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arte brasileira contemporânea

um prelúdio
Entrevistas com críticos e curadores de arte selecionados
por Paulo Sergio Duarte
Rio de Janeiro, maio a julho de 2008

As entrevistas que se seguem foram feitas pelo curador


e crítico de arte Paulo Sergio Duarte, visando à inserção
de trechos dos depoimentos no DVD que acompanha
arte brasileira contemporânea este livro e que é dirigido por Murilo Salles. O projeto
um prelúdio
propôs ao curador o desafio de conceituar e fazer uma
introdução (em mídias diferentes: um livro e um DVD)
capaz de oferecer chaves ao público não especializado
para a compreensão do complexo e plural universo da
arte contemporânea. Agrupando artistas com diver-
sas linguagens e abordando as principais questões que
trazem surpresa e perplexidade para este público, sem-
pre à luz da história e tecendo suas relações com a arte
no mundo.
Ao longo do trabalho, percebemos que essas entre-
vistas, se publicadas na íntegra, seriam excelente fonte
de pesquisa e informação. Um material que permitirá
cotejar a diversidade de análises críticas e, simultanea-
mente, as coincidentes questões que tocam os teóricos
especializados e induzem a uma ampla reflexão sobre a
arte hoje, excluindo os conceitos fechados.
É este o trabalho que a edição do livro Arte Brasile-
ira Contemporânea, um prelúdio mostra neste CD Rom.
Esperamos que sejam um ponto de partida para no-
vas investigações e algumas luzes para os leitores.

Silvia Roesler,
Rio de Janeiro, 7 de outubro de 2008
arte brasileira contemporânea
um prelúdio

sumário

1_ Ana Paula Cohen 1


2_ Fernando Cocchiarale 29
3_ Ferreira Gullar 41
4_ Gloria Ferreira 60
5_ Ivo Mesquita 73
6_ Lisette Lagnado 91
7_ Luisa Duarte 104
8_ Luiz Camillo 116
9_ Luiza Interlenghi 131
10_ Marcelo Araujo 147
11_ Paulo Herkenhoff 160
12_ Paulo VenâncioFilho 174
13_ Rodrigo Naves 187
14_ Ronaldo Brito 195
15_ Sônia Salzstein 208
16_ Sugestões de leitura
arte brasileira contemporânea
um prelúdio

créditos

Projeto e proponente
Instituto Cultural PLAJAP/ Jacqueline Plass
Projeto, coordenação e edição
Silvia Roesler Edições de Arte
Projeto gráfico
eg.design
Edição de textos
Paulo Sergio Duarte e Fernanda Lopes
Revisão e padronização
Alexandra Bertola
Versão para o inglês
Steve Yolen e Peter Warner
Transcrição das fitas gravadas
Vania Chalfum Gomes de Almeida e
Margaret Bugarin Mansur
Transcrição para a entrevista de Ronaldo Brito
Danielle Prado e Reynaldo Picozzi
Produção do CDRom
CDA Produção Gráfica e Digital
Sônia Salzstein
Entrevista realizada por Paulo Sergio Duarte

PAULO SERGIO DUARTE_ Sônia, a primeira a questão é: como você está vendo a arte contemporânea
hoje, sobretudo comparando com essa perspectiva histórica entre as décadas de 1950 e 1960. Como você
está vendo a arte contemporânea e a situação atual? E, sobretudo, quando você olha de um ponto de
vista histórico, que transformações você viu acontecerem nesse panorama de uma arte contemporânea
que poderíamos datar como tendo 50 anos de idade, se pegarmos a referência da pop?

