Sei sulla pagina 1di 254

14/15

ANISTIA INTERNACIONAL
INFORME 2014/15
O ESTADO DOS DIREITOS
HUMANOS NO MUNDO
ANISTIA INTERNACIONAL
A Anistia Internacional é um movimento global de mais de 7 milhões
de pessoas que se mobilizam para criar um mundo em que os direitos
humanos sejam desfrutados por todos. Nossa missão é que todas
as pessoas tenham acesso aos direitos consagrados na Declaração
Universal dos Direitos Humanos e em outras normas internacionais
pertinentes.
O trabalho da Anistia Internacional é desenvolver pesquisas e
campanhas de mobilização para prevenir e pôr fim às violações
dos direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos. Desde
a liberdade de expressão e de associação até a integridade física e
mental, e desde a proteção contra a discriminação até o direito à
moradia – esses direitos formam um todo indivisível.
A Anistia Internacional é financiada, sobretudo, por seus membros
e por doações privadas. Fundos governamentais não são aceitos
para investigar ou para fazer campanhas contra abusos de direitos
humanos. Somos independentes de quaisquer governos, ideologias
políticas, interesses econômicos ou religiões. A Anistia Internacional é
um movimento democrático cujas decisões políticas mais importantes
são tomadas por representantes de todas as seções nacionais durante
as assembleias do Conselho Internacional, que se reúne a cada dois
anos. Acesse o nosso site para mais informações – anistia.org.br.

Publicado originalmente em Este relatório documenta o Anistia Internacional Brasil Todos os direitos reservados.
2015 por trabalho e as preocupações Praça São Salvador, 5-Casa, Nenhuma parte desta
Amnesty International Ltd da Anistia Internacional no Laranjeiras, CEP 22.231-170, publicação poderá ser
Peter Benenson House ano de 2014. A ausência de Rio de Janeiro - RJ reproduzida, armazenada
1 Easton Street uma seção sobre algum país email: contato@anistia.org.br em sistema de recuperação
Londres WC1X 0DW ou território neste relatório anistia.org.br ou transmitida, em qualquer
Reino Unido não significa que nesse formato ou por qualquer meio,
local não tenham ocorrido Gráfica J. Sholna seja eletrônico, mecânico, por
amnesty.org R. Bonfim, 397 - São Cristóvão
violações de direitos humanos fotocópia, gravação ou outros,
© Amnesty International 2015 que preocupem a Anistia CEP 20930-450 sem a permissão prévia
Índice: POL 10/001/2015 Internacional. Tampouco a Rio de Janeiro - RJ dos editores. Para solicitar
Idioma original: Inglês extensão de uma determinada permissão ou para outras
Tradução: Anistia Internacional seção deve servir de base para informações, contate-nos
Brasil que se compare a dimensão e em: copyright@amnesty.org
ISBN: 978-0-86210-488-7 a gravidade das preocupações
da Anistia Internacional em
algum país.

II Anistia Internacional – Informe 2014/15


14/15
ANISTIA INTERNACIONAL
INFORME 2014/15
O ESTADO DOS DIREITOS
HUMANOS NO MUNDO

Anistia Internacional – Informe 2014/15 III


ÍNDICE
INFORME ANUAL 2014/15
Abreviaturas VI Mianmar  165
Introdução VIII Moçambique  169
Nigéria  171
Parte 1. Panoramas regionais Palestina 177
Panorama regional: África 2 Paquistão 180
Panorama regional: Américas 12 Paraguai 185
Panorama regional: Ásia E Oceania  21 Peru 186
Panorama regional: Europa e Ásia Central  31 Portugal 188
Panorama regional: Oriente Médio e Norte da Qatar 190
África 40 Reino Unido 192
República Centro-Africana 196
Parte 2. Países República Democrática do Congo 201
Afeganistão 50 Rússia 205
África do Sul 53 Síria 211
Alemanha  58 Sudão do Sul 216
Angola 60 Tailândia 221
Arábia Saudita  63 Timor-Leste  224
Argentina 67 Turquia  226
Bolívia  69 Ucrânia 230
Brasil 72 Uruguai 236
Canadá 77 Venezuela  237
Chile 79
China 82
Colômbia 88
Coreia do Norte  94
Cuba  97
Egito 99
El Salvador 104
Equador  106
Espanha 108
Estados Unidos da América 111
França 117
Grécia 120
Haiti 123
Índia 125
Irã 131
Iraque 136
Israel e Territórios Palestinos Ocupados 141
Itália 146
Japão  149
Líbano 151
Líbia 154
México 160

IV Anistia Internacional – Informe 2014/15


Anistia Internacional – Informe 2014/15 V
ABREVIATURAS
ACNUR, o órgão da ONU para os refugiados Convenção da ONU sobre Desaparecimentos
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Forçados
Refugiados Convenção Internacional para a
Proteção de Todas as Pessoas contra os
AI Desaparecimentos Forçados
Anistia Internacional
Convenção da ONU sobre Refugiados
CEDAW Convenção relativa ao Status dos Refugiados
Convenção para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher Convenção Europeia dos Direitos Humanos
Convenção [Europeia] para a Proteção
CEDEAO dos Direitos Humanos e das Liberdades
Comunidade Econômica dos Estados da Fundamentais
África Ocidental
EUA
CERD Estados Unidos da América
Convenção Internacional para a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial FPNU
Fundo de População das Nações Unidas
CIA
Agência Central de Informações dos EUA LGBTI
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e
CICV Intersexuais
Comitê Internacional da Cruz Vermelha
ONG
Comitê CEDAW Organização Não Governamental
Comitê da ONU para a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher OEA
Organização dos Estados Americanos
Comitê CERD
Comitê para a Eliminação da Discriminação OIT
Racial Organização Internacional do Trabalho

Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura OMS


Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura Organização Mundial da Saúde
e das Penas ou Tratamentos Cruéis ou
Degradantes ONU
Organização das Nações Unidas
Convenção da ONU contra a Tortura
Convenção da ONU contra a Tortura e outros OSCE
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Organização para a Segurança e a
Degradantes Cooperação na Europa

OTAN
Organização do Tratado do Atlântico Norte

VI Anistia Internacional – Informe 2014/15


PIDCP 
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos

PIDESC
Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos Sociais e Culturais

Relator especial da ONU sobre a liberdade


de expressão
Relator especial sobre a promoção e a
proteção do direito à liberdade de opinião e
de expressão

Relator especial da ONU sobre a tortura


Relator especial da ONU sobre a tortura
e outros tratamentos ou penas cruéis,
desumanos ou degradantes

Relator especial da ONU sobre a violência


contra a mulher
Relator especial sobre a violência contra a
mulher, suas causas e consequências

Relator especial da ONU sobre povos


indígenas
Relator especial sobre a situação dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais dos
povos indígenas

SADC
Comunidade de Desenvolvimento da África
Austral

UA
União Africana

UE
União Europeia

UNICEF
Fundo das Nações Unidas para a Infância

Anistia Internacional – Informe 2014/15 VII


"Pensei que o Líbano talvez
INTRODUÇÃO fosse a opção menos difícil,
mas ouvi dizer que os
"Os confrontos entre as forças refugiados palestinos no
governamentais e os grupos Líbano sofrem racismo e são
armados transformaram privados de muitos de seus
Yarmouk, meu bairro em direitos."
Damasco, num vespeiro. Tudo Refugiado palestino da Síria, que finalmente
muito agitado. Yarmouk se conseguiu fugir para a Europa através
do Egito, da Turquia e de uma perigosa
transformou em refúgio para travessia marítima para a Itália.
as pessoas que escapavam de
outros bairros." Este ano foi especialmente difícil para
quem tentou defender os direitos humanos
"Eu fazia trabalhos de e para quem se viu encurralado em meio

assistência humanitária e ao sofrimento das zonas de guerra. Os


governos gostam muito de discursar sobre
atividades de comunicação, a importância de proteger a população
mas aqueles homens civil. Mas os políticos de todo o mundo
fracassaram vergonhosamente em
mascarados não faziam proteger quem mais necessitava dessa
diferença entre trabalhadores proteção. A Anistia Internacional acredita
que essa situação pode e deve mudar de
humanitários e combatentes forma definitiva.
dos grupos armados de O direito internacional humanitário – o
conjunto de leis que rege os conflitos
oposição. Quando cada vez armados – não poderia ser mais claro.
mais amigos começaram a ser Os ataques jamais devem visar aos civis.
O princípio de distinção entre civis e
presos, resolvi me esconder." combatentes é uma garantia fundamental
para as pessoas que são atingidas
"Decidi que era hora de partir diretamente pelos horrores da guerra.

e fiz as malas. Mas pra onde Ainda assim, os civis acabam sendo as
maiores vítimas dos conflitos. No ano que
ir? Os refugiados palestinos marcou o 20º aniversário do genocídio
da Síria não têm permissão de em Ruanda, os políticos muitas vezes
desprezaram as regras que protegem os civis,
entrar ou sair de nenhum país ou fizeram que não enxergaram as violações
sem visto." dessas regras cometidas por outros e que
deixaram tantos mortos.
O Conselho de Segurança da ONU falhou
repetidamente em tratar da crise na Síria
em anos anteriores, quando inúmeras vidas
ainda poderiam ter sido salvas. Essa mesma

VIII Anistia Internacional – Informe 2014/15


inércia marcou 2014. Nos últimos quatro estupros e os assassinatos em massa que ali
anos, mais de 200 mil pessoas foram mortas, se cometeram pouco destaque ganharam na
em sua grande maioria civis, principalmente imprensa mundial. Outra vez mais, a grande
em ataques das forças governamentais. Cerca maioria dos mortos era de civis.
de 4 milhões de pessoas provenientes da E no Sudão do Sul, o mais novo Estado do
Síria estão agora refugiadas em outros países. mundo, dezenas de milhares de civis foram
Mais de 7,6 milhões estão desalojadas dentro mortos e dois milhões tiveram que fugir de
da Síria. suas casas em consequência do conflito
A crise da Síria está intimamente armado entre o governo e as forças de
relacionada à de seu vizinho Iraque. O grupo oposição. Crimes de guerra e crimes contra
armado autodenominado Estado Islâmico a humanidade foram cometidos por ambos
(antes conhecido como ISIS), responsável os lados.
por crimes de guerra na Síria, tem realizado A lista que fizemos acima, como mostra
sequestros, homicídios na forma de de forma clara este mais recente informe
execuções e limpeza étnica em grande escala anual sobre o estado dos direitos humanos
no norte do Iraque. Em paralelo, as milícias em 160 países, é apenas a ponta do iceberg.
xiitas do Iraque têm sequestrado e matado Há quem diga que nada pode ser feito, que
dezenas de civis sunitas, com o apoio tácito o peso das guerras sempre recai sobre a
do governo iraquiano. população civil e que nada disso vai mudar.
No ataque das forças israelenses a Gaza Enganam-se. É fundamental que as
em julho, mais de 2.000 palestinos perderam violações cometidas contra os civis sejam
a vida. Uma vez mais, a grande maioria dos confrontadas e que os responsáveis sejam
mortos – pelo menos 1.500 – eram civis. Tal levados à Justiça. Há uma medida óbvia e
política, como a Anistia Internacional expôs prática à espera de ser tomada e que foi
em uma análise detalhada, caracterizou-se saudada pela Anistia Internacional. Trata-se
por uma indiferença cruel e implicou crimes da proposta atualmente apoiada por cerca
de guerra. O Hamas também cometeu crimes de 40 governos de que o Conselho de
de guerra ao lançar foguetes contra Israel de Segurança da ONU adote um código de
modo indiscriminado, matando seis pessoas. conduta segundo o qual seus integrantes se
Na Nigéria, o conflito que acontece no abstenham voluntariamente de usar o veto
norte do país entre as forças do governo e o de modo que impeça o Conselho de agir em
grupo armado Boko Haram fez manchetes situações de genocídio, crimes de guerra e
em todo o mundo quando o grupo cometeu crimes contra a humanidade.
mais um de seus inúmeros crimes: o Seria um primeiro passo importante que
sequestro de 276 meninas de uma escola pode salvar muitas vidas.
da cidade de Chibok. Menos noticiados O problema, porém, não se resume à
foram os crimes aterradores cometidos pelas incapacidade de evitar que se cometam
forças de segurança nigerianas e por seus atrocidades em grande escala. Ajuda direta
colaboradores contra supostos membros também foi negada aos milhões de pessoas
ou apoiadores do Boko Haram. Algumas que tiveram de fugir da violência que tomou
dessas atrocidades foram gravadas em de assalto seus vilarejos e suas cidades.
vídeo e reveladas em agosto pela Anistia Foram justamente aqueles governos
Internacional. Os corpos das vítimas foram que mais se arvoraram em denunciar as
lançados numa vala comum. falhas dos outros os que se mostraram mais
Na República Centro-Africana, mais de reticentes em tomar a iniciativa de prover a
5.000 pessoas morreram em consequência ajuda vital que esses refugiados requerem –
da violência sectária, apesar da presença tanto em termos de assistência econômica
de forças internacionais. As torturas, os quanto de reassentamento. Menos de 2% dos

Anistia Internacional – Informe 2014/15 IX


refugiados da Síria haviam sido reassentados desaparecimentos forçados pela polícia e
até o fim de 2014, número que deve ao pelo exército, que às vezes agiram em conluio
menos triplicar em 2015. com essas gangues. As poucas vítimas
Enquanto isso, muitos refugiados e cujos restos mortais foram encontrados
migrantes estão perdendo a vida no Mar apresentavam sinais de tortura e outros
Mediterrâneo, tentando desesperadamente maus-tratos. As autoridades federais e
chegar ao litoral europeu. A falta de apoio de estaduais não investigaram esses crimes a
alguns Estados membros da União Europeia fim de estabelecer a possível participação
às operações de busca e salvamento tem de agentes do Estado e garantir recursos
contribuído para o alarmante número judiciais efetivos às vítimas e suas famílias. O
de mortes. governo não só negligenciou a situação, como
Uma medida que poderia ser tomada tentou acobertar a crise de direitos humanos,
para proteger a população civil durante os num contexto de crescente impunidade,
conflitos seria uma maior restrição ao uso de corrupção e militarização.
armas explosivas em zonas povoadas. Isso Em 2014, os governos de muitas partes
teria salvado muitas vidas na Ucrânia, onde do mundo continuaram reprimindo as ONGs
tanto os separatistas com apoio russo (em e a sociedade civil – o que não deixa de ser
que pesem as negações pouco convincentes um perverso tributo à sua importância. Numa
de Moscou sobre seu envolvimento) quanto linguagem que ecoa a Guerra Fria, a Rússia
as forças favoráveis a Kiev lançaram ataques aumentou seu poder repressor com a sinistra
contra bairros civis. “lei dos agentes estrangeiros”. No Egito, as
A importância das regras de proteção ONGs foram submetidas a severa repressão,
aos civis está em garantir que, caso essas com o uso da Lei de Associações da era
regras sejam violadas, isso se traduza Mubarak para transmitir a dura mensagem
concretamente em prestação de contas e de que o governo não vai tolerar qualquer
justiça. Por esta razão, a Anistia Internacional dissidência. Importantes organizações de
considera positiva a decisão do Conselho de direitos humanos tiveram que se retirar da
Direitos Humanos da ONU em Genebra de Revisão Periódica Universal conduzida no
iniciar uma investigação internacional sobre Conselho de Direitos Humanos da ONU para
as denúncias de violações e abusos dos avaliar a situação do Egito por temerem sofrer
direitos humanos cometidas no conflito do Sri represálias.
Lanka, onde, em 2009, nos últimos meses Como em diversas ocasiões anteriores,
das hostilidades, foram mortos dezenas de os manifestantes mostraram sua coragem
milhares de civis. A Anistia Internacional mesmo diante das ameaças e da violência
empreendeu uma campanha de cinco anos contra eles. Em Hong Kong, dezenas de
para que essa investigação se realizasse. Sem milhares desafiaram as ameaças oficiais e
prestação de contas por fatos como esses, enfrentaram a força excessiva e arbitrária da
não podemos avançar. polícia, num movimento que ficou conhecido
Há outras áreas dos direitos humanos como a “revolução dos guarda-chuvas”,
que precisam melhorar. No México, os 43 exercendo seus direitos básicos à liberdade
estudantes submetidos a desaparecimento de expressão e de reunião.
forçado em setembro se somaram As organizações de direitos humanos
tragicamente às mais de 22.000 pessoas são muitas vezes acusadas de serem
no país que estão desaparecidas ou cujo muito ambiciosas em seus sonhos de
paradeiro é incerto, desde 2006. Acredita-se mudança. Mas devemos lembrar que coisas
que a maioria tenha sido sequestrada por extraordinárias podem ser alcançadas. No
gangues criminosas, mas há informações dia 24 de dezembro, o Tratado de Comércio
de que muitas foram submetidas a de Armas entrou em vigor depois de ter

X Anistia Internacional – Informe 2014/15


ultrapassado, três meses antes, o patamar de e principalmente talvez nessas épocas, é
50 ratificações. possível produzir mudanças extraordinárias.
A Anistia Internacional e outras Devemos esperar que, quando olharmos
organizações fizeram campanha em favor do futuro para 2014, possamos enxergar
desse tratado durante 20 anos. Muitas o que vivemos nesse ano como um nadir
vezes ouvimos que um tratado assim era - o ponto mais baixo a que se chega - de
inalcançável. O tratado agora existe e vai onde pudemos nos erguer e criar um
proibir a venda de armas a quem possa futuro melhor.
usá-las para cometer atrocidades. Por isso, Salil Shetty, secretário-geral
pode desempenhar um papel crucial nos
próximos anos, quando sua aplicação será
fundamental.
Em 2014, completaram-se 30 anos da
adoção da Convenção da ONU contra a
Tortura – outra convenção em favor da qual a
Anistia Internacional fez campanha durante
muitos anos, e um dos motivos pelos quais a
organização recebeu o prêmio Nobel da Paz
em 1977.
Se, por um lado, este aniversário foi um
uma ocasião para celebrar, foi também
um momento de enfatizar que a tortura
continua sendo extensamente praticada
em todo o mundo, razão pela qual a
Anistia Internacional lançou neste ano sua
campanha global Chega de Tortura.
Essa mensagem contra a tortura ganhou
especial ressonância após a publicação, em
dezembro, de um relatório do Senado dos
Estados Unidos mostrando que, nos anos que
se seguiram aos atentados de 11 de setembro
de 2001, houve uma disposição de justificar a
tortura. É revelador que algumas das pessoas
responsáveis pelos atos criminosos de tortura
parecessem acreditar que não tinham nada
do que se envergonhar.
Desde Washington até Damasco e desde
Abuja até Colombo, os governantes têm
justificado violações atrozes dos direitos
humanos argumentando a necessidade de
manter seus países “seguros”. Na verdade, o
que acontece é o contrário. Tais violações são
um dos principais motivos por que vivemos
hoje num mundo tão perigoso. Sem direitos
humanos não pode haver segurança.
Já constatamos mais de uma vez que,
mesmo naquelas épocas que parecem
mais sombrias para os direitos humanos,

Anistia Internacional – Informe 2014/15 XI


XII Anistia Internacional – Informe 2014/15
14/15
ANISTIA INTERNACIONAL
INFORME 2014/15
PANORAMAS REGIONAIS

Anistia Internacional – Informe 2014/15 1


PANORAMA No entanto, muitos indicadores trouxeram
lembranças amargas de que o rápido

REGIONAL: ÁFRICA crescimento econômico não conseguiu


melhorar as condições de vida de muitas
pessoas. Enquanto a taxa de pobreza global
Enquanto a África relembrava o 20º na África caiu na última década, o número
aniversário do genocídio de Ruanda, total de africanos que vivem abaixo da linha
conflitos violentos continuaram ocorrendo da pobreza (1,25 dólares por dia) aumentou.
de forma persistente em grande parte do Duas das nações assoladas por conflitos,
continente durante todo o ano de 2014, Nigéria (25,89%) e República Democrática
desdobrando-se ou sofrendo uma forte do Congo (13,6%), são responsáveis por
escalada, de modo particularmente sangrento quase 40% dos pobres do continente. A
na República Centro-Africana, no Sudão do África tem uma das taxas mais elevadas de
Sul e na Nigéria, e seguindo sem solução na desemprego de jovens no planeta, e continua
República Democrática do Congo, no Sudão a ser a segunda região mais desigual do
e na Somália. mundo, depois da América Latina. Todos
Esses conflitos foram acompanhados de estes dados apontam para o elo entre os
persistentes e flagrantes violações do direito conflitos e essa fragilidade, por um lado, e
internacional humanitário e dos direitos para a negação de direitos socioeconômicos
humanos. Os conflitos armados geram os básicos, a exclusão social, a desigualdade e o
piores crimes que se possa imaginar, além aumento da pobreza, por outro.
de injustiça e repressão. A marginalização, Os impactos da repressão e a persistente
a discriminação e a negação constante de rejeição de direitos humanos fundamentais
outras liberdades fundamentais e dos direitos contribuíram para que a instabilidade e os
socioeconômicos básicos, por sua vez, têm conflitos violentos continuassem intensos em
criado terreno fértil para novos conflitos e 2014, conforme demonstrado em Burkina
instabilidade. Faso, na República Centro-Africana, no
Em muitos aspectos, a África continuou a Sudão do Sul e no Sudão. A tendência de
ser vista como uma região em crescimento. repressão e redução do espaço político
O contexto e o cenário de desenvolvimento continuou em muitos países africanos
estão mudando em muitos países. Ao longo durante o ano. Em vários deles, as forças de
de 2014, uma rápida mudança social, segurança responderam às manifestações e
ambiental e econômica continuou a varrer protestos pacíficos com força excessiva. Em
todo o continente. O crescimento acelerado muitos lugares, as liberdades de expressão,
da população e o rápido crescimento de associação e de reunião pacífica
econômico e da urbanização se combinam continuaram a ser drasticamente restringidas.
para alterar a vida das pessoas e os meios A tendência era visível não apenas em países
de subsistência num ritmo expressivo. administrados por governos autoritários,
Muitos Estados africanos fizeram progressos mas também naqueles que são menos
notáveis no sentido de atingir os Objetivos autoritários, que estão em plena transição
de Desenvolvimento do Milénio (ODM) política ou se preparando para fazê-la.
das Nações Unidas, apesar dos enormes Muitos países africanos, como Quênia,
desafios. O Relatório de 2014 dos ODM Somália, Nigéria, Mali e os países da região
da África revela que oito dos 10 melhores do Sahel, enfrentaram grandes problemas de
desempenhos do mundo, no que se refere à segurança em 2014, como resultado direto
aceleração rápida em direção aos objetivos, do aumento da violência por parte de grupos
estão na África. armados radicais, como o Al-Shabab e o
Boko Haram. Dezenas de milhares de civis

2 Anistia Internacional – Informe 2014/15


perderam a vida, centenas de pessoas foram declarações políticas condenando a violência
sequestradas e inúmeras outras continuaram e os ataques a civis. Mas, em muitos casos,
a viver em estado de medo e insegurança. esses esforços foram poucos e vieram tarde
A resposta de muitos governos tem sido demais, mostrando os desafios à capacidade
igualmente brutal e indiscriminada, levando da UA de responder aos conflitos. Em alguns
a prisões em massa, detenções arbitrárias casos, foi denunciada a cumplicidade de
e execuções extrajudiciais. O ano terminou membros das missões de paz da UA em
com o Quênia promulgando uma legislação graves violações dos direitos humanos, como
sobre Leis de Segurança (Emenda), de ocorreu com a MIARCA e, especificamente,
2014, que alterou 22 disposições legais com o seu contingente no Chade, que se
e que tem profundas implicações para os retirou da missão na República Centro-
direitos humanos. Africana depois das denúncias.
Outro elemento comum em situações de No entanto, a incapacidade para enfrentar
conflito em toda a região da África tem sido os desafios dos conflitos na África vai além
a impunidade por crimes contra o direito do nível da UA. Na República Centro-
internacional, cometidos pelas forças de Africana, por exemplo, a ONU procrastinou
segurança e por grupos armados. O ano antes de finalmente enviar uma força de
de 2014 não só assistiu à continuidade paz que, apesar de salvar muitas vidas, não
inabalável de um ciclo de impunidade, em teve acesso a todos os recursos necessários
países como a República Centro-Africana, a para conter a onda contínua de violações
República Democrática do Congo, a Nigéria, e abusos dos direitos humanos. Em outros
a Somália, o Sudão do Sul e o Sudão, mas momentos, houve silêncio. Por exemplo, o
também foi marcado por um retrocesso Conselho de Direitos Humanos da ONU não
político grave que atingiu o Tribunal Penal conseguiu responder de forma eficaz aos
Internacional (TPI). Houve também um conflitos no Sudão, apesar da necessidade
ímpeto político sem precedentes na África crítica de monitoramento, informação e
para defender a imunidade de chefes de prestação de contas independente acerca dos
Estado e autoridades por crimes contra a direitos humanos. Em Darfur, uma revisão
humanidade e outros crimes internacionais. das investigações sobre a Missão da ONU
Isso culminou em uma emenda retrógrada em Darfur (UNAMID) foi anunciada pelo
ao Protocolo sobre o Estatuto do Tribunal secretário-geral das Nações Unidas em julho,
Africano de Justiça e Direitos Humanos, em resposta a alegações de que o pessoal
concedendo imunidade a chefes de da UNAMID havia encoberto abusos dos
Estados ou outros altos funcionários perante direitos humanos.
o Tribunal. As soluções para os crescentes desafios
2014 marcou o 10º aniversário da criação apresentados pelos conflitos na África exigem
do Conselho de Paz e Segurança da UA uma mudança urgente e fundamental na
(CPS), "órgão permanente de tomada vontade política entre os líderes africanos,
de decisão para a prevenção, gestão e bem como esforços concertados em nível
resolução de conflitos" da UA na África. A nacional, regional e internacional para acabar
UA e seu CPS deram alguns passos notáveis com o ciclo de impunidade e abordar as
em resposta aos conflitos emergentes no causas subjacentes da insegurança e dos
continente, inclusive a implantação da conflitos. Caso contrário, a perspectiva da
Missão Internacional de Apoio à República região de "silenciar as armas até 2020"
Centro-Africana (MIARCA), a criação de uma continuará a ser um sonho enganoso e
Comissão de Inquérito sobre o Sudão do inatingível.
Sul, a nomeação da Enviada Especial para
as Mulheres, a Paz e a Segurança, e várias

Anistia Internacional – Informe 2014/15 3


CONFLITO – CUSTOS E a humanidade. Todas as partes envolvidas
VULNERABILIDADE no confronto atacaram e mataram civis com
Os conflitos e a insegurança arruinaram base na etnia, inclusive os que procuravam
a vida de inúmeras pessoas na África, segurança nos locais de culto e nos hospitais.
e – com diferentes graus de intensidade A violência sexual foi generalizada, assim
– afetaram quase todos os países. Esses como o saque desenfreado e a destruição
conflitos foram caracterizados por abusos de propriedades. Apesar da dimensão dos
persistentes e atrocidades cometidos tanto abusos – e apesar do fato de que milhões de
pelas forças governamentais quanto pelos pessoas corriam risco de sofrer com a fome
grupos armados. e as doenças – ambos os lados ignoraram
A República Centro-Africana foi assolada várias ofertas de cessar-fogo. O ano terminou
por um ciclo de violência sectária e por sem sinais significativos de combate à
atrocidades em massa, como assassinatos, impunidade, inclusive sem a publicação das
tortura, estupro, mutilação de corpos, conclusões da Comissão de Inquérito da UA
sequestros, deslocamentos forçados e sobre o Sudão do Sul, que permaneceram
recrutamento e uso de crianças soldados. desconhecidas.
Apesar de um cessar-fogo assinado em julho Depois de uma campanha de
e do envio de uma missão de paz da ONU intensificação da violência por parte do grupo
em setembro, os últimos meses de 2014 armado islâmico Boko Haram em 2013,
foram marcados por uma onda crescente de o conflito armado no nordeste da Nigéria
ataques em regiões centrais do país. Os civis cresceu em abrangência e número de baixas,
foram submetidos a uma série de abusos dos mostrando de forma categórica as ameaças à
direitos humanos durante o recrudescimento estabilidade do país mais populoso da África
dos confrontos entre diferentes grupos e à paz e à segurança regionais. O conflito se
armados. A violência revigorada abalou a intensificou em pequenas cidades e aldeias
capital, Bangui, em outubro. Todos os lados em 2014, com mais de 4.000 civis mortos
– Séléka, milícias antibalaka e membros desde 2009. O sequestro, em abril, de 276
armados do grupo étnico peul – de forma estudantes pelo Boko Haram foi um caso
sistemática e impune atacaram alvos civis. A emblemático da campanha de terror do grupo
implantação da Missão Integrada das Nações contra civis, que continuou inabalável. Por
Unidas de Estabilização Multidimensional outro lado, as comunidades já aterrorizadas
(MINUEM), em setembro, aumentou as durante anos pelo Boko Haram se tornaram
esperanças de mudança – ainda que, cada vez mais vulneráveis às violações por
passado apenas um mês, tivesse sido parte das forças de segurança do Estado,
registrado um aumento significativo da que geralmente responderam com ataques
violência em todo o país. Isto demonstrou a violentos e indiscriminados, além de prisões
nítida necessidade de reforçar a capacidade arbitrárias em massa, espancamentos e
e a reatividade das forças internacionais em tortura. As macabras gravações em vídeo, as
solo africano. imagens e os relatos de testemunhas colhidos
No vizinho Sudão do Sul, dezenas de pela Anistia Internacional forneceram provas
milhares de pessoas – muitas delas civis – recentes da provável ocorrência de crimes de
foram mortas, e 1,8 milhão foram obrigadas guerra, de crimes contra a humanidade e de
a deixar suas casas durante o conflito que outras graves violações e abusos de direitos
eclodiu em dezembro de 2013. O governo humanos cometidos por todas as partes.
e as forças de oposição demonstraram um A tortura e outros maus-tratos foram
total desrespeito pelo direito internacional rotineiros e sistematicamente praticados
humanitário e pelos direitos humanos, pelos serviços de segurança da Nigéria em
cometendo crimes de guerra e crimes contra todo o país, inclusive no contexto do conflito

