Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
um prelúdio
Entrevistas com críticos e curadores de arte selecionados
por Paulo Sergio Duarte
Rio de Janeiro, maio a julho de 2008
Silvia Roesler,
Rio de Janeiro, 7 de outubro de 2008
arte brasileira contemporânea
um prelúdio
sumário
créditos
Projeto e proponente
Instituto Cultural PLAJAP/ Jacqueline Plass
Projeto, coordenação e edição
Silvia Roesler Edições de Arte
Projeto gráfico
eg.design
Edição de textos
Paulo Sergio Duarte e Fernanda Lopes
Revisão e padronização
Alexandra Bertola
Versão para o inglês
Steve Yolen e Peter Warner
Transcrição das fitas gravadas
Vania Chalfum Gomes de Almeida e
Margaret Bugarin Mansur
Transcrição para a entrevista de Ronaldo Brito
Danielle Prado e Reynaldo Picozzi
Produção do CDRom
CDA Produção Gráfica e Digital
Fernando Cocchiarale
Entrevista realizada por Paulo Sergio Duarte
PAULO SERGIO DUARTE_ Fernando, estamos aqui para conversar sobre a arte contemporânea em ge-
ral, mas sobre a arte contemporânea brasileira em particular. Você teve uma experiência muito ampla,
que veio primeiro da década de 1970 como artista e, a partir do final dos anos 70, como crítico, curador e
historiador da arte.
Como você vê hoje a arte contemporânea, que é alvo também de muitas críticas, alvo às vezes até
de críticas indevidas, como se em todas as épocas da história todos os artistas fossem bons. Se pensar-
mos que Van Gogh morreu sem vender nenhuma tela a não ser para o próprio irmão, e Modigliani, que
morreu de fome... Algumas pessoas hoje transformam a arte contemporânea em uma espécie de Judas
de sábado de aleluia e eles se esquecem da própria história da arte.
Gostaria de saber como você vê a arte contemporânea hoje e, particularmente, a arte contempo-
rânea brasileira no que ela tem de diferencial. Pela experiência que tenho observado nos últimos anos, é
gritante a diferença de qualidade da arte brasileira em relação à da maioria dos países da América Latina,
ou em relação à quase totalidade dos países da América Latina. Então, gostaria que você nos desse esse
painel seu, com a sua experiência, sobre a arte contemporânea e depois tentar verificar esses diferenciais
da arte contemporânea brasileira.
FERNANDO COCCHIARALE_ Vou começar pelo mais geral. Sei que é polêmica a idéia até da existência
de uma arte contemporânea. O fundamento diz que estaríamos ainda em um período de desdobramen-
to da modernidade. Vários autores pensam desta maneira. Mas eu diria que, se nós quisermos observar
ou mapear momentos específicos, é possível estabelecermos com alguma clareza quais seriam as dife-
renças entre arte moderna e contemporânea.
A primeira coisa: a arte moderna é fruto, é resultado, de uma operação do Iluminismo onde a arte
se separa rigorosamente de todos os outros ofícios. Na Grécia, em Roma, as noções de tecnê e ars eram
mais ligadas à idéia de ofício, por isso abrangiam da escultura, ao músico, ao sapateiro, ao ferreiro, à arte
de governar, quer dizer, tudo era arte.
A operação que declara a separação entre arte e o resto dos ofícios é uma operação intelectual do
século XVIII, quando surgem a História da Arte com Winckelmann, quando surge a crítica de arte com
Diderot. Se quisermos pensar em estabelecer certos marcos, a estética com Alexander Baumgarten e
FC_ Não diria só construtivo. Diria uma pesquisa mais abrangente. Por exemplo, um Antônio Bandeira,
que foi para a França... Porque o construtivismo é mais fácil de você precisar o legado. Os construtivistas
tiveram uma produção textual, intelectual. Eles refletiram sobre princípios, no caso dos concretistas pau-
listas, ou sobre o estatuto da experiência e da expressão com a geometria, no caso dos neoconcretos. E
os informais não produziram muitos textos, porque eles estavam mais ligados a uma expressão que vinha
de dentro, a idéia de uma liberdade de expressão. Mas diria, em termos amplos, que os abstracionismos,
os geométricos e o informal, estão nessa raiz. Não diria que eles estão na raiz da arte contemporânea. Há
uma profunda descontinuidade entre o que chamamos de moderno e o contemporâneo que é a quebra
da idéia progressiva, da idéia de uma forma e de uma pesquisa formal autônoma. Não estou valorando
isso. Estou apenas reconhecendo e constatando.
A arte brasileira, por ter vivido radicalmente o canto do cisne da autonomia da arte, pode também
radicalmente se desencantar dessa autonomia mais ou menos ao mesmo tempo em que o mundo in-
teiro, com composições muito específicas aqui no Brasil. Porque normalmente pensamos que uma mu-
dança no campo da produção cultural é sempre trazida por outra geração. Quase nunca pensamos que
existem artistas que fazem a transição dentro do seu próprio trabalho. Por exemplo, não acho casual que
o catálogo da exposição Nova objetividade brasileira (1967) seja apresentado por dois artistas que vieram
desse canto do cisne da modernidade: o Waldemar Cordeiro, que era o grande teórico da área plástica
do concretismo paulista, que escreve sobre os “popcretos”; e o Hélio Oiticica, um dos grandes artistas do
neoconcretismo, que vai justamente escrever o Esquema geral da nova objetividade.