SÔNIA SALZSTEIN_ Paulo Sergio, sei que você está me solicitando para falar da produção atual, dos
anos 60 para cá. Entretanto, cada vez tendo a ficar mais exasperada quando me perguntam sobre como
está a arte contemporânea. Gostaria de poder falar sobre a arte. Essa me parece a pergunta mais contun-
dente. Cada vez mais, tendo a olhar o passado. Ou melhor, sendo, evidentemente, sempre muito atenta
ao presente, mas, ao mesmo tempo, julgando que você não olhará adequadamente o presente sem essa
capacidade de se aprofundar na experiência da arte tout court.
Aí há um dado biográfico. Tenho me dedicado profundamente à arte moderna. Não acho que eu es-
teja me desviando de meu caminho, da minha paixão primeira pela arte contemporânea. Pelo contrário.
Estou em um caminho de exploração que tem me aberto novas possibilidades de compreender a arte
contemporânea. No momento, para você ter uma idéia, estou profundamente envolvida em um ensaio
sobre Matisse, olhando muito Matisse. Um dos aspectos que me interessa na obra do Matisse – um as-
pecto que creio que seja preciso examiná-lo, refletir sobre ele, porque ele diz muito, por contraste, da
arte contemporânea – é uma imaginação do impossível. Penso especialmente nas cenas arcádicas, nas
cenas que são bacanais, mas são tratadas com muito decoro em paisagens bucólicas. O quanto essa arte
nos diz, essa arte que surge em uma capital européia avançada, uma capital européia onde você encontra
um tipo de vida, de pressão, de possibilidade de vida radical do ponto de vista de uma sociedade indus-
trial avançada. E vemos o Matisse como que obliterar o ambiente no qual historicamente ele está posto
e se voltar para essa idade da inocência da humanidade.
Evidentemente há uma questão importante, que me interessa especialmente, que é uma experiên-
cia de sexualidade pela qual seria possível você pensar nesse outro mundo, nesse mundo possível, pela
qual seria possível o desvio, pela qual seria possível a transgressão.

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PSD_ Está falando da Paris do início do século XX, ou seja, a cidade européia, de uma sociedade avança-
da, na qual ele estaria produzindo. Seria a Paris do início do século XX.

SS_ Exato. Estou falando de um homem que por acaso está posto em uma sociedade que viveu a indus-
trialização, em um primeiro momento, uma sociedade de capitalismo avançado, e em cuja obra, entre-
tanto, vemos uma cena arcaica. Vemos cenas arcaicas. E cenas de bacanais, cenas de uma sexualidade
feliz, desenvolta, desimpedida. São pinturas que celebram uma alegria. Não por acaso, uma das obras
célebres do artista chama-se A felicidade de viver.
Parece-me que essa imaginação – que tem na sexualidade um núcleo importante de descoberta de
novos mundos, mundos proibidos, mundos que devem ser conquistados –, essa experiência da sexuali-
dade não se apresenta mais como se apresentava a um artista moderno. Então, uma das questões que
me interessa na arte contemporânea é, sobretudo, pensar a quantas anda essa possibilidade de imaginar
mundos possíveis. Por isso olho o Matisse.
Fiz uma enorme digressão, apenas para dizer que adotei, evidentemente não foi programática essa
atitude, uma posição estratégica. Parece que vivemos um momento grave para a experiência da arte,
para aqueles que gostam de arte, que fazem arte. Um momento em que está cada vez mais difícil você
separar, saber de fato qual é o lugar onde é possível ainda se realizar essa experiência. Realizei um movi-
mento estratégico ao me voltar para a arte moderna.
Entretanto, vejo como profundamente importante aquilo que se fez dos anos 60 para cá. Ou seja,
contrariando um pouco os diagnósticos catastróficos, há uma experiência importante acumulada. His-
toricamente, é certo que a partir dos anos 60 vivemos mudanças cruciais na compreensão do que seja
a experiência da arte. Trata-se de uma crise não só histórica, mas uma crise epistemológica. O que não
significa que não possamos pensar que novas experiências, novas formas de se desfrutar, de se fazer arte,
se descortinem diante de nós.
Em todo caso, sou sempre cautelosa em face desses diagnósticos que proclamam a tábula rasa. Não
é mais possível pensar na arte como ainda um lugar onde se realizar uma experiência de liberdade, onde
se realiza o projeto, ao menos, de uma individualidade livre, o projeto de um sujeito autônomo.
As coisas continuam a ser feitas. Entretanto, historicamente há uma pressão cada vez maior que recalca
essas manifestações. Essas manifestações – a despeito da crise histórica e epistemológica vivida com
cada vez mais agudeza dos anos 60 do século XX para cá – não informam o fato de continuar a se fazer
arte. Entretanto, é cada vez mais difícil você identificar como um fenômeno cultural, você identificar o
aparecimento público dessas manifestações. Manifesto toda essa convicção pela experiência que nós,
brasileiros, temos. Especialmente em um momento – tomemos a década de 1980 – que nós sabemos que
internacionalmente é um momento rebaixado. É um momento de grande pujança do mercado e grande
poder de decisão, de influências no mercado de arte. Entretanto, sabemos que no princípio dos anos 80
brotam trabalhos que são da maior importância, que é o caso de José Resende, Tunga, Waltercio Caldas,
Iole de Freitas, Carmela Gross, Regina Silveira. Enfim, há toda uma produção para além dos nomes que
minha memória é capaz de trazer à tona aqui, e esses trabalhos desmentindo uma circunstância interna-
cional que é desfavorável, que o diagnóstico seria: cada vez mais a arte está sendo devorada pelo mundo
do entretenimento, pelos interesses do mercado. Entretanto, como se explicaria o aparecimento, no
Brasil, desses trabalhos tão importantes que hoje, 30 anos depois, conseguimos atestar a sua densidade?
Esses trabalhos construíram uma história.

