meu servo” em vez de “governador de
Judá”. Zorobabel era descendente de Davi e também faz parte da linhagem de
Jesus (Mt 1.13; Lc 3.27), sendo, assim, um elo davídico na corrente
messiânica.[45] Assim como Davi, por ser rei, nascido em Belém,
descendente de Judá e um homem levantado por Deus, representava
tipologicamente Jesus, Zorobabel também o fazia por ser descendente de
Davi e o responsável pelo retorno dos judeus do cativeiro e pela reconstrução
da nação. Desse modo, tanto Davi como Zorobabel representavam funções
que serão desenvolvidas plenamente pelo Messias no futuro, quando vier pela
segunda vez a fim de reinar. Assim, as declarações ligadas a Zorobabel no
v.23 se aplicam perfeitamente a Jesus, o “escolhido” de Deus” (Is 42.1)
Entre as menções emblemáticas de um líder tomado, escolhido e posto por
Deus para restaurar plenamente a Israel e submeter as nações, há algo digno
de nota na figura de um “anel de selar”. Tratava-se de um artefato usado pela
realeza como uma marca da função monárquica e como autenticador de
documentos.[46] Exemplo disso se vê quando o faraó dá a José seu anel de
selar para lhe conferir autoridade diante do povo (Gn 41.41,42) ou quando o
anel do rei Acabe é usado para autenticar algumas cartas em seu nome (1Rs
21.8). O selo real era algo tão importante que, por causa do perigo de cair em
mãos erradas e ser utilizado de forma indevida, ficava o tempo todo com o
monarca, provável razão pela qual era utilizado na forma de um anel. A razão
de isso ser colocado no último versículo de Ageu se deve ao fato de que
Joaquim, também chamado de Conias (Jr 37.1) e de Jeconias (Jr 22.24,28),
que era avô de Zorobabel (1Cr 3.17-19; Mt 1.12) e penúltimo rei de Judá, foi
chamado de um “anel de selar” tirado das mãos do Senhor, ou seja, rejeitado
como rei e entregue aos inimigos (Jr 22.24,25). Depois de reinar apenas três
meses em 598 a.C., ele foi levado para Babilônia e lá deu sequência à
linhagem davídica da qual veio Zorobabel e, posteriormente, Jesus (Mt 1.11).
Teologicamente, Joaquim representa a queda temporária do trono da casa de
Davi sobre Israel. De fato, depois de Zedequias, irmão de Joaquim, ter sido
deposto do trono em 587 a.C., nunca mais um descendente de Davi foi rei em
Israel. Mas, assim como Zedequias, que teve seus olhos vazados (Jr 39.7 cf.
Mq 5.1), será sucedido no trono por Jesus, o rei eterno que nasceu em Belém
(Mq 5.2), Joaquim, o “anel de selar” rejeitado, será sucedido pelo
descendente de Zorobabel em quem a sentença de Joaquim é suspensa[47] e
de quem se diz “colocar-te-ei como um anel de selar, pois eu escolhi a ti”.
Por isso, Zorobabel tipifica aqui o retorno da linhagem messiânica
interrompida pelo exílio.[48] Desse modo, o v.23 traz à atenção dos judeus
dos dias de Ageu que, depois de eles reconstruírem o templo, o Senhor não
restauraria apenas a nação, mas também o trono de Israel sob a linhagem de
Davi.
Que mensagem encorajadora para um povo que tinha tanto trabalho pela
frente e tantos impedimentos a serem transpostos! Para eles, ouvir essa
mensagem fez surgir um novo sentido no trabalho de reconstrução do templo,
pois todas essas promessas seriam cumpridas depois da obra concluída.
Independente de haver um grande intervalo entre o término da reconstrução e
a vinda do Messias para restaurar o coração do povo, promover a
independência nacional, garantir o domínio da terra prometida e reerguer o
trono davídico, o fato é que aqueles judeus estavam fazendo parte desse
processo. O povo, ao edificar aquele templo, estava tomando parte na história
da redenção. A esperança futura dava um novo significado e um ânimo
redobrado para prosseguirem na tarefa ordenada por Deus.
A igreja vive uma realidade semelhante. Ela também tem uma parte a
cumprir no plano de Deus e na história da redenção. Em certos aspectos, a
missão da igreja se torna bastante parecida com a obrigação dos israelitas,
configurando assim o dever de todo servo de Deus de todas as eras: “Vocês,
porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de
Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a
sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9; comparar com Êx 19.5,6). Por isso, toda vez
que somos chamados à obediência por meio das Escrituras, devemos
imediatamente tomar nosso posto nesse exército que serve a Deus. Não
importa o tamanho da obra, seja grande demais, nos fazendo perder a
coragem, ou pequena demais, nos sugerindo que não vale a pena fazer.
Também não importa se nosso Senhor está para voltar hoje ou daqui a mil
anos. Nosso dever diante de Deus faz parte de tudo que o Senhor está fazendo
na promoção da redenção do pecador, na glorificação do seu nome e na
expansão do seu reino. Obedecê-lo significa tomar parte em uma obra
maravilhosa cujo fim é certo e vitorioso. Portanto, três palavras devem
representar nossa disposição presente: coragem, fidelidade e esperança!
Comentário de
Zacarias
ZACARIAS 1.1-6
A Lembrança do Castigo

O profeta Zacarias surge pregando aos judeus cerca de dois meses após o
primeiro discurso de Ageu repreendendo o povo por buscar o conforto dos
seus lares e deixar a casa de Deus em ruínas. Não se sabe o dia exato da sua
primeira pregação, mas ela não foi muito distante do segundo sermão de
Ageu feito aos judeus, quando eles já vinham trabalhando na reconstrução
havia três semanas, mas começavam a enfrentar os primeiros temores como
sentimento de incapacidade, devido à magnitude da obra, e preocupações
com sua subsistência, já que os celeiros estavam vazios e as colheitas
frustradas dos últimos anos não serviam agora de encorajamento. Dado o
momento em que Zacarias entra em cena, sua mensagem se coaduna com o
momento no qual “encorajamento” é a palavra de ordem das profecias. A
diferença marcante entre os dois profetas é que, enquanto Ageu prega seu
último sermão dois meses após o início do ministério de Zacarias, este
continua a falar ao povo por mais dois anos. Isso também faz com que a
quantidade de material produzido individualmente seja bem diferente. O
conteúdo da profecia de Zacarias está dividido em oito visões, quatro
mensagens e dois oráculos, exatamente nessa ordem.[49] Não obstante, assim
como para Ageu, para ele o arrependimento era o início do processo de
retorno ao Senhor, algo explícito no princípio do livro.
Como era um costume frequente da época, o livro começa com a data e com
a fonte da mensagem (v.1): “No oitavo mês do segundo ano de Dario, veio
a palavra do Senhor ao profeta Zacarias, filho de Berequias, filho de Ido,
dizendo”. Tendo já feito considerações sobre a data, resta-nos falar a respeito
do autor. Sobre a filiação de Zacarias, sabe-se que ele não tinha dois pais,
mas um pai e um avô aqui listados. A menção “filho de Ido” pode ser
compreendida de duas formas. A primeira, como pai de Berequias, como se
dissesse que Zacarias era filho de Berequias, o qual, por sua vez, era filho de
Ido. A segunda forma, consistente com a evidência bíblica e com o costume
antigo, é entender que Zacarias, sendo neto de Ido, era também chamado
filho, já que a referência filial muitas vezes apontava para a linhagem de
alguém (1Rs 15.11; 22.51; 2Rs 14.3; Mt 1.1,20; 9.27; Jo 8.39) — o versículo
seguinte lança mão do mesmo tipo de linguagem ao se referir aos
antepassados distantes do povo como “vossos pais”. O fato é que, apesar de
ser comum para nós o uso do termo “neto”, em algumas línguas, como o
hebraico, é mais natural o uso duplo de “filho”, assim como nesse caso.[50]
A identificação de Zacarias como “filho de Ido” ocorre outras vezes (Ed 5.1;
6.14), mesmo porque Ido era uma boa referência pessoal, por se tratar de um
dos sacerdotes que retornaram do cativeiro — o próprio Zacarias é listado
como um sacerdote descendente de Ido (Ne 12.16 cf. v.12). Como Ido era
vivo e atuante no ofício sacerdotal quando os judeus retornaram da Babilônia,
devemos imaginar que Zacarias não era muito velho, razão possível pela qual
ele é sempre citado depois de Ageu (Ed 5.1; 6.14).
O v.1 apresenta a dinâmica que marca a atividade profética na forma de o
Senhor falar diretamente a eles e os comissionar como mensageiros oficiais
das suas palavras. Assim, sem alongar a introdução, Zacarias passa à
mensagem em si (v.2): “O Senhor muito se irou contra vossos ancestrais”.
Ancestrais, nesse texto, é a tradução do que literalmente quer dizer “vossos
pais”. Entretanto, não é uma referência aos progenitores diretos daquela
geração, mas aos israelitas de muitas gerações anteriores, os quais, pela
incredulidade, desobediência e rebeldia, acumularam pecados que levaram a
nação a ser rejeitada como alvo de bênçãos e proteção divina e os conduziram
ao juízo por meio da invasão e cativeiro babilônicos. Para mostrar a
intensidade da ira de Deus, o verbo “irar-se” (qatsaf) faz um par com o
substantivo “ira” (qatsef) no texto hebraico, dando ênfase ao sentimento de
ira e sendo traduzido como “muito se irou”. Como uma famosa e antiga
tradução do Antigo Testamento para o grego, feita cerca de dois séculos antes
de Cristo — a Septuaginta —, acrescenta o adjetivo “grande” (megálen),
poderíamos também dizer: “O Senhor se irou contra vossos pais com grande
ira”. Tudo isso aponta para a rebeldia obstinada dos antecessores dos judeus a
ponto de provocar tal reação no Deus cujo caráter é marcado por amor,
misericórdia e paciência. Apesar de sabermos que o Senhor não perde o
controle, o texto visa a transmitir a ideia de que os israelitas de tempos
anteriores, em seu pecado, ultrapassaram todos os limites.
A simples menção da ira de Deus contra as gerações anteriores serve de
trampolim para um chamado à geração presente (v.3): “Portanto, dize a eles:
‘Assim diz o Senhor dos exércitos: voltai-vos a mim — declara o Senhor
dos exércitos — e eu me voltarei para vós — diz o Senhor dos
exércitos’”. Assim como ocorre no último versículo de Ageu, a insistência na
declaração de Deus eleva a importância da mensagem e lhe dá credibilidade,
de modo que não haveria dúvidas para aqueles judeus de que, se agissem
como Deus ordenou, seriam inevitavelmente abençoados. Também conferia
grande responsabilidade a eles com a certeza de que seriam punidos se
endurecessem o coração, como se o texto dissesse: “É pegar ou largar!”. A
relação condicional proposta por Deus não é nova, mas compatível com as
bênçãos pela obediência e as maldições pela rebeldia prescritas na aliança
mosaica (Lv 26; Dt 28). Assim, essa não é uma nova proposta, mas um novo
chamado à fidelidade.
Como motivação ao chamado, Deus expõe o povo à lembrança do castigo
dos seus antepassados (v.4): “Não sejais vós como foram vossos ancestrais,
a quem os primeiros profetas clamaram, dizendo: ‘Assim diz os Senhor
dos exércitos: convertei-vos dos vossos maus caminhos’, mas eles não
deram ouvidos, nem me atenderam — declara o Senhor”. A lembrança
não é apenas do castigo, mas do fato de o Senhor ter feito o mesmo chamado
às gerações anteriores. A decisão daquelas gerações e as consequências das
suas decisões são o material a ser avaliado pelos homens dos dias de Zacarias
para que também decidam como agir. O verbo hebraico “convertei-vos”
(shûvû) é o mesmo que no v.3 é traduzido como “voltai-vos”. Ele também
quer dizer “arrepender-se” e a escolha da tradução deve levar em conta o
contexto imediato. No v.3, a ideia é de relacionamento, já que Deus responde
voltando-se ao povo também. Contudo, no v.4, o verbo é associado aos
“maus caminhos” nos quais eles andavam. Nesse caso, o povo antigo deveria
ter vivenciado a dupla ideia de conversão que envolve arrependimento, por
meio do abandono do pecado, e retorno, no sentido de voltarem a obedecer a
Deus. Entretanto, eles resistiram e permaneceram no erro. A grande rebelião
contra o Senhor que eles protagonizaram é expressa tanto no pecado no qual
andavam como na rejeição de um convite tão amoroso como o que Deus lhes
fez, a quem eles “não deram ouvidos, nem me atenderam”, segundo as
palavras do Senhor.
Para evidenciar a responsabilidade que aquela geração tinha de escolher o
certo e de não agir como seus antecessores rebeldes, Deus propõe duas
perguntas retóricas (v.5): “Quanto aos vossos ancestrais: ‘Onde eles
estão?’. E quanto aos profetas: ‘Eles vivem para sempre?’”. A ausência
de resposta a essas perguntas mostra que ela era clara: “Estão todos mortos,
sejam os rebeldes, sejam os servos verdadeiros de Deus!”. Se a resposta não
deixa dúvidas, a função das perguntas dentro da argumentação divina não é
tão clara como desejaríamos. O ponto parece ser a celeridade com que a
decisão de obedecer a Deus deveria ser tomada.[51] Nem as antigas gerações,
nem os fiéis profetas de Deus podiam fazer qualquer coisa agora, nem
contribuir com nada além do exemplo que deixaram. A oportunidade que
perderam no passado não podia ser recuperada. Do mesmo modo que as
gerações anteriores, nem esses judeus, nem os profetas que estavam
ministrando entre eles durariam para sempre. A única coisa possível era essa
geração agir diferente e logo. E o tempo estava passando, de modo que o
atraso em obedecer lhes custaria caro. Outra implicação é o fato de que os
profetas do passado, apesar de deixarem mensagens preciosas, não estavam
mais entre eles, razão pela qual aqueles judeus deviam dar ouvidos aos
profetas da sua geração.
A partir desse ponto, Deus deixa de apontar para as gerações de um passado
longínquo e mostra como sua palavra impactou a geração imediatamente
anterior (v.6a): “Não é certo que as minhas palavras e os meus preceitos
que ordenei aos meus servos, os profetas, alcançaram os vossos pais?”.
Nesse caso, a expressão “vossos pais” — a mesma em hebraico presente nos
vv.2,4,5 — faz menção a outro grupo, visto que a reação desses, expressa na
segunda parte do v.6, é exatamente oposta à dos antigos ancestrais. Desse
modo, “vossos pais”, nesse versículo, é uma referência aos pais de fato, os
antecessores diretos daquela geração, os quais, sofrendo as consequências do
juízo divino no cativeiro babilônico, realmente se arrependeram e voltaram
ao Senhor. Se os “pais” são pessoas diferentes em relação aos versículos
anteriores, o teor da mensagem era exatamente o mesmo.[52] O Senhor ainda
os chamava ao arrependimento com base nas mesmas instruções e acordos.
Apesar de os profetas do passado terem morrido, as mensagens que eles
trouxeram da parte de Deus não passaram.[53] Ao contrário, tudo aconteceu
exatamente como Deus estabeleceu e avisou (v.6b): Assim, eles se
converteram e disseram: ‘Do modo como o Senhor dos exércitos
planejou fazer a nós, de acordo com os nossos caminhos e com nossos
feitos, assim ele fez para conosco’”. Diferente dos ancestrais rebeldes, esses
se arrependeram, mudaram o comportamento e buscaram o Senhor. É notável
a diferença na reação dos que foram ao exílio. Em primeiro lugar, eles
aceitaram a palavra de Deus e reconheceram seus pecados, atribuindo aos
próprios erros o fato de estarem longe da terra da promessa e das bênçãos da
aliança. Em segundo lugar, essa percepção e o desenvolvimento de um
coração tratável os levaram ao arrependimento. Se o exemplo das gerações
rebeldes era o modelo a não ser seguido, os judeus deviam imitar seus pais e
corrigir seus próprios pecados, passando a obedecer e servir a Deus.
Como igreja de Cristo no século 21, devemos notar nessa mensagem que o
encorajamento e a esperança promovidos pelo Senhor não andam longe do
temor e da reverência. O servo de Deus deve obedecê-lo e honrá-lo porque o
ama profundamente e lhe é grato por todas as bênçãos imerecidas. Entretanto,
visto ser Deus santo e justo, os servos devem também fugir do pecado e da
rebeldia por temerem a disciplina do Senhor que, segundo o autor de
Hebreus, apesar de produzir o bem nos servos, não é considerada razão de
alegria quando é executada (Hb 12.11), razão pela qual o temor deve produzir
correção e acerto (Hb 12.12,13). Nesse sentido, a recordação da disciplina e
das consequências enfrentadas por causa dos pecados tem um papel
importantíssimo. O servo de Deus pode olhar para sua própria história, em
suas experiências de correções efetuadas por Deus, e para a história de outros
que passaram por isso. E conforme o raciocínio que Zacarias sugere, parece
ser bem mais sábio aprender a partir da experiência alheia que aguardar, a
duras penas, reunir experiência pessoal de sofrimento.
Na verdade, as Escrituras, dentre suas funções, foram dadas para nos
ensinar por meio da história de outros homens, alguns que acertaram e outros
que erraram e sofreram as consequências. Diz o apóstolo Paulo: “Estas coisas
lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de
nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado” (1Co 10.11). Então,
olhe para o que a Bíblia ensina e para o que aconteceu aos homens que a
obedeceram e aos que se rebelaram, seguindo o exemplo dos bons servos que
se arrependeram do mal e buscaram o Senhor de coração. Se você aprender
essa lição, será a vez de o Senhor lhe encorajar e lhe encher de esperança.

ZACARIAS 1.7-17
O Zelo de Deus por Seu Povo

Esse texto contém a primeira das oito visões de Zacarias, a qual tem como
cerne a figura de vários cavalos e o relatório que prestam sobre as nações,
com a finalidade de garantir que Deus estava no pleno controle dos
acontecimentos e do destino das nações.[54] As oito visões de Zacarias, a
maioria delas acrescidas de oráculos que explicam seu sentido, estão assim
divididas: 1.7-17(primeira), 1.18-21(segunda), 2.1-13 (terceira), 3.1-10
(quarta), 4.1-14 (quinta), 5.1-4 (sexta), 5.5-11 (sétima) e 6.1-15 (oitava). Elas
têm como função encorajar os judeus na tarefa de reconstrução do templo,
garantindo a eles as bênçãos de Deus para o seu presente e para o futuro. Essa
seção é iniciada com a ocasião em que o profeta teve tais visões (v.7): “No
vigésimo quarto dia do décimo primeiro mês — o mês chamado Sebate
— do segundo ano de Dario, veio a palavra do Senhor ao profeta
Zacarias, filho de Berequias, filho de Ido, nestes termos”. “Sebate” é o
nome babilônico do décimo primeiro mês do calendário usado entre eles,[55]
de modo que o dia em questão corresponde a 15 de fevereiro de 519 a.C., três
meses após a primeira mensagem de Zacarias (Zc 1.1-6) e dois meses após o
último pronunciamento de Ageu. Essa parece ser a data em que o profeta teve
todas as oito visões, sendo suprido, assim, de material suficiente para
incentivar e encorajar o povo nos quatro anos que ainda restavam para se
concluir a obra do templo.
Durante a noite, mas não dormindo, Zacarias tem a visão que relata no livro
(v.8): “Tive uma visão durante a noite. Eis que um homem estava
montado sobre um cavalo marrom. Ele estava parado entre as murteiras
que havia no vale. Atrás dele havia cavalos marrons, baios[56] e
brancos”. Muitas versões trazem a descrição da cor do primeiro cavalo como
“vermelha”. Apesar de a mesma palavra hebraica também significar
“marrom”, “castanho” ou “pardo”,[57] a tradução possível usando o
vermelho não deve nos fazer imaginar um quadro surreal, fora da realidade
que conhecemos, mas uma referência que ainda é usada nos nossos dias aos
animais amarronzados. Desse modo, a visão evoca um cavaleiro em
condições normais. O que o torna singular, no decorrer do texto, é sua
identidade descrita como “anjo do Senhor” (vv.10,11). A respeito das
“murteiras”, trata-se de arbustos típicos de beiras de rios, muitos dos quais
atravessam as partes mais baixas de um “vale”. Apesar de haver muitas
sugestões sobre o significado desse vale como sendo aquele defronte a
Jerusalém ou uma referência a um mito antigo no qual a casa dos deuses era
localizada em um vale, a ausência de explicação e aplicação para o local aqui
descrito parece indicar apenas um ponto natural de encontro e de descanso de
uma comitiva. Quanto às diversas cores dos cavalos junto ao cavaleiro
principal, elas produzem a ideia, na mente do leitor, de um grupo grande e
não de uns poucos animais. Dado que eles prestaram esclarecimentos sobre
sua missão (v.11), é possível — mas não obrigatório — que tais animais
estivessem sendo montados por outros cavaleiros, os quais seriam os reais
autores do relatório.[58]
Zacarias, então, entra em cena (v.9): “Então, perguntei: ‘Quem são esses,
meu senhor?’. E o anjo que falava comigo me respondeu: ‘Eu te
mostrarei quem são esses’”. Esse “anjo que falava comigo” não é a mesma
pessoa montada no cavalo marrom, mas é um mensageiro do Senhor a fim de
ajudar Zacarias a compreender as visões (Zc 1.9,13,19; 2.3; 4.1,4,5; 5.5,10;
6.4). Dando seguimento, esse anjo parece fazer voltar novamente os olhos de
Zacarias para a visão, onde a resposta é dada pelo cavaleiro principal (v.10):
“Então, respondeu o homem que estava parado entre as murteiras,
dizendo: ‘Esses são os que o Senhor enviou para percorrerem a Terra’”.
A figura de cavalos enviados por todo o território era uma prática comum no
controle de um reino ou um império. A busca por informações recentes
garantia a supremacia real e militar de um soberano. Era também uma
maneira de demonstrar por toda parte que o rei não estava desatento e que,
mesmo de longe, dominava de fato todo seu território. Desse modo, parece
que Deus quer lembrar seus servos da sua supremacia sobre o mundo, sobre
as nações e sobre os rumos da história, ainda que eles vivessem dias difíceis
que os faziam se esquecer de tais verdades e achar que o Senhor havia
deixado de agir.
A explicação a Zacarias, registrada no v.10, parece exercer também a
função de uma pergunta dirigida aos cavalos, já que eles a respondem (v.11):
“Eles responderam ao anjo do Senhor que estava parado entre as
murteiras, dizendo: ‘Nós percorremos a Terra e eis que toda a Terra está
repousada e calma’”. Esse é o relatório dos emissários que percorreram a
Terra, a qual pertence a Deus. O resultado era calmaria. Apesar de parecer
uma boa notícia, o v.15 coloca esse fato sob uma óptica negativa devido às
razões dessa paz. O fato é que a ausência de conflito não se devia a uma paz
coletiva em benefício da humanidade, mas ao domínio inexorável do império
Medo-Persa, o qual sujeitou as nações de toda aquela região e tirava
vantagem da situação, sem que ninguém lhe pudesse fazer oposição. Desse
modo, a paz do império significava sujeição, vergonha e miséria em Judá.
Por causa da situação desfavorável do povo eleito de Israel, o texto seguinte
contém um clamor pela nação (v.12): “Então, respondeu o anjo do Senhor,
dizendo: ‘Ó Senhor dos exércitos, até quando tu não terás compaixão de
Jerusalém e das cidades de Judá contra quem tu estás indignado neste
[período] de setenta anos?’”. A identidade desse “anjo do Senhor” é difícil
de determinar. É possível, contudo, distingui-lo claramente do “anjo que
falava comigo” que aparece várias vezes nos seis primeiros capítulos de
Zacarias. Quanto ao “anjo do Senhor”, ele só reaparece em Zc 3.1,2, onde ele
é o próprio Senhor. O tom do clamor parece indicar o pedido de providências
de um servo ao seu Senhor, pelo que, inclusive, utiliza o pronome pessoal
“tu” (’attâ) para lhe dirigir o clamor, demonstrando se tratar de outra pessoa.
Entretanto, é também possível que se trate de um caso, aclarado
principalmente pela teologia do Novo Testamento, em que pessoas da
trindade ocupem tanto o lugar do “anjo do Senhor” como do Senhor em
pessoa a quem o primeiro se dirige. Uma proposta compatível com essa
visão, talvez extemporânea, é a de uma cristofania, ou seja, uma aparição de
Cristo na forma daquele cavaleiro.[59]
Sobre os “setenta anos”, uma conclusão apressada é associá-los à referência
feita por Jeremias (Jr 25.11,12; 29.10), à qual descreve os setenta anos de
existência e domínio do império Neobabilônico, desde 609 a.C., com o fim
do trono assírio na queda de Aram,[60] até 539 a.C., com a queda da
Babilônia diante de Ciro. Os setenta anos citados no v.12, pelo uso da palavra
“este” (zeh), parece ser o período que estava para se completar, o qual teve
início em 587 a.C. com a destruição de Jerusalém e do templo do Senhor e
com traslado dos judeus para a Babilônia. Com isso, o anjo está clamando
pela cidade com base no fato de que o juízo sobre ela tinha prazo para acabar.
Se o Senhor até agora havia se mostrado irado contra os pecados de Israel,
passou então a demonstrar outra disposição com relação ao povo (v.13):
“Mas o Senhor respondeu ao anjo que falava comigo dizendo palavras
bondosas, palavras de conforto”. Não obstante, as palavras serem dirigidas
ao anjo mensageiro, os beneficiários da bondade divina e do consolo eram os
judeus que estavam afadigados pela obra que tinham diante de si em uma
cidade de muros derrubados, recebendo oposição dos vizinhos e sob o fardo
do domínio de outra nação. Imediatamente, o profeta foi imbuído da missão
de repassar a mensagem bondosa aos seus compatriotas (v.14): “Então, o
anjo que falava comigo me disse: ‘Proclama o seguinte: Assim diz o
Senhor dos exércitos: Eu zelo grandemente por Jerusalém e por Sião’”.
A ação traduzida como “zelar” também quer dizer “se enciumar”. Tirando
todos os aspectos negativos do ciúmes humano — que envolvem orgulho,
interesses pessoais e egoísmo —, é o que Deus afirma sentir pela cidade que
escolheu e, obviamente, pelo seu povo que lá colocou para habitar. Isso
implica não apenas um sentimento de posse e de proximidade como atitudes
práticas que revelam um grande zelo pelo povo que lhe pertence. É como
dizer que ele cuida pessoalmente do seu povo e do destino que planejou para
aquela cidade. A menção de Sião ao lado de Jerusalém tanto pode ser um
sinônimo como uma alusão ao trono de Davi, já que ele é frequentemente
associado ao monte Sião devido ao fato de tê-lo conquistado na tomada da
cidade (2Sm 5.9, “Cidade de Davi”) — tal conexão dentro da visão não é
enfática, nem necessária, mas é complementar à ideia da restauração
nacional.
O zelo divino por seu povo, a ser revelado em uma inversão mundial de
poder, começaria a se manifestar sobre os inimigos (v.15): “E estou
profundamente irado contra as nações arrogantes, pois eu estava um
pouco irado, mas elas agravaram o mal”. “Nações arrogantes” é a ideia
final produzida pela expressão literal “nações tranquilas” ou “nações que
vivem tranquilamente”. Contudo, viver tranquilamente não é errado nem
passível da ira de Deus, já que a própria Jerusalém terá tranquilidade no
futuro (Is 32.18).[61] O que aconteceu às nações para exacerbar a ira de Deus
é que sua tranquilidade se dava com prejuízo da tranquilidade do povo de
Deus, a quem dominavam e desprezavam. Assim, a confiança em seus meios
militares, os quais lhes garantiam a tranquilidade, transformava a favorável
situação de paz em ocasião de arrogância e irreverência diante do Senhor e do
seu povo. Desse modo, tais nações, instrumentos de Deus para a punição
temporária de Israel, foram além da sua função e praticaram tanta maldade
que atraíram maior ira do Senhor, tornando-se elas mesmas os alvos da
punição divina prevista nas Escrituras.
O zelo de Deus sobre seu povo, metaforicamente descrito por sua capital
política, também se faria ver (v.16): “Portanto, assim diz o Senhor: ‘Eu me
voltei para Jerusalém com compaixão. Minha casa será nela construída
— declara o Senhor dos exércitos — e uma fita métrica será estendida
sobre Jerusalém’”. A primeira declaração expressa o apaziguamento de
Deus e o fato de que suas promessas, feitas no passado, não ficariam
esquecidas, nem infrutífero o relacionamento iniciado e prometido no
chamado de Abraão. A primeira evidência disso seria o bom êxito na
reconstrução do templo. Independente do esforço dos inimigos de Judá para
paralisar as obras, ela seria completada. Em segundo lugar, a cidade seria
reconstruída. A menção a uma fita métrica estendida sobre a cidade tem
relação com os preparativos para uma grande edificação, marcando o
território a ser ocupado[62] — como fez Neemias, quase oito décadas depois,
ao circundar a muralha caída a fim de organizar a obra de reconstrução (Ne
2.11-15) —, ou com um tipo de conferência de uma obra recém-edificada e
inaugurada (Ez 40.5; Ap 21.15).
A visão se encerra com uma proclamação de alto impacto nas esperanças
daquele povo (v.17): “Proclama novamente, dizendo: ‘Assim diz o Senhor
dos exércitos: A minha cidade transbordará outra vez de riquezas, o
Senhor novamente consolará Sião e escolherá novamente Jerusalém’”. O
primeiro fator a ser levado em conta, difícil de passar despercebido, é a
repetição insistente da palavra “novamente” ou “outra vez” (‘ôd). O profeta é
chamado a “novamente” pregar que o Senhor “novamente” beneficiará
Jerusalém, o que é colocado de três modos diferentes, mas complementares.
A ideia é que o tempo de juízo chegaria ao fim e as bênçãos do Senhor
retornariam. Se Ageu havia prometido que Deus proveria o segundo templo
das riquezas necessárias para seu término e de uma glória maior que a da
primeira construção (Ag 2.6-9), Zacarias prevê o bem nacional, na figura da
capital, a qual também seria provida de riquezas, seria resgatada do
sofrimento e do desfavor pelo Senhor e voltaria a ser tratada como cidade
escolhida do povo eleito. Deve-se notar que Deus não desistiu da sua escolha
para depois escolher novamente, mas sim que ele voltaria a tratar o povo que
escolheu sob os privilégios de um povo eleito.
Apesar de todas essas promessas terem um foco bastante localizado, tanto
geográfica como etnicamente, ver o Senhor agir desse modo nos recorda que
seu tratamento é bondoso, compassivo e consolador para com aqueles que lhe
pertencem. Por isso, nossas esperanças de futuro se fundem com as
esperanças do povo de Israel no sentido de aguardarmos a restauração
mundial na qual nosso Deus punirá os pecadores arrogantes e não tementes a
ele e beneficiará, pela graça, as pessoas a quem escolheu resgatar do pecado
pela fé em Jesus. Isso deve também nos fazer acolher uma condição serena
em vez de impulsos de revolta quando os ímpios parecem impunemente
ajuntar maldades sobre maldades, sabendo que Deus, um dia, pedirá contas
de tudo e derramará sua ira sobre os perversos. Se essa visão e as lições
decorrentes dela trouxeram vigor a um grupo não muito grande de
construtores para que terminassem o templo do Senhor em Jerusalém, o que
fará a nós, cristãos, diante dos desafios que temos no sentido de proclamar o
evangelho de Cristo e de viver para a glória de Deus em um mundo como o
nosso?
ZACARIAS 1.18-21
O Contra-ataque do Senhor

Nos seus dias de glória, Israel chegou a ser um modesto império, exercendo
influência e recebendo tributos de nações ao redor durante o reinado de Davi
e Salomão. Entretanto, depois da divisão do reino em dois países — Israel ao
norte e Judá ao sul —, o povo se viu, muitas vezes, oprimido por nações
vizinhas. Porém, suas derrotas marcantes ocorreram quando a Assíria
destruiu Samaria (722 a.C.), capital do reino do norte, exilando os israelitas
em Hala, cidade localizada a nordeste de Nínive (2Rs 17.3-6), e quando os
babilônicos destruíram Jerusalém (587 a.C.), capital do reino do sul,
trasladando seus moradores para a Babilônia (2Cr 36.17-21). A segunda
visão do profeta Zacarias traria à mente dos judeus esses tristes momentos da
sua história, mas não para os desanimar. Ao contrário, a intenção da visão era
produzir coragem e esperança, tendo como base a certeza da punição dos
inimigos.
Ao que tudo indica, a visão tem lugar logo após a anterior, dada a ausência
de uma introdução que ofereça detalhes introdutórios ou a data. Zacarias
simplesmente relata o que ocorreu (v.18): “Eu levantei os meus olhos e vi:
Eis que havia quatro chifres”. É provável que a visão desses chifres
envolva também os animais que os possuíam, como touros, os quais podem
ser afugentados (v.21).[63] A menção específica aos chifres se deve ao uso
metafórico desses que, interpretados em relação à situação real de vida
naqueles dias, representava o poderio militar de um país.[64] Assim como o
chifre é a poderosa e perigosa arma de um touro, os recursos militares de um
rei e de uma nação constituíam o poder que tinham de abater e subjugar
povos vizinhos. Por isso, uma invasão e destruição militar costumava, na
época, ser representada pela figura de um touro ao “levantar o chifre” (v.21),
movimento usado por esses animais para desferir seus golpes fortes e
destroçadores. Há quem interprete a ação de levantar o chifre como um ato de
arrogância assim como dos homens que levantam suas cabeças em posição de
desafio, mas isso não condiz muito com a figura do touro que, de modo
contrário, desafia os inimigos e demonstra poder abaixando a cabeça e
ficando em posição de ataque.
A visão de Zacarias parece ser imóvel. Os chifres não estavam fazendo
nada, de modo que o que intriga o profeta não é a função deles, mas sua
identidade (v.19): “Então eu perguntei ao anjo que falava comigo: ‘O que
é isso?’. E ele me respondeu: ‘Esses são os chifres que espalharam Judá,
Israel e Jerusalém’”. A resposta aponta para uma ação passada dos chifres:
o espalhamento do povo de Judá e de Israel e, em especial, a cidade de
Jerusalém — local em que Zacarias está pronunciando sua mensagem.
Quanto à identidade dos quatro chifres, algumas sugestões oferecidas pelos
teólogos ao longo da história são “assírios, babilônicos, medos e persas” ou
“assírios, egípcios, babilônicos e medos-persas” — se pensarmos nos povos
que os haviam subjugado até aqueles dias —, ou ainda “babilônicos, medos-
persas, gregos e romanos” — se pensarmos na explicação usual a respeito do
sonho de Nabucodonosor interpretado por Daniel (Dn 2). As primeiras
possibilidades vislumbrariam o cumprimento da segunda visão de Zacarias
imediatamente na forma de proteção contra os inimigos da reconstrução do
templo,[65] enquanto a última possibilidade, o cumprimento escatológico que
melhor condiz com o livro de Zacarias e com a ideia da própria visão de
abatimento do poder das nações. Outra possibilidade seria a sucessão de
impérios — sucessão já iniciada naqueles dias —, de modo que o mesmo
reino em determinada ocasião seja um dos “artífices” dessa visão, tomando o
lugar de outro, para depois ser um dos “chifres” a serem abatidos pelo seu
sucessor. Uma probabilidade adicional é a de os quatro chifres serem as
nações vislumbradas por Daniel, enquanto os quatro artífices sejam o próprio
Messias, com a dificuldade de que as nações deveriam ser apenas aquelas
que, até os dias de Zacarias, “espalharam Judá, Israel e Jerusalém”.
O fato é que nenhuma dessas possibilidades consegue ser completamente
satisfatória ou suficientemente abrangente, mesmo porque o texto não avaliza
qualquer delas. Por isso mesmo, há que se considerar que o número dos
chifres pode não querer apontar para nações agressoras específicas, mas para
a totalidade dos inimigos do povo de Israel que se levantam para guerrear
com eles e tentar frustrar o que Deus prometeu lhes fazer. Nesse sentido, não
é impossível que número quatro seja entendido como uma referência à
“completude” ou que represente os inimigos dispostos nas quatro direções
(Norte, Sul, Leste e Oeste).[66] De qualquer modo, considerar a descrição
com uma referência geral também nos isenta de ter de definir a identidade
dos artífices (v.20) e a razão do seu número, entendendo simplesmente que
eles são quatro, no texto, para se contrapor aos inimigos e os derrotar com um
poder que lhes supera a força.
Apesar de já termos comentado sobre os contrapontos dos chifres, eles só
surgem no versículo seguinte (v.20): “Em seguida, o Senhor me mostrou
quatro artífices”. Muitas versões traduzem a palavra “artífice” (harash)
como “ferreiro”. “Artífice” é a palavra genérica para um artesão sem lhe
definir a especialidade, podendo ele trabalhar com madeira, pedra ou metal.
[67] Desse modo, o próprio ferreiro é um artífice, sem, contudo, que todo
artífice seja um ferreiro. Por isso, deve-se entender aqui que nem a palavra
especifica um artífice de metais, nem a figura exige ou combina com a
função. A única razão para se entender que os artífices aqui são ferreiros é
interpretar que os chifres da visão são feitos de ferro, o que é extrapolar o
texto. Isso talvez se faça a partir da comparação com Miqueias 4.13, que
associa o chifre ao ferro, porém, em outra ocasião, com outra nação e com a
intenção de representar a durabilidade de Israel contrária à transitoriedade das
nações inimigas presente no texto de Zacarias. Apesar de o ferro ser um fator
fundamental na fabricação das armas de guerra daquele contexto, a figura da
visão representa os exércitos inimigos de Israel como touros ferozes armados
com seus próprios chifres — mesmo que os touros não sejam citados, a ideia
do poder de um chifre é dependente do seu uso em um ataque. Sendo assim, o
artífice em questão, capaz de produzir terror nos chifres (v.21), deve ser
entendido como aquele que trabalha e esculpe cornos bovinos. O terror vem
do fato de ser necessário que o touro seja abatido e o chifre extraído da sua
cabeça para que esse artesão efetue seu trabalho — uma ótima figura para a
ideia de Deus abater as nações inimigas de Israel e Judá.
Dessa vez, Zacarias se preocupa menos com a identidade dos artífices que
com sua função (v.21): “Então eu perguntei: ‘O que esses vieram fazer?’.
Ele respondeu o seguinte: ‘Esses são os chifres que espalharam Judá de
modo que homem algum levante sua cabeça. Mas vieram esses [artífices]
para os aterrorizar e para expulsar os chifres das nações que levantaram
o chifre contra a terra de Judá para a espalhar’”. A pergunta de Zacarias
é intrigante, pois demonstra uma percepção de que algo ocorreria. Se os
chifres representavam ações passadas, o profeta percebe que os artífices
estavam ali para executar algo iminente.[68] A resposta demonstra que o
abatimento poderoso das nações inimigas não era gratuito. Quando essas
nações “espalharam” os moradores de Judá — e de Israel (v.19) —, o
resultado foi que homem algum pôde levantar a cabeça. Isso tanto aponta
para a impossibilidade que o povo teve de resistir os inimigos como para a
condição humilhante a que foram sujeitados. O texto deixa transparecer uma
força excessiva e um tratamento cruel desnecessários em uma conquista
militar que, na verdade, acabou por agravar a ira do Senhor contra os
dominadores (Zc 1.15). Assim, quando o Senhor repete (cf. v.19) o que os
inimigos fizeram a Judá, essa declaração tem o tom de uma sentença judicial.
A ideia final é que, como resposta ao domínio estrangeiro cruel e como
ação defensiva em relação ao seu povo, o Senhor enviaria seus artífices para
“aterrorizar e para expulsar os chifres das nações”. Nenhum dos inimigos de
Israel, cujas ações lhe trouxe sofrimento e humilhação, jamais foi fraco ou
covarde. Entretanto, a ação prevista por Deus nessa visão pinta o quadro de
uma retaliação com poder tal que mesmo os mais poderosos inimigos seriam
tomados de pavor e inexoravelmente vencidos. O caráter permanente da
expulsão dessas nações não é declarado, mas tal declaração nem é necessária.
Está claro que o abatimento seria definitivo, o que volta novamente os nossos
olhos para o futuro e para o resultado dessa ação na forma de Israel e Judá
não apenas vindicados pelo mal que receberam, mas plenamente
restabelecidos (Jr 30.3; Ez 36.23-36). Nem é preciso argumentar a respeito
dos efeitos dessa mensagem sobre a coragem, o ânimo e a esperança dos
judeus diante da tarefa tão árdua que tinham de realizar e diante de ameaças
tão temíveis que tinham diante de si.
Essa visão nos lembra de verdades que nos são úteis ainda hoje. Nós
também, como povo de Deus separado para sua glória e que luta para se
santificar e agir de modo a honrar e anunciar a mensagem do nosso Senhor,
sofremos ao ver um mundo imerso nas trevas, na devassidão e na injustiça.
Assim como o escritor do Salmo 73, nós também ficamos estupefatos com a
maldade crescente e, principalmente, com a impunidade dos injustos. Como
aquele salmista, também corremos o risco de desanimar e de achar que os
maus nunca serão punidos pelo dolo das suas ações. Entretanto, a visão de
Zacarias nos lembra que o Senhor é Deus sobre justos e injustos. Aos
justificados pela fé em Cristo, ele tem reservado promessas de cuidado e de
bênçãos futuras que nem podemos compreender totalmente por enquanto.
Mas aos injustos, o Deus da justiça reserva suas sentenças condenatórias a
serem cumpridas temporalmente, por meio de eventuais inversões das
condições de vida, e, eternamente, por meio da condenação definitiva do
pecado dos incrédulos. Saber disso não diminui nosso sofrimento quando
somos perseguidos e injustiçados por servir o Senhor Jesus Cristo, mas
certamente nos consola por sabermos que temos um protetor que nos ama,
nos encoraja a continuarmos firmes e nos enche de esperança de um dia,
glorificados, habitarmos para sempre com aquele que nos preparou morada
ao seu lado.
ZACARIAS 2.1-5
A Cidade Habitada e Protegida