4 Anistia Internacional – Informe 2014/15


no Nordeste. Autoridades de segurança práticas generalizadas. A situação
raramente foram responsabilizadas. O padrão humanitária se deteriorou rapidamente devido
de prisões arbitrárias em massa e detenções ao conflito, à seca e ao reduzido acesso à
realizadas pelos militares no nordeste do país ajuda humanitária. Mais de um milhão de
teve uma visível escalada após a declaração pessoas estavam em crise humanitária e
do estado de emergência, em maio de 2013, outros 2,1 milhões tinham necessidade de
e continuou havendo relatos da ocorrência assistência no final de 2014.
de execuções extrajudiciais por parte dos Sinais de alerta de futuros conflitos
militares e da polícia no final do ano. também eram visíveis. A região do Sahel
Enquanto isso, não havia nenhuma permaneceu especialmente volátil, devido aos
solução aparente à vista para os prolongados efeitos combinados da insegurança política,
conflitos regionais. do crescimento dos grupos radicais armados
Os confrontos no Sudão, em Darfur, no e do crime organizado, da pobreza extrema,
Cordofão do Sul e no Nilo Azul, continuaram bem como da exclusão social. Isso ficou
na mesma intensidade e se espalharam evidente no caso do Mali, onde o conflito
para o Cordofão do Norte. Violações dos armado interno deixou o país em estado de
direitos humanos e do direito internacional insegurança constante – particularmente
humanitário foram cometidas por todos no Norte, onde algumas áreas continuaram
os lados do conflito. Em Darfur, abusos e fora do controle das autoridades. Apesar
violência entre as comunidades em confronto, de um acordo de paz assinado entre o
e os ataques generalizados das milícias governo e os grupos armados, em 2013,
aliadas ao governo e de grupos armados esses grupos cometeram diversos tipos de
de oposição provocaram um aumento abusos, inclusive sequestros e assassinatos,
significativo no desalojamento e nas mortes e as eclosões de violência persistiram
de civis. em 2014, a despeito das discussões de
Uma eclosão de violência por parte de paz entre o governo e os grupos armados
grupos armados no leste da República terem continuado.
Democrática do Congo, no contexto da A violência e a insegurança se
Operação Sokola 1, custou milhares de vidas intensificaram devido a uma onda de atos
e forçou mais de um milhão de pessoas a de terrorismo – na Somália, no Quênia,
fugir de suas casas. O aumento da violência na Nigéria e em toda a região do Sahel –,
também foi marcado por assassinatos e que muitas vezes eram respondidas pelo
estupros em massa, tanto por parte das governo por meio de graves violações dos
forças de segurança do governo quanto dos direitos humanos. Abusos cometidos por
grupos armados. grupos armados incluíram homicídios
Nas regiões sul e central da Somália, ilegais, sequestros, tortura e ataques
mais de 100.000 civis foram mortos, feridos indiscriminados. Na Somália, as facções Al
ou desalojados no conflito armado entre Shabaab torturaram e mataram ilegalmente
as forças pró-governo, a Missão da União pessoas acusadas de espionagem ou de
Africana na Somália (AMISOM) e o grupo não se comportarem de acordo com sua
armado islâmico Al Shabaab. Todas as interpretação estrita da lei islâmica. Essas
partes envolvidas no confronto violaram os facções mataram pessoas em público –
direitos humanos e o direito internacional inclusive por apedrejamento – e realizaram
humanitário. Os grupos armados recrutaram amputações e flagelações. Assim como em
pessoas à força, inclusive crianças, e Camarões, grupos islâmicos nigerianos,
sequestraram, torturaram e mataram inclusive o Boko Haram, mataram civis,
ilegalmente várias outras. Estupro e outras fizeram reféns, realizaram sequestros e
formas de violência sexual se tornaram atacaram defensores dos direitos humanos.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 5


DIMINUIÇÃO DO ESPAÇO POLÍTICO excessiva em Angola, Burkina Faso, Chade,
E NEGAÇÃO PERSISTENTE DE Guiné, Senegal e Togo, entre outros países.
DIREITOS FUNDAMENTAIS Na maioria dos casos, as autoridades não
Uma tendência de repressão e de redução do investigaram o uso excessivo da força e
espaço político continuou durante o ano em ninguém foi responsabilizado.
muitos países da África. Em muitos países, jornalistas, defensores
Na Eritreia, não há partidos políticos dos direitos humanos e opositores políticos
de oposição, meios de comunicação enfrentaram o mesmo tipo de ameaças
independentes ou organizações da sociedade generalizadas, prisões e detenções arbitrárias,
civil autorizados a operar, e milhares de espancamentos, tortura, desaparecimentos
prisioneiros de consciência e presos políticos forçados e até a morte nas mãos de
continuaram a ser mantidos arbitrariamente agentes do governo ou de grupos armados.
em detenção. Na Etiópia, verificou-se Repressões ou restrições aos direitos à
uma renovada disposição de perseguir a liberdade de expressão, de associação e
imprensa independente, inclusive blogueiros de reunião pacífica ocorreram em Angola,
e jornalistas, de realizar prisões de membros Burkina Faso, Camarões, Chade, Eritreia,
do partido da oposição e de manifestantes Etiópia, Gâmbia, Guiné, Mauritânia, Ruanda,
pacíficos. O espaço para críticas à política Somália, Suazilândia, Togo, Uganda, Zâmbia
do governo em relação aos direitos humanos e Zimbábue.
por parte da sociedade civil praticamente Em Angola, Burundi e Gâmbia
desapareceu em Ruanda. Em Burundi, novas legislações e outras formas de
vozes críticas, como as dos membros da regulamentação restringiram ainda mais o
oposição, dos ativistas da sociedade civil, dos trabalho dos meios de comunicação e da
advogados e dos jornalistas foram cada vez sociedade civil.
mais reprimidas conforme se aproximam as No Sudão, as liberdades de expressão, de
eleições de 2015. A liberdade de reunião e associação e de reunião pacífica continuaram
de associação foi restringida, com reuniões e a ser rigorosamente restringidas, apesar
passeatas sendo regularmente proibidas. dos compromissos expressos do governo
Na Gâmbia, o presidente Yahya Jammeh no sentido de iniciar um diálogo nacional
comemorou seu 20º aniversário no poder para alcançar a paz no país e proteger os
– duas décadas caracterizadas por grande direitos constitucionais. O governo continuou
intolerância em relação às divergências, a usar o Serviço de Inteligência e Segurança
fazendo com que jornalistas, opositores Nacional e outras forças de segurança para
políticos e defensores dos direitos humanos deter arbitrariamente supostos adversários do
continuem a ser intimidados e torturados. O governante Partido do Congresso Nacional,
ano terminou com uma tentativa de golpe, na para censurar a imprensa e pôr fim a fóruns e
noite de 30 de dezembro, levando a dezenas protestos públicos.
de detenções e à repressão generalizada dos O Serviço de Segurança Nacional do
meios de comunicação. Em Burkina Faso, Sudão do Sul apreendeu e fechou jornais,
um governo de transição foi instalado em e perseguiu, intimidou e deteve ilegalmente
novembro para conduzir o país a eleições jornalistas, em uma repressão que restringiu
legislativas e presidenciais em 2015. Isso a liberdade de expressão e cerceou o debate
ocorreu após a destituição do ex-presidente público sobre como acabar com o conflito
Blaise Compaoré, depois de protestos armado. Um projeto de lei sobre o Serviço
populares contra um projeto de lei para de Segurança Nacional, que concede
modificar a Constituição. amplos poderes a esse órgão, inclusive de
As forças de segurança responderam às prisão e detenção, sem disposições legais
manifestações e aos protestos com força adequadas para a supervisão independente

6 Anistia Internacional – Informe 2014/15


ou para garantir salvaguardas contra abusos, Os esforços para garantir a
foi aprovado pelo Parlamento e aguardava responsabilização por crimes internacionais,
sanção presidencial. inclusive crimes contra a humanidade,
cometidos durante a violência pós-eleitoral
IMPUNIDADE – INCAPACIDADE de 2007/2008 no Quênia, continuaram
DE GARANTIR JUSTIÇA insuficientes. No Tribunal Penal Internacional
A impunidade foi um denominador comum (TPI), o julgamento do vice-presidente
nos conflitos armados da África, em que Samoei Ruto e de Joshua Arap Sang
os suspeitos de responsabilidade penal prosseguiu, embora prejudicado por
por crimes contra o direito internacional denúncias de intimidação de testemunhas e
raramente eram responsabilizados. suborno. As acusações contra o presidente
Na República Centro-Africana, houve Uhuru Kenyatta foram retiradas após a
algumas prisões de combatentes subalternos rejeição de uma petição de não cooperação
de grupos armados, enquanto que o por parte do governo do Quênia apresentada
procurador do TPI anunciou a abertura pelo procurador do TPI. Em nível nacional,
de uma nova investigação preliminar não houve progresso no sentido de garantir
sobre a violência. Tais sinais de esperança a responsabilização por violações graves
foram, contudo, a exceção – a impunidade dos direitos humanos cometidas durante a
continuou a alimentar o conflito na República violência pós-eleitoral.
Centro-Africana. Quase todos os líderes de Por outro lado, em 2014, o TPI confirmou
grupos armados suspeitos de crimes contra o veredicto e a sentença no caso Thomas
o direito internacional cometidos no país Lubanga Dyilo – ele havia sido considerado
permaneciam em liberdade até o final do ano. culpado em 2012 dos crimes de guerra de
Na República Democrática do Congo, os alistar e recrutar crianças menores de 15
esforços para garantir a responsabilização anos de idade e usá-las para atuar ativamente
por crimes contra o direito internacional nas hostilidades na República Democrática
cometidos pelo Exército e pelos grupos do Congo. Além disso, Germain Katanga,
armados congoleses alcançaram alguns comandante da Força de Resistência
resultados visíveis. O julgamento, perante Patriótica em Ituri, foi considerado culpado
um tribunal militar, de soldados congoleses de crimes contra a humanidade e crimes de
pelo estupro em massa de mais de 130 guerra e condenado a um total de 12 anos de
mulheres e meninas, bem como assassinato prisão. As acusações contra Bosco Ntaganda
e roubos em Minova, resultou em apenas por crimes contra a humanidade e crimes de
duas condenações por estupro entre os 39 guerra, inclusive crimes de violência sexual,
soldados que estavam em julgamento. Outros supostamente cometidos em 2002-2003, em
acusados foram condenados por homicídio, Ituri, na República Democrática do Congo,
saques e crimes militares. foram confirmadas pelo TPI. O julgamento
A incapacidade de garantir a está marcado para junho de 2015. As
responsabilização era um problema acusações contra o ex-presidente da Costa do
sistêmico também fora das zonas de conflito, Marfim, Laurent Gbagbo, acusado de crimes
levando os autores de violações dos direitos contra a humanidade, foram confirmadas
humanos a agir de forma totalmente livre. pelo TPI em junho. O julgamento está
A tortura e outros maus-tratos persistiram marcado para julho de 2015.
em países como Guiné Equatorial, Eritreia, Entre as tentativas nacionais recentes
Etiópia, Gâmbia, Mauritânia, Nigéria e de luta contra a impunidade por crimes de
Togo, principalmente pela incapacidade direito internacional estava o lançamento
de assegurar a prestação de contas por de um inquérito no Mali sobre casos de
estes crimes. desaparecimento forçado. O ex-presidente

Anistia Internacional – Informe 2014/15 7


do Chade, Hissène Habré, permaneceu sob 27 para impedir o TPI de processar chefes de
custódia no Senegal, aguardando julgamento Estado e de governo em exercício.
perante as Câmaras Extraordinárias Em maio, os ministros da UA que
Africanas, criadas pela UA, após sua prisão examinavam as emendas ao Protocolo sobre
em 2013 por acusações de crimes contra a o Estatuto do Tribunal Africano de Justiça e
humanidade e crimes de guerra cometidos Direitos Humanos, concordaram em ampliar
no Chade entre 1982 e 1990. o leque de categorias de pessoas que
Em março, a Costa do Marfim entregou poderiam gozar de imunidade na recém-
Charles Blé Goudé ao TPI. Ele é acusado criada jurisdição criminal. A Assembleia
de crimes contra a humanidade cometidos da UA, em sua 23ª Sessão Ordinária,
durante a violência pós-eleitoral em 2010. Em posteriormente aprovou essa alteração,
dezembro, a Câmara de Pré-Julgamento do que visa a conceder aos líderes africanos
TPI confirmou quatro acusações de crimes e outros altos funcionários do Estado que
contra a humanidade e comprometeu-se estão no poder imunidade por acusações de
a julgá-lo perante uma câmara de primeira genocídio, crimes de guerra e crimes contra
instância. Em dezembro, a Câmara de a humanidade – um passo atrás e uma
Pré-Julgamento rejeitou a contestação traição às vítimas de graves violações dos
apresentada pela Costa do Marfim sobre a direitos humanos. Os chefes de Estado e de
admissibilidade do processo contra Simone governo resolveram proteger a si mesmos e
Gbagbo, que é suspeito da prática de crimes aos futuros líderes de processos por violações
contra a humanidade. graves dos direitos humanos, ao invés de
Para trazer certo alento, uma decisão garantir a justiça para as vítimas de crimes
histórica sobre a jurisdição universal contra o direito internacional.
foi aprovada em outubro pelo Tribunal Independentemente dessa decisão, o TPI
Constitucional da África do Sul (TCAS), conservará o poder de investigar chefes de
no caso da Comissão Nacional do Serviço Estado e de governo que estão no poder em
de Polícia Sul-Africano contra o Centro qualquer Estado-parte do Estatuto de Roma
de Recursos Judiciais sobre Direitos no caso de tais crimes – mas 2014 será
Humanos da África Austral, entre outros. lembrado como o ano em que alguns Estados
Nesse julgamento, o TCAS decidiu que as africanos e a UA se mobilizaram ativamente
denúncias de tortura cometidas no Zimbábue nos seus esforços políticos para minar o
por e contra cidadãos zimbabuanos devem trabalho do TPI.
ser investigadas pelo Serviço de Polícia
Sul-Africano com base no princípio da POBREZA E PRIVAÇÃO
jurisdição universal. Apesar do rápido e contínuo crescimento
No entanto, no cenário internacional e econômico durante o ano, as condições de
regional, houve um retrocesso grave com vida de muitos africanos ainda precisam
relação a avanços anteriores em matéria de melhorar. Muitos Estados têm feito progressos
justiça internacional na África. Embora o notáveis no sentido de atingir os Objetivos
Estatuto de Roma do TPI tenha sido assinado de Desenvolvimento do Milénio, mas a África
por 34 Estados-partes da África – mais ainda está atrás da maioria das outras regiões
do que em qualquer outra região – uma em desenvolvimento, no que se refere a
manobra baseada em conveniências políticas atingir muitas das metas até 2015. A pobreza
realizada em 2014 minou o progresso na África continuou a diminuir, mas o ritmo
arrojado que a África vinha realizando no não é suficiente para a região cumprir a meta
sentido de garantir a prestação de contas. O de reduzir pela metade a pobreza até 2015.
Quênia propôs cinco alterações ao Estatuto De fato, há indicações de que o número
de Roma, inclusive uma mudança no artigo total de africanos que vivem abaixo da

8 Anistia Internacional – Informe 2014/15


linha da pobreza (1,25 dólares por dia) tem trabalhadores da saúde – o atraso na resposta
aumentado. Outras metas, como a redução do governo e a falta de recursos contribuíram
do número de crianças abaixo do peso e da para a propagação rápida e fatal da epidemia.
mortalidade materna, provavelmente também Tudo isso aponta não só para a
não serão cumpridas. incapacidade dos governos de respeitar,
Como as cidades africanas cresceram proteger e prover o direito ao mais alto
a um ritmo sem precedentes, a rápida nível possível de saúde aos seus cidadãos,
urbanização foi acompanhada por mas também o fracasso da comunidade
insegurança e desigualdade. A pobreza internacional em dar uma resposta a essa
urbana deixou muitas pessoas sem acesso crise. No final de 2014, as principais
à habitação e à infraestrutura básica agências de assistência estavam pedindo
adequada, sobretudo aquelas que viviam maior apoio da comunidade internacional. A
em assentamentos informais ou favelas. As ONU comunicou que precisava de US$ 1,5
remoções forçadas retiraram das pessoas bilhão para o período de outubro de 2014
seus meios de vida e suas posses, agravando a março de 2015 para evitar que o ebola se
sua situação de pobreza. Em Angola, pelo espalhasse; a partir de dezembro apenas US$
menos 4.000 famílias foram removidas à 1,2 bilhão foi doado. Se o surto continuar em
força na província de Luanda. No Quênia, sua taxa atual, a ONU estima que outros US$
os tribunais continuaram a corroborar o 1,5 bilhão serão necessários para o período
direito à moradia adequada e a proibição de abril a setembro de 2015.
de remoções forçadas. O Supremo Tribunal
ordenou ao governo pagar uma indenização DISCRIMINAÇÃO E MARGINALIZAÇÃO
de 33,6 milhões de xelins (aproximadamente Centenas de milhares de pessoas foram – ou
390.000 dólares) para os moradores de City continuaram a ser – deslocadas por conta de
Carton, um assentamento informal na capital, conflitos armados, perseguição política, ou
Nairóbi, que foram removidos à força de suas em busca de melhores condições de vida.
casas em 2013. A maioria foi obrigada a fugir de suas casas
O surto de epidemia do vírus ebola em e abandonar seus meios de subsistência
alguns países da África Ocidental, em março, na tentativa árdua e perigosa de encontrar
levou ao que a Organização Mundial da segurança dentro de seus próprios países
Saúde (OMS) descreveu como o maior e ou além das fronteiras internacionais. Um
mais complexo surto da doença desde que grande número de refugiados e migrantes
o vírus foi descoberto em 1976. No final definhava nas regiões mais sujeitas a
de 2014, o ebola havia ceifado as vidas de outras violações e abusos, muitos em
cerca de 8.000 pessoas em países como acampamentos com acesso limitado à saúde,
Guiné, Libéria, Mali, Nigéria e Serra Leoa. água, saneamento, alimentação e educação.
Mais de 20.000 pessoas foram infectadas O número de pessoas nessa situação
(casos suspeitos, prováveis e confirmados), aumentou mensalmente, e milhares fugiram
e havia temores de que uma grande crise de da Eritreia, a maioria devido ao sistema de
alimentos pudesse ocorrer no início de 2015. recrutamento indefinido para o serviço militar.
As comunidades e os serviços de saúde Muitos corriam risco de ser alvo de redes de
estavam esgotados ou a ponto de colapso. tráfico de pessoas, inclusive no Sudão e no
Os países mais afetados – Guiné, Libéria Egito. Em Camarões, milhares de refugiados
e Serra Leoa – já tinham sistemas de da República Centro-Africana e da Nigéria
saúde muito frágeis, tendo saído apenas estavam vivendo em condições terríveis, em
recentemente de um longo período de conflito campos lotados nas áreas de fronteira, depois
e instabilidade. Na Guiné – onde centenas de de fugirem dos grupos armados. Muitas
pessoas morreram, inclusive pelo menos 70 pessoas desalojadas pelo conflito no Sudão

Anistia Internacional – Informe 2014/15 9


– mais de um milhão – permaneceram no No entanto, as pessoas continuaram a
país, com pelo menos 600 mil vivendo em ser perseguidas ou criminalizadas por sua
campos de refugiados no Chade, no Sudão orientação sexual, real ou percebida, em
do Sul ou na Etiópia. A situação dos milhares muitos países como Camarões, Gâmbia,
de refugiados somalis no Quênia foi agravada Senegal, Uganda e Zâmbia.
por uma política de internamento forçado Sinalizando uma tendência retrógrada,
nos campos, que os obrigou a deixar suas vários países se esforçaram para criminalizar
casas nas cidades e ir para os miseráveis e ainda mais as pessoas em razão de sua
superlotados campos de refugiados. Na África identidade sexual, consagrando leis injustas
do Sul, refugiados e requerentes de asilo já existentes ou introduzindo novas. O
continuaram a sofrer ataques xenófobos, com presidente da Nigéria assinou a opressiva
pouca ou nenhuma proteção por parte das Lei sobre Casamento entre Pessoas do
autoridades. Mesmo Sexo (Proibição), permitindo a
Muitos outros grupos também foram discriminação com base na orientação
excluídos da proteção dos direitos humanos sexual e na identidade de gênero, real
ou foram privados de acesso aos meios ou percebida, das pessoas. A introdução
para obter reparação por abusos. As de uma lei anti-homossexualidade em
mulheres poderiam desempenhar um papel Uganda – embora derrubada pelo Tribunal
fundamental no fortalecimento da resiliência Constitucional do país, porque o Parlamento
das sociedades afetadas pelo conflito, mas a tinha aprovado sem o quórum mínimo
eram frequentemente marginalizadas dos necessário – fez com que muitas pessoas
processos nacionais de construção da LGBTI, e aquelas percebidas como tal
paz. Em muitos países que passam por continuassem a enfrentar prisões arbitrárias,
conflitos ou acolhem grandes populações espancamentos, expulsões de suas casas,
de refugiados ou pessoas desalojadas, perda de emprego e ataques de multidões. O
mulheres e meninas foram submetidas a presidente da Gâmbia referendou um projeto
estupros e outras formas de violência sexual, de lei aprovado pelo Parlamento, a Lei do
como no Sudão do Sul e na Somália. A Código Penal (Emenda) de 2014, criando
violência contra as mulheres também foi um o crime de "homossexualidade agravada",
problema pernicioso nos países em que havia delito de definição imprecisa e suscetível a
conflitos, às vezes por causa de tradições amplos abusos, cuja pena consiste em prisão
e normas culturais, mas também porque perpétua. Um projeto de lei homofóbico
a discriminação com base no gênero foi também foi apresentado ao Parlamento do
institucionalizada pela legislação. Chade, ameaçando impor sentenças de até
Para lésbicas, gays, bissexuais, 20 anos de prisão e multas pesadas para
transgêneros e intersexuais (LGBTI) houve as pessoas "declaradas culpadas" de se
esperança de melhorias em 2014 quando a envolver em atividade sexual com pessoas do
Comissão Africana dos Direitos Humanos e mesmo sexo.
dos Povos aprovou uma resolução histórica
condenando atos de violência, discriminação OLHANDO PARA O FUTURO
e outras violações de direitos humanos contra Ao longo de 2014, indivíduos e comunidades
as pessoas com base em sua orientação de toda a região construíram e fortaleceram
sexual ou identidade de gênero. Outros uma compreensão e um respeito pelos
sinais de esperança para a igualdade e a direitos humanos. Quando as pessoas se
justiça incluem compromissos expressos pelo fazem ouvir e tomam atitudes – às vezes
Malaui para descriminalizar a atividade sexual pondo em risco suas próprias vidas e
consensual entre pessoas do mesmo sexo. segurança – esse movimento crescente

10 Anistia Internacional – Informe 2014/15


de direitos humanos oferece uma visão de
justiça, dignidade e esperança.
No entanto, o ano passado não nos deixou
esquecer a magnitude dos problemas de
direitos humanos existentes na África e a
necessidade de avançar de modo mais rápido
e profundo no reconhecimento de todos
esses direitos.
Os acontecimentos ilustraram de forma
dramática a necessidade urgente de uma
ação concertada e coerente para desarmar
e equacionar os violentos conflitos da África.
Olhando para o futuro, os esforços da
Comissão da UA para estabelecer um roteiro
visando a silenciar todas as armas na África
devem ser apoiados e levados adiante. É
urgente que tanto as instituições nacionais
quanto as regionais adotem uma abordagem
muito mais sólida, consistente e coerente
para a resolução dos conflitos, fundamentada
no direito internacional dos direitos humanos.
Outro pré-requisito essencial para a paz,
a segurança e a justiça é que os Estados
africanos desistam de sua investida coletiva
contra a justiça internacional – inclusive
contra o trabalho do TPI – e, ao invés
disso, se mantenham firmes no combate à
impunidade, tanto em nível regional quanto
internacional, e trabalhem no sentido de
buscar a responsabilização efetiva pelas
brutais violações de direitos humanos e por
outros crimes contra o direito internacional.
É muito provável que ocorram mudanças
profundas nos próximos anos. Em grande
medida, o marco pós-2015 que sucederá
os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
vai propiciar uma oportunidade histórica
para que os Estados-membros da UA
construam um marco de direitos humanos
que possa transformar para melhor as
vidas de inúmeras pessoas. A prestação
de contas deve ser incorporada ao marco
pós-2015 por meio de metas e indicadores
sólidos de acesso à Justiça, e isso deve ser
combinado com o fortalecimento dos direitos
em torno da participação, da igualdade, da
não discriminação, do Estado de Direito e de
outras liberdades fundamentais.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 11


PANORAMA Esse grau crescente de violência era reflexo
das reações cada vez mais militarizadas

REGIONAL: aos desafios sociais e políticos dos últimos


anos. Em muitos países da região, tornou-se

AMÉRICAS comum que as autoridades recorressem


ao uso da força estatal para responder às
ações das redes criminosas e às tensões
Em todo o Continente Americano, a sociais, mesmo quando a existência de
desigualdade cada vez mais profunda, a conflito não era reconhecida formalmente.
discriminação, a degradação ambiental, Em algumas regiões, o poder crescente
a impunidade histórica, a insegurança das redes criminosas e de outros atores
crescente e os conflitos continuaram a não estatais, como os paramilitares e as
impedir que a população desfrutasse corporações multinacionais, impunha um
plenamente de seus direitos humanos. desafio constante ao poder estatal, ao Estado
Na verdade, quem tomasse a frente na de direito e aos direitos humanos.
promoção e defesa desses direitos enfrentava Violações graves de direitos humanos
intensa violência. continuaram a devastar as vidas de dezenas
Em 2014, a população respondeu de milhares de pessoas em todo o continente.
em massa a essas violações de direitos Longe de seguir avançando na promoção e
humanos, por toda a extensão do continente, proteção dos direitos humanos de todos, sem
desde o Brasil até os Estados Unidos e discriminação, a região pareceu retroceder
desde o México até a Venezuela. Em um nesses aspectos em 2013 e 2014.
país após o outro, as pessoas saíram às O Alto Comissariado da ONU para os
ruas para protestar contra as práticas Direitos Humanos registrou 40 homicídios de
repressivas do Estado. As manifestações defensores dos direitos humanos na Colômbia
foram um verdadeiro desafio público nos nove primeiros meses de 2014.
aos altos níveis de impunidade e de Em outubro, a República Dominicana
corrupção e às políticas econômicas esnobou publicamente a Corte
que privilegiam a poucos. Centenas de Interamericana de Direitos Humanos depois
milhares de pessoas participaram dessas que o tribunal condenou as autoridades
mobilizações espontâneas, recorrendo às do país pelo tratamento discriminatório
novas tecnologias e às redes sociais, que dispensado aos migrantes haitianos e aos
possibilitaram que elas se reunissem de dominicanos de ascendência haitiana.
forma rápida, compartilhassem informações e Em setembro, 43 estudantes da escola
denunciassem abusos dos direitos humanos. rural de magistério de Ayotzinapa foram
Essa torrente de insatisfações e demandas vítimas de desaparecimento forçado no
por respeito aos direitos humanos aconteceu México. Os estudantes haviam sido detidos
em um contexto de erosão do espaço na cidade de Iguala, no estado de Guerrero,
democrático e de constante criminalização pela polícia local, que atuava em conivência
das divergências. Houve um aumento da com as redes do crime organizado. No
violência, tanto por parte de atores estatais dia 7 de dezembro, o procurador-geral da
quanto não estatais, contra a população em República anunciou que os restos mortais
geral e, principalmente, contra os ativistas de um dos estudantes havia sido identificado
e os movimentos sociais. Os ataques contra por peritos criminais independentes. No fim
defensores dos direitos humanos tiveram um do ano, o paradeiro dos outros 42 estudantes
aumento acentuado na maioria dos países da permanecia desconhecido.
região, tanto em termos numéricos quanto de Em agosto, Michael Brown, um jovem
brutalidade. afrodescendente de 18 anos, foi alvejado de

12 Anistia Internacional – Informe 2014/15


modo fatal pelo policial Darren Wilson em anulada apenas 10 dias depois por causa
Ferguson, estado de Missouri, nos Estados de uma tecnicalidade jurídica – um forte
Unidos. Depois do incidente, as pessoas golpe para as vítimas e seus familiares,
saíram às ruas para protestar. Em novembro, que esperavam por justiça havia mais de
houve novas manifestações de protesto pela três décadas. Rios Montt foi presidente do
decisão do grande júri de não indiciar o país e comandante-em-chefe do exército
policial. As manifestações se alastraram para em 1982-1983, período do conflito armado
outras grandes cidades do país, inclusive interno, quando 1.771 indígenas maias-ixil
Nova York em dezembro, quando um grande foram assassinados, torturados, submetidos a
júri se recusou a indiciar outro policial pela violência sexual ou desalojados.
morte de Eric Garner, ocorrida em julho. Essa extensa lista de graves abusos contra
Também em agosto, a destacada líder os direitos humanos demonstra que, apesar
rural Margarita Murillo foi morta a tiros na de os Estados da região terem ratificado
comunidade de El Planón, no nordeste de e promovido ativamente a maioria dos
Honduras. Poucos dias antes do atentado, ela tratados e normas regionais e internacionais
havia denunciado que estava sendo vigiada e de direitos humanos, o respeito por esses
recebendo ameaças de morte. direitos continuou sendo uma distante
Em fevereiro, 43 pessoas, inclusive realidade para muitas pessoas.
membros das forças de segurança, morreram
e dezenas ficaram feridas na Venezuela SEGURANÇA PÚBLICA E
durante os confrontos entre manifestantes DIREITOS HUMANOS
contrários ao governo e forças de segurança e Em diversas ocasiões, as forças de segurança
manifestantes favoráveis ao governo. responderam aos protestos contra os
Em El Salvador, em 2013, uma jovem governos com uso excessivo da força. No
conhecida como Beatriz teve negado um Brasil, no Canadá, no Chile, no Equador, nos
pedido de aborto apesar de a gestação Estados Unidos, na Guatemala, no Haiti, no
oferecer risco iminente a sua vida e de se México, no Peru e na Venezuela, as forças
saber que o feto não tinha partes do cérebro de segurança descumpriram as normas
e do crânio e que, portanto, não sobreviveria internacionais sobre o uso da força com o
fora do útero. A situação de Beatriz gerou um pretexto de proteger a ordem pública. Ao
clamor nacional e internacional e ocasionou invés de transmitirem uma mensagem clara
várias semanas de pressão constante sobre de que o uso excessivo da força não seria
as autoridades. Finalmente, quando estava tolerado, os governos sequer questionaram
na 23ª semana de gestação, ela pôde se ou manifestaram preocupação com a
submeter a uma cesareana. A proibição violência praticada.
total do aborto em El Salvador continuou a No começo de fevereiro de 2014,
criminalizar as opções sexuais e reprodutivas a Venezuela foi abalada por grandes
de meninas e mulheres, o que as colocava manifestações favoráveis e contrárias ao
em risco de perder a vida ou a liberdade. governo em várias regiões do país. Os
Em 2014, 17 mulheres condenadas a penas protestos e a resposta das autoridades
de até 40 anos de prisão por questões refletiam a crescente polarização que
relacionadas à gravidez solicitaram indulto; a tem atormentado o país há mais de uma
decisão sobre seus casos estava pendente no década. Essa onda de insatisfação social
fim do ano. e os violentos enfrentamentos entre
Em maio de 2013, o ex-presidente da manifestantes e forças de segurança criaram
Guatemala, general Efrain Rios Montt, foi o ambiente para a ocorrência de violações
condenado por genocídio e crimes contra generalizadas dos direitos humanos, como
a humanidade. A condenação, porém, foi homicídios, detenções arbitrárias, torturas