Por exemplo, no caso brasileiro, contemporaneidade é sobredeterminada por uma coisa que é espe-
cífica, que é a ditadura militar. A contemporaneidade do Brasil começa com um teor político fortíssimo
que a pop, por exemplo, não tem. Essa é uma característica. Mas existe uma espécie, talvez até por causa
da situação política, existe uma frente composta pelos artistas jovens, então jovens, da nova figuração
– Antonio Dias, Gerchman, Carlos Vergara, Roberto Magalhães e outros – e artistas originários da expe-
riência construtivista, que se juntam na nova objetividade. Não estão juntos no Opinião 65, mas estão
juntos na nova objetividade.
PSD_ Houve participação do Hélio em 1965 com os parangolés. Ele participou com os parangolés. Isso
foi importante. A diferença é que na nova objetividade é organizada pelos artistas, enquanto Opinião 65
são dois marchands que organizam: a Ceres Franco e o Jean Boghici.
FC_ Esse caso dessa frente no Brasil é peculiar e eu entenderia por um lado, por um inimigo comum, que
é a ditadura. Não é por acaso o mote do Mário Pedrosa, “exercício experimental da liberdade”, e o do
Hélio Oiticica, “da adversidade vivemos”. Se compusermos os dois ele cria um campo específico para o
surgimento da arte contemporânea no Brasil. E, por outro lado, esses artistas, no caso o Hélio e o Walde-
mar Cordeiro, mas também as Lygias, vivenciaram na produção deles uma passagem do moderno para
o contemporâneo. Os objetos do Waldemar Cordeiro. Quando ele morre, ele está pesquisando a arte
iônica, com linguagem de computador. E o Hélio com os parangolés.
FC_ Essencialmente sim. Volto novamente para a experiência compactada dos abstracionistas dos anos
50. Se olharmos um sintoma disto, o Manifesto Ruptura, lançado em 1952, ele rompe simultaneamente
com o naturalismo acadêmico renascentista, com o naturalismo errado, como eles dizem, “das crianças,
dos loucos, dos primitivos, dos surrealistas, dos expressionistas” e, no final, eles rompem com o abstra-
cionismo informal, com o abstracionismo hedonista, produto do gozo para tudo. O Brasil é o único país
que em um manifesto só rompe com tudo aquilo que os outros manifestos romperam ao longo da Histó-
ria da Arte. São sintomas. É sintomático que o Manifesto Ruptura precise se reportar a Leonardo da Vinci.
A arte antiga foi grande quando foi inteligente. Essa coisa da experiência formalista, digamos assim, ou
formal, melhor dizendo, das abstrações no Brasil foi vital e, na verdade, poucos países da América Latina
tiveram essa experiência. Poderia citar a Argentina com o Concreto-Invención e o Madí ainda nos anos
40. Poderia citar a Venezuela com Soto, Cruz Diaz, etc. A Colômbia mais timidamente e, não é por acaso
que esses países, afora o Brasil, são os países que têm a produção artística contemporânea hoje em dia
das mais interessantes na América Latina.
Essa experiência do “serviço militar da forma” livrou-nos, em certa medida, da discussão temático-
nacional da brasilidade. Os países do resto da América Latina que não tiveram essa experiência ficaram
imersos nessa questão, que é um problema americano, em geral, não só latino-americano. É o fato de
eles serem uma espécie de outra margem do Ocidente. Porque você não pode comparar os efeitos da co-
lonização portuguesa, espanhola, mesmo americana nas Américas, com a colonização inglesa na Índia.
Na Índia, eles continuaram falando as suas mesmas línguas, tendo os mesmos deuses, etc. Aqui houve,
enfim, uma transferência grande de várias culturas. A busca da especificidade desses países latino-ame-
ricanos, certa recusa em se inscrever. Acho que o Brasil tem essa característica. Ele quer se inscrever no
concerto internacional como se ele fosse igual aos países da Europa ou dos Estados Unidos. Ele não quer
reivindicar uma diferença de teor, sei lá, expressivo. Na música, mesmo a música brasileira, é muito dife-
rente da experiência musical desses países. Isso é vital. De que maneira?
No Brasil criou-se uma história da arte, não importa se ela é verdadeira ou falsa, se historiografica-
mente ela carrega no construtivismo – que acho que carrega –, mas o fato é que o artista jovem brasileiro,
na sua lista de referências, ele pode ter, como você mesmo disse dentre os artistas que você mencionou,
um Cildo, um Barrio, um Waltercio, mais atrás um Antonio Dias, um Vergara, mais atrás ainda um Hélio
Oiticica, um Waldemar Cordeiro, uma Mira Schendel, e quando olhamos, temos uma história da arte que
nos referencia que tem, no mínimo, uns cinqüenta e tantos anos. Poucos países da América Latina têm
essa história. Isso cria um espaço de referência muito grande. E isso certamente influenciou a produção
desses artistas que você mencionou. Como um Cildo, por exemplo, que tem uma contundência, uma
força, uma contemporaneidade inegável, mas que, ao mesmo tempo, não abre mão do mínimo de for-
malização que assegura a esse trabalho, inequivocamente, um lugar no campo da arte. É muito diferente
de outras experiências que vêm da desmaterialização, etc. etc.
