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RESTAURAÇÃO
Comentário de
Ageu e Zacarias
Prefácio ............................................................................. 5
Introdução ............................................................................. 7
Comentário de Ageu
Cap. 1 ............................................................................. 13
Cap. 2 ............................................................................. 27
Comentário de Zacarias
Cap. 1 ............................................................................. 51
Cap. 2 ............................................................................. 69
Cap. 3 ............................................................................. 81
Cap. 4 ............................................................................. 89
Cap. 5 ............................................................................. 97
Cap. 6 ............................................................................. 109
Cap. 7 ............................................................................. 123
Cap. 8 ............................................................................. 135
Cap. 9 ............................................................................. 155
Cap. 10 ............................................................................. 171
Cap. 11 ............................................................................. 179
Cap. 12 ............................................................................. 191
Cap. 13 ............................................................................. 203
Cap. 14 ............................................................................. 211
Referências ............................................................................. 223
Prefácio
Ageu e Zacarias atuaram em uma época em que Judá reconstruía sua vida
depois de anos distante da terra natal. Ambos contribuíram para que os judeus
fossem encorajados e entendessem sua participação na história da redenção
de Deus. Esses dois grandes “pequenos” profetas de Israel, com suas
características diferentes (Ageu com mensagens diretas, e um arrependimento
rápido do povo; Zacarias com visões apocalípticas que apontam para tempos
futuros da salvação e juízo de Deus), têm muito a nos ensinar sobre
obediência, fidelidade e confiança na consumação perfeita do plano do
Senhor para a história.
Meu amigo, Thomas Tronco, apresenta neste comentário tanto uma
exposição exegética clara sobre esses dois profetas do período pós-exílico
quanto aplicações profundas e pertinentes para a igreja atual. Você encontrará
aqui o trabalho que é fruto de bastante pesquisa e informação (análise do
texto hebraico e consulta de muitas obras acadêmicas atuais), bem como de
um desejo ardente em transmitir com clareza a ideia do texto bíblico. Seu
propósito é tornar acessíveis informações importantes e essenciais para
aqueles que estudam Ageu e Zacarias com o propósito de ensinar em grupos
de estudo bíblico, classes de Escola Bíblica e outros tipos de reuniões em
igrejas e campus universitário. Também pode ser usado no estudo pessoal e
devocional.
O comentário segue o fluxo do texto e tem uma excelente organização para
o leitor que deseja consultar um trecho específico desses dois profetas.
Thomas está comprometido com uma interpretação literal do texto bíblico e
com a autoridade da Palavra de Deus, dois aspectos muitos positivos do
comentário. O primeiro nos ajuda a perceber como o plano de Deus para
Israel e a dinastia de Davi ainda aguardam um cumprimento futuro. O
segundo nos convida a uma compreensão da perfeição e capacidade de Deus
em cumprir suas promessas.
Minha oração é que este comentário desperte seu desejo em aprender mais
da Palavra de Deus e o ajude a entender questões complexas literárias e
culturais que deixam muitos leitores “com uma pulga atrás da orelha” quando
estudam esses dois Profetas Menores. A igreja brasileira será profundamente
abençoada por essa obra de um servo de Deus profundamente capaz e
seriamente comprometido com a Palavra de Deus e com o Deus da Palavra!
Tiago Abdalla
Professor da área de Hebraico e Antigo Testamento
do Seminário Bíblico Palavra da Vida
Pastor da Igreja Batista Nova Esperança
Introdução
Ageu Zacarias
29 de agosto de 520 1.1
21 de setembro de 1.15
520
17 de outubro de 520 2.1
Outubro ou 1.1
novembro de 520
18 de dezembro de 2.10,18,20
520
15 de fevereiro de 1.7
519
7 de dezembro de 7.1
518
AGEU 1.12-15
Como Reagir a uma Exortação
A repreensão de Ageu ao povo de Jerusalém foi severa, não por causa de
palavras duras, mas em decorrência da dura realidade que eles estavam
enfrentando ao serem disciplinados por Deus com seca e carestia. Entretanto,
não é sempre que a consequências de um erro são suficientes para
desencorajar seu abandono. Nesse caso, felizmente, as consequências
negativas, interpretadas pelas palavras do profeta, foram o bastante e uma
mudança diametral se deu no meio de Judá. Essa seção se inicia com uma
frase que pode surpreender os leitores do Antigo Testamento tão acostumados
com as respostas negativas às palavras de Deus e dos seus profetas (v.12):
“Então, Zorobabel, filho de Sealtiel, e o sumo sacerdote Josué, filho de
Jeozadaque, e todo o restante do povo deram ouvidos à voz do Senhor,
seu Deus, e às palavras do profeta Ageu conforme lhe ordenou o Senhor,
seu Deus. Assim, o povo temeu diante do Senhor”. Apesar de simples, essa
frase contém muitos significados importantes.
O primeiro deles é que a palavra hebraica para “restante” (she’erît) é usada
de pelos profetas como designação teológica dos sobreviventes de Israel que
continuam a história depois de o Senhor os ter abatido por meio da Assíria e
da Babilônia,[19] um povo de número bastante reduzido se comparado com o
que havia antes do exílio e com a população trasladada para a Mesopotâmia.
[20] Assim, o texto não aponta apenas a totalidade de uma população, mas
para um grupo personalizado, com sua história marcada por sofrimento,
mortes e exílio, que tinha agora uma nova chance de fazer o que era certo
perante seu Deus. Por isso, pode-se perceber que essa reação unânime foi
mais que o efeito a um comando eficaz. Tratou-se da decisão coletiva de
pessoas arrependidas de seus erros e desejosas que viver as bênçãos vindas
do Senhor amoroso que os dirigia. O segundo é a repetição da expressão “seu
Deus” ou “o Deus deles” (’elohêhem) — duas vezes no v.12 e uma vez no
v.14. Apesar de parecer uma referência óbvia para a Israel, os israelitas
rebeldes do passado, desejosos de seguir seus próprios caminhos e não os do
Senhor, negaram-se a se arrepender e o Senhor os nomeou Lo-Ami (Os 1.9)
— “não é meu povo” —, e anunciou sua rejeição irrevogável que redundaria
em juízo e exílio (Jr 15.1). A repetição aqui de “seu Deus” marca
indubitavelmente o sentido oposto do tratamento passado do Senhor para
com o povo.
Feitas essas observações, é possível notar três atitudes positivas, dignas de
servos verdadeiros, presentes na reação dos judeus à exortação de Ageu. A
primeira é descrita na ação “deram ouvidos”. O sentido disso é mais que a
ação de apenas escutar uma pessoa dizer algo, mas de desenvolver uma
verdadeira obediência que, nesse caso, é marcada pela unanimidade: “todo o
restante do povo”. O texto também não deixa dúvidas sobre quem eles
obedeceram, dizendo claramente: “à voz do Senhor”. E isso não é tudo, pois
eles também deram ouvidos “às palavras do profeta Ageu”. Em outras
ocasiões, os profetas eram ouvidos e recebiam aprovação apenas de um
pequeno grupo dentre a nação, enquanto eram rejeitados e perseguidos pelos
demais. Entretanto, a sujeição obediente dos judeus ao Senhor foi tão
marcante e sincera que vemos o profeta Ageu receber reconhecimento de
todos como um enviado do Senhor.[21] A segunda reação à exortação
encerra o v.12 e é descrita como temor: “o povo temeu diante do Senhor”.
Apesar de parecer se tratar de uma consequência natural à atitude obediente
— ou sua própria causadora, por medo de o juízo prosseguir —, ela traz uma
ideia solene e reverente de adoração ao Deus supremo e soberano. Isso fica
claro ao fazerem-no na presença de Deus ou “diante do Senhor”. O povo
entendeu seu erro e seu afastamento de Deus e corrigiu completa e
profundamente o que o desagradava.
Cronologicamente, o v.12 é seguido dos vv.14,15, de modo que o v.13 é
uma digressão ou uma prévia do que virá no capítulo seguinte. Apesar de não
haver qualquer prejuízo em se aguardar alguns versículos para registrar seu
segundo discurso, parece que Ageu não quis, contudo, deixar escapar a
pronta resposta de Deus diante do arrependimento e da resposta positiva do
povo à exortação (v.13): “Então, Ageu, o enviado do Senhor, transmitiu ao
povo a mensagem do Senhor: ‘Eu estou convosco’, declara o Senhor”.
Esse resumo da segunda mensagem do profeta (Ag 2.1-9) está contido em Ag
2.4 e foi pronunciado três semanas após o reinício das obras (vv.14,15 cf. 2.1)
— não se pode descartar, contudo, a possibilidade de ser esse, apesar de
curto, o segundo pronunciamento de Ageu, enquanto o de Ag 2.1-9 seria o
terceiro, o que não é muito defendido. Independente da data do discurso, o
fato é que o Senhor se agradou da obediência e do temor demonstrado pelo
povo e voltou a se relacionar com eles sendo “seu Deus”, depois de
sarcasticamente os chamar de “este povo” quando os repreendeu no início do
livro (v.2).[22]
O v.14 traz mais uma das reações dos judeus de Jerusalém à exortação de
Ageu, mas não sem antes apresentar um vislumbre da soberania graciosa de
Deus por trás dos atos corretos e honrados dos seus servos (v.14): “Assim, o
Senhor impeliu o espírito de Zorobabel, filho de Sealtiel, governador de
Judá, e o espírito do sumo sacerdote Josué, filho de Jeozadaque, e o
espírito de todo o restante do povo, de modo que eles vieram e se
dedicaram ao trabalho na casa do Senhor dos exércitos, seu Deus”. A
atuação silenciosa do Senhor de impelir o espírito do povo todo,[23] desde os
líderes até os menores da nação, surge como fator transformador do coração e
do “espírito” daqueles homens. Entretanto, de um modo comovente, Deus
não tira o valor das ações dos servos, ainda que ele mesmo as tenha impelido.
Ao contrário, ele se mostra satisfeito e disposto a abençoá-los (v.13) por sua
obediência e temor (v.12) e pela terceira reação diante da exortação, o
trabalho, já que é dito que “eles vieram e se dedicaram ao trabalho”. A apatia
e o comodismo dentro dos lares confortáveis foram abandonadas e as pessoas
foram ao templo, pondo-se a trabalhar com empenho e convicção. A
repetição da formula que engloba todo o povo e da expressão “seu Deus” põe
em evidência o tamanho do movimento iniciado em Jerusalém e até o ânimo
decidido e unânime dos participantes da obra da casa do Senhor dos
exércitos.
O último versículo do capítulo registra a data do reinício da construção do
templo (v.15): “No vigésimo quarto dia do sexto mês do segundo ano do
rei Dario”. Como o primeiro discurso de Ageu teve lugar 23 dias antes da
retomada da obra, há quem considere esse prazo um tempo alongado que
eventualmente refletiria a incerteza do povo em mudar de atitude e em se
envolver no trabalho. Contudo, dado os enormes planejamentos, preparativos
e organização logística para um empreendimento desse porte, principalmente
quando era justamente a época da colheita,[24] tais dias devem ser encarados
como um período breve que demonstra determinação, prontidão,
compromisso e abnegação. Eles poderiam ter adiado a retomada da obra ou
encontrado desculpas — algumas certamente muito boas — para continuar
sem um templo. O fato de não o fazerem revela que a obediência, o temor e o
trabalho não eram fruto de interesses pessoais, mas de uma grande contrição
e transformação impelida pelo próprio Deus soberano e glorioso.
A igreja de hoje precisa, sob a graça e a atuação do soberano Senhor, imitar
as reações dos judeus dos dias de Ageu diante das exortações bíblicas. Em
lugar disso, o que se testemunha são ações como desobediência e
desvalorização das Escrituras, abertura para filosofias, doutrinas e práticas
agradáveis aos perdidos e àqueles que se enamoram do sistema mundano,
relutância diante do dever de exercer a disciplina eclesiástica, amor ao
dinheiro, status e poder, perda da identidade de um povo santo e separado ao
Senhor e rejeição e rotulação de pastores e líderes bíblicos que exortam
segundo o Senhor ordena. Talvez também precisemos da repreensão de Deus
como dada a Judá seguida da ação de impelir o nosso espírito. Como tais
atitudes cabem à exclusiva vontade, plano e domínio de Deus, a parte que
cabe à igreja de Cristo é, com coração contrito e sincero, ouvir as palavras do
Senhor e se dedicar a obedecer, temer e trabalhar para o “seu Deus”.
AGEU 2.1-5
Perseverança em Tempos de Desânimo
AGEU 2.6-9
A Glória do Senhor Deus
AGEU 2.10-19
A Grande Virada
O terceiro discurso de Ageu aconteceu no dia 18 de dezembro de 520 a.C.
(v.10): “No vigésimo quarto dia do nono mês do segundo ano de Dario,
veio a palavra do Senhor por meio do profeta Ageu, dizendo”. Essa
introdução posiciona tal sermão quase quatro meses após o primeiro discurso
de Ageu, três meses após o início da reconstrução e dois meses depois do
discurso de encorajamento com a promessa da glória do segundo templo.