Anistia Internacional – Informe 2014/15 13


e outros tratamentos cruéis, desumanos a intimidar os manifestantes que exerciam
ou degradantes. Milhares de manifestantes seu direito de reunião pacífca. Manifestantes
foram detidos, muitos de forma arbitrária, e e jornalistas foram feridos pelas forças de
houve denúncias de tortura e outros maus- segurança, que utilizaram balas de borracha,
tratos. Pelo menos 43 pessoas foram mortas gás lacrimogêneo e outras táticas de
e 870 ficaram feridas, inclusive das forças de dispersão agressivas em situações nas quais
segurança, no contexto dos protestos e de seu uso não se justificava.
sua repressão pelas autoridades.
No Brasil, milhares de pessoas foram TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
às ruas para protestar enquanto o país se O Continente Americano conta com alguns
preparava para receber a Copa do Mundo dos mais sólidos mecanismos e leis de
de 2014. Os manifestantes queriam mostrar combate à tortura tanto em nível nacional
seu descontentamento com os aumentos quanto regional. Ainda assim, em toda
nos custos do transporte público e com os a região, a tortura e outros maus-tratos
gastos elevados para organizar a Copa do continuam sendo prática generalizada e os
Mundo, que contrastavam com os baixos responsáveis raramente têm que enfrentar
investimentos nos serviços públicos. Os a Justiça.
protestos adquiriram uma dimensão sem No relatório Fora de controle: A tortura
precedentes, quando centenas de milhares e outros maus-tratos no México , a Anistia
de pessoas participaram de extensas Internacional documentava um aumento
manifestações em dezenas de cidades de preocupante da tortura e de outros maus-
todo o país. Em muitas ocasiões, a resposta tratos no país. O informe também chamava
da polícia à onda de protestos em 2013 e atenção para a prevalência no México de
2014, inclusive durante a Copa do Mundo, uma cultur a de tolerância e impunidade
foi violenta e abusiva. A polícia militar usou com a tortura durante a última década.
gás lacrimogêneo de forma indiscriminada Somente sete torturadores foram condenados
contra os manifestantes, inclusive dentro de por tribunais federais e menos ainda por
um hospital, atirou com balas de borracha tribunais estaduais.
em indivíduos que não apresentavam As incompletas e limitadas investigações
qualquer ameaça e espancou as pessoas sobre as violações de direitos humanos
com cassetetes. Centenas ficaram feridas, cometidas no caso dos 43 estudantes
entre elas Sérgio Silva, um fotógrafo que de magistério desaparecidos no México
perdeu um olho depois de atingido por uma evidenciavam as graves deficiências do
bala de borracha. Outras centenas foram governo mexicano para investigar a corrupção
cercadas e detidas de forma indiscriminada, e a conivência arraigadas e generalizadas
algumas com base em leis de combate ao entre funcionários do Estado e crime
crime organizado, sem a menor indicação organizado, assim como o grau alarmantes de
de que estivessem envolvidas com impunidade no país.
atividades criminosas. A tortura e outros maus-tratos foram
Nos Estados Unidos, os disparos contra usados com frequência contra supostos
Michael Brown e a decisão de um grande delinquentes para obter informações, extrair
júri de não indiciar o policial responsável confissões e infligir castigos. Na Venezuela,
desencadearam uma onde de protestos, em fevereiro de 2014, Daniel Quintero, um
que se estenderam por vários meses tanto estudante de 23 anos, foi agredido com
em Ferguson quanto em locais próximos. O chutes e socos no rosto e nas costelas, tendo
uso de pesadas indumentárias antidistúrbio sido ameaçado de estupro, quando estava
e de armas e equipamentos de uso militar detido por suposta participação em uma
para o policiamento de manifestações visava manifestação contra o governo. Na República

14 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Dominicana, Ana Patricia Fermín recebeu Salvador, Guatemala, Haiti, México, Paraguai,
ameaças de morte em abril de 2014 depois Peru e Uruguai.
de denunciar que dois de seus familiares
haviam sido torturados em custódia da polícia CONDIÇÕES PRISIONAIS
na capital, Santo Domingo. Seu esposo e um Com a disparada das taxas de
dos homens torturados foram mortos a tiros encarceramento na região nas duas últimas
pela polícia em setembro. décadas, os grupos de direitos humanos
documentaram como as prisões latino-
ACESSO À JUSTIÇA E COMBATE americanas se transformaram em locais
À IMPUNIDADE tenebrosos onde o cumprimento de pena se
O acesso satisfatório à Justiça continuou fora tornou uma luta por sobrevivência. Dezenas
do alcance de muitas pessoas, sobretudo nas de milhares de pessoas permaneciam
comunidades mais desfavorecidas. Entre as detidas à espera de julgamento por períodos
barreiras à Justiça estavam a ineficiência dos demasiadamente longos devido às demoras
sistemas judiciais, a falta de independência do sistema de justiça criminal.
do poder Judiciário e a disposição de alguns Na maioria dos países da América Latina
setores a recorrer a medidas extremas para e do Caribe, as prisões se caracterizavam
evitar a prestação de contas e proteger por superlotação extrema, violência e às
interesses políticos, econômicos e criminosos vezes falta até mesmo dos serviços mais
particulares. básicos. Em muitos países do continente
As dificuldades de acesso à Justiça foram houve denúncias de falta de alimentos e de
exacerbadas por ataques contra defensores água potável, de condições insalubres, de
dos direitos humanos, testemunhas, ausência de cuidados médicos e privação
advogados, promotores e juízes. Jornalistas de translado dos presos para os locais de
que tentavam denunciar abusos do poder, audiência a fim de que seus processos
violações de direitos humanos e corrupção pudessem avançar nos tribunais. Também
também foram alvos frequentes de ataques. houve registro de violência entre os presos,
Além disso, em países como Chile, Equador inclusive com resultados fatais. Embora vários
e Estados Unidos, persistia o uso de dos atuais governantes da região tenham
tribunais militares para julgar integrantes vivido a experiência do cárcere, as condições
das forças de segurança que cometeram prisionais nesses países não tiveram
violações de direitos humanos, com a falta de prioridade em sua agenda política.
independência e de imparcialidade desses Nos Estados Unidos, dezenas de milhares
processos causando grave preocupação. de presos continuaram em regime de
Houve alguns avanços nas investigações e isolamento nas penitenciárias estaduais e
processos por violações de direitos humanos federais, confinados dentro de celas por 22
cometidas por regimes militares no século a 24 horas diárias, com total privação de
passado, como nos casos da Argentina e contato social e ambiental.
do Chile. No entanto, a impunidade por Os governos não tomaram as devidas
milhares de desaparecimentos forçados e medidas para lidar com a necessidade
execuções extrajudiciais praticadas na região inadiável de pôr em prática planos urgentes e
na segunda metade do século XX permanecia dotados de todos os recursos para enfrentar
arraigada, principalmente pela falta de esse grave problema. Pouco se fez para
vontade polícica para levar os responsáveis à assegurar que as instalações carcerárias
Justiça. Milhares de vítimas e seus familiares cumprissem com as normas internacionais de
continuaram a exigir a verdade e a justiça direitos humanos e que o direito dos presos
em diversos países, como Brasil, Bolívia, El à vida, à integridade física e à dignidade
fosse protegido.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 15


DIREITOS DOS MIGRANTES E de ascendência estrangeira nascidos entre
SEUS DESCENDENTES 1929 e 2010, a grande maioria dos quais
A insegurança e as privações sociais em seus descendia de haitianos. A decisão provocou
países de origem levaram um número cada comoção dentro e fora do país, inclusive das
vez maior de migrantes centro-americanos, autoridades haitianas.
principalmente menores desacompanhados, Ángel Colón, membro da comunidade
a cruzar o México para chegar aos EUA. afrodescendente garífuna de Honduras, foi
Os migrantes que atravessavam o país libertado incondicionalmente em outubro de
continuaram sendo mortos, sequestrados 2014 depois de ter passado cinco anos numa
e extorquidos por grupos criminosos que penitenciária mexicana. Ele havia sido preso
geralmente atuavam em conluio com agentes em 2009 pela polícia de Tijuana quando
públicos, além de sofrerem maus-tratos nas tentava chegar aos EUA vindo de Honduras.
mãos das autoridades mexicanas. Mulheres e Enquanto esteve detido, ele foi espancado,
crianças corriam alto risco de sofrer violência obrigado a andar de joelhos, chutado e
sexual e ser vítimas de tráfico de pessoas. A esmurrado no estômago e quase asfixiado
grande maioria dessas violações jamais foi com a cabeça dentro de um saco plástico. Ele
investigada e os responsáveis seguem livres. foi despido e forçado a limpar com a língua
O número de deportações aumentou e a os calçados dos outros presos e a fazer outras
prática de manter as pessoas em detenção ações humilhantes. A Anistia Internacional
administrativa à espera de deportação o considerou um prisioneiro de consciência,
continuou sendo a norma. que foi detido, torturado e processado por
Entre outubro de 2013 e julho de 2014, motivos discriminatórios baseados em sua
52.193 migrantes menores de idade origem étnica e sua condição de migrante
desacompanhados foram detidos nos sem documentos.
Estados Unidos, quase o dobro do número
registrado nos 12 meses anteriores. O DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS
governo dos EUA calculava que, até o Depois de mais de 20 anos de luta por suas
fim de novembro de 2014, o número de terras tradicionais, foi aprovada em junho
menores não acompanhados detidos em uma lei de expropriação para devolver as
estados fronteiriços como Texas, Arizona terras da comunidade indígena Sawhoyamaxa
e Califórnia, podia superar 90.000. Muitos no Paraguai. Entretanto, os povos indígenas
desses menores fugiam da insegurança da região continuaram enfrentando ameaças
e da pobreza em seus países de origem. sociais, políticas e econômicas ao seu bem-
Além disso, os níveis sem precedentes de estar coletivo e a sua própria existência. Sua
violência relacionada às gangues e ao crime herança cultural, suas terras ancestrais e
organizado em países como El Salvador, seu direito à autodeterminação foram alvo
Guatemala, Honduras e Nicarágua levava de constantes ataques. Atores estatais e
milhares de menores não acompanhados a não estatais, como empresas e poderosos
emigrar para os Estados Unidos. proprietáros de terras, continuaram a
A discriminação contra os migrantes e expulsá-los de suas próprias terras em nome
seus descendentes era generalizada, e os do desenvolvimento econômico e social. Os
Estados mostraram pouca disposição política programas de desenvolvimento costumavam
para enfrentar as causas dessa exclusão tão resultar em destruição ambiental e
enraizada. Em setembro de 2013, o Tribunal cultural, assim como no desalojamento
Constitucional da República Dominicana de comunidades. Aquelas que viviam em
proferiu uma sentença amplamente criticada isolamento voluntário corriam maior perigo,
que privava de forma retroativa e arbitrária da sobretudo na Bacia Amazônica.
nacionalidade dominicana os dominicanos

16 Anistia Internacional – Informe 2014/15


O direito dos povos indígenas à resultou nessas esterilizações forçadas foi
consulta efetiva e ao consentimento livre, levada à Justiça.
prévio e informado sobre os projetos de
desenvolvimento que os afetam, inclusive os DEFENSORES DOS DIREITOS
da indústria de mineração, continuou sendo HUMANOS EM PERIGO
lesado, apesar de todos os Estados da região Os defensores dos direitos humanos
terem endossado a Declaração da ONU sobre continuaram sendo vítimas de ataques
os Direitos dos Povos Indígenas de 2007. e abusos em represália por seu trabalho
A falta de respeito aos direitos dos povos legítimo em muitos países como Brasil,
indígenas teve um impacto negativo sobre Colômbia, Cuba, República Dominicana,
seus meios de subsistência e também Equador, Guatemala, Haiti, Honduras,
permitiu que as comunidades fossem México, Peru e Venezuela. Eles enfrentavam
ameaçadas, hostilizadas, removidas uma série de abusos tais como atentados
ou deslocadas à força, atacadas ou contra sua vida e sua integridade física,
assassinadas à medida que se intensificava e ataques ao seu direito às liberdades de
a determinação de explorar os recursos expressão, de associação e de reunião.
existentes nas áreas que habitam. O direito Também eram difamados pela imprensa e
desses povos de se opor a essas ações e pelas autoridades governamentais, além de
de exigir seu consentimento livre, prévio e serem vítimas do uso indevido do sistema
informado continua obtendo como resposta de justiça, numa tentativa de criminalizar
intimidações e ataques, uso excessivo da quem defende os direitos humanos. Em
força, detenções arbitrárias e a utilização alguns países, como Colômbia e Guatemala,
discriminatória dos sistemas judiciais. Por as organizações de direitos humanos
exemplo, em julho, a Corte Interamericana informaram um crescimento alarmante do
de Direitos Humanos determinou que as número de ataques contra esses defensores.
condenações de oito indígenas mapuche no Os responsáveis pelos abusos quase nunca
Chile se fundamentaram em estereótipos e eram levados à Justiça.
preconceitos discriminatórios. As pessoas que lutavam contra a
As mulheres indígenas continuaram a impunidade, que trabalhavam pelos direitos
experimentar um grau desproporcional de das mulheres e que atuavam em questões de
violência e discriminação. Em maio, a Real direitos humanos relativas a terra, território e
Polícia Montada do Canadá admitiu que pelo recursos naturais corriam maior perigo.
menos 1.017 mulheres e meninas indígenas Mesmo nos países em que foram criados
foram assassinadas entre 1980 e 2012, uma mecanismos de proteção aos defensores dos
taxa de homicídio ao menos quatro vezes direitos humanos, como Brasil, Colômbia e
e meia maior do que a verificada entre as México, as medidas de proteção, em muitos
mulheres da população em geral. Em janeiro casos, ou não foram concedidas ou não o
de 2014, o Ministério Público de Lima, no foram de modo pronto e eficaz. Isso se devia
Peru, encerrou os processos de mais de sobretudo à falta de vontade política e de
2.000 mulheres indígenas e camponesas que recursos para garantir sua aplicação efetiva.
na década de 1990 haviam sido esterilizadas Também era preocupante que não tivesse
sem o seu consentimento pleno e informado. sido adotado um enfoque diferenciado na
Os 2.000 casos representavam apenas uma aplicação das medidas de proteção que
pequena fração de um total de mais 200.000 levasse em conta a perspectiva de gênero.
mulheres esterilizadas durante esse período. Apesar do ambiente inseguro e hostil em
Nenhuma das autoridades governamentais que transitam, os defensores dos direitos
responsáveis por aplicar o programa que humanos de toda a região continuaram a
lutar com coragem, dignidade e empenho

Anistia Internacional – Informe 2014/15 17


para que os direitos humanos de todos se Salvador, o futuro, nesse aspecto, parecia
tornem realidade. sombrio. Pelo menos 129 mulheres foram
encarceradas na última década por motivos
DIREITOS DAS MULHERES relacionados à gravidez. No fim do ano, 17
E DAS MENINAS dessas mulheres aguardavam o resultado
Os Estados da região não priorizaram em de seu pedido de indulto. Elas cumpriam
suas agendas políticas a proteção das penas de até 40 anos de prisão por homicídio
mulheres e das meninas contra os estupros, doloso, tendo sido inicialmente indiciadas
as ameaças e os assassinatos. A aplicação por aborto.
lenta e desigual da legislação de combate Na maioria dos países em que a legislação
à violência de gênero continuou bastante permitia o acesso a serviços de aborto em
preocupante, e a falta de recursos disponíveis determinadas circunstâncias, os demorados
para investigar e processar esses crimes procedimentos judiciais praticamente
levantou dúvidas sobre a vontade das impossibilitavam o acesso a abortos seguros,
autoridades de enfrentar esse problema. O principalmente para quem não podia pagar
fato de os responsáveis por esses crimes não para ter esse serviço no setor privado. A
serem levados à Justiça torna ainda mais restrição do acesso a métodos contraceptivos
arraigada a impunidade pela violência de e informações sobre questões sexuais e
gênero, e ajuda a fomentar um ambiente em reprodutivas continuou sendo um problema,
que a violência contra mulheres e meninas principalmente para as mulheres e meninas
é tolerada. mais marginalizadas da região.
Em agosto de 2013, os Estados da região Em alguns países, a descriminalização
pareciam avançar quando chegaram a do aborto em casos de estupro começava
um acordo histórico em Montevidéu, no gradativamente a se tornar realidade.
Uruguai, reconhecendo que a criminalização Na Bolívia, o Tribunal Constitucional
do aborto provocava um aumento da Plurinacional decidiu em fevereiro que a
morbidade e mortalidade maternas e exigência de autorização judicial para realizar
não diminuía o número de abortos. Em um aborto que tenha resultado de estupro
dezembro, o aborto foi descriminalizado na era inconstitucional. E, no fim do ano, o
República Dominicana. Congresso do Peru estava debatendo um
No fim de 2014, porém, os direitos anteprojeto de lei para descriminalizar o
sexuais e reprodutivos das mulheres e das aborto se a gravidez fosse consequência de
meninas continuavam a ser violados, com estupro. No Equador, porém, uma tentativa
terríveis consequências para sua vida e sua semelhante foi impedida pelo presidente
saúde. Em países como Chile, El Salvador, Rafael Correa em 2013.
Haiti, Honduras, Nicarágua e Suriname, a A maioria dos países da região havia
proibição absoluta do aborto em todas as aprovado leis para combater a violência
circunstâncias continuou em vigor, inclusive contra mulheres e meninas tanto na esfera
para meninas e mulheres que engravidaram privada quanto na pública. Contudo,
em consequência de estupro ou que mecanismos eficazes e dotados dos recursos
enfrentavam complicações na gestação necessários para proteger as mulheres e as
que podiam levá-las à morte. Pessoas que meninas contra a violência praticamente
tentassem fazer ou facilitar um aborto se inexistiam, sobretudo nas comunidades mais
arriscavam a passar muitos anos na cadeia. pobres e marginalizadas.
Ao assumir o governo em março de 2014, Há informações de que os índices de
a presidente Michele Bachelet prometeu violência contra a mulher aumentaram
que uma de suas prioridades seria revogar em toda a região. A Corte Interamericana
a proibição total do aborto no Chile. Em El de Direitos Humanos e a Comissão

18 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Interamericana de Direitos Humanos SEGURANÇA E COMBATE
manifestaram sua preocupação tanto com AO TERRORISMO
os níveis de violência contra as mulheres O presidente Barack Obama reconheceu
quanto com a impunidade, tendo concluído que os Estados Unidos recorreram à tortura
que as crenças sociais subjacentes de que as para responder aos atentados de 11 de
mulheres são inferiores aos homens haviam setembro de 2001, mas manteve o silêncio
criado uma cultura discriminatória no seio com relação à prestação de contas e à
das instituições judiciais e de aplicação da lei, reparação por essas ações. No fim de 2014,
o que resulta em investigações negligentes 127 homens ainda eram mantidos no centro
e na falta de punição dos responsáveis por de detenção dos EUA em Guantánamo,
esses abusos. Cuba. A maioria permanecia detida sem
acusação ou julgamento, enquanto seis
CONFLITO ARMADO indivíduos aguardavam ser julgados perante
A ausência de medidas para enfrentar uma comissão militar, por um governo que
as consequências do conflito armado demanda para eles a pena de morte, em
colombiano em termos de direitos humanos, um sistema que não cumpria as normas
somada ao fato de a maioria dos supostos internacionais para julgamentos justos.
responsáveis penais por esses crimes não ser Ao fim de 2012, o Comitê de Inteligência
processada judicialmente, ameaçava solapar do Senado dos Estados Unidos concluiu
a viabilidade no longo prazo de um eventual sua revisão, iniciada em 2009, do programa
acordo de paz. secreto de detenção e interrogatório operado
As conversações de paz conduzidas em pela Agência Central de Inteligência (CIA)
Cuba entre o governo colombiano e o grupo após os atentados de 11 de setembro.
guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias No dia 3 de abril de 2014, por 11 votos a
da Colômbia (FARC) fizeram progressos. As favor e 3 contra, o Comitê aprovou que o
negociações ofereciam a melhor oportunidade resumo do relatório e suas 20 constatações
em mais de uma década para definitivamente e conclusões fossem desclass ificados da
pôr um fim ao conflito armado interno mais condição de secreto . O resumo, que foi
prolongado da região. No entanto, ambos finalmente publicado em 9 de dezembro,
os lados continuaram a cometer abusos e continha mais detalhes condenatórios das
violações de direitos humanos e do direito violações de direitos humanos cometidas no
internacional humanitário, principalmente escopo do programa, as quais contav am com
contra povos indígenas, comunidades autorização presidencial. O relatório completo
afrodescendentes e campesinas, defensores permanecia classificado como altamente
dos direitos humanos e sindicalistas. secreto e indisponível ao público, segundo
O governo colombiano continuou a senadora Dianne Feinstein, presidente
promovendo legislação para ampliar o do Comitê de Inteligência, “para ser
escopo da jurisdição militar e facilitar o desclassificado no futuro”. Embora existam
encaminhamento para os tribunais militares há anos muitas informações de domínio
de casos em que membros das forças de público sobre o programa da CIA, ninguém
segurança estejam implicados em violações havia sido levado à Justiça para responder
de direitos humanos. Essa iniciativa pelas violações de direitos humanos, inclusive
ameaçava reverter os poucos avanços que por crimes contra o direito internacional ,
os tribunais civis haviam conquistado para como a tortura e o desaparecimento forçado,
defender o direito das vítimas à verdade e praticados ao abrigo desse programa.
à justiça.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 19


PENA DE MORTE
Os Estados Unidos foram o único país da
região a realizar execuções. Entretanto,
mesmo nos EUA, uma onda contrária à
pena de morte ganhou novo ímpeto em
fevereiro, quando o governador do estado
de Washington anunciou que não permitiria
execuções no estado durante seu mandato.
Antes disso, em 2013, Maryland já havia
abolido a pena de morte, elevando para
18 o número de estados abolicionistas. Há
fortes indicações de que o Colorado também
não realizará execuções enquanto o atual
governador estiver no cargo.
No Caribe, vários Estados anunciaram que,
pela primeira vez desde 1980, não tinham
nenhum prisioneiro no corredor da morte.

20 Anistia Internacional – Informe 2014/15


PANORAMA de pessoas continuaram a ser detidas em
campos de prisioneiros e outros centros de

REGIONAL: ÁSIA E detenção, muitas delas sem acusação nem


julgamento por qualquer crime reconhecido

OCEANIA internacionalmente. No fim do ano, essas


preocupações foram reconhecidas na
Assembleia Geral da ONU e discutidas no
A região da Ásia e da Oceania cobre Conselho de Segurança.
metade do globo e contém mais da metade Os refugiados e requerentes de asilo
da população mundial, a maioria jovens. continuaram a enfrentar dificuldades
Durante anos, a região tem crescido em força significativas. Vários países, como Malásia e
política e econômica, e está rapidamente Austrália, violaram o princípio internacional
transformando a balança do poder e da de non-refoulement ao devolverem à força
riqueza globais. Enquanto a China e os EUA refugiados e requerentes de asilo para
lutam entre si por influência, também foi países onde eles estavam expostos a graves
significativa a dinâmica existente entre as violações dos direitos humanos.
grandes potências da região, como Índia e A pena de morte continu ou a ser imposta
China e a Associação de Nações do Sudeste em vários países da região. Em dezembro,
Asiático (ASEAN). É preciso interpretar as o ataque liderado pelo Talibã paquistanês
tendências em direitos humanos da região à Escola Pública do Exército, em Peshawar
nesse contexto. matou 149 pessoas, das quais 132 eram
Apesar de certos avanços em 2014, como crianças, fazendo deste o ataque terrorista
a eleição de alguns governos que prometeram mais mortífero da história do Paquistão. Em
melhorias nos direitos humanos, a tendência resposta, o governo suspendeu a moratória
geral foi regressiva devido à impunidade, da pena de morte e prontamente executou
à constante desigualdade no tratamento sete homens que já haviam sido condenados
das mulheres e à violência praticada contra por outros crimes relacionados com o
elas, ao uso continuado da tortura e à terrorismo. O primeiro-ministro anunciou
imposição mais frequente da pena de morte, planos de estabelecer tribunais militares para
à repressão às liberdades de expressão e julgar suspeitos de terrorismo, aumentando
de reunião, à pressão sobre a sociedade as preocupações sobre julgamentos justos.
civil e às ameaças a defensores dos direitos A homossexualidade continuou
humanos e profissionais da imprensa. Houve criminalizada em vários países da região.
sinais preocupantes de crescente intolerância Na Índia, o Supremo Tribunal concedeu
étnica e religiosa e de consequente reconhecimento jurídico às pessoas
discriminação, enquanto as autoridades ou transgênero e, na Malásia, o Tribunal de
eram cúmplices ou não adotavam medidas Recursos declarou inconstitucional uma lei
para combatê-las. Continuou o conflito que tornava o travestismo ilegal. No entanto,
armado em partes da região, particularmente continuaram a ser relatados casos de assédio
no Afeganistão, nas Áreas Tribais sob e violência contra pessoas transgênero.
Administração Federal (FATA) no Paquistão, Um aspecto positivo foi o aumento do
em Mianmar e na Tailândia. ativismo entre as populações mais jovens,
A ONU divulgou um relatório detalhado conectadas por meio de tecnologias de
sobre a situação dos direitos humanos na comunicação mais acessíveis. No entanto,
República Popular Democrática da Coreia diante das reivindicações desses grupos
(Coreia do Norte), com dados sobre a por mais direitos, as autoridades de muitos
violação sistemática de quase todo o espectro países recorreram à restrição das liberdades
dos direitos humanos. Centenas de milhares

Anistia Internacional – Informe 2014/15 21


de expressão, de associação e de reunião menos 60 prisioneiros de consciência
pacífica, e tentaram minar a sociedade civil. permaneceram presos.
Em Hong Kong, milhares de manifestantes,
CRESCIMENTO DO ATIVISMO liderados principalmente por estudantes,
As populações mais jovens, conectadas saíram às ruas em setembro para pedir o
por tecnologias de comunicação acessíveis sufrágio universal. Posteriormente, mais
e pelas redes sociais, reivindicaram seus de 100 ativistas foram detidos na China
direitos em 2014, quando houve um aumento continental por seu apoio aos manifestantes
do ativismo na região, com as mulheres de Hong Kong. No fim do ano, 31 deles
muitas vezes na linha de frente. continuavam detidos.
As eleições proporcionaram espaço para
as pessoas expressarem suas queixas e REPRESSÃO ÀS DIFERENÇAS
reivindicarem mudanças. Nas eleições de DE OPINIÃO
julho na Indonésia, Joko Widodo, após uma Diante do crescente ativismo, as autoridades
vitória esmagadora, assumiu o poder depois de muitos países recorreram a restrições
de fazer promessas de campanha para às liberdades de expressão e de reunião
melhorar a situação dos direitos humanos. pacífica. Na China, a repressão ao ativismo
Em Fiji, as eleições pacíficas realizadas em por direitos foi intensificada durante o ano.
setembro – as primeiras desde o golpe militar Pessoas vinculadas a uma rede difusa
de 2006 – foram marcadas por um intenso de ativistas chamada Movimento Novos
debate do qual participaram a sociedade e os Cidadãos foram condenadas a penas de dois
meios de comunicação, apesar das restrições a seis anos e meio de prisão. A defensora
existentes à liberdade de expressão. Até dos direitos humanos Cao Shunli morreu
o fim de 2014, um ano após as eleições e no hospital em março, após lhe recusarem
as manifestações em massa no Camboja, tratamento médico adequado na prisão.
protestos pacíficos na capital, Phnom Na Coreia do Norte, não parecia haver
Penh, haviam se tornado uma ocorrência organizações da sociedade civil, jornais ou
quase diária. partidos políticos independentes. Os cidadãos
Ativistas e defensores dos direitos norte-coreanos estavam sujeitos a serem
humanos cada vez mais uniram forças para revistados pelas autoridades e poderiam ser
cobrar prestação de contas dos governos. punidos por ler, assistir ou ouvir os meios de
Em fevereiro, em Mianmar, membros da comunicação estrangeiros.
comunidade de Michaungkan retomaram As forças militares e de segurança
um protesto sentado perto da prefeitura usaram força excessiva para reprimir ainda
de Yangon, depois que as autoridades não mais a dissidência. No Camboja, as forças
solucionaram a sua disputa por terra. de segurança responderam aos protestos
Mais ativistas de direitos humanos pacíficos com uso de força excessiva,
buscaram apoio internacional. As autoridades inclusive munição real contra manifestantes,
vietnamitas permitiram a visita da Anistia matando a tiros trabalhadores têxteis que
Internacional ao país pela primeira vez em protestavam em janeiro. Ativistas do direito
mais de 20 anos. Embora vários novos à moradia foram presos por protestar
grupos tenham se formado e os ativistas pacificamente. Na Tailândia, o golpe de
tenham cada vez mais exercido seu direito Estado em maio e a imposição da lei marcial
à liberdade de expressão, eles continuaram levaram à detenção arbitrária de diversas
a enfrentar uma rigorosa censura e a sofrer pessoas, à proibição de reuniões políticas
penalidades. Apesar da libertação antecipada com mais de cinco pessoas e ao julgamento
de seis dissidentes em abril e junho, pelo de civis em tribunais militares, sem direito a

22 Anistia Internacional – Informe 2014/15


recurso. A legislação também foi usada para Tribunal, em consequência de um recurso do
restringir a liberdade de expressão. Ministério Público. Também houve tentativas
Na Malásia, as autoridades começaram por parte das autoridades de cancelar o
a usar uma legislação da era colonial contra registro de alguns dos principais sindicatos,
a sedição para investigar, acusar e prender contra os quais foram movidos processos.
defensores dos direitos humanos, políticos Os ataques contra jornalistas por
da oposição, um jornalista, acadêmicos e motivos políticos indicaram uma tendência
estudantes. Os meios de comunicação e as preocupante. No Paquistão, pelo menos oito
editoras enfrentaram restrições abrangentes jornalistas foram mortos em consequência de
em razão de uma lei que exigia a obtenção seu trabalho, tornando o país um dos mais
de licenças para publicações impressas, perigosos para os profissionais da imprensa.
que poderiam ser revogadas arbitrariamente No Afeganistão, houve um aumento no
pelo ministro do Interior. Os meios de número de jornalistas assassinados, e os
comunicação independentes tiveram que cobriram as eleições corriam maior
dificuldades para obter as licenças. perigo. Nas Maldivas, vários jornalistas foram
Na Indonésia, continuaram a ser agredidos por agentes não estatais, que
documentados casos de prisão e detenção de ficaram impunes.
ativistas políticos pacíficos, particularmente Sinais de restrição a o espaço dos meios
em áreas com histórico de movimentos pró- de comunicação também foram percebidos.
independência, como Papua e Maluku. Em No Sri Lanka, continuaram as intimidações,
Mianmar, as liberdades de expressão e de inclusive com o fechamento temporário do
reunião pacífica continuaram severamente jornal Uthayan. Em Bangladesh, blogueiros
restringidas, e dezenas de defensores e defensores dos direitos humanos foram
dos direitos humanos, jornalistas, ativistas detidos e enfrentaram julgamento e prisão.
políticos e agricultores foram detidos ou No Paquistão, canais de TV foram suspensos.
presos unicamente pelo exercício pacífico dos Censores estatais chineses tentaram proibir
seus direitos. fotos e bloquear qualquer menção positiva
Defensores dos direitos humanos na internet aos protestos pró-democracia,
enfrentaram forte e constante pressão permitindo que os canais de TV e os jornais
de alguns governos. No Sri Lanka, um publicassem apenas notícias aprovadas
memorando emitido pelo Ministério da pelo governo.
Defesa alertou todas as ONGs para deixar de
realizar eventos com a mídia e a não divulgar TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
comunicados de imprensa. Isso agravou o A tortura e outros maus-tratos continuaram
clima já prevalente de medo e repressão, a ser praticados pelos governos de
em que jornalistas e defensores dos direitos vários países.
humanos continuaram a sofrer agressões Nas Filipinas, a tortura policial raramente
físicas, ameaças de morte e acusações por foi investigada ou punida. Apesar da
motivos políticos. ratificação dos dois principais tratados
Os sindicatos também enfrentaram internacionais contra a tortura, os agentes
restrições crescentes. Na República da continuaram a infligir espancamentos
Coreia (Coreia do Sul), Kim Jung-woo, um graves e a usar métodos como choques
líder sindical, foi condenado à prisão após elétricos e simulação de afogamento, visando
tentar impedir que funcionários do governo principalmente à extorsão e à extração
municipal destruíssem barracas e um altar de confissões. Em dezembro, a Anistia
comemorativo no local onde ocorria um Internacional reportou em Above the Law:
protesto. Ele corria o risco de ser condenado Police Torture in the Philippines (‘Acima da
a uma pena mais rígida pelo Supremo Lei: A tortura policial nas Filipinas’) como