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Dei o exemplo brasileiro porque é aquele que eu vivo, do qual posso falar. Vivo afetivamente, faz
parte da minha própria formação. Mas acredito que, internacionalmente, haja também uma produção
importante que, todavia, o devorador, o mundo do entretenimento, da indústria de informação, impede
que saibamos, que possamos aferir a história desses trabalhos. Penso o que terá sido feito de um artista,
por exemplo, com uma produção muito forte e radical, como Gary Hill. Um artista que trabalha com
vídeo, com imagem digital. Penso no trabalho da Marina Abramovic, alguém de quem temos notícia fre-
quentemente. Penso em artistas aos quais, nós, brasileiros, especialmente, temos pouco acesso à produ-
ção, mas que, em determinado momento, pude ver e saber, pude atestar a qualidade desses trabalhos,
sua resistência ao barateamento, como é o caso de um Günter Fogg, por exemplo. Se você quiser, não se
pode considerar o trabalho de um Anselm Kiefer, de um Sean Scully, de um Bruce Nauman, que continu-
am com uma produção absolutamente interveniente, atenta politicamente ao estado de coisas em que
vivemos. O que me parece difícil é que consigamos articular todas essas produções e produzirmos um
diagnóstico de época. E aí, de fato, tendemos a ser pessimistas.

PSD_ Esse é o estado de coisas que vivemos.

SS_ Esse é o estado de coisas que vivemos, mas acho que o estado de coisas que vivemos recomenda
cautela. Citei, evidentemente, artistas que já têm uma produção constituída, artistas cuja produção, no
mínimo, no caso dos mais jovens como é o Gary Hill, talvez tenha começado a tomar corpo entre o final
dos anos 70 e começo dos 80. Mas poderia também lançar aqui a conjetura de que há trabalhos impor-
tantes sendo feitos por artistas jovens, os quais não conseguimos ainda articular, por causa da própria
situação cultural massacrante, que tem um efeito recalcador.

PSD_ O que é essa situação cultural que você chama de massacrante?

SS_ Eu daria um depoimento pessoal, porque isso acompanha a minha formação. Quer dizer, eu daria
um depoimento pessoal significa uma consideração absolutamente empírica, fundada na minha própria
experiência de vida. No momento que me tornei adulta, no princípio dos anos 80, em 1981 escrevi meu
primeiro texto, publiquei profissionalmente meu primeiro texto como crítica de arte.
É o momento que sabemos que mundialmente estão sendo construídos espaços culturais, museus e
que esses museus e espaços culturais não são pensados propriamente como caudatários de uma experi-
ência cultural. Eles são pensados como complexos de entretenimento, quer dizer, a função que a moder-
nidade assinalou ao museu é apenas uma parte, e esse é um fenômeno histórico novo naquele momento
da década de 1980. Assim surgiram diversos museus, entre eles o Beaubourg (em Paris), que, creio, terá
sido um dos primeiros ainda nos anos 70.

PSD_ Em 1976.

SS_ Esse diagnóstico não tem nenhuma originalidade. Pode ser encontrado na reflexão de muitas pes-
soas envolvidas não só com história da arte ou crítica de arte, mas também na área de estudos culturais,
mais amplamente em Ciências Sociais. A partir desse momento, sabemos que se constitui propriamente

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uma esfera da cultura onde são muito frágeis as fronteiras entre aquilo que na modernidade se chamou
de cultura e aquilo que se produz na esfera do grande entretenimento de massa.
Você pode dizer: “Bom, esse já é um fenômeno: a cultura que brota das ruas, que brota de uma
cultura de massa. Já é um fenômeno da Paris do século XIX, de Baudelaire que celebra os painéis de pu-
blicidade e dirá que para o homem moderno a pintura pode ser um anúncio qualquer, um painel qualquer
de publicidade que ele encontra no frêmito da cidade moderna”. Mas eu diria a você: essa cultura que se
fazia nas ruas de uma Paris no fim de século XIX é uma cultura que é indissociável da idéia da experiência
da boemia. A cultura das ruas, a cultura que se deixa entrelaçar despudoradamente pela cultura de mas-
sa, ela consiste em um ato de provocação em face da academia, em face a uma moralidade burguesa, um
bom-tom, a um decoro, a uma aspiração de distinção cultural de uma burguesia nascente. Hoje em dia,
sabemos que o sentido da cultura ou essa nova esfera que emerge da cultura não tem essa faceta, não
tem esse encanto da bastardia, da boemia que havia para artistas como Manet, os impressionistas, para
um poeta como Baudelaire.
Esse é um contexto problemático, a meu ver, para se pensar a arte, para o artista, e para a própria
experiência da arte. Qual é a fronteira onde se pode dar esse desvio, essa imaginação do possível, se
há um terreno tão permissivo onde há interesses governamentais, organizacionais, administrativos
voltados a transformar tudo e qualquer coisa em cultura, não em formas de socialização, de consumo
de massa?