Esse discurso também foi proferido cerca de um mês e meio depois do início
do ministério do profeta Zacarias (Zc 1.1). Olhando para essas datas e para os
pronunciamentos proféticos ocorridos, pode-se perceber que toda a direção
necessária no que tange à retomada da edificação do templo já havia sido
concedida pelo Senhor por meio dos seus servos. Entretanto, Deus não queria
transformação apenas no que se referia à existência do templo em Jerusalém.
Seu objetivo era bem maior, pelo que esse sermão visava a promover duas
grandes viradas na condição de vida dos judeus daqueles dias. Uma delas
relativa ao relacionamento com Deus, e outra, ao sustento que buscavam da
terra. Uma dessas viradas devia ser promovida por eles mesmos, em
obediência a Deus, e a outra, pelo Senhor, mudando o modo de tratar seu
povo.
O discurso inicia com perguntas que têm a clara intenção de usar as
próprias palavras dos ouvintes como repreensão e ensino. Apesar de a
audiência ser geral, as perguntas são dirigidas aos sacerdotes mostrando que
o campo de atuação deles — o culto a Deus e os estatutos da aliança — seria
o tema abordado (v.11): “Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Pergunta aos
sacerdotes o que diz a lei’”. A partir daqui, duas perguntas hipotéticas são
lançadas e suas respostas, coletadas para uso na argumentação adiante (v.14).
A primeira questão trata da santidade da oferta de carne segundo as
prescrições da lei (v.12): “‘Se alguém levar carne santificada na borda da
sua roupa e tal borda tocar no pão, no alimento cozido, no vinho, no
azeite, ou em qualquer alimento, ele estará santificado?’. Os sacerdotes
responderam: ‘Não!’”. Há aqui um tipo de pegadinha, pois a lei informava
que o que era santo também santificava tudo aquilo em que tocasse (Êx
29.37; Ez 44.19).[38] No caso específico da carne oferecida a Deus, a lei
dizia: “Tudo o que tocar na carne se tornará santo” (Lv 6.27a). Porém, o
quadro é mais complexo, pois, na questão hipotética de Ageu, a carne
santificaria a borda da roupa, na qual ela tocaria diretamente, e não os outros
alimentos citados, nos quais o toque não era direto. A questão é: a carne santa
santifica o que ela tocar; mas, sem um toque direto, a santificação não é
indiretamente retransmitida a outros. Por isso, quando Ageu pergunta “ele
estará santificado?”, o objeto do pronome “ele” é a expressão “qualquer
alimento”. A intenção parece ser aclarar o fato de que a presença de Deus
entre eles, santificando-os e abençoando-os, necessitava da existência do
templo, sem o qual, os benefícios da aliança lhes estavam vetados. Não
bastava estar na cidade santa, ou ser o povo escolhido. Eles tinham de estar
ligados diretamente ao Senhor em obediência e temor, o que seria externado
pelo seu interesse e execução da reconstrução da casa de Deus.
A segunda questão envolve a impureza ritual, abarcando o outro extremo
em relação ao versículo anterior (v.13): “Então, disse Ageu: ‘Se alguém,
que ficou impuro por encostar em um cadáver, tocar alguma dessas
coisas, tornar-se-á ela impura?’. Os sacerdotes responderam: ‘Tornar-
se-á impura!’”. Se a transmissão da santidade exigia condições especiais, a
transmissão da impureza ocorria com extrema facilidade de um para outro.
Várias coisas podiam tornar alguém ritualmente impuro em Israel,
impossibilitando-o de prestar culto a Deus no local devido e até de
permanecer no arraial israelita. Dentre elas estava a ação de tocar em um
cadáver (Nm 19.11). A hipótese de Ageu visava a uma realidade presente que
parece ser o fato de que o templo em ruínas parecia jazer como um cadáver
no meio da cidade, tornando-os impuros diante de Deus.[39] Por isso, o
profeta completa a ideia aplicando as conclusões aos judeus (v.14): “Então,
Ageu respondeu: ‘Assim é este povo e assim é esta nação diante de mim’
— declara o Senhor. ‘E assim são todas as obras das suas mãos e as
coisas que eles ali apresentam: são impuras’”. Novamente Deus se refere
ao povo de Judá como “este povo”, demonstrando seu tom de desaprovação
com respeito ao modo como se comportaram até que os buscou por meio de
Ageu em Zacarias. A frase, como um todo, revela a dupla realidade da
condição dos judeus que, por um lado, eram o povo escolhido e santificado
pelo Senhor, e, por outro, a nação que havia se tornado impura pelo pecado,
infidelidade e descaso para com Deus. “Assim é este povo” traça um paralelo
entre as duas perguntas e a condição dos judeus: eles não estavam
santificados por causa da ausência do templo e encontravam-se impuros pela
convivência aceitável como um cadáver simbólico na figura do templo em
ruínas. Apesar de terem voltado à terra santa e à santa cidade, o fato é que
eles se encontravam impuros por causa da desobediência, o que se revertia
também sobre “as obras das suas mãos” em termos de colheitas insuficientes
e de pobreza.[40]
Assim como nos casos previstos pela lei, a condição dos judeus da
Jerusalém pós-exílica tinha consequências (v.15): “Mas agora, deste dia em
diante, ponhais a vossa consciência sobre [o tempo] antes de colocardes
pedra sobre pedra no templo do Senhor”. Deus ordena ao povo que olhe
para trás e avalie o período antes do reinício da construção do templo. A
partir desse versículo, o tempo é algo muito importante e definido no texto
por causa das grandes mudanças que ocorreriam. Isso porque a pobreza e a
fartura tinham relação direta com o modo de agir dos israelitas em relação a
Deus e com o modo de o Senhor dispor da disciplina e da graça em relação
ao povo. Sem delongas, Deus lhes explica (v.16): “Antes daquele tempo,
quando alguém vinha para colher vinte feixes, só havia dez. Quando
alguém vinha ao lagar para produzir cinquenta medidas de vinho, só
obtinha vinte”. O Senhor lhes chama a atenção para o fato de que, por muito
tempo, eles vinham produzindo menos do que esperavam e do que
necessitavam para uma subsistência tranquila e aprazível. Ao associar essa
condição com o tempo “antes de colocardes pedra sobre pedra”, ele cria uma
relação de causa e efeito em que a carestia se devia à negligência quanto à
restauração do templo.
Isso se deu foi pelo envio de agentes naturais que frustraram os trabalhos na
lavoura (v.17): “Eu vos feri com pragas, com ferrugem e com granizo em
todas as obras das vossas mãos e nenhum de vós voltou a mim — declara
o Senhor”. O v.17 é uma citação adaptada dos dizeres do profeta Amós três
séculos antes: “‘Muitas vezes castiguei os seus jardins e as suas vinhas,
castiguei-os com pragas e ferrugem. Gafanhotos devoraram as suas figueiras
e as suas oliveiras, e ainda assim vocês não se voltaram para mim’, declara o
Senhor” (Am 4.9). A citação não visa apenas a mostrar a repetição dos
infortúnios, mas também a intervenção de Deus.[41] A disciplina divina
estava se repetindo porque, em ambos os casos, o povo agiu igual, sem
qualquer arrependimento — “nenhum de vós voltou a mim” —, revelando a
obstinação nos pecados de desobediência e negligência. Não é sem razão que
eles atravessavam dias tão difíceis e amargos.
Algo que não é declarado abertamente, mas que é claro como o dia, é a
condicionalidade. Fica evidente, diante da referida relação de causa e efeito
que, caso o povo se arrependesse, voltando-se a Deus em obediência, temor e
honra, sua nova condição espiritual produziria também uma nova condição
social segundo os parâmetros da lei (Lv 26; Dt 28). Por isso, depois de
descortinar a situação passada, Deus os traz a uma análise do presente (v.18):
“Deste dia em diante, o vigésimo quarto dia do nono mês, ponhais a
vossa consciência sobre [o tempo] desde o dia em que lançastes os
fundamentos do templo do Senhor. Ponhais a vossa consciência”. É
preciso, em primeiro lugar, determinar o momento que o profeta tem em
mente ao se referir ao “dia em que lançastes os fundamentos”. O início do
trabalho nos alicerces aconteceu alguns meses após o primeiro retorno de
judeus da Babilônia, doze anos antes do ministério de Ageu (Ed 3.10).[42]
Entretanto, a menção do v.18 tem relação com o reinício do trabalho a partir
dos fundamentos, já que a antiga obra não havia deslanchado. Basta notar que
todo o contexto trata de realidades mais imediatas. Assim, o período que está
em relevo envolve os últimos três meses, desde que voltaram à reconstrução.
A análise é clara e simples (v.19a): “Ainda há grãos no celeiro? Nem a
videira, ou a figueira, ou a romãzeira, ou a oliveira deram ainda frutos”.
A pergunta é meramente retórica, pois eles não tinham mais nada em seus
celeiros por terem tomado os últimos grãos a fim de os plantar, aproveitando
o período de chuvas, na esperança de obterem logo o tão necessário alimento.
Por outro lado, suas outras produções ainda aguardavam para dar a safra
anual. Em resumo, eles tinham investido tudo que possuíam e ainda não
tinham obtido o retorno. Ao dizer isso, talvez alguns judeus pensassem: “Que
bom que o Senhor tocou nesse ponto, pois já voltamos ao trabalho e até agora
nada aconteceu. Cadê a ‘causa e efeito’?”. Diante disso, o Senhor oferece a
eles a “grande virada” (v.19b): “Mas a partir deste dia eu vos abençoarei”.
A consequência é que os judeus, vítimas da infertilidade, seca, pragas e
carestia até então, teriam uma colheita inesquecível nesse ano, a qual
reverteria diametralmente as dificuldades que eles vinham enfrentando. A
“grande virada” em termos de relacionamento com Deus, marcada por
arrependimento e obediência, ia se encontrar com a “grande virada”
socioeconômica cuja causa era a graça de Deus e seu cuidado para com seu
povo amado e fiel. Com base nessa experiência, podemos até arriscar dizer
que sempre que a fidelidade dos servos se encontra com a imerecida graça de
Deus, há grandes mudanças.
Essa é uma lição muito atual. A igreja deve refletir em duas realidades
ligadas ao seu culto a Deus. A primeira é “o que ela está oferecendo a
Deus?”. A segunda é “como ela está oferecendo a Deus?”. A desobediência
às orientações divinas não são prerrogativas exclusivas do povo de Israel do
Antigo Testamento. Da mesma forma que aconteceu a eles, Deus não é
obrigado a receber um culto falho e manchado pelo mundanismo, egoísmo e
hipocrisia de pessoas mais ligadas aos próprios interesses que às orientações
reveladas nas Escrituras. E pode haver, ainda hoje, uma relação de causa e
efeito, ligada aos preceitos santos de Deus de obediência, temor e honra, que
torne crentes relapsos alvos do tratamento disciplinar do Senhor, motivo pelo
qual eles também devem “pôr sua consciência” nisso tudo. Outra lição que se
deve aprender é que é mais fácil ser acometido pela impureza do mundo que
pela santidade de Deus. A transmissão da impureza necessita de condições
mínimas como a simples negligência ou descaso por Deus, por sua palavra e
por sua vontade. Já a santidade exige determinação pessoal, disposição de
coração e dependência de Deus.
Olhando para tudo isso e fazendo uma análise pessoal, tentando identificar
as relações de causa e efeito no relacionamento com o Senhor — obviamente,
dosadas por sua graça —, o povo de Deus deve ter como objetivo vivenciar
uma “grande virada” na sua sujeição e adoração a Deus. Que o
arrependimento verdadeiro, o perdão genuíno, a santidade e a fidelidade
marquem a virada do nosso modo de servir a Deus! E que a graça
maravilhosa do nosso Salvador seja visível e marque a virada da nossa
existência nesse mundo, até que a morte ou o arrebatamento marquem a
“grande virada” da nossa condição mortal de pecadores para a condição
plenamente redimida da vida eterna!
AGEU 2.20-23
Tomando Parte na História da Redenção
O profeta Zacarias surge pregando aos judeus cerca de dois meses após o
primeiro discurso de Ageu repreendendo o povo por buscar o conforto dos
seus lares e deixar a casa de Deus em ruínas. Não se sabe o dia exato da sua
primeira pregação, mas ela não foi muito distante do segundo sermão de
Ageu feito aos judeus, quando eles já vinham trabalhando na reconstrução
havia três semanas, mas começavam a enfrentar os primeiros temores como
sentimento de incapacidade, devido à magnitude da obra, e preocupações
com sua subsistência, já que os celeiros estavam vazios e as colheitas
frustradas dos últimos anos não serviam agora de encorajamento. Dado o
momento em que Zacarias entra em cena, sua mensagem se coaduna com o
momento no qual “encorajamento” é a palavra de ordem das profecias. A
diferença marcante entre os dois profetas é que, enquanto Ageu prega seu
último sermão dois meses após o início do ministério de Zacarias, este
continua a falar ao povo por mais dois anos. Isso também faz com que a
quantidade de material produzido individualmente seja bem diferente. O
conteúdo da profecia de Zacarias está dividido em oito visões, quatro
mensagens e dois oráculos, exatamente nessa ordem.[49] Não obstante, assim
como para Ageu, para ele o arrependimento era o início do processo de
retorno ao Senhor, algo explícito no princípio do livro.