Anistia Internacional – Informe 2014/15 23


uma cultura de impunidade generalizada as salvaguardas inadequadas. O Supremo
estava impedindo que a tortura policial Tribunal instruiu os juízes distritais a
fosse controlada. identificar e libertar de imediato todos os
A China consolidou a sua posição detidos em prisão preventiva que estivessem
como um dos principais fabricantes e encarcerados por mais da metade do tempo
exportadores de uma variedade crescente de da pena que teriam de cumprir se tivessem
equipamentos para agentes da lei, inclusive sido julgados e condenados.
de itens sem nenhuma função policial No Japão, o sistema daiyo kangoku, que
legítima, como cassetetes elétricos e grilhões permitia à polícia deter suspeitos por até
com peso, além de equipamentos que podem 23 dias antes de formalizar a acusação,
ser utilizados de forma legítima na aplicação continuou a facilitar o uso da tortura e outros
da lei, mas que se prestam a abusos, como maus-tratos para extrair confissões durante os
o gás lacrimogêneo. A tortura e outros interrogatórios. Não foram tomadas medidas
maus-tratos continuaram generalizados na para abolir ou reformar esse sistema de
China. Em março, quatro advogados que maneira a garantir sua conformidade com as
investigavam denúncias de tortura em um normas internacionais. Na Tailândia, houve
Centro de Formação Legal em Jiansanjiang, relatos de tortura e outros maus-tratos de
na província de Heilongjiang, foram detidos prisioneiros em custódia militar e policial.
arbitrariamente e torturados. Um deles
relatou que foi encapuzado, teve as mãos CONFLITO ARMADO
algemadas atrás das costas e foi suspenso No Afeganistão, depois de 13 anos, a missão
pelos pulsos enquanto a polícia o espancava. da OTAN chegou ao fim, embora tenha sido
Na Coreia do Norte, centenas de milhares acordada a presença contínua de forças
de pessoas continuaram detidas em campos internacionais no país. Abusos cometidos por
penitenciários para presos políticos e outros grupos armados continuaram em elevada
centros de detenção, onde foram submetidas proporção, com os ataques atingindo seu
a graves violações dos direitos humanos, auge no primeiro semestre de 2014. No
como execuções extrajudiciais, tortura e Paquistão, prosseguiu o conflito armado
outros maus-tratos. interno na FATA e, em junho, o exército
Os mecanismos de prestação de contas iniciou uma operação de grande escala no
continuaram insuficientes para lidar com Waziristão do Norte. Os EUA reiniciaram os
as denúncias de tortura, muitas vezes ataques com aviões teleguiados. O atentado
deixando as vítimas e suas famílias sem mais devastador da história do país ocorreu
acesso à Justiça e a outros recursos em dezembro, quando vários militantes
eficazes. No Afeganistão, continuaram as do Talibã paquistanês atacaram a Escola
denúncias de violações dos direitos humanos Pública do Exército em Peshawar, resultando
por funcionários da Direção Nacional na morte de 149 pessoas, inclusive 132
de Segurança (NDS), inclusive tortura e crianças, e em dezenas de feridos, quando os
desaparecimentos forçados. No Sri Lanka, talibãs atiraram contra crianças e professores
a tortura e outros maus-tratos aos detidos e realizaram explosões suicidas.
continuaram generalizados . Em Mianmar, o conflito armado nos
Na Índia, as detenções preventivas estados de Kachin e Shan do Norte continuou
prolongadas e a superlotação nas pelo quarto ano seguido, com denúncias de
prisões continuaram sendo motivo de violações do direito internacional humanitário
grave preocupação. Contribuíram para o e dos direitos humanos cometidas por
problema as detenções indiscriminadas, ambos os lados, inclusive com homicídios
as investigações e processos lentos, os ilegais, tortura e outros maus-tratos, tais
sistemas de assistência jurídica fracos e como estupro e outros crimes de violência

24 Anistia Internacional – Informe 2014/15


sexual. Na Tailândia, a violência armada apresentados pela Comissão Nacional
continuou nas três províncias do sul, Pattani, de Direitos Humanos (Komnas HAM) ao
Yala e Narathiwat, assim como em partes Gabinete do Procurador-Geral, após conduzir
de Songkhla. As forças de segurança foram uma investigação preliminar não judicial.
implicadas em homicídios ilegais, tortura e No Sri Lanka, o Conselho de Direitos
outros maus-tratos. Acredita-se que ataques Humanos da ONU estabeleceu uma
contra civis ao longo do ano tenham sido investigação internacional sobre as denúncias
realizados pelos grupos armados, inclusive o de crimes de guerra cometidos durante a
bombardeio de locais públicos. guerra civil. Autoridades e apoiadores do
governo ameaçaram os defensores dos
IMPUNIDADE direitos humanos para que não tivessem
Um tema comum foi a impunidade contato com os investigadores nem
por violações de direitos, tanto passadas contribuíssem com a investigação. Em abril,
quanto recentes, inclusive as cometidas no no Nepal, o Parlamento aprovou a Lei sobre
contexto de conflitos armados. Na Índia, as a Comissão da Verdade e Reconciliação
autoridades estatais muitas vezes não só (TRC), que criou duas comissões, a TRC e a
deixaram de evitar como também cometeram Comissão sobre Desaparecimentos Forçados,
crimes contra cidadãos indianos. Prisões e com o poder de recomendar anistias,
detenções arbitrárias, tortura e execuções inclusive para casos de graves violações
extrajudiciais poucas vezes foram punidas. dos direitos humanos. Isso ocorreu apesar
O sobrecarregado sistema de justiça criminal de o Supremo Tribunal ter determinado, em
privou de justiça as vítimas de abusos e janeiro, que uma portaria semelhante de
contribuiu para violações do direito a um 2013 sobre a TRC, que também lhe concedia
julgamento justo. A violência dos grupos o poder de recomendar anistias, infringi a o
armados colocou em risco a população civil. direito internacional dos direitos humanos e o
Houve algumas condenações e prisões por espírito da Constituição Provisória de 2007.
crimes cometidos no passado. As Câmaras
Extraordinárias do Tribunal do Camboja (que MIGRANTES
julgavam o Khmer Vermelho) condenaram Vários países violaram o princípio
Nuon Chea, segundo homem na cadeia de internacional de non-refoulement ao
comando no regime do Khmer Vermelho, devolverem à força refugiados e requerentes
e Khieu Samphan, ex-chefe de Estado do de asilo para países onde estavam expostos
regime, por crimes contra a humanidade a graves violações de direitos humanos. Na
e os sentenciaram à prisão perpétua. Nas Malásia, em maio, as autoridades devolveram
Filipinas, o general aposentado Jovito à força dois refugiados e um requerente
Palparan foi preso em agosto. Ele foi acusado de asilo que estavam sob a proteção do
de sequestro e detenção ilegal de estudantes ACNUR, o órgão da ONU para os refugiados,
universitários. para o Sri Lanka, onde eles corriam risco
Na Indonésia, as vítimas de violações e de sofrer tortura. O Sri Lanka deteve e
abusos dos direitos humanos cometidos expulsou à força os requerentes de asilo, sem
no passado continuaram a exigir justiça, avaliar adequadamente os seus pedidos de
verdade e reparação pelos crimes de direito permanência.
internacional perpetrados durante o governo Segundo o ACNUR, os afegãos
do ex-Presidente Suharto (1965-1998) e o continuaram a representar um número
subsequente período de reformas (reformasi). muito elevado de refugiados. Os vizinhos
Não foi informado qualquer progresso com Irã e Paquistão abrigaram 2,7 milhões de
relação aos numerosos casos de supostas refugiados afegãos registrados. Em março, o
violações graves dos direitos humanos ACNUR document ou 659.961 afegãos que

Anistia Internacional – Informe 2014/15 25


foram desalojados internamente devido ao Papua-Nova Guiné (na ilha de Manus) e em
conflito armado, à deterioração da segurança Nauru – ou, então, detendo-os na Austrália.
e a desastres naturais. Houve preocupação
de que o desalojamento poderia aumentar INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
após a transição de segurança prevista E ÉTNICA CRESCENTE
para o fim de 2014, num contexto em que Em 2014, houve sinais de crescente
os insurgentes locais lutavam para ocupar intolerância étnica e religiosa, com
o território anteriormente controlado pelas consequente discriminação, diante de
forças internacionais. autoridades que ou foram cúmplices ou
Os migrantes internos também sofreram não adotaram medidas para combatê-
discriminação. Na China, as mudanças las. No Paquistão, as leis sobre blasfêmia
introduzidas no sistema de registro de continuaram vinculadas a atos de violência
famílias, conhecido como hukou, permitiram praticados por justiceiros. A polícia foi
aos residentes das zonas rurais mudar-se avisada de algumas agressôes iminentes a
com mais facilidade para cidades de pequeno suspeitos de "blasfêmia", mas não tomou
ou médio porte. O acesso a benefícios e medidas adequadas para protegê-los. As leis
serviços, inclusive educação e assistência sobre blasfêmia também contribuíram para
médica, continuou vinculado à categoria um ambiente de intolerância na Indonésia.
de cada pessoa no hukou, o que ainda era Em novembro, a Anistia Internacional
motivo de discriminação. O sistema hukou recomendou a revogação dessa lei no país e
obrigou muitos migrantes internos a deixar a libertação imediata de todos que estavam
seus filhos na área rural. presos em razão dela.
Os trabalhadores migrantes continuaram Ataques violentos por motivo de identidade
a enfrentar abusos e discriminação. Em religiosa e étnica continuaram a ocorrer
Hong Kong, teve início um julgamento de em uma escala significativa, e a omissão
grande notoriedade pública envolvendo dos governos em lidar com esse tipo de
três trabalhadoras domésticas indonésias. intolerância ficou evidente. Os governos
Sua antiga empregadora respondeu por 21 de Mianmar e Sri Lanka não combateram
acusações, com o causar lesão corporal grave o incitamento à violência com base no
com dolo e não pagar salários. Em outubro, ódio nacional, racial e religioso por grupos
a Anistia Internacional publicou um relatório nacionalistas budistas, apesar dos incidentes
baseado em entrevistas com trabalhadores violentos. O governo de Mianmar também
agrícolas migrantes em toda a Coreia do Sul, não permitiu aos rohingyas a igualdade de
os quais, em razão do Sistema de Permissão acesso à cidadania plena. No Paquistão,
de Emprego (EPS), eram submetidos a horas muçulmanos xiitas foram mortos em ataques
de trabalho excessivas, salários insuficientes, de grupos armados; ahmadis e cristãos
negação de descanso semanal e de férias também foram escolhidos como alvo. O Sri
anuais remuneradas, subcontratação ilegal e Lanka também foi palco de atos de violência
condições de vida precárias. Muitos também contra muçulmanos e cristãos por grupos
foram discriminados no trabalho devido à sua armados, e a polícia não os protegeu nem
nacionalidade. investigou os incidentes.
A Austrália continuou com sua política Na China, pessoas de etnia tibetana
rígida em relação a os requerentes de asilo, continuaram a sofrer discriminação e
devolvendo ao país de origem aqueles restrições em seu direito à liberdade de
que chegavam de barco, transferindo-os pensamento, consciência e religião, bem
para centros de detenção para imigrantes como de expressão, associação e reunião
localizados fora do território australiano – em pacífica. Segundo informações, manifestantes
tibetanos foram atingidos por tiros disparados

26 Anistia Internacional – Informe 2014/15


pela polícia e por forças de segurança em O governo japonês não se pronunciou
Kardze (em chinês , Ganzi), na província contra a retórica discriminatória nem refreou
de Sichuan, onde uma multidão se reuniu o uso de termos racialmente pejorativos e o
para protestar contra a detenção de um assédio contra as pessoas de etnia coreana
líder comunitário. Uigures enfrentaram e seus descendentes, que são comumente
discriminação generalizada no emprego, chamados de zainichi (literalmente,
educação e moradia, tiveram sua liberdade "residentes no Japão"). Em dezembro, o
de religião cerceada e foram marginalizados Suprem o Tribunal condenou o grupo Zainichi
politicamente. Tokken wo Yurusanai Shimin no Kai por
Algumas autoridades governamentais usar termos racialmente pejorativos contra a
utiliz aram a religião como justificativa para comunidade coreana durante manifestações
a discriminação em curso. Na Malásia, o públicas realizadas perto de uma escola
Tribunal Federal rejeitou um recurso que coreana de ensino primário.
buscava derrubar a proibição do uso da No Sri Lanka, continuou a discriminação
palavra “Alá” por um jornal cristão em suas das minorias étnicas, linguísticas e religiosas,
publicações. As autoridades alegaram que o como os membros das comunidades tamil,
uso da palavra em textos não muçulmanos muçulmana e cristã. As minorias foram alvo
era confuso e poderia encorajar a conversão de restrições arbitrárias às liberdades de
de muçulmanos. A proibição levou a atos de expressão e de associação.
intimidação e assédio contra cristãos.
Na Índia, completaram-se 30 anos DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
do massacre de sikhs em 1984, que Em muitos países da região ainda é preciso
seguia impune, tal como tantos outros avançar no respeito, proteção e cumprimento
ataques de grandes proporções contra dos direitos sexuais e reprodutivos.
minorias religiosas. Em abril, o Supremo Tribunal das Filipinas
endossou a Lei sobre Saúde Reprodutiva,
DISCRIMINAÇÃO que abria caminho para o financiamento
Em muitos países as pessoas continuaram público de métodos contraceptivos modernos
a sofrer discriminação, principalmente onde e procurava introduzir o debate sobre saúde
as autoridades não tomaram as medidas reprodutiva e educação sexual nas escolas.
adequadas para proteger essas pessoas e No entanto, as Filipinas ainda têm uma das
suas comunidades. leis mais restritivas ao aborto no mundo,
No Nepal, persistiu a discriminação por que o criminaliza em todos os casos, sem
motivos de gênero, casta, classe, etnia exceções. Na Indonésia, em julho, foi
e religião, entre outros. As vítimas foram aprovada uma lei que restringia para 40 dias
submetidas à exclusão, tortura e outros o prazo no qual as sobreviventes de estupro
maus-tratos, como a violência sexual. poderiam realizar legalmente um aborto.
Mulheres de grupos marginalizados, Houve preocupações de que este período
inclusive as dalit, e mulheres que viviam de tempo mais curto impediria que muitas
na pobreza continuaram a enfrentar sobreviventes de estupro tivessem acesso a
grandes dificuldades por múltiplas formas um aborto seguro.
de discriminação. Na Índia, as mulheres e No Nepal, os esforços do governo para
meninas dalit continuaram a sofrer vários erradicar a discriminação de gênero contra
níveis de discriminação e violência com base mulheres e meninas continuaram ineficazes
em castas. Autoproclamados conselhos para reduzir o risco de prolapso uterino. O
municipais emitiram decretos ilegais que secretário-geral da Anistia Internacional, Salil
ordenavam punições de mulheres por Shetty , lançou no país a campanha "Meu
supostas transgressões sociais.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 27


Corpo, Meus Direitos" entre mulheres de da Declaração de Kono (um pedido de
comunidades rurais afetadas pelo problema. desculpas do governo, feito duas décadas
antes, para as sobreviventes do sistema
VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES militar de escravidão sexual aplicado antes
Mulheres de toda a região continuaram a e durante a Segunda Guerra Mundial).
sofrer violência, inclusive ao procurar exercer Várias personalidades públicas de destaque
seus direitos. No Paquistão, por exemplo, deram declarações para negar ou justificar o
uma jirga (órgão decisório tradicional) sistema. O governo continuou se recusando
formada por chefes tribais uthmanzai a utilizar oficialmente o termo "escravidão
da agência tribal do Waziristão do Norte sexual" e a negar uma indenização efetiva às
ameaçou mulheres com atos de violência por sobreviventes.
elas tentarem obter a juda humanitária em Em Papua-Nova Guiné, houve mais
campos para pessoas desalojadas. denúncias de atos de violência, às vezes
Na Índia, as autoridades não resultando em morte, contra mulheres
implementaram de forma efetiva as novas e crianças acusadas de feitiçaria. O
leis sobre crimes contra as mulheres, relator especial da ONU sobre execuções
promulgadas em 2013, nem empreenderam extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias
reformas significativas para garantir sua destacou que os assassinatos relacionados
aplicação. O estupro dentro do casamento à feitiçaria eram uma de suas principais
continuou não sendo reconhecido como preocupações.
crime se a esposa tivesse mais de 15 anos.
Em vários países da região, crianças foram PENA DE MORTE
obrigadas a se casar. No Afeganistão e no Vários países da região mantiveram a pena
Paquistão, foram registrados os chamados de morte: a China continuou a empregá-la de
crimes de “honra". No Afeganistão, aumentou modo extensivo.
o número de casos denunciados com base As execuções continuaram no Japão.
na Lei sobre a Eliminação da Violência contra Em março, um tribunal ordenou um novo
a Mulher – mas não estava claro se isso julgamento e a libertação imediata de
se devia a um aumento na ocorrência dos Hakamada Iwao. Ele havia sido condenado
crimes ou ao maior registro de denúncias. à morte em 1968, após um julgamento
Os crimes relacionados à violência contra injusto baseado em uma confissão forçada,
as mulheres continuaram entre os menos e era o prisioneiro que estava há mais tempo
denunciados. A Comissão Independente de condenado à morte no mundo.
Direitos Humanos do Afeganistão registrou No Vietnã, as execuções continuaram e
4.154 casos de violência contra mulheres várias pessoas foram condenadas à morte por
somente no primeiro semestre de 2014. As crimes econômicos.
a utoridades aprovaram ou alteraram várias As críticas nacionais e internacionais
leis que impediam que os familiares das tiveram certo impacto. Na Malásia, as
vítimas e dos autores dos crimes prestassem execuções de Chandran Paskaran e Osariakhi
testemunho. Uma vez que. segundo consta, Ernest Obayangbon foram adiadas. No
grande parte dos casos de violência de entanto, a pena de morte continuou a ser
gênero ocorre no seio da família, tais leis imposta e, segundo informações, execuções
praticamente impossibilitariam que processos foram realizadas em segredo.
relativos a casamentos forçados, casamentos Em janeiro, o Supremo Tribunal da Índia
infantis e violência doméstica tivessem êxito. determinou que o atraso injustificado na
No Japão, foram divulgados os resultados execução de penas de morte configurava
de um estudo encomendado pelo governo, tortura, e que a execução de pessoas
que revisou o processo de elaboração que sofrem de doença mental seria

28 Anistia Internacional – Informe 2014/15


inconstitucional. O Tribunal também graves problemas de saúde associados ao
estabeleceu diretrizes para a salvaguarda dos vazamento e à contaminação que a fábrica
direitos das pessoas condenadas à morte. continuava a produzir. Nem a Companhia
Em dezembro, em consequência do Dow Chemical nem a Union Carbide
ataque do Talibã paquistanês a uma escola responderam a uma intimação penal emitida
em Peshawar, o Paquistão suspendeu a por um tribunal de Bhopal. O governo
moratória da pena de morte e começou indiano continuou sem descontaminar o local
a executar prisioneiros condenados por da fábrica.
acusações relacionadas a o terrorismo. No Camboja, continuaram os conflitos
Segundo informações, mais de 500 pessoas pela posse de terra e as remoções forçadas,
corriam risco de ser executadas. provocando um aumento dos protestos e
O Afeganistão continuou a aplicar a pena dos confrontos, muitas vezes envolvendo
de morte, muitas vezes após julgamentos autoridades locais e empresas privadas. Em
injustos. Em outubro, seis homens foram outubro, um grupo de especialistas em direito
executados na prisão Pul-e-Charkhi, em internacional, representando 10 vítimas,
Kabul. Os julgamentos de pelo menos cinco forneceu informações ao TPI afirmando
deles, acusados de um estupro coletivo, que a grilagem de terras "generalizada e
foram considerados injustos, tendo sido sistemática" pelo governo cambojano era um
comprometidos pela pressão da opinião crime contra a humanidade.
pública e de instâncias políticas sobre os
tribunais para que fossem impostas penas DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS,
rígidas aos réus, os quais, por sua vez, BISSEXUAIS, TRANSGÊNEROS
alegaram ter confessado após tortura policial E INTERSEXUAIS
em detenção. A homossexualidade continuou
criminalizada em vários países da região.
PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA Em um evento positivo, o Supremo
As empresas têm a responsabilidade de Tribunal da Índia concedeu em abril, em
respeitar os direitos humanos. No entanto, uma decisão histórica, o reconhecimento
em vários países da região da Ásia e da jurídico a pessoas transgênero. O Tribunal
Oceania, esse respeito não era evidente. ordenou que as autoridades reconheçam a
Na Índia, milhares de pessoas continuaram autoidentificação das pessoas transgênero
em risco de ser removidas à força de suas como homens, mulheres ou "terceiro gênero
casas e terras para dar lugar a grandes ", e que apliquem políticas de assistência
projetos comerciais e de infraestrutura. As social e quotas nos sistemas de educação
comunidades adivasi (aborígines) que viviam e emprego. No entanto, casos de assédio
perto de minas e represas, novas ou em e violência contra pessoas transgênero
expansão, eram especialmente vulneráveis. continuaram a ser relatados.
Em Papua-Nova Guiné, aumentaram as Na Malásia, em novembro, numa
tensões entre os moradores locais e a decisão inédita, o Tribunal de Recursos
empresa de mineração da mina de ouro de declarou inconstitucional a lei do estado de
Porgera. Em junho, durante uma remoção Negeri Sembilan, baseada na sharia, que
forçada, a polícia incendiou cerca de 200 tornava o travestismo ilegal. No entanto, a
casas e, segundo informações, perpetrou atos Anistia Internacional recebeu informações
de violência física e sexual. sobre a prisão e a detenção de pessoas
Na Índia, completaram-se em dezembro LGBTI exclusivamente por causa de sua
30 anos do desastre causado pelo vazamento sexualidade, enquanto essas pessoas
de gás de uma fábrica em Bhopal em 1984. continuavam a ser discriminadas.
Os sobreviventes continuaram a sofrer

Anistia Internacional – Informe 2014/15 29


Em outubro, o Supremo Tribunal de
Cingapura confirmou o artigo 377A do Código
Penal, que criminalizava as relações sexuais
consensuais entre homens. Em Brunei, o
novo Código Penal permitia impor a morte
por apedrejamento como possível punição
para condutas que sequer deveriam ser
consideradas criminosas – como relações
sexuais fora do casamento e relações sexuais
consensuais entre pessoas do mesmo sexo
–, bem como para crimes como roubo
e estupro.
Em virtude do que foi observado, pode-se
concluir que as profundas transformações
geopolíticas e econômicas que estão
ocorrendo na região da Ásia e da Oceania
tornam ainda mais urgente que as
salvaguardas de direitos humanos sejam
fortalecidas e que as deficiências existentes
sejam corrigidas, para que todas as pessoas
da região possam exercer plenamente sua
cidadania, sem risco de sanções.

30 Anistia Internacional – Informe 2014/15


PANORAMA crescente evidência do contrário. Ambos os
lados foram responsáveis por uma série de

REGIONAL: EUROPA violações do direito internacional dos direitos


humanos e do direito humanitário, como

E ÁSIA CENTRAL bombardeios indiscriminados, que resultaram


em centenas de vítimas civis. À medida que a
lei e a ordem gradativamente desmoronavam
O dia 9 de novembro de 2014 marcou o 25º ao longo das linhas de conflito e em áreas
aniversário da queda do Muro de Berlim, controladas por rebeldes, sequestros,
o fim da Guerra Fria e, de acordo com um execuções e relatos de torturas e maus-
comentarista, “o fim da história”. Celebrando tratos proliferavam, sendo cometidos tanto
o aniversário em Berlim, a chanceler alemã por forças rebeldes quanto por batalhões
Angela Merkel declarou que “a queda do de voluntários pró-Kiev. Nenhum dos lados
Muro nos mostrou que os sonhos podem se mostrou muita inclinação para investigar e
tornar realidade” – e para muitos na Europa reprimir tais abusos.
comunista, eles realmente se tornaram. Mas A situação na Crimeia deteriorou-se de
um quarto de século depois, o sonho de uma forma previsível. Com sua absorção pela
maior liberdade permaneceu distante como Federação Russa, leis e práticas russas foram
nunca para milhões na ex-União Soviética, implementadas para restringir as liberdades
com a oportunidade para a mudança de expressão, de reunião e de associação
arrancada das mãos do povo por novas elites daqueles que se opunham à mudança.
que surgiram, sem rupturas, a partir das Ativistas pró-Ucrânia e tártaros da Crimeia
elites antigas. foram assediados, detidos e, em alguns
O ano de 2014 não foi um período de casos, submetidos a desaparecimento.
progresso estagnado, mas de retrocesso. Se Em Kiev, a enorme tarefa de introduzir as
a queda do Muro de Berlim marcou o fim reformas necessárias para fortalecer o Estado
da história, o conflito no leste da Ucrânia de direito, eliminar abusos no sistema de
e a anexação russa da Crimeia sinalizam justiça criminal e combater a corrupção
claramente a sua retomada. Discursando endêmica, foi adiada pelas eleições
no mesmo dia que Angela Merkel, o ex-líder presidenciais e parlamentares e as distrações
da União Soviética, Mikhail Gorbachev, inevitáveis do conflito que ainda assolava o
colocou-o de forma direta: “O mundo está à leste. Houve pouco progresso na investigação
beira de uma nova Guerra Fria. Alguns até dos assassinatos de manifestantes da
mesmo dizem que já começou”. EuroMaidan até o fim do ano.
Os eventos dramáticos na Ucrânia A ruptura da falha geopolítica na Ucrânia
expuseram os perigos e dificuldades de teve inúmeras consequências na Rússia,
sonhar. Mais de 100 pessoas foram mortas à simultaneamente aumentando a popularidade
medida que o protesto da EuroMaidan atingia do Presidente Putin e tornando o Kremlin
sua conclusão sangrenta em fevereiro. Até mais cauteloso com relação aos adversários.
o fim do ano, mais de 4 mil pessoas haviam A crise nas relações Leste-Oeste se refletiu
morrido nos confrontos no leste da Ucrânia, na promoção agressiva de propaganda
muitas delas civis. Apesar da assinatura de anti-Ocidente e anti-Ucrânia na imprensa
um cessar-fogo em setembro, os confrontos tradicional. Ao mesmo tempo, o espaço para
localizados continuaram e havia pouca expressar e comunicar opiniões divergentes
perspectiva de uma resolução rápida até o encolheu de forma marcante, uma vez que
fim do ano. A Rússia continuou a negar que o Kremlin reforçou seu controle sobre a
estava apoiando as forças rebeldes tanto com imprensa e a internet, reprimiu protestos e
tropas quanto com equipamentos, diante de assediou e demonizou ONGs independentes.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 31


Em outros locais da ex-União Soviética, as mais ao leste, ONGs críticas foram atacadas
esperanças e ambições desencadeadas pela por supostamente agirem em nome dos
queda do Muro de Berlim recuaram ainda interesses de governos estrangeiros. Até o
mais. Na Ásia Central, governos autoritários fim do ano, diversas ONGs enfrentavam a
permaneceram entrincheirados no ameaça de processos criminais por supostas
Cazaquistão e ainda mais no Turcomenistão. irregularidades financeiras.
Onde eles pareceram oscilar levemente, como Em toda a União Europeia (UE),
no Uzbequistão, isto foi mais o resultado de dificuldades econômicas estabelecidas
lutas internas da elite dominante do que uma e a confiança decrescente nos partidos
resposta ao descontentamento mais amplo, políticos tradicionais levaram a um
que continuou a ser reprimido. O Azerbaijão crescimento dos partidos populistas em
se mostrou particularmente agressivo na ambas as extremidades do espectro político.
repressão às divergências; até o fim do ano, A influência de atitudes nacionalistas e
a Anistia Internacional reconheceu um total veladamente xenófobas foi visível sobretudo
de 23 prisioneiros de consciência no país, nas políticas migratórias cada vez mais
inclusive blogueiros, ativistas políticos, líderes restritivas, mas também se refletiu na
da sociedade civil e advogados de direitos desconfiança crescente à autoridade
humanos. A presidência do Azerbaijão do supranacional. A própria UE foi um alvo em
Conselho da Europa, na primeira metade particular, mas também o foi a Convenção
do ano, não o induziu à contenção. De fato, Europeia dos Direitos Humanos. O Reino
de forma mais intensa no Azerbaijão, mas Unido e a Suíça lideraram o ataque, com
também em outros locais da Ásia Central, os partidos governistas em ambos os países
interesses estratégicos sempre prevaleceram atacando abertamente o Tribunal Europeu de
sobre as críticas internacionais das violações Direitos Humanos e discutindo a retirada do
generalizadas dos direitos humanos e sobre sistema da Convenção.
as tentativas de evitá-las. Mesmo no caso da Em resumo, em nenhum momento desde
Rússia, as críticas internacionais à crescente a queda do Muro de Berlim a integridade e o
repressão dos direitos civis e políticos foi suporte à estrutura internacional de direitos
extremamente escassa. humanos na região da Europa e da Ásia
Se a Rússia permaneceu líder de mercado Central pareceram tão frágeis.
no autoritarismo popular e “democrático”,
essa tendência também foi observada em LIBERDADES DE EXPRESSÃO, DE
outros locais na região. Na Turquia, Recep ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO
Erdogan demonstrou mais uma vez seu Em toda a ex-União Soviética, governos
poder de angariar votos, ao vencer com folga autocráticos mantiveram ou fortaleceram
as eleições presidenciais em agosto, apesar seu controle sobre o poder. A deterioração
de uma série de escândalos de corrupção do respeito aos direitos às liberdades de
de amplo conhecimento público que expressão, de reunião e de associação
implicava diretamente a ele e a sua família. na Rússia se acelerou desde o retorno de
Sua resposta frente a isso, como havia sido Vladimir Putin à presidência. As penalidades
aos protestos de Gezi no ano anterior, foi foram aumentadas, inclusive com maior
inflexível: centenas de promotores, policiais responsabilização penal por infrações da lei
e juízes suspeitos de lealdade ao então sobre manifestações. No decorrer do ano,
aliado Fetullah Gülen foram transferidos para protestos espontâneos de menor escala
outros postos. A indefinição na separação foram rotineiramente dispersados, mesmo
dos poderes na Hungria continuou após a que pacíficos, com centenas de pessoas
reeleição do partido governista Fidesz em presas e multadas, ou condenadas a curtos
abril e, em medidas que ecoaram eventos períodos de detenção. Poucos protestos