O segundo capítulo de Zacarias contém a terceira visão do profeta (vv.1-5),


seguida de um chamado bastante encorajador (vv.6-13) para que os judeus
espalhados pelo mundo, especialmente nas terras da Babilônia, retornassem
para a terra da promessa a fim de serem beneficiados pelas futuras ações de
Deus em relação à capital do seu país e também ao mundo todo. Por isso,
uma mudança marcante no tom das visões até aqui é que o foco sai da ação
divina sobre as nações e recai sobre a ação do Senhor sobre a cidade
escolhida para sediar o reinado do Messias: Jerusalém. Nesse sentido,
Zacarias vai além de Ageu e não fala apenas da reconstrução do templo, mas
da própria cidade. Em seus dias, essa ideia parecia um sonho impossível de se
cumprir, pelo que o povo devia se sentir desanimado e inseguro a respeito do
futuro e até da utilidade de um templo em uma cidade de muros caídos, sendo
um alvo fácil de salteadores e de vizinhos gananciosos e invejosos. Nem é
preciso dizer como uma profecia sobre a reconstrução dos muros de
Jerusalém teria um impacto positivo na vida de toda aquela comunidade.
Assim, mais uma vez o profeta tem uma visão (v.1): “Então, levantei os
olhos e vi: Eis que havia um homem que tinha em suas mãos uma corda
de medir”. Apesar de a frase iniciar com uma simples conjunção, muitas
versões traduzem o início do versículo usando a palavra “novamente”.
Mesmo sem a palavra hebraica para isso não ocorrer no texto — literalmente,
o texto apenas diz “e levantei os olhos e vi” ou “mas levantei os olhos e vi”
—, a ideia de que uma nova visão é dada ao profeta é clara, mostrando que
uma nova lição será oferecida ao povo. Nesse caso, a mensagem começa com
a visão de um agrimensor, ou seja, alguém com um instrumento rústico, mas
eficaz, para medir uma área de terra. Muitos comentários bíblicos se arriscam
a adivinhar a identidade desse homem, mas ninguém consegue oferecer uma
opção satisfatória. Isso porque o texto não se importa com quem ele é, mas
com o que ele faz. Assim, pode-se até atrelar didática e representativamente
sua identidade à Neemias ou aos judeus que planejavam e aguardavam a
construção do muro de Jerusalém, sem que com isso se ignore o fato de que o
centro da visão não é o homem que mede, mas a reconstrução em si. De
qualquer modo, esse “homem” é apenas a primeira figura incógnita da visão,
da qual a interpretação independe da identidade do agrimensor.
Seguindo a ideia de que a função do homem é o foco do primeiro versículo,
Zacarias o interroga sobre seu trabalho e tem esclarecida a missão específica
do homem com a corda de medir (v.2): “Eu perguntei: ‘Onde vais?’. Ele
respondeu: ‘Vou medir Jerusalém para ver qual é sua largura e seu
comprimento’”. É óbvio que a mensuração do perímetro da cidade não tinha
como motivação simplesmente a curiosidade, mas a intenção de projetar seus
muros, com base no planejamento dos limites, e executar a obra de
erguimento das muralhas — a ideia da medida dos limites da cidade fica clara
na menção à “sua largura e seu comprimento”, descartando uma ação que
visasse simplesmente ao interior de Jerusalém. Apesar de haver nas
Escrituras exemplos de ações como essa, com a intenção de fazer conhecida
do profeta ou do apóstolo a obra que Deus tem planejada, como se ela já
estivesse pronta (Ez 40.3; 47.3-5; Ap 11.1; 21.15), nesse caso, a medida não é
de uma construção terminada, mas ainda por fazer. Além da mensagem
relativa à edificação em si, é notável que a misericórdia e o perdão de Deus
haviam atingido plenamente aquele povo, pois a reconstrução do que foi
destruído na punição por seus pecados não se daria pela metade, apenas no
reerguimento do templo.[69]
Normalmente, esse trabalho de medição é desnecessário ou de menor
importância quando se pretende reconstruir exatamente sobre os alicerces da
edificação anterior. Porém, esse não parece ser o caso. A medida a ser tomada
visa a projetar uma nova muralha em novos limites. Isso foi exatamente o que
aconteceu com a reconstrução feita oitenta anos depois sob a direção de
Neemias. Provavelmente, movido pela promessa de uma grande população
habitando Jerusalém (v.4), Neemias não se restringiu aos antigos limites da
cidade, mas englobou uma área maior que a dos dias de Davi.[70] Para tanto,
ele saiu a medir, ainda que mentalmente, os arredores da cidade (Ne 2.13-15)
a fim de planejar os melhores locais para assentar a nova muralha de modo a
abrigar o povo que ali viveria e manter a cidade em segurança diante de
ataques inimigos. Quando alguém faz isso, a obra está prestes a iniciar.
Nesse momento, um novo personagem — um anjo — entra em cena para
introduzir a promessa que dirige e dá sentido à visão (v.3): “Eis que saiu o
anjo que falava comigo e outro anjo foi ao seu encontro”. O quadro parece
ser o da chegada de um mensageiro divino que surge a certa distância.
Quando o anjo intérprete o vê, sai ao seu encontro e ambos se reúnem não
distante do profeta. A identidade do segundo anjo, o portador da mensagem,
não é conhecida, nem necessária à compreensão do texto. O enfoque, assim
como no caso do agrimensor, está sobre o que irá ocorrer a Jerusalém (v.4):
“Ele lhe disse: ‘Apressa-te a dizer a este jovem o seguinte: Jerusalém
será habitada como uma cidade sem muros devido à multidão de homens
e de animais que haverá dentro dela”. Há vários fatores a serem
observados. Em primeiro lugar, a identidade do “jovem”. Apesar de haver
quem proponha se tratar do agrimensor, o pronome demonstrativo “este”
(hallaz), dito ao anjo que tinha a tarefa específica de falar com Zacarias,
coloca o profeta como receptor da mensagem com a clara intenção de a
repassar ao povo de Jerusalém com urgência, pelo que o anjo mensageiro diz
ao anjo intérprete “apressa-te a dizer”. Na verdade, não era o serviço do
agrimensor que necessitava da informação fornecida pelo anjo, mas o do
profeta. Além do mais, a descrição de Zacarias como alguém de não muita
idade concorda com o fato de que, quando citado junto com seu companheiro
de ministério, Ageu seja o primeiro — provavelmente como uma forma de
respeito ao mais velho (Ed 5.1; 6.14).
Entretanto, o que merece nossa maior atenção são as palavras sobre a
cidade. Mesmo ficando claro que seus muros seriam reconstruídos (vv.1,2), a
população que viveria ali no futuro seria maior do que os muros poderiam
abrigar. A previsão de Jerusalém ser habitada como se não tivesse muros não
se deve à ausência da muralha, mas ao excesso de população, uma “multidão
de homens e de animais”. Isso significa que os judeus exilados por causa da
infidelidade de Israel retornariam para a terra prometida em grandes levas,
enchendo totalmente o país.[71] Tal consideração, obviamente, tira os nossos
olhos dos dias imediatos após a reconstrução por Neemias, quando foi
necessário obrigar por sorteio famílias judias a morar dentro da cidade a fim
de a povoar, visto que os voluntários não bastavam (Ne 11.1). O caráter
futuro dessa promessa engloba, assim, uma visão de Jerusalém sendo
habitada dentro e fora das suas muralhas, com especial número de moradores
no exterior dos muros de modo que façam jus à menção de Jerusalém existir
como se fosse um local desguarnecido de limites murados. O fato é que
Jerusalém será grande demais para ser possível construir um muro ao seu
redor.[72] Ainda assim, trata-se de uma cidade única e compacta, já que seus
munícipes são localizados “dentro dela” ou “no meio dela” — não se trata de
vilarejos nas cercanias da cidade, um tipo de “Grande Jerusalém”, assim
como se diz da “Grande São Paulo”. Jerusalém seria enorme e populosa, bem
diferente do que aqueles judeus esperariam com base em sua experiência
pessoal naquela localidade.
Por um lado, a ideia de uma cidade tão grande que não coubesse dentro de
muros encorajava o povo com relação ao seu futuro, mas, por outro, podia
fazer com que a ideia de levantar novamente as muralhas parecesse um
trabalho inútil, já que nem toda a população seria beneficiada pela proteção
desse anteparo. Por isso, a mensagem continua e Deus garante que haverá
proteção plena para todos os moradores (v.5): “Mas eu serei um muro de
fogo ao redor dela — declara o Senhor — e promoverei glória no meio
dela”. Se os paredões de pedra não envolveriam todos os moradores, o
Senhor pessoalmente agiria como se fosse um muro, entretanto, mais forte e
impenetrável: um “muro de fogo”. Essa é uma linguagem figurada
cuidadosamente escolhida para promover esperança nos judeus por meio da
recordação da proteção que Deus promoveu aos israelitas do êxodo,
colocando um bloqueio, na forma de uma espessa nuvem e de fogo, entre eles
e o exército egípcio (Êx 14.19-24). Esse poder irresistível do Senhor agiria no
futuro para garantir a paz de Jerusalém. Isso faz com que a menção da cidade
sem muros, no versículo anterior, assuma um caráter de segurança não como
uma localidade desprotegida, mas sim de uma cidade que não precisa de
muralhas.[73]
Contudo, a ação de Deus não se daria somente “ao redor” da cidade, mas
também “no meio dela”, de modo que a paz não seria o único benefício
sobrenatural produzido em Jerusalém. O texto diz, literalmente, “eu serei para
glória no meio dela”, o que quer dizer que a presença protetora e provedora
de Deus seria a razão de a cidade ser enchida de glória. Nesse caso, o sentido
da palavra glória, aplicado à realidade de uma cidade e à vida dos seres
humanos, deve ser formado por conceitos como “honra”, “esplendor”,
“riqueza”, “abundância” e “poder”.[74] Resumindo, a ação futura de Deus
em Jerusalém forneceria grande fama à cidade, além de plena proteção e de
todo o suprimento necessário para uma vida tranquila e feliz. Ademais, a
promessa de que a presença de Deus na cidade, como protetor e glorificador,
renovaria a esperança de ele sempre habitar com seu povo em sua cidade,[75]
e não de voltar a habitar apenas o templo. Seu retorno seria pleno.
Com isso, a visão da condição de Jerusalém passa, de vazia e escancarada
aos inimigos, para uma urbe habitada e protegida por Deus, promovendo a
esperança dos corajosos judeus que voltaram da Babilônia para uma cidade
que vivia até então em um estado semicaótico. Era o ânimo que eles
precisavam para prosseguir com a obra do templo e esperar em Deus a
reconstrução, também da muralha e da cidade, como uma sociedade
organizada e populosa, plenamente abençoada pelo Senhor em pessoa, em
cumprimento às suas promessas.
Parte importante da relevância moderna desse texto está no fato de que a
mesma figura de um instrumento de medição surge no Novo Testamento para
acender a esperança escatológica da igreja de Cristo: “O anjo que falava
comigo tinha como medida uma vara feita de ouro, para medir a cidade, suas
portas e seus muros” (Ap 21.15). Tal cidade não é Jerusalém, mas a Nova
Jerusalém (Ap 21.2), local preenchido pela glória e presença de Deus (Ap
21.22,23) para onde afluem os servos do Senhor de todas as nações a fim de
adorá-lo (Ap 21.24-26). Tal local, diferente das cidades modernas que são
tomadas de criminosos e de homens de mau caráter, tem suas portas abertas
apenas para aqueles que creram em Cristo e foram por ele redimidos: “Nela
jamais entrará algo impuro, nem ninguém que pratique o que é vergonhoso
ou enganoso, mas unicamente aqueles cujos nomes estão escritos no livro da
vida do Cordeiro” (Ap 21.27). Assim como ao povo judeu, essa visão nos
enche de esperança de que um dia o Senhor fará o que agora parece muito
distante: purificar o mundo da maldade e trazer plena justiça e paz por meio
do Senhor Jesus. Ao mesmo tempo, nos confere grandes responsabilidades no
sentido de agirmos desde já segundo os parâmetros da pátria futura e de
trabalharmos na edificação de suas muralhas, “apressando-nos a dizer” ao
mundo que nosso salvador virá para reinar sobre aqueles que creem no seu
nome para o perdão dos pecados. Que nossa corda de medir se estenda desde
nossos lares até os confins da Terra, passando por nossas famílias, nossos
amigos, nossa comunidade e por todos os lugares em que o Senhor nos
colocou para divulgar sua santa mensagem!

ZACARIAS 2.6-13
Quando o Senhor se Levantar

Assim que Zacarias relata aos judeus sua terceira visão (Zc 2.1-5), ele passa
a transmitir ordens e orientações dadas por Deus na forma de um oráculo. Ele
inicia com um alerta bastante chamativo (v.6): “Ei! Ei! Fugi vós da terra do
Norte — declara o Senhor —, pois eu vos dispersei como os quatro
ventos dos céus — declara o Senhor”. A interjeição “ei!”, duas vezes nesse
versículo e uma vez no seguinte, tem a função de promover um alerta
relacionado à importante mensagem que será dita e um chamado à pronta.
Esse contém várias ordens expressas por meio de verbos na forma
imperativa: “fugi vós” (v.6), “livra-te” (v.7), “exulta”, “regozija” (v.8) e
“cale-se” (v.13) — as quatro primeiras ordens são dirigidas aos judeus,
enquanto a última é um chamado geral à humanidade. No v.6, a ordem é
“fugi vós da terra do Norte”. O ato de fugir ou escapar é claro, de modo que a
pergunta a se fazer é “fugir de quê?” ou “fugir por que?”. Para responder é
preciso notar que os judeus exilados não estavam sob ameaça dos seus
dominadores. Apesar do risco que correram adiante, nos dias de Ester, o
Senhor garantiu sua sobrevivência, assim como o fez em todas as ocasiões
em que as nações se levantaram para exterminar o povo de Israel, pelo que
ainda existem.
No geral, os exilados eram tidos como necessários nas terras onde estavam
pelos serviços que prestavam. Desse modo, não parece se tratar de uma fuga
de perseguições. Isso fica mais claro quando, adiante, o texto revela que Deus
se levantaria contra aquelas nações vizinhas para puni-las pelo que fizeram ao
seu povo, de modo que ficar no meio de tais nações, adaptado aos seus
valores e modo de vida, era se arriscar a sofrer com elas. Isso concorda com a
ordem do versículo seguinte, de modo que supor que o propósito de “fugir”
seria apenas ajudar a construir o templo em Jerusalém, é ir além do que o
texto expressa — esse propósito, contudo, pode ser associado como motivo
secundário e consequente, dado o fato de que Deus viria a beneficiar
Jerusalém e seu povo, trazendo-lhes grande alegria (v.10).
Nesse sentido, voltar da “terra do Norte” não é diferente de voltar de todo
lugar, aos “quatro ventos”, para onde foram espalhados. Como as invasões
dos impérios que dominaram Israel normalmente vinham pelo Norte, mesmo
por parte de reinos do leste como a Babilônia,[76] por causa do deserto onde
hoje é a Jordânia, as Escrituras costumam usar a figura de “exércitos do
Norte” como instrumentos de Deus para a oposição e punição do povo
israelita (Ez 38.15; Jl 2.20) e as “terras do Norte” como local do seu exílio e
de onde eles deveriam retornar (Is 43.5,6; 49.12; Jr 3.12; 31.8). Assim, o v.6
contém uma ordem de retorno geral, para a terra da promessa, de todos os
judeus exilados no mundo. Ao fazer isso, o texto volta nossos olhos para o
futuro escatológico, quando se dará tal processo de retorno à terra da
promessa: “Naqueles dias a comunidade de Judá caminhará com a
comunidade de Israel, e juntas voltarão do norte para a terra que dei como
herança aos seus antepassados” (Jr 3.18, cf. v.17).
A ordem prossegue (v.7): “Ei, Sião! Livra-te, ó tu que habitas com a filha
da Babilônia”. A expressão “filha da Babilônia” é um modo de se referir aos
babilônicos que residiam dentro da capital do seu país — assim como a
expressão “filha de Sião” (v.10) aponta para os habitantes de Jerusalém. É
certo que não havia judeus morando apenas dentro das muralhas da
Babilônia, mas também ao seu redor e por vários outros países do mundo —
como Egito, Assíria, Pérsia, além de outras terras —, de modo que se dirigir
aos israelitas que habitavam na “filha da Babilônia” era usar essa expressão
como uma figura de linguagem para se referir não somente aos moradores da
cidade em si, mas de todo o país e das demais terras para onde foram. É certo
que há vários outros modos de se referir às terras do exílio, de modo que a
Babilônia, aqui, deve ter sido escolhida por Deus por ser a fonte do maior e
mais recente desterro do povo de Israel com quem o Senhor falou por meio
de Zacarias.
A explicação da razão das ordens dadas nos vv.6,7 surge a partir do texto
seguinte, certamente o versículo mais difícil de se traduzir de todo o capítulo
(v.8): “Pois assim diz o Senhor dos exércitos: “Aquele que vos fere, fere a
menina dos meus olhos” — de modo que, a fim de trazer glória, ele me
enviou contra as nações que vos saquearam”. A primeira parte do texto
apresenta o zelo de Deus pelo seu povo como razão pela qual ele puniria os
povos que abateram Israel e Judá. A promessa de juízo não é declarada
abertamente, mas nem é preciso. O fato de “a menina dos olhos” (lit. “a maçã
do olhos”) de Deus ter sido atacada, obrigatoriamente nos leva à ideia de que
o Senhor vindicaria seu povo amado pelo tratamento severo que recebeu dos
inimigos. Se isso é claro e fácil de captar, a segunda parte do texto nos leva a
questionamentos mais difíceis de serem resolvidos. O principal deles é a
“identidade” do interlocutor que fala ao profeta e que foi enviado por Deus
contra as nações para promover glória.
A sugestão de ser o próprio profeta esbarra no fato de que, além de anunciar
as palavras de Deus, Zacarias não exerceu nenhuma função militar, nem viu
cumpridas em seus dias as promessas de retorno dos israelitas dos “quatro
ventos”, nem o abatimento dos inimigos sob Israel (v.9), nem tampouco as
nações buscando a Deus (v.11). Se alguém quiser propor que se trata do “anjo
que falava comigo” ou de algum outro ser angelical, terá de explicar como
esse anjo poderá exercer uma função tão proeminente a ponto de comandar as
nações de Israel e de todo o mundo como se lhe pertencessem (v.11). A
melhor sugestão é se tratar do próprio Messias.[77] Assim, quem fala ao
profeta é, ao mesmo tempo, alguém enviado pelo Senhor e apto a reinar sobre
o mundo, dizendo “serão o meu povo” (v.11). Associando esses dizeres à
terceira visão de Zacarias, não é nada absurdo ser o Messias aquele anjo que
veio ao encontro do anjo interprete para anunciar a repopulação da cidade (Zc
2.3) — obviamente, essa identificação com aquele anjo não é obrigatória,
nem tampouco necessária. De qualquer modo, ao se identificar o interlocutor
com o Messias, a segunda pergunta a se fazer ao texto — “que glória é essa a
ser obtida por ele?” — acaba por se responder naturalmente.
Se o interlocutor é enviado por Deus para vindicar o tratamento cruel e
severo rendido a Israel, sua missão visa a inverter os papeis políticos e
militares em relação ao que ocorreu no passado (v.9): “De fato, contra eles
eu levantarei minha mão e eles serão um despojo para seus servos.
Assim, vós sabereis que o Senhor dos exércitos me enviou”. O Messias
tem poder para levantar sua mão com poder e abater as nações, de modo que
os antigos dominadores se tornem os dominados. E mais que isso: serão
dominados pelos seus antigos servos — uma menção ao próprio povo de
Israel, o qual foi perseguido e escravizado por muitas nações. Essa ideia
concorda com a mensagem de profetas anteriores a Zacarias que previram
que, no estabelecimento do reinado do Messias, os judeus, espalhados por
todo o mundo, tomariam parte dessa inversão de poder (Is 41.14-16; Mq
5.7,8,13). Interessante notar que, no decorrer de tais acontecimentos em um
futuro esperado, ficará patente a identidade e a função do Messias como
aquele que “o Senhor dos exércitos enviou”. Não será mais possível negá-lo,
desprezá-lo ou ignorá-lo. Na verdade, ficará claro, assim como nesse oráculo,
que as ações do enviado são idênticas às ações do Senhor.[78]
Tendo declarado o destino das nações que se opuseram ao povo de Deus, o
Senhor volta seus olhos para o tratamento que renderá a Israel e diz (v.10):
“Exulta e regozija, ó filha de Sião, pois eis que virei e habitei no vosso
meio — declara o Senhor”. Dizer isso enquanto o povo tinha de construir a
“habitação” de Deus, o templo em Jerusalém, faz com que os leitores
associem rapidamente tais palavras à reinauguração do santuário ainda nos
dias de Zacarias — e, de certo modo, isso é em parte verdadeiro. Entretanto,
o versículo seguinte mantém nossos olhos nos eventos escatológicos,
descritos pela expressão “naqueles dias”. Assim sendo, a promessa de habitar
no meio do povo, além de envolver o iminente relacionamento entre Deus e
Judá assim que o templo estivesse de pé, visa a fazer recordação de que o
Senhor prometeu estar entre eles de um modo especial em um momento
quando as bênçãos não seriam dadas pela metade, mas haveria o
cumprimento total das suas promessas. Por isso, ainda que Deus estivesse em
toda parte e dirigisse a vida do seu povo, ele diz “eis que virei”, se referindo a
um evento especial da sua presença (Is 40.9-11). Nesse sentido, ainda que o
dia tão esperado ainda estivesse no futuro, a reconstrução do templo era
fundamental para se aguardar a especial vinda do Senhor (Ez 37.27). Por isso,
também, ainda que a situação política e social daqueles dias fossem o oposto
do que eles aguardavam, e ainda que tivessem de trabalhar em meio a tantas
dificuldades, a ordem lógica é “exulta e regozija”.
Até aqui, os alvos do tratamento divino foram as nações inimigas e o povo
de Deus. Entretanto, entra em cena um terceiro grupo que é formado pelas
nações que se submeterão ao Senhor em um caráter pleno que combina com o
mundo completamente sujeito a Deus.[79] Para eles, também há participação
no reinado do Messias (v.11): “Naquele dia, muitas nações se união ao
Senhor e serão o meu povo. Eu habitarei no meio de ti e tu saberás que o
Senhor dos exércitos me enviou a ti”. É importante notar que há uma
distinção entre o Senhor, citado na terceira pessoa, e o interlocutor enviado,
que fala de si na primeira pessoa. Entretanto, apesar da distinção de pessoas,
há um compartilhamento fundamental de funções já que aqueles que
buscarem o Senhor, tornar-se-ão povo do seu enviado. Quando o interlocutor
olha para o povo que busca a Deus e diz “serão o meu povo”, comprova
dividir com o Senhor mais do que a função política. Dizer isso, nesse
contexto, é se identificar com o próprio Deus, assumindo a função de
soberano divino, de restaurador da nação, de cumpridor das promessas e de
promotor da Nova Aliança (Jr 31.33; 32.38).[80] Se o texto anterior diz que
o Senhor habitará entre seu povo de modo especial, aqui o Messias é quem
também se faz presente no meio de Israel se fazendo conhecido como o
enviado prometido e aguardado. A busca das nações pelo Senhor e pelo
Messias, em Sião, tem como resultado a produção de uma paz mundial
marcada pela justiça e pela submissão do mundo à Deus (Is 2.2-4).
A vinda do Senhor, por meio do seu enviado, não promoveria uma posse
parcial ou limitada a áreas específicas de influência. Longe de exercer uma
liderança autônoma somente em campos religiosos ou teológicos, o Senhor
assumiria o controle pleno de Judá (v.12): “Assim, o Senhor tomará posse
de Judá, sua porção na terra santa, e novamente escolherá a Jerusalém”.
Judá, aqui, deve ser compreendido em sentido amplo, como uma metonímia
que aponta para todas as tribos de Israel, todo o povo judeu, e também para
os domínios territoriais prometidos a esse povo (Gn 13.14,15; 15.18-21).
Tudo isso — o povo e a terra — é “sua porção na terra santa”. Não significa
que essa a única posse divina, mas que se trata do cumprimento da promessa
de o Senhor agir como Deus pessoal da descendência de Abraão e, a partir
dela, ser também o Deus das nações, levando-lhes as bênçãos prometidas ao
patriarca (Gn 12.1-3). Na posse da herança, não é apenas o povo e a terra
quem foram escolhidos por Deus, mas também a cidade de Jerusalém,
frequentemente nomeada Sião, como sede do seu governo terreno. O que a
cidade sofreu no passado e ainda sofre no presente, sem que os judeus
consigam retomá-la para si em caráter exclusivo (Lc 21.24), será deixado
para trás e o trono de Davi será reerguido a fim de dirigir Israel e as nações
(2Sm 7.16 cf. Lc 1.31-33).
Como o mundo todo é o campo da atuação do Senhor, seja para punir, seja
para abençoar, o texto termina com uma ordem à humanidade de se submeter
e de temer a Deus (v.13): “Cale-se toda carne diante do Senhor, pois ele se
levantou da sua santa morada”. Levantar-se da sua morada significa deixar
o repouso e passar a cumprir o que previamente anunciou. Quando isso
acontecer, ninguém poderá impedi-lo ou se opor a ele. O melhor é, calado,
em forma de total reverência e sujeição, servi-lo e aguardar dele a salvação.
Caso contrário, nem é preciso descrever o peso da sua punição.
Levantar-se da sua morada (v.13) e levantar a mão contra os inimigos (v.9)
denotam o grande poder que tem o Senhor e o modo como ele inverterá tudo
que vemos de errado e vil ao nosso redor. Se o mundo tem seguido rumos
que surpreendem e assustam até os homens mais pessimistas, não é porque
Deus não tem poder de impedir o avanço do mal ou porque não se importe
com o que os homens façam, mas porque “ainda” não se levantou para julgar
os pecadores. Entretanto, aguardamos esse dia com esperança e com a plena
certeza de que ele chegará. Se isso nos enche de esperança com relação ao
futuro, também nos leva, no presente, a buscar uma vida condizente com a
justiça a ser promovida pelo Messias, a conclamar o mundo perdido que se
abrigue pela fé entre as fileiras do Senhor e a glorificar o nome daquele que
já é grande e soberano mesmo antes de vir e tomar posse da sua herança. Que
as promessas do passado e a certeza do futuro nos guiem e guardem no
presente!
ZACARIAS 3.1-10
A Promessa da Vinda do Messias

Algo interessante ligado à quarta visão de Zacarias é a centralização da


figura de Josué, o sumo sacerdote. Depois de garantir, nas visões anteriores, a
reconstrução e confirmação de Jerusalém como habitação do Senhor e como
cidade escolhida para, a partir dela, reinar sobre Israel e sobre as nações,
Deus agora transmite a ideia de que também restauraria o ministério
sacerdotal entre seu povo. Afinal, não havia razão de se reconstruir o templo
se o culto oferecido ali não fosse aceito pelo Senhor. Uma das principais
dificuldades de interpretação desse capítulo é o acúmulo de sujeitos ocultos
que nem sempre são óbvios no contexto, exigindo que o exegeta tente
determinar a identidade de cada um segundo as ações que praticam e os
papéis que ocupam no decurso da visão.
Desse modo, Zacarias dá início ao registro da quarta visão que teve (v.1):
“Então, ele me mostrou o sumo sacerdote Josué em pé diante do anjo do
Senhor e Satanás estava em pé à sua direita para o acusar”. Aqui surge o
primeiro sujeito oculto: aquele que mostrou ao profeta os eventos da visão.
Tendo em vista que o anjo do Senhor surge como personagem, podemos
supor que quem direciona Zacarias para diante da visão é o anjo intérprete,
que não é citado literalmente nesse capítulo. Versões que trazem algo como
“Deus me mostrou”, fazem-no por mera suposição dos seus tradutores, ao
passo que versões que traduzem “então eu vi” ignoram a pessoa e o grau do
verbo que indica uma terceira parte mostrando a visão a Zacarias. De
qualquer modo, o profeta vê três pessoas: o sumo sacerdote, o anjo do
Senhor, chamado simplesmente de “Senhor” no versículo seguinte[81] —
possivelmente uma cristofania, como em Zc 1.11,12, com uma ressalva a ser
feita em Zc 3.8 —, e Satanás, cuja intenção é declarada. Apesar de o texto
não aclarar o teor da acusação satânica, não é precipitado supor se tratar de o
sacerdócio ter sido condenado pelo Senhor, assim como a toda liderança e
sociedade judaica de antes do exílio, por seus pecados e desonra. Contudo,
essa acusação encontra em Deus um ouvido moco não pelo Senhor ignorar os
pecados cometidos, mas por agir com perdão e com uma ação restauradora
descrita na visão.[82] Se esse texto abre possibilidade de que, em lugar de
Satanás agir como acusador de Josué, ser um opositor do anjo do Senhor, o
texto seguinte torna evidente, pela defesa que o Senhor faz de Josué, que a
primeira opção é preferível. Isso também nos ajuda a entender a atuação de
Satanás que, em lugar de pelejar diretamente com Deus, opta por se opor aos
servos do Senhor.
A intenção divina de abençoar Jerusalém e o sacerdócio ministrado entre os
judeus faz com que o Senhor não suporte a atuação satânica e afaste o
inimigo dos seus servos de modo impetuoso (v.2): “Disse o Senhor a
Satanás: ‘Que o Senhor te repreenda, ó Satanás! Que o Senhor, aquele
que escolheu Jerusalém, te repreenda! Não é este um tição tirado do
fogo?’”. A repreensão divina nesse texto não se parece nada com filmes de
exorcismo nem com sessões de expulsão demoníaca de certas igrejas, nos
quais uma luta é travada com demônios que só são vencidos após longa e
dura batalha. Nesse caso, uma simples palavra do Senhor basta para fazer
com que o personagem satânico desapareça de cena e deixe Josué livre para
ser instrumento de Deus na visão profética. Ele também oferece duas
explicações pelas quais rejeita as acusações de Satanás e o repele. A primeira
é que o Senhor escolheu Jerusalém, mostrando que, independente da punição
que rendeu à cidade, seu plano sempre foi restaurá-la e reabilitá-la como local
abençoado e fonte de bênçãos para todos os povos e nada iria impedi-lo de
fazer o que planejou. Em segundo lugar, se refere a Josué como um “tição
tirado do fogo”. Se a Babilônia agiu como uma fogueira no celeiro dos
judeus, consumindo-lhes a cidade e o templo e exilando-os em terra
estrangeira, como que castrando seu futuro e sua continuidade, o Senhor
afirma que impediu a extinção do povo e do sacerdócio trazendo-os de volta
antes que fossem consumidos por completo, assim como uma lenha em
brasas — o “tição” — retirada da fogueira antes de ser de todo consumida
pelas chamas. Em resumo, é um modo de Deus afirmar a continuidade do seu
povo e do sacerdócio ministrado no templo que estava sendo reconstruído por
sua ação libertadora anos antes. Com isso, Deus também frustra por completo
a tentativa de Satanás de fazer com que o Senhor condenasse seu povo à
extinção pelos pecados que, pela graça divina, foram perdoados.
Se Satanás desaparece de cena, o foco recai agora sobre a figura do sumo
sacerdote. Se, por um lado, um tição tirado do fogo é uma madeira
preservada da destruição completa, é também um pedaço de carvão que suja
tudo que tocar. Essa mesma imagem é exposta de outro modo no texto
seguinte (v.3): “Josué estava vestido com roupas sujas e de pé diante do
anjo”. Tanto o carvão do tição como as roupas sujas do sumo sacerdote
mostram que não bastava a sobrevivência. Deus ainda precisava intervir na
purificação de Josué. O fato de ele estar de pé, parado diante do anjo, deixa
transparecer sua incapacidade de lidar com sua sujeira e sua dependência de
Deus para tanto. O anjo do Senhor não se omite diante da necessidade e emite
palavras cujo efeito são o perdão e a purificação de Josué e do ministério que
ele ocupa (v.4): “Ele tomou a palavra e disse o seguinte aos que estavam
em pé diante dele: ‘Retirai dele as vestes sujas’. E disse-lhe: ‘Vê que eu
afastei de ti a tua iniquidade e irei te vestir com vestes luxuosas’”. As
duas frases presentes no texto são dirigidas a ouvintes distintos. A primeira
ordem é dada a sujeitos ocultos, um grupo de servos, talvez angelicais, para
que tirassem os trapos sujos do sumo sacerdote. A segunda frase é dirigida ao
próprio Josué, explicando a ele o que estava sendo feito em seu benefício,
incluindo o aspecto espiritual do perdão e da purificação de todas as
iniquidades que até então fizeram separação entre os judeus e seu Senhor —
fica clara a relação entre a iniquidade e a figura metafórica dos pecados na
forma das vestes sujas. Mais do que isso, a cena de Josué sendo despojado
dos trapos imundos que vestia simboliza a aceitação de Deus do seu povo e
do culto oferecido a ele. Como se não bastasse, há a promessa de vestes
novas no sentido de que Deus abriria o acesso à atividade sacerdotal de
intermediário da vontade e da orientação divinas.
Dando sequência ao revestimento do sumo sacerdote, o Senhor completa a
paramentação de Josué (v.5): “E disse: ‘Que lhe ponham um turbante
limpo sobre sua cabeça”. Então lhe puseram um turbante limpo sobre a
cabeça e o vestiram com as tais vestes. E o anjo do Senhor permaneceu
ali”. A expressão “e disse” constitui um desafio aos críticos textuais, pois ela
difere nas diversas versões antigas. No manuscrito hebraico, trata-se de uma
ação na primeira pessoa — “e eu disse” —, como se o profeta tivesse
interferido naquele processo, o que não faz muito sentido já que não se trata
de uma pergunta, como em outros casos, mas de uma ordem, a qual o profeta
não tem as prerrogativas necessárias para a efetuar. Várias versões
simplesmente excluem esse trecho e ligam as ações de colocar as vestes com
a de colocar o turbante. A Septuaginta ignora a menção de alguém “dizer” e
prossegue com a ordem de colocar o turbante, tomando o comando do v.5
como continuidade do comando do v.4. Na prática, isso concorda com o
modo presente na Vulgata Latina — escolhido aqui como forma preferível —
no qual a mesma pessoa que dá a ordem no versículo anterior continua seu
comando após a ligação “e disse”.[83] Além disso, outro fator a se observar
no texto é o fato de o anjo do Senhor permanecer e não se afastar, atestando
assim a validade da purificação do sumo sacerdote e de Israel como “nação
de sacerdotes” (Êx 19.6).[84]
Feita a devida purificação e deixadas claras a restauração e a aceitação do
ministério sacerdotal em Israel, Deus não se furta a orientar seus servos como
sempre fez desde a aliança no Sinai (vv.6,7): “Então, o anjo do Senhor
declarou a Josué o seguinte: ‘Assim diz o Senhor dos exércitos: Se tu
andares nos meus caminhos e guardares o meu preceito, então tu
também administrarás a minha casa e guardará os meus átrios e dar-te-
ei livre acesso entre estes que estão aqui de pé’”. O acordo é de caráter
condicional, assim como a aliança mosaica. Na verdade, esse acordo é apenas
a reafirmação daquela aliança, prometendo bênção pela obediência e
deixando subentendido que também haveria punição pela rebeldia (cf. Lv 26;
Dt 28). Nesse caso específico, a obediência do sumo sacerdote permitiria que
ele efetuasse plenamente, com a sanção divina, seus direitos e deveres como
chefe administrador do templo do Senhor e como guia espiritual do povo
israelita. Além disso, ele agiria como um sacerdote deve agir: como
intermediário entre Deus e os homens. Ao dizer que daria “livre acesso a
estes que estão aqui de pé”, apontando provavelmente para os anjos que lhes
mudaram as vestes, é trazido à memória outro pormenor da aliança do Sinai
que fazia parte da crença dos judeus. Trata-se do fato de a aliança ter sido
intermediada, já que a glória de Deus era grande demais para que ele falasse
diretamente ao povo (Êx 19.16-25 cf. 20.18). Assim, pelo lado humano,
Moisés agiu como mediador que recebeu de Deus a lei (Êx 20.19-21). Porém,
do outro lado, a intermediação se deu por anjos (Gl 3.19), formando uma
dupla mediação. No caso de Josué é exatamente isso que parece que ele faria
ao ter livre acesso entre os anjos de Deus: seria o mediador humano, aceito e
acreditado, em parceria com os anjos, na relação entre Deus e o povo de
Israel.
Apesar da óbvia restauração promovida pelo Senhor no pós-exílio, havia
muito mais preparado para Israel, pelo que Deus não se omite de lhes dirigir
promessas futuras de natureza escatológica (v.8): “Ouve, ó sumo sacerdote
Josué, tu e teus companheiros que se assentam diante de ti, pois sois
figuras proféticas de que estou para trazer o meu servo, o Renovo”. A
elevação de Josué por Deus como sumo sacerdote aceito por ele para o cargo
não era apenas um fim em si mesmo. Essa elevação também cumpria um
intento profético, um símbolo. O que Deus tinha em mente ao acreditar e
elevar Josué como líder espiritual do povo, acima dos seus companheiros, era
apontar para o fato de que, no futuro, levantaria outro líder ainda maior,
trazendo sobre seu povo um “renovo” a quem ele descreve como “meu
servo”. “Renovo”, ou seja, um broto de árvore, é o título usado por alguns
profetas em referência ao Messias (Is 4.2; Jr 23.5; 33.15). Por sua vez, “meu
servo” é outro título messiânico que circula nos livros proféticos (Is 52.13;
53.11; Ez 34.23,24; 37.24 — em Ezequiel, as menções a “meu servo Davi”,
aqui alistadas, se referem ao descendente da linhagem davídica, o Messias).
Em outras palavras, essa é a promessa de envio do rei prometido, ninguém
menos que o rei eterno descendente de Davi[85], que é também Deus
altíssimo (Lc 1.32,33). Não se deve estranhar, contudo, o fato de ele ser
chamado de renovo ou broto (cf. Is 53.2), pois tal figura se presta a lembrar
que o trono de Davi foi derrubado temporariamente, com a queda de
Zedequias (Mq 5.1 cf. 2Rs 25.7) para ser reerguido, como uma árvore cortada
que brota novamente, com o reinado do menino nascido em Belém (Mq 5.2-4
cf. Jo 7.42). Esse também é o lugar de se postar a ressalva sobre a identidade
do “anjo do Senhor” aventada no v.1. Como o mesmo anjo do Senhor se
refere ao Messias, Cristo, como “meu servo” e como alguém que por ele seria
enviado, temos de ser cautelosos ao identificar uma cristofania no v.1, apesar
de notarmos o caráter inegavelmente divino do anjo do Senhor em todo o
capítulo.
Como complemento à promessa de envio do Messias para reinar, há a
promessa de uma grande purificação envolta em uma figura difícil de decifrar
(v.9): “Pois eis a pedra que pus diante de Josué. Sobre esta única pedra
estão sete olhos. Eis que entalharei nela uma inscrição — declara o
Senhor dos exércitos — e removerei a iniquidade desta terra em um só
dia”. É difícil dizer que tipo de pedra é essa e que olhos são esses sobre ela
— a tradução literal “sete olhos” pode também ser compreendida como “sete
lados” ou “sete faces”, descrevendo uma pedra de forma heptagonal.[86]
Algumas sugestões são que se trata de uma pedra da construção do templo ou
de uma joia associada à veste sacerdotal. Em ambos os casos, seria de se
esperar um tipo de lavor entalhado sobre ela com a intenção de trazer beleza e
enaltecer a glória daquilo que a acomoda. Entretanto, o fato de se prometer
um perdão amplo no meio de Israel, em um só dia, tira nossos olhos do
templo ou das vestes do sacerdote nos dias antigos e volta nosso olhar para o
futuro escatológico em que o Messias, ao se fazer presente, fará a purificação
e julgamento de Israel e das nações. Apesar dessa relação, é difícil identificar
consistentemente a pedra com a pessoa de Jesus. Se vão é tentar sem
corroboração associar a pedra, os olhos e o entalhe a eventos e pessoas
citadas ao longo das Escrituras, mais do que válido é notar a promessa de
uma restauração ampla do povo judeu como previsto por Jeremias sob o
título de “nova aliança” (Jr 31.31-34 — ver também Ez 36.24-29).
Como consequência da purificação em larga escala, haverá grande paz e
prosperidade sem precedentes em Israel[87] (v.10): “Naquele dia — declara
o Senhor dos exércitos — cada um chamará o seu companheiro para
debaixo da videira e para debaixo da figueira”. Nosso olhar não pode
ignorar o fato de que essa atividade comunitária talvez fosse marcada pela
atividade cultual de “verdadeiros israelitas” tementes a Deus (Jo 1.47,48).
Assim, esse quadro evoca a ideia de comunhão sem barreiras e da posse de
suas propriedades com a tão desejada fartura prometida como graciosa
retribuição à obediência e ao temor do Senhor prevista para o futuro glorioso
do povo que o Senhor escolheu para si.
A igreja de Cristo compartilha com Israel certas promessas e esperanças
presentes nessa visão de Zacarias. Em primeiro lugar, também temos um
acusador — o mesmo Satanás, na verdade — que trabalha dia e noite (Ap
12.10) para interferir em nossa comunhão com Deus. Assim como na visão,
nosso redentor e advogado (1Jo 2.1) nos defende e faz valer seu perdão e
purificação obtidos na cruz (1Jo 1.9). Em segundo lugar, isso ocorre porque
também tivemos nossas vestes de iniquidade retiradas quando cremos em
nosso salvador e fomos purificados da injustiça (1Co 6.11; Cl 3.9,10).
Finalmente, nós também aguardamos a vinda do renovo, o servo do Senhor,
para reinar em justiça e purificar a terra, em um santo reinado do qual
faremos parte pela graça e misericórdia do Senhor (2Tm 2.12). Que isso traga
o ânimo e a razão suficientes para continuarmos buscando pureza nessa vida,
agindo como sacerdotes da mensagem da cruz de Cristo e participando da
construção, pedra por pedra, do templo do Senhor, sua santa igreja (1Pe 2.5).
ZACARIAS 4.1-14
A Graça Soberana do Senhor

A quinta visão de Zacarias ocupa todo o quarto capítulo do seu livro. O


excesso de detalhes da visão traz consigo um risco considerável de fazer com
que os exegetas cometam um de dois erros: ou ignorar os detalhes,
empobrecendo o sentido da visão, ou exagerar o significado de cada um dos
detalhes, conferindo-lhes sentidos que vão além do texto e do livro como um
todo. Por isso, cautela e bom senso são as palavras de ordem na interpretação
da visão do capítulo 4 de Zacarias.
A visão começa, como em outros casos, com a intervenção angelical
dirigindo o profeta à mensagem que lhe será apresentada. Contudo, a
novidade, nesse caso, é o estado do profeta (v.1): “Voltou-se o anjo que
falava comigo e me despertou como um homem que é despertado do seu
sono”. Deve-se notar que Zacarias não afirma estar dormindo. O “homem
despertado do sono” é apenas uma comparação feita pelo profeta para ilustrar
o que ocorreu a ele ao ser chamado pelo anjo. É possível que ele estivesse
ainda absorto e perplexo com a visão anterior,[88] de modo que o anjo teve
de chamar sua atenção para si e para a nova visão.
O capítulo é marcado por perguntas e respostas de ambos os lados. Nos
vv.2-7, o diálogo é travado entre Zacarias e “o anjo que falava comigo”, ao
passo que, do v.8 em diante, ele se dá entre o Senhor e o profeta. A primeira
pergunta do capítulo vem do anjo intérprete (vv.2,3): “E ele me disse: ‘O
que tu vês?’. Eu respondi: ‘Eu vejo um candelabro de ouro maciço, um
vaso sobre ele, tendo em cima sete lâmpadas e sete tubos para as
lâmpadas que estão sobre ele. E duas oliveiras, uma à direita do vaso e
outra à sua esquerda’”. Esse é um quadro complexo que, por ser difícil de
visualizar mentalmente, necessita de explicações. O que Zacarias viu foi um
suporte de ouro de apoio para sete lamparinas que serviam para iluminar e
funcionavam com a queima de azeite de oliva. Assim como as lamparinas à
base de querosene, utilizadas em locais longínquos do nosso país, precisavam
ser constantemente abastecidas, o que exige atenção e presteza dos
responsáveis por elas. Nesse caso, contudo, o abastecimento não era feito por
homens, mas por um aparato instalado logo acima do candelabro com as
lamparinas. Tratava-se de um receptáculo — o “vaso” — em que se
depositava uma quantidade considerável de azeite. O combustível não era
manuseado por homens, mas descia sozinho às lamparinas por meio de tubos
de alimentação, um para cada queimador, não deixando que eles se
apagassem. Quanto à fonte do azeite que era armazenado no vaso, havia duas
oliveiras que, ao que tudo indica, derramavam naturalmente seu óleo para
dentro do receptáculo, fechando o quadro de uma fonte de luz gerida
automaticamente. A ideia parece ser a de que as lâmpadas, diferente das que
eram alimentadas pelos sacerdotes, tinham uma alimentação própria que não
dependia de homens.[89] Trata-se de uma figura para a ação divina
claramente exposta no v.6.
Se o significado da visão é complicado para nós, também foi para o profeta,
pelo que ele questionou o anjo sobre seu sentido (v.4): “Então, eu perguntei
ao anjo que falava comigo: ‘O que é isso, meu senhor?’”. Antes de dar a
resposta, há um trecho do diálogo — repetido no v.13 — que serve para
evidenciar a perplexidade do profeta diante da visão até então sem sentido
para ele (v.5): “E o anjo que falava comigo respondeu a mim: ‘Acaso tu
não sabes o que são essas coisas?’. Respondi: ‘Não, meu senhor’”. O
mistério termina quando o anjo apresenta a visão como ilustração a uma
mensagem do Senhor bem definida e endereçada, dessa vez, ao governador
Zorobabel (v.6): “Então, ele me disse o seguinte: ‘Esta é a palavra do
Senhor a Zorobabel: Não por força nem por poder, mas pelo meu
Espírito — diz o Senhor dos exércitos’”. A visão do candelabro abastecido
sem o auxílio humano, por um sistema independente, serviu para garantir ao
líder dos reconstrutores do templo que o trabalho não dependia da “força” e
do “poder” deles. Na verdade, nem era preciso uma visão para indicar ao
povo judeu os claros limites dos seus recursos financeiros, do número de
trabalhadores de que dispunham e da sua capacidade militar de se defender
dos inimigos que se opunham à obra. Em todos esses sentidos, a força e o
poder daquele povo deixavam a desejar. Entretanto, nenhum deles seria
necessário, pois o provedor e protetor do povo seria o próprio Senhor,
designado aqui como “meu Espírito”. Ele, em pessoa, seria aquele que
abasteceria seu povo com a força de que precisavam, com os recursos
materiais para a reconstrução e com a segurança diante dos adversários mais
poderosos que eles, do mesmo modo que, na visão, o vaso alimentava,
sozinho, as lâmpadas do candelabro.
A função da visão era, obviamente, a de encorajar Zorobabel diante das
dificuldades enormes que enfrentava naqueles dias. Para frisar a certeza do
auxílio divino, há como que um desafio lançado às dificuldades
personalizadas na forma de uma alta montanha[90] (v.7a): “Quem és tu, ó
montanha enorme?”. O surgimento dessa montanha no meio da visão —
inexistente nos demais versículos e totalmente sem explicação neste — faz
com que muitos estudiosos imaginem se tratar de uma interpolação de um
texto de outra mensagem. Entretanto, não é nada absurda a citação de uma
montanha como dificuldade na obra do templo quando sabemos que as
madeiras para a construção vinham de regiões montanhosas, tornando a
logística da extração um trabalho mais que árduo, e que o próprio templo
ficava sobre um monte, multiplicando exponencialmente a dificuldade do
transporte das enormes e pesadíssimas pedras até o canteiro de obras. A luta
penosa e diária desse transporte recebe um grande encorajamento quando o
Senhor diz à tal “montanha” (v.7b): “Diante de Zorobabel tu serás uma
planície, pois ele trará a pedra de remate em meio ao brado: ‘É pela
graça, é pela graça’”. Em primeiro lugar, a ajuda de Deus faria com que os
construtores transpusessem as dificuldades como se o monte fosse uma mera
planície. Em segundo lugar, o Senhor dá garantias de que a obra seria
finalizada, informando que Zorobabel colocaria a última das pedras, a “pedra
de remate”, completando o que eles começaram. Quando isso ocorresse, não
seria ocasião de se exaltar os construtores ou o próprio Zorobabel, mas de
reconhecer o auxílio divino e de agradecer sua “graça” soberanamente
concedida ao povo. A palavra “graça”, presente nesse texto, pode também se
referir à beleza da obra. Porém, a opção da graça como favor divino é
preferível por causa do tema da visão ser o auxílio divino na obra difícil
demais para os homens e o fato de, no seu término, haver o reconhecimento
público da ação de Deus (v.9).
A partir desse momento, o próprio Senhor entra na conversa e passa a
dialogar com Zacarias (vv.8,9): “Então, veio a mim a palavra do Senhor,
dizendo: ‘As mãos de Zorobabel lançaram os alicerces desta casa e as
mãos dele a terminarão para que vós saibais que o Senhor dos exércitos
me enviou a vós’”. Sem se valer de ilustrações, o Senhor vai direto ao ponto,
garantindo a conclusão da construção do templo. Disso, podemos imaginar
vários temores e dúvidas que passavam pela cabeça do governador de Judá:
“Será que conseguiremos completar a obra?”, “será que obteremos os
materiais necessários?”, “será que os nossos inimigos não nos impedirão de
levar a obra até o final?”, “será que eu não morrerei antes de vê-la
terminada?”. A afirmação categórica de Deus acabava com todas essas
dúvidas e temores. Dizer que as “mãos de Zorobabel” começaram e
terminariam a obra não quer dizer que ele pessoalmente foi o primeiro a dar a
enxadada na terra, mas que, sob o seu comando, a obra fora inaugurada e sob
seu comando ela seria completada. Novamente o Senhor afirma que, ao
ocorrer o que ele previu, não era Zorobabel quem devia ser louvado, mas o
próprio Deus. Na verdade, o fato de a obra ser completada em meio a tantos
impedimentos, dificuldades e improbabilidades devia ser interpretado como o
claro auxílio de Deus ao seu povo escolhido e dirigido por ele. O final do v.9
traz, mais uma vez, a ideia de que o Senhor enviou o “Senhor que falava com
o profeta”, sugerindo com isso uma cristofania, ou seja, uma participação do
próprio Messias na visão, como em Zc 2.8-11.
Deus não deixa de tratar um dos problemas que vinham abalando os
construtores e aumentando as dificuldades de quem trabalhava, que eram
aqueles causadores de desânimo no meio do povo (v.10a): “Pois quem
desdenhou no dia do início modesto se alegrará ao ver a pedra escolhida
na mão de Zorobabel”.[91] O problema de pessoas que não acreditavam ser
possível fazer uma obra como a que fora executada por Salomão e que, com
isso, desanimavam os trabalhadores, foi denunciado por Ageu (Ag 2.3 cf. Ed
3.10-12) e é aqui também tratado por Zacarias. Nesse caso, o Senhor dá
garantias de que aquele desânimo, tristeza e falta de fé, que no início tomou
conta de quem não creu ser possível atender a ordem divina de levantar
novamente o templo, se transformariam em exultação ao final. O término da
obra seria marcado pelo assentamento da “pedra escolhida”.[92] A opção de
tradução “pedra escolhida” para a expressão que surge no texto hebraico é
limitada em produzir a ideia que o escritor parecer ter em mente, de modo
que há necessidade de uma explicação suplementar. Diferente das versões
que, equivocadamente, propõem se tratar de uma “pedra de prumo”, o que
enfatizaria o acompanhamento da obra por Zorobabel, a ideia do texto parece
apontar não para o transcurso da obra, mas para seu final. Desse modo, a
pedra em questão é aquela escolhida e separada para ser a última a ser
assentada. Na verdade, ela não seria colocada apenas com um ato de
construção, mas como um ato cerimonial de encerramento da reconstrução do
templo diante de todos. Por isso, o próprio Zorobabel a colocaria, agindo
como aqueles que cortam com tesoura uma fita que lacra a entrada de um
estabelecimento em sua festa de inauguração.
Até aqui ficou respondida a primeira parte da pergunta de Zacarias feita no
v.4. A segunda parte do v.10 se presta a continuar a resposta à questão do
profeta (v.10b): “Essas sete lâmpadas são os olhos do Senhor que estão a
percorrer toda a Terra”. O texto diz apenas “essas sete”, sem especificar o
substantivo a que se refere. Felizmente, o texto só apresenta duas
possibilidades que combinam com a quantidade aqui descrita: as lâmpadas e
os tubos — ambos concordando com a forma feminina do numeral. Dentre as
duas possibilidades, a primeira parece ser a mais plausível e cheia de
significado. As luzes agem aqui como uma recordação de que Deus, como
quem vê tudo que ocorre no mundo (2Cr 16.9; Pv 15.3),[93] sabia o que
estava acontecendo ao seu povo, incluindo as dificuldades da obra e o
coração dos opositores da reconstrução. Assim, seu poder (v.6), associado ao
conhecimento onisciente, seriam o fator determinante do sucesso da
empreitada e a causa da confiança tranquila que o povo deveria manter
enquanto obedecia ao Senhor no trabalho do templo.
Assim que a pergunta de Zacarias é respondida, ele lança outra visando à
especificação de certo detalhe dentro da visão: as oliveiras (v.11): “Então, eu
perguntei a ele: ‘O que são essas duas oliveiras à direita e à esquerda do
candelabro?’”. Antes que o Senhor respondesse à pergunta, o profeta a
completa introduzindo algo que até aqui não havia sido mencionado, a saber,
dois ramos daquelas oliveiras (v.12): “Perguntei-lhe ainda pela segunda
vez: ‘O que são esses dois ramos de oliveira que estão ao lado dos dois
tubos de ouro por onde o azeite é despejado?’”. Voltando seus olhos para
além do candelabro, Zacarias fica intrigado com o significado de dois ramos
específicos das oliveiras. Ao serem descritos como “ramos”, não podemos
imaginar que eles eram responsáveis por todo o suprimento de azeite que ia
para o reservatório de combustível do candelabro. Em lugar disso, sua
posição, “ao lado dos dois tubos” que serviam para conduzir o azeite das
oliveiras para o reservatório, nos faz imaginá-los como parte do sistema de
transmissão do combustível, ou seja, “veículos” do suprimento divino.
Antes de responder, novamente é feita uma introdução à resposta,
evidenciando a perplexidade do profeta (v.13): “E ele respondeu a mim:
‘Acaso tu não sabes o que são essas coisas?’. Respondi: ‘Não, meu
senhor’”. A resposta em si é dada no último versículo do capítulo (v.14):
“Então ele disse: ‘Esses são os dois ungidos que servem ao Senhor de
toda a Terra’”. Os dois ungidos[94] não são identificados no texto, mas não
é tão difícil de reconhecê-los no meio da sociedade judaica. O derramamento
de óleo sobre a cabeça, cerimônia chamada de “unção”, era o rito de posse de
dois cargos dentro de Israel: o rei (1Sm 15.1; 16.1,13; 1Rs 19.16; 2Rs 23.30)
e o sacerdote (Ex 28.41; 29.1,7; 30.30; Lv 8.12,30; Nm 3.3). Nesse caso, as
pessoas que o Senhor parece ter em mente são o sumo sacerdote Josué e o
governador Zorobabel, apesar de esse último não ocupar oficialmente o cargo
de rei. Na verdade, Zorobabel era um príncipe da casa real de Davi que, não
de direito, mas de fato, agia como se fosse um governante real no meio do
povo, sendo figuradamente um “ungido”. Assim, os dois líderes do povo, o
líder espiritual e o líder político, são representados na visão do profeta como
instrumentos de Deus para a condução do povo e para a concessão de suas
bênçãos com a finalidade de promover a completa restauração da sociedade
judaica daqueles dias. Se, na visão anterior, o sumo sacerdote Josué é
encorajado a desempenhar sua função em Jerusalém, sabendo que seria
ajudado por Deus, aqui, ele e Zorobabel, são encorajados e avalizados diante
do povo, o qual devia obedecer a seus líderes para cumprir a vontade do
Senhor.
Que bom é saber que o Senhor, além de ser o dirigente e protetor do seu
povo, é também o sustentador dos servos que ele coloca para dirigir sua obra.
Caso contrário, o resultado seria baseado em esforços meramente humanos e
com abrangência e direção possivelmente diferentes daquilo que Deus
ensinou. É claro, também, que há a necessidade expressa de tais líderes se
submeterem às ordens do Senhor sabendo que a igreja pertence a Deus e não
aos homens ou aos dirigentes eclesiásticos. Por fim, os servos de Deus que
agem realmente como veículos das bênçãos do Senhor no meio do seu povo
são aqueles que se dividem entre a obediência e a dependência daquele que
abastece seu povo com o que lhe é necessário. Nesse caso, a luz divina é vista
por toda parte e deve ser o ponto de referência de todos aqueles que se
chamam pelo nome do nosso salvador que nos resgatou na cruz do Calvário.
ZACARIAS 5.1-4
O Castigo do Compromisso pela Metade