Como era um costume frequente da época, o livro começa com a data e com
a fonte da mensagem (v.1): “No oitavo mês do segundo ano de Dario, veio
a palavra do Senhor ao profeta Zacarias, filho de Berequias, filho de Ido,
dizendo”. Tendo já feito considerações sobre a data, resta-nos falar a respeito
do autor. Sobre a filiação de Zacarias, sabe-se que ele não tinha dois pais,
mas um pai e um avô aqui listados. A menção “filho de Ido” pode ser
compreendida de duas formas. A primeira, como pai de Berequias, como se
dissesse que Zacarias era filho de Berequias, o qual, por sua vez, era filho de
Ido. A segunda forma, consistente com a evidência bíblica e com o costume
antigo, é entender que Zacarias, sendo neto de Ido, era também chamado
filho, já que a referência filial muitas vezes apontava para a linhagem de
alguém (1Rs 15.11; 22.51; 2Rs 14.3; Mt 1.1,20; 9.27; Jo 8.39) — o versículo
seguinte lança mão do mesmo tipo de linguagem ao se referir aos
antepassados distantes do povo como “vossos pais”. O fato é que, apesar de
ser comum para nós o uso do termo “neto”, em algumas línguas, como o
hebraico, é mais natural o uso duplo de “filho”, assim como nesse caso.[50]
A identificação de Zacarias como “filho de Ido” ocorre outras vezes (Ed 5.1;
6.14), mesmo porque Ido era uma boa referência pessoal, por se tratar de um
dos sacerdotes que retornaram do cativeiro — o próprio Zacarias é listado
como um sacerdote descendente de Ido (Ne 12.16 cf. v.12). Como Ido era
vivo e atuante no ofício sacerdotal quando os judeus retornaram da Babilônia,
devemos imaginar que Zacarias não era muito velho, razão possível pela qual
ele é sempre citado depois de Ageu (Ed 5.1; 6.14).
O v.1 apresenta a dinâmica que marca a atividade profética na forma de o
Senhor falar diretamente a eles e os comissionar como mensageiros oficiais
das suas palavras. Assim, sem alongar a introdução, Zacarias passa à
mensagem em si (v.2): “O Senhor muito se irou contra vossos ancestrais”.
Ancestrais, nesse texto, é a tradução do que literalmente quer dizer “vossos
pais”. Entretanto, não é uma referência aos progenitores diretos daquela
geração, mas aos israelitas de muitas gerações anteriores, os quais, pela
incredulidade, desobediência e rebeldia, acumularam pecados que levaram a
nação a ser rejeitada como alvo de bênçãos e proteção divina e os conduziram
ao juízo por meio da invasão e cativeiro babilônicos. Para mostrar a
intensidade da ira de Deus, o verbo “irar-se” (qatsaf) faz um par com o
substantivo “ira” (qatsef) no texto hebraico, dando ênfase ao sentimento de
ira e sendo traduzido como “muito se irou”. Como uma famosa e antiga
tradução do Antigo Testamento para o grego, feita cerca de dois séculos antes
de Cristo — a Septuaginta —, acrescenta o adjetivo “grande” (megálen),
poderíamos também dizer: “O Senhor se irou contra vossos pais com grande
ira”. Tudo isso aponta para a rebeldia obstinada dos antecessores dos judeus a
ponto de provocar tal reação no Deus cujo caráter é marcado por amor,
misericórdia e paciência. Apesar de sabermos que o Senhor não perde o
controle, o texto visa a transmitir a ideia de que os israelitas de tempos
anteriores, em seu pecado, ultrapassaram todos os limites.
A simples menção da ira de Deus contra as gerações anteriores serve de
trampolim para um chamado à geração presente (v.3): “Portanto, dize a eles:
‘Assim diz o Senhor dos exércitos: voltai-vos a mim — declara o Senhor
dos exércitos — e eu me voltarei para vós — diz o Senhor dos
exércitos’”. Assim como ocorre no último versículo de Ageu, a insistência na
declaração de Deus eleva a importância da mensagem e lhe dá credibilidade,
de modo que não haveria dúvidas para aqueles judeus de que, se agissem
como Deus ordenou, seriam inevitavelmente abençoados. Também conferia
grande responsabilidade a eles com a certeza de que seriam punidos se
endurecessem o coração, como se o texto dissesse: “É pegar ou largar!”. A
relação condicional proposta por Deus não é nova, mas compatível com as
bênçãos pela obediência e as maldições pela rebeldia prescritas na aliança
mosaica (Lv 26; Dt 28). Assim, essa não é uma nova proposta, mas um novo
chamado à fidelidade.
Como motivação ao chamado, Deus expõe o povo à lembrança do castigo
dos seus antepassados (v.4): “Não sejais vós como foram vossos ancestrais,
a quem os primeiros profetas clamaram, dizendo: ‘Assim diz os Senhor
dos exércitos: convertei-vos dos vossos maus caminhos’, mas eles não
deram ouvidos, nem me atenderam — declara o Senhor”. A lembrança
não é apenas do castigo, mas do fato de o Senhor ter feito o mesmo chamado
às gerações anteriores. A decisão daquelas gerações e as consequências das
suas decisões são o material a ser avaliado pelos homens dos dias de Zacarias
para que também decidam como agir. O verbo hebraico “convertei-vos”
(shûvû) é o mesmo que no v.3 é traduzido como “voltai-vos”. Ele também
quer dizer “arrepender-se” e a escolha da tradução deve levar em conta o
contexto imediato. No v.3, a ideia é de relacionamento, já que Deus responde
voltando-se ao povo também. Contudo, no v.4, o verbo é associado aos
“maus caminhos” nos quais eles andavam. Nesse caso, o povo antigo deveria
ter vivenciado a dupla ideia de conversão que envolve arrependimento, por
meio do abandono do pecado, e retorno, no sentido de voltarem a obedecer a
Deus. Entretanto, eles resistiram e permaneceram no erro. A grande rebelião
contra o Senhor que eles protagonizaram é expressa tanto no pecado no qual
andavam como na rejeição de um convite tão amoroso como o que Deus lhes
fez, a quem eles “não deram ouvidos, nem me atenderam”, segundo as
palavras do Senhor.
Para evidenciar a responsabilidade que aquela geração tinha de escolher o
certo e de não agir como seus antecessores rebeldes, Deus propõe duas
perguntas retóricas (v.5): “Quanto aos vossos ancestrais: ‘Onde eles
estão?’. E quanto aos profetas: ‘Eles vivem para sempre?’”. A ausência
de resposta a essas perguntas mostra que ela era clara: “Estão todos mortos,
sejam os rebeldes, sejam os servos verdadeiros de Deus!”. Se a resposta não
deixa dúvidas, a função das perguntas dentro da argumentação divina não é
tão clara como desejaríamos. O ponto parece ser a celeridade com que a
decisão de obedecer a Deus deveria ser tomada.[51] Nem as antigas gerações,
nem os fiéis profetas de Deus podiam fazer qualquer coisa agora, nem
contribuir com nada além do exemplo que deixaram. A oportunidade que
perderam no passado não podia ser recuperada. Do mesmo modo que as
gerações anteriores, nem esses judeus, nem os profetas que estavam
ministrando entre eles durariam para sempre. A única coisa possível era essa
geração agir diferente e logo. E o tempo estava passando, de modo que o
atraso em obedecer lhes custaria caro. Outra implicação é o fato de que os
profetas do passado, apesar de deixarem mensagens preciosas, não estavam
mais entre eles, razão pela qual aqueles judeus deviam dar ouvidos aos
profetas da sua geração.
A partir desse ponto, Deus deixa de apontar para as gerações de um passado
longínquo e mostra como sua palavra impactou a geração imediatamente
anterior (v.6a): “Não é certo que as minhas palavras e os meus preceitos
que ordenei aos meus servos, os profetas, alcançaram os vossos pais?”.
Nesse caso, a expressão “vossos pais” — a mesma em hebraico presente nos
vv.2,4,5 — faz menção a outro grupo, visto que a reação desses, expressa na
segunda parte do v.6, é exatamente oposta à dos antigos ancestrais. Desse
modo, “vossos pais”, nesse versículo, é uma referência aos pais de fato, os
antecessores diretos daquela geração, os quais, sofrendo as consequências do
juízo divino no cativeiro babilônico, realmente se arrependeram e voltaram
ao Senhor. Se os “pais” são pessoas diferentes em relação aos versículos
anteriores, o teor da mensagem era exatamente o mesmo.[52] O Senhor ainda
os chamava ao arrependimento com base nas mesmas instruções e acordos.
Apesar de os profetas do passado terem morrido, as mensagens que eles
trouxeram da parte de Deus não passaram.[53] Ao contrário, tudo aconteceu
exatamente como Deus estabeleceu e avisou (v.6b): Assim, eles se
converteram e disseram: ‘Do modo como o Senhor dos exércitos
planejou fazer a nós, de acordo com os nossos caminhos e com nossos
feitos, assim ele fez para conosco’”. Diferente dos ancestrais rebeldes, esses
se arrependeram, mudaram o comportamento e buscaram o Senhor. É notável
a diferença na reação dos que foram ao exílio. Em primeiro lugar, eles
aceitaram a palavra de Deus e reconheceram seus pecados, atribuindo aos
próprios erros o fato de estarem longe da terra da promessa e das bênçãos da
aliança. Em segundo lugar, essa percepção e o desenvolvimento de um
coração tratável os levaram ao arrependimento. Se o exemplo das gerações
rebeldes era o modelo a não ser seguido, os judeus deviam imitar seus pais e
corrigir seus próprios pecados, passando a obedecer e servir a Deus.
Como igreja de Cristo no século 21, devemos notar nessa mensagem que o
encorajamento e a esperança promovidos pelo Senhor não andam longe do
temor e da reverência. O servo de Deus deve obedecê-lo e honrá-lo porque o
ama profundamente e lhe é grato por todas as bênçãos imerecidas. Entretanto,
visto ser Deus santo e justo, os servos devem também fugir do pecado e da
rebeldia por temerem a disciplina do Senhor que, segundo o autor de
Hebreus, apesar de produzir o bem nos servos, não é considerada razão de
alegria quando é executada (Hb 12.11), razão pela qual o temor deve produzir
correção e acerto (Hb 12.12,13). Nesse sentido, a recordação da disciplina e
das consequências enfrentadas por causa dos pecados tem um papel
importantíssimo. O servo de Deus pode olhar para sua própria história, em
suas experiências de correções efetuadas por Deus, e para a história de outros
que passaram por isso. E conforme o raciocínio que Zacarias sugere, parece
ser bem mais sábio aprender a partir da experiência alheia que aguardar, a
duras penas, reunir experiência pessoal de sofrimento.
Na verdade, as Escrituras, dentre suas funções, foram dadas para nos
ensinar por meio da história de outros homens, alguns que acertaram e outros
que erraram e sofreram as consequências. Diz o apóstolo Paulo: “Estas coisas
lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de
nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado” (1Co 10.11). Então,
olhe para o que a Bíblia ensina e para o que aconteceu aos homens que a
obedeceram e aos que se rebelaram, seguindo o exemplo dos bons servos que
se arrependeram do mal e buscaram o Senhor de coração. Se você aprender
essa lição, será a vez de o Senhor lhe encorajar e lhe encher de esperança.
ZACARIAS 1.7-17
O Zelo de Deus por Seu Povo
Esse texto contém a primeira das oito visões de Zacarias, a qual tem como
cerne a figura de vários cavalos e o relatório que prestam sobre as nações,
com a finalidade de garantir que Deus estava no pleno controle dos
acontecimentos e do destino das nações.[54] As oito visões de Zacarias, a
maioria delas acrescidas de oráculos que explicam seu sentido, estão assim
divididas: 1.7-17(primeira), 1.18-21(segunda), 2.1-13 (terceira), 3.1-10
(quarta), 4.1-14 (quinta), 5.1-4 (sexta), 5.5-11 (sétima) e 6.1-15 (oitava). Elas
têm como função encorajar os judeus na tarefa de reconstrução do templo,
garantindo a eles as bênçãos de Deus para o seu presente e para o futuro. Essa
seção é iniciada com a ocasião em que o profeta teve tais visões (v.7): “No
vigésimo quarto dia do décimo primeiro mês — o mês chamado Sebate
— do segundo ano de Dario, veio a palavra do Senhor ao profeta
Zacarias, filho de Berequias, filho de Ido, nestes termos”. “Sebate” é o
nome babilônico do décimo primeiro mês do calendário usado entre eles,[55]
de modo que o dia em questão corresponde a 15 de fevereiro de 519 a.C., três
meses após a primeira mensagem de Zacarias (Zc 1.1-6) e dois meses após o
último pronunciamento de Ageu. Essa parece ser a data em que o profeta teve
todas as oito visões, sendo suprido, assim, de material suficiente para
incentivar e encorajar o povo nos quatro anos que ainda restavam para se
concluir a obra do templo.