32 Anistia Internacional – Informe 2014/15


maiores planejados com antecedência, como A situação na Ásia Central não mostrou
os protestos antiguerra de março e setembro, sinais de avanço. Ainda não havia
foram autorizados a acontecer. ONGs críticas veículos de imprensa, ONGs ou partidos
e independentes foram constantemente políticos genuinamente independentes
retratadas pelos meios de comunicação e no Turcomenistão, apesar de reformas
por lideranças políticas como uma força legislativas simbólicas em anos recentes
clandestina infiltrada, agindo de maneira supostamente destinadas a facilitar seu
paga em nome dos interesses de poderes surgimento. O acesso à internet e a liberdade
estrangeiros nefastos. Desacreditadas por de expressão na rede continuaram a ser
campanhas de difamação na imprensa, severamente restringidos. No Uzbequistão,
dezenas de ONGs também foram assoladas alguns ativistas de direitos humanos
por processos judiciais, ao desafiarem a resistentes continuaram a atuar, mas foram
exigência de que se registrassem sob o obrigados a fazê-lo de forma a não chamar
rótulo politicamente tóxico de “agentes atenção e com risco pessoal considerável. Em
estrangeiros”. Em consequência, cinco se ambos os países, protestos permaneceram
dissolveram. praticamente impossíveis. No Quirguistão,
Na Bielorrússia, a lei extremamente ativistas da sociedade civil trabalharam
restritiva sobre manifestações continuou a em um ambiente muito mais livre, mas
ser aplicada de uma forma que efetivamente continuaram a relatar assédio. No entanto,
proibia os protestos públicos. Os poucos que até nesse país, o governo propôs uma
a confrontaram sofreram breves períodos de legislação que aboliria o direito de criar
detenção por seus esforços. Na preparação associações sem registro e alguns deputados
para o Campeonato Mundial de Hóquei no pressionaram o Parlamento a introduzir
Gelo, em maio, 16 ativistas da sociedade uma lei de “agentes estrangeiros” similar à
civil foram presos e condenados a entre da Rússia.
cinco e 25 dias de detenção administrativa. No Cazaquistão, o novo Código Penal
Oito foram presos arbitrariamente em razão introduziu uma série de delitos que poderia
de uma marcha pacífica para lembrar o ser utilizada para restringir as atividades
desastre nuclear de Chernobyl. Eles foram legítimas de ONGs. Similarmente, o governo
acusados de “vandalismo mesquinho” e começou a considerar restrições mais rígidas
“desobediência às ordens policiais”. Outros para o financiamento estrangeiro das ONGs.
oito, todos conhecidos por seu ativismo Protestos públicos foram realizados, mas os
político, foram detidos por acusações participantes correram o risco de multas e
semelhantes nos dias que antecederam detenção. A liberdade de imprensa diminuiu
a marcha. e a internet foi submetida a restrições cada
Ativistas políticos e da sociedade civil vez maiores; redes sociais e blogs foram
foram particularmente visados no Azerbaijão. muitas vezes coibidos e muitos recursos da
Dez importantes organizações de direitos rede foram bloqueados por decisões judiciais
humanos foram forçadas a fechar ou tomadas em processos fechados.
suspender suas atividades, e pelo menos Na Turquia, o governista Partido AK
seis conhecidos defensores dos direitos fortaleceu sua influência sobre a imprensa,
humanos foram presos sob falsas acusações principalmente por meio da exploração de
relativas ao seu trabalho. Blogueiros e jovens relações comerciais públicas e privadas.
líderes da oposição foram tipicamente Jornalistas críticos e independentes
acusados de delitos relacionados a drogas. continuaram a ser demitidos por editores
Jornalistas independentes continuaram a nervosos ou proprietários descontentes, e a
enfrentar assédio, violência e acusações autocensura continuou comum. A liberdade
criminais forjadas. de reunião pacífica, brutalmente suprimida

Anistia Internacional – Informe 2014/15 33


em 2013 durante os protestos de Gezi, Nos primeiros dez meses do ano, um
continuou a ser minada por uma legislação número maior de acidentes no mar foi evitado
restritiva sobre manifestações e pela graças a uma unilateral e impressionante
dispersão violenta de manifestantes pacíficos, operação de busca e resgate da Itália, a
sempre que estes ameaçaram se reunir Mare Nostrum, que resgatou mais de 100 mil
em grande número ou em torno de temas pessoas – mais da metade delas refugiados
particularmente sensíveis. Em dezembro, de países como Síria, Eritreia e Somália.
diversos jornalistas foram detidos com Porém, diante de significativa pressão da
base nessas leis antiterrorismo radicais por parte de outros Estados-membros da UE, a
informarem sobre denúncias de corrupção. operação foi encerrada em 31 de outubro.
Em seu lugar, a UE ofereceu um substituto
DIREITOS DOS REFUGIADOS coletivo, a Operação Triton, coordenado por
E MIGRANTES sua agência de fronteiras, a Frontex, que foi
O número de pessoas desalojadas em todo o bastante reduzido em sua escala, escopo
mundo superou 50 milhões pela primeira vez e mandato.
desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A Aqueles que conseguiram escalar ou
resposta da UE e seus Estados-membros foi, contornar as cercas cada vez mais altas e
com raras exceções, motivada sobretudo pelo extensas ao longo das fronteiras terrestres
desejo de mantê-los fora de seu território. externas da UE se arriscaram a ser
Isso foi óbvio, de maneira chocante, na ilegalmente repelidos pela Espanha, pela
resposta da UE à crise dos refugiados sírios. Grécia e pela Bulgária para a Turquia e o
Até o fim do ano, apenas cerca de 150 mil Marrocos. No fim do ano, o partido governista
de aproximadamente 4 milhões de refugiados da Espanha apresentou uma emenda
sírios viviam na UE – praticamente o mesmo ao projeto de Lei de Segurança Pública
número que chegou à Turquia numa única que legalizaria as expulsões sumárias ao
semana após o avanço do Estado Islâmico em Marrocos a partir de Ceuta e Melilla. A UE
Kobani. Os países da UE se comprometeram tentou reforçar sua gestão do controle de
a abrigar apenas 36.300 dos cerca de fronteiras com tais países complementando
380 mil refugiados sírios identificados progressivamente as devoluções imediatas
pelo ACNUR como tendo necessidade de com operações para evitar que essas pessoas
reassentamento. A Alemanha ofereceu 20 entrassem em seu território.
mil vagas de reassentamento. Reino Unido, Os centros de detenção de imigrantes
França, Itália, Espanha e Polônia, com – as masmorras da Fortaleza Europa
uma população somada de 275 milhões de – permaneceram cheios, muitas vezes
pessoas, ofereceram apenas pouco mais de superlotados. Migrantes e requerentes de
2 mil vagas, o que corresponde a 0,001% de asilo irregulares, inclusive famílias e crianças,
suas populações. continuaram a ser detidos em grande
Na ausência de vias legais seguras para número, muitas vezes por longos períodos de
os refugiados e migrantes chegarem à tempo e às vezes em condições desumanas.
Europa, e diante da determinação da UE em
selar suas fronteiras terrestres, um número TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
recorde tentou chegar à Europa por mar – e A publicação em dezembro do relatório do
um número também recorde se afogou. Comitê de Inteligência do Senado dos Estados
Até o fim do ano, o ACNUR, a agência da Unidos sobre o programa de detenções da
ONU para os refugiados, estimou que 3.400 Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA)
refugiados e migrantes perderam suas vidas expôs não apenas os detalhes chocantes
no Mediterrâneo, tornando-o a rota marítima dos abusos praticados, mas também a
mais perigosa do mundo para migrantes. verdadeira extensão da cumplicidade dos

34 Anistia Internacional – Informe 2014/15


países europeus. Vários abrigaram unidades confissões e subornos. Na ausência de
de detenção secretas (Polônia, Lituânia e investigações efetivas e independentes, a
Romênia) ou deram assistência ao governo impunidade para tais abusos foi a regra
dos Estados Unidos na transferência ilegal, predominante.
no desaparecimento forçado e na tortura e Na Turquia, o uso rotineiro de força
outros maus-tratos de dezenas de detidos, excessiva pela polícia no decorrer das
inclusive, em particular, o Reino Unido, a manifestações permaneceu em evidência,
Suécia, a Macedônia e a Itália. Em nenhum mesmo que a tortura em centros de detenção
desses países houve qualquer avanço tenha seguido em sua tendência de queda.
significativo na prestação de contas dos A justiça continuou a ser negada ou adiada
responsáveis. Ainda que tenha havido alguns para as diversas mortes e as centenas de
desenvolvimentos positivos no que se refere feridos graves que resultaram dos abusos da
às queixas individuais movidas por vítimas polícia durante os protestos do parque Gezi
na Polônia, na Lituânia e no Reino Unido em 2013. Na Grécia e às vezes na Espanha,
(o Tribunal Europeu de Direitos Humanos os policiais continuaram usando força
decidiu, em julho, que o governo polonês excessiva para dispersar manifestações – do
conspirou com a CIA para estabelecer uma mesmo modo encorajados pela impunidade
prisão secreta no país entre 2002 e 2005), a prevalecente para tais abusos.
prestação de contas continuou a ser minada Os abusos mais dramáticos relativos a
por evasivas, negações e atrasos. protestos ocorreram na Ucrânia, durante as
Em junho, o canal de TV irlandês RTÉ manifestações da EuroMaidan, em Kiev, e
divulgou evidências até então não reveladas, em sua conclusão sangrenta. Pelo menos
que estavam em posse do governo do 85 manifestantes, além de 18 policiais,
Reino Unido, relativas a cinco técnicas de morreram em consequência direta da
tortura utilizadas pelas forças de segurança violência; não existiam dados exatos sobre
britânicas na Irlanda do Norte no exercício o número de feridos. Depois que a tropa
de seus poderes de detenção em 1971 e de choque usou a força de modo excessivo
1972. As técnicas eram muito semelhantes contra manifestantes pacíficos pela primeira
às utilizadas pela CIA trinta anos mais tarde. vez, em 30 de novembro de 2013, incidentes
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos recorrentes de uso abusivo da força, bem
havia decidido previamente que as técnicas como prisões arbitrárias e tentativas de
correspondiam a maus-tratos, e não tortura, processar criminalmente os manifestantes,
em um caso entre Estados apresentado prosseguiram nos primeiros meses do ano.
pelo governo irlandês. Em dezembro, o No fim de fevereiro, foram utilizadas armas
governo irlandês anunciou que buscaria uma de fogo com munição real, inclusive fuzis de
revisão da decisão do Tribunal Europeu de precisão. Não se sabe ao certo, porém, que
Direitos Humanos. forças as utilizaram e a mando de quem elas
A tortura e outros maus-tratos agiram. Dezenas de ativistas do EuroMaidan
permaneceram generalizados em toda a desapareceram no contexto dos protestos.
ex-União Soviética. Aqueles acusados de Alguns ressurgiram depois, tendo sido
crimes relativos ao terrorismo ou suspeitos sequestrados e torturados; o destino de mais
de pertencer a grupos islâmicos estiveram de 20 pessoas permanecia desconhecido até
particularmente suscetíveis à tortura nas o fim do ano.
mãos de forças de segurança nacionais Após a queda do presidente da Ucrânia,
na Rússia e Ásia Central; porém, em toda Viktor Yanukovych, as novas autoridades se
a região, agentes da lei corruptos e mal comprometeram publicamente a investigar e
supervisionados frequentemente recorreram processar de maneira efetiva os responsáveis
à tortura e outros maus-tratos para obter pelas mortes e por outros abusos cometidos

Anistia Internacional – Informe 2014/15 35


no decorrer do EuroMaidan. No entanto, o destino de milhares de pessoas que
além de processos contra ex-líderes políticos, ainda estão desaparecidas desde o conflito
poucos passos concretos foram dados nesse e devolver os corpos às suas famílias.
sentido, se é que algum o foi. Até o fim do Nos três países, a falta de uma legislação
ano, apenas alguns poucos policiais de baixa sobre pessoas desaparecidas continuou
patente haviam sido condenados por abusos a prejudicar os direitos e o sustento
relacionados ao EuroMaidan. dessas famílias.
Na Irlanda do Norte, os mecanismos
PENA DE MORTE e instituições que foram criados ou que
Pelo menos três homens foram executados possuem mandato para tratar das violações
na Bielorrússia, que continuou a ser o único de direitos humanos relacionadas ao
país da região a manter a pena de morte na conflito continuaram a operar de maneira
prática. Todas as execuções foram levadas fragmentada e, muitas vezes, insatisfatória.
a cabo apesar dos pedidos do Comitê de A Equipe de Pesquisas Históricas, criada
Direitos Humanos da ONU de que a decisão em 2006 para reexaminar todas as mortes
fosse suspensa para que o órgão pudesse atribuídas ao conflito, foi dissolvida após
examinar os três casos. críticas generalizadas. Parte de seu trabalho
Justiça transicional Os julgamentos do estava para ser transferida a uma nova
ex-líder sérvio-bósnio Radovan Karadžić e unidade dentro do Serviço de Polícia da
do ex-general Ratko Mladić continuaram Irlanda do Norte, motivando preocupações
no Tribunal Penal Internacional para a sobre a independência de futuras revisões
ex-Iugoslávia (TPII), que resolvia lentamente de casos. Em dezembro, os principais
os poucos casos que tinha pendentes. Em partidos políticos da Irlanda do Norte
nível nacional, os avanços para garantir a concordaram em princípio em levar adiante
prestação de contas por crimes de guerra e as propostas apresentadas um ano antes
por crimes contra a humanidade cometidos pelo diplomata estadunidense Richard
durante os diversos conflitos na ex-Iugoslávia Haass para dois novos mecanismos: uma
permaneceram extremamente lentos. O Unidade de Investigação Histórica e uma
número de novos indiciamentos continuou Comissão Independente de Recuperação de
baixo, os julgamentos se arrastaram e os Informações. Entretanto, os detalhes relativos
ataques políticos a tribunais nacionais de a finanças, recursos, prazos e legislação não
crimes de guerras prosseguiram. Tribunais, foram inteiramente resolvidos.
procuradores e unidades de investigação
de crimes de guerra permaneceram sem SEGURANÇA E COMBATE
equipes nem recursos suficientes, enquanto AO TERRORISMO
a falta de vontade política para fazer justiça Em toda a região, os governos mantiveram
cada vez mais se escondia atrás do desejo silêncio sobre a extensão de sua vigilância
expresso de seguir em frente. das comunicações na internet, apesar dos
Em toda a região, as vítimas civis da muitos protestos após as revelações feitas
guerra, inclusive vítimas de violência por Edward Snowden, em 2013, sobre a
sexual, continuaram privadas de acesso abrangência do programa de vigilância dos
a indenizações devido à não adoção de EUA. No Reino Unido, a Anistia Internacional
uma legislação abrangente que regule e outras ONGs litigantes buscaram, sem êxito,
sua condição e garanta seus direitos. contestar nos tribunais a compatibilidade do
Em setembro, Croácia, Sérvia e Bósnia- sistema de vigilância do Reino Unido com
Herzegóvina assinaram um acordo de os direitos humanos, e agora tentarão uma
cooperação regional visando a acelerar o revisão em Estrasburgo.
progresso até então lento para esclarecer

36 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Países da UE continuaram a utilizar Declarações políticas, planos de ação
garantias diplomáticas duvidosas para e estratégias nacionais continuaram a ter
devolver pessoas consideradas um risco impacto mínimo na vida de milhões de
para a segurança nacional a países onde ciganos marginalizados – invariavelmente
elas corriam risco de sofrer tortura ou outros porque não foram acompanhadas da vontade
maus-tratos. A prática ganhou aceitação política necessária para implementá-las e
crescente na Rússia à medida que o país porque não identificaram nem combateram
procurou contornar diversas decisões do as principais razões por trás da exclusão
Tribunal Europeu de Direitos Humanos que social dos ciganos, ou seja, o preconceito e
suspendiam a extradição de indivíduos o racismo.
procurados por países da Ásia Central. Em consequência, a discriminação dos
Em toda a ex-União Soviética, os Estados ciganos no acesso à moradia, à educação
cooperantes frequentemente devolveram e ao emprego permaneceu generalizada.
– tanto legal quando clandestinamente – Centenas de milhares de ciganos que vivem
suspeitos de terrorismo procurados em em assentamentos informais continuaram
outros países nos quais corriam forte risco de a enfrentar dificuldades no acesso a
sofrer tortura. moradias sociais ou foram excluídos por
A situação da segurança no norte do critérios que não reconheciam, muito menos
Cáucaso permaneceu frágil, e as operações priorizavam, sua manifesta necessidade.
de segurança foram quase sempre marcadas Iniciativas legislativas criadas para combater
por graves violações dos direitos humanos. a insegurança de posse nos assentamentos
Em um exemplo bastante flagrante dos informais foram discutidas em diversos
abusos praticados por agentes da lei, as países, mas em nenhum deles foram
forças leais ao líder tchetcheno Ramzan adotadas. Como resultado, as pessoas que
Kadyrov cumpriram sua ameaça de retaliar vivem em assentamentos informais em
as famílias dos autores de um ataque toda a Europa continuaram vulneráveis a
de grandes proporções em Grozny, em remoções forçadas.
dezembro, e incendiaram várias casas. A segregação dos ciganos no sistema
Na Turquia, uma legislação antiterrorismo educacional permaneceu generalizada
demasiado ampla continuou a ser utilizada em toda a Europa Central e do Leste,
para criminalizar o exercício legítimo da particularmente na Eslováquia e na República
liberdade de expressão; entretanto, graças Tcheca, apesar de promessas recorrentes das
aos novos limites estipulados para o período autoridades nacionais de que enfrentariam
máximo de detenção provisória, muitas esse problema há muito identificado. Um
dessas pessoas foram libertadas. acontecimento positivo foi que a UE deu
início a um procedimento de infração
DISCRIMINAÇÃO contra a República Tcheca por violação da
A discriminação continuou a afetar a vida de Diretiva sobre Igualdade Racial, a legislação
milhões de pessoas em toda a região. Vítimas de combate à discriminação da EU, pela
tradicionais de preconceito, como ciganos, discriminação dos ciganos na educação. A
muçulmanos e migrantes, foram os principais Itália e diversos outros países não revelados
alvos de ataque, mas o antissemitismo do bloco também estavam sendo examinados
também permaneceu generalizado e se pela Comissão da UE por possíveis violações
manifestou esporadicamente em ataques da Diretiva relacionadas à discriminação
violentos. Houve avanços e retrocessos dos ciganos em várias áreas, o que poderia
no respeito aos direitos de lésbicas, gays, finalmente estar sinalizando a boa vontade
bissexuais, transgêneros e intersexuais da UE em aplicar a legislação adotada uma
(LGBTI). década atrás.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 37


Em julho, o Tribunal Europeu de Direitos maiores restrições à liberdade de expressão
Humanos determinou que a proibição das pessoas LGBTI, e, de fato, essa tolerância
francesa à cobertura completa do rosto de um lado era apontada como um motivo
em público não viola nenhum dos direitos para mais restrições de outro. Na Rússia,
estabelecidos na Convenção Europeia ativistas LGBTI foram rotineiramente
de Direitos Humanos, apesar de seu alvo impedidos de organizar eventos públicos,
evidente serem os véus islâmicos que ocasiões em que as autoridades locais
encobrem totalmente o rosto, e de que isso costumavam recorrer à legislação que
restringe os direitos à liberdade de expressão, proíbe a promoção da homossexualidade
crença religiosa e não discriminação das entre menores. Legislação semelhante foi
mulheres muçulmanas que escolhem usá-los. utilizada na Lituânia para proibir um livro
Em uma decisão perversa com implicações de contos de fadas que incluía histórias de
preocupantes para a liberdade de expressão, relacionamento entre pessoas do mesmo
o Tribunal Europeu justificou as restrições sexo. No Quirguistão, uma legislação que
referindo-se a exigências nebulosas de proíbe a “promoção de relações sexuais não
“convivência”. tradicionais” foi debatida pelo Parlamento.
Crimes de ódio violentos – praticados Ataques a pessoas, organizações e eventos
principalmente contra ciganos, muçulmanos, LGBTI foram comuns em grande parte do
judeus, migrantes e pessoas LGBTI – Leste Europeu e dos Bálcãs, e raramente
continuaram acontecendo em todo o tiveram alguma resposta apropriada de
continente. Diversos países, inclusive sistemas de justiça criminal indiferentes.
Estados-membros da UE, ainda não
incluíram a orientação sexual e a identidade VIOLÊNCIA CONTRA
de gênero como motivos proibidos na MULHERES E MENINAS
legislação sobre crimes de ódio. Em toda A violência doméstica e de gênero continuou
a região, esses crimes continuaram sendo generalizada em toda a região. De acordo
pouco denunciados e pouco investigados com um relatório publicado em março pela
Geralmente não se apresentavam Agência dos Direitos Fundamentais da UE,
acusações específicas por crimes de uma em cada três mulheres do bloco havia
ódio nem se aplicavam as disposições sofrido agressão física e/ou sexual desde os
do Código Penal que permitiam punir os 15 anos. A entrada em vigor da Convenção
motivos discriminatórios considerando-os do Conselho da Europa para prevenir e
circunstâncias agravantes, já que os combater a violência contra a mulher e a
investigadores não questionavam os possíveis violência doméstica foi, portanto, oportuna,
motivos discriminatórios e os promotores mas até o fim do ano apenas 15 países a
não acusavam corretamente os autores haviam ratificado.
nem apresentavam as provas relevantes Apesar dessa evolução, vítimas de
aos tribunais. violência doméstica e sexual continuaram a
Um número crescente de países concedeu ser mal atendidas pelos sistemas de proteção
direitos iguais para uniões entre pessoas do e de justiça criminal em todo o continente.
mesmo sexo (ainda que raramente no que se A falta de abrigos para vítimas de violência
refere à adoção) e marchas de orgulho LGBTI doméstica e as altas taxas de abandono das
seguras e bem-sucedidas foram realizadas investigações e dos processos por denúncias
pela primeira vez na Sérvia e em Montenegro, de violência sexual continuaram sendo
sob o olhar atento da UE. No entanto, a problemas comuns em toda a região.
homofobia permaneceu generalizada e
a tolerância crescente no Oeste europeu
muitas vezes era correspondida no Leste com

38 Anistia Internacional – Informe 2014/15


DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
O acesso ao aborto permaneceu proibido em
todas as circunstâncias em Malta. A Irlanda
e a Polônia não aplicaram integralmente as
decisões do Tribunal Europeu de Direitos
Humanos, de 2010 e 2012, respectivamente,
que exigem que se garanta às mulheres
o acesso efetivo ao aborto em certas
circunstâncias. Apesar disso, o Conselho de
Ministros do Conselho da Europa decidiu
encerrar seu monitoramento da execução da
sentença no caso irlandês.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 39


PANORAMA de condenados à morte. No Golfo, as
autoridades do Bahrein, da Arábia Saudita e

REGIONAL: ORIENTE dos Emirados Árabes Unidos foram inflexíveis


em seus esforços para sufocar a dissidência

MÉDIO E NORTE DA e erradicar qualquer sinal de oposição aos


que detêm o poder, confiantes de que seus

ÁFRICA principais aliados entre as democracias


ocidentais dificilmente fariam objeções.
O ano de 2014 também testemunhou
Conforme 2014 se aproximava do fim, a selvageria humana infligida por grupos
o mundo refletiu sobre um ano que foi armados envolvidos nos conflitos armados
catastrófico para milhões de pessoas em todo na Síria e no Iraque, particularmente o grupo
o Oriente Médio e o Norte da África; um ano que se autodenomina Estado Islâmico (EI,
que assistiu a conflitos armados incessantes antes ISIS). Na Síria, combatentes do EI e
e abusos horrendos na Síria e no Iraque, aos outros grupos armados controlaram extensas
civis em Gaza arcando com o ônus da rodada áreas do país, inclusive grande parte da
mais mortífera até agora de confrontos entre região que inclui Aleppo, a maior cidade
Israel e o Hamas, e à Líbia cada vez mais se da Síria, e impuseram “punições”, como
assemelhando a um Estado falido em meio a assassinatos, amputações e açoitamentos
uma guerra civil incipiente. O Iêmen também públicos, para o que consideravam
permaneceu uma sociedade profundamente transgressões da sua versão da lei islâmica.
dividida, cujas autoridades centrais O EI também ganhou influência nos
enfrentaram uma insurgência xiita no norte, redutos sunitas do Iraque, conduzindo um
um ativo movimento pela secessão no sul e a reinado de terror no qual o grupo executou
continuidade da insurgência no sudoeste. sumariamente centenas de soldados do
Ao relembrar o ano, as inebriantes governo capturados, membros de minorias,
esperanças de mudança que impulsionaram muçulmanos xiitas e outros, inclusive
os levantes populares que abalaram o membros de tribos sunitas que se opuseram
mundo de língua árabe em 2011 e que ao grupo. O Estado Islâmico também elegeu
viram governantes de longa data depostos como alvo minorias religiosas e étnicas,
na Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen pareciam expulsando cristãos e forçando milhares de
uma memória distante. A exceção foi a yazidis e outros grupos minoritários a deixar
Tunísia, onde novas eleições parlamentares suas casas e terras. Forças do EI mataram
transcorreram sem problemas em novembro, a tiros homens e meninos em assassinatos
e as autoridades tomaram pelo menos ao estilo de execuções, e sequestraram
algumas medidas para perseguir os centenas de mulheres e meninas yazidis
responsáveis pelo legado de graves violações para a escravidão, forçando muitas delas a
dos direitos humanos. O Egito, pelo contrário, se “casarem” com combatentes do EI, que
deu cada vez menos motivos para otimismo. incluíam milhares de voluntários estrangeiros
Lá, o general que liderou a derrubada do da Europa, América do Norte, Austrália, Norte
primeiro presidente pós-levante do país, em da África, Golfo e outros lugares.
2013, assumiu a presidência após as eleições Ao contrário de muitos que cometem
e promoveu uma onda de repressão que teve homicídios ilegais, mas procuram manter
como alvo não só a Irmandade Muçulmana seus crimes em segredo, o Estado Islâmico
e seus aliados, mas também ativistas de todo divulga amplamente suas ações brutais.
o espectro político, bem como profissionais Garantiu que seus próprios cinegrafistas
da imprensa e ativistas de direitos humanos, estivessem a postos para filmar alguns de
com milhares de presos e centenas seus atos mais infames, como a decapitação

40 Anistia Internacional – Informe 2014/15


de jornalistas, trabalhadores humanitários e com explosivos e munições que atingem
soldados libaneses e iraquianos capturados. grandes áreas), tanques e fogo de artilharia.
Em seguida, o EI tornava público o massacre, Além disso, mantiveram cercos por tempo
em vídeos cuidadosamente produzidos, indeterminado, impedindo o acesso de civis
embora sombriamente macabros, que foram a alimentos, água e suprimentos médicos,
divulgados na internet como ferramenta de tendo atacado hospitais e trabalhadores
propaganda, de negociação de reféns e de da saúde. Também continuaram a deter
recrutamento. um grande número de críticos e supostos
Os rápidos avanços militares obtidos opositores, submetendo muitos à tortura e
pelo Estado Islâmico na Síria e no Iraque, a condições degradantes, cometendo vários
associados às suas execuções sumárias de homicídios ilegítimos. No Iraque, a resposta
reféns ocidentais e outros, levaram os Estados do governo aos avanços do Estado Islâmico
Unidos a formar em setembro uma aliança foi fortalecer as forças de segurança com
de combate ao Estado Islâmico, que veio a milícias xiitas pró-governo e deixá-las agir
contar com mais de 60 países, como Bahrein, livremente nas comunidades sunitas vistas
Jordânia, Arábia Saudita e Emirados Árabes como antigoverno ou simpatizantes do EI,
Unidos. Logo após sua criação, a aliança ao mesmo tempo em que realizava ataques
lançou ataques aéreos contra posições do aéreos indiscriminados em Mossul e outros
EI e de outros grupos armados não estatais, centros controlados pelas forças do EI.
causando mortos e feridos entre os civis. Como na maioria dos conflitos atuais,
Mesmo assim, as forças estadunidenses os civis novamente pagaram o preço mais
continuaram a realizar ataques com aviões alto do conflito, uma vez que as forças em
teleguiados e outros contra associados da combate ignoraram suas obrigações de
Al Qaeda no Iêmen, à medida que a luta poupá-los. No conflito de 50 dias entre Israel,
entre as forças governamentais e os grupos Hamas e grupos palestinos armados em
armados não estatais assumia um caráter Gaza, a escala da destruição, dos danos, das
cada vez mais supranacional. Enquanto isso, mortes e ferimentos de civis e da destruição
a Rússia continuou a proteger o governo sírio de casas e infraestruturas palestinas foi
na ONU, ao mesmo tempo em que transferia enorme. Forças israelenses efetuaram
armas e munições para alimentar suas ataques contra casas habitadas, em alguns
iniciativas bélicas, sem considerar os crimes casos matando famílias inteiras, e contra
de guerra e outras graves violações que as instalações médicas e escolas. Residências e
autoridades sírias cometeram. infraestruturas civis foram deliberadamente
Os abusos cometidos pelo Estado Islâmico, destruídas. Em Gaza, mais de 2 mil palestinos
bem como a publicidade e o senso de foram mortos, dos quais cerca de 1.500
crise política que o grupo evocou, por um foram identificados como civis, inclusive mais
tempo ameaçaram obscurecer a brutalidade de 500 crianças. O Hamas e grupos armados
incessante e em larga escala das forças palestinos dispararam indiscriminadamente
do governo sírio, que lutavam para manter milhares de foguetes e morteiros contra áreas
o controle das áreas que ocupavam e civis de Israel, matando seis civis, inclusive
recapturar áreas de grupos armados, com uma criança. Atiradores do Hamas também
desrespeito aparentemente total pela vida executaram sumariamente pelo menos 23
de civis e por suas obrigações sob o direito palestinos que acusaram de colaborar com
internacional humanitário. Forças do governo Israel, inclusive detentos sem julgamento,
realizaram ataques indiscriminados nas áreas após removê-los da prisão. Ambos os lados
em que civis estavam abrigados, utilizando cometeram crimes de guerra e outros graves
diversos armamentos pesados, como bombas abusos dos direitos com impunidade durante
de barril (bombas feitas de barriscarregados o conflito, repetindo um padrão muito familiar