A sexta visão do profeta Zacarias é menor em tamanho que suas


precedentes próximas e menos complexa em sua visualização, apesar de sua
compreensão não ser extremamente óbvia, nem seu impacto pequeno. Na
verdade, ela é bastante severa com seus destinatários e completa um quadro
de restauração do povo perdoado e trazido de volta à terra da promessa. Se as
visões anteriores favoreceram a reconstrução do templo, a esperança de
reconstrução da cidade e do reinado messiânico e a restauração do sacerdócio
e do governo justos, agora o Senhor enfatiza a santidade e obediência do
povo à aliança como requisitos para as bênçãos divinas. A severidade da
mensagem vem de os requisitos não servirem apenas para abençoar o povo,
caso presentes, como também trazer punição como nas gerações passadas,
caso ausentes. Em resumo, havia chegado a hora de os judeus se
comprometerem seriamente com seu Senhor e com a aliança que fizeram com
ele.
A visão começa de um modo que se repete outras vezes no livro (Zc 1.18;
2.1; 6.1) que é o profeta levantar seus olhos e ver — vale informar que
levantar os olhos não quer dizer apenas olhar para cima, mas também olhar
para o horizonte (v.1): “Voltei a levantar meus olhos e eis que vi um rolo
que voava”. O início da visão apresenta apenas Zacarias, mas o
complemento traz novamente uma figura que conversa com o profeta,
provavelmente o anjo intérprete, a quem o texto não identifica claramente.
No mesmo sistema de pergunta e resposta entre Zacarias e seu interlocutor, a
visão se expande e adquire um significado mais complexo (v.2): “E ele me
perguntou: ‘O que tu vês?’, ao que respondi: ‘Eu vejo um rolo que voa, o
qual tem vinte côvados de comprimento e dez côvados de largura’”.
Inevitavelmente, o tamanho desse rolo, aberto e não enrolado, provavelmente
com a finalidade de ser lido facilmente por todos,[95] deixa perplexos os
leitores e os leva à busca do sentido para um tamanho fora do comum,
principalmente para os padrões e recursos da época — cerca de nove metros
de comprimento por quatro e meio de largura. O fato de o rolo estar aberto,
talvez associado à uma visão de Ezequiel (Ez 2.9,10), faz com haja quem
sugira que esse rolo que voava continha texto escrito dos seus dois lados, o
que não é dito por Zacarias, nem é necessário para a compreensão da sua
visão.
A descrição da medida do rolo é idêntica à medida do pórtico do templo de
Salomão (1Rs 6.3). Isso fez com que muitos estudiosos vissem nessa
semelhança uma relação entre a visão de Zacarias e o templo no sentido de
que a mensagem do rolo representasse a santidade do templo ou o governo
teocrático do Senhor. Entretanto, essa proposta tropeça em alguns fatores. Em
primeiro lugar, Zacarias, quando interrogado a respeito do rolo, informa seu
tamanho fazendo uma estimativa aproximada,[96] já que, em sua visão, o
rolo voava em vez de estar ao seu alcance para ser medido, de modo que o
que é posto em relevo é o grande tamanho e visibilidade do rolo e não sua
medida exata. Em segundo, a relação com o pórtico como representante da
santidade de Deus ou da teocracia deixa a desejar, já que tal pórtico não seria
a melhor parte do templo a se tomar para essas figuras. Além disso, uma
medida retirada da construção do templo atual, no qual os ouvintes do profeta
estavam trabalhando, cumpriria melhor essa função que uma medida antiga
de uma construção inexistente. Como não conhecemos as medidas das
dependências do templo de Zorobabel, essa sugestão não passaria de mera
especulação. E sair procurando na Bíblia outros locais ou objetos cujo
tamanho coincidam com o do rolo, também não.
O que há por certo é que o grande rolo continha palavras vindas de Deus
que não podiam ser ignoradas por nenhum judeu e eles também não podiam
afirmar inocência por desconhecimento, já que sua visibilidade, na visão,
estava diante de todo o território israelita — é provável que seja esse o ponto
posto em relevo pela visão do rolo. Quanto ao conteúdo do seu texto, os
versículos seguintes fornecem base para uma boa sugestão. Com isso, é
possível voltar o olhos para a pergunta que viria em primeiro lugar em
relação ao v.2: “O que significa o fato de o rolo voar?”. Pode-se pensar em
várias possibilidades de significado para o voo do rolo — e não faltam
sugestões dadas por diversos comentaristas —, mas, seguindo o curso do
texto, sentidos que devem ser seriamente avaliados são abranger todos os
judeus por todo o país (v.3) e alcançar punitivamente todos os infiéis onde
quer que estejam, ainda que na segurança dos seus lares (v.4).
Assim como em outras visões, essa não fica sem explicação (v.3): “Ele,
então, me disse: ‘Esta é a maldição emanada sobre a face do país inteiro,
pois todo aquele que roubar será removido de conformidade com ela e
todo que jurar falsamente será removido de conformidade com ela’”. Em
primeiro lugar, devemos nos perguntar “que maldição é essa?”. Para esse
fim, uma discussão pertinente é definir se a maldição em questão é lançada
sobre “o pais inteiro” ou sobre “toda a Terra” (kol-ha’arets). É certo que
segunda opção de tradução — “toda a Terra” — é mais frequente e usual no
Antigo Testamento. Contudo, o contexto da maldição parece estar baseado na
aliança que o Senhor fez com Israel no Sinai, a qual previa bênçãos e
maldições dependendo da fidelidade ou rebeldia do povo em relação aos
estatutos da lei (Lv 26; Dt 28) — a sentença “será removido de conformidade
com ela” aponta para um código legal estabelecido e conhecido dos ouvintes.
Isso quer dizer que, apesar de o texto prever uma maldição sobre a “face da
terra”, dando a entender um evento geográfico, trata-se de uma figura de
linguagem hebraica[97] para apontar primariamente o povo da aliança. Nesse
caso, a maldição é uma previsão de punição pela infidelidade e desobediência
dos judeus, o que é especificado em relação aos ouvintes de Zacarias como
“roubo” e “juramentos falsos”, dois pecados condenados na lei (Ex 20.7,15;
Lv 19.12). A razão da especificação desses dois pecados pode ser representar
as duas tábuas da lei,[98] apontando, com isso, para toda a aliança, ou pode
se dever à possibilidade de que tais pecados estivessem tomando um lugar de
destaque no modo de vida daquele povo, necessitando tratamento imediato a
fim de impedir o desvio da nação. Assim, o que o escritor tem em mente não
é um castigo lançado sobre toda o planeta Terra ou sobre todos os povos do
globo, mas sobre Israel, o povo da aliança, aqui representado pelo país ou
pelo território no qual habitava.
Para que ninguém culpasse a sorte, a meteorologia ou a política
internacional caso as maldições da lei voltassem a abater o povo israelita, o
Senhor avisa que ele mesmo é quem lançaria o castigo sobre seu povo (v.4):
“Eu a emanarei — declara o Senhor dos exércitos — e ela entrará na
casa daquele que roubar e na casa daquele que jurar pelo meu nome
falsamente de modo que ela se alojará no meio das suas casas e
consumirá suas madeiras e suas pedras”. Na prática, esse versículo diz a
mesma coisa que o anterior, com a diferença de apresentar alguns detalhes
importantes. Em primeiro lugar, a fonte do castigo: o próprio Deus — o v.3
não apresenta o agente da emanação da maldição, apenas o fato de ela ser
“emanada”, diferente do v.4 que aponta o Senhor como o responsável direto
da ação. Em segundo, o alcance: os lares, descrevendo uma punição que
chegaria a todo o povo e não apenas à liderança nacional ou ao exército. Por
último, a gravidade: abatimento total, sendo que o castigo tomaria lugar entre
o povo, não de um modo passageiro, mas consistente, fazendo valer as
palavras “ela se alojará”. Assim, as casas do povo infiel seriam consumidas
por inteiro, o que, figuradamente, aponta para uma punição completa dos
rebeldes e, talvez, para outra queda nacional como a que houve diante da
Assíria, em relação ao reino do Norte, Israel (722 a.C.), e da Babilônia, em
relação ao reino do Sul, Judá (587 a.C.).
Em resumo, o texto quer dizer que Deus, apesar de vir retendo até então as
maldições da lei[99] sobre os israelitas que estavam ignorando a santidade do
procedimento requerido por Deus, ainda que o merecessem, ele não o faria
para sempre, havendo um tempo em que tornaria a castigar o povo por sua
infidelidade, assim como fizera antes. Por isso, apesar da segurança de
bênçãos e de um governo messiânico sobre um país independente e soberano
no futuro providas pelas palavras dos profetas Ageu e Zacarias, ninguém
devia se sentir seguro demais caso resolvesse se manter rebelde à aliança. Era
preciso que a reforma fosse total e envolvesse a vida de cada israelita como
servo verdadeiro do Senhor.
A clara lição desse texto é que Deus não quer comprometimento pela
metade. Isso valia para os israelitas do passado e vale para a igreja do
presente. Não basta servir a Deus parcialmente separando alguns momentos
para cultuá-lo enquanto, no restante, seu nome é esquecido e desonrado.
Também não é possível escolher áreas nas quais honrar ao Senhor ao passo
em que se separa outras para se viver alheio a Deus como se fosse possível
manter privacidade diante do Senhor. É preciso que a vida toda do servo de
Deus esteja empenhada em glorificá-lo, seja no trabalho, na família, nos
negócios, na igreja e em tudo mais que se fizer. Uma vida plenamente
entregue ao Senhor é o campo propício para que ele cultive sua vontade e
suas bênçãos em nosso favor. Entretanto, um Cristianismo nominal e um
discipulado parcial são os campos sobre os quais o Senhor pode lançar
grandes tempestades ou secas severas. Por isso, que nossa prática sempre
reflita os dizeres do apóstolo: “Se vivemos pelo Espírito, andemos também
pelo Espírito” (Gl 5.25).

ZACARIAS 5.5-11
A Retirada da Impureza

A sétima visão de Zacarias continua abordando a questão da pureza do povo


judeu, porém, em um molde mais complexo que levanta automaticamente
uma série de perguntas por parte do leitor. Algo, contudo, fica evidente:
certas facetas da vida e da religião babilônica, devido aos anos de exílio,
estavam presentes no seio da comunidade judaica e precisavam ser
abandonadas por completo para eles servirem a Deus na qualidade de povo
da aliança. Se as gerações pré-exílicas foram julgadas e punidas pela sua
indecisão sobre quem adorar e servir (1Rs 18.21) e por seu ecumenismo (2Rs
17.33,41; Sf 1.5), a geração pós-exílica tinha a obrigação de aprender com os
erros do passado e, assim, acertar no presente.
A visão se inicia com um chamado do anjo intérprete para que Zacarias
olhasse algo que entrava em cena (v.5): “Então, saiu o anjo que falava
comigo e me disse: ‘Levanta os teus olhos e vê o que é isso que sai”. O
chamado à observação de algo novo que surge é uma evidência inegável de
que a visão anterior se encerrou e uma nova visão tem lugar diante do
profeta. Algo interessante é que o objeto da visão não está estático, mas em
movimento, o qual é difícil definir. Ao dizer “isso que sai”, a ideia pode ser
de que o objeto já está sendo retirado daquele local, como mostra o restante
da visão, ou de que ele surge no raio de visão dos interlocutores. De qualquer
modo, a ideia do movimento é importante, pois a visão trata de algo que não
pode permanecer arraigado no meio do povo que pretendia servir de coração
ao Senhor e que vinha sentindo os efeitos da graça restauradora.
Entretanto, apesar de ser algo visível, o objeto da atenção de Zacarias lhe
intriga e necessita explicação, o que ele pede ao anjo (v.6): “Eu perguntei:
‘O que é isso?’. E ele respondeu: ‘Isso que sai é um pote de medir’. E
disse: ‘Essa é a iniquidade deles em toda a terra’”. O “pote de medir”, na
verdade, é um “efa”. Trata-se de uma medida de secos, utilizada na época no
comércio de grãos, cujo volume girava em torno de 20 litros.[100] Assim,
potes do tamanho de um efa eram peças comuns e bem conhecidas. Apesar
de ser essa a palavra hebraica que aparece no texto, o contexto demonstra que
o foco em questão não é a medida em si, mas o pote usado para medir.
Mesmo porque, dado o restante da visão, percebe-se que a medida estava
longe de ser algo em torno de 20 litros, mas algo aumentado (v.7), mantendo-
se apenas a aparência do pote. Chamar um recipiente pela sua medida não é
uma prática desconhecida de nós — basta lembrar de quando vasilhames de
líquidos eram chamados de “litro”, mesmo aqueles cujo volume não era
exatamente 1 litro.
Assim, a primeira parte da explicação do anjo deve ter sido algo óbvio para
Zacarias, já que ele tinha condições de reconhecer um pote. Entretanto, o
restante justifica a pergunta do profeta, pois o significado do objeto é que
perfazia o sentido e o propósito da visão. Quanto a isso, o anjo intérprete
identifica o pote de medir com a “iniquidade”, ou seja, os atos de pecado que
desagradam a Deus, que geram culpa em quem os pratica e que os tornam
passíveis do castigo do Senhor. Dito isso, deve-se perguntar a quem o anjo
atribui a iniquidade, uma vez que ele simplesmente diz “iniquidade deles”,
sem especificar o grupo de pessoas. Ele completa traçando um limite
geográfico para tais iníquos de maneira genérica, dizendo apenas “na terra”,
sem apontar que terra é essa. Há quem entenda que “eles” é uma referência à
humanidade e que “terra” é o mundo inteiro. Porém, os propósitos das visões
de incentivar a reconstrução do templo, de purificar os judeus e de
restabelecer o culto e a comunhão com seu Deus tornam essa possibilidade
sem sentido. Além disso, essa iniquidade, no restante da visão, é retirada
dessa “terra” e levada para outra localidade no próprio planeta Terra (v.11).
Assim, o melhor modo de interpretar a explicação do anjo é que o pote
representa a iniquidade do povo judeu que retornou do exílio, o qual
novamente estava pecando na terra da promessa, correndo novo risco de
disciplina na forma de uma deportação do seu país.
A visão, a partir daqui, assume novos graus de complexidade com a
introdução de novos elementos. O primeiro deles vem da observação do
interior do pote (v.7): “E eis que uma tampa de chumbo foi levantada e
uma mulher estava sentada dentro do pote”. Tão logo se leia esse
versículo é possível notar que não se trata de um pote pequeno, mas de algo
grande, assim como também ocorreu com a visão, anterior a essa, do grande
rolo que voava. Esse pote de medir tinha tamanho suficiente para caber uma
mulher dentro. O que deve nos prender a atenção é por que essa mulher está
dentro do pote. O texto produz uma imagem dessa mulher, cujo significado é
explicado no versículo seguinte, como sendo mantida contra a vontade dentro
do pote, já que a tampa do recipiente é feita de “chumbo”. Antes que o
profeta clame novamente por uma explicação àquela intrigante imagem, o
anjo se adianta e traz luz ao sentido da visão (v.8a): “E ele disse: ‘Essa é a
impiedade’”. Se o pote, em vez de medir grãos, vinha sendo utilizado para
medir a iniquidade do povo judeu na terra da promessa, a própria impiedade
deles estava no interior da vasilha personificada por uma mulher. Assim, é
como se dissesse: “Essa mulher representa a impiedade”.[101] É arriscado
tentar adivinhar a razão da personificação do mal surgir na forma de uma
mulher e não de um homem. Hipóteses possíveis seriam o fato de o pecado
ser atraente e sedutor, ou o apego dos israelitas à religiosidade da Babilônia,
de onde retornaram, em que figuram divindades como Ishtar, deusa do amor
e da fertilidade, e até mesmo o fato de a palavra hebraica traduzida por
“impiedade” ser um substantivo feminino. Entretanto, tais pensamentos não
passam de especulação e não são necessários para a identificação da
impiedade no interior do pote.
A visão prossegue (v.8b): “Então, ele a lançou para dentro do pote e
colocou a tampa de chumbo sobre a boca dele”. Não é dito pelo texto, mas
a cena parece ser de que a mulher, ao se abrir o pote, tenta fugir e precisa ser
lançada com força novamente em sua prisão, sobre a qual é recolocada a
pesada tampa. É difícil definir a abrangência da ideia da prisão, já que o
povo, de fato, vinha pecando livremente e necessitava de uma ação
purificadora vinda de Deus. Dois podem ser os significados da iniquidade
presa sob a tampa de chumbo. A primeira é que o Senhor vinha contendo a
maldade para ela não se alastrar como no passado; e a segunda, que ele tem
domínio sobre o pecado do homem para promover restauração e avivamento
quando bem entender. Essas duas possibilidades podem estar presentes
simultaneamente. De qualquer forma, fica claro que a iniquidade dos judeus
precisava de providências sérias, vindas de Deus, para que não tivesse lugar
no meio do seu povo.
Entram, então, em cena, novos personagens que interagem com o pote (v.9):
“Então, levantei meus olhos e vi: Eis que saíram duas mulheres com um
vento em suas asas — as asas delas eram como asas de uma ave
migratória. Elas carregavam o pote entre a terra e o céu”. Essas duas
mulheres, diferente da primeira, não são citadas como personificações de
nada. Elas apenas são descritas como tendo “asas”. A palavra hebraica para
“asa” também pode ser traduzida como “orla” ou “borda”,[102] apontando
para as extremidades de um vestido, o que realmente se integraria melhor à
imagem das mulheres. Contudo, a sequência do texto traça um símile entre as
asas das mulheres e as asas de uma “ave migratória”, ou de uma cegonha.
Independente de ser uma cegonha ou outra espécie de ave, o que fica claro é
que as asas são grandes — aves que migram para regiões distantes têm asas
com envergadura suficiente para uma viagem desse porte.
Essa conclusão leva boa parte dos leitores a identificar as duas mulheres
como anjos do sexo feminino, o que cria pelo menos dois problemas. O
primeiro é ir além do que o texto diz e criar uma doutrina inexistente na
Bíblia — vale lembrar que Jesus ensinou a inexistência, na esfera angelical,
de relacionamento “homem e mulher” como na raça humana (Mt 22.30). O
segundo é ignorar o caráter simbólico da visão em que a impiedade é uma
mulher sentada dentro de um pote que é nomeado de iniquidade em toda
terra. Portanto, deve-se ser cauteloso em relação às figuras da visão e atentar
para o significado e aplicação que Deus pretendeu transmitir por meio dela.
Um perigo adicional vem de tentar identificar tais mulheres, como alguns
fazem, com Assíria e Babilônia, nações que exilaram os israelitas (722 a.C. e
587 a.C., respectivamente), o que foge totalmente ao sentido da visão.[103]
Sem identidade definida, as duas mulheres agem sob o comando de Deus em
prol da purificação de Judá.
Assim, as mulheres, com vento em suas grandes asas — produzindo a ideia
de um voo —, “carregavam” ou “levantavam” no ar o pote da iniquidade.
Trata-se de um transporte e o texto subsequente aclara o destino da viagem
(v.10): “Perguntei, então, ao anjo que falava comigo: ‘Para onde elas
estão levando o pote?’”. Mesmo antes de o anjo intérprete responder à
pergunta, já é possível depreender parte da lição que o Senhor pretende
ensinar com isso. Ao apresentar a iniquidade dos judeus na terra da promessa,
denunciada também por Ageu, ele deixa claro que é preciso conter a maldade,
retirá-la daquela terra e levá-la para bem longe, tão longe quanto voam as
aves migratórias. Na prática, isso significa evitar seriamente o pecado, não
imitando as nações ao redor. Esse quadro também lembra que não adiantava
retirar apenas os rebeldes em pecado flagrante (Zc 5.3), mas era preciso
retirar toda iniquidade do modo de vida da nação.[104]
Esse ensino se torna ainda mais específico quando o anjo responde à
pergunta do profeta (v.11): “Ele me respondeu: ‘Para construir para a
mulher uma casa na terra de Sinar. Quando estiver pronta, ela será
posta ali, na sua morada’”. A terra de Sinar é a região onde está localizada
Babilônia (Gn 10.10). Além de essa cidade representar nas Escrituras o foco
do sentimento e das atividades contra Deus (Gn 11.4; 14.1; Is 13–14; 47:1,3;
Jr 50–51; Ap 14.8; 17.1,5,18; 18.21),[105] para os judeus do período pós-
exílico ainda consistia no local em que, em sua maioria, nasceram, cresceram
e foram educados. Por essa razão, apesar de terem sido criados nos ensinos da
lei e dos profetas, também tiveram sua mentalidade formada no meio de
pagãos incrédulos, o que fatalmente acabou por moldá-los em alguma
medida, Isso, certamente, os fez adotar padrões morais e um estilo de vida
menos exigente que o requerido pela lei.[106] Essa contemporização com a
cultura e a religião das nações, principalmente a babilônica, não era aceitável
para o povo que queria reconstruir, pela graça, seu relacionamento com Deus
e servi-lo dignamente. Por isso, os antigos hábitos babilônicos deveriam
permanecer na Babilônia, habitando ali com seus compatriotas, e jamais
encontrar morada no meio de Israel, o povo do Senhor. Essa é a imagem
completa da purificação que o Senhor faria, a qual o povo devia aceitar e com
a qual devia cooperar.
Tirando os detalhes do contexto histórico e o relacionamento pactual com
Deus por meio da lei característico de Israel, a lição desse texto é tão válida
para a igreja de hoje como foi para os judeus dos dias de Zacarias. O pecado
da acomodação ao sistema mundano de vida e de valores persiste em frear a
edificação do povo do Senhor. A iniquidade de hoje é tão ou mais atraente
que daqueles dias, fazendo com que também nas igrejas vá se instalando
gradualmente um sistema de vida e de culto menos exigente em relação às
Escrituras e mais tolerante com a perda de identidade e santidade dos crentes
como povo separado ao seu salvador, Jesus Cristo. Sob a desculpa de um
amor sem compromisso e de uma paz que não leva em conta a justiça, a
“Babilônia” tem entrado no meio da igreja e a tem aproximado cada vez mais
do mundo. A sétima visão do profeta Zacarias brada em nosso meio: “Chega!
Não é possível servir a dois senhores (Mt 6.24)! Afastai de vós a iniquidade
para que a igreja seja santa para aquele que a comprou com seu sangue (At
20.28)! Dependentes de Deus, lutai com domínio próprio (Gl 5.22,23) para
conter vossos atos iníquos e trabalhai por uma vida santa, pois vosso Deus é
santo (1Pe 1.16)! Servi vosso Deus com veracidade, fidelidade e
comprometimento integral!”. Ao final, ela completaria: “E que o mal, longe
da igreja, habite no mundo perdido, sobre o qual o juízo está para vir”.
ZACARIAS 6.1-8
O Poder de Deus que Percorre a Terra

A oitava e última visão de Zacarias, certamente uma das mais complexas


dentre as oito, tem estreita ligação com a primeira, tanto por causa da figura
dos cavalos como pelo fato de eles partirem pelo mundo como portadores do
poder de Deus e veículos da sua soberania sobre a Terra.[107] É possível
fazer uma relação mais detalhada entre as visões no que tange à cor dos
cavalos — há ainda quem faça a associação entre as cores dos cavalos de
Zacarias e as funções dos cavalos de cada cor em Apocalipse (Ap 6)[108] —,
mas isso não é necessário e pode ultrapassar a intenção do texto e ser até um
ponto de desvio da mensagem central da visão. Apesar das semelhanças entre
a primeira e a última visão do profeta, elas abarcam momentos diferentes da
administração divina da história e do cuidado do seu povo. Enquanto a
primeira visão demonstra que Deus mantinha pleno conhecimento e controle
das nações, garantindo com isso a reconstrução do templo pelos judeus,[109]
a última aponta para o tempo futuro em que o Senhor vindicará seu povo,
abatendo as nações inimigas e trazendo, subsequentemente, o rei prometido
para governar o povo da aliança (Zc 6.9-15).
A última visão se inicia com a visualização de uma nova cena diante dos
olhos do profeta (v.1): “Novamente, levantei meus olhos e vi: Eis que
saíam quatro carros do meio de dois montes, montes que eram de
bronze”. Apesar de haver cavalos como na primeira visão, aqui é introduzida
a figura de carros ou carruagens. É certo que, ao longo da história dos últimos
séculos, as carruagens se tornaram ícones do luxo, da pompa e da riqueza.
Entretanto, na época em que Zacarias profetizou, tais carros puxados por
cavalos tinham uma marcante função militar, fazendo pender o resultado de
muitas batalhas a favor de quem os possuísse em bom número e soubesse
manejá-los bem. Enviados como um tipo de esquadrão de elite de grande
poder, eles causavam danos nas linhas inimigas assim como tanques de
guerra o fazem diante de soldados de infantaria. A figura militar dos carros é
adornada pela menção de dois “montes de bronze”. Muitas são as propostas
sobre o significado do bronze em tais montes, mas a que parece prevalecer e
condizer com a ideia geral e com a presença de carros de guerra é seu uso
militar. Assim como o ferro, o bronze era usado nos aparatos militares e
promovia uma boa proteção aos soldados. Desse modo, levando em conta que
os cavalos vêm da presença de Deus (v.5), a intenção parece ser afirmar o
poder e a invencibilidade do Senhor, como se as montanhas fossem os
próprios portões dos céus por onde passam seus enviados a fim de conquistar
as nações.[110]
A primeira cena é, então, aproximada e não apenas os carros são
identificados, mas também seus cavalos, formando um paralelo inegável com
a primeira visão (vv.2,3): “No primeiro carro havia cavalos marrons, no
segundo carro havia cavalos pretos, no terceiro carro havia cavalos
brancos e no quarto carro havia cavalos malhados — todos eles fortes”.
Esse texto deixa claro que a associação dessa visão à primeira é limitada e
não deve ser superexplorada, principalmente com relação a sentidos ocultos
nas cores dos cavalos. A razão para isso é o fato de, em primeiro lugar, os
cavalos pretos aqui citados não figurarem entre os cavalos da primeira visão,
nem coincidirem as descrições entre os cavalos “malhados” desta com os
“baios” daquela — em Apocalipse 6.8, a menção a um cavalo “amarelo” ou
“pálido” se aproxima mais dos “baios” de Zacarias 1.8 que dos “malhados”
ou “manchados” de 6.3, tornando forçada a identificação dos cavalos dessa
visão com os de Apocalipse. Logo, o texto não parece elevar a importância
das cores, mas sua função de cavalos como enviados de Deus a terras
distantes, rendendo às cores o simples papel de auxiliar o leitor na
visualização das comitivas partindo rumo aos destinos ordenados pelo
Senhor. Algo notável, ainda no v.3, é o adjetivo “fortes” no final da frase, o
qual parece designar não apenas os cavalos malhados, mas todo o grupo,
qualificando-os como animais de primeira escolha para uso militar. Essa
figura favorece os conceitos da soberania e do poder de Deus e da subjugação
das nações inimigas de Israel pelas forças enviadas pelo Senhor — o mesmo
termo é usado no v.7 para se referir a esse grupo de cavalos.
Assim como em outras visões, o quadro intriga o profeta e faz com que ele
peça explicações que o façam entender o sentido do que vê (v.4): “Então, eu
perguntei ao anjo que falava comigo: ‘Que é isso, meu senhor?’”. O anjo
intérprete cumpre sua função e dá uma resposta que, apesar de sucinta, é bem
abrangente e elimina a necessidade de novos questionamentos (v.5): “E o
anjo respondeu a mim: ‘Esses são quatro espíritos dos céus que saem do
lugar onde estavam presentes ante o Senhor de toda a Terra’”. Pelo
menos três informações importantes são derivadas dessa resposta. Em
primeiro lugar, a identificação dos conjuntos de carros e cavalos com
“espíritos dos céus”. Apesar de a mesma expressão poder ser traduzida como
“ventos dos céus”, o papel deles no texto acaba por lhes render certa
personalidade, pelo que é preferível compreendê-los como espíritos, ou anjos
que levam juízo às nações — além do mais, a figura de quatro ventos indo
pelo mundo dispensaria a visão de carros e cavalos. Em segundo lugar, a
origem da sua jornada descrita como “o lugar onde estavam presentes ante o
Senhor”, além de reforçar a tese de serem seres angelicais (cf. Jó 1.6; Mt
18.10), transmite a ideia de eles serem comissionados diretamente por Deus
para realizarem sua missão. Por fim, ao dizer “Senhor de toda a Terra”, o
texto nos exibe a soberania de Deus que, para os judeus dos dias de Zacarias
e para os servos do Senhor de todas as eras, constitui a razão da esperança
futura de vindicação em relação às perseguições do mundo e de
estabelecimento permanente em paz.
A seguir, o itinerário das comitivas é dado pelo profeta (v.6): “[O carro]
em que estavam os cavalos pretos saiu para a região do Norte. Os
brancos seguiram após eles. Os malhados saíram para o Sul”. O v.6
sofreu certa corrupção nos manuscritos antigos de modo a chegar a nós com
uma lacuna a ser preenchida, aqui apresentada entre chaves. Ela se deve ao
fato de o versículo começar iniciando com a partícula “que” (’asher),
demonstrando que esse não é o início original da frase. O que não se sabe é
quanto do texto foi perdido. Uma opção, seguida aqui, é completar a frase
com “o carro” a que estavam ligados os cavalos pretos. Outra opção, mais
ousada, é entender que um trecho bem maior se perdeu no qual estariam a
presença e o itinerário dos cavalos marrons, ausentes nesse texto. Essa não é
uma opção nada absurda, porém, é, em boa medida, arbitrária. Em primeiro
lugar porque, apesar de haver muito sentido na presença dos primeiros
cavalos da lista, ainda assim é preciso supor sua presença e adivinhar o
itinerário que eles seguiram. Quem opta por isso, acaba por traduzir o rumo
dos cavalos brancos como “Oeste” (lit. “para o mar”, sugerindo o mar
Mediterrâneo, limite oeste de Israel), quando nem a Septuaginta, nem a
Vulgata Latina — traduções do Antigo Testamento bem mais antigas que o
texto hebraico que possuímos — dão margem para tal emenda. A necessidade
do rumo oeste é supor que, tendo a partir disso três pontos cardeais — norte
(cavalos pretos), oeste (cavalos brancos) e sul (cavalos malhados) —, os
cavalos marrons devem ter seguido rumo ao leste. Essa é uma opção
arriscada que não faz jus ao método adequado de se tratar as Escrituras,
razão pela qual a primeira opção é preferível.
Além do mais, não há nada de errado em dois carros seguirem rumo ao
norte, dada a extensão de terra e número de povos localizados naquela
direção. Também não é surpreendente faltarem os pontos cardeais leste e
oeste, já que a oeste de Israel não há nenhum país, mas sim o mar, e a leste há
um grande deserto que divide Israel dos países orientais, razão pela qual raras
comitivas se arriscavam a trafegar por ali. Na verdade, para se viajar para o
oriente era necessário seguir primeiro rumo ao norte. Desse modo, os cavalos
pretos e brancos da visão de Zacarias, seguindo inicialmente o mesmo rumo,
poderiam posteriormente se separar e seguirem, já em terras mesopotâmicas,
destinos diferentes abrangendo povos diversos — deve-se lembrar que os
impérios do Oriente, como Assíria e Babilônia, ao atacarem Israel, vinham
com seus exércitos pelo norte.[111] O fato é que a corrupção do texto do v.6
não corrompe a ideia de Deus enviar seus carros de batalha pelo mundo (v.7),
sobre os povos aos quais Israel temia. A proclamação da soberania de Deus
sobre as nações, assim como na primeira visão do profeta (Zc 1.7-17),
permanece intacta.
O texto seguinte reforça a mensagem já exposta, mas não deixa de fornecer
novos detalhes (v.7): “Assim, os fortes saíram, ansiosos para seguir, a fim
de percorrer a Terra. Então, o Senhor lhes disse: ‘Percorrei a Terra’. E
eles percorreram a Terra”. Os conjuntos de cavalos com seus carros de
guerra, aqui simplesmente nomeados como “fortes”, partem aos seus destinos
demonstrando grande determinação. A figura de cavalos ansiosos para sair
nos remete à imagem de cavalos que, além de fortes, são também valentes,
acostumados com as batalhas e preparados para sair a qualquer instante.
Associado à menção de força, essa descrição transmite o senso de um grande
poder destruidor. Por outro lado, se o comando de Deus era até agora
implícito na menção ao ponto de partida da corrida dos cavalos, agora se
torna explícito quando o Senhor ordena a missão e seus servos a cumprem
cabalmente com obediência e determinação. Apesar de a palavra “Senhor”
não constar no texto hebraico, a natureza da ordem e o resultado da missão
(v.8) tornam clara a identificação de Deus como o interlocutor dos vv.7,8.
Dada a ordem aos cavalos, o Senhor se volta ao profeta e lhe dá um
vislumbre do resultado da missão para a qual acabara de enviar seus servos
(v.8): “Então, ele gritou a mim e me disse o seguinte: ‘Vê! Os que saem
para a região do Norte fizeram assentar meu Espírito na terra do
Norte’”. O fato de ele gritar pode significar que a mensagem que ele traz é
algo que deve ser bradado e proclamado a todos (cf. Jn 3.7),[112] ou ,
simplesmente, como parte da cena, é dito por ele à distância, de onde estava
comandando seus velozes e valentes cavalos. Não sendo exatamente esse o
principal obstáculo à interpretação do versículo, podemos apontar três
dificuldades que têm dado margem para um grande número de teses a
respeito do sentido do texto. A primeira é onde exatamente é o ponto ao qual
se faz referência como sendo a região do Norte. Muitos países são localizados
ao norte de Israel, desde aqueles que no passado foram fontes de sofrimento
para Israel, como Aram (atual Síria), mas que nos dias de Zacarias não eram
tão significativos, até países futuros que desempenhariam um papel militar de
destaque como inimigos de Israel (Ez 38.15,16; Jl 2.20).[113] Zacarias já
havia se referido à terra do Norte apontando o juízo sobre os locais em que os
israelitas foram exilados e de onde deviam fugir (Zc 2.6), tornando,
obviamente, Babilônia como a nação que primeiro vinha à mente diante de
uma mensagem como essa. Entretanto, levando em conta que o Senhor se
refere a uma ação que fará no futuro, a Babilônia e as terras do Norte devem
representar as nações que se tornam opositoras dos israelitas e que, lutando
contra eles, serão abatidas poderosamente pelo Senhor (Ez 38–39).[114]
A segunda dificuldade é definir de quem é o “espírito”. Como dito
anteriormente, a ordem dada aos cavalos demonstra autoridade e propósito
compatíveis com a pessoa do Senhor, razão pela qual a tradução aqui foi feita
com letra maiúscula, apontando para o “Espírito” de Deus. Possibilidades
ligadas ao espírito do anjo intérprete ou de outras pessoas ou realidades
fogem ao sentido do contexto. Por fim, a última e, talvez, a maior
dificuldade, é interpretar o resultado da ação dos enviados rumo ao Norte.
“Fizeram assentar meu Espírito” também pode ser traduzido como “deram
paz ao meu Espírito”. A primeira possibilidade — assentar — produz a ideia
de sucesso na conquista militar, revelando o poder, a soberania e o domínio
do Senhor sobre o mundo. A segunda — dar paz — seria, entre outras
propostas, o resultado de Deus ter executado completamente o juízo previsto
para as nações ímpias, de modo que, ao se completar a tarefa, a ira do Senhor
é apaziguada.[115] Na verdade, é muito provável que os dois sentidos sejam
concomitantes no texto e devem encher de esperança aqueles que aguardam a
restauração futura a ser promovida após o juízo divino. Para os judeus dos
dias de Zacarias, significava que eles deviam manter a coragem e a esperança
enquanto trabalhavam, mesmo diante da oposição, na reconstrução do templo
e sabendo que eles ainda teriam de servir a um país estrangeiro sem poder
desfrutar de soberania nacional. Para um povo com tantos percalços, a
promessa de vindicação e de restauração agia como uma injeção de ânimo.
Felizmente, essa é uma esperança que é dada também à igreja de Cristo,
afirmando que, nos dias finais, os inimigos perseguidores do povo de Deus,
intitulados figuradamente como “Babilônia”, serão abatidos e seu mal será
punido: “E um forte anjo levantou uma pedra como uma grande mó, e
lançou-a no mar, dizendo: Com igual ímpeto será lançada Babilônia, aquela
grande cidade, e não será jamais achada” (Ap 18.21). Se isso parece ter
relação apenas com os maus, sem produzir qualquer fruto sobre aqueles que
pertencem a Deus, basta notar a sequência escrita pelo apóstolo João: “E,
depois destas coisas, ouvi no céu como que uma grande voz de uma grande
multidão, que dizia: Aleluia! Salvação, e glória, e honra, e poder pertencem
ao Senhor nosso Deus” (Ap 19.1). Essa não é apenas a nossa esperança. É
também, pela graça do Senhor, o nosso futuro.