Durante a noite, mas não dormindo, Zacarias tem a visão que relata no livro
(v.8): “Tive uma visão durante a noite. Eis que um homem estava
montado sobre um cavalo marrom. Ele estava parado entre as murteiras
que havia no vale. Atrás dele havia cavalos marrons, baios[56] e
brancos”. Muitas versões trazem a descrição da cor do primeiro cavalo como
“vermelha”. Apesar de a mesma palavra hebraica também significar
“marrom”, “castanho” ou “pardo”,[57] a tradução possível usando o
vermelho não deve nos fazer imaginar um quadro surreal, fora da realidade
que conhecemos, mas uma referência que ainda é usada nos nossos dias aos
animais amarronzados. Desse modo, a visão evoca um cavaleiro em
condições normais. O que o torna singular, no decorrer do texto, é sua
identidade descrita como “anjo do Senhor” (vv.10,11). A respeito das
“murteiras”, trata-se de arbustos típicos de beiras de rios, muitos dos quais
atravessam as partes mais baixas de um “vale”. Apesar de haver muitas
sugestões sobre o significado desse vale como sendo aquele defronte a
Jerusalém ou uma referência a um mito antigo no qual a casa dos deuses era
localizada em um vale, a ausência de explicação e aplicação para o local aqui
descrito parece indicar apenas um ponto natural de encontro e de descanso de
uma comitiva. Quanto às diversas cores dos cavalos junto ao cavaleiro
principal, elas produzem a ideia, na mente do leitor, de um grupo grande e
não de uns poucos animais. Dado que eles prestaram esclarecimentos sobre
sua missão (v.11), é possível — mas não obrigatório — que tais animais
estivessem sendo montados por outros cavaleiros, os quais seriam os reais
autores do relatório.[58]
Zacarias, então, entra em cena (v.9): “Então, perguntei: ‘Quem são esses,
meu senhor?’. E o anjo que falava comigo me respondeu: ‘Eu te
mostrarei quem são esses’”. Esse “anjo que falava comigo” não é a mesma
pessoa montada no cavalo marrom, mas é um mensageiro do Senhor a fim de
ajudar Zacarias a compreender as visões (Zc 1.9,13,19; 2.3; 4.1,4,5; 5.5,10;
6.4). Dando seguimento, esse anjo parece fazer voltar novamente os olhos de
Zacarias para a visão, onde a resposta é dada pelo cavaleiro principal (v.10):
“Então, respondeu o homem que estava parado entre as murteiras,
dizendo: ‘Esses são os que o Senhor enviou para percorrerem a Terra’”.
A figura de cavalos enviados por todo o território era uma prática comum no
controle de um reino ou um império. A busca por informações recentes
garantia a supremacia real e militar de um soberano. Era também uma
maneira de demonstrar por toda parte que o rei não estava desatento e que,
mesmo de longe, dominava de fato todo seu território. Desse modo, parece
que Deus quer lembrar seus servos da sua supremacia sobre o mundo, sobre
as nações e sobre os rumos da história, ainda que eles vivessem dias difíceis
que os faziam se esquecer de tais verdades e achar que o Senhor havia
deixado de agir.
A explicação a Zacarias, registrada no v.10, parece exercer também a
função de uma pergunta dirigida aos cavalos, já que eles a respondem (v.11):
“Eles responderam ao anjo do Senhor que estava parado entre as
murteiras, dizendo: ‘Nós percorremos a Terra e eis que toda a Terra está
repousada e calma’”. Esse é o relatório dos emissários que percorreram a
Terra, a qual pertence a Deus. O resultado era calmaria. Apesar de parecer
uma boa notícia, o v.15 coloca esse fato sob uma óptica negativa devido às
razões dessa paz. O fato é que a ausência de conflito não se devia a uma paz
coletiva em benefício da humanidade, mas ao domínio inexorável do império
Medo-Persa, o qual sujeitou as nações de toda aquela região e tirava
vantagem da situação, sem que ninguém lhe pudesse fazer oposição. Desse
modo, a paz do império significava sujeição, vergonha e miséria em Judá.
Por causa da situação desfavorável do povo eleito de Israel, o texto seguinte
contém um clamor pela nação (v.12): “Então, respondeu o anjo do Senhor,
dizendo: ‘Ó Senhor dos exércitos, até quando tu não terás compaixão de
Jerusalém e das cidades de Judá contra quem tu estás indignado neste
[período] de setenta anos?’”. A identidade desse “anjo do Senhor” é difícil
de determinar. É possível, contudo, distingui-lo claramente do “anjo que
falava comigo” que aparece várias vezes nos seis primeiros capítulos de
Zacarias. Quanto ao “anjo do Senhor”, ele só reaparece em Zc 3.1,2, onde ele
é o próprio Senhor. O tom do clamor parece indicar o pedido de providências
de um servo ao seu Senhor, pelo que, inclusive, utiliza o pronome pessoal
“tu” (’attâ) para lhe dirigir o clamor, demonstrando se tratar de outra pessoa.
Entretanto, é também possível que se trate de um caso, aclarado
principalmente pela teologia do Novo Testamento, em que pessoas da
trindade ocupem tanto o lugar do “anjo do Senhor” como do Senhor em
pessoa a quem o primeiro se dirige. Uma proposta compatível com essa
visão, talvez extemporânea, é a de uma cristofania, ou seja, uma aparição de
Cristo na forma daquele cavaleiro.[59]
Sobre os “setenta anos”, uma conclusão apressada é associá-los à referência
feita por Jeremias (Jr 25.11,12; 29.10), à qual descreve os setenta anos de
existência e domínio do império Neobabilônico, desde 609 a.C., com o fim
do trono assírio na queda de Aram,[60] até 539 a.C., com a queda da
Babilônia diante de Ciro. Os setenta anos citados no v.12, pelo uso da palavra
“este” (zeh), parece ser o período que estava para se completar, o qual teve
início em 587 a.C. com a destruição de Jerusalém e do templo do Senhor e
com traslado dos judeus para a Babilônia. Com isso, o anjo está clamando
pela cidade com base no fato de que o juízo sobre ela tinha prazo para acabar.
Se o Senhor até agora havia se mostrado irado contra os pecados de Israel,
passou então a demonstrar outra disposição com relação ao povo (v.13):
“Mas o Senhor respondeu ao anjo que falava comigo dizendo palavras
bondosas, palavras de conforto”. Não obstante, as palavras serem dirigidas
ao anjo mensageiro, os beneficiários da bondade divina e do consolo eram os
judeus que estavam afadigados pela obra que tinham diante de si em uma
cidade de muros derrubados, recebendo oposição dos vizinhos e sob o fardo
do domínio de outra nação. Imediatamente, o profeta foi imbuído da missão
de repassar a mensagem bondosa aos seus compatriotas (v.14): “Então, o
anjo que falava comigo me disse: ‘Proclama o seguinte: Assim diz o
Senhor dos exércitos: Eu zelo grandemente por Jerusalém e por Sião’”.
A ação traduzida como “zelar” também quer dizer “se enciumar”. Tirando
todos os aspectos negativos do ciúmes humano — que envolvem orgulho,
interesses pessoais e egoísmo —, é o que Deus afirma sentir pela cidade que
escolheu e, obviamente, pelo seu povo que lá colocou para habitar. Isso
implica não apenas um sentimento de posse e de proximidade como atitudes
práticas que revelam um grande zelo pelo povo que lhe pertence. É como
dizer que ele cuida pessoalmente do seu povo e do destino que planejou para
aquela cidade. A menção de Sião ao lado de Jerusalém tanto pode ser um
sinônimo como uma alusão ao trono de Davi, já que ele é frequentemente
associado ao monte Sião devido ao fato de tê-lo conquistado na tomada da
cidade (2Sm 5.9, “Cidade de Davi”) — tal conexão dentro da visão não é
enfática, nem necessária, mas é complementar à ideia da restauração
nacional.
O zelo divino por seu povo, a ser revelado em uma inversão mundial de
poder, começaria a se manifestar sobre os inimigos (v.15): “E estou
profundamente irado contra as nações arrogantes, pois eu estava um
pouco irado, mas elas agravaram o mal”. “Nações arrogantes” é a ideia
final produzida pela expressão literal “nações tranquilas” ou “nações que
vivem tranquilamente”. Contudo, viver tranquilamente não é errado nem
passível da ira de Deus, já que a própria Jerusalém terá tranquilidade no
futuro (Is 32.18).[61] O que aconteceu às nações para exacerbar a ira de Deus
é que sua tranquilidade se dava com prejuízo da tranquilidade do povo de
Deus, a quem dominavam e desprezavam. Assim, a confiança em seus meios
militares, os quais lhes garantiam a tranquilidade, transformava a favorável
situação de paz em ocasião de arrogância e irreverência diante do Senhor e do
seu povo. Desse modo, tais nações, instrumentos de Deus para a punição
temporária de Israel, foram além da sua função e praticaram tanta maldade
que atraíram maior ira do Senhor, tornando-se elas mesmas os alvos da
punição divina prevista nas Escrituras.
O zelo de Deus sobre seu povo, metaforicamente descrito por sua capital
política, também se faria ver (v.16): “Portanto, assim diz o Senhor: ‘Eu me
voltei para Jerusalém com compaixão. Minha casa será nela construída
— declara o Senhor dos exércitos — e uma fita métrica será estendida
sobre Jerusalém’”. A primeira declaração expressa o apaziguamento de
Deus e o fato de que suas promessas, feitas no passado, não ficariam
esquecidas, nem infrutífero o relacionamento iniciado e prometido no
chamado de Abraão. A primeira evidência disso seria o bom êxito na
reconstrução do templo. Independente do esforço dos inimigos de Judá para
paralisar as obras, ela seria completada. Em segundo lugar, a cidade seria
reconstruída. A menção a uma fita métrica estendida sobre a cidade tem
relação com os preparativos para uma grande edificação, marcando o
território a ser ocupado[62] — como fez Neemias, quase oito décadas depois,
ao circundar a muralha caída a fim de organizar a obra de reconstrução (Ne
2.11-15) —, ou com um tipo de conferência de uma obra recém-edificada e
inaugurada (Ez 40.5; Ap 21.15).
A visão se encerra com uma proclamação de alto impacto nas esperanças
daquele povo (v.17): “Proclama novamente, dizendo: ‘Assim diz o Senhor
dos exércitos: A minha cidade transbordará outra vez de riquezas, o
Senhor novamente consolará Sião e escolherá novamente Jerusalém’”. O
primeiro fator a ser levado em conta, difícil de passar despercebido, é a
repetição insistente da palavra “novamente” ou “outra vez” (‘ôd). O profeta é
chamado a “novamente” pregar que o Senhor “novamente” beneficiará
Jerusalém, o que é colocado de três modos diferentes, mas complementares.
A ideia é que o tempo de juízo chegaria ao fim e as bênçãos do Senhor
retornariam. Se Ageu havia prometido que Deus proveria o segundo templo
das riquezas necessárias para seu término e de uma glória maior que a da
primeira construção (Ag 2.6-9), Zacarias prevê o bem nacional, na figura da
capital, a qual também seria provida de riquezas, seria resgatada do
sofrimento e do desfavor pelo Senhor e voltaria a ser tratada como cidade
escolhida do povo eleito. Deve-se notar que Deus não desistiu da sua escolha
para depois escolher novamente, mas sim que ele voltaria a tratar o povo que
escolheu sob os privilégios de um povo eleito.
Apesar de todas essas promessas terem um foco bastante localizado, tanto
geográfica como etnicamente, ver o Senhor agir desse modo nos recorda que
seu tratamento é bondoso, compassivo e consolador para com aqueles que lhe
pertencem. Por isso, nossas esperanças de futuro se fundem com as
esperanças do povo de Israel no sentido de aguardarmos a restauração
mundial na qual nosso Deus punirá os pecadores arrogantes e não tementes a
ele e beneficiará, pela graça, as pessoas a quem escolheu resgatar do pecado
pela fé em Jesus. Isso deve também nos fazer acolher uma condição serena
em vez de impulsos de revolta quando os ímpios parecem impunemente
ajuntar maldades sobre maldades, sabendo que Deus, um dia, pedirá contas
de tudo e derramará sua ira sobre os perversos. Se essa visão e as lições
decorrentes dela trouxeram vigor a um grupo não muito grande de
construtores para que terminassem o templo do Senhor em Jerusalém, o que
fará a nós, cristãos, diante dos desafios que temos no sentido de proclamar o
evangelho de Cristo e de viver para a glória de Deus em um mundo como o
nosso?