Anistia Internacional – Informe 2014/15 41


de anos anteriores. O bloqueio por ar, terra (“inimizade contra Deus”), um crime capital.
e mar que Israel impõe a Gaza e que vigora Nos Emirados Árabes Unidos, as autoridades
ininterruptamente desde 2007 exacerbou o continuaram a condenar ativistas pró-reforma
impacto devastador do conflito de 50 dias, a longas penas de prisão após julgamentos
prejudicando severamente os esforços de injustos, e introduziram uma nova legislação
reconstrução e constituindo uma punição antiterrorismo tão radical que equipara os
coletiva – considerada crime de acordo com protestos pacíficos ao terrorismo, o que pode
o direito internacional – dos 1,8 milhão de ser punido com a morte.
habitantes de Gaza. Os Emirados Árabes Unidos e outros países
As tensões políticas e de outra natureza do Golfo, inclusive Bahrein, Kuwait e Omã,
que estavam em jogo em todo o Oriente criaram ou utilizaram dispositivos legais para
Médio e o Norte da África atingiram em punir os críticos pacíficos ao despojá-los de
2014 sua forma mais extrema nos países sua nacionalidade e, assim, de seus direitos
destruídos por conflitos armados. Porém, em como cidadãos, tornando-os potencialmente
toda a região havia debilidades institucionais apátridas. O Bahrein, o Kuwait e os Emirados
e outras que ajudaram a alimentar novas Árabes Unidos utilizaram tais disposições
tensões e a impedir seu rápido alívio. Entre legais durante o ano.
essas debilidades estavam a intolerância A liberdade de associação foi amplamente
generalizada dos governos e de outros grupos reduzida. Muitos governos não permitiram
armados não estatais com as críticas e as sindicatos independentes; alguns governos,
divergências; a inexistência ou a fraqueza de inclusive os da Argélia e do Marrocos/Saara
órgãos legislativos que poderiam agir para Ocidental, exigiram que as associações
supervisionar ou contrabalancear os abusos independentes, inclusive as organizações de
cometidos por autoridades executivas; a falta direitos humanos, obtivessem registro oficial
de independência judicial e a subordinação para operar legalmente, mas impediram
dos sistemas de justiça criminal à vontade seu registro ou hostilizaram aquelas que
do Executivo; e falhas na prestação de já haviam se registrado anteriormente. No
contas, inclusive com relação às obrigações Egito, as autoridades ameaçaram a própria
assumidas pelos Estados em virtude do existência das ONGs independentes.
direito internacional. O direito à reunião pacífica, tão importante
durante os protestos que abalaram a região
REPRESSÃO ÀS DIFERENÇAS em 2011, foi bastante restringido por
DE OPINIÃO diversos governos em 2014. As autoridades
Os governos de toda a região continuaram argelinas extinguiram os protestos ao
a reprimir a dissidência, cerceando o direito bloquear o acesso aos pontos de encontro e
à liberdade de expressão em todas as suas prender ativistas. No Kuwait, as autoridades
formas, inclusive nas redes sociais. Leis continuaram a proibir protestos por
que criminalizam expressões consideradas membros da comunidade bidun (apátridas),
ofensivas ao chefe de Estado, ao governo ou muitos dos quais continuaram a ter sua
às autoridades judiciais, ou mesmo a líderes nacionalidade kuaitiana negada. Forças de
de governos estrangeiros, foram utilizadas segurança bareinitas, egípcias e iemenitas
para aprisionar críticos no Bahrein – onde utilizaram força excessiva, inclusive força
um tribunal condenou uma conhecida letal desnecessária, contra manifestantes,
ativista a três anos de prisão por rasgar uma causando mortes e ferimentos. Soldados
fotografia do Rei –, bem como no Egito, e policiais de fronteira israelenses na
Jordânia, Kuwait, Marrocos, Omã e Arábia Cisjordânia atiraram em pessoas que
Saudita. No Irã, os críticos enfrentaram lançavam pedras e em outros palestinos que
julgamentos por acusações como moharebeh protestavam contra os assentamentos, contra

42 Anistia Internacional – Informe 2014/15


o muro/cerca e contra outros aspectos da Em grande parte da região, tribunais
prolongada ocupação militar de Israel. julgaram e condenaram réus com pouca
Em outros locais, atiradores não consideração ao devido processo legal,
identificados cometeram homicídios ilegais muitas vezes impondo longas penas de
com impunidade, às vezes tendo como alvo prisão. Sentenças de morte foram às vezes
pessoas que se manifestaram em favor dos impostas com base em “confissões” obtidas
direitos humanos e do Estado de direito. Na mediante tortura e acusações tão amplas
Líbia, Salwa Bughaighis, uma advogada de e vagas que praticamente garantiam a
direitos humanos que havia sido uma das condenação. No Egito, um juiz emitiu
principais vozes do levante de 2011, foi morta sentenças de morte preliminares contra
a tiros por homens armados que entraram centenas de acusados de participar de
em sua casa, em Benghazi, logo após ela ter ataques letais a delegacias de polícia após
criticado em uma entrevista à imprensa os dois julgamentos fundamentalmente falhos;
grupos armados do país, poderosos, mas à outro juiz condenou três proeminentes
margem da lei. profissionais da imprensa a longas penas
de prisão sem provas suficientes; e o novo
SISTEMA DE JUSTIÇA chefe de Estado decretou maiores poderes
Prisões e detenções arbitrárias, detenções para que os tribunais militares, notoriamente
provisórias prolongadas, desaparecimentos injustos, julguem civis acusados de terrorismo
forçados e julgamentos injustos foram e outros crimes. Tanto no Bahrein quanto
comuns em toda a região – lembretes nos Emirados Árabes Unidos, os tribunais
constantes da corrupção dos sistemas de seguiram as ordens do governo ao julgar
justiça criminal, usados pelas autoridades os acusados de crimes relacionados à
como instrumentos de repressão. Milhares segurança ou de ofensas a quem está no
foram detidos na Síria, no Egito, no Iraque poder. Em ambos os países, os tribunais
e na Arábia Saudita, alguns foram detidos impuseram penas de prisão a familiares
sem acusação nem julgamento e outros que faziam campanha pela libertação de
foram presos após julgamentos injustos. Um seus parentes presos injustamente. Os
número menor de pessoas foi detido em tribunais revolucionários do Irã continuaram
países como Bahrein, Irã, Emirados Árabes a condenar réus por acusações de difícil
Unidos e outros; algumas foram vítimas de definição e proferiram sentenças severas,
desaparecimentos forçados. Autoridades inclusive de morte. Na Arábia Saudita, entre
israelenses mantiveram cerca de 500 as pessoas perseguidas e condenadas a
palestinos em detenção administrativa sem penas de prisão estavam advogados que
julgamento; milhares de outros palestinos atuaram como defensores em julgamentos
cumpriam pena em Israel. Autoridades relacionados à segurança e que criticaram a
palestinas tanto na Cisjordânia quanto injustiça dos tribunais.
em Gaza continuaram a deter opositores A Arábia Saudita, o Irã e o Iraque
políticos; em Gaza, tribunais militares e outros continuaram sendo os principais Estados
condenaram supostos “colaboradores” de algozes da região; em todos os três, as
Israel à morte. autoridades executaram um grande número
Na Líbia, forças de milícias rivais de réus, muitos dos quais haviam sido
mantiveram milhares de pessoas detidas, condenados após julgamentos injustos.
algumas desde a queda de Muammar Entre os executados na Arábia Saudita,
Gaddafi, em 2011, submetendo muitas delas onde muitas vítimas – 26, somente em
a condições adversas e degradantes, sem agosto – foram decapitadas em público,
perspectiva de libertação em curto prazo. estavam um homem condenado por feitiçaria
e vários outros condenados por crimes não

Anistia Internacional – Informe 2014/15 43


violentos relativos a drogas. O Egito retomou governo a penas de prisão. Além disso,
as execuções em junho, após uma pausa de também foi utilizada para degradar, humilhar
mais de 30 meses, talvez pressagiando um e infligir dano mental e físico às vítimas.
aumento em grande escala nas execuções, Geralmente, os perpetradores utilizavam a
uma vez que centenas de apoiadores da tortura com impunidade: os governos com
Irmandade Muçulmana e outros condenados frequência desconsideraram sua obrigação
à morte durante o ano esgotaram todas as jurídica internacional de investigar de
instâncias de apelação. A Jordânia também maneira independente as denúncias de
retomou as execuções em dezembro, tortura, raramente processaram supostos
após um hiato de oito anos. No Líbano, torturadores e nenhuma ou pouquíssimas
tribunais continuaram a impor sentenças vezes asseguraram condenações.
de morte, mas as autoridades se abstiveram
de executar as pessoas, assim como as IMPUNIDADE
autoridades da Argélia, do Marrocos e da Não foram apenas os torturadores que se
Tunísia, que mantiveram as já duradouras beneficiaram da impunidade. Também
moratórias de facto das execuções. desfrutaram dela os líderes políticos e
militares que arquitetaram ou ordenaram os
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS crimes de guerra e outras violações do direito
Em toda a região, forças de segurança internacional cometidas por forças do governo
torturaram e maltrataram detentos sob sua durante os conflitos na Síria, no Iraque, na
custódia, às vezes de forma sistemática. Na Líbia e no Iêmen, por forças israelenses
Síria, crianças estavam entre as vítimas, e e grupos palestinos armados em Gaza e
um grande número de mortes de detentos Israel, e pelos responsáveis pelas violações
por tortura e outros maus-tratos foi relatado, de direitos humanos cometidas em larga
mas muitas vezes difícil de verificar. Em escala no Egito, no Irã, na Arábia Saudita, nos
janeiro, surgiram provas fotográficas de que Emirados Árabes Unidos e em outros países.
milhares de detidos foram mortos, muitos No Bahrein, o governo se comprometeu
deles aparentemente por espancamentos, a realizar uma investigação independente
por outras formas de tortura ou por fome sobre a tortura praticada em 2011, em
nas prisões do governo sírio. A tortura era resposta às conclusões de um inquérito
endêmica no Egito, onde as vítimas incluíam independente de peritos internacionais,
suspeitos de crimes menores até ativistas mas até o fim do ano não o havia feito. Na
da Irmandade Muçulmana detidos em Argélia, as autoridades mantiveram sua
massa pela repressão do governo. Métodos antiga recusa em permitir investigações
de tortura comumente relatados, nesses e sobre os homicídios ilegais e outras violações
em outros países, incluíam espancamentos históricas. No Iêmen, o ex-presidente do país
nas solas dos pés, espancamentos durante e seus colaboradores próximos continuaram
suspensão pelos membros, posições a se beneficiar da imunidade concedida
dolorosas, em pé ou sentadas, por períodos quando ele renunciou ao cargo após os
prolongados, choques elétricos nos genitais protestos de 2011, nos quais suas forças
e outras áreas sensíveis, ameaças contra mataram muitos manifestantes. Na Tunísia,
o detido e sua família, e, em alguns casos, as novas autoridades processaram alguns
estupro e outros abusos sexuais. Muitas ex-oficiais graduados e membros das forças
vezes, a tortura foi utilizada para obter de segurança pelos homicídios ilegais de
informações que levassem à detenção de manifestantes durante o levante no país, mas
outros suspeitos ou para extrair “confissões” um tribunal de apelação militar reduziu as
que pudessem ser utilizadas nos tribunais acusações e as sentenças de tal forma que a
para condenar críticos ou opositores do maioria dos condenados saiu livre.

44 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Em meio ao fracasso ou à incapacidade cidadania e os direitos a ela associados a
do sistema de justiça nacional de lidar com dezenas de milhares de residentes bidun
a impunidade na Síria, grupos de direitos (apátridas).
humanos, como a Anistia Internacional,
pediram reiteradamente ao Conselho de REFUGIADOS E PESSOAS
Segurança da ONU para encaminhar as DESALOJADAS DENTRO DO PAÍS
situações na Síria e em Israel e nos Territórios Em 2014, a crise síria superou outras crises
Palestinos Ocupados à jurisdição do Tribunal similares ao tornar-se a pior do mundo em
Penal Internacional (TPI), mas suas petições termos de fluxo de refugiados e pessoas
foram ignoradas. Enquanto isso, a Líbia deslocadas dentro do país. Até o fim do ano,
permaneceu sob a jurisdição do TPI após aproximadamente 4 milhões de refugiados
uma consulta do Conselho de Segurança da haviam fugido do conflito na Síria. A grande
ONU em 2011, mas o procurador do TPI não maioria – aproximadamente 95% – estava
abriu novas investigações, apesar de uma vivendo em países vizinhos: pelo menos
nova onda de crimes de guerra à medida que 1,1 milhão no Líbano, mais de 1,6 milhão
o país regressava à guerra civil. na Turquia, mais de 600 mil na Jordânia,
mais de 220 mil no Iraque e mais de 130
DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS mil no Egito, de acordo com o ACNUR, a
ÉTNICAS E RELIGIOSAS agência da ONU para os refugiados. Os
Em meio à turbulência política, ao esforços internacionais de socorro receberam
divisionismo étnico e religioso e ao sectarismo financiamento insuficiente para atender
que tomaram conta da região, governos às necessidades dos desalojados. Em
e grupos armados não estatais viram as dezembro, o Plano de Resposta Regional
minorias com crescente desconfiança e para Refugiados Sírios da ONU obteve para
intolerância. Isso se refletiu de forma mais 2014 apenas 54% do financiamento, e o
brutal nos conflitos do Iraque e da Síria, onde Programa Mundial de Alimentos foi forçado
muitas pessoas foram presas, sequestradas, a suspender temporariamente um programa
expulsas de suas casas em “limpezas de ajuda alimentar para 1,7 milhão de sírios
étnicas” ou mortas em razão de sua origem devido à falta de financiamento. Em muitos
ou religião. Essa situação também foi evidente locais, o rápido influxo de tantos refugiados
na Líbia, onde assassinatos por motivos sobrecarregou a disponibilidade de recursos
étnicos ou tribais foram comuns e estavam dos principais países que os receberam,
em ascensão. provocando tensões entre as populações de
No Golfo, o governo iraniano continuou refugiados e as comunidades anfitriãs. As
a aprisionar bahá’ís e a impedir seu acesso autoridades da Jordânia e do Líbano tomaram
ao ensino superior, restringindo também medidas para barrar a entrada de refugiados
os direitos de outras minorias religiosas, palestinos vindos da Síria e, cada vez mais,
bem como de azerbaijanos, curdos e outras de qualquer pessoa síria que buscasse
minorias étnicas, tendo supostamente refúgio. As autoridades egípcias devolveram à
executado de forma secreta ativistas pelos força alguns refugiados para a Síria.
direitos dos árabes ahwazi. Na Arábia Dentro da Síria, mais 7,6 milhões de
Saudita, as autoridades mantiveram a pessoas foram deslocadas internamente,
repressão aos críticos xiitas do governo muitas tendo sido forçadas a deixar suas
na Província Oriental, rica em petróleo, casas por conta dos conflitos ou dos ataques
condenando ativistas de direitos a longas sectários. Algumas haviam sido deslocadas
penas de prisão e, em pelo menos um caso, repetidas vezes e muitas estavam em locais
à pena de morte após julgamentos injustos. fora do alcance das agências humanitárias
No Kuwait, o governo continuou a negar a internacionais ou ficaram presas em

Anistia Internacional – Informe 2014/15 45


áreas sitiadas por forças do governo ou e práticas oficiais relativas aos trabalhadores
grupos armados não-estatais. Sua situação contratados para construir os novos estádios
era perigosa ao extremo, com escassa de futebol e outras instalações, levando o
perspectiva de melhora. governo a fazer promessas de reforma em
Ainda que nada tenha se igualado à resposta à pressão. Ainda assim, tanto no
crise síria em termos de escala, seu avanço Qatar quanto em outros países do Golfo,
até o Iraque também provocou milhares o patrocínio, ou kafala, sistema utilizado
de desalojamentos nesse país, devido em para recrutar trabalhadores migrantes e
parte à violência e aos abusos do Estado regulamentar seu emprego, facilitou a
islâmico, mas também aos ataques e abusos ocorrência de abusos de seus direitos, os
cometidos por milícias xiitas pró-governo. quais foram exacerbados pela ausência
Na Líbia, milhares de pessoas forçadas generalizada de medidas oficiais aplicáveis
pela milícia armada de Misrata a deixar a para garantir os direitos dos migrantes.
cidade de Tawargha em 2011 continuaram Muitos trabalhadores migrantes da região
sendo impedidas de voltar para suas casas e foram obrigados pelos empregadores a
enfrentaram novos deslocamentos quando a trabalhar por horas excessivas, sem descanso
capital, Trípoli, e outras áreas mergulharam ou dias de folga, e foram impedidos, por meio
em conflitos armados em meados do ano. de ameaças de prisão e deportação, de deixar
Em Gaza, bombardeios e outros ataques seus empregadores mesmo quando estes os
israelenses destruíram milhares de casas, submetiam a abusos.
desalojando milhares de pessoas durante Talvez mais vulneráveis do que todos eram
o conflito armado de 50 dias que começou as muitas milhares de mulheres da Ásia,
em 8 de julho. Na própria Israel, o governo em particular, que foram empregadas como
deteve solicitantes de asilo recém-chegados trabalhadoras domésticas e corriam risco
do Sudão, da Eritreia e de outros países de ser submetidas a abusos físicos e outros,
numa instalação no deserto de Naqab/Negev, inclusive sexuais, bem como outras formas de
e devolveu outros aos seus países de origem abusos trabalhistas, sem os meios adequados
com base num procedimento pretensamente para exigir reparação ou sem possibilidade
“voluntário” que não oferecia nenhuma alguma de fazê-lo. As autoridades da Arábia
garantia sobre sua segurança e implicava um Saudita realizaram expulsões em massa
alto risco de refoulement. de trabalhadores migrantes “excedentes”
para o Iêmen e outros países, muitas vezes
DIREITOS DOS MIGRANTES após mantê-los detidos em condições
Os trabalhadores migrantes colaboraram degradantes. Em outros locais, em países
decisivamente para as economias de muitos como a Líbia, onde a ilegalidade prevaleceu,
países em toda a região, não apenas nos os trabalhadores migrantes enfrentaram
Estados ricos em petróleo e gás do Golfo, discriminação e outros abusos, inclusive
onde tiveram um papel vital no setor de violência e assalto à mão armada em postos
construção, e também em outras indústrias de controle, nos bloqueios de estradas e
e no setor de serviços. Apesar de sua nas ruas.
importância para as economias locais, Milhares de pessoas, muitas delas vítimas
na maioria dos Estados os trabalhadores de traficantes de pessoas, tentaram escapar
migrantes continuaram inadequadamente e começar uma vida nova cruzando o
protegidos pelas leis trabalhistas locais Mediterrâneo a bordo de navios muitas vezes
e foram submetidos à exploração e a superlotados e sem condições de navegar.
abusos. A escolha do Qatar para sediar Algumas chegaram à Europa; outras foram
a Copa do Mundo de 2022 garantiu que retiradas do mar pela marinha italiana e pelo
permanecessem sob escrutínio suas políticas menos 3 mil teriam se afogado.

46 Anistia Internacional – Informe 2014/15


REMOÇÕES FORÇADAS CEDAW e nomeou um comitê de peritos para
No Egito, as autoridades continuaram a elaborar um projeto de lei para combater
remover moradores de “assentamentos a violência contra mulheres e meninas. As
informais”, no Cairo e em outros locais, autoridades argelinas e marroquinas também
sem lhes dar aviso adequado nem oferecer tomaram algumas medidas jurídicas positivas,
acomodação alternativa ou indenização. Entre ainda que limitadas: as primeiras finalmente
as pessoas atingidas estavam moradores que reconhecendo o direito à indenização para
construíram suas casas em áreas que as mulheres estupradas durante o conflito
autoridades consideraram “inseguras” e cuja armado interno dos anos 1990, e as últimas
remoção foi exigida para facilitar a construção abolindo uma disposição do Código Penal
de novos empreendimentos comerciais. que permitia que estupradores não fossem
O exército também removeu à força pelo julgados se casassem com a vítima.
menos mil famílias que viviam ao longo da No Golfo, apesar de uma hostilidade
fronteira com Gaza, como parte dos esforços mútua implacável a respeito de questões
para criar ali uma zona de “segurança”. As políticas e religiosas, os governos do Irã e da
autoridades israelenses também realizaram Arábia Saudita ostentaram históricos terríveis
remoções forçadas. Na Cisjordânia, inclusive em relação aos direitos das mulheres. No
em Jerusalém Oriental, elas destruíram, como Irã, onde muitos ativistas pelos direitos das
punição, as casas de familiares de palestinos mulheres foram detidos ou presos nos últimos
que realizaram ataques a civis israelenses, anos, as autoridades detiveram meninas e
tendo demolido também dezenas de casas mulheres que protestavam contra a proibição
de palestinos que, segundo elas, haviam oficial de sua presença em determinados
sido construídas ilegalmente. Em Israel, as eventos esportivos como espectadoras. Na
autoridades removeram à força beduínos Arábia Saudita, as autoridades prenderam ou
que viviam em “aldeias não reconhecidas” ameaçaram mulheres que ousaram desafiar
oficialmente, na região de Naqab/Negev. uma proibição oficial à condução de carros.
Em ambos os países, as autoridades também
DIREITOS DAS MULHERES impuseram códigos de vestimenta e de
Em toda a região, mulheres e meninas comportamento rígidos para as mulheres, e
sofreram discriminação nos termos da lei e mantiveram leis que punem o adultério com
como resultado das políticas oficiais, e foram a morte. No Iêmen, mulheres e meninas
protegidas de maneira inadequada contra a continuaram a enfrentar casamentos forçados
violência sexual e outras formas de violência. e precoces e, em algumas províncias, altas
Tal discriminação se encontra profundamente taxas de mutilação genital feminina.
enraizada, e poucos avanços foram vistos Em meio à ausência generalizada de
em 2014. Três anos após as mulheres se medidas governamentais que garantam
manifestarem com uma visibilidade sem proteção adequada contra a violência sexual
precedentes durante os levantes populares e a violência praticada contra mulheres
que tomaram a região em 2011, elas e meninas dentro da família, os excessos
parecem estar entre os principais derrotados das forças do Estado Islâmico no Iraque,
das mudanças políticas que se seguiram. onde possivelmente milhares de mulheres
No Egito, grupos de homens atacaram e meninas de minorias étnicas e religiosas
e agrediram sexualmente manifestantes foram sequestradas e vendidas à força como
mulheres nas ruas ao redor da Praça Tahrir, “esposas” ou escravas para membros de
no Cairo. A Tunísia foi uma notável exceção. grupos armados, como o EI, rebaixaram ainda
Lá, dois policiais condenados por estupro mais esses níveis de proteção. Mesmo assim,
receberam penas de prisão mais longas, suscitaram apenas uma tímida condenação
o governo retirou as reservas da Tunísia à por parte dos líderes religiosos.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 47


2014 foi um ano de terrível sofrimento
em grande parte do Oriente Médio e do
Norte da África, um ano que viu alguns
dos piores excessos na história recente
e que, ao findar, mostrou poucos sinais
de que haverá melhoras no curto prazo.
Ainda assim, em meio a tantos horrores,
atores locais e ativistas de diversas matizes
políticas continuaram de formas variadas a
confrontar que está no poder, a desafiar a
tirania, a prestar assistência aos feridos e aos
vulneráveis, e a se posicionar não apenas
em favor dos seus direitos, mas dos direitos
de outros, muitas vezes a um enorme custo
pessoal. A sólida coragem desses indivíduos,
muitos deles acertadamente denominados
defensores dos direitos humanos, foi talvez
a característica mais notável e persistente de
2014, e o maior sinal de esperança para o
futuro dos direitos humanos na região.

48 Anistia Internacional – Informe 2014/15


14/15
ANISTIA INTERNACIONAL
INFORME 2014/15
PAÍSES

Anistia Internacional – Informe 2014/15 49


AFEGANISTÃO de protestos por parte de organizações de
direitos humanos nacionais e internacionais.

República Islâmica do Afeganistão INFORMAÇÕES GERAIS


Chefe de Estado e de governo: Muhammad Ashraf Sem um vencedor claro nas eleições
Ghani Ahmadzai (sucedeu Hamid Karzai em presidenciais de abril e com um segundo
setembro) turno em junho marcado por acusações de
fraudes sistemáticas e em grande escala
contra os dois candidatos, criou-se um
A insegurança aumentou em todo o país, na impasse eleitoral que durou cinco meses.
expectativa dos planos de retirada de 86 mil Após longas negociações e intervenções
soldados estrangeiros em dezembro, quando do secretário de Estado dos EUA, John
terminava o mandato da Força Internacional Kerry, e do representante especial da
de Assistência à Segurança (ISAF) da OTAN. ONU no Afeganistão, Jan Kubis, os dois
Os EUA se comprometeram a manter suas candidatos favoritos concordaram em formar
tropas de combate até o fim de 2015. A o primeiro governo de coalizão do país,
Missão de Assistência das Nações Unidas com a divulgação dos resultados em 22 de
no Afeganistão (UNAMA) informou que o setembro. Ashraf Ghani tomou posse como
número de vítimas civis não envolvidas nas presidente em 29 de setembro, tendo o
hostilidades no Afeganistão foi recorde. O candidato rival, Abdullah Abdullah, como
Talibã e outros grupos insurgentes armados chefe do executivo, uma função similar à
foram responsáveis por mais de 74% das de um primeiro-ministro. Até o fim de 2014,
mortes e ferimentos de civis, sendo 9% três meses depois de o Presidente Ghani ser
dessas baixas atribuídas a forças pró- empossado, o novo ministério ainda não havia
governo. Outros 12% ocorreram durante sido anunciado.
combates terrestres entre os insurgentes Em junho, em resposta à pressão
favoráveis ao governo afegão e os talibãs, internacional para reprimir o financiamento
não podendo ser atribuídos a qualquer dos ao terrorismo dentro da jurisdição do
grupos. As demais baixas ocorreram em Afeganistão, um projeto de lei contra a
consequência do conflito. A ausência de lavagem de dinheiro foi aprovado por ambas
prestação de contas nos casos em que civis as casas do Parlamento afegão, e promulgado
foram mortos ou feridos de modo ilegal pelo então Presidente Karzai.
deixou muitas vítimas e suas famílias sem No dia 30 de setembro, o Presidente Ghani
acesso à justiça ou a reparação. No decorrer assinou o Acordo de Segurança Bilateral
do ano, o Parlamento e o Ministério da (BSA) com os EUA e o Acordo sobre o Status
Justiça aprovaram ou emendaram diversas da Força (SOFA) com a OTAN, permitindo
leis, como o Código de Processo Penal, que 9.800 soldados dos EUA e outros 2.000
que impedia que familiares de vítimas e de da OTAN permanecessem no Afeganistão
perpetradores de crimes testemunhassem. depois de encerradas as operações formais
Uma vez que a maioria dos casos de de combate em dezembro. Sua função
violência de gênero denunciados acontecia principal será fornecer treinamento e
dentro da família, isso praticamente orientação às forças do governo afegão.
impossibilitava que os processos desses
casos tivessem êxito. Embora aprovada ABUSOS COMETIDOS POR
por ambas as casas do Parlamento, a lei GRUPOS ARMADOS
não foi sancionada pelo então Presidente Entre 1º de janeiro e 30 de junho, o
Karzai, sendo refutada depois de uma onda número de vítimas civis não envolvidas nas
hostilidades chegou a 4.853. Dessas baixas,

50 Anistia Internacional – Informe 2014/15


mais de 70% foram causadas pelo Talibã 2014 caiu de 302 para 158, principalmente
e outros grupos insurgentes armados. Esse devido à redução das operações militares
número foi o dobro do registrado em 2009, e aéreas. A ANSF foi responsável por um maior
representa um aumento de 24% em relação número de baixas civis em razão de seu
ao mesmo período de 2013. Dentre as baixas, total envolvimento com operações militares e
foram registradas 1.564 mortes e 3.289 combates terrestres.
pessoas feridas. Ocorreram falhas consideráveis na
Segundo a UNAMA, a maioria dos mortos prestação de contas pelas mortes de civis,
e feridos foi vítima de atentados suicidas e como falta de transparência nas investigações
de explosões com dispositivos caseiros. Os e ausência de justiça para as vítimas e suas
combates terrestres causaram dois quintos famílias. 1
das baixas civis, com 474 pessoas mortas e Em maio, depois de revisar o caso de
1.427 feridas. Essas baixas representaram Serdar Mohammed, detido desde 2010, a
39% de todas as vítimas civis, um aumento Corte Superior da Inglaterra considerou ilegal
de 89% em comparação a 2013. a política de detenções adotada pelas forças
O Talibã e outros grupos insurgentes britânicas no Afeganistão. A Corte concluiu
armados costumavam atacar alvos de mais que a detenção de Serdar por um período
fácil alcance, provocando muitas mortes maior que as 96 horas permitidas havia sido
e ferimentos entre a população civil. O arbitrária, infringindo a Convenção Europeia
número de vítimas entre crianças e mulheres de Direitos Humanos. Após a decisão, o
também aumentou 24% se comparado a governo afegão ordenou que o Reino Unido
2013, representando 29% de todas as baixas transferisse 32 detentos que eram mantidos
registradas no primeiro semestre de 2014. em duas unidades sob sua administração
Entre janeiro e agosto de 2014, a em Helmand.
ONG Safety Organization no Afeganistão
registrou 153 ataques contra trabalhadores VIOLÊNCIA CONTRA
humanitários, que deixaram 34 pessoas MULHERES E MENINAS
mortas e 33 feridas. O governo atribuiu A Comissão Independente de Direitos
a maioria desses ataques a atiradores de Humanos do Afeganistão (AIHRC) registrou
grupos insurgentes, entre eles o Talibã. 4.154 casos de violência contra mulheres
somente no primeiro semestre do ano, um
VIOLAÇÕES COMETIDAS POR crescimento de 25% com relação ao mesmo
FORÇAS INTERNACIONAIS E período de 2013. Houve um aumento nas
DO GOVERNO AFEGÃO denúncias de crimes contra mulheres e
Forças da ISAF e da OTAN continuaram a meninas, mas não estava claro se esse
fazer incursões noturnas e ataques aéreos crescimento se devia à intensificação da
e terrestres, matando dezenas de civis, violência ou à maior conscientização e ao
apesar de terem concluído a transferência da acesso a mecanismos de denúncia para as
responsabilidade pela segurança às Forças mulheres. Um relatório da ONU de 2013
de Segurança Nacionais Afegãs (ANSF) em constatou que a Lei para a Erradicação da
junho de 2013. Segundo a UNAMA, 9% Violência contra a Mulher foi aplicada em
do total de baixas civis foram causadas por somente 17% de todas as denúncias de
forças pró-governo (8% pelas forças da ANSF violência contra mulheres no Afeganistão.
e 1% pelas forças da ISAF/OTAN), sendo Numa ação considerada positiva por
os combates terrestres e o fogo cruzado grupos de mulheres e de direitos humanos,
os responsáveis pela maioria das mortes. o ex-presidente Hamid Karzai se recusou
O número total de civis mortos por forças a sancionar o Código de Processo Penal
pró-governo nos primeiros seis meses de aprovado pelo Parlamento afegão, o qual teria