ZACARIAS 6.9-15
O Reinado e o Sacerdócio do Messias

Logo após o profeta Zacarias ter sua oitava e última visão, Deus fala com
ele acerca de uma tarefa bastante significativa, apesar de simbólica. O que
divide os comentaristas é o papel desse trecho dentro das visões. Há quem
considere os vv.9-15 como sequência da visão dos vv.1-8, ignorando a brusca
mudança de linguagem, da figuração, da abrangência e da aplicação da
mensagem, além de menosprezar a introdução (v.9) que marca uma nova
seção. Por outro lado, há quem pareça simplesmente desligar os vv.9-15 das
visões de Zacarias, deixando passar o fato de que ele trata de uma sequência
natural de eventos, além do fato de que nada sugere ter havido grande
intervalo de tempo entre as visões e a ordem divina de se coroar o sumo
sacerdote Josué. Diante dessa dificuldade — e dos muitos obstáculos de
tradução do trecho —, ao que tudo indica, a segunda parte do capítulo 6 de
Zacarias age como uma conclusão para a mensagem construída passo a passo
por meio das visões, servindo também de garantia de um “final feliz” para os
servos de Deus devido à sua graça e seu poder.
Isso se inicia, como ocorre em outras partes do livro (Zc 1.1,7; 4.8; 7.1,4,8;
8.1,18), com o Senhor se dirigindo diretamente ao profeta (v.9): “Então, veio
a mim a palavra do Senhor dizendo”. O que vem a seguir não mais contém
seres, objetos ou pessoas misteriosas que necessitam de interpretação, mas
homens reais, vindos do exílio, a quem o profeta devia se dirigir e com quem
devia interagir (v.10): “Haja uma coleta dentre os exilados Heldai, Tobias
e Jedaías, os quais chegaram da Babilônia, e vai tu, no mesmo dia, à casa
de Josias, filho de Sofonias.”. Apesar de haver quem sugira que tais pessoas
são apenas representações do culto e do relacionamento com Deus, dados os
significados dos seus nomes ao longo do texto, o natural é vê-los como
pessoas de destaque que possivelmente lideraram comitivas de retorno de
judeus exilados na Babilônia de volta a Judá. Mesmo não havendo nenhum
outro nome ou qualquer contagem de exilados, é difícil imaginar apenas três
ou quatro homens fazendo uma viagem de retorno do exílio. Além disso, o
fato de o profeta receber deles ouro e prata (v.11) indica que ou eles eram
homens ricos, o que não é muito comum a exilados em terras estrangeiras, ou
eram homens influentes que lideravam comitivas que, juntas, podiam trazer
ofertas para o templo e atender ao pedido de Zacarias segundo a orientação
de Deus. Além disso, o fato de Josias ser citado como “filho de Sofonias”,
apesar de não termos certeza de quem se trata,[116] evidentemente é uma
menção a alguém conhecido, respeitado e importante em seus dias.
Não obstante o v.10 conter apenas a ordem de o profeta “coletar” ou
“receber”, não é dito o que se deveria coletar, fato esclarecido a seguir (v.11):
“Coleta ouro e prata, faze uma coroa e põe-na na cabeça do sumo
sacerdote Josué, filho de Jeozadaque”. A coleta dos metais preciosos tinha
uma função clara: confeccionar uma coroa. A palavra coroa se encontra aqui,
em sua forma hebraica, no plural, enquanto no v.14 ela aparece no singular.
Há uma discussão se isso se deve a alguma corrupção no texto ou se a coroa
era formada por vários diademas colocados uns sobre os outros, mas tais
possibilidades não mudam a ideia central de se fazer uma coroação. O que
realmente surpreende, e por esse motivo há muitos que defendam que o
coroado seria outra pessoa, é o sumo sacerdote receber a coroa feita pelo
profeta. O sumo sacerdote Josué era o representante religioso da sociedade
judaica daqueles dias, mas o representante político, descendente da linha real,
era Zorobabel. Era bastante lógico e esperado que o coroado fosse o príncipe
de Israel, descendente de Davi, e não o sumo sacerdote. Por isso, há quem
diga que quem foi coroado de fato foi Zorobabel e também quem defenda que
duas coroas foram confeccionadas, uma para Zorobabel e outra para Josué.
Entretanto, essa discussão é inútil visto que a história nos desvenda que não
apenas nenhum dos dois foi feito “de fato” rei, como Judá somente voltou a
ter no século 2 a.C. a figura e o ofício de um monarca, 481 anos depois do
retorno dos judeus da Babilônia.[117]
Essa questão recebe uma nova luz mediante a continuidade do texto (v.12):
“Então, tu dirás a ele o seguinte: ‘Assim diz o Senhor dos exércitos: Eis o
homem cujo nome é Renovo. Ele brotará do seu lugar e edificará o
templo do Senhor’”. Tais dizeres expressariam que tipo de cerimônia de
coroação seria aquela. Para tanto, é preciso observar o nome oferecido para
identificar o rei: “Renovo”. Como dito no comentário de Zacarias 3.8,
“renovo” é um broto de árvore e também um título messiânico utilizado por
alguns profetas (Is 4.2; Jr 23.5; 33.15). Assim, não era a primeira vez que os
israelitas ouviam o termo e já estavam habituados a associá-lo ao Messias
prometido pelos profetas pré-exílicos, ao passo que em nenhum outro lugar o
sumo sacerdote Josué é associado ao termo, nem é apelidado assim — em
Zacarias 3.8 fica clara a distinção entre o sumo sacerdote e o Renovo divino.
Além do mais, a sequência contém uma previsão futura que não se
enquadrava com a realidade de Josué, em primeiro lugar porque ele já tinha
um cargo elevado e não aguardava a oportunidade de uma elevação
figuradamente descrita como “brotar”[118] e, em segundo, porque o templo
já estava em construção e ele não era o responsável principal pela direção das
obras, mas sim Zorobabel.
Apesar disso, é reafirmado que o coroado construiria o templo e deteria em
suas mãos a soberania do seu trono, não sendo nem um tipo de “fantoche
real” (v.13a): “Ele é aquele que edificará o templo do Senhor, aquele que
será exaltado em majestade e se assentará e governará em seu trono”.
Diante disso, não devemos olhar para Josué como o detentor das
prerrogativas apontadas no texto, mas um representante de quem assumiria
tanto a função como a glória do posto real. Nesse caso, longe de ser coroado
de fato rei de Judá e assumir as prerrogativas previstas na ascensão do
Renovo ao trono, Josué tipifica[119] o próprio Messias e o que ele fará no
futuro. Sendo assim, devemos nos perguntar o que significa ser o Messias
“aquele que edificará o templo do Senhor”. Para isso, precisamos olhar para
as esperanças futuras daquela geração, a qual recebeu do profeta Ezequiel,
que atuou na Babilônia entre os exilados, a promessa da construção de um
templo e do estabelecimento do culto ao Senhor (Ez 40–48). Essa promessa
cria problemas para os estudiosos do Antigo Testamento por ser impossível
reconhecer o projeto arquitetônico e os ritos cultuais descritos por Ezequiel
em qualquer templo ou tempo já vividos pelos israelitas. Se o povo dos dias
de Zacarias visse os últimos capítulos de Ezequiel como algo que se
cumpriria no seu tempo, certamente trabalhariam para reproduzir aquela
planta, o que não ocorreu. Desse modo, ainda que estivessem em plena obra
de construção, mantinham a esperança da vinda de um rei futuro que, além de
restabelecer a soberania nacional e territorial, libertando Israel de todos os
povos inimigos, também construiria um templo maravilhoso e, segundo esse
mesmo versículo de Zacarias, assumiria um poder real e imbatível, cheio de
esplendor e glória.
É claro que ainda não se explicou, já que se tratava de uma tipificação,
porque não foi escolhido o príncipe Zorobabel para representar o futuro
monarca. Porém, essa lacuna é preenchida com o que vem a seguir (v.13b):
“E [também] será sacerdote em seu trono e haverá concordância entre os
dois cargos”. O uso de Josué como tipo do Messias se devia ao fato de que o
“Renovo” não seria apenas rei de Israel, mas também “sacerdote”. A ideia de
um “rei sacerdote” já estava presente em Davi e em seus sucessores (Sl 2.2;
110.2,4), mas ela somente se cumpre de modo pleno em Jesus (Hb 5.1-10;
7.1-25).[120] Assim, o que Deus quer transmitir aos ouvintes do profeta é a
esperança e a certeza da vinda do rei que não somente assumiria a frente do
governo, mas também do culto. É claro que há quem defenda que Josué e
Zorobabel seriam coroados e cooperariam entre si. Porém, os livros de Ageu
e Zacarias desde o início já demonstram a realidade de tal cooperação.
Assim, o que esse texto diz é que a mesma pessoa, o Renovo, seria tanto rei
como sumo sacerdote em Israel e, em si, uniria perfeitamente as funções.
Nesse sentido, a expressão hebraica aqui traduzida como
“concordância”[121], que quer literalmente dizer “conselho de paz”[122],
expressa a completa unidade dos cargos real e sacerdotal na pessoa do
Messias prometido, de modo que iria reinar com justiça e ser o intermediário
da comunhão com Deus.
Se o enfoque da mensagem era um evento futuro que deveria produzir
esperança e ânimo no presente, o que dizer, então, da cerimônia em si da
coroação de Josué? Segundo a indicação do versículo seguinte, ela agiria
como uma ilustração do que ocorreria futuramente e, por meio da existência
da coroa, seria também um constante e encorajador lembrete (v.14): “E a
coroa será para Heldai, para Tobias, para Jedaías e para o formoso filho
de Sofonias como um memorial no templo do Senhor”. O texto hebraico
traz o nome “Helem” no lugar de Heldai, mas, dado o claro paralelismo entre
os versículos 10 e 14, é de opinião geral que Helem é outro nome ou um
apelido do próprio Heldai. Quanto a possíveis significados de “Helem”, caso
fosse um apelido, a palavra pode querer dizer “força”[123] ou “sonho”.[124]
Quanto a Josias, filho de Sofonias, é aqui chamado de “formoso” ou
“gracioso”, talvez outro apelido, como o de Heldai, ou um adjetivo que o
qualificava. De qualquer modo, os homens que contribuíram para a
confecção da coroa, e obviamente o povo que eles lideravam, teriam um
constante lembrete guardado no templo. Esse lembrete, um “memorial”,
serviria para sustentar a fé e a coragem do povo no que tinham de fazer,
como completar a obra de reconstrução do santuário, e no que tinham de
suportar, como o domínio político de outros reinos, a oposição e zombaria de
inimigos e o aguardo do tempo de restauração. A visualização da coroa os
relembraria de que a monarquia israelita não estava morta e que Deus a
revigoraria de modo esplêndido.
Junto com a esperança da vinda do rei, figurava a esperança de retorno do
povo exilado e espalhado pelas nações por causa das consequências dos seus
próprios pecados (v.15a): “Aqueles que estão distantes virão e trabalharão
na obra do templo do Senhor e vós sabereis que o Senhor dos exércitos
me enviou a vós”. Apesar de haver quem reconheça nesses dizeres uma
indicação de que o templo seria construído por exilados recém-chegados da
Babilônia, o fato de as obras estarem nesses dias em pleno desenvolvimento
tira o sentido de tal interpretação. O mais provável é que essa obra do templo
seja a mesma prevista nos vv.12,13 associadas à vinda e à atuação do
Messias. Com isso, uma nova promessa é acrescentada à esperança judaica: o
retorno dos espalhados pelo mundo por causa do pecado (cf. Lv 26.39; Dt
28.64-66). Na mente dos judeus dos dias de Zacarias já figurava a esperança,
ligada à vinda do Messias, da repatriação dos exilados junto com a
restauração espiritual da nação (Ez 36.24-38). O texto de Ezequiel, citado
aqui como referência, contém promessas de perdão e purificação e, associado
a isso, retorno do exílio, edificação e habitação das cidades abandonadas,
prosperidade e abundância. Ao prever tudo isso, diz o Senhor: “Então eles
saberão que eu sou o Senhor” (Ez 36.38b). O mesmo ocorre em Zacarias,
visto que as ações benéficas previstas para se cumprirem na vinda do Renovo
serviriam também de comprovação irrefutável de que ele é o rei divino, pelo
que diz “e vós sabereis que o Senhor dos exércitos me enviou a vós”. O
pacote é completo: o Messias será rei e sacerdote, purificará e restaurará
Israel, trará os exilados de todas as partes do mundo de volta à terra da
promessa, edificará um novo templo, reerguerá as cidades destruídas e o
povo, então crente, habitará em paz e justiça desfrutando de prosperidade e
abundância. Só Deus mesmo para produzir tudo isso.
Contudo, o Senhor não dá tal garantia sem lembrar àqueles homens da
aliança a que estavam atrelados e da responsabilidade que tinham diante dela
(v.15b): “Isso acontecerá quando vós déreis ouvidos à voz do Senhor,
vosso Deus”. A preposição aqui traduzida como “quando” também pode
significar “se”. Desse modo, a promessa de restauração seria condicionada à
obediência e poderia nem ocorrer. Esse não é o sentido do texto como um
todo, nem uma ideia compatível com o caráter fiel de Deus. Na verdade, as
palavras do Senhor, ilustradas pela cerimônia de coroação de Josué, eram a
garantia segura de que ele enviaria o rei eterno para guiar Israel. Porém, isso
não aconteceria sem que trabalhasse no coração do seu povo (Jr 31.31-34).
Por isso, uma atitude de duplo impulso deveria ser cultivada entre aqueles
homens. A atitude deveria ser de obediência a Deus e os impulsos que a
sustentariam seriam de assumirem a responsabilidade de serem bons servos,
por um lado, e de dependerem do Senhor para a realização da sua tarefa, por
outro. O fato é que Deus não faria nada pela metade e não aceitaria meio
compromisso dos seus seguidores.
Não é possível conter uma esperança desse tamanho apenas em uma época
e somente dentro de um grupo. A vinda do Renovo terá abrangência mundial
sobre pessoas de todas as nações. Sua promessa de retorno para reinar enche
também de esperança e consolo todos os que agora o buscam e creem nele. E
assim como para os reconstrutores do templo, a esperança futura nos leva ao
consolo e ao compromisso presentes por meio da fé no sacerdote real que nos
ama e nos sustenta nas dificuldades até ao dia em que nos receberá
eternamente para si: “Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote
que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus, apeguemo-nos com toda a
firmeza à fé que professamos, pois não temos um sumo sacerdote que não
possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós,
passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado. Assim sendo,
aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de
recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da
necessidade” (Hb 4.14-16).
ZACARIAS 7.1-7
As Palavras de Deus ‘versus’ a Tradição dos Homens

Se toda a profecia de Ageu e os seis primeiros capítulos de Zacarias


tiveram lugar no segundo ano de Dario (Zc 1.1,7) — entre outubro de 520
a.C. e fevereiro de 519 a.C. —, as palavras do capítulo 7 lhe chegam quase
dois anos depois, em 7 de dezembro de 518 a.C.[125] (v.1): “E aconteceu
que, no quarto ano do rei Dario, veio a palavra do Senhor a Zacarias no
quarto dia do nono mês — no mês de quisleu”. Durante todo esse período
sem novas profecias, mas certamente com o apoio e encorajamento do
profeta, a obra da reconstrução do templo prosseguiu a passos largos, sendo
concluída pouco mais de dois anos depois.
O que vem a seguir deixa os estudiosos um pouco confusos a respeito da
origem da comitiva enviada ao profeta (v.2): “O povo de Betel enviou
Sarezer e Régen-Meleque junto com seus homens a fim de suplicar o
favor do Senhor”. A primeira dúvida é se Betel é um local — possivelmente
a cidade com esse nome na divisa entre as tribos de Benjamim e Efraim,
cerca de 20 quilômetros ao norte de Jerusalém, onde Jacó fez um altar ao
Senhor (Gn 35.1-15) —, ou se é o nome de um terceiro enviado, junto com
Sarezer e Régen-Meleque. Há também quem suponha se tratar do nome
completo de Sarezer, algo como “Betel-Sarezer”. Quanto a se tratar de um
local, opção preferível por dar a origem dos enviados — prática esperada
nesse tipo de literatura —, é necessário dizer que a Betel da tribo de
Benjamim não é a única localidade com esse nome no Antigo Testamento. Há
outra ao sul do território da tribo de Judá (1Sm 30.27), também conhecida
como “Betul” e como “Betuel” (Js 19.4; 1Cr 4.30). Entretanto, a
probabilidade não recai sobre essa cidade, visto que a primeira foi um centro
de assentamento de judeus que retornaram do exílio (Ne 11.31). De qualquer
modo, apesar da variedade de possibilidades de interpretação, os efeitos do
envio de emissários aos sacerdotes e profetas permanecem intactos.
A primeira função da delegação foi, conforme o v.2, suplicar o favor de
Deus, o que pode significar que eles vieram fazer a adoração rotineira diante
do altar, ou que tenham vindo por outra razão especial que lhes fizesse clamar
ao Senhor. A segunda função, mais destacada no texto, era dirimir uma
dúvida quanto à tradicional prática do jejum desde que Jerusalém foi
destruída e outros acontecimentos tristes tiveram lugar na história israelita
daquele século (v.3): “Eles disseram o seguinte aos sacerdotes que
estavam na casa do Senhor dos exércitos e aos profetas: ‘Ainda se deve
lamentar no quinto mês conforme se tem feito há tantos anos?’”. Apesar
de a questão dirigida à liderança espiritual de Jerusalém ter relação com o ato
descrito como “lamentar”, a resposta do versículo seguinte deixa claro que o
lamento e o jejum não eram atividades separadas, mas que o ato de jejuar era
o meio de lamentar o passado.[126] Essa lamentação — a do quinto mês —
marcava a ocasião da destruição do templo de Salomão, das casas e do muro
de Jerusalém pelo exército de Nabucodonosor, quase setenta anos antes (2Rs
25.8-10).[127] Não se tratava de uma prática religiosa orientada por Deus, mas
algo que nasceu em decorrência das circunstâncias. Na verdade, apesar de a
lei orientar apenas um “lamento” no ano, no dia da expiação (Lv 23.26), os
judeus haviam introduzido em seu calendário litúrgico outros jejuns no
período do cativeiro babilônico: no quarto mês, pela lembrança da captura de
Jerusalém pelos babilônicos; no quinto mês, pela destruição de Jerusalém e
do templo; no sétimo mês, em decorrência do assassinato do governador
Gedalias (Jr 41.1,2); e, no décimo mês, devido ao cerco de Jerusalém
promovido por Nabucodonosor.[128]
A pergunta da comitiva aos líderes religiosos de Jerusalém revela que o
jejum do quinto mês era o mais significativo para o povo. E continuaria
sendo, caso o templo ainda estivesse nas mesmas condições de ruína em que
se encontrava até que os profetas Ageu e Zacarias repreendessem o povo por
seu descaso. Entretanto, a obra do templo já ia avançada e começou a parecer
sem propósito que os judeus continuassem a lamentar a destruição de um
santuário que estava quase reconstruído. Por outro lado, se a cidade vinha
sendo reconstruída aos pouco ao longo dos anos, pelo próprio fato de os
habitantes trabalharem na edificação dos seus lares, o mesmo não se podia
dizer da muralha que continuava destruída, trazendo vergonha e insegurança
ao povo. Diante de tantos fatores, alguns deles em condições opostas entre si,
o povo começou a se perguntar se o jejum do quinto mês ainda deveria ser
observado anualmente.
De um modo surpreendente, a pergunta dirigida aos líderes foi respondida
imediatamente pelo próprio Senhor. Assim, o profeta Zacarias foi ordenado a
transmitir a mensagem de Deus não somente àqueles que perguntaram, mas a
todo povo, incluindo a liderança espiritual do país (vv.4,5): “Então, veio a
mim a seguinte palavra do Senhor dos exércitos: ‘Dize a todo o povo da
terra e aos sacerdotes o seguinte: quando vós jejuastes e lamentastes no
quinto e no sétimo mês ao longo destes setenta anos, jejuastes de fato por
mim?’”. O significado dessa pergunta de natureza retórica era evidenciar que
o Senhor não havia ordenado nenhum daqueles jejuns. Foram os próprios
judeus que os haviam instituído. Por que, então, queriam saber como agir
como se fosse Deus quem houvesse determinado tais práticas. É claro que, a
essa altura, os praticantes do calendário litúrgico israelita, acostumados a
observá-lo desde seu nascimento no cativeiro ou nos últimos anos da Judá
pré-exílica, já olhavam para tais eventos como práticas religiosas
intimamente ligadas com o culto e o serviço a Deus. Mas o fato é que a longa
prática de tais lamentos seguidos de jejuns nunca foi determinada pelo
Senhor, o qual não era a razão da instituição de tais celebrações.
Apesar de não ser dito abertamente, não fica menos clara a reprovação
divina a esse tipo de legalismo tradicionalista nascido no exílio. Além disso,
Deus se mostrou atento e muito interessado não apenas na prática externa
como também na motivação de coração dos religiosos. Se não era motivados
pelo Senhor que eles realizavam aqueles jejuns, também não o era quando
eles traziam suas ofertas diante do altar e participavam do seu consumo,
conforme prescrito na lei (Dt 12.5-7) a respeito de alguns dos sacrifícios. Por
isso, o Senhor diz (v.6): “E quando comeis e bebeis, acaso não é para vós
mesmos que comeis e que bebeis?”. Essa segunda pergunta retórica pode se
referir às práticas rituais ligadas ao sacrifício como também pode significar
que os próprios impulsos e necessidades é que levavam as pessoas a se
alimentar, de modo que seria também por impulsos pessoais que eles
observam tais jejuns. Vale salientar que, na resposta contida no v.5, o Senhor
não citou apenas o jejum sobre o qual eles inquiriram, mas também aquele
ligado ao assassinato de Gedalias — o do sétimo mês —, fato histórico que
gerava tristeza nos judeus não somente pela morte de um líder, mas também
por ter sido a ocasião em que muitos dos que restaram na Judeia partiram
para o Egito, fugindo da vingança de Nabucodonosor. Esse acontecimento
promoveu um abandono ainda maior da terra no período do cativeiro, além de
os fugitivos serem posteriormente alvo do poderio babilônico quando este
atacou o Egito.
Como é costumeiro, o Senhor não apenas aponta e critica os erros, mas
também revela os caminhos adequados e as soluções aos desvios. Nesse caso,
a orientação vem na forma de outra pergunta (v.7): “Acaso não ouvistes as
palavras que o Senhor proclamou por meio dos primeiros profetas,
quando Jerusalém se encontrava habitada e em paz e as cidades ao seu
redor, o Neguebe e a Sefelá eram habitadas?”. Há duas possibilidades de
olhar para essa questão: como uma pergunta retórica, cuja resposta é
conhecida dos ouvintes, ou como uma introdução a uma resposta maior dada
na segunda metade do capítulo 7. Apesar de o resultado final ser o mesmo, a
introdução das palavras seguintes, que surge no v.8, levanta perguntas sobre a
continuidade do que vem a seguir. De qualquer modo, a ideia era que,
segundo as orientações dos profetas pré-exílicos, o povo devia servir a Deus
não com jejuns e lamentos, mas com santidade, justiça social e integridade de
coração. Era isso que o Senhor requeria deles e que garantia a Israel as
bênçãos da aliança mosaica, a saber, prosperidade e paz na terra da promessa.
Por isso, quando os profetas pregavam tais mensagens e o povo não as tinha
abandonado por completo, o resultado foi que as cidades da Judeia estavam
habitadas e não quase desertas, como nos dias de Zacarias. Além disso, eram
também habitados o Neguebe — região montanhosa e semidesértica ao sul de
Judá — e a Sefelá — planalto baixo localizado entre a planície litorânea da
Filístia e a região montanhosa da Judeia.[129] Isso era uma prova
incontestável da bênção do Senhor no passado e daquilo que ele requeria do
seu povo.
O que Deus traz à tona no v.7 é a lição que ele intenta que Israel finalmente
aprenda: que, para servi-lo, é necessário ouvir suas palavras e as obedecer,
em vez de inventar seu próprio modo de tentar agradar ao Senhor com
parâmetros que, na verdade, agradam somente os próprios adoradores e que
constitui o que se pode chamar de religiosidade superficial.[130] É como se
ouvíssemos o próprio Jesus dizer: “Negligenciando o mandamento de Deus,
guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: jeitosamente rejeitais o
preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição” (Mc 7.8,9). Desse
modo, entre seguir as palavras de Deus e a tradição dos homens, aquela
geração e as seguintes deveriam primar por obedecer ao Senhor. Atos
religiosos de fundo intuitivo e que não refletem o ensino bíblico, em nada
glorificam aquele que é digno de toda glória. Nem os adoradores podem
estipular que tipo de adoração o Senhor deve receber. Servir e adorar a Deus
significa estudar sua Palavra, a fim de entender bem seu caráter e sua
vontade, e obedecê-lo. Não dá para inovar, mesmo com a melhor das
intenções.
Nem é preciso dizer que o mesmo vale para a igreja de hoje. Com tantas
“invenções” que recebem erroneamente o nome de “adoração”, tal mensagem
deve nos tocar e nos levar imediatamente ao estudo da Bíblia, à submissão
diante das ordens divinas e a uma renovação da fidelidade, da devoção, da
integridade de coração e da singeleza de culto. Caso contrário, muito “jejum”
será feito sem que o Senhor aceite qualquer um deles.

ZACARIAS 7.8-14
Antes Tratar as Causas que os Efeitos

A segunda metade do capítulo 7 parece ser a sequência natural da porção


precedente, na qual o Senhor faz menção a ensinos transmitidos antes de Judá
ser conduzido contra a vontade ao exílio (v.7), de modo que o que vem a
seguir (vv.9,10) conteria o teor da pregação do passado. A grande dificuldade
é interpretar a introdução do que vem a seguir (v.8): “Então, veio a seguinte
palavra do Senhor a Zacarias”. Essa fórmula normalmente dá início a uma
nova seção ou a um novo assunto. Entretanto, a ocasião é a mesma, já que
não é oferecida outra data para as palavras de Deus daqui para frente — e o
assunto também é o mesmo. Desse modo, apesar de os vv.8-14 terem uma
mensagem completa, eles devem ser compreendidos como sequência natural
da mensagem iniciada por Deus no v.4. Por fim, a intenção desse trecho é
lembrar àquela geração as ordens divinas que seus pais desprezaram e as
tristes consequências em termos de exílio e desolação advindas da rebeldia,
[131] resultando na ação divina de espalhá-los pelas nações.[132]
Deste modo, o Senhor relata sua mensagem dada por meio dos profetas
antigos (v.9): “Assim dissera o Senhor dos exércitos: ‘Julgai as causas
retamente e agi com amor e compaixão, cada um ao seu irmão’”. O teor
do ensino parece remeter à mensagem enfatizada pelos profetas dos séculos 9
e 8 a.C. (Is 1.17; Mq 6.8; Am 5.24), seguida pelos profetas do século 7 a.C.,
mais próximos da data do exílio (Jr 22.3,15,16; Sf 2.3). Entretanto, o assunto
era antigo e estava presente na literatura poética e sapiencial no início do
primeiro milênio antes de Cristo (Sl 82.3,4; Pv 31.9). A mesma ideia de se
executar julgamentos verdadeiramente justos surge também no período
exílico, sendo uma preparação do povo no cativeiro para quando voltasse à
terra da promessa (Ez 18.5-9). Mesmo com tantos alertas e repreensões, o
povo dos dias de Zacarias ainda não tinha aprendido a lição, visto que o
Senhor toca exatamente nesse ponto (v.9), sem falar que Neemias, cerca de
setenta anos depois, ainda tem de lidar com a exploração dos pobres pelos
ricos (Ne 5). Por fim, é possível perceber que a frequência da pregação sobre
a justiça social e as críticas contra a exploração dos fracos são mais
frequentes que a exortação devido à idolatria do povo.
Se uma das ênfases do requerimento divino sempre foi a justiça, outra, de
mãos dadas com a primeira, é o relacionamento marcado pela bondade e
generosidade, aqui descrito como “amor e compaixão”. A primeira dessas
palavras — do hebraico hesed — é uma atitude de amor e lealdade que marca
relacionamentos dentro da família, do casamento, das amizades e das alianças
humanas.[133] Assim, o que Deus exige dos seus servos é que eles se tratem
de maneira autêntica e não superficial, além de fazê-lo por meio do amor e da
bondade e não de interesses egoístas. A segunda palavra, por sua vez, aponta
para a responsabilidade dada por Deus de se compadecerem dos aflitos a fim
de ajudá-los e não se eximindo do socorro. No final das contas, era para o
povo se tratar como se fosse uma grande e única família, o que personalizaria
seu relacionamento e impediria explorações e injustiças.
Infelizmente, nem o povo do passado aprendeu essa lição, nem o daqueles
dias, ao que tudo indica. Por isso, o Senhor deixa mais claro o resultado de se
obedecer aos preceitos da justiça e do amor (v.10a): “Não oprimais a viúva,
o órfão, o estrangeiro ou o pobre”. Viúvas e órfãos eram pessoas que, pela
muita ou pouca idade e sem ter quem os sustentasse, tinham extrema
dificuldade de levantar seu sustento e passavam grandes necessidades. Por
mais absurdo que pareça, havia quem explorasse esses desvalidos. Quanto ao
estrangeiro, sua grande dificuldade vinha de estar longe dos seus, daqueles
que pudessem socorrê-lo, e em uma terra em que ele não era tratado como
uma pessoa munida de muitos direitos. Ainda mais dentro de Israel, onde os
estrangeiros não judeus eram considerados impuros. Era fácil se aproveitar de
alguém que não tinha quem o apoiasse, nem juízes muito inclinados a fazer-
lhe justiça. Essa última dificuldade era também sentida pelos pobres que, em
demandas judiciais com os ricos influentes, costumavam ser derrotados,
mesmo quando estavam com a razão. Assim, a ordem de praticar a justiça e
tratar cada pessoa com amor, lealdade, compaixão e generosidade, impedia
que pessoas facilmente exploradas fossem alvos da maldade e do egoísmo
dos homens. Na verdade, o sentido disso era tão profundo que até as
intenções dos judeus eram avaliadas por Deus, de modo que não era
permitido que alguém ficasse tramando modos de levar vantagem sobre os
outros ou causar-lhes algum dano (v.10b): “Também, não intenteis o mal
em vosso coração, cada um ao seu irmão”. Sobre o que passava na mente
das pessoas, as Escrituras mostram que até mesmo imaginar algo mau é
condenado e proibido pelo Senhor (Mq 2.1).[134]
Apesar de um ensino não reto e rico, os israelitas simplesmente se
recusaram a obedecer ao santo Deus que era a fonte de toda essa instrução
(v.11): “Mas eles se recusaram a atender, viraram rebeldemente as costas
e se fizeram de surdos para não ouvir”. Se os vv.9,10 continham o ensino
do Senhor por meio dos profetas do passado, os vv.11,12 trazem a reação dos
homens diante do ensino. Em primeiro lugar, eles não quiseram escutar, ou
seja, se recusaram a atender ao que ouviram da parte de Deus. É como se
fossem surdos, só que pior: eles podiam ouvir, mas agiam como se nada
escutassem, tamanha a rebeldia deles. Outro modo de dizer que alguém
“tampou seus ouvidos com a mão”, assim como crianças rebeldes fazem
quando não querem ser ensinadas ou corrigidas. Na verdade, os israelitas
rejeitaram as palavras de Senhor junto com o próprio Senhor ao lhe darem as
costas — literalmente “ombros”. A imagem é muito forte, pois é como se
deixassem Deus falando sozinho e fossem embora, dando de ombros para
suas vontades e suas ordens.
A avaliação do pecado das gerações passadas continua e, dessa vez, a parte
do corpo usada para descrever a insubordinação do povo é o coração (v.12a):
“Assim, eles fizeram com que seu coração ficasse duro como um
diamante para não ouvir a instrução e as palavras que o Senhor dos
exércitos enviou pelo seu Espírito por meio dos antigos profetas”. Desde
há muito, o diamante é reconhecido e notabilizado por sua dureza, capaz de
ferir outros materiais sem sofrer danos em sua estrutura (cf. Jr 17.1). Apesar
de essa rigidez servir como figura de situações positivas (Ez 3.9), nesse caso
a menção é negativa ao representar a dureza de coração, apontando para a
rebeldia, insensibilidade e falta de disposição do povo em obedecer às
palavras do Senhor. Surpreendentemente, surge aqui um vislumbre de uma
doutrina que fica clara somente no Novo Testamento: o fato de o Espírito
Santo ser a fonte da inspiração da mensagem dos profetas e,
consequentemente, dos escritos bíblicos (cf. 2Tm 3.16; 2Pe 1.21).[135] Isso
tornava o pecado dos antepassados ainda pior, visto que as palavras que eles
rejeitaram não eram de fontes humanas e dos profetas lhes falaram, mas do
próprio Deus que moveu seus servos para transmitir o ensino de fonte divina.
A consequência foi inevitável (v.12b): “Por isso, eis que veio uma grande
ira da parte do Senhor dos exércitos”. Apesar da paciência de Deus em
enviar profeta após profeta para falar às gerações do passado, convidando-as
ao arrependimento e à sujeição, chegou o momento em que o Senhor não
reteve mais a sua ira contra o pecado. O primeiro modo de derramar seu furor
foi, ironicamente, agir como os israelitas que se faziam de surdos (v.13):
“Visto que eu clamei e eles não deram ouvidos, então eles clamaram e eu
não dei ouvidos, diz o Senhor dos exércitos”. O texto não é claro ao dizer a
ocasião do clamor dos israelitas rebeldes, mas isso não é nenhum mistério.
Trata-se da ocasião em que os exércitos inimigos vieram contra as cidades de
Israel e, apesar do clamor do povo para que Deus os protegesse e libertasse, a
invasão inimiga teve sucesso, suas cidades foram invadidas e assoladas,
muitos israelitas foram mortos e muitos levados cativos, sem que o Senhor
fizesse nada para poupá-los.
O resultado final foi muito além das piores previsões que pudessem ter
concebido (v.14): “Ao contrário, eu os dispersei por todas as nações que
eles não conheceram e a terra ficou assolada por causa deles, de modo
que ninguém passava por ela ou a ela retornava. Assim, eles tornaram a
terra desejável em uma desolação”. Em primeiro lugar, os habitantes da
terra da promessa foram levados a outras terras e espalhados por diversas
nações. Isso ocorreu tanto com o reino do Norte, Israel (722 a.C.), como com
o reino do Sul, Judá (587 a.C.). Os que não foram levados cativos acabaram
tendo de procurar abrigo em terras distantes a fim de fugir da guerra e da
fome, tornando o país que fora tão populoso em uma terra quase desabitada.
Por outro lado, o próprio país sofreu com as invasões inimigas, de modo que
muralhas, cidades, casas e plantações foram alvos da fúria dos exércitos
invasores, tornando não apenas desabitada a terra, mas também sem
condições de infraestrutura. O mesmo acontecia nos campos, visto que não
havia mais quem os cultivasse.[136] O caos foi tão grande que nem mesmo
viajantes faziam pousada nas antigas cidades e aqueles que partiam não
tinham condições de retornar e se restabelecer na terra.
Dito isso, a questão do jejum exposta na primeira parte do capítulo perdia o
sentido. O que o Senhor deixa claro àquele povo é que não estava preocupado
com aqueles rituais de lamento e jejum que os homens haviam inventado. O
que ele queria e sempre quis foi que o povo o obedecesse e agisse com justiça
e retidão, para com Deus e uns com os outros, cumprindo a lei. Não adiantava
nada jejuar e ser injusto. Não tinha valor algum lamentar a destruição do
templo e não lamentar os próprios pecados. Eles não deviam jejuar pelos
“efeitos” do juízo de Deus, mas tratar com seriedade as “causas” que levaram
o Senhor a se enfurecer. E o alerta era inconfundível: como o Senhor puniu
severamente as gerações passadas, faria o mesmo a essa geração caso não se
arrependesse e não se voltasse de verdade ao Senhor e à sua Palavra.
Essa é uma lição que cai bem aos servos de Deus de todas as épocas,
incluindo a nossa. As condições de vida mudaram, junto com os próprios
parâmetros de se relacionar com Deus por meio da sua Palavra (Hb 7.12;
8.13). O que não mudou foram a santidade e a justiça do Senhor, assim como
suas orientações aos servos para que sejam obedientes, justos, amorosos,
generosos e santos. Por isso, podemos esperar ainda hoje ver a paciência e
misericórdia de Deus, mas também sua pesada mão sobre aqueles que se
rebelam contra suas palavras e sua direção na vida das pessoas. E essa não é
uma mensagem apenas dirigida a incrédulos, mas também a seus servos, visto
que não mais os condena ao inferno, mas não se furta em discipliná-los como
filhos que são (Hb 12.6). Por isso, aprendamos a nos sujeitar ao controle e ao
ensino de Deus. Caso contrário, podemos também sentir o peso da sua mão
disciplinar: “Porque bem conhecemos aquele que disse: ‘Minha é a vingança,
eu darei a recompensa, diz o Senhor’. E outra vez: ‘O Senhor julgará o seu
povo’. Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.30,31).
ZACARIAS 8.1-8
A Maravilhosa Restauração do Senhor

Como é costumeiro nas mensagens dos profetas, a repreensão divina ao


pecado e ao descaso, associada à previsão de uma ocasião de juízo, vem
atrelada às promessas de bênçãos futuras e de cumprimento pleno das
alianças. O objetivo parece ser o de encorajar o remanescente fiel que tinha
de conviver com o pecado dos seus dias e que, talvez, se deparasse com
momentos de severidade de Deus contra seu povo pactual. Além disso, serve
de testemunho da fidelidade e soberania do Senhor que, apesar de fazer Israel
ver dias de punição, havia reservado um tempo para cumprir todas as
promessas que fez. Nas profecias de Zacarias que lhe vieram em 518 a.C. —
do capítulo 7 em diante —, isso não é diferente. A dura repreensão de
Zacarias 7 é agora seguida de promessas de restauração e glória de Jerusalém
de todo o povo de Israel, lembrando, em seu conteúdo, as bênçãos previstas
nas “visões da noite” (Zc 1.7—6.8).[137]
Sem dar nova data, o que nos indica que há uma sequência imediata ou
quase imediata com o capítulo anterior, a palavra divina se pronuncia (v.1):
“Então, veio a palavra do Senhor dos exércitos, dizendo”. A partir dessa
introdução sobre Deus ter se pronunciado por meio do profeta, uma
sequência de dizeres precedidos por uma fórmula própria é dada ao povo.
Essa fórmula (“assim diz o Senhor dos exércitos”) surge dez vezes ao longo
do capítulo (vv. 2, 3, 4, 6, 7, 9, 14, 19, 20, 23) — no v.3, o complemento “dos
exércitos” está ausente no texto hebraico, apesar de muitas versões antigas
importantes o terem acrescentado, indicando que é bem possível que a
fórmula completa estivesse constando também do v.3.[138] O que causa
perplexidade nos estudantes das Escrituras é que tais frases, dispostas como
se fossem citações, podem ser apenas alusões a várias palavras ditas por
diversos profetas ao longo de séculos.
As fórmulas repetidas dão a impressão de se tratar de lembranças que o
Senhor faz dos seus ensinos e promessas passados, porém, sem podermos
localizar exatamente a que se refere com absoluta certeza. Há, inclusive,
algum conteúdo que parece ter sido acrescentado aqui pela primeira vez, pelo
menos na forma em que se encontra. Isso pode indicar que, apesar da forma,
talvez se trate de afirmações emblemáticas, sem necessariamente serem
citações ou alusões diretas, dadas uma a uma por meio de cada fórmula
inicial a fim de aumentar seu impacto e favorecer sua interpretação e
memorização. De qualquer modo, o Senhor faz um apanhado de promessas
que, unidas, formam uma maravilhosa base de segurança e esperança para os
seus a respeito do futuro e do cumprimento das promessas feitas aos pais.
Sem esticar a introdução, o Senhor oferece a primeira cláusula do capítulo
(v.2): “Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Tenho um grande sentimento
de zelo por Sião e zelo por ela com grande furor’”. Que impacto deve ter
tido tal frase quando Jerusalém, apesar das adiantadas obras da reconstrução
do templo, ainda podia classificar-se como uma cidade em ruínas, visto o
pequeno número de habitantes que ainda tinha, as condições de boa parte da
cidade e o muro derribado: uma visão oposta à de uma cidade bem zelada.
Entretanto, o objetivo divino era ir bem além das condições da cidade
representada pelo monte Sião. Essa declaração, que é uma reafirmação do
que disse no início do livro (Zc 1.14), tem a ver com seu sentimento em
relação ao povo que elegeu e separou para realizar seus propósitos históricos
e redentores. Por isso, apesar de zelo dar a ideia de uma atitude deliberada de
cuidado sobre algo, o que pode ser feito acompanhado ou não de sentimentos,
a palavra hebraica aqui utilizada vai além e coloca o referido ato em um
campo profundamente sentimental. O sentido que dá o tom emocional da
frase é o de “sentir ciúmes terríveis”.[139] Como a experiência humana
ligada a ciúme é marcada por traços negativos como egoísmo, orgulho, raiva
e ressentimento, evita-se aplicar tal palavra ao sentimento divino, preferindo-
se zelo. Entretanto, quando olhamos para a perfeição do Senhor e sua isenção
de falhas, seu sentimento de ciúmes do seu povo enobrece a visão de um
Deus que ama profundamente os seus, se importa em detalhes com o que lhes
acontece e se propõe a protegê-los com impulsos e interesses de natureza
nada impessoal, mas sentimental e comprometida. Quer dizer que ninguém
ataca seu povo sem que ele se doa com isso, nem é provável que os seus se
desviem sem que ele o sinta.
É uma ideia empolgante: um Deus tão grande que se relaciona e se
compromete com seres como nós de modo profundo. Mas não para por aí.
Esse zelo todo o leva a ações práticas, o que pode ser visto no furor que sente
advindo do seu zelo. Apesar de haver quem ofereça uma atraente
interpretação no sentido de se tratar de um zelo com grande “fervor”, a ideia
do texto — e do livro — parece ser a de que Deus, em seu sentimento zeloso
por seu povo, estava irado com grande “furor” contra as nações que se lhe
opunham com maldade, sendo sua fúria apontada diretamente contra os
inimigos (Zc 1.15).[140] O resultado é que os inimigos de Israel, até então
vitoriosos e irreverentes, conheceriam no futuro as mãos punitivas e
santamente enciumadas daquele que separou um povo para amar e abençoar,
resultando em uma inversão total de papeis entre Israel e as nações.
A segunda cláusula do trecho é dada no versículo seguinte (v.3): “Assim
diz o Senhor: ‘Eu retornarei para Sião, habitarei no meio de Jerusalém e
Jerusalém será chamada de a cidade fiel e de o monte do Senhor dos
exércitos, o monte santo’”. Apesar de que possa parecer estranho o conceito
de um Deus onipresente voltar a habitar em certa localidade, isso não era
nada estranho na experiência pactual israelita. Quando o Senhor os tirou do
Egito, fez com eles uma aliança em que disse: “Assim consagrarei a Tenda do
Encontro e o altar, e consagrarei também Arão e seus filhos para me servirem
como sacerdotes. E habitarei no meio dos israelitas e lhes serei o seu Deus.
Saberão que eu sou o Senhor, o seu Deus, que os tirou do Egito para habitar
no meio deles. Eu sou o Senhor, o seu Deus” (Êx 29:44-46). Segundo as
palavras do Senhor, ele, que estava em toda parte (cf. Sl 139), habitaria de
maneira especial no meio de Israel, em um lugar preparado para tanto.
Essa presença representativa foi bem ilustrada quando foram construídos
tanto o tabernáculo de Moisés como o templo de Salomão pela presença de
uma nuvem com aparência de fogo que apontava para a presença da glória de
Deus (Êx 40.34-38; 1Rs 8.10,11). Assim, a promessa de voltar a habitar em
Sião não deixa de ser acompanhada da previsão do mesmo evento indicador
da sua presença gloriosa (Is 4.5,6). Contudo, quando o Senhor resolveu punir
Jerusalém e entregar o templo para ser destruído pelos inimigos, a glória do
Senhor deixou o edifício e pousou sobre o Monte das Oliveiras (Ez 11.23, cf.
10.4,18,19), em um ato que marcou seu abandono simbólico daquele local.
[141] Não coincidentemente, além de o Monte das Oliveira ter sido o lugar
de onde Jesus, alguns dias após sua ressurreição, subiu aos céus (At 1.9-12), é
também o local em que ele aparecerá ao retornar para habitar e reinar em
Jerusalém (Zc 14.4; At 1.11).
Por isso, o que o Senhor promete agora, enquanto aqueles judeus
trabalhavam para reconstruir o santuário destruído, é que voltaria a abençoá-
los com a comunhão da sua presença e as bênçãos das alianças, assunto
tratado também pelo profeta Ezequiel no tocante a um tempo futuro (Ez 43.1-
5). Tal restauração não somente do templo, mas também do contato pleno
com Deus, seria ocasião também da instauração de um novo estado espiritual
daquele povo que justificaria o nome daquele lugar como “a cidade fiel”, um
lugar em que o Senhor se compraz em permanecer. Assim, a promessa de
uma nova habitação entre o povo do pacto é mais do que o resultado de obras
de engenharia e construção: é a reconstrução do relacionamento espiritual
entre Deus e seu povo.
Para uma cidade pouco povoada como a daqueles dias, os dois versículos
seguintes abriam uma imagem digna de ser imaginada e sonhada por todos os
que queriam ver o cumprimento pleno das alianças (v.4): “Assim diz o
Senhor dos exércitos: ‘Novamente se assentarão velhos e velhas nas
praças de Jerusalém e cada um estará com sua bengala em sua mão
devido à sua idade avançada’”. Outro sinal do restabelecimento das
bênçãos de Israel seria o retorno de uma grande população em que figurasse
um grande número de velhos. Quando um país atravessa tempos de carestia e
fome ou de guerra, a população de idosos não é numerosa, dadas as mortes
frequentes de pessoas de saúde fragilizada pelo tempo diante de condições de
vida adversas. Por outro lado, um país próspero e pacífico, com justiça social
e valores morais elevados, tem tudo para que a expectativa de vida de sua
população aumente. Pois é exatamente o que ocorrerá no cumprimento do
que o Senhor diz aqui ao seu povo. Na verdade, as pessoas passarão a viver
tão bem que suas longas idades exigirão que elas andem com o uso de
bengalas ou muletas que ajudem a sustentar o que o corpo já não poderá fazer
sozinho.
Contudo, os velhos não serão os únicos a encher as ruas da cidade agora
desolada, mas também multidões de crianças (v.5): “E as praças da cidade
estarão cheias de meninos e meninas brincando nelas”. As mesmas
condições positivas de vida favorecem maior número de nascimentos, além
de reduzir a mortalidade infantil, muito comum e acentuada em períodos de
guerra e de fome. Enfim, o aspecto lúgubre da cidade que fora invadida
cederá lugar a um ambiente maravilhoso que revelará o tamanho a as
implicações da ação bondosa e salvadora do Senhor sobre seu povo.
Ouvir tudo isso com o coração e a imaginação penetrados por sentimentos e
esperanças maravilhosas, só podia perder seu brilho quando os ouvintes
observassem a paisagem que os cercava e se lembrassem da condição política
e social de Judá naqueles dias. Era exatamente o oposto de toda aquela
esperança gloriosa. Não é de espantar que um bom número de judeus achasse
que a diferença entre a realidade existente e o futuro esperado era tão grande
a ponto de descrerem ser possível o cumprimento das promessas (v.6):
“Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Se, naqueles dias, isso parecer
impossível aos olhos do remanescente deste povo, também aos meus
olhos parecerá impossível? — declara o Senhor dos exércitos’”. O texto
hebraico não se refere a que coisa ele trata como “impossível” — lit.
“maravilhoso” —, mas o consenso conduz à ideia de algo “maravilhoso
demais para se acreditar”,[142] mostrando se tratar de coisas que
naturalmente jamais ocorreriam. Entretanto, o Senhor reafirma com vigor
cada uma das suas palavras lembrando ao povo que ele está acima dos
homens e acima das circunstâncias. Se para o homem algo é difícil, ou até
impossível, para Deus não, o que fica evidente na pergunta retórica da
segunda parte do versículo cuja resposta evidente é um sonoro não. A
fórmula de declaração ao final apenas serve para reforçar ao infinito o que já
havia ficado em relevo suficientemente palpável.
Uma das dificuldades de se ver uma Jerusalém plenamente habitada era
saber de onde viriam tais pessoas, já que apenas um grupo de cerca de 50 mil
pessoas havia retornado do cativeiro para povoar Jerusalém e toda a
circunvizinhança. Por isso, Deus explica seu plano (v.7): “Assim diz o
Senhor dos exércitos: ‘Eis que eu livrarei o meu povo das terras do
Oriente e do Ocidente’”. O termo hebraico traduzido como “livrarei” é a
mesma palavra que pode ser interpretada como “salvarei” — opção preferida
por grande parte dos tradutores. Entretanto, não se pode deixar confundir,
com o termo “salvar”, como se tratasse apenas de uma restauração espiritual
sem impactos na vida nacional de Israel. Na verdade, o que o Senhor tem a
intenção de dizer nesse ponto é que ele porá fim ao castigo que previu na
aliança mosaica de espalhar pelas nações os israelitas rebeldes (Dt 28.64).
Apesar de esse exílio, com o tempo, ter dado a impressão de que tal realidade
passou a ser a nova vida, talvez até melhor, dos exilados, Deus deixou claro
que a estada entre outros povos lhes seria um peso como se fossem escravos
em tais lugares (Dt 28.65-68). Assim, o salvamento divino se mostrará em
termos da libertação do povo exilado de tais condições para fazê-los retornar
à terra da promessa (Jr 30.7-11; 31.7; Is 43.1-7 cf.10.6).[143]
Para concluir esse pequeno trecho, a promessa do retorno dos exilados é
associada à promessa do reatamento da comunhão entre Deus e seu povo e do
molde do relacionamento pretendido pelo Senhor com seus servos (v.8): “Eu
os trarei e eles habitarão no meio de Jerusalém. Eles serão o meu povo e
eu serei o seu Deus, com fidelidade e justiça”. A presença divina com o
povo não será apenas física ou representativa na forma da glória em um
templo. Essa presença restaura o que Deus havia proposto a Israel desde que
fez aliança com Abraão prometendo-lhe aquela terra (Gn 17.8). Assim, no
cumprimento das promessas desse capítulo, ver-se-ão cumpridas também as
alianças feitas no passado. Quando isso ocorrer, duas palavras que marcarão
o relacionamento entre o rei divino e seus súditos, além da própria sociedade
daqueles dias, são “fidelidade” e “justiça”. O que o Senhor ensinou e pediu
no passado, cumprirá e produzirá no futuro. Era a isso que os judeus dos dias
de Zacarias deviam dar atenção e basear suas esperanças e serviço a Deus, e
não em jejuns e lamentos rituais que eles mesmos haviam inventado. Deus
lhes deu bases sólidas para uma vida verdadeira, fundamentada nas palavras
de Deus, tirando-lhes a cegueira de um legalismo morto.
Graças ao bom Deus, uma restauração escatológica também está reservada
à igreja de Cristo — esta compartilhará com o Israel salvo muitos eventos do
futuro, unindo-se a ele em um verdadeiro “povo de Deus” de natureza
espiritual. Contudo, assim como Deus encheu Israel de esperança futura, para
que passassem por uma reformulação de fé e de vida no presente, o Senhor
também quer produzir uma igreja de servos melhores, mais desprendidos e
delicados, obedientes e fiéis, que vive abraçada à esperança da glória eterna.
Para isso, o bom Deus nos deu o mesmo remédio: sua Palavra. Cada coisa
que o Senhor dos exércitos nos disse em sua revelação escrita, a Bíblia, deve
encher nosso coração com as maravilhas que ele nos preparou — e isso nos
deve levar a desejar sua presença santa e a boa comunhão com ele. Se as
palavras de Deus tiveram tanto impacto sobre um povo em que nem todos
conheciam e criam de fato no Senhor, imagine o que ela pode fazer a nós,
seus filhos!