ZACARIAS 1.18-21
O Contra-ataque do Senhor
Nos seus dias de glória, Israel chegou a ser um modesto império, exercendo
influência e recebendo tributos de nações ao redor durante o reinado de Davi
e Salomão. Entretanto, depois da divisão do reino em dois países — Israel ao
norte e Judá ao sul —, o povo se viu, muitas vezes, oprimido por nações
vizinhas. Porém, suas derrotas marcantes ocorreram quando a Assíria
destruiu Samaria (722 a.C.), capital do reino do norte, exilando os israelitas
em Hala, cidade localizada a nordeste de Nínive (2Rs 17.3-6), e quando os
babilônicos destruíram Jerusalém (587 a.C.), capital do reino do sul,
trasladando seus moradores para a Babilônia (2Cr 36.17-21). A segunda
visão do profeta Zacarias traria à mente dos judeus esses tristes momentos da
sua história, mas não para os desanimar. Ao contrário, a intenção da visão era
produzir coragem e esperança, tendo como base a certeza da punição dos
inimigos.
Ao que tudo indica, a visão tem lugar logo após a anterior, dada a ausência
de uma introdução que ofereça detalhes introdutórios ou a data. Zacarias
simplesmente relata o que ocorreu (v.18): “Eu levantei os meus olhos e vi:
Eis que havia quatro chifres”. É provável que a visão desses chifres
envolva também os animais que os possuíam, como touros, os quais podem
ser afugentados (v.21).[63] A menção específica aos chifres se deve ao uso
metafórico desses que, interpretados em relação à situação real de vida
naqueles dias, representava o poderio militar de um país.[64] Assim como o
chifre é a poderosa e perigosa arma de um touro, os recursos militares de um
rei e de uma nação constituíam o poder que tinham de abater e subjugar
povos vizinhos. Por isso, uma invasão e destruição militar costumava, na
época, ser representada pela figura de um touro ao “levantar o chifre” (v.21),
movimento usado por esses animais para desferir seus golpes fortes e
destroçadores. Há quem interprete a ação de levantar o chifre como um ato de
arrogância assim como dos homens que levantam suas cabeças em posição de
desafio, mas isso não condiz muito com a figura do touro que, de modo
contrário, desafia os inimigos e demonstra poder abaixando a cabeça e
ficando em posição de ataque.
A visão de Zacarias parece ser imóvel. Os chifres não estavam fazendo
nada, de modo que o que intriga o profeta não é a função deles, mas sua
identidade (v.19): “Então eu perguntei ao anjo que falava comigo: ‘O que
é isso?’. E ele me respondeu: ‘Esses são os chifres que espalharam Judá,
Israel e Jerusalém’”. A resposta aponta para uma ação passada dos chifres:
o espalhamento do povo de Judá e de Israel e, em especial, a cidade de
Jerusalém — local em que Zacarias está pronunciando sua mensagem.
Quanto à identidade dos quatro chifres, algumas sugestões oferecidas pelos
teólogos ao longo da história são “assírios, babilônicos, medos e persas” ou
“assírios, egípcios, babilônicos e medos-persas” — se pensarmos nos povos
que os haviam subjugado até aqueles dias —, ou ainda “babilônicos, medos-
persas, gregos e romanos” — se pensarmos na explicação usual a respeito do
sonho de Nabucodonosor interpretado por Daniel (Dn 2). As primeiras
possibilidades vislumbrariam o cumprimento da segunda visão de Zacarias
imediatamente na forma de proteção contra os inimigos da reconstrução do
templo,[65] enquanto a última possibilidade, o cumprimento escatológico que
melhor condiz com o livro de Zacarias e com a ideia da própria visão de
abatimento do poder das nações. Outra possibilidade seria a sucessão de
impérios — sucessão já iniciada naqueles dias —, de modo que o mesmo
reino em determinada ocasião seja um dos “artífices” dessa visão, tomando o
lugar de outro, para depois ser um dos “chifres” a serem abatidos pelo seu
sucessor. Uma probabilidade adicional é a de os quatro chifres serem as
nações vislumbradas por Daniel, enquanto os quatro artífices sejam o próprio
Messias, com a dificuldade de que as nações deveriam ser apenas aquelas
que, até os dias de Zacarias, “espalharam Judá, Israel e Jerusalém”.
O fato é que nenhuma dessas possibilidades consegue ser completamente
satisfatória ou suficientemente abrangente, mesmo porque o texto não avaliza
qualquer delas. Por isso mesmo, há que se considerar que o número dos
chifres pode não querer apontar para nações agressoras específicas, mas para
a totalidade dos inimigos do povo de Israel que se levantam para guerrear
com eles e tentar frustrar o que Deus prometeu lhes fazer. Nesse sentido, não
é impossível que número quatro seja entendido como uma referência à
“completude” ou que represente os inimigos dispostos nas quatro direções
(Norte, Sul, Leste e Oeste).[66] De qualquer modo, considerar a descrição
com uma referência geral também nos isenta de ter de definir a identidade
dos artífices (v.20) e a razão do seu número, entendendo simplesmente que
eles são quatro, no texto, para se contrapor aos inimigos e os derrotar com um
poder que lhes supera a força.
Apesar de já termos comentado sobre os contrapontos dos chifres, eles só
surgem no versículo seguinte (v.20): “Em seguida, o Senhor me mostrou
quatro artífices”. Muitas versões traduzem a palavra “artífice” (harash)
como “ferreiro”. “Artífice” é a palavra genérica para um artesão sem lhe
definir a especialidade, podendo ele trabalhar com madeira, pedra ou metal.
[67] Desse modo, o próprio ferreiro é um artífice, sem, contudo, que todo
artífice seja um ferreiro. Por isso, deve-se entender aqui que nem a palavra
especifica um artífice de metais, nem a figura exige ou combina com a
função. A única razão para se entender que os artífices aqui são ferreiros é
interpretar que os chifres da visão são feitos de ferro, o que é extrapolar o
texto. Isso talvez se faça a partir da comparação com Miqueias 4.13, que
associa o chifre ao ferro, porém, em outra ocasião, com outra nação e com a
intenção de representar a durabilidade de Israel contrária à transitoriedade das
nações inimigas presente no texto de Zacarias. Apesar de o ferro ser um fator
fundamental na fabricação das armas de guerra daquele contexto, a figura da
visão representa os exércitos inimigos de Israel como touros ferozes armados
com seus próprios chifres — mesmo que os touros não sejam citados, a ideia
do poder de um chifre é dependente do seu uso em um ataque. Sendo assim, o
artífice em questão, capaz de produzir terror nos chifres (v.21), deve ser
entendido como aquele que trabalha e esculpe cornos bovinos. O terror vem
do fato de ser necessário que o touro seja abatido e o chifre extraído da sua
cabeça para que esse artesão efetue seu trabalho — uma ótima figura para a
ideia de Deus abater as nações inimigas de Israel e Judá.
Dessa vez, Zacarias se preocupa menos com a identidade dos artífices que
com sua função (v.21): “Então eu perguntei: ‘O que esses vieram fazer?’.
Ele respondeu o seguinte: ‘Esses são os chifres que espalharam Judá de
modo que homem algum levante sua cabeça. Mas vieram esses [artífices]
para os aterrorizar e para expulsar os chifres das nações que levantaram
o chifre contra a terra de Judá para a espalhar’”. A pergunta de Zacarias
é intrigante, pois demonstra uma percepção de que algo ocorreria. Se os
chifres representavam ações passadas, o profeta percebe que os artífices
estavam ali para executar algo iminente.[68] A resposta demonstra que o
abatimento poderoso das nações inimigas não era gratuito. Quando essas
nações “espalharam” os moradores de Judá — e de Israel (v.19) —, o
resultado foi que homem algum pôde levantar a cabeça. Isso tanto aponta
para a impossibilidade que o povo teve de resistir os inimigos como para a
condição humilhante a que foram sujeitados. O texto deixa transparecer uma
força excessiva e um tratamento cruel desnecessários em uma conquista
militar que, na verdade, acabou por agravar a ira do Senhor contra os
dominadores (Zc 1.15). Assim, quando o Senhor repete (cf. v.19) o que os
inimigos fizeram a Judá, essa declaração tem o tom de uma sentença judicial.
A ideia final é que, como resposta ao domínio estrangeiro cruel e como
ação defensiva em relação ao seu povo, o Senhor enviaria seus artífices para
“aterrorizar e para expulsar os chifres das nações”. Nenhum dos inimigos de
Israel, cujas ações lhe trouxe sofrimento e humilhação, jamais foi fraco ou
covarde. Entretanto, a ação prevista por Deus nessa visão pinta o quadro de
uma retaliação com poder tal que mesmo os mais poderosos inimigos seriam
tomados de pavor e inexoravelmente vencidos. O caráter permanente da
expulsão dessas nações não é declarado, mas tal declaração nem é necessária.
Está claro que o abatimento seria definitivo, o que volta novamente os nossos
olhos para o futuro e para o resultado dessa ação na forma de Israel e Judá
não apenas vindicados pelo mal que receberam, mas plenamente
restabelecidos (Jr 30.3; Ez 36.23-36). Nem é preciso argumentar a respeito
dos efeitos dessa mensagem sobre a coragem, o ânimo e a esperança dos
judeus diante da tarefa tão árdua que tinham de realizar e diante de ameaças
tão temíveis que tinham diante de si.
Essa visão nos lembra de verdades que nos são úteis ainda hoje. Nós
também, como povo de Deus separado para sua glória e que luta para se
santificar e agir de modo a honrar e anunciar a mensagem do nosso Senhor,
sofremos ao ver um mundo imerso nas trevas, na devassidão e na injustiça.
Assim como o escritor do Salmo 73, nós também ficamos estupefatos com a
maldade crescente e, principalmente, com a impunidade dos injustos. Como
aquele salmista, também corremos o risco de desanimar e de achar que os
maus nunca serão punidos pelo dolo das suas ações. Entretanto, a visão de
Zacarias nos lembra que o Senhor é Deus sobre justos e injustos. Aos
justificados pela fé em Cristo, ele tem reservado promessas de cuidado e de
bênçãos futuras que nem podemos compreender totalmente por enquanto.
Mas aos injustos, o Deus da justiça reserva suas sentenças condenatórias a
serem cumpridas temporalmente, por meio de eventuais inversões das
condições de vida, e, eternamente, por meio da condenação definitiva do
pecado dos incrédulos. Saber disso não diminui nosso sofrimento quando
somos perseguidos e injustiçados por servir o Senhor Jesus Cristo, mas
certamente nos consola por sabermos que temos um protetor que nos ama,
nos encoraja a continuarmos firmes e nos enche de esperança de um dia,
glorificados, habitarmos para sempre com aquele que nos preparou morada
ao seu lado.
ZACARIAS 2.1-5
A Cidade Habitada e Protegida
ZACARIAS 2.6-13
Quando o Senhor se Levantar
Assim que Zacarias relata aos judeus sua terceira visão (Zc 2.1-5), ele passa
a transmitir ordens e orientações dadas por Deus na forma de um oráculo. Ele
inicia com um alerta bastante chamativo (v.6): “Ei! Ei! Fugi vós da terra do
Norte — declara o Senhor —, pois eu vos dispersei como os quatro
ventos dos céus — declara o Senhor”. A interjeição “ei!”, duas vezes nesse
versículo e uma vez no seguinte, tem a função de promover um alerta
relacionado à importante mensagem que será dita e um chamado à pronta.
Esse contém várias ordens expressas por meio de verbos na forma
imperativa: “fugi vós” (v.6), “livra-te” (v.7), “exulta”, “regozija” (v.8) e
“cale-se” (v.13) — as quatro primeiras ordens são dirigidas aos judeus,
enquanto a última é um chamado geral à humanidade. No v.6, a ordem é
“fugi vós da terra do Norte”. O ato de fugir ou escapar é claro, de modo que a
pergunta a se fazer é “fugir de quê?” ou “fugir por que?”. Para responder é
preciso notar que os judeus exilados não estavam sob ameaça dos seus
dominadores. Apesar do risco que correram adiante, nos dias de Ester, o
Senhor garantiu sua sobrevivência, assim como o fez em todas as ocasiões
em que as nações se levantaram para exterminar o povo de Israel, pelo que
ainda existem.
No geral, os exilados eram tidos como necessários nas terras onde estavam
pelos serviços que prestavam. Desse modo, não parece se tratar de uma fuga
de perseguições. Isso fica mais claro quando, adiante, o texto revela que Deus
se levantaria contra aquelas nações vizinhas para puni-las pelo que fizeram ao
seu povo, de modo que ficar no meio de tais nações, adaptado aos seus
valores e modo de vida, era se arriscar a sofrer com elas. Isso concorda com a
ordem do versículo seguinte, de modo que supor que o propósito de “fugir”
seria apenas ajudar a construir o templo em Jerusalém, é ir além do que o
texto expressa — esse propósito, contudo, pode ser associado como motivo
secundário e consequente, dado o fato de que Deus viria a beneficiar
Jerusalém e seu povo, trazendo-lhes grande alegria (v.10).