Anistia Internacional – Informe 2014/15 51


proibido que familiares de pessoas acusadas acusações contra eles permaneceram
testemunhassem em processos criminais. sigilosas, assim como os detalhes de sua
Uma vez que a maioria dos casos de violência representação legal e de seu acesso a
de gênero denunciados acontecia dentro da cuidados médicos.
família, isso dificultaria imensamente que um
processo fosse exitoso e negaria a justiça às LIBERDADE DE EXPRESSÃO
vítimas de estupro e de violência doméstica, – JORNALISTAS
bem como às mulheres submetidas a O governo não investigou devidamente nem
casamentos forçados ou enquanto menores processou os responsáveis por ataques a
de idade. Por outro lado, a redução da quota jornalistas e outros profissionais da imprensa
para as cadeiras reservadas às mulheres que exerciam pacificamente seu direito à
nos conselhos provinciais e a ausência de liberdade de expressão.
mulheres nas negociações de paz com Em 2014, teria havido um aumento de
o Talibã foram revezes para os direitos 50% no número de jornalistas assassinados,
das mulheres. comparado a 2013, e um aumento de 60%
Segundo o Ministério da Saúde no número de ataques no primeiro semestre
afegão, ocorreram 4.466 casos de de 2014, comparado ao mesmo período
autoenvenenamento e 2.301 casos de de 2013.
autoimolação praticados por mulheres Jornalistas foram presos, ameaçados,
durante o ano, os quais resultaram em espancados ou assassinados em ataques
166 mortes. A causa primária desses atos com aparentes motivações políticas,
autodestrutivos teria sido a violência baseada cometidos por funcionários do governo, pelas
em gênero, seguida por traumas relacionados forças internacionais, por grupos insurgentes
ao conflito e por desalojamentos. e por apoiadores de candidatos às eleições.
Em 30 de abril, um clérigo foi preso por Segundo a organização afegã de observação
ter amarrado e estuprado uma de suas da mídia Nai, 20 jornalistas foram atacados
estudantes do Corão, uma menina de 10 e sete foram mortos. Os jornalistas que
anos, na província de Kunduz.2 cobriram as eleições presidenciais correram
maiores riscos.
PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS,
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS REFUGIADOS E PESSOAS
Prisões e detenções arbitrárias, inclusive em DESALOJADAS DENTRO DO PAÍS
regime de incomunicabilidade, continuaram Segundo estimativas do ACNUR, o órgão
sendo praticadas pelo serviço de inteligência, da ONU para os refugiados, os afegãos
o Diretório Nacional de Segurança do formavam o maior contingente de refugiados
Afeganistão (DNS), e pela polícia. Os do mundo. Os vizinhos Irã e Paquistão
suspeitos eram rotineiramente privados do abrigavam 2,7 milhões de refugiados
direito à aplicação regular da lei, inclusive afegãos registrados. Em março, o ACNUR
de acesso a um advogado ou a familiares. documentou 659.961 afegãos que haviam
Prosseguiram as denúncias de violações sido desalojados dentro do país devido ao
cometidas por agentes do DNS, como tortura, conflito interno, à piora da segurança e aos
maus-tratos e desaparecimentos forçados. desastres naturais.
Pelo menos seis presos não afegãos Em 11 de fevereiro de 2014, o Ministério
continuavam sob custódia dos EUA no centro para os Refugiados e o Repatriamento do
de detenção de Parwan (anteriormente Afeganistão lançou uma inédita Política
denominado Bagram) no fim do ano. Nacional para os Desalojados Internos,
Acredita-se que alguns estejam detidos que estipula uma definição jurídica do que
desde 2002. Suas identidades e as possíveis são desalojados internos e estabelece as

52 Anistia Internacional – Informe 2014/15


responsabilidades primárias do governo de
prestar assistência emergencial e apoio e 1. Afghanistan: Left in the dark: Failures of accountability for civilian

proteção no longo prazo. Temia-se, porém, casualties caused by international military operations in Afghanistan

que os desalojamentos pudessem aumentar (ASA 11/006/2014)

após a transição de segurança programada www.amnesty.org/en/library/asset/asa11/006/2014/en/c628b1a4-

para o fim de 2014, quando os insurgentes 821f-4168-a583-ac4a6159986e/asa110062014en.pdf

travariam combates para ocupar os territórios 2. Afghanistan: Ten-year-old rape survivor faces “honour” killing (ASA

que estavam em controle das forças 11/013/2014)

internacionais. www.amnesty.org/en/library/asset/ASA11/013/2014/en/63debb0c-

Pessoas desalojadas continuaram 105f-4e2d-9ca6-f682ce1de221/asa110132014en.pdf

migrando para as grandes cidades como


Cabul, Herat e Mazar-e-Sharif. Abrigos
temporários inadequados, superlotação e
higiene precária, combinadas às rigorosas
condições climáticas, provocaram o aumento ÁFRICA DO SUL
de doenças contagiosas e crônicas, como
a malária e a hepatite. As iniciativas para República da África do Sul
eliminar o vírus da pólio através de programas Chefe de Estado e de governo: Jacob G. Zuma
de vacinação foram obstruídas por grupos de
oposição armados, como o Talibã, enquanto
novos casos continuaram sendo registrados. Comissões de inquérito judicial chamaram
a atenção para o uso de força excessiva
PENA DE MORTE por parte da polícia, inclusive para os
O Afeganistão continuou aplicando a pena de homicídios ilegais e as falhas na prestação
morte, geralmente após julgamentos injustos. de serviços às comunidades pobres.
No dia 8 de outubro, seis homens foram Incidentes relacionados à destruição
executados na prisão de Pul-e-Charkhi, em de propriedades e ao desalojamento
Cabul, menos de duas semanas depois da de refugiados e requerentes de asilo
posse do Presidente Ghani. Cinco deles continuaram a ocorrer. O acesso ao
haviam sido condenados por participação tratamento para pessoas vivendo com HIV
no estupro grupal de quatro mulheres no continuou a se expandir, e intervenções
distrito de Paghman. Um sexto homem foi visando proporcionar tratamento do HIV
condenado em outro caso envolvendo uma para mulheres grávidas contribuíram para
série de sequestros, homicídios e roubos a um declínio nas taxas de mortalidade
mão armada. Em 28 de setembro, o então materna. No entanto, grandes barreiras
Presidente Karzai assinou as ordens de discriminatórias continuaram a dificultar
execução de seis homens. Os processos o acesso de mulheres e meninas a
de julgamento de cinco homens foram cuidados pré-natais. Registraram-se
considerados injustos e controversos, progressos no tratamento dispensado aos
marcados por pressões públicas e políticas crimes de ódio baseados na orientação
para que os tribunais proferissem sentenças sexual ou na identidade de gênero das
severas, enquanto os réus alegavam terem vítimas. Defensores dos direitos humanos
confessado depois de torturados pela polícia enfrentaram intimidações e ameaças.
quando estavam detidos.
O Presidente Ghani ordenou a revisão INFORMAÇÕES GERAIS
dos casos de quase 400 pessoas à espera Após as eleições gerais de maio, o partido
de execução. governista, o Congresso Nacional Africano
(CNA), retomou o poder em oito das nove

Anistia Internacional – Informe 2014/15 53


províncias, mas com uma reduzida maioria decisão de desarmar os mineiros em greve foi
nacional de 62,15%. Um novo partido tomada apesar da possibilidade concreta de
político, os Combatentes da Liberdade que pessoas fossem mortas ou feridas, tendo
Econômica, obteve 6,35% dos votos e, efetivamente resultado no uso de "unidades
juntamente com a Aliança Democrática, táticas" armadas com força letal, no disparo
grupo político oposicionista consolidado, de mais de 600 tiros pela polícia em dois
aumentou a pressão sobre o governo do locais diferentes e em 34 mortes. Quase
CNA no parlamento nacional para uma maior todos os ferimentos fatais concentraram-se na
transparência e prestação de contas. cabeça ou na parte superior do corpo1.
O acesso ao tratamento antirretroviral para Outras provas examinadas pela Comissão
pessoas portadoras de HIV continuou a se indicam que os responsáveis pela decisão
expandir, com 2,5 milhões de sul-africanos não se preocuparam em disponibilizar
recebendo o tratamento, de acordo com assistência médica de emergência adequada.
dados oficiais referentes a julho de 2014. Em
virtude dessa expansão, a expectativa de vida PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA
na África do Sul aumentou. As provas que poderiam ser levantadas
pela Comissão Marikana sobre as relações
USO EXCESSIVO DA FORÇA trabalhistas e condições socioeconômicas
A Comissão de Inquérito de Marikana subjacentes à greve de agosto de 2012
sobre os disparos fatais feitos por policiais, foram cerceadas devido à pressão para
em agosto de 2012, que mataram 34 que os trabalhos da Comissão fossem
trabalhadores em greve na mina de platina concluídos. No entanto, a LONMIN foi
em Marikana, encerrou suas audiências investigada nos últimos meses por não tomar
públicas em 14 de novembro. Foram ouvidas medidas adequadas para proteger a vida
as alegações finais dos representantes legais de sua equipe de segurança e funcionários,
da polícia, dos sindicatos de mineração, assim como por não cumprir as obrigações
da LONMIN PLC, das famílias dos 34 socioeconômicas da empresa relacionadas à
trabalhadores da mina em greve mortos pela sua licença de mineração em Marikana.
polícia e das famílias de outras sete pessoas Em 20 de agosto, o Estado retirou todas
– três trabalhadores não grevistas, dois as acusações, inclusive de posse de armas
policiais e dois seguranças da LONMIN – que perigosas e de participação numa reunião
foram mortas no desenrolar do conflito. Os ilegal, contra os 270 grevistas presos no local
membros da Comissão devem entregar suas do tiroteio com a polícia em 16 de agosto
conclusões e recomendações ao presidente de 2012.
Zuma em 2015.
Havia indícios de que, desde o início, os EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS
policiais tentaram ocultar e destruir provas O início do julgamento dos 27 policiais, a
e forjar uma versão dos eventos destinada maioria dos quais são membros da Unidade
a induzir ao erro o inquérito oficial. Uma de Crime Organizado Cato Manor (UCOCM),
reunião crucial foi realizada pelos policiais por 28 assassinatos e outras acusações, foi
na noite de 15 de agosto de 2012, apoiando novamente adiado após seu comparecimento
a decisão de, até o final do dia seguinte, à Suprema Corte de Durban, em 23 de junho,
desarmar à força, dispersar e prender os sendo postergado para fevereiro de 2015.
trabalhadores grevistas da mina. Policiais Os policiais devem responder a acusações
de alta patente, mais especificamente o criminais relacionadas, entre outras coisas,
comissário nacional da Polícia, recusaram-se com a morte de Bongani Mkhize. Em
persistentemente a colaborar com as maio, a Suprema Corte de Pietermaritzburg
investigações da Comissão sobre a reunião. A determinou que o ministro da Polícia teria

54 Anistia Internacional – Informe 2014/15


que pagar indenização à família de Bongani Botswana, por funcionários do Departamento
Mkhize, morto por membros da UCOCM e de Assuntos Internos (DAI) era ilegal e
da Unidade Nacional de Intervenção em inconstitucional. Edwin Samotse respondia
fevereiro de 2009. a acusações criminais em Botswana para
Em fevereiro de 2014, o Supremo Tribunal as quais poderia ser aplicada a pena de
julgou que as decisões tomadas pelo então morte. As autoridades sul-africanas não
diretor nacional do Ministério Público para tinham obtido o compromisso que foi exigido
processar o ex-comandante da UCOCM, das autoridades de Botswana para que
Johan Booysen, por sete acusações de garantissem que a pena capital não seria
extorsão, de acordo com a Lei de Prevenção aplicada. O Tribunal ordenou ao DAI que
do Crime Organizado, foram arbitrárias e tomasse medidas para prevenir a recorrência
violaram o princípio da legalidade. Embora de deportações semelhantes.
o juiz Trevor Gorven, da Suprema Corte,
tenha determinado que as decisões de REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO
julgar as acusações com base na Lei Durante o ano, ocorreram vários incidentes
fossem anuladas, ele enfatizou que isso não envolvendo ameaças e violência contra
impedia que o diretor nacional do Ministério refugiados, solicitantes de asilo e migrantes,
Público futuramente reapresentasse as com saques ou destruição de centenas de
acusações com fundamentos jurídicos mais suas pequenas empresas e residências.
consistentes. Nos primeiros quatro meses do ano, os
incidentes em sete províncias fizeram que
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS mais de 1.600 pessoas fossem desalojadas.
As acusações de tortura contra os membros Em junho, ataques constantes na área de
do Serviço de Polícia Sul-Africano (SPSA) e Mamelodi, perto de Pretória, e a lentidão da
do Departamento de Serviços Correcionais resposta da polícia levaram à pilhagem ou à
eram abundantes. No final do ano, a destruição de cerca de 76 lojas somalis, ao
assessoria jurídica do SPSA emitiu uma desalojamento de pessoas em grande escala,
Instrução Nacional a todos os membros à morte de um refugiado e a ferimentos
do SPSA informando-os sobre a proibição em outras 10 pessoas. Houve constante
absoluta da tortura e as obrigações preocupação com a incapacidade do governo
decorrentes da Lei de Prevenção e Combate para proteger a vida e a integridade física
à Tortura de Pessoas de 2013. dos refugiados e de outras pessoas que
Em 30 de outubro, o Tribunal necessitam de proteção internacional.
Constitucional negou provimento ao recurso Em setembro, a Suprema Corte de
interposto pelo Comissário Nacional do SPSA, Recursos (SCR) revogou uma decisão do
que se recusou a investigar denúncias de Tribunal Superior, que havia permitido a
tortura contidas em um "dossiê" de 2008 feito vigência da chamada Operação Hardstick,
pelo Fórum de Exilados do Zimbábue e pelo a qual permitia que as autoridades
Centro de Recursos de Direitos Humanos Sul- policiais e municipais pudessem fechar à
Africano. O Tribunal Constitucional concluiu força pequenas empresas pertencentes a
que o SPSA tinha tanto o poder quanto refugiados. Esses fechamentos de empresas
o dever de investigar as denúncias, que eram acompanhados por maus-tratos,
constituem crimes contra a humanidade. abusos, desalojamento e miséria. A SCR
decidiu que tanto os refugiados formalmente
PENA DE MORTE reconhecidos quanto os solicitantes de asilo
Em setembro, o Tribunal Superior do Norte tinham o direito de se candidatar a licenças
de Gauteng decidiu que a deportação para de comercialização, sobretudo tendo em vista
Botswana de Edwin Samotse, cidadão de

Anistia Internacional – Informe 2014/15 55


os enormes atrasos enfrentados na decisão 7,8% de todos os nascidos vivos, constituírem
final do seu pedido de asilo. 36% das mortes maternas. Dados do
Em novembro, o Tribunal Superior do Departamento de Saúde indicaram que a taxa
Norte de Gauteng retirou as acusações de mortalidade materna havia diminuído de
contra 15 dos 20 homens congoleses 310 para 269 mortes maternas para cada
que estavam sendo julgados por violar a 100.000 nascidos vivos.
Lei de Regulamentação da Assistência Em julho, o governo anunciou que o acesso
Militar Estrangeira da África do Sul. Eles ao tratamento antirretroviral gratuito e para o
também tinham enfrentado uma segunda resto da vida estaria disponível para todas as
acusação, de conspiração para cometer mulheres grávidas portadoras de HIV a partir
assassinato, cujos supostos alvos incluíam de janeiro de 2015. Em agosto, o governo
o presidente da República Democrática do lançou um serviço de mensagens de celular,
Congo (RDC), Joseph Kabila, e militares e "Conecte Mãe", para fornecer às mulheres
outros funcionários do governo. Cinco réus, e meninas grávidas informações durante
todos provenientes da RDC, estavam sendo a gestação.
julgados na Suprema Corte pelas mesmas No entanto, as barreiras ao acesso a
acusações, com o julgamento devendo ser serviços de saúde materna persistiram.
retomado em janeiro de 2015. Quando Mulheres e meninas grávidas tiveram
foram presos, em fevereiro de 2013, todos acesso a cuidados pré-natais só no fim
os 20 acusados ficaram detidos na prisão de sua gravidez, e esse atraso estava
de Pretoria até que o julgamento começasse relacionado a quase um quarto das mortes
17 meses mais tarde. O juiz ordenou maternas evitáveis na África do Sul. As
uma investigação sobre as denúncias dos mulheres e as meninas disseram que o
acusados de que teriam sofrido maus-tratos, acesso tardio aos cuidados pré-natais está
inclusive períodos prolongados de isolamento, relacionado, em parte, a preocupações de
durante a detenção preventiva. que os serviços de saúde não garantam
confidencialidade e consentimento bem
SAÚDE MATERNA E HIV informado, particularmente em relação à
A infecção pelo HIV continuou a ser a aplicação do teste de HIV. Elas também
principal causa de morte de mulheres e citaram como obstáculos ao acesso mais
meninas durante a gravidez e logo após precoce a cuidados pré-natais a falta de
o parto, sendo responsável por mais acesso à informação, as atitudes negativas
de 40% dos óbitos. Dados do governo por parte dos funcionários da área de saúde
informam que 60% de todas as mortes e o transporte não confiável ou oneroso para
maternas poderiam ser evitadas. Taxas de as unidades de saúde. A pobreza era um
prevalência de HIV para mulheres grávidas fator agravante2.
de 29,5%, em nível nacional, continuavam
sendo uma preocupação séria. Em alguns DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS,
distritos médicos, como das províncias BISSEXUAIS, TRANSGÊNEROS
de Mpumalanga e KwaZulu-Natal, as E INTERSEXUAIS
taxas superavam os 40%. Novos números A violência discriminatória contra pessoas
nacionais publicados em 2014 mostraram LGBTI continuou a causar preocupação e
que quase um quarto de todas as novas medo. Em 2013 e 2014, pelo menos cinco
infecções por HIV ocorreram em meninas e pessoas, três delas mulheres lésbicas,
mulheres jovens entre 15 e 24 anos. foram assassinadas em circunstâncias
Em julho, o ministro da Saúde expressou aparentemente relacionadas a sua orientação
preocupação com o fato de meninas com sexual ou identidade de gênero.
menos de 18 anos de idade, responsáveis por

56 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Houve algum progresso no tratamento sobre os órgãos de fiscalização, continuou
dispensado aos crimes de ódio por meio causando grande preocupação. O Gabinete
do relançamento da Equipe de Trabalho do Defensor Público e sua diretora,
Nacional e da criação de uma Equipe Thuli Madonsela, enfrentaram constante
de Resposta Rápida por funcionários do pressão por parte de membros do governo,
Departamento de Justiça e Desenvolvimento equivalente a intimidação, devido à
Constitucional e funcionários responsáveis investigação do órgão de fiscalização sobre
pelo desenvolvimento constitucional, entre o uso indevido de fundos públicos pelo
outros. Em fevereiro, a Equipe de Resposta Presidente em sua casa na província de
Rápida relatou avanços em 19 dos 43 casos KwaZulu-Natal.
anteriormente "não resolvidos", identificados No fim do ano, os processos judiciais
como suspeita de violência anti-LGBTI. criminais contra o fundador da Coalizão
Representantes da sociedade civil e para a Justiça Social (CJS), Angy Peter,
funcionários do Departamento de Justiça e três outras pessoas não haviam sido
também mantiveram discussões sobre um concluídos. Em 2012, a CJS, assim como
esboço de documento político sobre crimes Angy Peter, havia reunido provas para
de ódio, o qual se destina a auxiliar na apoiar a convocação de uma comissão de
elaboração da legislação sobre esse tipo de inquérito sobre a corrupção policial e sua
crime. Até o fim do ano, não houve mais incapacidade de prover serviços adequados
progressos relativos à legislação. à comunidade carente de Khayelitsha. A
Em novembro, a Suprema Corte de comissão de inquérito judicial, criada em
Johanesburgo condenou um homem pelo agosto de 2012, finalmente iniciou suas
estupro e assassinato de uma mulher lésbica, audiências em fevereiro de 2014 e publicou
Duduzile Zozo, em 2013. O juiz Tshifhiwa o seu relatório em agosto. As audiências
Maumela pronunciou-se de forma enérgica tinham sido adiadas por mais de um ano
ao condenar as atitudes discriminatórias que até que, em 2013, a Corte Constitucional
alimentam tal tipo de crime3. por fim decidiu contra o então ministro da
No final do ano, iniciaram os Polícia e o superintendente nacional da
procedimentos judiciais preliminares contra polícia, que se opunham à sua criação. O
um suspeito acusado do assassinato de David relatório da Comissão confirmou muitas das
Olyn, 21 anos, que foi espancado e queimado preocupações documentados pela CJS.
até a morte, em março, aparentemente Ativistas do direito à saúde vêm sofrendo
por causa de sua orientação sexual. No uma pressão crescente, sobretudo na
entanto, observadores da sociedade civil província de Free State. Os membros da
manifestaram preocupação com as limitações Campanha de Ação por Tratamento (CAT)
da investigação policial. teriam sido ameaçados e intimidados por
A África do Sul apoiou a adoção, em maio, funcionários provinciais do partido governista,
da resolução 275 da Comissão Africana dos o CNA, e por meio de telefonemas anônimos,
Direitos Humanos e dos Povos, pedindo aos em virtude de seu trabalho em favor dos
Estados para acabar com todos os atos de portadores de HIV e contra a corrupção.
violência e abuso motivados pela orientação Sello Mokhalipi, então presidente da CAT
sexual, real ou percebida, ou pela identidade em Free State, passou temporariamente à
de gênero das pessoas. clandestinidade e, mais tarde, no início de
2014, apresentou queixas criminais à polícia
DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS após receber supostas ameaças de morte.
O assédio contra defensores e organizações O coordenador provincial da CAT em Free
de direitos humanos e a pressão indevida State, Machobane Morake, também foi,
exercida sobre as instituições, inclusive segundo informações, alvo de ameaças e

Anistia Internacional – Informe 2014/15 57


intimidações. Em julho, os dois homens e um desses crimes perduravam. Critérios de
terceiro colega da CAT teriam sido vítimas de direitos humanos foram aplicados às
uma tentativa de emboscada em uma estrada exportações de armas.
remota à noite. Na época, eles estavam
prestando apoio a 127 agentes comunitários REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO
de saúde de Free State e aos ativistas da CAT Entre 2013 e 2014, a Alemanha deu início
que haviam sido presos durante uma vigília a três programas de admissão humanitária
pacífica na sede do Departamento de Saúde para 20 mil refugiados sírios provenientes
de Free State. Os detidos foram mantidos em do Egito e de países vizinhos à Síria. Os
delegacias de polícia em Bloemfontein por 36 programas visavam sobretudo à reunificação
horas antes de serem levados à presença de de famílias ampliadas. Trezentos refugiados
um juiz, quando foram acusados de participar receberam oferta de reassentamento por
de uma reunião ilegal. Depois de outras duas meio de um programa do ACNUR. Em
audiências preliminares, seus processos dezembro, a Alemanha decidiu também
foram adiados até janeiro de 2015. oferecer reassentamento a 500 refugiados por
ano, a começar em 2015. Em setembro, a
Sérvia, a Macedônia e a Bósnia-Herzegóvina
1. South Africa: Unlawful force and the pattern of concealment: Barriers foram legalmente definidos como países de
to accountability for the killings at Marikana (AFR 53/004/2014) origem seguros, reduzindo as oportunidades
www.amnesty.org/en/library/info/AFR53/004/2014/en para que cidadãos desses países busquem
2. Struggle for maternal health: Access barriers to antenatal care in proteção. Foi aprovada uma lei permitindo
South Africa (AFR 53/006/2014) que requerentes de asilo circulem livremente
www.amnesty.org/en/library/info/AFR53/006/2014/en dentro do país após três meses de residência
3. South Africa: Court’s judgment a positive step forward against hate e tenham acesso desimpedido ao mercado
crime (AFR 53/008/2014) de trabalho após 15 meses. A Lei sobre
www.amnesty.org/en/library/asset/AFR53/008/2014/en/dc93fda1- Benefícios a Requerentes de Asilo, que foi
e9d7-4a5b-86bf-ad102f0bc583/afr530082014en.html emendada e deve vigorar a partir de abril de
2015, ficou aquém das normas de direitos
humanos, principalmente com relação à
assistência à saúde.

ALEMANHA TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS


As autoridades não trataram dos obstáculos
República Federal da Alemanha que impedem a investigação efetiva de
Chefe de Estado: Joachim Gauck denúncias de maus-tratos pela polícia.
Chefe de governo: Angela Merkel Nenhum dos estados federais criou um
mecanismo de queixas independente para
investigar denúncias de violações de direitos
Programas de admissão humanitária para 20 humanos graves cometidas pela polícia.
mil refugiados sírios foram aprovados. Não Exceto nos estados federais de Berlim,
houve melhoras na investigação de graves Brandenburgo, Renânia-Palatinado e
violações de direitos humanos cometidas Schleswig-Holstein, os policiais não tinham a
pela polícia. A Agência Nacional para a obrigação de usar crachás de identificação.
Prevenção da Tortura continuou carente A Agência Nacional para a Prevenção
de recursos. Prosseguiram os ataques da Tortura, o mecanismo preventivo da
discriminatórios contra requerentes de asilo Alemanha, conforme o Protocolo Facultativo
e minorias, enquanto as preocupações sobre à Convenção da ONU contra a Tortura,
as investigações e os processos judiciais continuou severamente desprovida de

58 Anistia Internacional – Informe 2014/15


recursos, apesar de um aumento das verbas Em agosto de 2014, o governo propôs
e da duplicação do número de membros da emendar a seção 46 do Código Penal de
Comissão Mista dos Estados Federados, um modo a requerer que, ao proferir sentenças,
dos dois órgãos constituintes da Agência. os tribunais levem em consideração motivos
Contrariando as normas internacionais, o racistas, xenófobos ou quaisquer outros
procedimento de nomeação dos membros da julgados “degradantes”. No fim do ano, a
Agência Nacional careceu de independência proposta ainda não havia sido examinada
e transparência, além de excluir a pelo parlamento.
sociedade civil. No primeiro semestre de 2014, segundo
Prosseguiram as investigações e os dados da sociedade civil, aconteceram 155
processos sobre o uso excessivo da força protestos contra a criação de centros de
por parte da polícia de Stuttgart com relação recepção para requerentes de asilo, a maioria
ao uso desproporcional de canhões de água por grupos de extrema direita. Também foram
durante as manifestações ocorridas na cidade registrados 18 ataques contra requerentes
em setembro de 2010. Em setembro de de asilo.
2014, o Tribunal Federal de Justiça manteve
uma sentença proferida em dezembro de DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS,
2012 pelo Tribunal Regional de Magdeburgo, BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS
condenando um policial por “homicídio por E INTERSEXUAIS
negligência” relativo à morte de Oury Jalloh, A Lei sobre a Mudança de Nomes Próprios
que faleceu durante um incêndio na cela em e o Estabelecimento de Condição Sexual
que estava na delegacia de polícia de Dessau em Casos Especiais, de 1980, continuou
em 2005. As circunstâncias da morte de Oury em vigor, exigindo que pessoas transgênero
Jalloh permanecem incertas. obedeçam critérios obrigatórios para a
Também em setembro, reportagens mudança legal de gênero e nome. Entre
publicadas na imprensa revelaram os outras coisas, deviam se submeter a um
constantes maus-tratos sofridos por diagnóstico psiquiátrico e à avaliação de um
requerentes de asilo nas mãos de seguranças especialista, conforme determinado pelos
privados em três centros de recepção no tribunais. Essas exigências violam o direito
estado de Renânia do Norte-Vestfália. das pessoas transgênero à vida privada e aos
padrões mais elevados possíveis de saúde.1
DISCRIMINAÇÃO
Em agosto de 2013, uma Comissão COMÉRCIO DE ARMAS
Parlamentar de Inquérito federal ad hoc Antecipando-se às normativas mais rigorosas
publicou conclusões inéditas revelando da UE sobre tecnologias de vigilância,
que as autoridades não investigaram o ministro de Assuntos Econômicos e
uma série de homicídios contra minorias Energia ordenou controles mais estritos das
cometidos pelo grupo de extrema direita exportações dessas tecnologias a países que
Clandestinidade Nacional-Socialista cometam violações de direitos humanos. Em
(Nationalsozialistischer Untergrund – NSU). abril, a Alemanha ratificou o Tratado sobre
Sobretudo, as autoridades não cooperaram o Comércio de Armas da ONU e começou a
com as investigações nem investigaram a aplicar os artigos 6º e 7º relativos aos critérios
motivação racista dos homicídios. A Comissão de direitos humanos para exportações e
recomendou a reforma do Código Penal e do transferências de armas antes do Tratado
sistema usado pela polícia para coletar dados entrar em vigor no dia 24 de dezembro.
referentes a “crimes com motivos políticos”, Entretanto, os dados sobre as exportações
que inclui informações sobre crimes de ódio. de armas autorizadas em 2014, como as de
componentes de armas de pequeno porte

Anistia Internacional – Informe 2014/15 59


para a Arábia Saudita, foram motivo de jovem foi julgado e absolvido por difamação
preocupação. criminosa do presidente; teve início o
julgamento de outro homem por difamação
PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA criminosa de funcionários do Estado. O
Em novembro, o Ministério de Relações julgamento de agentes do Estado pelo
Exteriores, em cooperação com outros desaparecimento de dois homens em 2012
ministérios, representantes do setor começou, foi suspenso e depois retomado.
empresarial e grupos da sociedade civil,
adotou medidas visando à adoção de um INFORMAÇÕES GERAIS
plano nacional para empresas e direitos Em janeiro, o presidente José Eduardo dos
humanos, a fim de pôr em prática os Santos assumiu a presidência da Conferência
princípios orientadores da ONU pertinentes. Internacional da Região dos Grandes Lagos.
Houve denúncias de episódios esporádicos
JUSTIÇA INTERNACIONAL de violência política envolvendo membros do
O primeiro julgamento realizado com base Movimento Popular de Libertação de Angola
no Código Penal para Crimes contra o Direito (MPLA), que está no governo, e a União
Internacional, de 2002, contra os cidadãos Nacional para a Independência Total de
ruandeses Ignace Murwanashyaka e Straton Angola (UNITA).
Musoni, prosseguiu no Tribunal Superior De 28 de abril a 12 de maio, Angola
Regional de Stuttgart. sediou a 55ª Sessão Ordinária da Comissão
Em 18 de fevereiro, o Tribunal Superior Africana de Direitos Humanos e dos Povos,
de Frankfurt considerou o cidadão ruandês na capital, Luanda.
Onesphore Rwabukombe culpado de incitar Entre 16 e 31 de maio, Angola realizou
o genocídio. Nesse primeiro julgamento um censo geral de moradia e população.
alemão relativo ao genocídio da minoria Foi o primeiro censo a ser feito desde 1970,
tutsi em Ruanda, em 1994, Onesphore ainda antes da independência. Os resultados
Rwabukombe foi sentenciado a 14 anos de preliminares, divulgados em outubro,
prisão por cumplicidade no massacre da apontavam que a população superou os
igreja de Kiziguro. 24,3 milhões de habitantes, 52% dos
quais mulheres.
Em outubro, a situação dos direitos
1. O Estado decide quem eu sou: Falta de reconhecimento para pessoas humanos em Angola foi avaliada na Revisão
transgênero naEuropa (EUR 01/001/2014) Periódica Universal da ONU.1 Angola
www.anistia.org.br/o-estado-decide-quem-eu-sou aceitou 192 das 226 recomendações que
foram feitas. As demais 34 recomendações,
inclusive relativas às liberdades de expressão,
de associação e de reunião, foram aceitas

ANGOLA como objeto de maiores análises.