O que você não mencionou, mas eu acrescentaria, é que no Brasil hoje em dia, ao lado dessa, diga-
mos, se posso chamar assim, tradição inaugurada nesses últimos 50 anos, novas modalidades de produ-
ção contemporânea estão surgindo. Por exemplo, você tem os ativistas, os coletivos. Você tem pessoas
que estão fazendo uma gigantesca produção baseada na experiência da videoarte. Você tem desdobra-
PSD_ Você estava falando dessa produção e citou inclusive Flávio de Carvalho. Muito importante isso
porque Flávio de Carvalho é realmente uma figura singular.
PSD_ Não.
FC_ Estava falando das diferenças entre, estava falando entre aspas de uma “escola carioca” e uma “es-
cola paulista”. Temos que considerar também artistas como um Artur Barrio, por exemplo, que não é
PSD_ Você estava falando antes que uma das características dessa arte contemporânea brasileira vigo-
rosa era conciliar não somente uma dinâmica política, uma interrogação reflexiva, questões reflexivas,
mas também que ela se colocava com exigência de formalização.
PSD_ Na produção atual você vê uma herança desse tipo de preocupação? E, por exemplo, em que artis-
tas você veria na produção mais recente?
FC_ Diria que não dá para afirmar, não dá para encontrar ou reconhecer na produção atual uma hege-
monia dessa tradição. Dentre os artistas brasileiros que têm maior projeção internacional hoje em dia,
talvez na obra do Ernesto Neto eu pudesse ver ainda uma permanência ou uma persistência dessa con-
temporaneidade formalizada. Sem dúvida nenhuma. Ou, mas aí não tem nada a ver com essa geração,
no caso de alguma pintura brasileira, como da Cristina Canale, que é uma pintora maravilhosa, a Beatriz
Milhazes, a Adriana Varejão, essas pessoas que têm uma formalização, elas não vêm do construtivismo,
no caso dessas pinturas. Mas elas têm essa formalização. Um Vik Muniz, em certa medida, tem essa for-
malização e não vem dessa genealogia. Muitos outros, sobretudo os artistas mais jovens, poucos deles
têm a ver com esse tipo de coisa.
FC_ Quando li outro dia que um jogador da seleção brasileira não sabia o que foi 1958. Aliás, é incrível.
FC_ Felipe Barbosa, por exemplo. O Felipe Barbosa estaria nessa tradição formalizada, só que o Felipe
Barbosa não tem nada a ver com essa genealogia. Nada a ver com essa genealogia do construtivismo.
Até porque hoje é mais fácil você pensar livre daquela história determinista e holística que o marxismo
apresentava. Hoje se pode pensar a contribuição individual em outro tipo de registro. Existem pessoas
que por tendência individual, por competência, por habilidade, encontram em um processo de trabalho,
cuja chegada seja uma formalização mínima, a única possibilidade de produzir. Existem outros que têm
PSD_ Quando cheguei, voltei após oito anos fora, final dos anos 70, encontrei um movimento antipsiqui-
átrico, mas não havia psiquiatria no Brasil, não havia hospital psiquiátrico no sentido francês da palavra,
no sentido alemão da palavra, no sentido italiano da palavra. Ou seja, não havia uma psiquiatria institu-
cionalizada, assistindo à população psiquiatricamente, como os CNPT’s na França.
PSD_ Já tinham lido História da loucura, já tinham lido sobre Guatarri, a experiência de Guatarri.
PSD_ São ótimos. Mas transportado para cá, ou seja, você tinha pardieiros para depósitos de loucos
pobres na lama, sem nem lençol, sem cama.
PSD_ A mesma coisa é a luta contra os museus onde os museus não são instituídos.
FC_ Além disso, o forte na arte brasileira é a esfera da produção. As outras esferas, como a esfera da
reflexão, também têm se fortalecido. Mas a esfera institucional de museus já avançou, sem dúvida ne-
nhuma, mas ainda é pífia se comparada aos paradigmas que nós brasileiros nos reportamos sempre. Mas
há hoje um discurso de curadores do Primeiro Mundo que são contra essas instituições talvez até porque
dormindo lá, inconscientemente, eles sabem que eles podem gritar que as instituições vão continuar
existindo. Porque se pudesse haver uma troca efetiva, dávamos alguns bons artistas brasileiros, nos da-
vam Picasso. Isso eu não reclamaria. Faria uma troca. Mas a questão não é essa.
Há nesses coletivos a identificação de um inimigo que também passa por essa subjetivação que
marca todas as práticas no mundo contemporâneo, inclusive as práticas curatoriais. O curador hoje em