Nesse sentido, voltar da “terra do Norte” não é diferente de voltar de todo
lugar, aos “quatro ventos”, para onde foram espalhados. Como as invasões
dos impérios que dominaram Israel normalmente vinham pelo Norte, mesmo
por parte de reinos do leste como a Babilônia,[76] por causa do deserto onde
hoje é a Jordânia, as Escrituras costumam usar a figura de “exércitos do
Norte” como instrumentos de Deus para a oposição e punição do povo
israelita (Ez 38.15; Jl 2.20) e as “terras do Norte” como local do seu exílio e
de onde eles deveriam retornar (Is 43.5,6; 49.12; Jr 3.12; 31.8). Assim, o v.6
contém uma ordem de retorno geral, para a terra da promessa, de todos os
judeus exilados no mundo. Ao fazer isso, o texto volta nossos olhos para o
futuro escatológico, quando se dará tal processo de retorno à terra da
promessa: “Naqueles dias a comunidade de Judá caminhará com a
comunidade de Israel, e juntas voltarão do norte para a terra que dei como
herança aos seus antepassados” (Jr 3.18, cf. v.17).
A ordem prossegue (v.7): “Ei, Sião! Livra-te, ó tu que habitas com a filha
da Babilônia”. A expressão “filha da Babilônia” é um modo de se referir aos
babilônicos que residiam dentro da capital do seu país — assim como a
expressão “filha de Sião” (v.10) aponta para os habitantes de Jerusalém. É
certo que não havia judeus morando apenas dentro das muralhas da
Babilônia, mas também ao seu redor e por vários outros países do mundo —
como Egito, Assíria, Pérsia, além de outras terras —, de modo que se dirigir
aos israelitas que habitavam na “filha da Babilônia” era usar essa expressão
como uma figura de linguagem para se referir não somente aos moradores da
cidade em si, mas de todo o país e das demais terras para onde foram. É certo
que há vários outros modos de se referir às terras do exílio, de modo que a
Babilônia, aqui, deve ter sido escolhida por Deus por ser a fonte do maior e
mais recente desterro do povo de Israel com quem o Senhor falou por meio
de Zacarias.
A explicação da razão das ordens dadas nos vv.6,7 surge a partir do texto
seguinte, certamente o versículo mais difícil de se traduzir de todo o capítulo
(v.8): “Pois assim diz o Senhor dos exércitos: “Aquele que vos fere, fere a
menina dos meus olhos” — de modo que, a fim de trazer glória, ele me
enviou contra as nações que vos saquearam”. A primeira parte do texto
apresenta o zelo de Deus pelo seu povo como razão pela qual ele puniria os
povos que abateram Israel e Judá. A promessa de juízo não é declarada
abertamente, mas nem é preciso. O fato de “a menina dos olhos” (lit. “a maçã
do olhos”) de Deus ter sido atacada, obrigatoriamente nos leva à ideia de que
o Senhor vindicaria seu povo amado pelo tratamento severo que recebeu dos
inimigos. Se isso é claro e fácil de captar, a segunda parte do texto nos leva a
questionamentos mais difíceis de serem resolvidos. O principal deles é a
“identidade” do interlocutor que fala ao profeta e que foi enviado por Deus
contra as nações para promover glória.
A sugestão de ser o próprio profeta esbarra no fato de que, além de anunciar
as palavras de Deus, Zacarias não exerceu nenhuma função militar, nem viu
cumpridas em seus dias as promessas de retorno dos israelitas dos “quatro
ventos”, nem o abatimento dos inimigos sob Israel (v.9), nem tampouco as
nações buscando a Deus (v.11). Se alguém quiser propor que se trata do “anjo
que falava comigo” ou de algum outro ser angelical, terá de explicar como
esse anjo poderá exercer uma função tão proeminente a ponto de comandar as
nações de Israel e de todo o mundo como se lhe pertencessem (v.11). A
melhor sugestão é se tratar do próprio Messias.[77] Assim, quem fala ao
profeta é, ao mesmo tempo, alguém enviado pelo Senhor e apto a reinar sobre
o mundo, dizendo “serão o meu povo” (v.11). Associando esses dizeres à
terceira visão de Zacarias, não é nada absurdo ser o Messias aquele anjo que
veio ao encontro do anjo interprete para anunciar a repopulação da cidade (Zc
2.3) — obviamente, essa identificação com aquele anjo não é obrigatória,
nem tampouco necessária. De qualquer modo, ao se identificar o interlocutor
com o Messias, a segunda pergunta a se fazer ao texto — “que glória é essa a
ser obtida por ele?” — acaba por se responder naturalmente.
Se o interlocutor é enviado por Deus para vindicar o tratamento cruel e
severo rendido a Israel, sua missão visa a inverter os papeis políticos e
militares em relação ao que ocorreu no passado (v.9): “De fato, contra eles
eu levantarei minha mão e eles serão um despojo para seus servos.
Assim, vós sabereis que o Senhor dos exércitos me enviou”. O Messias
tem poder para levantar sua mão com poder e abater as nações, de modo que
os antigos dominadores se tornem os dominados. E mais que isso: serão
dominados pelos seus antigos servos — uma menção ao próprio povo de
Israel, o qual foi perseguido e escravizado por muitas nações. Essa ideia
concorda com a mensagem de profetas anteriores a Zacarias que previram
que, no estabelecimento do reinado do Messias, os judeus, espalhados por
todo o mundo, tomariam parte dessa inversão de poder (Is 41.14-16; Mq
5.7,8,13). Interessante notar que, no decorrer de tais acontecimentos em um
futuro esperado, ficará patente a identidade e a função do Messias como
aquele que “o Senhor dos exércitos enviou”. Não será mais possível negá-lo,
desprezá-lo ou ignorá-lo. Na verdade, ficará claro, assim como nesse oráculo,
que as ações do enviado são idênticas às ações do Senhor.[78]
Tendo declarado o destino das nações que se opuseram ao povo de Deus, o
Senhor volta seus olhos para o tratamento que renderá a Israel e diz (v.10):
“Exulta e regozija, ó filha de Sião, pois eis que virei e habitei no vosso
meio — declara o Senhor”. Dizer isso enquanto o povo tinha de construir a
“habitação” de Deus, o templo em Jerusalém, faz com que os leitores
associem rapidamente tais palavras à reinauguração do santuário ainda nos
dias de Zacarias — e, de certo modo, isso é em parte verdadeiro. Entretanto,
o versículo seguinte mantém nossos olhos nos eventos escatológicos,
descritos pela expressão “naqueles dias”. Assim sendo, a promessa de habitar
no meio do povo, além de envolver o iminente relacionamento entre Deus e
Judá assim que o templo estivesse de pé, visa a fazer recordação de que o
Senhor prometeu estar entre eles de um modo especial em um momento
quando as bênçãos não seriam dadas pela metade, mas haveria o
cumprimento total das suas promessas. Por isso, ainda que Deus estivesse em
toda parte e dirigisse a vida do seu povo, ele diz “eis que virei”, se referindo a
um evento especial da sua presença (Is 40.9-11). Nesse sentido, ainda que o
dia tão esperado ainda estivesse no futuro, a reconstrução do templo era
fundamental para se aguardar a especial vinda do Senhor (Ez 37.27). Por isso,
também, ainda que a situação política e social daqueles dias fossem o oposto
do que eles aguardavam, e ainda que tivessem de trabalhar em meio a tantas
dificuldades, a ordem lógica é “exulta e regozija”.
Até aqui, os alvos do tratamento divino foram as nações inimigas e o povo
de Deus. Entretanto, entra em cena um terceiro grupo que é formado pelas
nações que se submeterão ao Senhor em um caráter pleno que combina com o
mundo completamente sujeito a Deus.[79] Para eles, também há participação
no reinado do Messias (v.11): “Naquele dia, muitas nações se união ao
Senhor e serão o meu povo. Eu habitarei no meio de ti e tu saberás que o
Senhor dos exércitos me enviou a ti”. É importante notar que há uma
distinção entre o Senhor, citado na terceira pessoa, e o interlocutor enviado,
que fala de si na primeira pessoa. Entretanto, apesar da distinção de pessoas,
há um compartilhamento fundamental de funções já que aqueles que
buscarem o Senhor, tornar-se-ão povo do seu enviado. Quando o interlocutor
olha para o povo que busca a Deus e diz “serão o meu povo”, comprova
dividir com o Senhor mais do que a função política. Dizer isso, nesse
contexto, é se identificar com o próprio Deus, assumindo a função de
soberano divino, de restaurador da nação, de cumpridor das promessas e de
promotor da Nova Aliança (Jr 31.33; 32.38).[80] Se o texto anterior diz que
o Senhor habitará entre seu povo de modo especial, aqui o Messias é quem
também se faz presente no meio de Israel se fazendo conhecido como o
enviado prometido e aguardado. A busca das nações pelo Senhor e pelo
Messias, em Sião, tem como resultado a produção de uma paz mundial
marcada pela justiça e pela submissão do mundo à Deus (Is 2.2-4).
A vinda do Senhor, por meio do seu enviado, não promoveria uma posse
parcial ou limitada a áreas específicas de influência. Longe de exercer uma
liderança autônoma somente em campos religiosos ou teológicos, o Senhor
assumiria o controle pleno de Judá (v.12): “Assim, o Senhor tomará posse
de Judá, sua porção na terra santa, e novamente escolherá a Jerusalém”.
Judá, aqui, deve ser compreendido em sentido amplo, como uma metonímia
que aponta para todas as tribos de Israel, todo o povo judeu, e também para
os domínios territoriais prometidos a esse povo (Gn 13.14,15; 15.18-21).
Tudo isso — o povo e a terra — é “sua porção na terra santa”. Não significa
que essa a única posse divina, mas que se trata do cumprimento da promessa
de o Senhor agir como Deus pessoal da descendência de Abraão e, a partir
dela, ser também o Deus das nações, levando-lhes as bênçãos prometidas ao
patriarca (Gn 12.1-3). Na posse da herança, não é apenas o povo e a terra
quem foram escolhidos por Deus, mas também a cidade de Jerusalém,
frequentemente nomeada Sião, como sede do seu governo terreno. O que a
cidade sofreu no passado e ainda sofre no presente, sem que os judeus
consigam retomá-la para si em caráter exclusivo (Lc 21.24), será deixado
para trás e o trono de Davi será reerguido a fim de dirigir Israel e as nações
(2Sm 7.16 cf. Lc 1.31-33).
Como o mundo todo é o campo da atuação do Senhor, seja para punir, seja
para abençoar, o texto termina com uma ordem à humanidade de se submeter
e de temer a Deus (v.13): “Cale-se toda carne diante do Senhor, pois ele se
levantou da sua santa morada”. Levantar-se da sua morada significa deixar
o repouso e passar a cumprir o que previamente anunciou. Quando isso
acontecer, ninguém poderá impedi-lo ou se opor a ele. O melhor é, calado,
em forma de total reverência e sujeição, servi-lo e aguardar dele a salvação.
Caso contrário, nem é preciso descrever o peso da sua punição.
Levantar-se da sua morada (v.13) e levantar a mão contra os inimigos (v.9)
denotam o grande poder que tem o Senhor e o modo como ele inverterá tudo
que vemos de errado e vil ao nosso redor. Se o mundo tem seguido rumos
que surpreendem e assustam até os homens mais pessimistas, não é porque
Deus não tem poder de impedir o avanço do mal ou porque não se importe
com o que os homens façam, mas porque “ainda” não se levantou para julgar
os pecadores. Entretanto, aguardamos esse dia com esperança e com a plena
certeza de que ele chegará. Se isso nos enche de esperança com relação ao
futuro, também nos leva, no presente, a buscar uma vida condizente com a
justiça a ser promovida pelo Messias, a conclamar o mundo perdido que se
abrigue pela fé entre as fileiras do Senhor e a glorificar o nome daquele que
já é grande e soberano mesmo antes de vir e tomar posse da sua herança. Que
as promessas do passado e a certeza do futuro nos guiem e guardem no
presente!
ZACARIAS 3.1-10
A Promessa da Vinda do Messias
ZACARIAS 5.5-11
A Retirada da Impureza
ZACARIAS 6.9-15
O Reinado e o Sacerdócio do Messias
Logo após o profeta Zacarias ter sua oitava e última visão, Deus fala com
ele acerca de uma tarefa bastante significativa, apesar de simbólica. O que
divide os comentaristas é o papel desse trecho dentro das visões. Há quem
considere os vv.9-15 como sequência da visão dos vv.1-8, ignorando a brusca
mudança de linguagem, da figuração, da abrangência e da aplicação da
mensagem, além de menosprezar a introdução (v.9) que marca uma nova
seção. Por outro lado, há quem pareça simplesmente desligar os vv.9-15 das
visões de Zacarias, deixando passar o fato de que ele trata de uma sequência
natural de eventos, além do fato de que nada sugere ter havido grande
intervalo de tempo entre as visões e a ordem divina de se coroar o sumo
sacerdote Josué. Diante dessa dificuldade — e dos muitos obstáculos de
tradução do trecho —, ao que tudo indica, a segunda parte do capítulo 6 de
Zacarias age como uma conclusão para a mensagem construída passo a passo
por meio das visões, servindo também de garantia de um “final feliz” para os
servos de Deus devido à sua graça e seu poder.