PSD_ Você pode situar esse panorama que você descreveu anteriormente com relação ao Brasil. Essa
modernidade para a qual você se volta, que eu lembro o exemplo do Matisse. Teria alguma possibilidade
de existir uma trajetória da arte moderna no Brasil, uma referência que pudesse reportar, ou não existe?
Você precisa ir a um Matisse porque há evidente ausência de uma consistência maior nessa passagem da
arte brasileira? Como se coloca essa produção que você citou do início dos anos 80? Como você vê surgir
uma série de artistas brasileiros interessantes, provocantes e que, apesar, como você lembrou, de certa
afluência do mercado no sistema da arte no nível internacional, aqui no Brasil surge uma produção que
ainda tem um atrito com o sistema, que não vai docilmente ao encontro desse mercado afluente?

SS_ Se me permitir, vou me ater à segunda parte, que pensa mais na situação contemporânea de 1980
para cá. Digamos, Brasil.
Tenho uma visão muito dividida e contraditória. Ou seja, há dados que me levam a pensar, a for-
mular um juízo pessimista e, por outro lado, há dados bastante promissores. Talvez essa condição seja
a do próprio tempo, seja uma condição do presente. Digo isso a você porque na minha atividade com
estudantes, artistas jovens, com jovens que querem se dedicar à carreira teórica, sempre encontro tra-
balhos muito interessantes. Então, isso me leva a concluir: as coisas estão acontecendo. Esses trabalhos
encontram provavelmente obstáculos formidáveis para transpor as paredes do ateliê, para transpor uma
dimensão caseira, doméstica, mas há pessoas inquietas, há pessoas jovens com uma grande exigência
intelectual e com uma grande potência do ponto de vista da criação artística. Isso impede que eu me
entregue a esses diagnósticos escatológicos do fim dos tempos.
Por outro lado, como eu dizia, me parece que as pressões são cada vez mais intensas. Disse pres-
sões, mas talvez eu pudesse dizer a falta de pressão. Talvez seja mais verdadeiro dizer que há uma falta
de pressão, que há uma permissividade absoluta e de fato é uma situação que coloca em crise essa pro-

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dução nascente, porque não há nem tempo de um auto-reconhecimento e de uma autocompreensão
enquanto trabalho de arte e esse trabalho já é absorvido, já é institucionalizado, já é legitimado.

PSD_ Você quer dizer que além de legitimado ele seria também já teorizado, já nasce com uma teoria?
Carregando consigo uma teoria?

SS_ Há verdadeiramente uma situação fisiológica. Já há uma autorização, um consentimento. E não