ZACARIAS 8.9-17
A Grande Virada Promovida por Deus

Antes de os judeus voltarem à reconstrução do templo com vigor e


dedicação, um estado de certa carestia havia se instalado entre eles, fruto da
punição divina (Ag 1.6). Entretanto, assim que eles se puseram à obra, o
Senhor mudou os rumos do tratamento rendido ao seu povo e lhes abriu
novamente as fontes de bênçãos e do sustento tão necessário (Ag 2.19),
acrescentando-lhes promessas futuras de restauração (Ag 2.20-23). Tal virada
se deu em um período de quase quatro meses, tempo decorrido entre o
primeiro e o último pronunciamento de Ageu. Dois anos depois, o povo,
provavelmente cansado da longa obra e se deparando com uma crescente
dificuldade advinda da altura da construção e do esforço necessário para
prosseguir em condições mais severas de trabalho, começava a dar sinais de
fadiga e desânimo. É nesse contexto que Zacarias traz seu segundo sermão
contendo a palavra do Senhor, a qual lhes seria um renovar de energias e
esperança.
Desse modo, introduz-se uma nova declaração de Deus iniciada pela sua
frequente fórmula (v.9): “Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Fortalecei
vossas mãos, vós que, nesses dias, guardais essas palavras que dei por
meio dos profetas que estavam no dia em que foi iniciado o alicerce da
casa do Senhor dos exércitos para que o templo fosse edificado”. A ordem
de “fortalecer as mãos”, ou de “ser forte”, é um encorajamento a alguém que
está diante de uma responsabilidade para a qual não se acha devidamente
capacitado (Ex.: Js 1.6,8; 1Cr 22.13; 28.20; Is 35.4; Ag 2.4-9; Ef 6.10; 2Tm
2.1). Nesse caso, é como se Deus dissesse a eles: “Sejam corajosos e não
desanimem!”. Esse estímulo foi dirigido ao povo que vinha guardando as
palavras de Deus dadas pelos profetas Ageu e Zacarias desde o início da
reconstrução. Tal povo havia abandonado sua antiga condição de rebeldia,
indiferença e egoísmo (Ag 1.4), dispondo-se a obedecer à orientação de
valorizar o Senhor e lhe construir o santuário, tão significativo na vida do
povo eleito. Por si só, essa descrição serve de prenúncio e de fundamento
para a ação benéfica de Deus e razão de eles manterem a esperança de verem
dias em que Israel voltaria a exibir grande glória. É como se lhes dissesse:
“Vocês têm cumprido sua parte e podem confiar que eu, o Deus de Israel,
vou cumprir a minha”.
Para ilustrar adequadamente a lição, o Senhor relembra o passado recente
desse povo, começando pela condição inicial desfavorável causada pela
indiferença que demonstravam para com Deus e seu templo (v.10): “Pois,
antes daqueles dias, não havia salário para homens, nem existia
retribuição para animais. Não havia paz para quem saía, nem para quem
entrava por causa do perigo, pois eu incitei todos os homens, cada um
contra seu companheiro”. Sem as bênçãos divinas, eles trabalhavam, mas
não atingiam seus objetivos, colhendo bem menos do que esperavam e vendo
seus esforços se esvaírem inutilmente. Quanto aos rebanhos, há quem
proponha que eles não estavam se multiplicando devidamente, nem dando
lucro aos seus donos como é de se esperar que um rebanho faça. Contudo, o
paralelo com a condição dos homens nos indica que o profeta se refere ao
fato de eles não receberem suficientemente a necessária alimentação,
resultado da seca e da infertilidade da terra (Ag 1.11). Infelizmente, em uma
situação como a que esses israelitas enfrentaram, certamente ocorreram as
duas coisas — infertilidade e fome do rebanho —, causando uma crise
econômica entre os habitantes de Jerusalém e da circunvizinhança.
Além disso, eles enfrentaram dias de perigo e falta de paz. Isso ocorreu de
modo generalizado, para todos os que “entravam e saíam”, o que não aponta
somente para viajantes, mas para as pessoas em geral que cuidavam de suas
vidas e dos seus negócios.[144] O texto não informa com precisão, mas o
perigo que o povo corria pode ter decorrido tanto da parte de outros povos, os
quais podiam invadi-los quando quisessem por falta de uma muralha que lhes
protegesse (Ne 4.7-23 — observar nesse texto como a defesa era frágil e
preocupante sem que o muro estivesse completo),[145] como da parte dos
próprios israelitas.[146] O fato é que os dias eram maus em função da
desobediência do povo.
Entretanto, o Senhor mudou a sorte dos judeus assim que lhe voltaram os
ouvidos e lhe atenderam as ordens, algo que o Senhor os relembra e lhes
promete fazer ainda mais (v.11): “Mas agora já serei como nos primeiros
dias para o remanescente deste povo — declara o Senhor dos exércitos”.
Tal declaração traz embutido o fato de que Deus havia promovido uma
grande virada na situação passada, dando prosperidade ao povo que se
arrependeu e voltou a atender suas diretrizes. O que aconteceu “nos primeiros
dias” é o mesmo que o Senhor promete fazer àquele povo naqueles dias
(v.12): “Pois a semente prosperará, a videira dará seu fruto, a terra dará
sua produção, os céus darão seu orvalho e eu darei tudo isso ao
remanescente deste povo”. A conjunção “pois”, utilizada também no v.10,
demonstra que eles já haviam recebido uma prova tanto do que é estar
debaixo da mão punitiva do Senhor como sob as bênçãos de Deus, bênçãos
que eles aguardavam em uma forma ainda mais intensa em um futuro que os
profetas há muito vinham predizendo. Assim, Zacarias faz referência às
bênçãos divinas prometidas no Pentateuco (Lv 26.3-13; Dt 28.11,12) e nos
profetas, especialmente em Ezequiel (Ez 34.25-27).[147]
Para completar a maravilhosa visão do que Deus faria àquele povo que, no
momento, não passava de um pequeno remanescente, aparentemente sem
grande futuro, faz-se uma afirmação que não abrange apenas a produção
agropecuária, mas todos os aspectos nacionais de Israel, e não apontavam
àqueles dias, mas ao futuro de um modo mais pleno (v.13): “E acontecerá, ó
casa de Judá e casa de Israel, que, como fostes uma maldição entre as
nações, assim eu vos salvarei e vós sereis bênção. Não temais! Fortalecei
vossas mãos!”. Aqui, a expressão “casa de Judá e casa de Israel” não aponta
para dois povos separados, mas, sim, para o povo completo que o Senhor
unirá por ocasião do cumprimento da Nova Aliança que prometeu por meio
do profeta Jeremias (Jr 31.31-34) — a promessa de perdão de Jeremias vem
associada à reunião de Israel na terra da promessa, trazendo-os de todas as
nações (Ez 36.24-28).
Apesar de essa promessa ter sido parcialmente vivenciada por aquela
geração que viu o Senhor trazer de volta para a Judeia muitos dos que foram
exilados e dispersos, Zacarias trata, no v.13, do cumprimento pleno desse
livramento. Ele cita o fato de os israelitas dispersos serem uma “maldição
entre as nações”. O significado disso é que, ao serem espelhados pelas nações
segundo prescrito nas maldições da aliança mosaica em função da rebeldia,
eles seriam perseguidos e sofreriam enquanto nelas permanecessem (Dt
28.64-68). Porém, o profeta faz menção à promessa de que Deus tomará
Israel do meio das nações e os “salvará” — ou “livrará” — dessa condição
desfavorável, unindo-o em sua terra de direito segundo a aliança feita com
Abraão (Gn 15.18-21). Então, não serão mais amaldiçoados, mas
abençoados. Eis a razão para que aqueles homens, que não sentiam muita
segurança em relação ao seu futuro, não mais temessem e fortalecessem suas
mãos para a obra que tinham diante de si.
Outro traço da grande virada que o Senhor estava promovendo surge a
seguir (vv.14,15): “Pois assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Assim como eu
planejei vos causar dano quando vossos pais me provocaram — e não me
arrependi —, eu planejo agora, nesses dias, beneficiar Jerusalém e a casa
de Judá. Não temais!’”. Mais uma vez a conjunção “pois” é adicionada
como introdução a um argumento em favor do encorajamento. Nesse caso, o
instrumento são os planos do Senhor. Deus lhes apresenta seus propósitos em
dois momentos. No primeiro deles, seu plano foi puni-los pelos pecados e
desobediências, causando-lhes danos que vieram de vários modos e que
culminaram com a invasão de Jerusalém, com a destruição da cidade e do
templo e com a deportação dos sobreviventes para a Babilônia. Sobre isso, o
Senhor afirma que não se arrependeu, o que não o impede de, agora, em
outras condições, agir de outro modo segundo um plano que ele traçou
previamente e que revelou pelos seus servos do passado. Essa mudança, não
de plano, mas de tratamento, já seria sentida por aquela mesma geração.
Assim, Deus garante uma grande virada em seu tratamento e na condição dos
israelitas, fazendo cessar sua disciplina e favorecendo os judeus mediante sua
valorização das palavras divinas (cf. v.9). Sendo esse mais um argumento em
favor do encorajamento, o Senhor o fecha com nova ordem de “não temais”.
Independente do futuro garantido que Israel tem por causa das promessas de
Deus, seu bem-estar presente depende do modo como se relaciona com o
Senhor. Para garantir que continuassem a ser abençoados, o profeta lhes
transmite algumas instruções — duas ordens positivas (v.16) e duas
proibições (v.17)[148] — que evidenciavam que Deus não estava
primariamente interessado em uma construção em si, mas em pessoas que o
servissem de coração e que mantivessem um estilo de vida compatível com o
caráter divino. As ordens positivas são (v.16): “Eis as coisas que vós fareis:
falai a verdade cada um ao seu companheiro. Executai julgamentos retos
e íntegros em vossas portas”. A primeira ordem dificilmente significa
apenas não “falar” mentira, mas, sim, não “agir” com falsidade, seja em
palavras ou ações. Dado o caráter relacional desses comandos, é justo
interpretar a “verdade” exigida por Deus como justiça, misericórdia e
honestidade tanto na esfera pessoal como civil (cf. Zc 7.9,10).[149] O aspecto
jurídico também é abordado na segunda ordem, a qual os responsabilizava
por julgar com retidão e integridade, bem diferente do passado daquele povo,
quando se vendiam sentenças e se oprimiam os indefesos.
As ordens proibitivas, por sua vez, apontavam mais para o coração das
pessoas do que para suas ações — ainda que o coração guie diretamente os
atos e atitudes de cada um — (v.17): “Não deveis intentar o mal uns aos
outros em vossos corações, nem amar o juramento falso, pois eu odeio
todas essas coisas — declara o Senhor”. Para se obedecer aos comandos de
agir com veracidade e de julgar com retidão, era preciso que o coração de
cada um abandonasse as “segundas intenções” ligadas aos relacionamentos.
Se não era permitido guardar no coração planos reprováveis de prejudicar
outras pessoas para benefício pessoal, externar essa atitude pecaminosa por
meio de juramentos falsos ou palavras que não têm realmente valor, nos quais
não se pode confiar, era terminantemente proibido. Os judeus não podiam, de
modo algum, “amar” tais expedientes utilizados pelos seus ancestrais que
provocaram a ira divina. Afinal, o Senhor deixou claro seu ódio com tais
procedimentos e solenizou essa verdade com a fórmula “declara o Senhor”.
Resumindo, aquele povo devia se fortalecer para o trabalho buscando
esperança na atuação de Deus no passado e nas promessas ligadas ao futuro,
deixando de temer os inimigos e as limitações da sua condição, ao mesmo
tempo que lutavam seriamente para manter um padrão de vida elevado e
moldado pelo caráter e pelas palavras do Senhor. Como passagens assim são
atuais e servem à igreja de Cristo! Temos de fazer o mesmo, observando tudo
que o Senhor fez e faz por nós desde que, ao crermos em Cristo, ele cancelou
nossa condenação e passou a nos guiar e abençoar, promovendo uma “grande
virada” em nossa condição. Temos também de olhar para o futuro cheios de
esperança na vida eterna, na nossa futura condição glorificada na presença do
nosso mestre. Por fim, também temos de nos fortalecer e viver do modo que
honre e proclame o evangelho de Jesus Cristo, o qual é o padrão de vida
daqueles que o buscam em fé. E quando tudo isso nos parecer difícil demais,
que nos lembremos da mesma ordem que o Senhor deu muitas e muitas vezes
nas Escrituras: “Não temais!”.

ZACARIAS 8.18-23
O Fim do Lamento e a Busca dos Povos

A quarta e última das mensagens desse trecho traz uma das visões mais
encorajadoras sobre a restauração futura de Israel e a alegria advinda disso
por meio da remoção das razões de lamento[150] e pela expansão mundial da
influência divina. O início dessa mensagem é marcado por uma frase já bem
conhecida dos ouvintes originais (v.18): “Veio a mim a palavra do Senhor
dos exércitos, dizendo”. A partir daí, o Senhor faz três gloriosas promessas,
cada uma precedida pela fórmula “assim diz o Senhor dos exércitos”.[151]
A primeira promessa é a de que o lamento cederá lugar ao regozijo (v.19):
“Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘O jejum do quarto mês, o jejum do
quinto mês, o jejum do sétimo mês e o jejum do décimo mês se tornarão
em alegria, em regozijo e em contentes festejos para a casa de Judá, de
modo que deveis amar a verdade e a paz’”. Deve-se recordar que o fato
que deu origem a esses sermões foi o questionamento dos judeus a respeito
da necessidade da continuidade dos jejuns, no início do capítulo 7.[152] No
último dos sermões pregados a partir de então, o assunto do jejum volta à
tona e recebe sua resposta definitiva. O modo de os judeus agirem no
presente muito dependia do que o Senhor lhes faria no futuro. Nesse sentido,
os jejuns não apenas perderiam completamente seu uso, como meios de
lamentar os sofrimentos do passado decorrentes do pecado da nação, mas
seriam surpreendentemente transformados no seu extremo oposto. Em lugar
de choro, aflição e lamentos, Deus instalaria no meio do povo “alegria”,
“regozijo” e “contentes festejos”, o que indica uma mudança completa da
situação de vida. Se o que trouxe pranto no passado foram a destruição de
Jerusalém e do templo, o desterro da maior parte do povo, a perda da
soberania nacional e da falta de domínio e a posse da terra prometida aos
antepassados, a ação de Deus de restituir o que foi perdido, reconstruir o que
foi derrubado e restaurar o que foi abatido produzirá uma alegria
incomparável e contagiante.
Mas isso de modo algum deve ser razão para um novo descaso e
relaxamento dos padrões morais e de vida, como aconteceu no passado.
Assim, o final do versículo apresenta uma ordem de o povo amar a verdade e
a paz. O que não se sabe exatamente é como essa ordem se relaciona com a
promessa da restauração, já que não há nada no texto hebraico que ligue a
frase anterior à cláusula final. Por isso, as ligações “de modo que”, ou
“portanto”, ou “então” são suposições dos tradutores a fim de dar sentido a
uma sentença que fica perdida sem esse tipo de conexão. Algumas versões
simplesmente traduzem a ordem final sem nenhum tipo de conexão, deixando
de introduzir no texto o que ele não traz, contudo, sem resolver a questão,
mas transferindo-a para o exegeta. O fato é que a instrução ética do Senhor
está, sim, ligada à promessa da alegria, provavelmente ensinando que a
esperança futura devia encontrar seu par no presente na forma de fidelidade a
Deus. Isso seria um encorajamento a não apenas se esforçar na construção
como também a lutar para manter o tipo de vida que o Senhor ensinou e que
esperava dos servos a quem abençoa. Uma segunda possibilidade é que, em
lugar da ligação “de modo que”, se utilize a conjunção “mas”. O resultado
seria que a ordem não visaria a uma resposta presente, mas futura, no sentido
de orientar que, quando a alegria fosse plenamente restaurada, os judeus não
poderiam de modo algum se esquecer dos limites da verdade e da paz nas
suas ações diárias e nos festejos[153] — “festejem, mas não passem dos
limites”.
A segunda promessa é a de que os gentios do mundo todo buscarão e
seguirão o Senhor, cuja presença será vista especialmente em Jerusalém
(v.20): “Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Virão ainda povos e
moradores de muitas cidades’”. Essa também é uma grande mudança que
será realizada por Deus, pois, a princípio, os gentios são apresentados no
livro como rebeldes e alvos da ira divina (Zc 1.15). Entretanto, após o
período de derramamento da ira punitiva sobre eles, um grande avivamento
ocorrerá e os povos que rejeitavam a Deus passarão a buscá-lo (vv.21,22). O
uso do verbo “virão” demonstra que eles terão como destino da sua procura o
próprio “Senhor dos exércitos”.
Essa busca terá uma grande adesão de participantes porque, além da
conversão a Deus em larga escala, haverá também um movimento
contagiante em que uns passam a convidar os outros a fim de que façam o
mesmo (v.21): “E os moradores irão um ao outro, dizendo: ‘Estamos indo
fazer súplicas diante do Senhor e buscar o Senhor dos exércitos. Eu
também irei’”. A função do gerúndio[154] “estamos indo” é apontar para o
fato de que não se tratará apenas de um projeto ou de um plano futuro, mas
de um movimento que já estará em plena ação. Além disso, depois de dizer
“estamos indo”, é surpreendente que tais pessoas também digam “eu também
irei”, já que isso é explícito na primeira afirmação, cujo verbo está na
primeira pessoa do plural (nós). Com isso em mente, podemos olhar para a
cláusula final e ver nela uma ênfase ao que já foi dito, tornando claro o
caráter pessoal da viagem, ou podemos entender que a primeira colocação
descreve uma iniciativa em larga escala em que seria natural expô-la na
primeira pessoa do plural, como se alguém dissesse “estamos em guerra”,
mesmo sem ser ele mesmo um soldado. Dentro dessa segunda possibilidade,
a declaração final “eu também irei” teria o mesmo efeito do alistamento
militar pessoal em tempos de guerra. Assim, o que está na mente de quem
fala desse modo é que “a nação está de partida para buscar a Deus, mas não
sem mim, pois eu pessoalmente me unirei a essa marcha”. Em resumo, esses
anúncios marcados pelo exemplo pessoal acabam transformando tais pessoas
em um tipo de evangelista,[155] cuja dedicação e ansiedade pela busca de
Deus acabam por revelar sua fé e motivação.
É preciso que se diga que uma impressão que o exegeta pode ter é de que a
frase “eu também irei” seria a resposta dos ouvintes, o que não é nada
absurdo, já que evidenciaria a grande adesão ao movimento de busca do
Senhor. Entretanto, o texto não dá nenhuma indicação de mudança do
interlocutor, de modo a tornar a proposta um tanto especulativa, apesar de
que esse não seria o único exemplo de algo assim no Antigo Testamento. A
diferença é que a situação aqui não obriga uma mudança de interlocutor para
que o texto tenha sentido, diferente de outros lugares em que isso é realmente
necessário, dada a alteração do tom de uma frase ou do contexto, ou mudança
de número e gênero verbais.
O resultado do extenso convite do v.21 é uma maciça busca por Deus e uma
grande peregrinação a Jerusalém (v.22): “Virão muitos povos e numerosas
nações a fim de buscar o Senhor dos exércitos em Jerusalém e para fazer
súplicas diante do Senhor”. A esmagadora maioria das traduções traz
“poderosas nações” em lugar de “numerosas nações” — o adjetivo hebraico
utilizado aqui tem os dois significados. Contudo, o contexto nos revela que a
declaração divina desse trecho não está preocupada em mostrar o poder de
Deus sobre o poder e a arrogância das nações rebeldes e inimigas, mas a
incrível adesão mundial à busca do Senhor. Por isso, a tradução “poderosas”
foge um pouco ao contexto e introduz uma ideia que parece ser
extemporânea, uma vez que, no cumprimento de tais palavras, já terá caído
diante de Deus o poderio das nações. Ao que tudo indica, essa construção
usada pelo profeta nos fornece um “paralelismo sinonímico”, figura em que
se apresentam duas ideias que apontam para a mesma realidade, ou uma
“hendíadis”, figura que usa duas expressões para expor uma ideia apenas —
nesse caso, uma tradução possível seria “virão pessoas de numerosas
nações”. De qualquer modo, a tradução “numerosas” [156] é preferível.[157]
Algo também notável nesse texto é que as nações não apenas buscarão o
Senhor, mas o farão “em Jerusalém”. É fato que o Senhor está em toda parte
(Sl 139) e que não é limitado a locais geográficos ou a edificações físicas
(1Rs 8.27; At 17.24). Entretanto, no tempo do cumprimento dessas
promessas, Deus será buscado de um modo especial em Jerusalém, assim
como ocorria quando havia sacrifícios, culto, festas e cerimônias no templo.
Pode-se propor que isso ocorrerá devido à presença e utilização de um novo
templo. Contudo, Jesus, mesmo no tempo em que existia um santuário em
plena atividade, desencorajou a valorização de locais especiais de adoração
(Jo 4.21-23). Olhando para isso e para textos que também falam do afluir das
nações para Jerusalém, não para visitar um templo, mas para buscar e
aprender do Senhor (Is 2.2-4; Mq 4.1-3), pode-se concluir que o fato
marcante será a presença do próprio Deus em Jerusalém, na pessoa do
Messias, que, sendo eterno, será também rei de Israel (Mq 5.2) e legislador
das nações (Mq 5.4).
Por fim, a terceira promessa é a de que gentios e judeus se unirão na mesma
adoração a Deus (v.23): “Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Naqueles dias,
dez homens de todas as línguas das nações agarrarão a manga de um
judeu, dizendo: Nós iremos convosco, pois ouvimos que Deus está
convosco’”. O ato de agarrar alguém pela roupa pode nos parecer hoje uma
ação desrespeitosa, mas, tanto em Israel como na Mesopotâmia daqueles dias,
agarrar a manga da roupa era um gesto de súplica e submissão, como, por
exemplo, na ocasião em que Saul agarrou o manto de Samuel a fim de lhe
suplicar que voltasse com ele (1Sm 15.27).[158] Assim, a figura produzida
por essa frase é que os gentios, antes inimigos dos judeus, lhes procurarão e
desejarão se associar a eles na adoração do Deus que reina em Jerusalém
sobre a nação israelita. O fato de dizer que “dez” gentios se dirigirão a “um”
judeu pode levar à suposição nada absurda de que o número de pessoas entre
as nações será bem maior que o número de judeus, não obrigatoriamente na
proporção de dez para um, mas no sentido de condizer com o tamanho no
mundo e com o número de nações em relação a Israel. Em resumo, os velhos
adversários se achegam aos judeus sabendo que eles, não mais rebeldes como
no passado, andam com Deus e com todos aqueles que também buscam ao
Senhor. O resultado final é um mundo ideal, tanto no sentido da paz e união
mundiais como na busca geral pelo Senhor e criador de tudo que existe. A
diferença é que, o que hoje se vislumbra apenas de modo utópico será plena
realidade quando esse tempo chegar.
É ótimo saber que um dia o mundo se curvará ao eterno salvador dos que
nele creem. Entretanto, não é necessário esperar esse tempo para que sua
igreja atual aja como aqueles peregrinos no futuro, que saiam de casa em casa
e de cidade em cidade convidando outras pessoas a buscar também o Senhor.
Devemos fazer isso desde já, cumprindo nossa função como expoentes da
verdade e das virtudes do nosso Deus (1Pe 2.9). Ao mesmo tempo, temos a
obrigação de também amar a verdade e a paz para que o mundo veja em nós
vidas transformadas por aquele que é verdadeiro e que há de reinar. E sempre
que virmos o povo de Deus glorificando seu Senhor com suas ações, atitudes,
anúncios, ajuntamentos e adoração, devemos todos juntos bradar: “Eu
também irei”.
ZACARIAS 9.1-8
O Olhar Controlador e Protetor do Senhor

O início da segunda parte do livro de Zacarias começa com um oráculo de


difícil tradução, em certas partes, e de difícil interpretação, com bifurcações
hermenêuticas que podem levar o texto a dizer coisas extremamente
antagônicas entre si. Por isso, são necessários paciência, cuidado e sintonia
com a teologia dos profetas e de todo o Antigo Testamento e com a história
do Oriente Médio Antigo.
A fórmula inicial demonstra a abertura da nova seção (v.1): “Um oráculo
dito pelo Senhor contra a terra de Hadraque e que repousa sobre
Damasco, pois o Senhor tem seus olhos voltados à humanidade e a todas
as tribos de Israel”. A primeira palavra já levanta uma questão a ser
respondida: o que é "um oráculo”? Na língua portuguesa, a possibilidade que
melhor se adapta ao contexto tem o significado de uma palavra cheia de
autoridade cujo cumprimento é infalível. Dado o caráter punitivo do
contexto, não erra quem, em lugar de “oráculo”, usa a palavra “sentença”.
Entretanto, nenhuma das palavras da língua portuguesa é capaz de preservar a
ideia de um “peso colocado sobre alguém”, seja sobre as nações alistadas na
sequência, seja sobre o próprio profeta que, certamente chocado com o
conteúdo da profecia, não podia escolher não obedecer ao chamado profético
de anunciar as palavras do Senhor, mesmo que isso lhe fosse uma dura carga
a ser suportada.
A palavra do Senhor é dirigida a várias cidades. O que surpreende é o seu
primeiro alvo, uma cidade não citada em mais nenhum lugar das Escrituras, a
obscura Hadraque. Uma inscrição do oitavo século a.C., atribuída a Zakir de
Hamate, identifica Hadraque com a cidade conhecida como Hatarikka,
localidade situada ao norte de Hamate.[159] Assim, ela não parece ser
obscura na história do Oriente Médio Antigo, permanecendo misteriosa
apenas a relação dessa cidade com os rumos da história de Israel. De
qualquer modo, Hadraque, junto com Damasco, capital de Aram (isto é,
Síria), são o alvo da ação divina, sobre as quais repousam suas palavras, ou
suas determinações punitivas. Na verdade, não apenas tais cidades, mas todo
o mundo, todas as suas nações, incluindo Israel e suas tribos, estão sob o
“olhar” controlador do soberano. Apesar de muitas traduções optarem pela
tradução na qual as nações e as tribos de Israel estão olhando para o Senhor, a
visão do profeta não é de domínio de toda a humanidade, além de um erro
frequente ser justamente o fato de os homens se recusarem a olhar para o
Senhor.[160] Ademais, o v.8 retorna ao assunto dos olhos soberanos do
Senhor, traçando um paralelo entre o início e o final do texto,[161] tornando
preferível a tradução na qual o Senhor é quem tem seus olhos sobre a
humanidade e sobre Israel.
O olhar controlador e punitivo de Deus não se limita às cidades citadas no
v.1, mas se estende sobre outra grande cidade síria, Hamate, e sobre duas
grandes cidades fenícias, Tiro e Sidom (v.2): “Também sobre Hamate —
que faz divisa com ele — e sobre Tiro e Sidom que são muito
perspicazes”. Hamate é limítrofe tanto de Hadraque como de Damasco, de
modo que não é fácil definir o limite citado aqui, sem que, contudo, tal
dúvida afete o sentido do texto. Quanto à perspicácia (lit. sabedoria) atribuída
a Tiro e Sidom, é apresentada no singular como se fosse a qualidade de
apenas uma delas, sendo complicado definir qual das duas. Entretanto, a
associação entre as duas cidades as torna inseparáveis inclusive em suas
designações. Outra observação a ser feita é que o sentido literal de
“sabedoria” da palavra hebraica usada no final desse versículo tem uma
conotação positiva e elogiável. Entretanto, o contexto e as consequências da
profecia demonstram que o Senhor não estava elogiando essas cidades, mas
reconhecendo seu talento, o qual, infelizmente, não impediu que elas se
tornassem arrogantes ou que se livrassem da punição divina, razão pela qual a
tradução “perspicazes” ou “talentosas”[162] é preferível.
Outro detalhe que nos chama a atenção é a lista e a sequência das cidades
apresentadas no texto. Ela coincide com a invasão, em 333-332 a.C., de
Alexandre, o Grande, à Síria, Fenícia, Filístia e Judá. Isso nos leva à questão
da ocasião do cumprimento do oráculo. Há quem defenda que se trate de
acontecimentos diversos entre os séculos 6 e 8 a.C., mas não sem destruir a
unidade do livro com tais propostas. Há também quem o considere uma
profecia totalmente escatológica, sem conseguir, contudo, explicar certas
situações não compatíveis com o reinado do Messias, que produz paz e
transformação de ordem mundial, como, por exemplo, a situação semicaótica
da Filístia. A melhor opção, que não é defendida sem pelo menos uma
dificuldade, é a possibilidade de se tratar de uma predição sobre a invasão
grega de toda a região trazendo grandes mudanças no cenário político.
Sobre isso, Flávio Josefo, sacerdote e historiador judeu do início da era
cristã, conta que, ao guerrear com o persa Dario na Cilícia, “Alexandre,
depois da vitória chegou à Síria. Tomou Damasco, apoderou-se de Sidom e
sitiou Tiro. [...] E, depois de haver regularizado todas as coisas, foi sitiar
Gaza”.[163] Na página seguinte, Josefo fala da chegada de Alexandre a
Jerusalém, porém, sem destruí-la, mas dando-lhe privilégios em função do
relato que fez sobre uma visão que teve ainda na Macedônia em que o sumo
sacerdote israelita, com suas exatas roupas, as quais ele nunca tinha visto
antes, encorajou-lhe, na visão, a batalhar e vencer Dario sob os auspícios do
Deus verdadeiro. Seguindo a possibilidade de ser esse o cumprimento do
oráculo, há quem proponha uma ordem cronológica crescente nas previsões
dessa parte do livro de Zacarias, de modo que 9.1-8,13 seria uma predição a
respeito do Império Grego, 11.4-14 do Império Romano e os capítulos 12—
14 do futuro de Israel nos últimos dias.[164]
O próximo versículo aponta as razões para a arrogância de Tiro, a qual
realmente precederia sua queda (v.3): “Tiro edificou para si uma fortaleza
e ajuntou prata como pó e ouro como barro das ruas”. A cidade de Tiro
se dividia em uma parte continental e outra parte fixada em uma pequena ilha
a oitocentos metros da costa, onde vivia a maior parte da população. A
construção de uma fortaleza tornou a cidade quase inexpugnável a ponto de
Nabucodonosor, depois de um cerco de treze anos (587-574 a.C.), ter
desistido de invadir a cidade. Isso fez com que, além de arrogante (cf. Ez 28),
a cidade tivesse se tornado muito rica. Tudo isso cairia diante do que Deus
lhe tinha preparado (v.4): “De modo que o Senhor a desapossará e lançará
no mar seu poder, e ela será consumida pelo fogo”. Segundo essa previsão,
três males lhe sobreviriam. Suas muitas posses seriam despojadas. Seu
“poder”, o que possivelmente é uma referência ao seu poderio naval, seria
lançado no mar, ou seja, seria afundado no mar. E a cidade seria
completamente destruída pelo fogo. Um abatimento completo que, como é
sabido, fez com que a cidade nunca mais se erguesse e tivesse novamente sua
glória como no passado.
Após conquistar os territórios da Síria e do Líbano, Alexandre tinha planos
de dominar a Filístia (v.5): “Asquelom verá e temerá. Gaza se
aterrorizará, assim como Ecrom, pois sua esperança foi confundida.
Gaza ficará sem rei e Asquelom não será habitada”. Os filisteus sabiam
ser o próximo alvo, de modo que a notícia da queda de Tiro os abateu
fortemente a ponto de sentirem grande temor e de perderem a esperança. Se a
esperança dos filisteus estava depositada na resistência de Tiro ou na suposta
incapacidade militar dos macedônios, não é possível determinar. Mas o
resultado final era claro para eles: a Filístia não resistiria a essa invasão. E de
fato não resistiu, pois, depois de um cerco de dois meses, Gaza, que era a
principal cidade filisteia nesses dias, caiu. Ficar sem rei significa que o rei foi
deposto ou morto por Alexandre e a cidade não teve liberdade política e
militar para entronizar outro monarca. Se Asquelom ficou desabitada, Asdode
passou a ser habitada por um povo misto (v.6): “Um povo bastardo
habitará em Asdode, pois eu aniquilarei o orgulho dos filisteus”. A única
das cinco cidades filisteias que não é citada é Gate, já que ela fora
completamente abatida por Nabucodonosor no passado.
Apesar do grande abatimento filisteu, nem tudo seria mal (v.7): “Tirarei o
sangue de suas bocas e a comida imunda de entre seus dentes. Então,
quem sobreviver será do Senhor e se tornará como um clã em Judá e
Ecrom será como um jebuseu”. Como efeito colateral da invasão
macedônia, efeito esse planejado por Deus, os sobreviventes filisteus
acabariam sendo integrados à população de Judá e, convertidos ao judaísmo,
seriam do Senhor. Isso é percebido no texto em dois relances. O primeiro é o
da purificação alimentar e cultual dos filisteus, já que dizer que o sangue seria
tirado de suas bocas significa que eles passariam a se abster dele, assim como
ditava a lei israelita. Ao mesmo tempo, dizer que não haveria mais comida
imunda em seus dentes aponta para o fato de que eles deixariam os rituais de
adoração pagã dos seus falsos deuses para servir ao Deus verdadeiro, o que
fica apenas implícito. O segundo relance vem da afirmação de que eles
seriam como um clã ou uma família de Judá. Isso significa que haveria uma
absorção tribal em que os sobreviventes filisteus passariam oficialmente a
integrar a tribo de Judá, assim como aconteceu aos jebuseus, antigos
moradores de Jerusalém. Quando Davi invadiu a cidade, poupou boa parte do
povo e este foi absorvido pelos israelitas, o que é possível notar ao ver a fé e
a prática do jebuseu Araúna (2Sm 24.16,18) diante do rei Davi e da sua
necessidade de fazer uma oferta a Deus em suas terras (2Sm 24.22; 1Cr
21.23).[165]
Depois de uma invasão avassaladora em toda a região, Alexandre marchou
rumo a Jerusalém. Em vista do seu pedido, quando ainda estava ao norte, de
que os judeus lhe fossem favoráveis como o tinham sido anteriormente com
Dario, e da recusa dos judeus por dizerem que não podiam faltar com sua
palavra ao rei persa, Alexandre ficou muito furioso com Judá. Ao marchar
para Jerusalém com seu exército, a expectativa era de que houvesse grande
destruição. Mas o Senhor disse que protegeria seu povo (v.8): “Acamparei
em minha casa para guardá-la de qualquer um que vá ou que venha, de
modo que não venha mais nenhum opressor contra eles, pois, então, eu
vigiarei com meus olhos”. O fato é que Deus promoveu uma grande virada,
fazendo com que o conquistador macedônio reconhecesse em Israel o Deus
que lhe falou anteriormente. Por isso, Alexandre foi bondoso com os judeus e
foi bem recebido em Jerusalém. O sumo sacerdote até lhe mostrou no livro
do profeta Daniel as predições de um príncipe grego que venceria os persas,
afirmando acreditar que se tratava dele.[166] O resultado que deixou todos
perplexos foi que, enquanto diversas nações ao redor foram abatidas,
Jerusalém e o povo de Judá não apenas foram poupados, como também
beneficiados pelo conquistador.
A razão disso é a presença deliberada de Deus “em sua casa para guardá-
la”. É claro que a menção da casa nos leva imediatamente ao pensamento
sobre o templo. Entretanto, o Senhor certamente não estava preocupado com
uma edificação de pedras e madeira, mas com a nação, razão pela qual essa
casa, ou pelo menos seu efeito, deve ser compreendida como o próprio povo
em si e seu território, ambos vigiados e guardados pelo olhar controlador do
soberano. A dificuldade surge quando, no final do versículo, é afirmado que
mais nenhum opressor viria contra eles, quando sabemos que a região foi
posteriormente dominada pelos selêucidas, romanos, árabes, ingleses e, ainda
hoje, quando Israel voltou a ser um Estado, não detém totalmente o domínio
do território do qual devia usufruir. Desse modo, vemos que, ainda que esse
oráculo tenha um cumprimento temporal, nos dias de Alexandre, a proteção
que o Senhor deu ao seu povo naquele período será executada de modo pleno
e irrevogável no futuro, quando eles definitivamente não terão mais guerras e
nem inimigos e desfrutarão da plenitude das bênçãos prometidas por Deus
nas alianças abraâmica, davídica e nova aliança.
Essa mensagem, apesar de ter a maior parte do seu cumprimento já
concluída e apontada para o povo judeu, revela o caráter de Deus e seu
controle da história em benefício do seu povo, mesmo quando toda a lógica
aponta para seu fim. Nesse sentido, a igreja de Cristo se viu muitas vezes
como alvo de ataques inimigos que tinham como intenção exterminá-la,
minar sua liberdade de adorar o Senhor e maculá-la com os piores tipos de
mundanismo e superstição. Ainda assim, quando a razão dizia que a igreja
sucumbiria, Deus acampou novamente sobre sua casa e livrou seu povo dos
seus inimigos, fazendo-os perdurar e se expandir. Isso deve nos encher de
coragem e esperança atualmente, quando vemos que os ataques inimigos não
cessaram e que ainda há pessoas que rangem os dentes contra a igreja e
contra o cristianismo e têm como meta de vida tirar nossa liberdade de viver
servindo nosso Deus. Quando isso acontece, devemos fazer como o sumo
sacerdote judeu que buscou o Senhor e confiou em suas palavras e, com
vestes brancas, junto com todo o seu povo, viu o Senhor mudar os planos dos
homens e beneficiar os servos do Deus vivo, aquele sobre quem estão os
olhos do salvador e protetor daqueles que o amam.