Isso se inicia, como ocorre em outras partes do livro (Zc 1.1,7; 4.8; 7.1,4,8;
8.1,18), com o Senhor se dirigindo diretamente ao profeta (v.9): “Então, veio
a mim a palavra do Senhor dizendo”. O que vem a seguir não mais contém
seres, objetos ou pessoas misteriosas que necessitam de interpretação, mas
homens reais, vindos do exílio, a quem o profeta devia se dirigir e com quem
devia interagir (v.10): “Haja uma coleta dentre os exilados Heldai, Tobias
e Jedaías, os quais chegaram da Babilônia, e vai tu, no mesmo dia, à casa
de Josias, filho de Sofonias.”. Apesar de haver quem sugira que tais pessoas
são apenas representações do culto e do relacionamento com Deus, dados os
significados dos seus nomes ao longo do texto, o natural é vê-los como
pessoas de destaque que possivelmente lideraram comitivas de retorno de
judeus exilados na Babilônia de volta a Judá. Mesmo não havendo nenhum
outro nome ou qualquer contagem de exilados, é difícil imaginar apenas três
ou quatro homens fazendo uma viagem de retorno do exílio. Além disso, o
fato de o profeta receber deles ouro e prata (v.11) indica que ou eles eram
homens ricos, o que não é muito comum a exilados em terras estrangeiras, ou
eram homens influentes que lideravam comitivas que, juntas, podiam trazer
ofertas para o templo e atender ao pedido de Zacarias segundo a orientação
de Deus. Além disso, o fato de Josias ser citado como “filho de Sofonias”,
apesar de não termos certeza de quem se trata,[116] evidentemente é uma
menção a alguém conhecido, respeitado e importante em seus dias.
Não obstante o v.10 conter apenas a ordem de o profeta “coletar” ou
“receber”, não é dito o que se deveria coletar, fato esclarecido a seguir (v.11):
“Coleta ouro e prata, faze uma coroa e põe-na na cabeça do sumo
sacerdote Josué, filho de Jeozadaque”. A coleta dos metais preciosos tinha
uma função clara: confeccionar uma coroa. A palavra coroa se encontra aqui,
em sua forma hebraica, no plural, enquanto no v.14 ela aparece no singular.
Há uma discussão se isso se deve a alguma corrupção no texto ou se a coroa
era formada por vários diademas colocados uns sobre os outros, mas tais
possibilidades não mudam a ideia central de se fazer uma coroação. O que
realmente surpreende, e por esse motivo há muitos que defendam que o
coroado seria outra pessoa, é o sumo sacerdote receber a coroa feita pelo
profeta. O sumo sacerdote Josué era o representante religioso da sociedade
judaica daqueles dias, mas o representante político, descendente da linha real,
era Zorobabel. Era bastante lógico e esperado que o coroado fosse o príncipe
de Israel, descendente de Davi, e não o sumo sacerdote. Por isso, há quem
diga que quem foi coroado de fato foi Zorobabel e também quem defenda que
duas coroas foram confeccionadas, uma para Zorobabel e outra para Josué.
Entretanto, essa discussão é inútil visto que a história nos desvenda que não
apenas nenhum dos dois foi feito “de fato” rei, como Judá somente voltou a
ter no século 2 a.C. a figura e o ofício de um monarca, 481 anos depois do
retorno dos judeus da Babilônia.[117]
Essa questão recebe uma nova luz mediante a continuidade do texto (v.12):
“Então, tu dirás a ele o seguinte: ‘Assim diz o Senhor dos exércitos: Eis o
homem cujo nome é Renovo. Ele brotará do seu lugar e edificará o
templo do Senhor’”. Tais dizeres expressariam que tipo de cerimônia de
coroação seria aquela. Para tanto, é preciso observar o nome oferecido para
identificar o rei: “Renovo”. Como dito no comentário de Zacarias 3.8,
“renovo” é um broto de árvore e também um título messiânico utilizado por
alguns profetas (Is 4.2; Jr 23.5; 33.15). Assim, não era a primeira vez que os
israelitas ouviam o termo e já estavam habituados a associá-lo ao Messias
prometido pelos profetas pré-exílicos, ao passo que em nenhum outro lugar o
sumo sacerdote Josué é associado ao termo, nem é apelidado assim — em
Zacarias 3.8 fica clara a distinção entre o sumo sacerdote e o Renovo divino.
Além do mais, a sequência contém uma previsão futura que não se
enquadrava com a realidade de Josué, em primeiro lugar porque ele já tinha
um cargo elevado e não aguardava a oportunidade de uma elevação
figuradamente descrita como “brotar”[118] e, em segundo, porque o templo
já estava em construção e ele não era o responsável principal pela direção das
obras, mas sim Zorobabel.
Apesar disso, é reafirmado que o coroado construiria o templo e deteria em
suas mãos a soberania do seu trono, não sendo nem um tipo de “fantoche
real” (v.13a): “Ele é aquele que edificará o templo do Senhor, aquele que
será exaltado em majestade e se assentará e governará em seu trono”.
Diante disso, não devemos olhar para Josué como o detentor das
prerrogativas apontadas no texto, mas um representante de quem assumiria
tanto a função como a glória do posto real. Nesse caso, longe de ser coroado
de fato rei de Judá e assumir as prerrogativas previstas na ascensão do
Renovo ao trono, Josué tipifica[119] o próprio Messias e o que ele fará no
futuro. Sendo assim, devemos nos perguntar o que significa ser o Messias
“aquele que edificará o templo do Senhor”. Para isso, precisamos olhar para
as esperanças futuras daquela geração, a qual recebeu do profeta Ezequiel,
que atuou na Babilônia entre os exilados, a promessa da construção de um
templo e do estabelecimento do culto ao Senhor (Ez 40–48). Essa promessa
cria problemas para os estudiosos do Antigo Testamento por ser impossível
reconhecer o projeto arquitetônico e os ritos cultuais descritos por Ezequiel
em qualquer templo ou tempo já vividos pelos israelitas. Se o povo dos dias
de Zacarias visse os últimos capítulos de Ezequiel como algo que se
cumpriria no seu tempo, certamente trabalhariam para reproduzir aquela
planta, o que não ocorreu. Desse modo, ainda que estivessem em plena obra
de construção, mantinham a esperança da vinda de um rei futuro que, além de
restabelecer a soberania nacional e territorial, libertando Israel de todos os
povos inimigos, também construiria um templo maravilhoso e, segundo esse
mesmo versículo de Zacarias, assumiria um poder real e imbatível, cheio de
esplendor e glória.
É claro que ainda não se explicou, já que se tratava de uma tipificação,
porque não foi escolhido o príncipe Zorobabel para representar o futuro
monarca. Porém, essa lacuna é preenchida com o que vem a seguir (v.13b):
“E [também] será sacerdote em seu trono e haverá concordância entre os
dois cargos”. O uso de Josué como tipo do Messias se devia ao fato de que o
“Renovo” não seria apenas rei de Israel, mas também “sacerdote”. A ideia de
um “rei sacerdote” já estava presente em Davi e em seus sucessores (Sl 2.2;
110.2,4), mas ela somente se cumpre de modo pleno em Jesus (Hb 5.1-10;
7.1-25).[120] Assim, o que Deus quer transmitir aos ouvintes do profeta é a
esperança e a certeza da vinda do rei que não somente assumiria a frente do
governo, mas também do culto. É claro que há quem defenda que Josué e
Zorobabel seriam coroados e cooperariam entre si. Porém, os livros de Ageu
e Zacarias desde o início já demonstram a realidade de tal cooperação.
Assim, o que esse texto diz é que a mesma pessoa, o Renovo, seria tanto rei
como sumo sacerdote em Israel e, em si, uniria perfeitamente as funções.
Nesse sentido, a expressão hebraica aqui traduzida como
“concordância”[121], que quer literalmente dizer “conselho de paz”[122],
expressa a completa unidade dos cargos real e sacerdotal na pessoa do
Messias prometido, de modo que iria reinar com justiça e ser o intermediário
da comunhão com Deus.
Se o enfoque da mensagem era um evento futuro que deveria produzir
esperança e ânimo no presente, o que dizer, então, da cerimônia em si da
coroação de Josué? Segundo a indicação do versículo seguinte, ela agiria
como uma ilustração do que ocorreria futuramente e, por meio da existência
da coroa, seria também um constante e encorajador lembrete (v.14): “E a
coroa será para Heldai, para Tobias, para Jedaías e para o formoso filho
de Sofonias como um memorial no templo do Senhor”. O texto hebraico
traz o nome “Helem” no lugar de Heldai, mas, dado o claro paralelismo entre
os versículos 10 e 14, é de opinião geral que Helem é outro nome ou um
apelido do próprio Heldai. Quanto a possíveis significados de “Helem”, caso
fosse um apelido, a palavra pode querer dizer “força”[123] ou “sonho”.[124]
Quanto a Josias, filho de Sofonias, é aqui chamado de “formoso” ou
“gracioso”, talvez outro apelido, como o de Heldai, ou um adjetivo que o
qualificava. De qualquer modo, os homens que contribuíram para a
confecção da coroa, e obviamente o povo que eles lideravam, teriam um
constante lembrete guardado no templo. Esse lembrete, um “memorial”,
serviria para sustentar a fé e a coragem do povo no que tinham de fazer,
como completar a obra de reconstrução do santuário, e no que tinham de
suportar, como o domínio político de outros reinos, a oposição e zombaria de
inimigos e o aguardo do tempo de restauração. A visualização da coroa os
relembraria de que a monarquia israelita não estava morta e que Deus a
revigoraria de modo esplêndido.
Junto com a esperança da vinda do rei, figurava a esperança de retorno do
povo exilado e espalhado pelas nações por causa das consequências dos seus
próprios pecados (v.15a): “Aqueles que estão distantes virão e trabalharão
na obra do templo do Senhor e vós sabereis que o Senhor dos exércitos
me enviou a vós”. Apesar de haver quem reconheça nesses dizeres uma
indicação de que o templo seria construído por exilados recém-chegados da
Babilônia, o fato de as obras estarem nesses dias em pleno desenvolvimento
tira o sentido de tal interpretação. O mais provável é que essa obra do templo
seja a mesma prevista nos vv.12,13 associadas à vinda e à atuação do
Messias. Com isso, uma nova promessa é acrescentada à esperança judaica: o
retorno dos espalhados pelo mundo por causa do pecado (cf. Lv 26.39; Dt
28.64-66). Na mente dos judeus dos dias de Zacarias já figurava a esperança,
ligada à vinda do Messias, da repatriação dos exilados junto com a
restauração espiritual da nação (Ez 36.24-38). O texto de Ezequiel, citado
aqui como referência, contém promessas de perdão e purificação e, associado
a isso, retorno do exílio, edificação e habitação das cidades abandonadas,
prosperidade e abundância. Ao prever tudo isso, diz o Senhor: “Então eles
saberão que eu sou o Senhor” (Ez 36.38b). O mesmo ocorre em Zacarias,
visto que as ações benéficas previstas para se cumprirem na vinda do Renovo
serviriam também de comprovação irrefutável de que ele é o rei divino, pelo
que diz “e vós sabereis que o Senhor dos exércitos me enviou a vós”. O
pacote é completo: o Messias será rei e sacerdote, purificará e restaurará
Israel, trará os exilados de todas as partes do mundo de volta à terra da
promessa, edificará um novo templo, reerguerá as cidades destruídas e o
povo, então crente, habitará em paz e justiça desfrutando de prosperidade e
abundância. Só Deus mesmo para produzir tudo isso.
Contudo, o Senhor não dá tal garantia sem lembrar àqueles homens da
aliança a que estavam atrelados e da responsabilidade que tinham diante dela
(v.15b): “Isso acontecerá quando vós déreis ouvidos à voz do Senhor,
vosso Deus”. A preposição aqui traduzida como “quando” também pode
significar “se”. Desse modo, a promessa de restauração seria condicionada à
obediência e poderia nem ocorrer. Esse não é o sentido do texto como um
todo, nem uma ideia compatível com o caráter fiel de Deus. Na verdade, as
palavras do Senhor, ilustradas pela cerimônia de coroação de Josué, eram a
garantia segura de que ele enviaria o rei eterno para guiar Israel. Porém, isso
não aconteceria sem que trabalhasse no coração do seu povo (Jr 31.31-34).
Por isso, uma atitude de duplo impulso deveria ser cultivada entre aqueles
homens. A atitude deveria ser de obediência a Deus e os impulsos que a
sustentariam seriam de assumirem a responsabilidade de serem bons servos,
por um lado, e de dependerem do Senhor para a realização da sua tarefa, por
outro. O fato é que Deus não faria nada pela metade e não aceitaria meio
compromisso dos seus seguidores.