estou fazendo um julgamento subjetivo, porque continuo sendo testemunha de uma jovem geração im-
portante, aguerrida. Mas esses jovens artistas já encontram rubricas, já encontram explicações, justifica-
ções. O trabalho já está acolhido, já está integrado de antemão. Fazendo um parêntese agora, esse é um
dos fenômenos que me parece importante no Brasil, que surge a partir dos anos 90, eu diria, quando você
nota que muitos artistas passam pela universidade. Produz-se, me perdoem a grosseria, uma subcultura
universitária da pior espécie, nociva para esses jovens e que atua como uma espécie de chancela dada de
antemão aos trabalhos. Há, ao mesmo tempo, o acesso a uma cultura teórica sofisticada, importante.
Frequentemente, porém, essa cultura teórica sufoca, ela recalca, porque a forma de aceitabilidade é mui-
to acelerada, a exigência de aceitabilidade, a demanda propriamente. Vou usar um termo do mercado: a
demanda é muito intensa.
Essas rubricas se alternam em uma velocidade muito grande e o próprio discurso universitário pro-
vê, ele alimenta essa máquina. Em primeiro lugar, ele difunde com muita rapidez, com muita argúcia,
informações de alta qualidade, ele as banaliza, mas isso é outra história. É também uma cultura univer-
sitária que surge no Brasil a partir dos anos 90, não só ela, há outros fatores que empobrecem, mas uma
subcultura universitária. Ela fornece álibis também para a institucionalização precoce desses trabalhos,
como se em um abismo existencial muito grande que nos cerca a todos não surgissem essas muletas, es-
ses argumentos que justificam o meu trabalho como um trabalho de arte, porque há uma demanda para
que certas funções, do ponto de vista muito pragmático, sejam simplesmente supridas. Houve então
uma profissionalização notável no Brasil nesses últimos 30 anos. A cultura universitária é um dos canais
por onde passa essa profissionalização precoce. Ela também produziu resultados nocivos. Não só ela,
todo um contexto onde imperam os interesses de mercado, da grande indústria do entretenimento, do
marketing cultural, envolvendo governos, políticas públicas. Há um complexo muito mais amplo do que
localizar a cultura universitária ou o mercado.
Em todo o caso, diria a você que essa geração muito jovem – isso é minha experiência cotidiana,
meu diálogo que é sempre muito rico, muito estimulante com esses jovens artistas, jovens pesquisadores
–, a produção deles, que ainda é muito incipiente, guarda a inteligência de toda a experiência brasileira
dos últimos anos, internacional e brasileira. E a experiência brasileira é muito importante para essa pro-
dução que está surgindo, seja na forma da reflexão teórica, seja na forma do trabalho de arte.
É preciso também, do ponto de vista dos interesses da história da arte, do ponto de vista da pers-
pectiva crítica, para nós que somos críticos, historiadores, talvez seja preciso criar, até adquirir uma nova
sensibilidade. Aguçar a nossa sensibilidade para perceber que essas manifestações estão aí e que, entre-
tanto, não conseguimos ainda apreendê-las como um fenômeno cultural com uma dimensão pública que
seja visível, que seja saliente.
Esse trabalho de articular essa produção muito jovem, que surge do fim da década de 1990 até
aqui, com a produção brasileira dos anos 50, quando começamos a falar de uma produção contem-

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porânea brasileira, ou seja, imprecisamente da virada dos 50 e 60 para cá. Há uma relação orgânica e
uma relação na qual a produção recente, a produção mais jovem certamente se beneficia. Ainda que
as chances para um jovem artista ou, para um jovem pesquisador, de conhecer as obras brasileiras das
décadas de 1950 e 1960 esteja cada vez mais se estreitando. Muitas dessas coleções vão para o exte-
rior. Sabemos que é lamentável. Muito da documentação que acompanha e que constituiria um acervo
valioso de informações que nos permitiria contextualizar com maior propriedade essa produção está
indo para o exterior. Uma grande parte também se dispersa na sanha dos herdeiros, uma vez que os
artistas morrem. É preciso também que nós nos façamos outra exigência e façamos um esforço de
compreensão por meio de novos instrumentos da crítica, da história e da teoria, compreensão dessa
produção, dessa experiência que, bem ou mal, continua, certamente, com muito mais dificuldades, em
um espaço muito mais exíguo, muito menos politizado. Digo politizado do ponto de vista existencial.
É exigida das gerações mais jovens uma postura existencial titânica para que não se deixem fraquejar,
porque o apelo para a inserção pode ser insidiosamente posto. Quando você percebe, já está no meio
de uma roda-viva há algum tempo.
Nós sabemos que as formas acomodatícias da cultura se infiltram. Todos nós temos que ser muito
vigilantes, nós que escrevemos, que queremos ter uma produção teórica, exigente.

PSD_ Diga-me uma coisa. Você falou que está observando uma possibilidade de uma produção mais
jovem. Há até uma articulação com aquele passado recente quando estava em formação e constituição
esse território da arte contemporânea no Brasil. Você arriscaria dizer que a produção brasileira, junto
com outras produções de outros países, de outras sociedades – não quero dar uma qualidade de ex-
clusividade –, mas arriscaria formular alguma peculiaridade, alguma especificidade dessa produção que
denotaria sua qualidade?