ZACARIAS 9.9-17
A Esperança do Futuro e do Presente

A segunda metade do capítulo 9 de Zacarias contém um texto muito forte


no que tange à esperança e ao maravilhoso vislumbre da chegada do Messias
para reinar. Como sempre, dificuldades surgem. Uma das principais delas,
além da exegese de cada versículo em si, é a ocasião de cumprimento dessas
palavras. Uma leitura rápida revela os dizeres específicos do Senhor com
relação à Grécia como alvo de um abatimento efetivado pelos judeus (v.13).
Quase imediatamente nos vem à mente a guerra dos macabeus, iniciada em
167 a.C., na qual os judeus se livraram do domínio dos selêucidas, linhagem
de governantes advinda de um dos quatro grandes generais gregos que
dividiram entre si o império de Alexandre.[167] Nessa divisão, o general
Seleuco ficou com o controle da Síria e circunvizinhanças. Apesar de muitos
comentaristas ignorarem essa ligação do texto com a história em questão, a
sequência desse parágrafo em relação ao anterior, em que se descortina a
invasão de Alexandre sobre o Oriente Médio, torna natural a descrição
profética do que se seguiria historicamente e produz um avanço natural nas
profecias de Zacarias, tornando arbitrário o abandono dessa implicação do
texto.[168]
Por outro lado, é inegavelmente escatológica a linguagem utilizada em
diversas partes do parágrafo — como a chegada do Messias (v.9), o
desarmamento de Israel devido à paz (v.10), o estabelecimento da nação em
sua terra (v.16) e a prosperidade permanente (v.17) —, criando, assim, um
conflito em relação à aplicação histórica da profecia no período dos
macabeus. Como se não bastasse, ainda surge a necessidade de explicar
como, em tempos de paz escatológica, se desenvolve o cenário violento e
sangrento que envolve Israel, fortalecido pelo Senhor, como nação vitoriosa
(vv.13-15).
O início do parágrafo surge em função do verso anterior que, voltando os
olhos para o futuro, previa a libertação de Jerusalém e a soberania nacional.
Tendo tocado nesse tema, o Senhor descreve o executor de tais ações, o
Messias (v.9): “Alegra-te muito, filha de Sião! Aclamai, filha de
Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti, ele que é justo e salvador, humilde
e montado em um jumento, sim, sobre um jumentinho, cria de uma
jumenta”. O chamado à exaltação não é sem motivo, já que contempla a
chegada do rei prometido a fim de cumprir a aliança com o rei Davi (2Sm
7.16). Contudo, diferente dos reis da linhagem davídica que foram falhos ou
até rebeldes, esse rei messiânico porta a qualidade divina de “justiça” e, no
tocante ao seu papel em Israel, é “salvador”, alguém que obtém a tão
esperada vitória sobre os inimigos. Em uma virada fantástica, a descrição
gloriosa cede espaço à disposição humilde desse rei e sua chegada que divide
a majestade com a simplicidade, ao vir montado em um jumentinho. Apesar
de os jumentos serem animais muito úteis naquela região e certamente
fazerem parte das posses e do uso real, há evidências suficientes na literatura
antiga que demonstram o uso dos cavalos como locomoção oficial da realeza.
O fato é que a perplexidade dessa visão aparentemente ambígua se desfaz
quando, no Novo Testamento, surge o Senhor Jesus adentrando Jerusalém
montado em um jumentinho e sendo recebido e aclamado como rei,
cumprindo a predição feita a esse respeito (Mt 21.5-7 cf. Gn 49.10,11). A
dificuldade óbvia é que, entre sua entrada triunfal e a realização efetiva do
seu reinado escatológico, há toda uma era em que Israel é temporariamente
afastado, cedendo seu privilégio à igreja de Cristo (Rm 11). Por causa da
progressividade da revelação divina, esse período, tão claro aos olhos do
Novo Testamento, nem sempre foi percebido pelos profetas, como ocorre
aqui. Diante desse texto e sua sequência, a chegada humilde do Messias em
um jumentinho é seguida pela vitória contra os inimigos, restauração
permanente de Israel e instauração da paz,[169] quando sabemos que essa
última parte ainda não ocorreu. O profeta Miqueias faz o mesmo ao associar
o nascimento do Messias (Mq 5.2) com o retorno dos israelitas em paz sob as
bênçãos do seu rei (Mq 5.3), como se fossem eventos contíguos. Porém,
apesar de já haver ocorrido o descrito no v.2, o resultado do v.3 ainda é
aguardado. O fato é que os profetas, que tinham menos informações que os
escritores do Novo Testamento, por vezes associavam acontecimentos que
mantêm intervalos de tempo entre si. Alguns estudiosos chamam esse
fenômeno de “horizonte profético”, comparando o aglutinamento de
cumprimentos proféticos à visão equivocada que temos das montanhas no
horizonte que, parecendo todas elas pertencerem à mesma montanha,
costumam ser montes distantes uns dos outros, mas que, de longe, produzem
uma imagem unificada, sem que se vejam os vales que os separam. Assim,
nesse caso em questão, apesar de Jesus já ter completado a previsão do v.9,
ainda aguardamos com esperança o cumprimento dos versos seguintes.
Em função do início do reinado efetivo do Messias, as esperadas bênçãos
pactuais serão cumpridas (v.10): “Eu acabarei com os carros de Efraim e
com os cavalos de Jerusalém. O arco de guerra será quebrado. Ele
anunciará a paz às nações e o seu domínio será de mar a mar e desde o
rio [Eufrates] até os confins da Terra”. Um dos modos de se anunciar a
instalação da paz é anunciar o desmantelamento do arsenal de guerra. O
mesmo ocorre com Isaías ao prever a paz mundial escatológica dizendo que
todo o armamento será transformado em ferramentas agrícolas (Is 2.4). Aqui,
os carros de guerra, puxados por cavalos, serão aposentados
permanentemente — a palavra hebraica utilizada dá ideia de algo “cortado
fora” ou “extirpado”. O texto não deve ser entendido de tal forma que
somente Efraim possui carros de guerra e somente Judá os cavalos, mas como
um modo de dizer que em “todo Israel” haverá tal paz que os armamentos
alocados em todo o território serão inúteis e, por isso, descartados.
Depois de falar dos poderosos carros de guerra, o profeta fala de outro
instrumento letal, os arcos. O alcance mortal dos arcos, com suas flechas que
atingem inimigos a grande distância, faz dele uma arma perigosíssima.
Sabendo disso, Zacarias diz que também esse trunfo militar será quebrado
para que nunca mais seja utilizado contra outras pessoas. É claro que o texto
coloca o desarmamento em termos militares antigos. Hoje, as guerras não são
mais travadas com charretes e com arcos. Entretanto, o texto aponta para uma
paz que é confirmada pelo desarmamento militar, qualquer que sejam as
armas na ocasião em que isso ocorrer.
O resultado não será paz apenas para Israel e seu povo, mas para todo o
mundo (cf. Is 2.2-4; Mq 4.1-3). Outro fator esplêndido é o fato de o Messias
não reinar apenas sobre Israel, mas dominar as nações do mundo todo. Ao
dizer que tal domínio será “de mar a mar”, a ideia não parece ser a de limitar
um território entre dois mares, mas falar da continuidade ao redor do mundo,
assim como dizemos “do começo ao fim”, “de A a Z” ou “de domingo a
domingo”. Essa ideia se confirma quando o “rio Eufrates” surge como limite
inicial de um controle que alcança “os confins da Terra”. É certo que
qualquer rio, vale ou monte serviriam igualmente a essa figura. Porém, a
menção do Eufrates certamente trazia à mente do judeu, que aguardava
possuir a terra da promessa, a aliança feita com Abraão, a qual previa a posse
territorial desde o Eufrates até o rio do Egito (Gn 15.18-21). Uma observação
a ser feita é que, apesar de o texto hebraico dizer apenas “desde o rio até os
confins da Terra”, a expressão “o rio” é um modo costumeiro daquela época
de se referir ao Eufrates, razão pela qual o nome desse rio entrou na tradução.
[170]
A ligação com a aliança abraâmica brota também no versículo seguinte
(v.11): “Quanto a ti, por causa do sangue da aliança feita contigo, tirarei
os prisioneiros das cisternas sem água”. A promessa feita ao patriarca
envolvia a permanência da sua descendência na terra prometida — por isso, o
Senhor trará Israel de volta ao seu território de direito. Entretanto, outra
aliança, mesmo que derivada da abraâmica, parece condizer ainda melhor
com tal promessa, a “nova aliança” (Jr 31.31-34). Além de ela prever a
restauração espiritual de Israel, também prenuncia seu retorno ao país de
onde foram expulsos (Jr 31.23-25,38-40). Ezequiel, falando das bênçãos
espirituais da nova aliança, atrela a elas o retorno da nação (Ez 36.25-27 cf.
vv.24,28). Essa é a razão de Deus, “por causa do sangue da aliança”, se
comprometer a tirar o povo “das cisternas sem água”. Essa expressão produz,
assim como na história de José, a ideia de uma prisão de onde não se pode
sair sozinho. Assim tem sido a dispersão dos judeus pelo mundo devido à sua
rebeldia e incredulidade. Não importa o que façam, não conseguem revertê-la
plenamente. Na verdade, nem conseguem manter em paz o país que
reinstituíram. Esse tormento só findará depois da entronização do Messias em
Jerusalém e da sua influência mundial.
Nessa ocasião, será anunciado aos israelitas dispersos (v.12): “Retornai à
fortaleza, prisioneiros da esperança. Hoje, igualmente, anuncio que vos
restituirei em dobro”. A fortaleza é Jerusalém, tratando-se de uma
sinédoque em que a parte é citada como referência ao todo, a terra da
promessa. Além disso, Jerusalém, como capital livre de um país soberano, é
um lugar muito importante dentro da profecia, principalmente ao lembrarmos
que o Israel moderno não detém o controle pleno dessa cidade, a mais
significativa para eles. Em complemento ao retorno, há também a provisão
dobrada que revela que o Senhor voltará a tratar Israel como seu primogênito,
dando-lhe abundância de tudo aquilo de que agora eles são “prisioneiros da
esperança”, ou seja, esperançosos de ver cumpridas tais promessas. Na
verdade, essa expressão aponta para o teor da esperança também no que tange
à situação presente, podendo significar “prisioneiros no exílio que mantêm a
esperança em Deus” ou “que têm esperança de que Deus irá libertá-los”,[171]
fazendo-os retornar à sua terra.
Apesar da visão bela e pacífica do mundo governado pelo Messias, uma
imagem desconcertante é exposta nos próximos três versículos. Israel, que no
v.10 é permanentemente desarmado, surge agora como uma arma de guerra
na mão de Deus (v.13): “Pois retesarei Judá como se fosse meu arco e o
carregarei com Efraim. Eu despertarei os teus filhos, ó Sião, contra os
teus filhos, ó Grécia. E farei de ti, [ó Sião], como espada de um
guerreiro”. Esse quadro é tão antagônico ao anterior que alguns
comentaristas ignoram a linguagem bélica desse trecho (vv.13-15) e reduzem
seu significado a uma mera declaração de que Deus é soberano sobre as
nações e que tem poder para abatê-las. É claro que não é fácil sair desse
dilema. Entretanto, a conjunção “pois” nos ajuda a perceber que o que será
dito faz parte do processo que leva àquela situação de paz. Nesse caso, a paz
vem somente depois da guerra e depois da vitória de Israel sobre os inimigos
e do Senhor contra a rebeldia dos povos. Nesse sentido, a batalha contra os
gregos, liderada pelos macabeus, é uma demonstração histórica daquilo que
Deus fará plenamente no futuro. Assim, antes de o Senhor quebrar o arco de
Israel (v.10), ele utilizará Judá como um arco e Efraim como as flechas, ou
seja, fará deles instrumentos de guerra e dos seus propósitos. Além de a um
arco com suas flechas, os judeus também serão comparados a uma espada,
produzindo a noção exata de que essa não será uma guerra somente do
Senhor, mas também dos israelitas.
Apesar disso, o poder e a vitória vêm de Deus e da sua ação inevitável
(v.14): “O Senhor será visto acima deles e suas flechas sairão com raios.
O Senhor Deus dará o toque com a trombeta e partirá com furacões do
Sul”. Não se trata de qualquer batalha que os judeus já travam ou que
venham a travar. Essas palavras também não podem ser aplicadas a conflitos
regionais como os já ocorridos na história do Estado de Israel. Trata-se de
uma guerra de grande porte, cujo poder do Senhor é inegavelmente visto e
reconhecido como se veem os raios do céu. Seu início deve ser bem marcante
devido à figura de um toque de guerra dado pelo próprio Deus a fim de
avançar sobre os opositores. Essa guerra também produzirá um resultado
arrasador sobre os inimigos, assim como os estragos produzidos pelos
“furacões do Sul”. Essa menção pode fazer referência às fortes tempestades
da região árida e montanhosa do Sul de Judá, o Negueve, mas as tempestades
mais violentas vindas a Judá pelo Sul são as que vêm do deserto da Arábia (Is
21.1 cf. Os 13.15).[172]
Israel entrará em batalha assim como fazia no passado, quando o Senhor os
liderava em combate e os protegia para não sucumbirem diante de outros
exércitos, tornando-os vitoriosos (v.15): “O Senhor dos exércitos os
protegerá. Assim, eles comerão e pisotearão as pedras lançadas de
fundas. Eles beberão e se alvoroçarão como se faz com vinho. Eles
ficarão encharcados como bacias sacrificiais e como os cantos do altar”.
Não é fácil compreender a linguagem truncada e as figuras rebuscadas, mas
parece haver aqui, na figura de um banquete, uma visão dupla. A primeira
visão é a batalha cruenta que será travada de maneira poderosa por parte dos
israelitas. Sob esse aspecto, as pedras lançadas a eles pelos fundibulários
inimigos não têm efeito, mas são devoradas e pisadas pelos soldados judeus.
Na batalha, seus gritos de guerra lembrarão os barulhos ruidosos de um
homem embriagado, tamanha a determinação e ferocidade dos seus soldados.
Por fim, assim como as bacias e o altar do templo ficavam cheios de sangue
dos sacrifícios, os israelitas “ficarão encharcados”, ou seja, “se encherão de
sangue” dos inimigos em decorrência da batalha. A segunda visão é a de um
banquete em que os vencedores comem os despojos da batalha, comemoram
com gritos de grande alegria e cuja taça se enche, assim como eles mesmos.
De qualquer modo, seja olhando para a batalha ou para a vitória, fica muito
bem descrita aqui uma guerra violenta que Deus fará Israel vencer.
Esse fato deixa muitos estudiosos perplexos, já que não vislumbram uma
guerra escatológica final da qual Israel participe. Uma das razões para isso é,
possivelmente, a descrição da batalha final dessa era como a vinda do
Messias com seu exército celestial para vencer o inimigo (Ap 19.11-21), sem
fazer qualquer menção a Israel como exército participante. Contudo, o profeta
Miqueias, ao prever a tomada de poder pelo rei eterno que nasceu em Belém-
Efrata (Mq 5.2), diz também: “O remanescente de Jacó estará entre as nações,
no meio de muitos povos, como um leão entre os animais da floresta, como
um leão forte entre rebanhos de ovelhas, leão que, quando ataca, destroça e
mutila a presa, sem que ninguém a possa livrar. Sua mão se levantará contra
os seus adversários, e todos os seus inimigos serão destruídos” (Mq 5.8,9 —
ver também 4.13). Essa não é a imagem de um Israel passivo esperando que o
Senhor faça tudo sozinho, mas de um exército poderoso que toma parte na
batalha. Nesse sentido, o profeta Isaías trata Israel como ferramentas de arado
moendo e pulverizando seus inimigos (Is 41.14-16 cf. vv.12,13). O próprio
Zacarias ainda antevê os israelitas, fortalecidos pelo Senhor, em luta contra as
nações e prevalecendo sobre elas (Zc 12.3-6, tb. 10.5). Desse modo, vê-se
que a paz que o Messias trará será promovida após a punição da rebeldia
contra o Senhor, assim como Deus fez no passado ao, simultaneamente,
abençoar Israel com a terra de Canaã e punir as nações rebeldes (Gn 15.16).
O resultado final é a confirmação da filiação de Israel e sua restauração
(v.16): “Naquele dia, o Senhor, o Deus deles, os salvará como rebanho do
seu povo, de modo que eles serão como pedras de uma coroa encravadas
em sua terra”. Duas figuras são utilizadas. A primeira é a de um rebanho
que, no Oriente Médio Antigo, não era tratado com descaso, mas com
cuidado amoroso e benevolente por parte dos seus pastores. Igualmente, Deus
agirá para com eles como um pastor excelente que livra seu rebanho dos
perigos e lhe dá alimento, refrigério e segurança. A segunda figura reflete o
caráter permanente da habitação do Israel restaurado na terra da promessa,
pois serão como pedras preciosas engastadas em uma coroa. O valor da coroa
e das pedras fazia com que o trabalho de confecção dessa peça real exigisse
do ourives esmero e encaixes firmes das pedras para que não se perdessem.
Não podia haver o risco de as gemas preciosas se soltarem da coroa. Do
mesmo modo, o Senhor os firmará perpetuamente na terra assim como
perpétua é a aliança que Deus fez com Abraão. Além do mais, a ideia das
pedras preciosas nos indica como o Senhor valorizará seu povo e lhe encherá
de bênçãos. Essa bondade é o tema final da profecia (v.17): “Quão grande é
a sua benevolência e a sua graça! O trigo fará crescer os jovens e o vinho,
às donzelas”. Além da “paz” para Israel e para o mundo, da “permanência”
definitiva dos judeus na terra da promessa, a última faceta é exposta na figura
da “prosperidade” para os habitantes de Israel, os quais terão filhos que
crescerão e encherão as praças do país (Zc 8.5).
Israel tinha, com isso, uma esperança dupla: esperança no futuro
(escatológica) e esperança no presente, no decorrer da história (em relação ao
domínio grego). A igreja de Cristo tem essa mesma esperança. Tem
esperança de um dia chegar ao desejado céu, encontrar-se com o Senhor e
com os santos, sem pecados nem sofrimentos, e habitar pela eternidade com
Deus em sua glória. Ao mesmo tempo, tem a esperança de ver a mão
cuidadosa, protetora e provedora do Senhor durante a história, em seu dia a
dia nesse mundo mau. Se essas palavras encorajaram os macabeus a lutar
contra um inimigo mais poderoso e a aguardar um reino futuro, muito mais
nós temos de ter coragem para servir a Cristo e lutar contra o mal, levando a
verdade do evangelho a todos e resistindo às perseguições que testemunham
que somos filhos de Deus. Para nós, também a luta vem primeiro para depois
herdarmos a eterna e verdadeira paz!
ZACARIAS 10.1-12
Da Humilhação do Exílio à Glória do Reino

À medida que o livro de Zacarias prossegue, as promessas e figuras vão se


tornando mais sugestivas e enfáticas, como no capítulo 10, que é um texto
grande, mas que não deve ser fracionado a fim de não perder de vista a
compreensão do seu ensino. Ele começa com uma ordem simples, mas de
grande interesse para uma população de atividade agropecuária (v.1): “Vós
deveis pedir ao Senhor chuva no tempo da primavera, o Senhor que faz
os relâmpagos, e ele dará chuva abundante e erva no campo para cada
um”. Resumindo: “Peçam chuva e o Senhor dará”. Só isso? Não! O assunto
continua sendo a salvação de Israel[173] e sua restauração como nação
abençoada e próspera. Levando em conta a aliança com Israel (Lv 26.3,4), a
chuva não era apenas uma questão de pedir, mas de se honrar o Senhor com a
obediência e com o modo de vida segundo o caráter divino. Eis a razão pela
qual Deus se zangou contra os líderes espirituais e políticos de Israel (v.3),
pois, apesar de terem obrigação de ensinar e promover a obediência, eles
corromperam o povo por maus caminhos.
Isso fez com que os israelitas, durante séculos, buscassem falsos deuses e
falsos profetas para obter as bênçãos que necessitavam para o sustento. O
resultado foi se afastarem de Deus, sendo enganados (v.2a): “Porque os
ídolos do lar falam falsidades e os adivinhos têm visões mentirosas,
revelam sonhos vazios e dão consolo vão”. Aqui surge uma visão que nos
parece fora de tempo, já que os “ídolos do lar”, citados como objetos de
adoração pagã em Gênesis e em Juízes, não parecem fazer parte do dia a dia
dos judeus do período pós-exílico, assim como os vaticínios de adivinhos e
prognosticadores. Na verdade, quando o v.3 demonstra o desagrado de Deus
contra os maus líderes de Israel, lembramos que nos dias de Zacarias o povo
era liderado por homens que, apesar de não serem perfeitos, também não
eram perversos e corruptores da nação, a saber, o governador Zorobabel e o
sumo sacerdote Josué. Assim, a impressão é que o Senhor expande seu olhar
sobre a história do seu povo entre o Egito e a Babilônia e sobre as razões de
Israel não tê-lo servido, mas se rebelado, sofrendo severas punições. Além de
culpar o povo, o Senhor responsabilizou com grande seriedade a liderança da
nação (v.2b): “Por isso, o povo vive como ovelhas, às quais vivem aflitas
porque não têm um pastor”. Apesar de “não ter um pastor” poder significar
que não havia um rei, é provável que Deus tenha apontado o fato de as
lideranças de Israel não terem agido como verdadeiros pastores, protegendo e
alimentando o rebanho.
A reação de Deus não podia ser outra (v.3a): “Minha ira se acendeu
contra os pastores e eu punirei os bodes-guias”. Enquanto o termo
“pastores” aponta aqui para os líderes religiosos, a palavra traduzida como
“bodes-guias” pode ser usada como metáfora para homens poderosos ou
magnatas,[174] apontando para a liderança política e para a aristocracia
israelita. Ao percebermos que o verbo denota uma ação futura, podemos
concluir que a realidade passada de Israel não estava resolvida e que o povo
voltaria a se desviar por falta de quem os pastoreasse corretamente,
redundando em novas punições e, segundo o texto sugere, um acerto final de
contas antes que o próprio Deus assuma o controle do rebanho. Essa
realidade final é descrita na segunda parte do versículo (v.3b): “Pois o
Senhor dos exércitos visitará seu rebanho — a casa de Judá — e fará
dele o seu cavalo majestoso na guerra”. Se os maus líderes não chefiaram
corretamente Israel, Deus o fará cumprindo seus propósitos na vida da nação,
tornando-a seu exército pronto a desempenhar o papel escatológico entre
outras nações antes que seja estabelecida definitivamente a paz, como
exposto no capítulo anterior.
Na sequência, o profeta utiliza várias figuras de linguagem, nem todas
fáceis de compreender (v.4): “De Judá virá a pedra angular, o prego na
parede, o arco de guerra e todos os governantes”. O texto não fala “de
Judá virá”, mas “dele virá” sem especificar quem. Alguns estudiosos optam
por dizer que é de Deus que virão tais coisas, mas ao olharmos para o final do
versículo anterior e para o versículo seguinte, percebemos que Judá é o foco
das palavras. É claro que o fato de tais coisas virem de Judá, em nada
significa que não é o Senhor quem as produz. Ao contrário, é exatamente essa
a intenção da profecia, a saber, informar o que Deus fará a Judá e à nação
como um todo. Assim, a primeira metáfora é a “pedra angular”, a qual não
pode deixar de ser associada ao Messias (Lc 20.17; Ef 2.20; 1Pe 2.6).
Entretanto, para os ouvintes originais, a ideia produzida em suas mentes
também envolvia firmeza e segurança, já que esse era o papel de uma pedra
angular em construções como a que eles vinham executando no templo e
como já haviam lido nas Escrituras a respeito do estabelecimento, na criação,
das bases da Terra (Jó 38.6 cf. v.4) — Isaías 28.16 também usa o termo, cujo
significado está mais próximo dos textos do Novo Testamento que de Jó.
Quanto ao “prego de parede”, embora seja frequentemente traduzido como
“estaca”, produz a ideia de um apoio em que as ferramentas e armas eram
penduradas, o que, figuradamente, aponta para as promessas de Deus como
apoio da própria esperança dos israelitas (cf. Is 22.15-25; Ed 9.8).[175]
A terceira metáfora é o “arco de guerra” que, além de apontar para o papel
militar de Israel nos planos futuros do Senhor, deve também indicar o poder e
a soberania do rei divino para, não apenas conquistar, mas também manter
seu domínio e a paz nele instalada. Por fim, é dito que virão de Judá os
“governantes”, palavra usada para indicar o governo dos israelitas sobre as
nações,[176] além de um poder centralizado no reino messiânico e não um
governo difuso e espalhado pelo planeta, como acontece atualmente.
Em função disso, o povo enfraquecido e pouco numeroso de Judá dos dias
de Ageu e Zacarias veria tal transformação que seria como um exército
poderoso que cerca cidades inimigas, pisando o barro nas ruas como figura de
quem vence todas aqueles que se opõem a ele[177] (v.5): “Eles serão como
valentes pisando o barro das ruas na guerra. Eles guerrearão, pois o
Senhor estará com eles e eles envergonharão os cavaleiros inimigos”.
Valentes que, na guerra, pisam o barro nas ruas são os soldados de infantaria,
aqueles que lutam a pé e que têm poder bélico inferior ao da cavalaria.
Mesmo assim, o texto pinta a imagem das cavalarias inimigas sucumbindo
ante à infantaria judaica. Isso quer dizer que, quando Deus cumprir sua
promessa, não importa o número de inimigos e seus poderosos armamentos.
Com o braço do Senhor ao seu lado, Israel se torna vencedor onde quer que
vá.
A partir do v.6, o assunto muda do estabelecimento de Israel como nação
forte para o tema do retorno dos exilados, algo realmente significativo para os
judeus que tinham retornado da Babilônia em um número não tão grande
quanto desejavam (v.6): “Eu fortalecerei a casa de Judá, livrarei a casa de
José e os farei voltar, pois tive compaixão deles. Eles serão como quando
eu não os tinha rejeitado, pois eu sou o Senhor dos exércitos e lhes
atenderei”. Os dois reinos de Israel são citado aqui. Judá recebe uma
referência clara e Israel é citado por meio da figura de José, de quem
provinha as tribos de Efraim e Manassés, sabendo que Samaria, antiga capital
do reino do Norte, ficava em Efraim. Dizer que Judá e Israel voltariam,
significa pelo menos três coisas: que as nações se uniriam novamente, que se
arrependeriam dos pecados e voltariam a servir o Senhor e, adiantando o v.9,
voltariam de seu exílio pelo mundo para a terra dada a seus pais. Em resumo,
trata-se de uma restauração plena como a descrita no anúncio da nova aliança
(Jr.31.31-34).
Mesmo o reino de Israel, chamado Efraim, espalhado pela Assíria e pela
Média desde 722 a.C. (2Rs 17.6), sem que houvesse grandes expectativas de
que pudessem ser novamente reunidos, serão restabelecidos (v.7): “Os
[homens] de Efraim serão como valentes e o coração deles se alegrará
como se fosse com vinho. Seus filhos verão isso e se alegrarão. O coração
deles se alegrará no Senhor”. Assim como na visão de Ezequiel, do vale de
ossos secos (Ez 37.1-14), em que Deus refazia corpos há muito deteriorados e
estabelecia um exército, a improvável reunião de Israel será um fato.
Interessante notar que Ezequiel, na sequência da sua visão, anuncia a
unificação e restauração dos reinos do Norte e do Sul (Ez 37.15-28). Zacarias
faz o mesmo (v.8): “Eu os chamarei e os reunirei, pois eu os terei
redimido. Assim, eles crescerão em número assim como cresceram [no
passado]”. “Eu os chamarei” — lit. “eu assobiarei para eles” — quer dizer
que Deus será o responsável por, na hora certa, trazer de volta para casa os
israelitas dispersos pelo mundo. Não apenas alegria será a marca dessa nova
era (v.7), mas também o crescimento do povo (v.8), mostrando que a aliança
com Abraão encontrará livre curso para se cumprir plenamente quando o
Senhor também cumprir as previsões de restauração espiritual e retorno dos
israelitas (previsões da nova aliança), além do reinado perpétuo do Messias
(previsão da aliança davídica).
Ainda que o estado atual de Israel faça, na mente dos homens, ser
improvável e até impossível tal retorno, seu arrependimento e volta a Deus,
mesmo em terras longínquas, é o suficiente para o Senhor, em seu poder
soberano, mover toda a história a fim de reuni-los e restaurá-los à sua
condição original (v.9): “Embora eu os tenha lançado por entre as nações,
eles têm se lembrado de mim mesmo em lugares distantes. Por isso, seus
filhos viverão e retornarão”. Nenhum outro povo no mundo foi tão
perseguido e, mesmo assim, durado e permanecido ao longo dos milênios. O
fato de Israel ainda existir, mesmo que disperso, é prova incontestável do
controle divino sobre a história humana e da sua fidelidade em cumprir as
promessas que fez. Por isso, os filhos de Israel “viverão e retornarão”.
O retorno será total e tão numeroso que não haverá espaço suficiente para
assentar todos os repatriados dentro dos limites atuais do Estado de Israel
(v.10): “Eu os farei retornar da terra do Egito e os reunirei da Assíria.
Eu os farei vir para as terras de Gileade e do Líbano, pois não se achará
lugar para eles [habitarem]”. Egito e Assíria representam aqui as nações
em que os israelitas estão espalhados,[178] já que o reino do Norte foi
trasladado para a Assíria e o remanescente do reino do Sul, aquele que não
foi levado à Babilônia, encontrou asilo político nas terras do Egito. Dizer que
“não se achará lugar para eles habitarem” é um modo de revelar que serão
tantos os judeus dispersos pelo mundo que retornarão à terra da promessa que
novos limites territoriais serão alçados para que possam morar, já que todo o
território estará abarrotado de gente. Não por coincidência, isso acaba por
cumprir outra faceta da promessa feita a Abraão: possuir a terra ao norte até o
limite do rio Eufrates (Gn 15.18-21), terra essa que nem vemos atualmente ou
na história passada como território israelita. Na verdade, esse grande número
de repatriados sugerido por Zacarias nos faz entender a razão de Deus
prometer a Abraão um território tão grande.
Na efetivação da busca e retorno do povo espalhado pelo mundo, Deus é
quem vai à frente deles e os guia (v.11a): “[O Senhor] cruzará o mar da
aflição e golpeará as ondas no mar e todas as profundezas do Nilo
secarão”. Há um desacordo entre os tradutores sobre quem é o agente das
duas primeiras ações. Enquanto os verbos hebraicos estão no singular,
apontando para o Senhor com agente, a Septuaginta — tradução grega do
Antigo Testamento datada por volta de 200 a.C. — traz os verbos no plural,
indicando que os israelitas poderiam ser os responsáveis pelas ações. Apesar
de a Septuaginta ser mais de dez séculos anterior ao texto massorético
(hebraico) que temos, não há mais evidências que indiquem que a versão
grega esteja correta. Além disso, a possibilidade levantada pelo texto grego
não combina com o restante do texto, o qual, na verdade, descortina ao leitor
uma ação sobrenatural e soberana movendo os rumos das nações.
Por isso, a ideia produzida pelo início do v.11 é a do Senhor agindo como
um navio que traz de volta o povo espalhado pelo mundo. Assim, ele “cruza
o mar” e “golpeia as ondas” como faz a proa de um navio que viaja decidido
e com boa velocidade. O nome “mar da aflição” provavelmente faz menção
ao sofrimento dos israelitas durante todo o tempo em que o mar —
possivelmente o Mediterrâneo — os separou de sua pátria amada. Entretanto,
o Senhor os traz de volta das regiões da Turquia e da Europa (terras além do
Mediterrâneo) — na época não se tinha noção de regiões mais distantes como
o continente americano —, como também do Norte da África, pelo que é dito
que o Senhor também seca o Nilo para que atravessem por ele. Essa
linguagem é, obviamente, contextualizada com a realidade da época para que
se tornasse significativa para os ouvintes originais, ao passo que sabemos que
nem todas as viagens atualmente são feitas de barco e que não é necessário
secar o Nilo para que haja acesso livre de um lado para o outro do rio egípcio
devido ao sistema de estradas e pontes. Entretanto, a intenção do profeta é
apontar Deus como aquele que toma seu povo de entre as nações e os traz de
volta poderosamente, contra todas as dificuldades e expectativas atuais.
E quanto às nações inimigas? E quanto aos poderosos reinos? E quanto ao
que conhecemos hoje das nações, da economia, da política, dos blocos
militares e das comunidades mundiais e principalmente do armamento
incontável mantido por nações que sabemos que reagirão a um
despontamento de Israel como nação hegemônica? Sobre isso, diz Zacarias
(v.11b): “O orgulho da Assíria será abatido e o cetro do Egito não mais
existirá”. À primeira vista, a resposta do profeta parece não satisfazer às
perguntas levantadas logo atrás, pois basta lembrar que a Assíria deixou de
ser um império e até uma unidade política um século antes e que o Egito foi
abatido e subjugado pela Babilônia e depois pelos medos-persas. Por isso
mesmo, é possível perceber que o texto utiliza essas duas nações para
representar os poderes mundiais. Apesar de a Assíria não mais existir e de o
Egito não ter mais seu antigo poder e influência, todos os judeus sabiam o
que ambos significaram em seu passado e como representavam as forças
inimigas e opressoras sobre eles. Por isso, quando Deus cumprir o que diz
nesse capítulo, as nações que ocuparem o lugar político-militar da Assíria e
do Egito em sua época serão subjugadas e desmanteladas.
Mas Judá e Israel, por sua vez, passarão pelo processo inverso em que,
crendo e obedecendo novamente a Deus, viverão sob a guarda e as bênçãos
divinas (v.12): “‘Eu os fortalecerei no Senhor e eles procederão de acordo
com o seu nome’ — declara o Senhor”. Com isso, define-se de modo claro
o cumprimento final da profecia em que Israel é restaurado do cativeiro, vive
sujeito às ordens de Deus e é convertido ao Messias, o Senhor Jesus Cristo, o
qual reinará sobre eles perpetuamente.[179]
É maravilhoso ver que tudo, todo o poder, fortuna e arrogância dos homens
se rendem ante os pés do governante divino. Porém, depois de falar sobre a
sorte de Israel e das nações mundiais, o que dizer da igreja de Cristo e da sua
participação nisso tudo? Quando falamos do reinado futuro do Messias,
obrigatoriamente falamos sobre nossa participação nele: “Se perseverarmos,
com ele também reinaremos” (2Tm 2.12a). Para que não se diga que se trata
de um reino meramente espiritual, João confirma o reinado “terrestre”
daqueles que, crendo, foram salvos no meio de todos os povos: “E com teu
sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação. Tu
os constituíste reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a
terra” (Ap 5.9b,10). Assim, nos planos futuros de Deus, se Israel é a ponta da
lança do Senhor para lutar contra os ímpios do mundo e acabar com seus
reinados de rebeldia, de algum modo a igreja de Cristo, glorificada na época,
será envolvida na administração do governo mundial de Jesus Cristo. Isso,
além de nos encher da esperança de exercer um papel tão importante e
significativo no futuro, deve, já no presente, nos engajar em um serviço tal
que nossa influência no meio das nações expanda o reino espiritual de Cristo
e glorifique a Deus. Afinal, na obra do Senhor, não há lugar para ociosos e
covardes.
ZACARIAS 11.1-14
A Rejeição do Pastor e o Abate das Ovelhas

O capítulo 11 de Zacarias contém um texto muito duro, cuja interpretação


talvez seja uma das mais difíceis de todo o Antigo Testamento. Em lugar de
oferecer uma figura esperançosa no final, como é de costume das profecias, o
texto se rende a apontar uma dura disciplina de Deus ao Israel novamente
rebelde diante da graça e do comando divino. Apesar de a alegoria tornar
difícil a identificação da ocasião de cumprimento de tais palavras, a menção
de “trinta moedas de prata” como preço pelo Senhor (vv.12,13) oferece uma
baliza que ancora a profecia ao redor da traição e morte do Messias — evento
que não é possível — e nem deve — ser associado a outro evento histórico.
A profecia começa com frases dirigidas a seres e locais personalizados
dentro de uma pequena alegoria (v.1,2): “Abre as tuas portas, ó Líbano, de
modo que o fogo devore os teus cedros. Geme, ó cipreste, porque o cedro
caiu e as grandes árvores foram devastadas. Gemei, ó carvalhos de Basã,
porque a floresta cerrada veio abaixo”. Nesse trecho, o profeta faz uso de
uma linguagem alegórica, já que elementos da flora e locais geográficos
ganham ações e sentimentos e se lamentam pela perda que sofreram. É inútil
tentar identificar cada elemento da figura. Qualquer modelo de interpretação
para os cedros, o cipreste, as grandes árvores, os carvalhos e a floresta
cerrada cai diante das incongruências causadas pelas menções do Líbano e de
Basã ou de resultados que serão fatalmente artificiais e forçados.[180] E
mesmo aqueles estudiosos que chegam a identificações mais bem elaboradas
não conseguem, ao final, oferecer nada além de uma boa “possibilidade”.
Desse modo, é melhor enxergar o quadro todo como um conjunto no qual
uma imensa floresta, cheia das mais belas e fortes árvores, vem abaixo por
uma destruição que não é possível conter, assim como um exército de
lenhadores ou um forte incêndio na mata. O objetivo do texto parece ser o de
prever uma grande destruição da parte de Deus, como forma de juízo, que
começa no Norte e desce em direção a Israel.
O resultado é grande dor por parte daqueles que foram atingidos pela ira
divina (v.3): “Ouve-se o gemido dos pastores porque a sua glória está
arruinada. Ouve-se o rugido dos leõezinhos, pois o orgulho do Jordão
está destruído”. Joyce Baldwin aponta corretamente a relação entre o v.3 e o
texto de Jeremias 25.34-38,[181] no qual o juízo de Deus abate os pastores
por meio da destruição de seus pastos e rebanhos e no qual os leõezinhos
choram, pois ficaram órfãos e sem casa. A expressão “orgulho do Jordão”
pode se referir a alguma cidade significativa e influente, talvez no limite
norte de Israel com a Síria, ou mesmo à vegetação densa e rica da região.
Entretanto, a falta de informações sobre o Jordão nas Escrituras torna difícil
saber onde era considerado o início ou a nascente do rio naquela época. De
qualquer modo, a menção parece apontar que esse juízo que nasce no Norte,
chega a Israel, atingindo-o em cheio.
Esse início sombrio tem uma intenção bastante clara: apontar as razões do
julgamento em questão (vv.4-14). O início dessa seção contém uma fala de
Deus ao profeta (v.4): “Assim diz o Senhor, meu Deus: ‘Apascenta o
rebanho reservado para a matança’”. A ordem de apascentar é dada a uma
pessoa apenas, já que o verbo imperativo se encontra no singular. Desse
modo, a palavra divina parece ser dirigida ao próprio profeta, razão pela qual
ele também se refere ao Senhor como “meu Deus”. Assim, a missão do
profeta é se pronunciar diante do povo chamado literalmente de “rebanho da
matança”, o povo de Judá que, apesar das duras lições, voltaria a se rebelar
contra o Senhor e seria abatido na ocasião do cumprimento dessas palavras.
Por isso mesmo, apesar de o verbo “apascentar” normalmente ter uma
conotação positiva, nesse caso a intenção é preparar o rebanho para o abate
que, ao que o texto indica, era inevitável. A própria exortação oriunda da
profecia seria um meio de o profeta exercer tal função.
Prosseguindo com a figura do rebanho, o Senhor anuncia a participação de
três partes: provavelmente uma nação invasora, aliados do invasor e os
líderes de Israel (v.5): “Aqueles que as comprarem farão a matança
impunemente. Aqueles que as venderem dirão: ‘Bendito seja o Senhor,
pois eu fiquei rico’. Seus pastores não terão pena delas”. O primeiro grupo
— os “compradores” — dão sequência a atos que fogem um pouco da
imagem de um negociante de ovelhas, já que, ao matá-las, eles se tornam
repreensíveis, sem, contudo, receber o devido castigo. A intenção não é
oferecer uma figuração perfeita, mas produzir a ideia de que o “rebanho da
matança”, Israel, seria tratado com crueldade e injustiça por dominadores que
obteriam êxito em seu propósito porque, por trás deles, a mão punitiva de
Deus pesaria sobre o povo obstinado. É muito difícil identificar o segundo
grupo — os “vendedores” —, o qual não precisa necessariamente fazer parte
do povo judeu, mas sim colaborar com a empreitada dos dominadores. Esse
auxílio fica evidente pelos benefícios que recebe em termos financeiros.
Quanto ao terceiro grupo — os “pastores” do rebanho —, trata-se da
liderança judaica que, longe de ser fiel a Deus e ativa na promoção do bem
nacional, preocupa-se apenas consigo mesmo enquanto despreza o povo e
nada faz para impedir seu perecimento.
Seria fácil responsabilizar apenas esses três grupos pelo sofrimento de Israel
se, no versículo seguinte, o próprio Senhor não se apontasse como causa
última do abatimento da nação por causa dos pecados irredutíveis do povo
(v.6): “Pois eu não mais me compadecerei dos moradores da terra —
declara o Senhor —, mas eis que entregarei cada homem nas mãos do
seu companheiro e nas mãos do seu rei. Eles arrasarão o país e eu não os
livrarei das suas mãos”. A partícula “pois” atrela todos os eventos do
versículo anterior ao fato de Deus entregar a nação nas mãos dos seus
inimigos. “Moradores da terra” é uma menção aos habitantes da terra de
Israel e não de toda a Terra — por isso, “terra” vem grafada aqui com letra
minúscula. A grande dúvida vem de o povo ser entregue nas mãos do “seu
rei”, como se houvesse aqui uma traição nacional do líder máximo. Isso não é
possível, pois, além de essa imagem não condizer com a história desse
período, a liderança de Israel é criticada nesse capítulo por sua negligência e
não por uma atividade atroz. Por isso, é possível que Israel estivesse sob o
domínio de um rei estrangeiro, assim como ocorreu nos dias dos reis
selêucidas, dos quais Antíoco Epifânio foi o mais cruel e ativo contra o povo
judeu (167-164 a.C.), além dos romanos que, com Pompeu, invadiram e
subjugaram Israel (63 a.C.), e com Tito, praticamente acabaram com o país
(70 A.D.).
Dado esse golpe no povo de coração endurecido, o Senhor oferece a
possibilidade de um novo tratamento regado por sua misericórdia (v.7):
“Então, eu apascentarei o rebanho reservado para a matança, as mais
humildes do rebanho. Tomarei para mim duas varas: a uma chamarei
Deleite e à outra chamarei União, e apascentarei o rebanho”. No v.4, o
pronome pessoal apontava o profeta Zacarias como quem devia pastorear o
rebanho da matança, mas nesse caso, usando-se a primeira pessoa do
singular, o próprio Deus surge como o pastor e autor das ações seguintes.
[182] Quanto ao povo, ele ainda é descrito como “rebanho da matança”, mas
um novo elemento entra em cena com a citação das “mais humildes do
rebanho”. Essa expressão é repetida no v.11 junto da explicação de que elas
permaneceram no Senhor, apontando provavelmente para o remanescente fiel
dentro de Israel. Diante disso, o pastoreio divino faz entrar em cena algo
descrito por duas qualidades: “Deleite”, uma possível menção ao novo trato
proposto na vinda do Messias — já que a sequência associa esse texto ao seu
ministério —, ou a um cenário positivo sob uma boa liderança; e “união”, o
resultado da unidade nacional caso o povo aceitasse a direção divina.
Entretanto, esse vislumbre de uma harmonia política, militar e religiosa
perde espaço diante da negação do povo de se submeter a Deus (v.8): “Eu
eliminarei três pastores em um mês, pois encurtarei minha paciência
com eles, os quais também ficarão enfadados comigo”. Muitos
comentaristas já fizeram suas propostas em relação à identidade dos “três
pastores”, desde reis pré-exílicos até reis da linhagem dos asmoneus. Se
formos mais longe, podemos até propor as três facções rivais durante o cerco
romano a Jerusalém (69-70 a.C.), já que o último versículo abre margem para
as consequências da rejeição do Messias, o que, associada à ideia de uma
descrição não linear dos eventos nessa profecia, poderia nos levar aos eventos
da destruição de Jerusalém no ano 70 por Tito. O desenrolar do juízo nos
versículos seguintes favorece essa possibilidade. Outra possibilidade surge se
entendermos “eliminarei” não como “morte”, mas como “deposição”. Nesse
caso, a substituição de sumos sacerdotes pelo governo romano da Judeia,
como ocorreu entre Anás e Caifás (Jo 18.13) — Anás foi deposto no ano 16 e
Caifás foi empossado no ano 18, sendo que entre eles houve três breves sumo
sacerdotes: Ismael, Eleazar e Simão[183] —, também poderia ser uma
possibilidade.
A verdade é que é impossível determinar quem são os pastores, suas reais
funções no meio de Judá e se o período de um mês é de fato um período de
trinta dias ou um curto espaço de tempo,[184] dada a mistura de linguagens
utilizadas no capítulo. O que é possível notar com clareza no v.8 é o fato de
Deus ter encerrado seu tempo de ser paciente, trazendo juízo ao povo. Outro
fator claro, apesar de surpreendente, é o fato de o próprio povo se “enfadar”
do Senhor. Apesar de a rebeldia e a incredulidade fazerem parte da história
do relacionamento de Israel para com Deus, o modo como isso é dito aqui faz
com que esse desprezo do povo seja algo aberto e declarado, algo que não é
comum de se ver no Antigo Testamento. Isso só fica mais bem explicado
quando, na sequência, o Senhor é avaliado em trinta moedas de prata (v.12), o
que sabemos se cumprir em Jesus, o Messias. No caso dele, o Deus
encarnado, o desprezo e oposição de Israel foram bem nítidos e declarados,
tornando a descrição do v.8 compatível com a sequência do texto.
Por causa do enfado mútuo entre o Senhor e a nação, o resultado é
devastador (v.9): “Então eu direi: ‘Eu não vos apascentarei. Os que
devem morrer morrerão, os que devem ser exterminados serão
exterminados e os que restarem comerão cada um a carne dos seus
companheiros’”. Assim, Deus anuncia a chegada definitiva de um juízo
futuro. Não haveria mais chances e oportunidades. O último aviso foi dado e
rejeitado de modo que não há mais o que esperar. O quadro é de um grande
morticínio e uma grande fome, provavelmente gerada por um cerco militar.
Flávio Josefo, além de contabilizar a morte de cerca de 1 milhão e 100 mil
judeus na guerra contra os romanos, relata a intensa fome em Jerusalém em
função do cerco de Tito. Essa fome levou uma mãe a cozinhar e comer seu
próprio filho, fato que, quando trazido a lume, fez com que cada habitante de
Jerusalém se sentisse como se também tivesse comido a terrível iguaria.[185]
Em vista da negação do povo de receber sobre si o “Pastor” messiânico (Jo
1.11) e da permanência no estado de rebeldia diante de Deus, o novo trato
proposto é deixado de lado (v.10,11): “Tomarei minha vara, o Deleite, e a
quebrarei a fim de invalidar a aliança que fiz com todo o povo. Ela será
abolida naquele dia. Então, as mais humildes do rebanho, as quais
permaneceram em mim, saberão que isso foi a palavra do Senhor”. Ao
dizer que invalidaria a aliança com o povo, o texto hebraico diz “com todos
os povos”. A dificuldade é que as alianças de Deus foram feitas com Israel e
não com as nações. Por isso, há quem proponha uma correção ao texto a fim
de, no singular, tratar-se de apenas a nação israelita. Porém, pode também ser
que o fato de o Messias atuar por meio de Israel sobre toda a humanidade seja
a razão de o mundo todo ter perdido com essa situação. Ainda assim, o
penalizado primário é Israel, pelo que o Senhor o afastou de sua proteção e
graça, pelo menos até a restauração futura (cf. Rm 11). Outro fator notável é
que, quando essa virada ocorresse, ela não se daria devido a qualquer
mudança de pensamento ou instabilidade por parte de Deus, pois tudo isso foi
previamente anunciado e isso seria reconhecido pelo remanescente fiel
quando acontecesse. Trata-se da soberania divina preparando e anunciando
previamente sua administração da história.
O Senhor, então, faz uso de uma linguagem de certo modo irônica, pois
pede para ser avaliado pelo povo quanto ao merecimento de suas ações diante
deles. Essa proposta, que deveria fazer os judeus caírem ao chão em
adoração, negando-se a avaliar aquele que avalia tudo e todos, recebe uma
resposta mais que surpreendente (v.12): “Eu lhes direi: ‘Se for bom aos
vossos olhos, dai a minha retribuição; caso contrário, abstende-vos’.
Então, eles pesarão minha retribuição: trinta moedas de prata”. De fato,
a nação pesou o Deus Messias e o julgou barato, de pouco valor. Esse é o
caso de uma profecia tipicamente messiânica, pois sua especificidade não
permite que ela seja associada a mais nenhum evento que não seja o
pagamento de trinta moedas de prata pela traição de Judas a fim de que Jesus
fosse preso, julgado e morto (Mt 26.15). Isso marca não apenas a rebeldia de
Israel, mas também a rejeição do Pastor, razão pela qual o rebanho sofreria, e
a enorme ingratidão[186] pelo “deleite” do Senhor no seu povo e a “união”
que ele produzira na nação que nada merecia de bom da parte do soberano.
Desse modo, o Senhor rejeita o preço e os pagadores (v.13): “O Senhor disse
a mim: ‘Atirai-as ao oleiro o majestoso preço em que fui avaliado por
eles’. Tomarei as trinta moedas de prata e as lançarei ao oleiro, na casa
do Senhor”. Além de a figura prenunciar as ações de Judas, o qual, cheio de
remorso, atirou ao templo o dinheiro da traição, que posteriormente foi usado
para comprar o campo do oleiro (Mt 27.3-10), demonstra também a imensa
reprovação divina por meio da ironia de chamar aquele valor irrisório da
avaliação do Senhor como um “majestoso preço”.
Essa reprovação parece selar o destino do povo israelita por um bom tempo,
pois Deus deixa de protegê-los até o ponto de a nação ser novamente partida
no meio diante da invasão inimiga (v.14): “Então, quebrarei minha
segunda vara, a União, a fim de frustrar a irmandade entre Judá e
Israel”. Diferente de outros textos proféticos, esse não termina com um tom
de esperança na restauração futura, mas com a denúncia da tolice da nação ao
procurar para si pastores insensatos (vv.15-17). Assim como dito no
comentário do v.8, a luta de três facções rivais dentro de Jerusalém sob o
cerco romano, que produziu grande sofrimento às pessoas comuns que
ficaram presas no cerco, foi um dos fatores que os conduziram à destruição
de Jerusalém e do templo no ano 70 e a uma nova dispersão dos israelitas
pelo mundo.[187]
A interpretação desse texto é dificílima e as possibilidades aventadas nesse
comentário não são melhores ou mais prováveis que outras. Entretanto, a
ideia geral da profecia e sua aplicação pastoral são bastante tangíveis. Em
primeiro lugar, vê-se que Deus é gracioso além do que os homens possam
imaginar, oferecendo sua mão amiga e restauradora quando se pensa que ele
ofereceria apenas a vara do juízo. Em segundo, deve-se notar que, apesar da
sua longanimidade e insistência em dar novas chances aos homens, há
momentos em que ele resolve colocar tudo em pratos limpos e disciplinar a
rebeldia. Assim como no v.9, ele diz: “Agora, o que precisa ser tratado será
tratado e o que precisa ser punido será punido”. Nesse momento, só podemos
lembrar as palavras do autor de Hebreus: “Terrível coisa é cair nas mãos do
Deus vivo!” (Hb 10.31). Essa lição deve realmente levar os incrédulos a cair
de joelhos diante de Cristo e, com fé, implorar seu perdão e salvação, além de
dobrar os servos de Deus diante dele em obediência, reverência, temor e
adoração. Afinal, não há como colocar um valor, nem mesmo em moedas de
prata ou ouro, para todo o bem que o Senhor, por sua graça, oferece àqueles
que o buscam.