Não é possível conter uma esperança desse tamanho apenas em uma época
e somente dentro de um grupo. A vinda do Renovo terá abrangência mundial
sobre pessoas de todas as nações. Sua promessa de retorno para reinar enche
também de esperança e consolo todos os que agora o buscam e creem nele. E
assim como para os reconstrutores do templo, a esperança futura nos leva ao
consolo e ao compromisso presentes por meio da fé no sacerdote real que nos
ama e nos sustenta nas dificuldades até ao dia em que nos receberá
eternamente para si: “Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote
que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus, apeguemo-nos com toda a
firmeza à fé que professamos, pois não temos um sumo sacerdote que não
possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós,
passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado. Assim sendo,
aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de
recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da
necessidade” (Hb 4.14-16).
ZACARIAS 7.1-7
As Palavras de Deus ‘versus’ a Tradição dos Homens
ZACARIAS 7.8-14
Antes Tratar as Causas que os Efeitos
ZACARIAS 8.9-17
A Grande Virada Promovida por Deus
ZACARIAS 8.18-23
O Fim do Lamento e a Busca dos Povos
A quarta e última das mensagens desse trecho traz uma das visões mais
encorajadoras sobre a restauração futura de Israel e a alegria advinda disso
por meio da remoção das razões de lamento[150] e pela expansão mundial da
influência divina. O início dessa mensagem é marcado por uma frase já bem
conhecida dos ouvintes originais (v.18): “Veio a mim a palavra do Senhor
dos exércitos, dizendo”. A partir daí, o Senhor faz três gloriosas promessas,
cada uma precedida pela fórmula “assim diz o Senhor dos exércitos”.[151]
A primeira promessa é a de que o lamento cederá lugar ao regozijo (v.19):
“Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘O jejum do quarto mês, o jejum do
quinto mês, o jejum do sétimo mês e o jejum do décimo mês se tornarão
em alegria, em regozijo e em contentes festejos para a casa de Judá, de
modo que deveis amar a verdade e a paz’”. Deve-se recordar que o fato
que deu origem a esses sermões foi o questionamento dos judeus a respeito
da necessidade da continuidade dos jejuns, no início do capítulo 7.[152] No
último dos sermões pregados a partir de então, o assunto do jejum volta à
tona e recebe sua resposta definitiva. O modo de os judeus agirem no
presente muito dependia do que o Senhor lhes faria no futuro. Nesse sentido,
os jejuns não apenas perderiam completamente seu uso, como meios de
lamentar os sofrimentos do passado decorrentes do pecado da nação, mas
seriam surpreendentemente transformados no seu extremo oposto. Em lugar
de choro, aflição e lamentos, Deus instalaria no meio do povo “alegria”,
“regozijo” e “contentes festejos”, o que indica uma mudança completa da
situação de vida. Se o que trouxe pranto no passado foram a destruição de
Jerusalém e do templo, o desterro da maior parte do povo, a perda da
soberania nacional e da falta de domínio e a posse da terra prometida aos
antepassados, a ação de Deus de restituir o que foi perdido, reconstruir o que
foi derrubado e restaurar o que foi abatido produzirá uma alegria
incomparável e contagiante.
Mas isso de modo algum deve ser razão para um novo descaso e
relaxamento dos padrões morais e de vida, como aconteceu no passado.
Assim, o final do versículo apresenta uma ordem de o povo amar a verdade e
a paz. O que não se sabe exatamente é como essa ordem se relaciona com a
promessa da restauração, já que não há nada no texto hebraico que ligue a
frase anterior à cláusula final. Por isso, as ligações “de modo que”, ou
“portanto”, ou “então” são suposições dos tradutores a fim de dar sentido a
uma sentença que fica perdida sem esse tipo de conexão. Algumas versões
simplesmente traduzem a ordem final sem nenhum tipo de conexão, deixando
de introduzir no texto o que ele não traz, contudo, sem resolver a questão,
mas transferindo-a para o exegeta. O fato é que a instrução ética do Senhor
está, sim, ligada à promessa da alegria, provavelmente ensinando que a
esperança futura devia encontrar seu par no presente na forma de fidelidade a
Deus. Isso seria um encorajamento a não apenas se esforçar na construção
como também a lutar para manter o tipo de vida que o Senhor ensinou e que
esperava dos servos a quem abençoa. Uma segunda possibilidade é que, em
lugar da ligação “de modo que”, se utilize a conjunção “mas”. O resultado
seria que a ordem não visaria a uma resposta presente, mas futura, no sentido
de orientar que, quando a alegria fosse plenamente restaurada, os judeus não
poderiam de modo algum se esquecer dos limites da verdade e da paz nas
suas ações diárias e nos festejos[153] — “festejem, mas não passem dos
limites”.
A segunda promessa é a de que os gentios do mundo todo buscarão e
seguirão o Senhor, cuja presença será vista especialmente em Jerusalém
(v.20): “Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Virão ainda povos e
moradores de muitas cidades’”. Essa também é uma grande mudança que
será realizada por Deus, pois, a princípio, os gentios são apresentados no
livro como rebeldes e alvos da ira divina (Zc 1.15). Entretanto, após o
período de derramamento da ira punitiva sobre eles, um grande avivamento
ocorrerá e os povos que rejeitavam a Deus passarão a buscá-lo (vv.21,22). O
uso do verbo “virão” demonstra que eles terão como destino da sua procura o
próprio “Senhor dos exércitos”.
Essa busca terá uma grande adesão de participantes porque, além da
conversão a Deus em larga escala, haverá também um movimento
contagiante em que uns passam a convidar os outros a fim de que façam o
mesmo (v.21): “E os moradores irão um ao outro, dizendo: ‘Estamos indo
fazer súplicas diante do Senhor e buscar o Senhor dos exércitos. Eu
também irei’”. A função do gerúndio[154] “estamos indo” é apontar para o
fato de que não se tratará apenas de um projeto ou de um plano futuro, mas
de um movimento que já estará em plena ação. Além disso, depois de dizer
“estamos indo”, é surpreendente que tais pessoas também digam “eu também
irei”, já que isso é explícito na primeira afirmação, cujo verbo está na
primeira pessoa do plural (nós). Com isso em mente, podemos olhar para a
cláusula final e ver nela uma ênfase ao que já foi dito, tornando claro o
caráter pessoal da viagem, ou podemos entender que a primeira colocação
descreve uma iniciativa em larga escala em que seria natural expô-la na
primeira pessoa do plural, como se alguém dissesse “estamos em guerra”,
mesmo sem ser ele mesmo um soldado. Dentro dessa segunda possibilidade,
a declaração final “eu também irei” teria o mesmo efeito do alistamento
militar pessoal em tempos de guerra. Assim, o que está na mente de quem
fala desse modo é que “a nação está de partida para buscar a Deus, mas não
sem mim, pois eu pessoalmente me unirei a essa marcha”. Em resumo, esses
anúncios marcados pelo exemplo pessoal acabam transformando tais pessoas
em um tipo de evangelista,[155] cuja dedicação e ansiedade pela busca de
Deus acabam por revelar sua fé e motivação.
É preciso que se diga que uma impressão que o exegeta pode ter é de que a
frase “eu também irei” seria a resposta dos ouvintes, o que não é nada
absurdo, já que evidenciaria a grande adesão ao movimento de busca do
Senhor. Entretanto, o texto não dá nenhuma indicação de mudança do
interlocutor, de modo a tornar a proposta um tanto especulativa, apesar de
que esse não seria o único exemplo de algo assim no Antigo Testamento. A
diferença é que a situação aqui não obriga uma mudança de interlocutor para
que o texto tenha sentido, diferente de outros lugares em que isso é realmente
necessário, dada a alteração do tom de uma frase ou do contexto, ou mudança
de número e gênero verbais.
O resultado do extenso convite do v.21 é uma maciça busca por Deus e uma
grande peregrinação a Jerusalém (v.22): “Virão muitos povos e numerosas
nações a fim de buscar o Senhor dos exércitos em Jerusalém e para fazer
súplicas diante do Senhor”. A esmagadora maioria das traduções traz
“poderosas nações” em lugar de “numerosas nações” — o adjetivo hebraico
utilizado aqui tem os dois significados. Contudo, o contexto nos revela que a
declaração divina desse trecho não está preocupada em mostrar o poder de
Deus sobre o poder e a arrogância das nações rebeldes e inimigas, mas a
incrível adesão mundial à busca do Senhor. Por isso, a tradução “poderosas”
foge um pouco ao contexto e introduz uma ideia que parece ser
extemporânea, uma vez que, no cumprimento de tais palavras, já terá caído
diante de Deus o poderio das nações. Ao que tudo indica, essa construção
usada pelo profeta nos fornece um “paralelismo sinonímico”, figura em que
se apresentam duas ideias que apontam para a mesma realidade, ou uma
“hendíadis”, figura que usa duas expressões para expor uma ideia apenas —
nesse caso, uma tradução possível seria “virão pessoas de numerosas
nações”. De qualquer modo, a tradução “numerosas” [156] é preferível.[157]
Algo também notável nesse texto é que as nações não apenas buscarão o
Senhor, mas o farão “em Jerusalém”. É fato que o Senhor está em toda parte
(Sl 139) e que não é limitado a locais geográficos ou a edificações físicas
(1Rs 8.27; At 17.24). Entretanto, no tempo do cumprimento dessas
promessas, Deus será buscado de um modo especial em Jerusalém, assim
como ocorria quando havia sacrifícios, culto, festas e cerimônias no templo.
Pode-se propor que isso ocorrerá devido à presença e utilização de um novo
templo. Contudo, Jesus, mesmo no tempo em que existia um santuário em
plena atividade, desencorajou a valorização de locais especiais de adoração
(Jo 4.21-23). Olhando para isso e para textos que também falam do afluir das
nações para Jerusalém, não para visitar um templo, mas para buscar e
aprender do Senhor (Is 2.2-4; Mq 4.1-3), pode-se concluir que o fato
marcante será a presença do próprio Deus em Jerusalém, na pessoa do
Messias, que, sendo eterno, será também rei de Israel (Mq 5.2) e legislador
das nações (Mq 5.4).
Por fim, a terceira promessa é a de que gentios e judeus se unirão na mesma
adoração a Deus (v.23): “Assim diz o Senhor dos exércitos: ‘Naqueles dias,
dez homens de todas as línguas das nações agarrarão a manga de um
judeu, dizendo: Nós iremos convosco, pois ouvimos que Deus está
convosco’”. O ato de agarrar alguém pela roupa pode nos parecer hoje uma
ação desrespeitosa, mas, tanto em Israel como na Mesopotâmia daqueles dias,
agarrar a manga da roupa era um gesto de súplica e submissão, como, por
exemplo, na ocasião em que Saul agarrou o manto de Samuel a fim de lhe
suplicar que voltasse com ele (1Sm 15.27).[158] Assim, a figura produzida
por essa frase é que os gentios, antes inimigos dos judeus, lhes procurarão e
desejarão se associar a eles na adoração do Deus que reina em Jerusalém
sobre a nação israelita. O fato de dizer que “dez” gentios se dirigirão a “um”
judeu pode levar à suposição nada absurda de que o número de pessoas entre
as nações será bem maior que o número de judeus, não obrigatoriamente na
proporção de dez para um, mas no sentido de condizer com o tamanho no
mundo e com o número de nações em relação a Israel. Em resumo, os velhos
adversários se achegam aos judeus sabendo que eles, não mais rebeldes como
no passado, andam com Deus e com todos aqueles que também buscam ao
Senhor. O resultado final é um mundo ideal, tanto no sentido da paz e união
mundiais como na busca geral pelo Senhor e criador de tudo que existe. A
diferença é que, o que hoje se vislumbra apenas de modo utópico será plena
realidade quando esse tempo chegar.
É ótimo saber que um dia o mundo se curvará ao eterno salvador dos que
nele creem. Entretanto, não é necessário esperar esse tempo para que sua
igreja atual aja como aqueles peregrinos no futuro, que saiam de casa em casa
e de cidade em cidade convidando outras pessoas a buscar também o Senhor.
Devemos fazer isso desde já, cumprindo nossa função como expoentes da
verdade e das virtudes do nosso Deus (1Pe 2.9). Ao mesmo tempo, temos a
obrigação de também amar a verdade e a paz para que o mundo veja em nós
vidas transformadas por aquele que é verdadeiro e que há de reinar. E sempre
que virmos o povo de Deus glorificando seu Senhor com suas ações, atitudes,
anúncios, ajuntamentos e adoração, devemos todos juntos bradar: “Eu
também irei”.
ZACARIAS 9.1-8
O Olhar Controlador e Protetor do Senhor
ZACARIAS 9.9-17
A Esperança do Futuro e do Presente
ZACARIAS 11.15-17
A Ação Tola dos Pastores Insensatos
ZACARIAS 12.10-14
A Conversão como Fonte de Restauração
ZACARIAS 14.16-21
A Adoração Mundial ao Grande Rei