SS_ Também hesito muito intelectualmente em responder. Sempre sou muito cautelosa diante do
quanto de legitimação da preguiça, da indolência, essa peculiaridade brasileira pode resultar, para nós,
da autocomplacência, da auto-indulgência. Em todo caso, sabemos que a experiência da formação mo-
derna brasileira é indissociável da reivindicação da nacionalidade, de uma questão nacional, de uma
questão de identidade, que não é falsa. Você encontra tanto na obra mais interessante da Tarsila – obra
em que de fato há um puxo de experimentação, que é a Tarsila da década de alguns poucos anos. Para
usar o termo do Roberto Schwarz, há uma aclimatação da experiência da modernidade européia, das
correntes mais avançadas da arte européia das primeiras décadas do século XX. Da mesma forma, en-
contrarei também uma peculiaridade, de uma maneira diversa daquela que encontro na obra da Tarsila,
na obra do Goeldi. A experiência do beco, do lugar escuro, da província, do ser, da existência que é
eternamente municipal, da solidão. Quer solidão mais profunda do que aquela de saber-se eternamente
enclausurado na província? Sabemos que há uma. Eu poderia descrever essa peculiaridade brasileira.
É um dado histórico. Há uma peculiaridade brasileira que talvez resulte dessa procura da peculiaridade
brasileira, ela engendra.
Mas me parece que a partir, precisamente, dos anos 80 do século XX, quando você presencia, teste-
munha o surgimento dessa geração que eu mencionava no início da nossa fala, em que há, sem dúvida
nenhuma, uma atualização cultural formidável no meio de arte brasileira. Creio que buscar uma especi-
ficidade brasileira para explicar essa produção é uma atitude ociosa, do ponto de vista da reflexão. Você

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diagnosticará seguramente a posteriori elementos de uma experiência local que podem ser identificá-
veis. Mas isso você encontraria nos artistas da Califórnia, nos artistas de Milão, ou nos artistas franceses
de determinada região, etc.
A partir desse momento, que evidentemente estou me referindo ao início do processo de globaliza-
ção, em todo caso podemos certamente falar de uma internacionalização formidável no meio cultural,
artístico brasileiro. É um momento de reordenação da sociedade brasileira. O primeiro governo civil que
temos é em 1985. É um momento auspicioso, há uma efervescência, há um otimismo do ponto de vista
cultural. Esse é um contexto também no qual se põe, no qual irrompe essa geração.

PSD_ Você despreza toda aquela produção dos anos 70: do Cildo Meireles, Tunga, do Waltercio, José
Resende?

SS_ Não, não.

PSD_ Eles surgem, na verdade, com exceção do Tunga, ainda nos anos 60.

SS_ Perdão. É algo que devo retificar aqui na nossa fala. Digo anos 80 porque me parece que é na década
de 1980 que a produção desses então jovens artistas adquire uma ressonância pública. Eu sei que, na
verdade, ela vem do final dos anos 60.

PSD_ Lembrando também que, por acaso, nesses anos 80, não apenas no Brasil, mas particularmente no
Brasil, surge também a contrapartida de características dessa produção. Vamos chamar de forma gené-
rica essa produção desses artistas de uma poética da reflexão, do Tunga, o Waltercio Caldas, Cildo Mei-
reles. Surge também a famosa Geração 80 com o seu elogio do pictórico para a alegria dos marchands,
porque afinal uma instalação é muito mais difícil de vender do que uma pintura para pendurar na parede.
Há de convir que o mercado fica alegre com essa questão dos anos 80, quando aparecem de novo pinto-
res na cena e não apenas uma arte mais complicada, do ponto de vista de sua inserção.
Quando você fala nos anos 80, me parece que eles comemoraram muito, do ponto de vista do
sistema da arte do mercado, particularmente do mercado, uma forma leviana até, certo declínio dessa
produção mais reflexiva e o aparecimento de uma produção de uma circulação mais rápida, mais pala-
tável para o gosto médio, para o olhar leigo embrutecido de um possível comprador de arte. Creio que
houve muito um elogio também disso nesses anos 80. A retomada dessas questões mostrou que aquilo
dali era uma ilusão muito rápida, que não era possível ter uma exposição com mais de 200 artistas. So-
braram nem 20 desses 200.