ZACARIAS 11.15-17
A Ação Tola dos Pastores Insensatos

Os últimos três versículos de Zacarias 11 não são independentes do


capítulo, mas consequência da rejeição divina em relação ao povo rebelde e
sua decisão de não mais pastorear aquele rebanho obstinado (v.9). Entretanto,
a representação do oposto a tudo que Deus é como pastor e a pontualidade da
aplicação desse parágrafo favorecem um estudo desse trecho isoladamente,
sem, contudo, desatrelá-lo do contexto e da mensagem geral do capítulo.
Assim, no vácuo do pastoreio divino, o próprio Senhor prevê sua ação de
levantar para o povo tolo um pastor insensato como eles, como se lhes
aplicasse um pouco do próprio veneno.
Mais uma vez, Deus se dirige ao profeta e lhe dá a ordem de transmitir
cenicamente, assim como no v.13, a mensagem dirigida a Israel (v.15): “O
Senhor disse a mim novamente: ‘Toma para ti os utensílios de um pastor
insensato’”. A maioria das traduções, em lugar de associar o advérbio
“novamente” à fala divina, o faz em relação ao ato de Zacarias “tomar para si
os utensílios”. Apesar de isso não criar um problema fundamental, o fato é
que Zacarias, ao representar um pastor insensato, não estava repetindo
nenhuma representação anterior desse tipo — a única representação, além
dessa exigida do profeta nesse capítulo, é jogar trinta moedas de prata no
templo (v.13), figuração que diverge bastante dessa. Assim, a única coisa que
se repete é Deus se dirigir a ele a fim de orientá-lo em sua função profética.
Algo obscuro é o que é descrito como “os utensílios de um pastor
insensato”. Os utensílios de um pastor incluíam ferramentas que lhe
possibilitassem conduzir em segurança o rebanho. Cajado, vara, ervas
medicinais e ataduras deviam ser itens padrão na bagagem de um pastor sábio
e responsável. Como o pastor insensato é alguém que se preocupa consigo
mesmo e não com o rebanho — segundo o versículo seguinte —, Zacarias
deve ter tomado alguns itens que o identificavam como pastor, mas que eram
incompatíveis com quem traria de volta o rebanho intacto, talvez levando
consigo facas e instrumentos para tosquiar, dissecar e curtir a carne e o couro
de ovelhas, dando a ideia de que consumiria o rebanho em lugar de lhe
proteger e alimentar.
A razão do teatro que deveria ser protagonizado pelo profeta era o
prenúncio de que Deus mesmo, em disciplina à nação rebelde, lhes daria um
pastor como aquele representado por Zacarias (v.16a): “Pois eis que eu
levantarei um pastor na terra”. Uma interpretação corrente desse texto é
que, após a rejeição do Pastor messiânico, o anticristo cumpriria a função
desse pastor insensato a quem Israel preferiria em lugar de Jesus.[188]
Contudo, assim como no capítulo todo, as identificações são possibilidades
inexatas. O Senhor bem pode estar se referindo aqui aos líderes, ou a algum
deles em especial, que liderariam a nação até a morte de Jesus ou à destruição
de Jerusalém no ano 70. Há também quem sugira se tratar dos romanos que
dariam cabo de Jerusalém, mas essa associação não faria jus ao alerta do v.17,
o qual parece se dirigir aos líderes dentre o próprio povo. [189] Se não é
possível identificar esse pastor a quem o Senhor levantaria — um pastor
insensato, segundo a sequência do texto —, o fato é que essa não seria a
primeira vez que o Senhor dá ao povo de Israel o tipo de liderança que eles,
em seu endurecimento, desejavam. O rei Saul foi levantado sobre o trono
israelita em circunstâncias parecidas.
O rei Davi, sucessor de Saul, foi descrito por Deus como “homem segundo
o meu coração” (At 13.22), o que quer dizer que Davi era o rei escolhido pelo
Senhor segundo as indicações divinas cerca de oito séculos antes de sua
entronização, as quais apontavam a tribo de Judá como fonte da casa real de
Israel (Gn 49.9,10). Mas, em lugar de Israel esperar que se levantasse o rei
segundo o coração de Deus, forçou Samuel a entronizar um rei segundo o
coração do povo, um rei que fosse como os reis das outras nações (1Sm 8.5).
Já naquela ocasião, o Senhor alertou que tal rei se aproveitaria do povo sem
lhes dar a devida contrapartida de um bom rei (1Sm 8.10-18), razão pela qual
o anúncio de Zacarias aqui faz parecer que Deus se refere aos maus reis que
eles teriam de bom grado ao passo que rejeitariam o Bom Pastor.
A figura do pastor normalmente está associada ao bom pastoreio. Mas não
nesse caso (v.16b): “Ele não cuidará das [ovelhas] extraviadas. Não
procurará aquelas que fogem. Não tratará as feridas nem alimentará as
saudáveis”. Ao contrário do que fazem os bons pastores que defendem com
sua vida a segurança do rebanho — algo visualizado no pastoreio literal de
Davi, enfrentando animais ferozes que queriam atacar suas ovelhas (1Sm
17.34-36) e em Jesus, o Bom Pastor que dá a vida por suas ovelhas (Jo
10.11,15) —, o pastor insensato não se importaria com aqueles sob sua
guarda. Na verdade, esse falso pastor faltaria totalmente com suas
responsabilidades, buscando apenas o cuidado de si mesmo e seus próprios
interesses.
Como se isso não bastasse, passaria a explorar as ovelhas em lugar de
protegê-las (v.16c): “Antes, comerá a carne das [ovelhas] gordas e
despedaçará seus cascos”. A ideia é de consumi-las por completo,
quebrando seus ossos para devorar sua carne, chegando até mesmo a lhes
arrancar as unhas[190] a fim de aproveitar tudo que é possível. A insensatez
desse pastor se mostra aqui em sua forma máxima, já que as ovelhas,
diferentes de animais exclusivamente de corte, dão mais lucro vivas que
mortas. A lã das ovelhas era basicamente a razão de sua criação. O pastor
fazia a tosquia e continuava cuidando da ovelha para que desse outra porção
de lã algum tempo depois. Esse pastor mostra sua insensatez aplacando sua
fome com a fonte de seus lucros futuros.[191] Aplicando essa figura à vida
política de Israel, isso significa que a exploração de trabalho, impostos e
recursos dos judeus teria lugar em um tipo de ditadura opressiva, algo
inaceitável a um bom líder, mas merecido por uma nação que rejeita o bem e
escolhe o mal.
A punição da nação por meio dos próprios pastores que escolheu, rejeitando
a direção proposta pelo Senhor, fica clara no v.16. Na sequência, Deus se
dirige aos pastores maus e lhes dá um temeroso alerta (v.17a): “Ai do pastor
inútil que descuida do rebanho”. A ameaça é forte e é expressa na
interjeição “ai”. Assim como em Habacuque 2.6-20, o Senhor se vale dessa
linguagem para anunciar um severo juízo a ser lavrado e executado por ele
mesmo. Embora Habacuque liste vários tipos de pecador que serão julgados,
aqui a ameaça se dirige aos líderes insensatos, irresponsáveis, egoístas e
opressores do povo, ou seja, àquele pastor que “descuida do rebanho”.
Apesar de o parágrafo falar de um pastor ou pastores possivelmente
específicos, o alerta serve de modo generalizado não apenas a eles, mas a
outras pessoas que exerçam funções similares. David Clark e Howard Hatton
fazem uma associação de textos bem interessante que ilustra o crime desses
pastores e a razão pela qual eles seriam punidos com severidade, comparando
esse texto com Ezequiel 34.5,6 em contraste com João 10.10-15.[192] Com
isso, o crime acusado e previsto para punição é a “negligência”. A punição
em si é assim descrita (v.17b): “A espada virá sobre seu braço e sobre seu
olho direito. Seu braço ficará totalmente seco e seu olho direito ficará
completamente cego”. Mesmo sendo essa uma figura, é possível perceber,
por sua gravidade, o tamanho do furor de Deus contra o pastor inútil e o nível
do temor que deve acompanhar a função do líder.
O texto contém duas aplicações pastorais contemporâneas, uma direcionada
às ovelhas e outra voltada aos pastores. Às ovelhas, fica a lição de que a
busca por pastores relapsos que façam a vontade do rebanho e não do Senhor
gera sofrimento para elas mesmas. Paulo alertou Timóteo de que isso
aconteceria de modo crescente (2Tm 4.3). Por isso, as ovelhas que querem ser
cuidadas e alimentadas como precisam devem urgentemente procurar
pastores que usem os utensílios corretos e que pensem mais no rebanho que
em si mesmos. Aos pastores, fica o alerta de que Deus leva muito a sério a
função que eles realizam e que pedirá contas do que fizeram com o rebanho
que lhe pertence (Hb 13.17). Nesse caso, Pedro previu uma lastimável
desvirtuação do cargo na mão de falsos mestres que surgiriam no futuro (2Pe
2.1-3). Por isso, os pastores verdadeiros devem ser sábios, fiéis, temerosos e
incansáveis até o dia em que pastores e ovelhas irão descansar eternamente
no aprisco celestial.
ZACARIAS 12.1-9
O Fortalecimento dos Judeus e a Recuperação de Jerusalém

Os capítulos 12 a 14 de Zacarias olham para o final da era em que vivemos,


mais especificamente para o período da Tribulação, também chamado de “o
dia do Senhor”. Na verdade, a expressão “naquele dia” aparece dezesseis
vezes nesse três capítulos,[193] seis vezes apenas nesse trecho (Zc
12.3,4,6,8,9 — a expressão aparece duas vezes no v.8). Assim, a exposição da
mensagem de julgamento mundial que foi dada pela primeira vez por
Obadias (Ob 15-21)[194] é agora redesenhada com contornos novos e mais
nítidos aos judeus do período pós-exílico. E isso veio em boa hora, pois dois
anos após o reinício das obras do templo e diante de uma situação política
desfavorável, servindo outra nação, sem um rei soberano e sem uma capital
fortificada, o povo de Jerusalém devia estar cansado e desanimado. A
mensagem de esperança na glória futura que é dada nesses capítulos é
suficiente para ajudá-los nos próximos anos de trabalho duro e nos próximos
séculos, para aqueles que ainda põem em Deus sua esperança de ver a nação
arrependida e restaurada, política e espiritualmente, e o Messias prometido
assentado no trono de Davi, reinando em meio à grandiosidade e santidade
inauditas.[195]
Em vista da natureza da revelação futura em questão, tratando de uma
restauração que podia parecer improvável e impossível aos olhos daquela
geração e das seguintes, o Senhor apresenta sua identidade, seu poder e sua
obra grandiosa como garantia de cumprimento e como sustentáculo da crença
e da esperança que os judeus deviam ter (v.1): “Um oráculo dito pelo
Senhor a respeito de Israel: ‘Declaração do Senhor, o qual estendeu os
céus, estabeleceu a Terra e formou o espírito do homem no seu
interior’”. Apesar de algumas versões optarem por dizer se tratar de um
oráculo “contra Israel”, todo o contexto demonstra o oposto, ou seja, um
oráculo a favor do povo judeu, de modo que a tradução “a respeito de Israel”
é tanto preferível como a opção eleita pela maioria das versões.
A identidade do fiador de tais palavras é clara ao se declarar ser “um
oráculo dito pelo Senhor”. O Deus de Israel era o próprio pronunciador do
oráculo e aquele que se comprometeu com o cumprimento. Se o problema
não era a origem da promessa, talvez fossem, na mente dos cansados e
desencorajados israelitas, os inúmeros impedimentos políticos, econômicos e
sociais que podiam servir de empecilho para uma fé esperançosa daqueles
homens. Para tanto, Deus lhes lembra de seu poder criador dos “céus” e da
“Terra”. A criação e o êxodo sempre foram os fatores marcantes no sentido
de informar os israelitas do poder ilimitado e soberano de Deus. Não é sem
razão que a criação é oferecida aqui como pilar da fé. Além do mais, expor
esse acontecimento de modo tão cênico, como desenrolar os céus como se
fosse um mero tapete e estabelecer a Terra como se fosse o preparativo
básico para a edificação de uma casa, deixa claro que mesmo as maiores
obras são atividades que Deus executa sem ter dificuldades ou contratempos.
Por fim, ao dizer que “formou o espírito do homem em seu interior”, o
Senhor não apenas confirma seu poder, como seu interesse pelo que ocorre na
vida dos homens e na história humana, de modo que não ficaria alheio àquele
povo, nem ao seu futuro, e muito menos às promessas que lhe fez.
Feita a devida introdução, o Senhor anuncia seu oráculo (v.2): “Eis que
estou para colocar Jerusalém como um cálice de embriaguês para todos
os povos ao redor. Também Judá o será durante o cerco de Jerusalém”.
O contexto em questão surge no final do versículo. Trata-se do anúncio de
um cerco futuro à cidade de Jerusalém. Não é anunciado exatamente quem
serão os invasores, mas, a julgar pela expressão “todos os povos ao redor”,
parece se tratar de uma conflagração multinacional reunida com o fim de
abater Israel. Assim, a história começa de forma dolorosa para Jerusalém,
pois exércitos inimigos conseguem invadir e humilhar a cidade.[196] Porém,
esse não é o final do evento, pois há também o anúncio de que, em resposta a
essa invasão, “Jerusalém como um cálice de embriaguês” para seus
invasores. A metáfora parece apontar para o efeito debilitante da bebida, de
modo que esses exércitos inimigos serão abatidos como se estivessem
embriagados e, assim, cairão diante dos judeus. Esse é o início do anúncio da
restauração divina no trecho final de Zacarias.
O mesmo é dito utilizando outra metáfora (v.3): “Naquele dia, farei de
Jerusalém uma pedra pesadíssima para todos os povos. Todos aqueles
que a carregarem acabarão seriamente feridos e se juntarão a eles todos
os povos da Terra”. A figura de linguagem usada dessa vez não compara
mais Jerusalém — que não é a cidade em si, mas seu povo — a uma bebida
forte, mas a uma pesada rocha. Dessa vez, os inimigos caem sob o peso do
povo a quem tentaram sobrecarregar com seu domínio. É a típica situação
para a qual se encaixa muito bem o dito popular “o tiro saiu pela culatra”. A
ideia exposta nos termos “acabarão seriamente feridos” significa que a guerra
terá uma virada diametral e os invasores serão completamente abatidos — o
que já havia ficado claro no versículo anterior. O que não havia sido exposto
ainda é a extensão do abatimento a “todos os povos da Terra”.
Nem toda vez que a palavra “terra” surge tem como significado o planeta.
Muitas vezes, terra é uma referência às terras ao redor de Israel, ou seja, à
região que conhecemos como Oriente Médio. Contudo, nesse caso, a
referência parece apontar para uma abrangência mundial,[197] razão pela
qual a palavra Terra foi traduzida com letra maiúscula. A razão para esse
pensamento é que a região ao redor de Israel já foi citada no v.2 e na primeira
metade do v.3. O final desse texto vai além do Oriente Médio e estende seus
olhos para povos de toda parte. Com isso, o abatimento de ordem mundial
torna possível identificar a ocasião com a batalha descrita no livro de
Apocalipse em um lugar chamado “Armagedom”, cujo resultado final é igual
ao que Zacarias anuncia nesse trecho. Apesar de Armagedom ser a forma
grega para o que em hebraico significa Monte Megido — que está mais perto
da Galileia que de Jerusalém —, sabemos que outros focos de resistência
judaica serão Jerusalém e Petra, antiga Bozra, locais onde também haverá
livramento da parte de Deus (Is 63.1-6; Zc 14.3-9).
O desbaratamento dos exércitos inimigos não se deverá apenas à
capacitação especial que o Senhor dará ao exército israelita e à sua própria
participação pessoal, mas também a outra ação, dessa vez sobre os inimigos
(v.4): “Naquele dia — declara o Senhor —, atingirei todo cavalo com
insanidade e seu cavaleiro com loucura. Abrirei meus olhos sobre a casa
de Judá e atingirei com cegueira os cavalos dos povos”. Assim como o
profundo terror colocado no coração dos 120 mil midianitas atacados por
trezentos soldados de Gideão, de modo a se matarem entre si em meio ao
pânico (Jz 7.22), os invasores de Jerusalém serão tomados de confusão (Zc
14.13). A loucura e a cegueira dos cavalos e dos cavaleiros é um modo de
retratar o caos em que os inimigos ficarão quando o Senhor iniciar seu
poderoso livramento. A razão será o fato de Deus se importar com Israel,
perspectiva descrita na ideia de abrir seus olhos sobre o povo. Nesse
momento, o Senhor se presta a cumprir as promessas feitas aos antigos e a se
compadecer do povo que viveu em trevas e distante de todo tipo de bênçãos
que seus antepassados tiveram e desprezaram.
Dada a sentença contra os inimigos de Israel, o profeta revela um dos meios
que Deus usará para destruir os invasores (v.5): “Os chefes de Judá dirão
em seus corações: ‘Os moradores de Jerusalém são fortes no Senhor dos
exércitos, seu Deus’”. Curiosamente, Judá e Jerusalém não serão apenas os
objetos da libertação divina, mas as próprias armas do Senhor para executar o
livramento.[198] O profeta Miqueias já havia associado a vinda do rei eterno,
o Messias (Mq 5.2), à capacitação e utilização dos judeus como instrumentos
de guerra do Senhor sobre as nações vizinhas (Mq 5.5,6 — Miqueias utiliza a
figura da Assíria como um arquétipo dos inimigos de Israel e do Senhor) e
sobre países do mundo todo (Mq 5.7-9). Zacarias faz o mesmo ao dizer que
os judeus de Jerusalém serão “fortes no Senhor dos exércitos”. Na verdade,
todo o povo judeu, não apenas os moradores de Jerusalém, será instrumento
da guerra de Deus contra os pecadores rebeldes (v.6a): “Naquele dia, porei
os chefes de Judá como um fogareiro entre gravetos e como uma tocha
entre a palha e eles consumirão, à direita e à esquerda, todos os povos ao
redor”. Se o caos e a desordem tomarão conta dos exércitos invasores, a
extrema organização e competência dadas por Deus serão o diferencial dos
judeus, razão pela qual seus líderes são citados aqui como fonte de destruição
das nações vizinhas do mesmo modo que o fogo consome lenha seca.
Os resultados são a libertação definitiva e a habitação permanente do povo
de Israel em seu território e em sua capital (v.6b): “Então, Jerusalém será
habitada outra vez naquele lugar: em Jerusalém”. Se, na atual conjuntura,
a impossibilidade de os israelitas dominarem Jerusalém os fez assentar a sede
do seu governo em outra cidade — Tel Aviv —, o futuro virá com o governo
reassentado na antiga capital sobre a qual foram feitas tantas promessas.
Porém, há uma ordem cronológica na libertação (v.7): “Assim, o Senhor
salvará primeiro as tendas de Judá para que não cresça a glória da casa
de Davi e dos moradores de Jerusalém acima de Judá”. O profeta prevê
primeiro o sucesso da guerra nas regiões periféricas — talvez uma menção a
batalhas nas regiões do Armagedom e de Petra — para finalmente debelar os
invasores de Jerusalém. A intenção parece ser a manutenção de uma unidade
nacional verdadeira,[199] não apenas política, mas instalada no coração de
todos, sem que haja quem se sinta melhor ou mais importante que outros, ou
que uma região ou cidade queiram pleitear mais direitos que as demais.
A superioridade numérica dos invasores parece ser um ponto claro na
profecia, dado o poder divino infundido nos habitantes de Jerusalém para não
sucumbirem à invasão (v.8): “Naquele dia, o Senhor protegerá os
moradores de Jerusalém para que não haja tropeço entre eles. Naquele
dia, o mais vacilante dentre eles será como Davi e a casa de Davi será
como Deus, como o anjo do Senhor diante deles”. Se a vitória parecia certa
aos inimigos, sua surpresa será notar que o exército defensor, formado de
judeus de todas as classes — provável razão pela qual surge a expressão “o
mais vacilante dentre eles” —, apresenta uma capacidade militar superior à
do exército mais numeroso, assim como o pequeno Davi venceu o gigante
filisteu.[200] A declaração de que a dinastia de Davi será como Deus é uma
hipérbole para mostrar o apromimoramento notável que acompanhará essa
batalha e, em consequência, a inauguração da era milenar.[201] É certo que os
judeus terão uma participação militar primordial nessa ocasião, mas o
parágrafo termina com a afirmação de que é o Senhor o causador da derrota
dos invasores (v.9): “Naquele dia, eu me disporei a destruir todas as
nações que vierem contra Jerusalém”. A soberania e a fidelidade de Deus
às suas alianças são atributos que gritam no meio desse texto. Os combatentes
e beneficiários da vitória dessa batalha será o povo israelita restaurado
conforme as promessas, mas o responsável e o dono da vitória é o próprio
Senhor.
Além de constituir um grande encorajamento e fonte de esperança para os
servos de Deus, esse texto provê um severo alerta aos inimigos do Senhor e
do seu povo. A mensagem do alerta é que não há possibilidade de vitória para
quem se levanta em rebeldia contra Deus, ainda que todas as circunstâncias
pareçam apontar a derrota divina e do seu povo. Quando Deus abre seus
olhos sobre seu povo para defendê-lo, cegueira e destruição caem sobre seus
inimigos! Assim, é melhor mudar de lado enquanto é tempo. Crer em Cristo é
o único fator que afasta a ira de Deus contra os pecadores e os torna seus
filhos amados (Jo 3.36).

ZACARIAS 12.10-14
A Conversão como Fonte de Restauração

O anúncio do socorro futuro de Deus ao povo de Israel diante de uma


guerra da qual não parece ser possível fugir ou sobreviver (vv.1-9) não é todo
o assunto de que trata o capítulo 12. A sequência do texto revela que Deus
não quer salvar apenas a política, a economia e a existência em si de Israel,
mas também seu espírito. As promessas de restauração de Israel contidas no
Antigo Testamento contemplam uma restauração de caráter temporal, mas
também um conserto espiritual que passa pelo íntimo do coração e da mente
dos israelitas.
Essa é a razão pela qual a euforia produzida pelos versículos anteriores
sofre uma mudança brusca nesse novo parágrafo, deixando de lado os gritos
da batalha para dar espaço ao pranto que é produzido em decorrência do
reconhecimento da obra amorosa do Senhor. Assim, o próprio Deus anuncia
o que fará (v.10a): “Eu derramarei sobre a casa de Davi e sobre os
habitantes de Jerusalém o espírito da graça e de súplicas por perdão”. O
verbo na primeira pessoa do singular limita o realizador da ação, ao passo
que a obra descrita elimina o profeta como agente da ação, identificando o
próprio Senhor como aquele que derrama — ou seja, aquele que concede —
“o espírito da graça”. Apesar de poder dar a impressão de se tratar de uma
entidade espiritual, tal como um anjo, a palavra “espírito” aqui serve a uma
figura de linguagem que descreve a disposição de Deus em relação a Israel e,
depois, a disposição dos israelitas em função da atuação divina. É claro que
não se pode ignorar o Espírito Santo como materializador de tal ação, mas o
texto aponta para atitudes em si e não para um ser.
Desse modo, a primeira disposição descrita é a “graça”. Apesar de ser dito
que tal espírito é derramado “sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de
Jerusalém”, os tais são agentes passivos dessa ação, ou seja, seus
beneficiários. O anúncio expõe, de fato, que o Senhor usará de graça para
com os israelitas de um modo especial quando, ao mesmo tempo, os libertar
dos inimigos e vencer seus adversários. A libertação militar certamente já é
uma grande demonstração da graça divina, mas o autor tenciona agora falar
sobre a ação graciosa que produzirá a segunda disposição, a qual é vista na
forma de “súplicas por perdão”. A figura completa mostra, então, que, por
ação graciosa de Deus, os israelitas não vencerão apenas seus inimigos
externos, mas também seu orgulho interior e seu coração endurecido,
vivenciando a ocasião do seu arrependimento final por causa da sua rebeldia
passada.[202] O resultado será o reconhecimento do próprio pecado e da
necessidade pessoal que têm da graça e da salvação do Senhor.
É claro que, com o uso de um pouco de bom senso, o homem pode perceber
suas limitações e carências. Mas a carência em questão é bastante específica,
de modo que a consciência da necessidade de suplicar o perdão divino vem
com a reflexão a respeito de uma pessoa (v.10b): “Eles olharão para aquele
a quem eles traspassaram”. Ainda que o texto não identifique tal pessoa e
os acontecimentos do Novo Testamento ainda estejam longe de acontecer, os
judeus que ouviram essa mensagem pela primeira vez, pela boca de Zacarias,
não ficaram completamente no escuro, sem saber de quem o texto fala.
Apesar de ser possível que esse traspassamento seja um antropomorfismo
com a intenção de apontar para a rejeição de Deus pelo povo,[203] dois
séculos antes o profeta Isaías, anunciando o ministério futuro do servo
sofredor — o Messias —, previu eventos em que ele “foi traspassado pelas
nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz
a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.5). Se os
judeus dos dias de Zacarias ainda não conseguiam visualizar os detalhes da
obra redentora de Cristo, eles tinham plena capacidade de entender que Deus
enviaria seu santo servo com a finalidade de sofrer em benefício do seu povo
a fim de perdoar seus pecados. Apesar da clareza com que esse texto une a
pregação dos dois profetas, o Novo Testamento faz questão de citar o texto de
Zacarias como uma profecia cumprida na morte de Jesus Cristo (Jo 19.37).
Muitas pessoas olham para a morte de Jesus com reações diferentes. Há
aqueles que não acreditam nela — nem nele —, há os que considerem tal
morte como ordinária e até merecida e há aqueles que olham para ela como
um bom e poético exemplo de vida. Mas os israelitas do futuro, que serão
alvo de tal graça do Senhor, reagirão com prantos (v.10c): “Chorarão por
ele como quem chora a perda do filho único e ficarão de luto por ele
como quem fica de luto por causa do primogênito”. Esse texto se esforça
por ser dramático no sentido de expor o sentimento de tristeza de uma perda
pessoal irreparável. Por isso, o autor apela para a comparação com a morte e
com os procedimentos fúnebres de um “filho único”, “primogênito” de uma
família — uma dor inominável.
Ainda que a razão para tal tristeza não seja descrita expressamente, nem é
preciso descrevê-la com todas as letras. A compreensão das razões que
levaram o Messias à morte na cruz e os benefícios que tal obra adquiriu para
os filhos de Deus trarão, um sentimento de alegria pela salvação, mas não
antes de dar lugar à dolorida tristeza de saber que o Filho de Deus deu a vida
por nós, pecadores, sofrendo a dura condenação da nossa culpa em nosso
lugar. No caso de Israel, essa dor é ainda maior, já que essa nação é
beneficiária de uma graça sem igual ao ter o salvador prometido em sua
própria linhagem, além de um tratamento especial que começou milênios
atrás, o qual foi respondido quase sempre com negação, orgulho, rebeldia e
rejeição. O fato é que o Deus-homem “veio para o que era seu, e os seus não
o receberam” (Jo 1.11).
Desse modo, a tristeza pelo próprio pecado, típica do arrependimento, unida
à renovada noção da indizível e descabida rejeição daquele que nos criou e
deu a vida em amor por nós, fará com que, em vez de brados de vitória da
batalha futura, um grande pranto se levante entre os israelitas por se sentirem
pessoalmente responsáveis pelo sofrimento do seu salvador (v.11): “Naquele
dia, o choro em Jerusalém será grande como o choro de Hadade-Rimom,
na planície do Megido”. A comparação produz mais dúvidas que respostas
aos leitores, pois não se sabe se “Hadade-Rimom” é uma pessoa ou um lugar.
Estudiosos do passado e do presente apresentam um número muito grande de
possibilidades para se identificar “Hadade-Rimom”, mas todas esbarram em
incongruências e na falta de comprovação. Entretanto, a menção a um
lamento na região do “Megido” nos leva quase automaticamente à ocasião da
morte do rei Josias, o último dos bons reis de Judá, em uma guerra contra os
exércitos egípcios (cf. 2Rs 23.29). Além da tristeza pela perda desse bom rei,
há quem afirme que os israelitas choravam sua morte também por causa da
possibilidade de o exílio babilônico e todo o seu sofrimento terem sido
evitados caso esse rei temente a Deus tivesse vivido mais a fim de levar
adiante a reforma espiritual que iniciou muitos anos antes.[204]
De qualquer modo, ainda que se tenha perdido o significado exato da
comparação oferecida pelo texto, está claro que, motivados pelo sentimento
de tristeza e de arrependimento, os israelitas suplicarão pelo perdão do seu
Senhor por serem responsáveis pelo sofrimento e morte do Messias e pela
obrigatória necessidade de tal perdão para se restabelecer o relacionamento
que foi perdido em função da sua rebeldia. A consequência final de tal
conversão é a renovação da aliança com o Senhor,[205] baseada não na lei
quebrada, mas na graça de Deus. Nesse sentido, o profeta prevê um
arrependimento, regado a muitos prantos, em larga escala (v.12a): “A terra
ficará de luto, todos os clãs”. De início, há uma menção geral que engloba
todo o povo de Israel, mais do que em procedimentos funerários, em um
sentimento fúnebre que surge apenas diante de uma perda irreparável.
Como nem sempre uma menção geral produz a ideia correta, especialmente
se a intenção for relatar um comprometimento pessoal de cada integrante do
povo, o escritor continua e oferece alguns tipos que representam bem certas
classes da sociedade (v.12b,13): A casa de Davi e suas mulheres, a casa de
Natã e suas mulheres, a casa de Levi e suas mulheres, a casa dos simeítas
e suas mulheres”. Ao citar a “casa de Davi”, o autor parece ter o desejo de
descrever a liderança política de Israel. Os profetas e os sacerdotes são
incluídos nesse grupo diante da citação da “casa de Natã” e da “casa de
Levi”. A menção à “casa dos simeítas”, descendentes de Levi (cf. Nm 3.21), é
menos clara que as outras, mas cumpre sua função de mostrar que cada
categoria diferente dentro de Israel a serviço de Deus se envolverá
pessoalmente nesse lamento nacional pelo Messias que foi morto.
Algo notável é a repetição da expressão “e suas mulheres” após cada grupo
mencionado. Por um lado, isso mostra que ninguém se excluirá do choro,
nem o fará de modo mecânico ou apenas representativo. Não haverá quem
console o outro, pois todos pessoalmente estarão lamentando. Por outro lado,
essa construção do parágrafo aponta para o caráter solene do lamento que
ocorrerá entre os judeus.[206] Para que não fique a ideia de que apenas as
classes dominantes e influentes participarão de tal pranto, o texto completa o
quadro adicionando cada israelita vivo (v.14): “Ficarão de luto todas as
demais famílias e suas mulheres”. Do mais simples israelita até os mais
nobres da família real, todos se converterão arrependidos ao Senhor.[207]
A lição que esse trecho contém é que até o Israel rebelde pode usufruir a
glória da vitória e da libertação concedida por Deus quando se converte do
seu mau caminho ao Senhor que eles antes rejeitaram.[208] O mesmo vale
para as pessoas de hoje. Mensagens como essa sempre trazem consigo
implicitamente um convite ao arrependimento e à esperança de que Deus
recebe para si todo aquele que se arrepende do seu pecado e clama a ele por
perdão, crendo no seu Filho, Jesus, como seu salvador. Aproveite o dia de
hoje para buscá-lo! Caso contrário, você apenas acrescenta mais tristezas ao
seu lamento.
ZACARIAS 13.1-9
A Purificação do Povo de Deus

O capítulo anterior termina com a descrição ímpar de um lamento nacional


entre os israelitas, atingindo cada faixa etária, gênero e classe social. A razão
desse pranto geral e genuíno foi a consciência da rejeição do Messias,
resultando em uma conversão nacional do povo que, no passado, foi
qualificado como tendo uma “dura cerviz” (Êx 33.3,5,9). Contudo, quando o
arrependimento e a fé do pecador se encontram com a graça e o amor do
Senhor, o resultado é maravilhoso e, nesse caso, é anunciado no capítulo 13
de Zacarias, a saber, uma grande restauração e purificação do remanescente
fiel.[209]
Assim, o escritor prevê que a fé de Israel terá como contraparte a ação
purificadora de Deus (v.1): “Naquele dia, haverá uma fonte de água aberta
para a casa de Davi e para os moradores de Jerusalém a fim de lavar
pecados e impurezas”. A Bíblia fala sobre rios que correrão na terra seca
quando Jesus reinar sobre seu povo (Is 35.6; 41.18). O próprio Zacarias fala
de águas que correrão de Jerusalém para Leste e para Oeste depois do retorno
do rei messiânico (Zc 14.8). Entretanto, o que ele parece ter em mente nesse
texto vai além de uma simples corrente de água, pois seu efeito não é apenas
refrescar os sedentos, ou suprir plantações e rebanhos, mas também lavar os
pecados das pessoas. Assim, essa menção figurada parece ser extraída do uso
de água na purificação dos levitas em sua consagração (Nm 8.7) e no preparo
da água misturada com as cinzas de uma novilha vermelha usada na
purificação e remoção das impurezas do povo da aliança (Nm 19.9).[210]
Assim, ela se une a outras figuras que se referem ao perdão de pecados como
um ato de lavagem com água (Sl 51.2,7; Is 1.16-18). De fato, nessa ocasião
se cumprirá uma das profecias mais esperadas por Israel no sentido de ser
restaurado diante do Senhor, na qual o próprio Deus promete: “Aspergirei
água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de
todos os vossos ídolos vos purificarei” (Ez 36.25).
O resultado prático da purificação que o Senhor promoverá no meio de
Israel é que, além do perdão, haverá o abandono da rebeldia e de todos os
seus veículos (v.2a): “Naquele dia — declara o Senhor —, eu eliminarei o
nome dos ídolos da terra”. De um modo surpreendente, a história de Israel
no Antigo Testamento é marcada pelo abandono do seu Deus e pelo apego a
todo tipo de religiosidade pagã de seus vizinhos. Atualmente, o abandono do
Senhor se dá por outras formas de idolatria que tomam seu lugar no coração
das pessoas, mas o problema geral permanece. A promessa divina é,
mediante a conversão do povo, promover um completo abandono de toda
crença, doutrina, valor e apego que se interponha entre Deus e o seu povo. O
resultado será a completa rejeição de qualquer veículo de rebeldia que antes
desviava as pessoas do seu redentor (v.2b): “E não haverá mais lembrança
deles, nem tampouco dos profetas e dos espíritos imundos”. Nesse ponto,
são inseridos dois outros fatores que agem no sentido de impedir que as
pessoas creiam no salvador e lhe entreguem suas vidas: os “profetas” e os
“espíritos imundos”. Apesar de o texto mencionar apenas “profetas”, o
contexto geral deixa claro que o escritor tem em mente a figura do falso
profeta e dos “espíritos imundos” diabólicos que agem por meio deles. Com a
ação divina, esses inimigos da verdade também silenciarão seus enganos e
engodos.
A verdade é que a existência de Israel também foi marcada pela ação dos
falsos profetas, os quais foram influentes e obtiveram êxito em enganar o
povo e desviá-los dos retos caminhos de Deus (Is 9.15,16; Jr 14.14-16;
23.13-16; 28.15-17; 29.21,32; Ez 13.16,22; Mq 3.5-7,11). Por isso, Zacarias
assegura ao remanescente fiel que isso não tornará a ter lugar no meio do
povo de Deus, não apenas por causa da justa liderança do Messias, mas
também pela fidelidade do próprio povo remanescente (v.3): “Se alguém
ainda profetizar, seu pai e sua mãe que o geraram, dirão a ele: Você não
viverá, pois disse mentiras em nome do Senhor. Assim, seu pai e sua mãe
que o geraram o traspassarão quando ele profetizar”. A fidelidade do
povo purificado pelo perdão divino será tamanha que nem mesmo as ligações
sanguíneas serão mais fortes que os laços da fé e do amor com o redentor.
Desse modo, diferente de hoje, quando os pais ficam do lado de seus filhos,
inclusive quando estão errados, os próprios progenitores de um aspirante a
profeta do engano serão seus acusadores, pois ninguém em Israel aceitará
conviver com o erro e com a mentira novamente, preferindo a verdade e a
honra do seu rei. Isso não significa que os pais não terão amor por seus filhos
ou que serão radicais ao ponto de desprezar a vida dos rebentos, mas sim que
eles serão fiéis às ordens de Deus de tratar segundo a orientação divina
aquele que diz “mentiras em nome do Senhor” (Dt 13.1-5).
Outro impacto que a purificação do povo de Deus terá sobre as pessoas é
que os próprios falsos profetas se envergonharão da sua atividade enganosa
(v.4a): “Naquele dia, cada profeta se envergonhará da sua visão ao
profetizar”. O texto hebraico não deixa claro o tempo da atividade que é
motivo da vergonha desses homens.[211] Pode ser que ainda haja quem
queira agir como um falso profeta — a Bíblia prevê um aumento de falsos
profetas durante esse período (Mt 24.23,24) —, sem, contudo, encontrar
espaço para fazê-lo livremente no meio do Israel convertido, ou mesmo para
se vangloriar disso. Ou pode ser que o texto se refira à atividade passada de
homens que foram falsos profetas e que agora, mediante o arrependimento, a
fé e a purificação, envergonham-se do que fizeram no passado. Apesar de
essa última possibilidade ser uma opção bastante atraente, os versículos 3 e 6
favorecem a primeira opção.
Como consequência natural disso, tal atividade será suprimida (v.4b): “E
não usará mais roupa de pele de animais a fim de enganar”. Todos os
artifícios utilizados pelos promotores de mentiras sobre Deus e sua palavra —
tanto no passado como no presente — serão abandonados e não farão mais
vítimas entre os seguidores do Senhor. Em vez disso, tais homens assumirão
seu lugar devido, sem desejar ser mais do que são, nem clamar para si
prerrogativas que pertencem ao Messias e que só podem ser concedidas por
Deus (v.5): “Mas cada um deles dirá: ‘Eu não sou profeta. Sou um
trabalhador da terra, pois lido com a terra desde a minha juventude’”. A
tradução desse texto é bem difícil e controversa, mas seu sentido geral é bem
claro.[212] O desejo que tais homens têm de se apresentar e atuar como
profetas que anunciam uma mensagem própria e independente, não atrelada à
revelação divina de verdade, será suprimido por temor e por vergonha.
A razão para tal temor é reafirmada no versículo seguinte, que diz (v.6): “E
quando alguém lhe perguntar: ‘Que ferimentos são esses em suas
mãos?’, então ele responderá: ‘Fui ferido na casa dos que me são
queridos’”. Isso significa que nem as pessoas mais próximas dos
enganadores os apoiarão, nem aceitarão sua atividade contrária ao ensino
bíblico. O acréscimo à figura geral feito por esse texto está no fato de os
ferimentos notados no corpo dos falsos profetas da época serem infligidos
pelos “que me são queridos”, uma menção que pode apontar para seus
próprios pais — conforme foi predito no v.3 —, mas que também pode
englobar os amigos do profeta mentiroso, completando o quadro da total
rejeição de falsas profecias entre o povo santo e restaurado.
Dito isso, o texto apresenta uma mudança em sua estrutura e traz uma
ordem divina a uma espada que é personificada em meio à poesia profética
(v.7): “Ó espada, desperta contra o meu pastor, aquele que é meu
companheiro — declara o Senhor dos exércitos. Fere o pastor e o
rebanho se dispersará. Mas eu voltarei a minha mão para os pequenos”.
O contexto imediato de Zacarias sugere que os pastores infiéis de Israel —
seus líderes iníquos — seriam punidos pelo Senhor e que, como
consequência disso, os seus rebanhos — o Israel desobediente — seriam
espalhados (cf. Zc 11.6,8,9,16).[213] Contudo, o Novo Testamento utiliza este
texto para falar sobre a dispersão dos discípulos depois da crucificação de
Jesus: “Então, Jesus lhes disse: Esta noite, todos vós vos escandalizareis
comigo; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão
dispersas” (Mt 26.31). Duas indicações no texto favorecem a interpretação
messiânica do versículo 7. A primeira é o fato de o pastor ferido, diferente do
que se esperaria no caso de se tratar de um líder infiel, ser chamado de “meu
pastor” e de “aquele que é meu companheiro”. Essas expressões apontam
para uma profunda e intensa comunhão entre o Senhor e seu pastor. A
segunda indicação é o caráter altamente messiânico e escatológico do
capítulo como um todo. Não se está tratando aqui dos pecados do passado,
mas da restauração e purificação do futuro, além da fidelidade do povo diante
da sua redenção. Desse modo, parece que Zacarias, depois de falar dos efeitos
da purificação, expõe, nos vv.7-9, o meio utilizado por Deus para promover a
restauração do seu povo. Ela só é possível mediante o ferimento fatal do
pastor divino, o Deus encarnado na pessoa de Jesus Cristo. Em resumo, o
capítulo traça uma distinção entre o resultado das atuações dos falsos profetas
e do supremo e verdadeiro Profeta do Senhor.[214]
Algo que pode trazer alguma confusão à figura é o fato de a ordem de Deus
para se ferir seu pastor ser dada a uma “espada”. Não foi com uma espada
que Jesus foi morto e a lança que o perfurou apenas o feriu quando ele já
estava morto. Entretanto, a espada é uma das metáforas para o juízo de Deus,
além de ser um frequente instrumento utilizado por ele para punir uma nação
(Êx 5.3,21; 22.22-24; Lv 26.25,33; 2Sm 12.9; Is 27.1), de modo que se
entende que tal pastor seria o alvo do juízo divino em lugar daqueles a quem
ele salva. Em decorrência da morte do seu pastor divino, Israel também
sofreu o juízo previsto na lei mosaica e foi espalhado pela Terra (cf. Dt
28.64-68). Entretanto, essa disciplina não representa uma rejeição definitiva
(Rm 11.1-4), especialmente porque Deus continua a separar para si e
santificar um pequeno rebanho israelita (Rm 11.5), de modo que Zacarias
também anuncia que o Senhor voltaria sua mão para os “pequenos”. O termo
“pequenos” aqui utilizado não tem o sentido de tamanho, mas aponta para
pessoas insignificantes e desprezadas, sem força para assumir as rédeas do
seu destino sozinhas. São pessoas assim que o Senhor socorreria com sua
mão graciosa e amorosa, preservando para si um pequeno remanescente até
que viesse o tempo da restauração de todo o povo.
Se a mão do Senhor preservaria uma parte do seu povo, o restante sofreria
uma dura punição, o que tem ocorrido ao longo de toda a história e o que
também acontecerá de modo dramático nos dias da Grande Tribulação (v.8):
“E acontecerá em toda a terra — declara o Senhor — que dois terços
serão aniquilados e morrerão. Mas um terço restará nela”. É difícil dizer
se aqui o termo “terra” deve ser escrito com letra minúscula — referindo-se à
terra da promessa, o território de Israel — ou com letra maiúscula —
referindo-se a todo o planeta. Apesar de tais números encontrarem
semelhanças no relato da tribulação mundial descrita no livro de Apocalipse,
o contexto imediato parece favorecer a ideia de um território, a terra de Israel,
em que o povo desprezado será alvo da graça renovada de Deus. Contudo,
antes de ser agraciado pela libertação divina, Israel será reduzido a apenas um
terço da sua população local nos dias daquela tribulação, seja pela
perseguição do anticristo e seus exércitos, ou pelas ações de juízo vindas do
próprio Deus. Tal destruição cairá sobre os israelitas endurecidos em seus
pecados, assim como fatalmente recairá sobre a falsa igreja ao redor do
mundo,[215] sendo este o apropriado e predito juízo de Deus aos seguidores
hipócritas do seu nome.
Se dois terços dos judeus serão julgados nesse período, o remanescente será
fortalecido e purificado (v.9a): “Farei o terço restante passar pelo fogo. Eu
o purificarei como se purifica a prata e o aquilatarei como se aquilata o
ouro”. É certo que a figura do fogo é frequentemente utilizada nas Escrituras
para se referir ao juízo de Deus (Nm 11.1; Dt 32.22; Sl 78.21; Is 30.33). Mas
nesse caso, o escritor lança mão dessa figura para se referir à purificação,
tomando como base a conhecida atividade dos ourives de purificar e refinar
metais preciosos por meio do fogo. Trata-se de uma comparação muito vívida
da ação de Deus que, por meio de provações que recaem sobre seus servos
em conjunto com seu socorro, torna-os mais puros. Na verdade, situações
assim são propícias para que o homem reveja seus valores e suas atitudes,
desprezando o que é passageiro e sem valor e se apegando ao que é eterno e
valioso. É a esse tipo de ação que o salmista se refere ao dizer: “Pois tu, ó
Deus, nos provaste; acrisolaste-nos como se acrisola a prata. Tu nos deixaste
cair na armadilha; oprimiste as nossas costas; fizeste que os homens
cavalgassem sobre a nossa cabeça; passamos pelo fogo e pela água; porém,
afinal, nos trouxeste para um lugar espaçoso” (Sl 66.10-12).
O resultado dessa purificação se verá em um relacionamento renovado entre
Deus e seu povo remanescente (v.9b): “Ele chamará o meu nome e eu lhe
responderei, dizendo: ‘Você é o meu povo’. Então, ele dirá: ‘O Senhor é
o meu Deus’”. A ação de chamar pelo nome do Senhor na Bíblia vai além de
uma simples supertição ou de uma busca por socorro apenas em momentos
de aflição. Chamar ou invocar seu “nome” é uma evidência da fé e da
conversão daquele que clama por ele. Isso quer dizer que, mediante a
purificação de Israel, o Senhor voltará a dizer com propriedade que “você é
meu povo”, enquanto os israelitas, agora convertidos e restaurados,
responderão com toda sinceridade de coração que “o Senhor é o meu Deus”,
[216] cumprindo, com isso, a predição de outros profetas, como Oseias:
“Semearei Israel para mim na terra e compadecer-me-ei da Desfavorecida; e
a Não-Meu-Povo direi: Tu és o meu povo! Ele dirá: Tu és o meu Deus!” (Os
2.23).
A dinâmica exposta nos dois últimos versículos sugere que o livramento do
remanescente da morte é seguido por seu arrependimento e conversão, e não
o contrário. A pergunta que devemos nos fazer, como igreja do Senhor, é se é
realmente preciso que nós também passemos por situações que nos provam a
fim de sairmos delas arrependidos e purificados de pecados e de rebeldias.
Toda a Escritura nos serve de exemplo do que acontece àqueles que resistem
ao comando e ao amor de Deus, além de evidenciar o custo e as vantagens de
andar em comunhão com ele. Assim, só é preciso decidirmos se queremos
aprender tal obediência do modo fácil ou do modo difícil.
ZACARIAS 14.1-15
A Poderosa Chegada do Grande Rei

O último capítulo de Zacarias atinge o clímax da esperança de Israel no


campo da restauração futura, mas não sem informar que muitas dores ainda
virão antes disso. O capítulo anterior termina prevendo o extermínio de mais
da metade dos israelitas em seu território durante os dias de perseguição da
Grande Tribulação. O capítulo final dá seguimento a partir desse ponto,
caminhando para uma grande, emocionante e impactante virada na situação
por meio da presença e da ação do redentor no meio do seu povo.
O profeta inicia o capítulo com um anúncio bastante doloroso para seus
ouvintes (v.1): “Eis que vem o Dia do Senhor, no qual os teus pertences
serão repartidos no meio de ti”. É notável a repetição insistente do “Dia do
Senhor” e da expressão correspondente “naquele dia” ao longo do capítulo,
sendo que ela aponta para o período no qual Deus trará juízos a Israel e às
nações da Terra em um período de sete anos que antecederão a vinda do
Messias para reinar. Sendo assim, é interessante observar a forma que
Zacarias utiliza para expor tais eventos futuros. Ele relata aqui o resultado da
ação que somente será descrita no versículo seguinte. Se esse método não é o
mais claro possível, pelo menos é o mais delicado, pois expõe aos poucos os
terríveis sofrimentos que Israel sofrerá naqueles dias, sendo que a primeira
informação do profeta tem a ver com os espólios de guerra, ou seja, os
“pertences” do povo. O texto informa que tais bens “serão repartidos no meio
de ti”, o que quer dizer que a terra dos israelitas será dominada por
estrangeiros e eles serão privados das suas propriedades, as quais serão
divididas entre seus conquistadores.
A pergunta natural que o leitor faz a essa altura é “quem são esses
invasores”, ao que o versículo seguinte explica (v.2a): “Pois eu reunirei
todas as nações para guerrear contra Jerusalém”. Nem sempre é fácil
compreender, em contextos assim, a expressão “todas as nações”. Uma liga
militar que venha sobre o relativamente pequeno território da Palestina
dificilmente contaria com a presença de exércitos de todos os cerca de
duzentos países do planeta. Assim, a expressão “todas as nações” pode ser
uma referência a uma liga das nações mais influentes em termos militares, ou
todas as nações vizinhas de Israel que são historicamente inimigas do povo
judeu. A primeira possibilidade é mais viável, sendo que, mesmo que não
haja soldados de cada país do mundo, esse exército representaria a oposição
mundial dos homens ao povo de Deus e ao nome do Senhor. O curioso é que
essa oposição é potencializada em um exército por ação direta de Deus, o
qual explica que “eu reunirei todas as nações” com a intenção de “guerrear
contra Jerusalém”. A cidade de “Jerusalém” serve aqui como representação
de toda a nação, a qual tem tal cidade como seu centro religioso, apesar de
não tê-la, em nossos dias, como seu centro político.
Se a primeira parte do versículo é chocante, a segunda é estarrecedora
(v.2b): “De modo que a cidade será tomada, as casas serão saqueadas e as
mulheres serão violentadas”. Muitas vezes os exércitos inimigos se
dirigiram a Jerusalém com a intenção de dominá-la, mas nem sempre
obtiveram sucesso em seu intento, como na invasão de Senaqueribe, cujo
desejo de destruir Jerusalém (2Rs 18) foi frustrado pela ação divina que
ceifou em uma noite quase todo o seu exército (2Rs 19.35-37). Entretanto,
Nabucodonosor, rei da Babilônia, não teve nenhuma dificuldade de tomar a
cidade, destruir seus muros e queimar o templo (2Rs 25.1-7), assim como
ocorreu no primeiro século da era cristã diante da invasão romana liderada
por Tito (70 d.C.). A diferença entre a capacidade e a incapacidade dos
exércitos inimigos de conquistar Jerusalém nunca dependeu do seu poderio
militar, mas do desejo de Deus de proteger ou de punir seu povo (ex: 2Rs
24.20). Por isso, dizer que “a cidade será tomada” significa que o próprio
Deus a entregou nas mãos dos inimigos. A menção ao saque das moradas dos
judeus e ao estupro de suas mulheres também demonstra que a motivação dos
invasores não será apenas estratégica, mas movida por ódio, crueldade e
desprezo por Israel.
Se a história acabasse aqui, Israel veria seu fim definitivo. Porém, esse pano
de fundo é pintado com a intenção de ressaltar a virada promovida por Deus
(v.3): “Mas o Senhor sairá para guerrear contra as nações, do mesmo
modo que ele guerreou no dia da batalha”. Se esse parecia ser o fim do
povo israelita, a surpresa será ver o próprio Senhor se levantar contra os
exércitos inimigos formados pela conflagração das nações do mundo. E, ao
fazê-lo, ele agirá como em outras ocasiões que demonstraram seu grande
poder e sua maravilhosa intervenção em benefício do seu povo, do mesmo
modo que “ele guerreou no dia da batalha”. O texto não se refere a uma
batalha específica. Entretanto, dadas as características da ocasião, é provável
que os primeiros eventos que vieram à mente dos ouvintes de Zacarias foram
as grandes libertações divinas no êxodo, especialmente a travessia em seco de
Israel pelo mar Vermelho e o afogamento das tropas egípcias (Êx 14.15-31),
na morte dos exércitos amonita, moabita e edomita nos dias de Josafá (2Cr
20) e na destruição do exército de Senaqueribe nos dias de Ezequias (2Rs
19.35-37) — batalhas nas quais Deus venceu os inimigos sem que Israel
precisasse sequer empunhar suas espadas. Além dessas, há outras batalhas em
que Deus mostrou seu maravilhoso poder, como na destruição dos cananitas
em meio a uma chuva de pedras (Js 10.11), ou na perseguição dos amorreus
enquanto o Sol permaneceu parado, sem se pôr, por quase um dia inteiro (Js
10.12-15). O fato é que os israelitas tinham sua história marcada por batalhas
nas quais o Senhor lutou por eles. O que esse texto informa é que isso se
repetirá mais uma vez naquele dia escatológico, em uma batalha culminante
de Deus em favor do seu povo,[217] quando parecer ser o fim de Israel diante
das nações invasoras.
A diferença marcante entre essas batalhas do passado e a guerra que
ocorrerá naquele dia é que a presença divina será visível, de forma física
(v.4a): “Naquele dia, seus pés estarão no monte das Oliveiras, que fica
diante de Jerusalém, do lado Leste”. Essa menção deve ter intrigado os
ouvintes do passado, mas não tanto os leitores dos dias do Novo Testamento,
pois não é difícil identificar Jesus Cristo como o Deus cujos “pés estarão nos
monte das Oliveiras”. Com isso, as palavras angélicas aos discípulos
assumem uma nova colocação: “Varões galileus, por que estais olhando para
as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o
vistes subir” (At 1.11). Ler esse texto à luz de Zacarias 14.4 nos faz
compreender que Jesus não apenas voltará visivelmente, assim como partiu,
como também voltará ao mesmo lugar de onde partiu (cf. At 1.12). A
diferença é que, enquanto sua partida foi discreta e testemunhada apenas por
seus amigos mais chegados, seu retorno será envolto por um evento
geológico que chamará a atenção de todos ao redor e transformará a
topografia da região (v.4b): “Então, o monte das Oliveiras será fendido ao
meio, de Leste a Oeste, formando um grande vale. Metade do monte se
afastará para o Norte e metade para o Sul”. Essa não será a primeira vez
que a glória divina será manifesta nesse local (Ez 11.23), de modo que o
acontecimento sísmico descrito aqui será apropriado para identificar aquele
que pisará ali em seu retorno a fim de lutar contra os inimigos de Israel e
libertar Jerusalém.
Esse terremoto será notável e criará pânico em Jerusalém, fazendo com que
os habitantes e invasores corram para se salvar (v.5a): “Vós fugireis pelo
vale dos meus montes, pois meus montes se estenderão até Azal. Assim,
vós fugireis como fugistes de diante do terremoto dos dias de Uzias, rei
de Judá”. Esse é um texto de difícil tradução e varia entre a ideia de o povo
fugir do terremoto — conforme a tradução presente — e a ideia de a ruptura
do solo impedir a locomoção no vale entre os montes, provavelmente o vale
do Cedrom. Outra dificuldade é a perda da informação de onde ficava Azal
— ou onde ficará. Mas a segunda frase do versículo clarifica a primeira,
relatando a fuga da população em grande desespero, assim como os judeus
fugiram “de diante do terremoto dos dias de Uzias, rei de Judá”. À primeira
vista, essa informação também não ajuda muito, mas isso não é verdade. O
fato de esse evento ser utilizado como datação dada por Amós para o seu
livro (Am 1.1) — e de depois ser citado por Zacarias como comparação de
um evento escatológico — mostra que o tremor de terra foi tão significativo
que se tornou muito bem conhecido de várias gerações. Isso só ocorreria se
tal tremor tivesse sido devastador e tivesse aterrorizado o povo, do mesmo
modo que o terremoto escatológico que ocorrerá no retorno do Messias fará
aos habitantes de Jerusalém, em meio a efeitos cataclísmicos e uma libertação
inaudita.[218]
Em meio a tais acontecimentos surpreendentes e aterradores, o texto
informa que o redentor divino virá (v.5b): “Então, o Senhor, o meu Deus,
virá com todos os santos”. Há certa discussão sobre a tradução correta do
que aqui foi grafado como “o meu Deus”, pois há textos que usam a terceira
pessoa em vez da segunda. Mas a questão mais intrigante é mesmo a
identidade de “todos os santos” que acompanharão o Senhor na sua vinda e,
ao que tudo indica, na batalha que ele vencerá. Há quem identifique esses
“santos” como seus assistentes celestiais de natureza angelical (Sl 89.5,7),
[219] ao passo que há também quem entenda que esses acompanhantes do
Senhor são o grupo formado por aqueles que morreram e que, por sua fé,
foram recebidos nos céus e ressuscitados no encontro com Jesus, aos quais
foi prometido que hão de reinar com Cristo (2Tm 2.12; Ap 5.10). Apesar de
essa última esperança ser correta e verdadeira, nesse texto de Zacarias é
muito improvável que a menção aos santos seja uma referência exclusiva aos
crentes. O Novo Testamento também fala da ocasião utilizando o mesmo
termo (1Ts 3.13), deixando, porém, a questão da identidade dos santos em
aberto. A resposta acaba vindo do próprio Antigo Testamento, pois o termo
“santos” é frequentemente utilizado como uma descrição angelical (Dt 33.2;
Jó 5.1; Dn 4.13; 8.13). Na verdade, quando o evangelho de Mateus relata o
mesmo evento, ele cita a vinda e a ação dos anjos naquele dia (Mt 24.30,31;
25.31), sendo esse o sentido provável e preferível do texto de Zacarias. Outra
possibilidade que não anula o que foi dito até aqui é que tais santos sejam os
crentes juntamente com os anjos.[220]
Não somente a terra apontará a chegada do Messias, mas também os céus e
o clima (vv.6,7): “Naquele dia, não haverá luz, mas haverá frio e gelo.
Naquele dia único, conhecido pelo Senhor, não haverá dia nem noite,
mas haverá a luz do entardecer”. O significado desse trecho também
levanta dúvidas, mas, ao que tudo indica, trata-se da descrição de uma luz
desvanecente típica do “crepúsculo”, o que também é chamado de “lusco-
fusco”.[221] Tal condição se estenderá além do tempo normal, impedindo
que o dia anoiteça e que seja sucedido por outro. Há quem diga que tal
condição durará até o fim da história, mas os relatos paralelos que falam
sobre o reinado subsequente a esse julgamento e destruição militar que
ocorrerão na chegada do Messias não condizem com essa ideia, sendo mais
provável que a condição de luz e clima dure até o final do juízo referido. Isso
é realmente mais provável, pois tal evento, acompanhado de outros
acontecimentos paralelos, como o escurecimento do Sol e da Lua, além da
queda de estrelas, são previsões ligadas apenas ao dia da poderosa vinda do
Senhor a fim de punir as nações (Is 13.10; 34.4; Jl 2.10,30,31; 3.15; Mt
24.29).
Juntamente com os acontecimentos geológicos e climáticos desse dia, um
evento hídrico será notável (v.8): “Naquele dia, sairão águas vivas de
Jerusalém, metade delas para o mar oriental e a outra metade para o
mar ocidental. Isso acontecerá no verão e no inverno”. Esse texto enfrenta
sua primeira dificuldade de interpretação por causa de textos do Novo
Testamento que nada têm a ver com essa predição, mas com a ação espiritual
nos salvos, como, por exemplo, o trecho no qual Jesus diz que “quem crer em
mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (Jo
7.38). A dificuldade é que, depois de ler sobre tal “água viva”, fica quase
impossível não associá-la em alguma medida à menção feita por Zacarias.
Contudo, quando ele diz que “águas vivas” correrão a partir de Jerusalém,
parece ter em mente apenas uma corrente de água que se move na forma de
um rio. A qualificação dessas águas como sendo “vivas” tem, provavelmente,
relação tanto com a sua quantidade como com sua finalidade, ou seja, águas
abundantes que irrigarão grandes porções de terra, tanto a leste de Jerusalém,
em direção ao Jordão e ao mar Morto, quanto a oeste, desaguando no mar
Mediterrâneo. O fato de essa abundância de água correr tanto no “verão”
como no “inverno” indica o tipo de provisão, de fertilidade e de prosperidade
que o Senhor dará a Israel no futuro, em cumprimento de promessas feitas no
passado.
Entretanto, a promessa mais esperada por Israel desde muito tempo atrás
não está ligada à produção agropecuária, mas ao seu governo, um governo
real há muito prometido. A libertação militar de Israel pelo Messias coincide
com a inauguração do seu reinado (v.9): “Então, o Senhor será rei sobre
toda a terra. Naquele dia, haverá um só Senhor e seu nome será um
somente”. Assim, o Messias assumirá seu lugar de direito, sendo Deus e rei
ao mesmo tempo, conforme a previsão angelical que disse que “este será
grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono
de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado
não terá fim” (Lc 1.32,33). Esse reino, o mesmo sobre o qual Davi reinou, é
especificamente Israel. Entretanto, as Escrituras ensinam que o governo do
Messias se espalhará pelo mundo todo. Os profetas Isaías e Miqueias, por
exemplo, explicam que isso acontecerá quando pessoas de todas as nações
vierem ao rei divino, em Jerusalém, para adorá-lo e aprender com ele (Is 2.2-
4; Mq 4.1-3). Desse modo, o rei divino comandará o mundo todo.
A vinda do Messias trará à cena mais um evento geológico, dessa vez por
todo o entorno de Jerusalém, ao longo de todo o território da tribo de Judá
(v.10a): “Toda a terra entre Geba e Rimom, ao sul de Jerusalém, se
tornará como a Arabá”. A palavra “Arabá” pode ser traduzida como
“planície” ou “estepe”, de modo que o texto poderia também dizer que “toda
a terra entre Geba e Rimom, ao sul de Jerusalém, se tornará uma planície”.
Arabá também é a designação dada ao vale que se estende do mar da Galileia,
passando pelo vale do Jordão e pelo mar Morto, terminando no golfo de
Aqaba, uma terra plana que dá sentido à comparação feita pelo texto. Quanto
à descrição “entre Geba e Rimom” — ou “de Geba a Rimom” —, trata-se de
uma referência a toda a extensão de Judá, de Norte (Js 21.17; 2Rs 23.8) a Sul
(Js 15.32; 19.7).[222] Isso quer dizer que toda aquela região montanhosa será
aplanada, deixando Jerusalém, que atualmente fica escondida entre diversos
montes, exposta e visível a grande distância (v.10b): “Ela será elevada e
estabelecida no seu lugar próprio, desde a porta de Benjamim até o local
da porta antiga, até a porta da Esquina, e desde a torre de Hananel até
os lagares do rei”. A nova topografia será condizente com a proeminência
religiosa e governamental de Jerusalém em relação ao mundo (Is 2.2),[223]
pois ela será o ponto mais alto de toda aquela região, ficando em grande
destaque. Todos os seus lados, indicados pelos nomes desses portões e
lugares específicos, alguns conhecidos e outros não, serão visíveis e
acessíveis para todos aqueles que virão ao centro do governo do reino
messiânico.
Com isso, Jerusalém se tornará mais uma vez a sede de um trono, com a
diferença de que, dessa vez, sua existência e influência jamais serão
ameaçadas (v.11): “Eles habitarão nela e não haverá mais destruição, mas
Jerusalém habitará em segurança”. Esse estabelecimento seguro é
característico do líder que governará nessa cidade. Entretanto, o profeta quer
dizer mais do que isso. Ao utilizar a palavra hebraica herem, traduzida como
“destruição”, o escritor lança mão de um conceito teológico de ofertas a Deus
que lhes eram consagradas (Lv 27.28),[224] as quais eram destinadas ao seu
serviço ou à destruição, como ocorreu à cidade de Jericó durante a invasão
israelita de Canaã, da qual não podiam ser tomados despojos para as pessoas
(Js 6.19). O mesmo ocorreu aos povos cananitas, os quais deviam ser
completamente aniquilados (Nm 21.2,3; Js 6:21; 8:26; 10:28; 11:11). Assim,
o profeta quer dizer que Jerusalém nunca mais será destruída como um tipo
de sacrifício ou em alguma forma de punição, pois Deus a protegerá e a
tornará segura.[225] Dizer também que os seus moradores “habitarão nela”
transmite a ideia de uma grande população que nunca mais será exilada ou
reduzida.
Contudo, a intenção de Zacarias, ao utilizar a palavra hebraica herem em
relação à Jerusalém, não esgota seu significado no v.11, mas serve para
contrastar a segurança de Jerusalém com a completa destruição dos exércitos
inimigos que combaterem contra ela (vv.12-15). Assim, ainda que cite daqui
para frente eventos que, cronologicamente, são anteriores à paz de Jerusalém
e ao reinado soberano do Messias, descritos nos vv.8-11, o profeta volta à
narrativa da destruição dos exércitos (vv.1,2) que vinham subjugando aquela
cidade e seu povo (v.12): “Esta é a praga com a qual o Senhor ferirá todos
os povos que guerrearem contra Jerusalém: o apodrecimento da sua
carne enquanto estão de pé, o apodrecimento dos seus olhos em suas
órbitas e o apodrecimento das suas línguas em suas bocas”. A linguagem
utilizada daqui por diante tem a intenção de ser forte, dando o tom da
violência com que os inimigos serão abatidos nessa batalha. Entretanto, como
é típico da literatura apocalíptica, o texto acaba por fornecer poucos detalhes
para sua interpretação factual. O que é possível depreender desse texto é que
uma parte dos combatentes opositores sofrerá algo terrível que afetará seus
corpos a ponto de corrompê-los e destruí-los de modo rápido e irresistível,
seja na forma de algum tipo de doença ou praga ou até de um ataque externo.
Junto com aquela destruição arrebatadora, Deus confundirá seus inimigos
de modo que eles mesmos se infligirão ruína (v.13): “Naquele dia, haverá
uma grande confusão produzida pelo Senhor entre eles, de modo que
cada um agarrará a mão do seu companheiro e levantará sua própria
mão contra ele”. Tal confusão, já pincelada em Zacarias 12.4, traz à mente
dos leitores o episódio do ataque de Gideão e seus trezentos soldados ao
acampamento midianita. Nessa ocasião, os 120 mil soldados midianitas
foram tomados de pânico e confusão, não apenas pela estratégia de Gideão,
mas também pela intervenção de Deus, a ponto de matarem uns aos outros:
“Ao soar das trezentas trombetas, o Senhor tornou a espada de um contra o
outro, e isto em todo o arraial, que fugiu rumo de Zererá, até Bete-Sita, até ao
limite de Abel-Meolá, acima de Tabate” (Jz 7.22).
Entretanto, os israelitas não ficarão de fora da batalha (v.14a): “Judá
também lutará em Jerusalém”. Com isso, o profeta confirma a virada
militar que anunciou antes (Zc 10.4,5; 12.5-7), prevendo também que a
espoliação que Israel sofreu anteriormente passará por uma reversão (v.14b):
“As riquezas de todas as nações vizinhas serão recolhidas: ouro, prata e
roupas em grande quantidade”. Isso quer dizer que Israel, agora vitorioso
por causa da intervenção e libertação de Deus, irá recolher o espólio de seus
inimigos derrotados, o que inclui aquilo que foi originalmente tirado deles no
v.1, demonstrando que a situação descrita no início do capítulo foi
permanentemente invertida.[226] O profeta Ezequiel parece anunciar o
mesmo, ao dizer: “Não trarão lenha do campo, nem a cortarão dos bosques,
mas com as armas acenderão fogo; saquearão aos que os saquearam e
despojarão aos que os despojaram, diz o Senhor Deus” (Ez 39.10).
O profeta termina com um anúncio a respeito dos animais que estiverem
nos acampamentos inimigos (v.15): “A praga fará o mesmo aos cavalos, às
mulas, aos camelos, aos jumentos e a todos os animais que estiverem
naqueles acampamentos”. Nesse ponto é difícil saber como essa descrição
condiz com a realidade futura, pois não sabemos a quantidade de animais —
ou se haverá animais — entre exércitos com armamentos e equipamentos
típicos da nossa era. Contudo, o profeta parece mais interessado em se fazer
compreensível para seus leitores do passado que fornecer informações
tecnológicas aos leitores atuais, tendo como objetivo central expressar, de
modo ilustrativo,[227] a destruição completa dos inimigos do Senhor e do
seu povo.
É empolgante saber como ocorrerá a vitória final de Jesus como Deus e rei.
Entretanto, apesar do interesse profético de Zacarias em informar judeus e
gentios crentes sobre tal futuro, seu interesse pastoral foi encorajar os
israelitas que estavam trabalhando na reconstrução do templo, em Jerusalém,
e exortá-los à santificação de suas vidas de modo a priorizar a glória divina
aos seus próprios impulsos e desejos pessoais. A verdade é que a certeza da
vitória futura e o deleite de saber como ela ocorrerá têm um efeito espiritual
encorajador, restaurador e santificador sobre aqueles que serão beneficiados
por aquilo que Deus tem preparado para seus servos. Que esse efeito encha
nossas vidas dia a dia assim como fez com os israelitas do passado!

ZACARIAS 14.16-21
A Adoração Mundial ao Grande Rei

O fim da guerra entre o Messias e seus inimigos, em sua segunda vinda, é


descrito no v.15, no qual não apenas os soldados invasores como também
seus pertences serão destruídos completamente. A partir do v.16, o profeta
descreve como serão a influência e o alcance do reinado do soberano divino
sobre Jerusalém e sobre o restante das nações no reino terrestre que durará
mil anos (Ap 21.1-7).
Após o final da guerra fulminante contra os exércitos inimigos do Senhor, o
profeta fala a respeito daqueles que não integravam as forças militares (v.16):
“Então, as pessoas que restarem de todas as nações que atacaram
Jerusalém subirão anualmente para adorar o rei, o Senhor dos exércitos,
e para celebrar a festa das Cabanas”. Imediatamente, é possível perceber
que Zacarias fala de modo resumido de uma série de acontecimentos bem
mais complexos, causando alguma confusão nos leitores. Entretanto, as
perguntas criadas pela brevidade das palavras do profeta não ficam sem
resposta ao longo das Escrituras. A primeira das duas grandes questões
levantadas nesse versículo é a identidade das “pessoas que restarem de todas
as nações que atacaram Jerusalém”. Os versículos anteriores são claros ao
explicar que a ira do Senhor recairá no momento da sua vinda sobre as forças
militares mundiais que invadiram Israel e que se reuniram para exterminar o
povo de Deus. Entretanto, o texto não diz que esse juízo se espalharia por
todo o mundo, deixando aberto para que Zacarias fale dos gentios que, por
não integrarem os exércitos inimigos de Jerusalém, não foram mortos na
segunda vinda de Jesus.
O que Zacarias não fala, entretanto, é quem exatamente integra o grupo
desses sobreviventes que adentrarão o período do reino milenar, de modo
que, à primeira vista, parecem ser todos os civis gentios do mundo.
Entretanto, Jesus preenche essa lacuna quando fala do futuro escatológico,
conforme registrado em Mateus. Ele disse: “Quando vier o Filho do Homem
na sua majestade e todos os anjos com ele, então, se assentará no trono da sua
glória; e todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns
dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas” (Mt 25.31,32).
“Cabritos” e “ovelhas” aqui são referências aos incrédulos e aos crentes,
respectivamente, dos dias da Grande Tribulação que permanecerem vivos até
a volta do Senhor. O rei os reunirá diante de um tribunal presidido por ele
mesmo e os separará uns dos outros. Àqueles que, por sua fé, demonstraram
uma vida transformada, ele dirá: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na
posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt
25.34b). Isso quer dizer que tais crentes continuarão vivos e serão súditos do
reino milenar do Messias.[228]
Mas aos incrédulos, ele dirá: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo
eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mt 25.41b). Essa declaração
representa uma sentença de morte, a qual será cumprida imediatamente e
impedirá que quem rejeitou a salvação pela fé em Jesus Cristo durante os sete
anos da Tribulação entre no período do seu reinado terreno. Sendo assim, o
grupo a que o v.16 se refere não é tão amplo quanto pode parecer a princípio,
mas engloba apenas os gentios sobreviventes da Tribulação que creram em
Cristo. É claro que um grande número de israelitas também se converterá
naqueles dias e entrará no reino de Cristo, mas eles não são citados no v.16
porque já estarão habitando na terra de Israel (Jr 30.3; 31.8; 32.37; Ez 36.24)
e não no restante do mundo, como os demais.[229]
A segunda questão levantada durante a análise do v.16 é a respeito da
celebração “da festa das Cabanas” e da razão pela qual será necessário que os
gentios do mundo todo tenham de comemorá-la. Uma dúvida, dentro disso, é
se a aliança mosaica, a qual prescreve a referida festa, continuará vigente.
Jeremias responde a isso no anúncio de uma nova aliança de Deus com Israel,
dizendo: “Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que firmarei nova aliança com a
casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus
pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito;
porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver
desposado, diz o Senhor” (Jr 31.31,32). Ao dizer “não conforme a aliança
que fiz com seus pais”, ele anuncia o término do antigo concerto que, em vez
de trazer bênçãos maravilhosas a Israel, trouxe castigos por causa da sua
desobediência e incredulidade. No reino milenar, uma aliança diferente e
nova será celebrada com Israel, envolvendo um novo trato e a conversão do
povo pelo próprio Deus: “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de
Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei as
minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles
serão o meu povo” (Jr 31.33).
Contudo, essa nova lei, dentro do modo renovado de o Senhor tratar seu
povo, manterá algumas características semelhantes à lei mosaica, juntamente
com aspectos novos. Exemplo disso é a descrição do templo que será
construído naqueles dias e das práticas e adoração que serão ali celebradas,
inegavelmente semelhantes em certos pontos, mas completamente distintos
em outros em relação às prescrições da aliança mosaica dada no Sinai (Ez 40
—48). Assim, em Zacarias 14.16, percebemos a manutenção da antiga “festa
das Cabanas” ao mesmo tempo que notamos algumas diferenças marcantes
na sua prática. A festa das Cabanas sempre foi uma festa especial para Israel,
primeiro por abranger toda a população com suas famílias (Dt 16.14), e,
depois, por ser um tempo de sete dias reservado exclusivamente para
adoração e meditação na lei — note-se em Lv 23.33-36 a ênfase da ordem
“nenhum trabalho servil fareis”. Além do mais, essa festa era uma ocasião
especial para os primeiros ouvintes de Zacarias, pois, além de o povo voltar a
celebrar com gratidão ao seu Deus provedor, foi também a oportunidade de o
povo ouvir a leitura da lei pelo profeta Esdras (Ne 8.14-18), tornando esse um
tempo de renovação da aliança.[230]
Outra dúvida que surge nesse ponto é sobre o que os gentios terão a ver
com essa lei, visto que a primeira versão dela era de competência exclusiva
de Israel. Ainda que com novos contornos, o novo trato será estabelecido
“com a casa de Israel e com a casa de Judá” (Jr 31.31). Entretanto, durante o
reinado do Messias na terra, os povos também se submeterão ao seu ensino e
à sua justiça, de modo que “para ele afluirão todos os povos. Irão muitas
nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor e à casa do Deus de
Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas;
porque de Sião sairá a lei, e a palavra do Senhor, de Jerusalém” (Is 2.2b,3 —
ver também Mq 4.1-3). É exatamente por isso que as nações, mesmo sendo
gentílicas, tomarão parte anualmente na adoração ao rei divino na festa das
Cabanas.
Apesar da voluntariedade dos povos em buscar e servir o rei divino que
governará de Sião, o versículo seguinte faz uma afirmação que causa alguma
perplexidade (v.17): “Se alguma das famílias da Terra não subir a
Jerusalém para adorar o rei, o Senhor dos exércitos, não haverá chuva
para ela”. O que causa estranheza, a princípio, é o tom de obrigatoriedade
dessa adoração e as sanções que serão impostas a quem não cumprir tal
requisito, visto que esse impulso, expresso em Isaias 2 e Miqueias 4, parece
ser voluntário. Além do mais, todos os súditos do recém-formado reino serão
convertidos ao Senhor. Por que, então, eles precisariam ser obrigados a
adorá-lo sob pena de castigo? A verdade é que, apesar de a primeira geração
de sobreviventes a viver sob o reino milenar do Messias ser formada apenas
por crentes, seus descendentes, assim como os de hoje, nascerão pecadores e
precisarão crer no salvador, sujeitando-se a ele.
Porém, a exemplo de hoje, parece que nem todos crerão no Senhor, mesmo
que o possam ver e que o diabo não atue entre eles (Ap 20.1,2). É por isso
mesmo que, quando Satanás for liberto da sua prisão de mil anos, conseguirá
reunir um grande exército para lutar contra o rei Jesus e seus súditos fiéis (Ap
20.7-9). Portanto, convivendo com a fraqueza do pecado, as nações serão
obrigadas a ir a Jerusalém por ocasião da festa das Cabanas,[231] algo que
alguns farão voluntaria e prazerosamente, enquanto outros o farão pela
ameaça de não chover sobre suas terras. Tal requisito terá influência e
importância para todas as nações, incluindo aquelas que aparentemente não
dependem tanto da chuva como o Egito, razão pela qual o texto se dirige a
esse país nominalmente (v.18): “Se os egípcios não subirem, não haverá
chuva para eles, mas sim a praga com a qual o Senhor ferirá as nações
que não subirem para celebrar a festa das Cabanas”. Alguns intérpretes
imaginam que a falta de chuva não seria uma punição real para o Egito, já
que ele depende principalmente das cheias do Nilo, mas tanto os ouvintes de
Zacarias como os próprios egípcios teriam facilidade em compreender que a
cheia do rio se deve às chuvas na região das cabeceiras do Nilo, de modo que
o anúncio de punição pela seca é real também para o Egito.[232]
O profeta parece querer chocar os egípcios de um modo singular, pois o
anúncio do castigo de não adorar o Senhor anualmente é feito com uso da
palavra “praga” — a mesma palavra hebraica utilizada, por exemplo, em Êx
9.14 —, a qual remete a dias terríveis vividos pelo país quando esse se negou
a atender a ordem divina de libertar Israel para que servisse seu Deus. Sendo
assim, não importa que parte do mundo seja, haverá sofrimento para quem
não adorar o rei messiânico nos dias do seu reinado, pelo que o profeta
reafirma (v.19): “Este será o castigo do Egito e de todas as nações que não
subirem para celebrar a festa das Cabanas”. Assim, todas as nações do
mundo servirão ao Messias. Deve-se ressaltar que não se trata apenas de uma
participação mecânica em uma festa religiosa, mas da sujeição ao governo
desse rei e do reconhecimento da sua divindade.
Outra característica singular daqueles dias será a consagração de tudo a
Deus e à adoração do Messias (v.20): “Naquele dia, estará escrito nos sinos
dos cavalos: ‘Santo ao Senhor’. E todas as panelas da casa do Senhor
serão como as vasilhas que ficam diante do altar”. Esses “sinos” ou
“placas” mencionados aqui faziam parte do ornamento dos arreios dos
cavalos, sendo que provavelmente havia inscrito nos tais o nome do
proprietário do cavalo.[233] Ao gravar o nome do Senhor nesses sinos ou
placas e não mais o nome do proprietário, o significado é que o Messias será
o dono de tudo e que todas as coisas serão separadas para seu uso e seu culto,
assim como o próprio sumo sacerdote era, no passado, especialmente
designado para seu serviço (Êx 28.36; 39.30).[234] Outra característica
enfatizada por tal inscrição é a pureza de Jerusalém nesse tempo, a qual será
tão pura que até os sinos dos cavalos e as panelas (v.21) trarão inscrições que
lembrem que tudo ali é santo e adequado ao serviço do Senhor.[235]
Por isso, as panelas utilizadas no cozimento da carne dos sacrifícios
usufruirão do mesmo estado de santidade que os utensílios que são usados
diretamente no trabalho do templo, integrando todos os participantes em um
grande ritual sagrado de adoração a Deus. E isso não ocorrerá apenas com as
panelas do templo, mas com todas as panelas do país (v.21a): “E todas as
panelas em Jerusalém e em Judá serão santas ao Senhor dos exércitos.
Desse modo, todos os que oferecem sacrifícios virão e as usarão para
cozinhar nelas”. Isso significa que não haverá distinção entre sagrado e
secular,[236] pois o caráter santo de Cristo invadirá todos os aspectos que
chamamos de seculares. A relevância dessa menção se estende a todas as
áreas da vida humana daqueles dias, influenciando os hábitos, os
procedimentos, os objetivos e o sentido da vida das pessoas ao redor de todo
o mundo. No que tange especificamente ao culto que será realizado pelos
cidadãos de toda a Terra em Jerusalém durante a festa das Cabanas, significa
que não haverá falta de utensílios que sirvam ao culto do Senhor,
transmitindo aos leitores a ideia da proporção gigantesca dessa festa anual,
envolvendo adoradores do mundo todo, os quais sacrificarão, celebrarão e
comerão juntos em honra e adoração do rei divino.
Zacarias encerra seu livro garantindo a inexistência de um sério problema
que foi visto nos dias de Neemias, nos dias de Jesus e que se tornou uma
tônica do falso cristianismo dos dias de hoje (v.21b): “E naquele dia, não
haverá mais comerciantes na casa do Senhor dos exércitos”. A palavra
traduzida aqui como “comerciantes” é, literalmente, o termo “cananita”.
Entretanto, o contexto demonstra que tal uso reflete uma figura que
tradicionalmente fazia referência aos comerciantes cananitas, especialmente
da região do Líbano, os quais frequentemente faziam comércio não apenas na
Palestina como também no próprio templo. Chamar os comerciantes do
templo de “cananitas” é um recurso de linguagem semelhante ao que nós
utilizamos quando nos referimos a estabelecimentos que vendem bacalhau
como “portugueses” e restaurantes de massas como “italianos”, sem que isso
represente qualquer tipo de preconceito. Desse modo, os dizeres do profeta
garantem que intenções espúrias e gananciosas nunca mais terão parte nos
ajuntamentos cultuais. A pureza do culto será plena, como plena é a glória
daquele que será adorado em pessoa no meio de Israel e cujo poder será sobre
todos os homens de todas as nações. Esse reinado e essa adoração perdurarão
por todo o milênio, até que o Senhor faça seu último julgamento e dê início à
eternidade.
Essa visão futura, ainda que breve, resume nossas maiores esperanças: a
presença do Senhor Jesus, a justiça promovida em todo o mundo, a pureza e
alegria do culto e o reconhecimento e sujeição mundial ao senhorio divino.
Em vez de ficarmos tristes e desanimados por não termos plenamente tais
coisas agora, devemos olhar para mensagens escatológicas como essa a fim
de firmar nossa fé, purificar nossos caminhos e perseverar no serviço do
Senhor com a certeza de que aquilo que agora é esperança será totalmente
real no futuro. Portanto, que nossa adoração, devoção e sujeição sejam
bastante reais no presente para a glória daquele que merece plena adoração
em todos os lugares e em todas as eras!
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ZUCK, Roy. Teologia do Antigo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2009.
[1] Merrill, Eugene. História de Israel no Antigo Testamento, p. 522.
[2] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 659.
[3] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 778.
[4] Informações adicionais em Baldwin, J. G. Ageu, Zacarias e Malaquias:
Introdução e Comentário, p. 23.
[5] Baldwin, J. G., p. 41-42.
[6] Zuck, Roy, p. 454.
[7] LaSor, William S.; Hubbard, David A.; Bush, Frederic W., 2003, p.
429.
[8] Para mais dados sobre a ocasião, veja-se a Introdução.
[9] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1538.
[10] Baldwin, J. G., p. 30.
[11] Merrill, Eugene. História de Israel no Antigo Testamento, p. 524.
[12] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Haggai, p. 19.
[13] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 783.
[14] Taylor, R. A.; Clendenen, E. R., p. 128.
[15] Schökel, Luiz Alonso, p. 305 [Ni. §b].
[16] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1539-1540.
[17] Perowne, T. T., p. 29.
[18] Baldwin, J. G., 32.
[19] Schökel, Luiz Alonso, p. 652 (Is 46.3; Jr 42.15; Mq 4.7; 7.18; Am
5.15; Sf 2.7; Zc 8.6).
[20] Williams, P., p. 36-37.
[21] Taylor, R. A.; Clendenen, E. R., p. 138.
[22] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 780.
[23] Baldwin, J. G., p. 33.
[24] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Haggai, p. 31.
[25] The NET Bible, [Ag 2.1].
[26] Baldwin, J. G., p. 36.
[27] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Haggai, p. 35.
[28] Kirkpatrick, A. F., p. 423.
[29] Baldwin, J. G., p. 37.
[30] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Fundamentos para Exegese do Antigo
Testamento, p. 27, § 6.11, “acusativo de modo”.
[31] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1541.
[32] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Haggai, p. 38.
[33] Douglas, J. D., p. 673.
[34] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1542.
[35] Alden, Robert L., p. 587.
[36] Gesenius, W. e Samuel P. Tregelles, p. 366-367.
[37] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 781.
[38] Jesus se referiu a esse mesmo ensino em relação à santidade ligada a
templo e ao culto (Mt 23.17,19).
[39] Baldwin, J. G., p. 40.
[40] Williams, P., p. 61-62.
[41] Mitchell, H. G.; Smith, J. M. P.; Bewer, J. A., p. 70.
[42] Alden, Robert L., p. 589.
[43] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Haggai, p. 61.
[44] Taylor, R. A.; Clendenen, E. R., p. 194-195.
[45] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 782.
[46] Williams, P., p. 70.
[47] Baldwin, J. G., p. 43.
[48] Alden, Robert L., p. 591.
[49] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 787.
[50] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 72.
[51] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1548.
[52] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 76.
[53] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 1-2.
[54] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 787.
[55] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1549-1550.
[56] Gesenius, W. e Samuel P. Tregelles, p. 796.
[57] Schökel, Luiz Alonso, p. 28.
[58] Baldwin, J. G., p. 73.
[59] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 3.
[60] Com a queda da capital assíria Nínive, em 612 a.C., a transferência do
trono para Aram, sob a liderança do seu último rei, Assur-uballit (612-609
a.C.), foi a última tentativa consistente de manter o antigo império. Com a
queda de Aram, o resto do povo seguiu até Carquemish, o domínio mais
distante dos assírios, onde foram abatidos em 605 a.C. pelo então príncipe
Nabucodonosor (Merrill, Eugene. História de Israel no Antigo Testamento,
p. 467-468). Entretanto, esses últimos anos de existência não
caracterizaram a continuidade do império assírio, de modo que a queda de
Aram, e não de Carquemish, deve servir de referência para a indiscutível
transição dos impérios.
[61] Baldwin, J. G., p. 79.
[62] Keil, C. F.; Delitzsch, F., vol. 10, p. 516.
[63] Baldwin, J. G., 82.
[64] Barker, Kenneth L., p. 615.
[65] Uma dificuldade óbvia dessa interpretação é a visão ter o caráter de
uma promessa a ser cumprida quando, na verdade, parte dela já não
poderia mais ser levada a cabo dado o fato de que a Assíria já fora abatida
pela Babilônia e esta, pela Medo-Pérsia. Outra dificuldade é que nem todos
os impérios que se sucederam são marcados pela ação de “espalhar” ou
exilar os israelitas, ato historicamente marcante dos assírios, babilônicos e
romanos, mas não dos medos-persas ou dos gregos.
[66] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 4.
[67] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1552.
[68] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 101.
[69] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 16.
[70] Baldwin, J. G., p. 85.
[71] Zuck, Roy, p. 457.
[72] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 105.
[73] Perowne, T. T., p. 75.
[74] Schökel, Luiz Alonso, p. 306.
[75] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 787.
[76] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 108-109.
[77] Barker, Kenneth L., p. 618.
[78] Keil, C. F.; Delitzsch, F., vol. 10, p. 523.
[79] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 18.
[80] Baldwin, J. G., p. 89.
[81] Baldwin, J. G., p. 91.
[82] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1554.
[83] Lit. “Et dixit” [Schenker, A. Biblia Hebraica Stuttgartensia:
Apparatus Criticus, p. 1066].
[84] Barker, Kenneth L., p. 623.
[85] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 30.
[86] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 130.
[87] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 787.
[88] Keil, C. F.; Delitzsch, F., vol. 10, p. 532.
[89] Perowne, T. T., p. 85-86.
[90] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 40.
[91] A expressão “início modesto” é a tradução do que, no texto hebraico,
literalmente quer dizer “humildes inícios”.
[92] Baldwin, J. G., p. 98-99.
[93] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 144.
[94] Lit. “filhos da unção” (benê-hayyitshar), uma expressão que significa
que sobre os tais foi promovida a unção, ou seja, o derramamento de
azeite.
[95] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1556.
[96] Keil, C. F.; Delitzsch, F., vol. 10, p. 542.
[97] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 150.
[98] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 788.
[99] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 49.
[100] Elwell, W. A.; Comfort, P. W., p. 1300.
[101] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 157.
[102] Schökel, Luiz Alonso, p. 320.
[103] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 50.
[104] Barker, Kenneth L., p. 634.
[105]
The NET Bible, [Zc 5.11, nota 9].
[106] Baldwin, J. G., p. 103.
[107] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1557.
[108] Unger, Merrill F. Zechariah. Grand Rapids: Zondervan, 1962, p.
102-103 In Barker, Kenneth L., p. 637.
[109] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 787.
[110] Baldwin, J. G., p. 106.
[111] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 164.
[112] Perowne, T. T., p. 95.
[113] Joel 2.20 pode ser uma referência a um ataque futuro assim como,
mais provavelmente, um menção à Assíria ou à Babilônia como
instrumentos de punição divina (722 e 587 a.C., respectivamente).
[114] Uma análise geográfica dos locais citados por Ezequiel (38.1-6)
como agressores futuros de Israel em um ataque frustrado pelo Senhor
localiza a maioria dos países alistados justamente ao norte de Israel: Rússia
(Gogue e Magogue), Irã (Pérsia), Sudão (Etiópia), Líbia (Pute), Ucrânia
(Gômer), Turquia e Síria (Togarma). O fato de nem todos ficarem ao norte
(Sudão e Líbia ficam na África e vêm à Israel pelo sul), não impede, dado
que a maioria e/ou a liderança pertencem a países setentrionais, que essa
coligação de nações seja chamada de terra do Norte.
[115] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 58.
[116] Se é o mesmo profeta Sofonias, então Josias, seu “filho” — o que
pode querer dizer também “neto” ou simplesmente um “descendente” —,
fazia parte da nobreza judaica, já que Sofonias, além de profeta, era de uma
linhagem que tinha parentesco com Ezequias, rei de Judá [Wood. D. R. W.;
Marshall, I. H.; Millard, A. R.; Packer, J. I.; Wiseman; D. J., p. 1268].
[117] Josefo, Flávio, p. 619.
[118] Dizer que “ele brotará do seu lugar” é, segundo Joyce Baldwin, um
trocadilho — lit. “o broto brotará de baixo” — que aponta para o fato
inesperado de ele vir de onde não se espera uma vida nova ou uma
restauração (cf. Is 53.2) [Baldwin, J. G., p. 110].
[119] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 788.
[120] The NET Bible, [Zc 6.13, nota 12].
[121] Schökel, Luiz Alonso, p. 512, § 4.
[122] Brown, F.; Driver, S. R.; Briggs, C. A., p. 420.
[123] Thomas, R. L., § 2494.
[124] Harris, R. L.; Archer Jr., G. L.; Waltke, B. K., § 2730, p. 1691.
[125] Baldwin, J. G., 23.
[126] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 183.
[127]
The NET Bible, [Zc 7.3, nota 4].
[128] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 67.
[129] Brand, C.; Draper, C.; England, A.; Bond, S.; Clendenen, E. R.;
Butler, T. C., p. 1484.
[130] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 788.
[131] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 791.
[132] Zuck, Roy, p. 453.
[133] Baldwin, J. G., p. 119.
[134] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 68.
[135] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1560.
[136] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 195.
[137] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1560.
[138] Schenker, A. Biblia Hebraica Stuttgartensia: Apparatus Criticus,
p.1071.
[139] Schökel, Luiz Alonso, p. 583.
[140] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 76.
[141] Spence-Jones, H. D. M. Ezekiel, p. 188.
[142] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 202.
[143] Baldwin, J. G., p. 123.
[144] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 208.
[145] Os samaritanos merecem destaque entre os adversários dos judeus do
período pós-exílico. A oposição samaritana tomou forma quando esses
foram preteridos no trabalho de reconstrução (Ed 4.1-3) e passaram a
desanimar os construtores (Ed 4.4,5) e a acusar as autoridades judaicas
diante das instâncias do governo persa até que a obra fosse embargada (Ed
4.6,12,13,23,24).
[146] Nesse caso, os livros de Ageu e Zacarias não dão detalhes de algo
assim, mas Neemias, mais adiante, põe fim a uma prática que vinha
ocorrendo a algum tempo na qual os principais dentre o povo exploravam e
escravizavam seus endividados irmãos (Ne 5.1-12).
[147] Baldwin, J. G., p. 125.
[148] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 197.
[149] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1561.
[150] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 788.
[151] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1561.
[152] Sobre os jejuns realizados nos diversos meses citados nesse texto,
consultar o comentário a Zacarias 7.3.
[153] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 218.
[154] Schökel, Luiz Alonso, p. 179 § 4.
[155] Baldwin, J. G., p. 127.
[156] É óbvio que é possível que o autor queira, em vez de fornecer um
paralelismo, produzir uma ideia complementar entre “muitas e poderosas
nações”. Contudo, a julgar pelo paralelismo quiástico entre as ações dos
vv.21,22 — “fazer súplicas” e “buscar” (v.21) / “buscar” e “fazer súplicas”
(v.22) —, típico de uma poesia, devemos esperar outras figuras poéticas
como o paralelismo sinonímico em questão, tão comum em Salmos e
Provérbios.
[157] Uma luz adicional à questão vem do fato de a Septuaginta usar a
mesma palavra grega (pólys) nos dois casos, tanto para se referir a “muitos
povos” como a “numerosas nações”. A Vulgata Latina e a Vulgata
Clementina, por sua vez, usam a palavra “fortes” (robustae).
[158] Matthews, V. H.; Chavalas, M. W.; Walton, J. H., [Zc 8.23].
[159] Pritchard, James B., p. 655. Os primeiros dois parágrafos do texto
dizem: “Uma estela feita por Zakir, rei de Hamate e Lu’ath, para Ilu-Wer
[seu deus]. Eu sou Zakir, rei de Hamate e Lu’ath. Eu sou um homem
humilde. Be’elshamayn [me ajudou] e ficou ao meu lado. Be’elshamayn
me fez rei sobre Hatarikka (Hadraque)”.
[160] Baldwin, J. G., p. 131.
[161] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 230.
[162] Schökel, Luiz Alonso, p. 220.
[163] Josefo, Flávio, p. 532.
[164] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1562.
[165] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 91.
[166] Josefo, Flávio, p. 534.
[167] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1563.
[168] Joyce Balwin, tentando resolver esse conflito sem atrelar à profecia
uma implicação que não seja escatológica, aponta o fato de que a Grécia é
citada em hebraico como “Javã”, propondo que esse texto não se refere à
Grécia apenas, mas a todas as nações distantes, citando como apoio D. R.
Jones, A Fresh Interpretation of Zechariah IX-XIV, VT, XII, 1962, p. 248,
em que ele diz: “Neste tipo de retórica, Javã é apropriadamente contraposto
a Sião, como símbolo das nações. O quadro é semelhante ao de Is 49.22,
onde Javã fala às nações” [Baldwin, J. G., p. 140].
[169] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 792.
[170] The NET Bible, [Zc 9.10].
[171] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 248.
[172] Keil, C. F.; Delitzsch, F., vol. 10, p.581.
[173] Baldwin, J. G., p. 141.
[174] Schökel, Luiz Alonso, p. 527.
[175] The NET Bible [Zc 10.4, nota 5].
[176] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 265.
[177] Keil, C. F.; Delitzsch, F., vol. 10, p. 585.
[178] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1564.
[179] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 108.
[180] Driver, S. R., p. 327.
[181] Baldwin, J. G., p. 148.
[182] The NET Bible [Zc 11.7, nota 3].
[183] Edersheim, A., vol. 2, p. 702.
[184] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 291.
[185] Josefo, Flávio, p. 1359-1361.
[186] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 119.
[187] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1566.
[188] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1566.
[189] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 121.
[190] Baldwin, J. G., p. 156.
[191] Matthews, V. H.; Chavalas, M. W.; Walton, J. H. [Zc 11.16].
[192] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 305.
[193] Baldwin, J. G., p. 157.
[194] Para uma lista dos teólogos que defendem que Obadias foi o
primeiro dos profetas escritores, consultar Santos, Thomas T.,
Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento, p. 86.
[195] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 789.
[196] Zuck, Roy, p. 461.
[197] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 312-313.
[198] Merrill, Eugene. Teologia do Antigo Testamento, p. 537.
[199] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1567.
[200] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 135.
[201]
The NET Bible [Zc 12.8, nota 12].
[202] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 793.
[203] Zuck, Roy, p. 461.
[204] Baldwin, J. G., p. 162.
[205] Hill, Andrew e.; Walton J. H., p. 602.
[206] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 325.
[207] Merrill, Eugene. Teologia do Antigo Testamento, p. 537.
[208] Keil, C. F.; Delitzsch, F., vol. 10, p. 609.
[209] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 792.
[210] Keil, C. F.; Delitzsch, F., vol. 10, p. 612.
[211] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 331.
[212] Baldwin, J. G., p. 165.
[213]
The NET Bible [Zc 13.7].
[214] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 147.
[215] Henry, M., p. 1592.
[216] Merrill, Eugene. Teologia do Antigo Testamento, p. 537.
[217] Zuck, Roy, p. 457.
[218] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 793.
[219] Baldwin, J. G., p. 170.
[220] Keil, C. F.; Delitzsch, F., vol. 10, p. 620.
[221] Schökel, Luiz Alonso, p. 515.
[222] The NET Bible [Zc 14.10, nota 17].
[223] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1571.
[224] Harris, R. L.; Archer Jr., G. L.; Waltke, B. K., p. 533-534.
[225] Merrill, Eugene. Teologia do Antigo Testamento, p. 537.
[226] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 361-362.
[227] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 159.
[228] Pentecost, J. Dwight, p. 425.
[229] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B., p. 1571.
[230] Merrill, Eugene. Teologia do Antigo Testamento, p. 538.
[231] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 793.
[232] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Zechariah, p. 364-365.
[233] Spence-Jones, H. D. M. Zechariah, p. 160.
[234] Zuck, Roy, p. 461.
[235] Waltke, Bruce; Yu, Charles, p. 944.
[236] Baldwin, J. G., p. 175.

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