SS_ Paulo Sergio, esse diagnóstico que você acaba de fazer, que me parece em termos verdadeiro, me
leva a lhe devolver a pergunta. Você não acha que cabe ao trabalho de reflexão justamente separar toda
essa lambança ideológica que se apropriou da produção nesse momento e aquela produção que se pres-
tou a essa apropriação muito que bem, outras produções foram obliteradas. Mas, eu diria a você que
nesse caudal daquilo que se chamou Geração 80 no Rio de Janeiro, não podemos homogeneizar todos
esses artistas. Alguns prosseguiram no trabalho, a despeito de terem sido enquadrados nesse primeiro
momento. Não posso fazer a sondagem subjetiva de quantos se deixaram falar, quantos se mostraram

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aderidos a esse discurso. Não me interessa. O fato é que alguns desses artistas prosseguiram, e pros-
seguiram uma carreira interessante. O importante: um desses artistas cujo trabalho especialmente me
interessa é a Beatriz Milhazes, por exemplo. Um trabalho que nem sempre acompanhei, mas é uma ar-
tista de quem vi, no final dos anos 90, uma retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil onde você
tem uma discussão da pintura, da impossibilidade da pintura, uma citação de uma imaginação saturada,
museológica, mas posta com uma grande integridade. Havia pinturas de grande escala em que a artista
dava nomes típicos da pintura cubista, como Jarro com limões, e tinha de fato os interiores burgueses, a
noção de uma imaginação privada. Tudo isso estava sendo citado naquele trabalho da Beatriz Milhazes.
Então, me parece que isso tudo diz respeito àquela outra sensibilidade para a qual nós somos convo-
cados. Nós, que somos críticos, historiadores da arte, que escrevemos, que gostamos de pensar arte,
devemos de uma vez por todas limar essas rubricas que são insossas, são bobas, são vulgares. Diria, até
para pensar na similitude com a situação em São Paulo nesse momento, você tem uma rubrica Casa 7,
mas para além da rubrica Casa 7, que foi um estardalhaço de mídia, você tem trabalhos que definiram
carreiras individuais, carreiras individuais importantes, e agora o que conta é quem conseguiu constituir
uma obra. É muito bom que consigamos também rever esses anos 80. Não me parece que os anos 80
tenham obliterado a produção dessa geração que lhe antecede, de Cildo Meireles, Carlos Fajardo, José
Resende, Iole de Freitas, Antonio Dias, cuja produção remonta até o período anterior. Pelo contrário.
Nós conseguimos, com a distância que a história hoje nos proporciona, essa distância de quase 30 anos,
perceber uma ligação, perceber referências internas entre esses momentos históricos diversos.

PSD_ Qual o papel que você daria à crítica de arte, hoje, na situação atual? Você acha que a crítica tem
um papel ainda?

SS_ Já nem se trata da questão de achar. Eu sinto na pele, sou testemunha de que não é mais possível
você praticar um tipo de exercício crítico, um tipo de despender um determinado tempo defronte do
trabalho de um artista, em um bate-bola com o artista. Não há mais esse tempo disponível. Não há mais
esse tempo, não por decisões subjetivas do crítico ou do artista, mas porque o próprio modo de operação
do circuito de arte, do sistema de arte não favorece. Ele opera horizontalmente, epidermicamente. Este,
me parece, é o destino da crítica. Especialmente para o Brasil, a prática da crítica tem uma importância
toda especial, que não acredito tenha em outros contextos, em outros países. Nós desenvolvemos uma
tradição ensaística inigualável. Indo longe, desde Mário de Andrade, desde Oswald de Andrade, mas,
sobretudo, a partir dos anos 50 com Mário Pedrosa e com Ferreira Gullar. Há o trabalho da sua geração.
Não somos assim tão distantes em idade, sou só um pouco mais jovem do que você, mas é um fato histó-
rico a guinada que foi a maneira de escrever do Ronaldo Brito nos anos 70. Eu era estudante em meados
dos anos 70, tive contato em primeiro lugar com o trabalho do Ronaldo. Você logo sai do país e vai para a
França. Na época, o trabalho do Ronaldo foi muito importante para mim.

PSD_ No Opinião mesmo.

SS_ Era um tipo de crítica no calor da hora que se fazia junto com o trabalho. Ou seja, era uma interven-
ção cultural na medida em que aquilo ali designava um processo de interações, de exigências, de linhas de
pensamento, de formas de atuação cultural. Essa prática da crítica, que herdamos desde o modernismo,

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mas que eclode de uma maneira extraordinária, e tem um papel, é um divisor de águas, sobretudo nos
anos da ditadura. Digo agora um divisor de águas, porque nós enfrentávamos todo o torpor, a paralisia
do ambiente cultural e surge essa crítica nesse momento desalentador. Para alguém jovem que está se
formando nesse momento, para mim, foi excepcional. Eu, evidentemente, já sou de uma safra, digamos,
temporã, mas acredito que, do ponto de vista biográfico eu ainda tive contato.
Meu primeiro contato com arte foi com pessoas mais velhas que eu, então ainda pude desfrutar do
prazer dessa experiência de testemunhar o trabalho se fazer, de trocar ali, em um embate às vezes acir-
rado, uma disputa de idéias que nem sempre era tão pacífica assim. Ainda vivi muito dessa experiência
como crítica. E com a profissionalização intensa, acelerada do meio de arte – que não é só uma situação
brasileira, não ocorre apenas no Brasil, mas é uma situação internacional – você tem outros agentes
muito mais possantes que são capazes de fazer o trabalho circular, de fornecer a ocasião pública para
esse trabalho. A relação com a crítica é uma relação refreada, ela precisa de um tempo, de um tempo
muito sensível porque ela depende de coincidências subjetivas. Esse tempo não há mais, evidentemente.
Então vejo com preocupação que o tipo de militância, e sempre pensei na crítica como uma intervenção
política, não no sentido partidário, mas existencialmente, é uma intervenção forte, é uma intervenção
formadora. Esse tipo de intervenção não encontra mais condições objetivas de se realizar. Na melhor das
hipóteses, por ligações históricas, freqüentemente temos a honra, temos o privilégio de escrever sobre
esse ou aquele artista cuja carreira acompanhamos por duas décadas, por três décadas. Mas, por mais
que ainda exercitemos os vínculos históricos, os embates, o confronto de idéias, evidentemente o desti-
no dessa produção crítica é o espaço absolutamente enquadrado, o espaço melancólico de um catálogo,
de um livro, um livro no qual a intervenção principal é uma cultura de imagens. Esse livro tem essa pro-
posta principal. Não é o livro também no sentido da tradição clássica do pensamento. Um livro é outro
agenciador de uma cultura de imagens muito de superfície, muito horizontalizado. Então, esse texto, por
mais que ele carregue essa densidade, essa história de vida, ele aparecerá na superfície chapada dessa
cultura de imagens, corroborando essa cultura de imagens.
Estamos em um momento de transição, em que é preciso seguramente trocar de ferramentas,
mudar as estratégias. Ou seja, não estou dizendo com tudo isto que o pensamento crítico tenha entrado
em colapso, não possa ser exercido, senão, eu invalidaria minha própria posição, tornaria minha posição
aqui totalmente inócua. As categorias com as quais sabíamos lidar, que nos provocavam, que nos ati-
çavam, como a idéia de espaço público, não há mais. A intervenção do crítico, a intervenção no espaço
público, se não há esse espaço público, se ele se dissolve em um estilhaçamento de ações corporativas
que têm uma possibilidade de ressonância muito maior do que a noção antiga de que a modernidade
foge ao espaço público. Há uma capacidade de ressonância pelos meios digitais que destrói qualquer
idéia do espaço público como confronto, como tensão, como explicitação de tensões, como explicita-
ção de posições políticas divergentes, não há mais essa arena. Então, precisamos pensar qual a condi-
ção de possibilidade dessa experiência crítica. A questão não se põe apenas para o trabalho de arte, mas
também para a reflexão da arte, a reflexão sobre arte.

PSD_ Está ótimo. Ficou muito bom.

Sônia Salzstein | arte brasileira contemporânea 216


Entrevista realizada em 12 de maio de 2008 no escritório de Sonia Salzstein, em São Paulo

Sônia Salzstein (São Paulo, SP, 1955)


Vive e trabalha em São Paulo
Curadora e professora. Professora de História da Arte no Departamento de Artes
Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da USP, tendo se doutorado em Filoso-
fia pelo Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-
manas da USP (2000). No período de 1989 a 1992 foi responsável pelo setor de artes
visuais do Centro Cultural São Paulo, onde implantou projeto institucional voltado
à arte contemporânea brasileira. Escreveu, entre numerosos trabalhos sobre arte
moderna e contemporânea brasileira, os livros Volpi (Sílvia Roesler/Campos Gerais,
2000) e Franz Weissmann (Cosac & Naify, 2001). Organizou ampla publicação sobre
a obra de Mira Schendel – No vazio do mundo: Mira Schendel (Galeria de Arte do Sesi/
Marca D’Água, 1997) – e Diálogos com Iberê Camargo (Cosac & Naify, 2003). Atu-
almente faz parte do conselho curador da Fundação Iberê Camargo e coordena a
coleção Outros critérios, da editora Cosac & Naify, dedicada à arte e teoria. Publicou
livros como Outros critérios, de Leo Steinberg, A transfiguração do lugar-comum de
Arthur C. Danto, e O fim da história da arte, de Hans Belting.

Sônia Salzstein | arte brasileira contemporânea 217

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