DIREITO À MORADIA –
República de Angola REMOÇÕES FORÇADAS
Chefe de Estado e de governo: José Eduardo dos As autoridades efetuaram remoções
Santos forçadas em maior escala do que em anos
recentes. Pelo menos 4.000 famílias tiveram
suas casas demolidas e foram removidas
As liberdades de associação e de reunião à força na província de Luanda. Pelo
continuaram sendo suprimidas. Milhares de menos 700 dessas famílias foram deixadas
famílias sofreram remoções forçadas. Um sem moradia adequada. Também houve

60 Anistia Internacional – Informe 2014/15


relatos de remoções em outras províncias, Segundo informações, a polícia espancou e
como Cabinda. prendeu jovens que faziam uma manifestação
Desde 20 de janeiro, 2.000 famílias teriam pacífica para marcar o aniversário da
sido removidas à força de suas casas no chacina de 27 de maio de 1977. Cerca de
bairro de Chicala em Luanda. As residências 100 pessoas teriam se reunido na Praça da
estavam marcadas para demolição havia dois Independência em Luanda para protestar e
anos. Algumas das famílias despejadas foram pedir a criação de comissões de inquérito
realojadas em Zango, Luanda, enquanto sobre as mortes de 1977, bem como sobre as
outras receberam a oferta de barracas numa mortes de três ativistas em 2012 e 2013. A
área não urbanizada de Kissama, a cerca polícia manteve 20 jovens detidos por várias
de 100 quilômetros da cidade. Somente em horas e os teria espancado antes de deixá-los
setembro elas receberam um lote de terra e em Catete, a 60 quilômetros de Luanda.
chapas de ferro para construir as casas. Em 21 de junho, a polícia de choque usou
De 28 de maio a 6 de junho, segundo gás lacrimogêneo e dispersou com violência
informações, 600 famílias tiveram suas casas uma manifestação pacífica do Sindicato
demolidas e foram removidas à força do Nacional dos Professores (SINPROF) em
bairro Areia Branca em Luanda. Acredita-se Lubango, prendendo 20 participantes.
que elas tenham sido removidas para dar Os professores estavam protestando pelo
lugar à construção de um hotel. Policiais pagamento de seus salários atrasados. Eles
armados, inclusive o batalhão de choque foram soltos no dia 23 de junho, depois de
e a brigada canina, teriam espancado as absolvidos em um julgamento sumário.
pessoas expulsas. A maioria dos moradores
vivia naquela área havia entre 6 e 10 anos, e HOMICÍDIOS ILEGAIS
alguns afirmaram possuir título legal da terra. As forças policiais e de segurança
As famílias foram transferidas a uma área no continuaram a desfrutar de impunidade em
distrito de Samba, em Luanda, e, segundo alguns casos de homicídios ilegais. Essas
informações, ainda continuavam no local no forças foram responsáveis por homicídios
fim do ano, vivendo em casas de papelão ilegais em diversas províncias, como Luanda,
improvisadas. Malanje, Lunda Sul e Lunda Norte.
Em maio, policiais à paisana identificados
LIBERDADE DE REUNIÃO como pertencentes à 32ª Delegacia de Polícia
As forças policiais e de segurança utilizaram do distrito de Kilamba Kiaxi, em Luanda,
a força ou a ameaça de força, bem como teriam matado a tiros Manuel Samuel Tiago,
detenções arbitrárias, para reprimir Damião Zua Neto “Dani” e Gosmo Pascoal
manifestações pacíficas em Angola.2 Muhongo Quicassa “Smith”. Testemunhas
Em várias ocasiões, a polícia deteve os afirmaram que os jovens estavam dentro
manifestantes e os espancou antes de de um veículo estacionado diante de um
deixá-los a centenas quilômetros do local restaurante no bairro de 28 de Agosto, em
onde foram detidos. Em julho, jovens Kilamba Kiaxi. A polícia teria parado ao lado
manifestantes iniciaram uma série de do carro e começado a disparar. O irmão
protestos em assentamentos informais (em de Manuel Samuel Tiago, que testemunhou
Angola chamados de musseques) como parte a cena, contou que seu irmão saiu do
do que chamaram de projeto Movimento das carro e pediu que os policiais parassem de
Manifestações nos Musseques (MMM). De atirar, mas levou um tiro de um policial. Foi
acordo com os organizadores, o movimento aberta uma investigação sobre o caso. Até
pretende realizar manifestações pacíficas o fim do ano, não havia novas informações
por melhores condições de vida nos disponíveis.
assentamentos informais.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 61


Em julho, um segurança privado matou a e Lunda Sul. O processo contra Rafael
tiros Lucas Tiago, em Cuango, Lunda Norte. Marques de Morais estaria demandando
Policiais e seguranças privados estariam uma indenização de 1,2 milhão de dólares
naquela área para uma operação de combate e o jornalista está sujeito à pena de prisão.
à mineração ilegal de diamantes e, nesse Quando este relatório foi redigido, ainda
contexto, Lucas Tiago foi morto com um não havia sido marcada uma data para
tiro pelas costas. O episódio motivou um o julgamento.
confronto entre os mineradores e os policiais A polícia espancou e prendeu jornalistas
e seguranças, que teriam prendido 22 que denunciaram violações de direitos
mineiros. Uma investigação foi aberta sobre a humanos. Pelo menos dois jornalistas foram
morte de Lucas Tiago. Até o fim do ano, não presos devido a suas reportagens sobre
havia novas informações disponíveis. atividades policiais.
No dia 2 de fevereiro, a polícia deteve
LIBERDADE DE EXPRESSÃO Queirós Anastácio Chiluvia, jornalista da
As autoridades seguiram submetendo as Rádio Despertar, uma estação da UNITA,
pessoas a processos penais por difamação. quando ele tentava fazer uma reportagem
Os recursos interpostos por dois jornalistas, sobre os pedidos de socorro feitos pelos
Armando Chicoca e William Tonet, contra presos no Comando Municipal da Polícia de
suas condenações individuais pelo crime Cacuaco. O jornalista teria sido detido por
de difamação em 2011, ainda não haviam cinco dias, sem acusações contra ele, antes
sido julgados. de ser julgado e condenado no dia 7 de
Em 14 de agosto, Manuel Nito Alves foi fevereiro pelos crimes de desacato, calúnia
julgado e absolvido por falta de provas do e difamação à autoridade pública e exercício
crime de difamação contra o presidente de ilegal da profissão. Ele foi sentenciado a
Angola. O processo foi motivado pelo fato seis meses de prisão, com suspensão da
de ele ter encomendado a impressão de execução da pena por dois anos.
camisetas com frases consideradas ofensivas
ao governante. Manuel foi preso por policiais DESAPARECIMENTOS FORÇADOS
e por agentes de segurança do Estado no O paradeiro dos jornalistas Milocas Pereira
dia 12 de setembro de 2013, quando tinha (desaparecido em 2012), Cláudio António
17 anos, no momento em que foi buscar as “Ndela” e Adilson Panela Gregório “Belucho”
camisetas na loja que fez a impressão. (ambos desaparecidos em 2013) continuava
Em 19 de agosto, o jornalista e ativista desconhecido. No Tribunal Provincial de
de direitos humanos Rafael Marques de Luanda, foi aberta uma investigação sobre o
Morais compareceu perante o Tribunal desaparecimento de dois homens.
Provincial de Luanda para responder pela Em 18 de novembro, foi reaberto no
acusação de difamação. A denúncia foi Tribunal Provincial de Luanda o julgamento
interposta contra ele pelo chefe da Casa de oito agentes do Estado implicados no
de Segurança do presidente da República sequestro, em maio de 2012, e na morte de
e por outros seis generais, bem como pela Silva Alves Kamulingue e Isaías Sebastião
empresa mineradora de diamantes Sociedade Cassule. O julgamento teve início no dia 1º de
Mineira do Cuango (SMC). As acusações setembro, mas foi suspenso no dia 4 desse
se referiam ao livro “Diamantes de Sangue: mês, quando um dos acusados, o chefe do
Tortura e Corrupção em Angola”, publicado Serviço de Inteligência e de Segurança do
em Portugal. O livro implica o chefe da Casa Estado à época do sequestro, foi promovido
de Segurança e outros seis generais em ao posto de general, supostamente pelo
violações de direitos humanos nas minas de presidente Eduardo dos Santos. O julgamento
diamantes das províncias de Lunda Norte teve que ser suspenso porque o Tribunal

62 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Provincial de Luanda não possui competência condenaram réus com base em “confissões”
para julgar um general. Em 22 de setembro, comprometidas por tortura, e condenaram
o presidente revogou a promoção e ordenou outros a açoitamento. As mulheres sofreram
uma investigação sobre o processo de discriminação na lei e na prática, e não
promoção. No fim do ano, não havia foram adequadamente protegidas contra a
novas informações disponíveis a respeito violência sexual e de outra natureza, apesar
do julgamento. de uma nova lei criminalizando a violência
doméstica. As autoridades detiveram e
expulsaram sumariamente milhares de
1. Angola: Amnesty International submission for the UN Universal migrantes estrangeiros, devolvendo alguns
Periodic Review September 2014 (AFR 12/005/2014) deles para países em que corriam risco de
www.amnesty.org/en/library/info/AFR12/005/2014/en sofrer graves abusos de direitos humanos.
2. Punishing Dissent: Suppression of freedom of association, assembly As autoridades fizeram uso extensivo da
and expression in Angola (AFR 12/004/2014) pena de morte e levaram a cabo dezenas de
www.amnesty.org/en/library/info/AFR12/004/2014/en execuções públicas.

INFORMAÇÕES GERAIS
O governo tomou medidas cada vez mais

ARÁBIA SAUDITA rigorosas contra seus críticos e adversários,


que incluíam desde dissidentes pacíficos
a militantes islamistas armados, expressas
Reino da Arábia Saudita por meio da adoção e da aplicação de
Chefe de Estado e de governo: Rei Abdullah bin leis antiterroristas amplas e severas. As
Abdul Aziz Al Saud autoridades intimidaram publicamente os
cidadãos que contribuíram com fundos,
recrutamento ou outras formas de apoio a
O governo restringiu severamente as grupos militantes sunitas armados na Síria e
liberdades de expressão, associação e no Iraque.
reunião, além de reprimir as opiniões Em setembro, a Arábia Saudita passou a
divergentes e prender e encarcerar seus integrar a aliança militar comandada pelos
críticos, inclusive defensores dos direitos EUA e criada para combater o grupo armado
humanos. Muitos foram submetidos a Estado Islâmico e outros similares na Síria e
julgamentos injustos perante tribunais que no Iraque.
não respeitaram o direito a um processo Em março, o Conselho de Direitos
com as devidas garantias da lei, como foi o Humanos da ONU concluiu sua Revisão
caso de um tribunal especial antiterrorismo Periódica Universal relativa à Arábia
que proferiu sentenças de morte. Novas Saudita. O governo aceitou a maioria das
leis efetivamente igualaram as críticas ao recomendações, mas rejeitou pedidos
governo e outras atividades pacíficas ao substanciais, como o que instava a Arábia
terrorismo. As autoridades reprimiram o Saudita a ratificar o Pacto Internacional
ativismo na internet e intimidaram ativistas sobre Direitos Civis e Políticos. O governo
e suas famílias por denunciarem violações se comprometeu a desmantelar ou abolir
de direitos humanos. A discriminação contra o sistema de tutela masculina e permiti
a minoria xiita permaneceu arraigada; às mulheres maior liberdade para viajar,
alguns ativistas xiitas foram sentenciados estudar, trabalhar e casar; porém, até o
à morte e dezenas receberam longas penas fim do ano, não foram tomadas quaisquer
de prisão. Segundo informações, a tortura medidas identificáveis para concretizar esses
dos detentos era prática comum; tribunais compromissos.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 63


LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE Todas as aglomerações públicas, inclusive
ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO manifestações, continuaram proibidas por
O governo continuou a não tolerar força de uma ordem expedida pelo Ministério
divergências e reprimiu seus críticos, do Interior em 2011. Quem tentasse
inclusive blogueiros e outros comentadores contestar a proibição se arriscava a se preso,
da internet, ativistas políticos e pelos processado e encarcerado por acusações
direitos das mulheres, membros da minoria tais como “incitar as pessoas contra as
xiita e ativistas e defensores de direitos autoridades”. Em outubro, o governo advertiu
humanos. O governo manteve a proibição que prenderia quem desafiasse a proibição
de que juízes utilizem as redes sociais por apoiando uma campanha para permitir que
quaisquer motivos. mulheres dirigissem (veja abaixo).
Em maio, um tribunal de Jidá sentenciou
o blogueiro Raif Badawi a 10 anos de prisão DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS
e açoitamento com 1.000 chibatadas, após As autoridades perseguiram a pequena,
condená-lo por acusações tais como “ofender mas articulada, comunidade de defensores
o Islã”, por ele ter criado na internet o site dos direitos humanos recorrendo a leis
‘Liberais Sauditas’, que promove o debate antiterroristas para suprimir suas atividades
político e social, e por ter criticado alguns pacíficas de expor e combater violações de
líderes religiosos. Raif Badawi foi condenado direitos humanos. Entre as pessoas que
inicialmente por apostasia, delito passível de foram detidas ou cumpriam pena estavam
pena capital. O tribunal ordenou também os fundadores e ativistas da Associação
que o site fosse fechado. Sua sentença Saudita de Direitos Civis e Políticos,
de açoitamento e pena de prisão foram um grupo fundado em 2009, mas não
confirmadas em setembro pelo Tribunal reconhecido oficialmente, que atua em favor
de Recursos. de julgamentos justos ou da libertação de
Em outubro, o Tribunal Penal Especializado pessoas em detenção prolongada por razões
de Riad sentenciou três advogados políticas. No fim do ano, quatro integrantes
– Abdulrahman al-Subaihi, Bander da associação cumpriam penas de até 15
al-Nogaithan e Abdulrahman al-Rumaih – a anos de prisão, outros três estavam detidos
penas de até oito anos de prisão, seguidas aguardando o resultado do julgamento e dois
da proibição de viagens ao exterior, após deles haviam sido detidos sem julgamento.
condená-los por “perturbar a ordem pública”, Tratavam-se de Abdulrahman al-Hamid,
por usarem o Twitter para criticar o Ministério detido depois de assinar uma declaração,
da Justiça. O tribunal também os proibiu, por em abril, pedindo que o ministro do Interior
tempo indefinido, de usar qualquer meio de fosse a julgamento, e Saleh al-Ashwan,
comunicação social, inclusive redes sociais. detido desde 2012 sem acusações contra
O governo não permitia a existência de ele. Outros dois ativistas da associação
partidos políticos, sindicatos e grupos de aguardavam em liberdade a conclusão de
direitos humanos independentes, tendo seus julgamentos. Os que foram condenados
prendido, processado e encarcerado pessoas cumpriam sentenças impostas com base
que participaram de organizações não em acusações vagas e demasiado amplas,
licenciadas. formuladas com intenção de sufocar críticas
O governo continuou a negar o acesso pacíficas. Outros ativistas enfrentavam
da Anistia Internacional à Arábia Saudita, processos por acusações similares.
e tomou medidas punitivas contra ativistas Em julho, o Tribunal Penal Especializado
e familiares de vítimas que entraram em sentenciou o eminente advogado de direitos
contato com a organização. humanos Waleed Abu-Khair a 15 anos de
prisão, seguidos da proibição de viajar ao

64 Anistia Internacional – Informe 2014/15


exterior por mais 15 anos, após condená-lo Estados e seus líderes”. Em contravenção
por acusações vagas e excessivamente às normas internacionais, os novos decretos
amplas, que visavam suas atividades tinham efeito retroativo, deixando pessoas
profissionais e pacíficas de direitos humanos. que supostamente pudessem ter cometidos
Em novembro, o Tribunal Penal de Al tais atos no passado sujeitas a processos por
Khobar, na província Oriental, sentenciou o terrorismo, bem como outras acusações em
defensor dos direitos humanos Mikhlif bin caso de novas infrações.
Daham al-Shammari a dois anos de prisão Em julho, o Ministério da Justiça reafirmou
e açoitamento com 200 chibatadas, depois a competência exclusiva do Tribunal Penal
de condená-lo por “instigar a opinião pública Especializado para casos envolvendo
ao associar-se aos xiitas” e “infringir as supostos delitos contra a segurança
instruções do mandatário realizando uma do Estado.
reunião particular e postar mensagens no
Twitter”. Uma pena de cinco anos de prisão, PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS
seguida da proibição de viagens por 10 anos, Autoridades da área de segurança efetuaram
já lhe havia sido imposta em junho de 2013 prisões arbitrárias e continuaram a deter
pelo Tribunal Penal Especializado. O tribunal pessoas por períodos prolongados, sem
também o proibiu de publicar seus textos na acusações nem julgamento, inclusive
imprensa ou nas mídias sociais, bem como dezenas que passaram mais de seis
de participar de programas de televisão ou meses detidas sem serem encaminhadas
rádio. A câmara de recursos do Tribunal a um tribunal competente, em violação ao
Penal Especializado confirmou sentença em Código de Processo Penal saudita. Durante
junho de 2014. os interrogatórios, era frequente que os
detidos fossem mantidos em regime de
SEGURANÇA E COMBATE incomunicabilidade e privados de acesso
AO TERRORISMO a advogados, em violação às normas
Uma nova lei antiterrorismo, que passou internacionais para julgamentos justos.
a vigorar em fevereiro após aprovada
pelo Rei, ampliou os já extensos poderes TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
das autoridades para combater “atos Segundo ex-detentos, réus e outras pessoas,
de terrorismo”. A nova lei não definiu a tortura e outros maus-tratos continuaram
terrorismo, mas estipulou que palavras e atos comuns e generalizados, sendo praticados
considerados pelas autoridades como sendo com impunidade. Em muitos casos, os
direta ou indiretamente “perturbadores” tribunais condenaram os réus somente
da ordem pública, que “desestabilizem a com base em “confissões” obtidas durante
segurança da sociedade ou a estabilidade a detenção provisória, sem investigar suas
do Estado”, “revoquem as leis fundamentais denúncias de que essas confissões haviam
do governo”, ou “prejudiquem a reputação sido extraídas mediante tortura, às vezes
do Estado ou sua autoridade” seriam sentenciando os réus à morte.
considerados atos terroristas. Em março, uma Alguns presos condenados por razões
série de decretos promulgados pelo Ministério políticas em anos anteriores teriam sofrido
do Interior ampliou a já abrangente definição maus-tratos no cárcere, entre eles os ativistas
de terrorismo da Arábia Saudita, para que encarcerados da Associação Saudita de
incluísse a “invocação de pensamento Direitos Civis e Políticos, Abdullah al-Hamid
ateu” e o “contato com quaisquer grupos e Mohammad al-Qahtani, que, em março,
ou indivíduos contrários ao Reino”, bem entraram em greve de fome para protestar
como “tentar perturbar a unidade nacional” contra suas condições. Em agosto, agentes
convocando protestos, e “prejudicar outros penitenciários de Jidá teriam espancado o

Anistia Internacional – Informe 2014/15 65


advogado de direitos humanos Waleed Abu pelos direitos xiitas Fadhel al-Manasif, após
al-Khair, que está preso, ao removê-lo à força condená-lo por acusações tais como “trair a
de sua cela para transferi-lo a outro presídio. lealdade ao mandatário” e manter “contato
com organizações de notícias estrangeiras”.
DISCRIMINAÇÃO – MINORIA XIITA Em dezembro, a sentença foi confirmada pela
Integrantes da minoria xiita, que vivem divisão de recursos do Tribunal.
principalmente na província Ocidental, O Tribunal Penal Especializado condenou
uma região rica em petróleo, continuaram a outros ativistas xiitas por sua suposta
enfrentar uma discriminação arraigada que participação em protestos em 2011 e 2012.
limitou seu acesso a serviços governamentais Pelo menos cinco receberam sentenças
e ao emprego, além de afetá-los de de morte e outros receberam longas penas
muitas outras maneiras. Os membros da de prisão.
comunidade xiita permaneceram, em grande
parte, excluídos da ocupação de cargos DIREITOS DAS MULHERES
superiores. Líderes e ativistas xiitas foram Mulheres e meninas continuaram a sofrer
submetidos a prisões, encarceramento após discriminação na lei e na prática. De acordo
julgamentos injustos e pena de morte. com a lei, as mulheres tinham condição
Em maio, o Tribunal Penal Especializado inferior à dos homens, principalmente
sentenciou Ali Mohammed Baqir al-Nimr com respeito a questões familiares, como
à morte após condená-lo por acusações casamento, divórcio, custódia dos filhos e
tais como realizar manifestações contra herança, além de não serem adequadamente
o governo, estar em posse de armas e protegidas contra a violência sexual ou de
atacar as forças de segurança. Ele negou outra natureza. Segundo informações, a
as acusações e declarou ao tribunal que foi violência doméstica permaneceu endêmica,
torturado e forçado a confessar durante a apesar de uma campanha de conscientização
detenção provisória. O tribunal condenou-o lançada pelo governo em 2013. Uma lei de
sem investigar suas denúncias de tortura, 2013 criminalizando a violência doméstica
sentenciando-o à morte embora ele tivesse não foi implementada na prática por falta de
17 anos à época dos supostos delitos. Em autoridades com competência para aplicá-la.
outubro, seu tio, o xeque Nimr Baqir al-Nimr, Mulheres que apoiaram a campanha
um clérigo xiita de Qatif e crítico tenaz do “Mulheres na Direção”, lançada em 2011
tratamento dado pelo governo à minoria para desafiar a proibição de que mulheres
xiita, foi sentenciado à morte pelo Tribunal dirijam veículos, enfrentaram hostilidade e
Penal Especializado. As forças de segurança intimidações das autoridades, que advertiram
prenderam o xeque al-Nim em julho de que mulheres que dirigissem seriam presas.
2012, em circunstâncias controversas, em Algumas foram presas, mas liberadas pouco
que ele foi baleado, ficando paralítico de depois. No fim do ano, porém, duas delas,
uma perna. Em agosto, o Tribunal Penal Loujain al-Hathloul e Mayssa al-Amoudi,
Especial condenou outro destacado clérigo continuavam detidas. Ambas haviam sido
xiita, o xeique Tawfiq al Amr, a 8 anos de presas no começo de dezembro na fronteira
prisão, seguidos da proibição de viajar ao com os Emirados Árabes Unidos por dirigir
exterior por outros 10 anos, tendo-o proibido seus automóveis, sendo posteriormente
também de proferir sermões religiosos e acusadas de terrorismo.
discursos públicos. A ativista pelos direitos das mulheres
Em setembro, o Tribunal Penal Souad al-Shammari foi detida em outubro
Especializado impôs multa e uma pena de quando oficiais do Serviço de Investigação
14 anos de prisão, seguida da proibição de e Processamento de Jidá intimaram-na
viagens ao exterior por 15 anos, ao ativista para interrogatório. No fim do ano, ela se

66 Anistia Internacional – Informe 2014/15


encontrava detida, sem ter sido acusada, na foi sentenciado a açoitamento com 1.000
penitenciária de Briman, em Jidá. chibatadas, além de pena de prisão. O
As ativistas pelos direitos das mulheres defensor dos direitos humanos Mikhlif bin
Wajeha al-Huwaider e Fawzia al-Oyouni, cujas Daham al-Shammari foi sentenciado a 200
penas de 10 meses de prisão e dois anos chibatadas, bem como a pena de prisão.
de proibição de viagens ao exterior foram Em setembro, as autoridades libertaram
confirmadas por um tribunal de recursos Ruth Cosrojas, uma trabalhadora doméstica
em 2013, continuaram em liberdade. As filipina sentenciada a 18 meses de prisão e
autoridades não explicaram por que não as 300 chibatadas, depois de um julgamento
intimaram à prisão. injusto em outubro de 2013, no qual ela
Em abril, duas filhas do Rei o acusaram foi condenada por organizar o comércio de
de tê-las mantido cativas por 13 anos, junto sexo (quwada). Ao sair da prisão, ela já havia
com suas duas irmãs, nas dependências recebido 150 chibatadas.
de um complexo real, onde não recebiam
alimentação adequada. PENA DE MORTE
Os tribunais continuaram a impor sentenças
DIREITOS DOS TRABALHADORES de morte para uma série de delitos, inclusive
MIGRANTES que não envolvam violência, tais como
Depois de conceder um prazo de vários “bruxaria”, adultério e infrações relacionadas
meses para os trabalhadores estrangeiros a drogas, geralmente após julgamentos
regularizarem sua situação, em novembro de injustos. Alguns réus, inclusive cidadãos
2013 o governo passou a reprimir com rigor estrangeiros acusados de homicídio,
os migrantes estrangeiros irregulares, detendo denunciaram ter sofrido tortura ou outras
e deportando centenas de milhares de formas de coação, além de terem sido
trabalhadores estrangeiros a fim de abrir mais enganados, para fazerem confissões durante
oportunidades de emprego para os sauditas. o período de detenção provisória.
Em março, o ministro do Interior afirmou As autoridades levaram a cabo dezenas de
que as autoridades haviam deportado mais execuções, muitas por meio de decapitação
de 370 mil migrantes estrangeiros nos cinco pública. Os executados eram tanto cidadãos
meses precedentes, e que outros 18 mil sauditas quanto migrantes estrangeiros.
estavam detidos. Milhares de trabalhadores
foram deportados sumariamente para a
Somália e outros Estados onde corriam

ARGENTINA
risco de sofrer abusos de direitos humanos,
enquanto muitos outros foram igualmente
devolvidos ao Iêmen. Muitos migrantes
contaram que, antes de serem deportados, República Argentina
eles ficaram confinados em locais de Chefe de Estado e de governo: Cristina Fernández
detenção improvisados e extremamente de Kirchner
superlotados, onde recebiam comida e água
insuficientes, além de serem agredidos
pelos guardas. As mulheres continuaram enfrentando
dificuldades para fazer abortos legais. A
PUNIÇÕES CRUÉIS, DESUMANAS discriminação contra os povos indígenas
OU DEGRADANTES ainda causava preocupação. Os tribunais
Os tribunais continuaram a impor sentenças julgaram crimes cometidos durante a
de açoitamento como punição para ditadura militar. Denúncias de tortura não
muitos delitos. O blogueiro Raif Badawi foram investigadas.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 67


INFORMAÇÕES GERAIS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS
E m dezembro de 2013, a polícia entrou Apesar de a Constituição nacional reconhecer
em greve por causa de salários, provocando os direitos dos povos indígenas às terras
uma onda de violência e saques em todo ancestrais e à participação na gestão dos
o país. Pelo menos 18 pessoas foram recursos naturais, esses direitos raramente
mortas. A violência se alastrou para muitas foram cumpridos. Em abril, a comunidade
das 23 províncias; centenas de pessoas indígena de La Primavera (Potae Napocna
ficaram feridas e milhares de empresas Navogoh) na província de Formosa, rejeitou
sofreram prejuízos . um processo de demarcação de terras,
Em virtude do princípio da jurisdição afirmando que tanto o governo provincial
universal, o sistema de justiça também quanto o nacional não haviam respeitado seu
investigou crimes contra a humanidade direito à consulta e ao consentimento livre,
cometidos durante a Guerra Civi l Espanhola prévio e informado. Ao mesmo tempo, as
e o regime de Franco (1936 a 1975) . Em autoridades faziam uso do sistema de justiça
abril, o Tribunal de Justiça da Espanha ( para processar pessoas que lutavam pelos
Audiencia Nacional ) rejeitou as petições para direitos indígenas. O líder da comunidade
extraditar dois ex-agentes de segurança para de La Primavera, Félix Díaz, foi a julgamento
a Argentina. em maio acusado do roubo de duas armas
Também em abril, na província de da polícia durante um protesto realizado
Tucumán, 10 réus acusados do sequestro e pela comunidade em 2010. Ele refutou as
da prostituição forçada de Marita Verón em acusações. Os indígenas também sofreram
2002 tiveram suas absolvições anuladas e violências nas mãos de civis; os responsáveis
foram condenados a penas de prisão. não foram levados à Justiça.
Em março, a Comunidad India Quilmes,
DIREITOS DAS MULHERES uma comunidade indígena do Noroeste do
Mais da metade das províncias não contava país, foi atacada com armas de fogo, bastões
com protocolos para assegurar que os e correntes. Invasores armados atiraram
hospitais realizem abortos, os quais são legais nos moradores, os agrediram e ocuparam o
caso a gravidez seja consequência de abuso local sagrado da comunidade denominado
sexual ou ponha em risco a vida ou a saúde “ciudad sagrada”. Sete indígenas ficaram
da mulher. Em março, a Suprema Corte feridos. A comunidade tentava reivindicar sua
rejeitou uma moção pedindo uma audiência terra sagrada por meio do sistema de justiça
pública para avaliar as medidas necessárias nacional. No fim do ano, ninguém havia sido
para dar cumprimento efetivo a sua sentença processado pela usurpação. Investigações
de março de 2012, que desfazia quaisquer sobre o ataque estavam em curso.
dúvidas sobre a legalidade dos abortos.
Em abril, as autoridades de um hospital JUSTIÇA TRANSICIONAL
de Moreno, na província de Buenos Aires, Tribunais de todo o país realizaram
negaram-se a fazer um aborto em uma julgamentos públicos de crimes contra a
menina de 13 anos cuja gravidez resultara humanidade cometidos durante o regime
de estupro, alegando motivos de saúde e o militar de 1976 a 1983. Em Buenos Aires,
fato de sua gestação estar na 23ª semana, 22 réus foram processados por suposto
embora nem a Organização Mundial da envolvimento com o Plano Condor, um
Saúde nem as normas internacionais acordo entre os governos militares da
especifiquem condições de acesso a esse Argentina, da Bolívia, do Brasil, do Chile, do
direito. O procedimento acabou sendo Paraguai e do Uruguai para eliminar seus
realizado em um estabelecimento privado.1 opositores políticos.

68 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Também foram realizados os julgamentos
de mais de 100 réus acusados de crimes 1. Argentina: El acceso al aborto no punible debe ser garantizado en la

cometidos nos centros clandestinos de provincia de Buenos Aires y em todo el país

detenção e tortura da Escola de Mecânica da www.amnistia.org.ar/noticias-y-documentos/archivo-de-noticias/

Armada, em Buenos Aires, e de La Perla, em argentina-91

Córdoba, entre outros. 2. Argentina: Deben investigarse denuncias de tortura en Santiago


del Estero

IMPUNIDADE www.amnistia.org.ar/noticias-y-documentos/archivo-de-noticias/

No dia 18 de julho, completaram-se 20 anos argentina-99

do atentado contra a sede da Associação 3. Argentina: La provincia de Mendoza tiene la obligación de investigar

Mútua Israelense Argentina (Amia) em las denuncias de tortura en cárceles

Buenos Aires, que deixou 85 mortos. O www.amnistia.org.ar/noticias-y-documentos/archivo-de-noticias/

governo não proporcionou justiça nem argentina-103

reparação às vítimas. O Irã se recusou a


acatar a ordem de um tribunal argentino
demandando a captura de cinco suspeitos.

BOLÍVIA
Em 2013, os governos argentino e iraniano
firmaram um acordo para interrogar esses
suspeitos em Teerã, mas o acordo não
se efetuou. Na Argentina, autoridades Estado Plurinacional da Bolívia
graduadas, inclusive o ex-presidente Carlos Chefe de Estado e de governo: Evo Morales Ayma
Menem, foram processadas por desvirtuar
a investigação. No fim do ano, o julgamento
não havia terminado. Vítimas de violações dos direitos humanos
cometidas pelos regimes militares no
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS passado continuaram privadas de verdade,
Em abril, o governo regulamentou o Sistema justiça e reparação plena. O direito
Nacional para Prevenção da Tortura, mas dos povos indígenas à consulta e ao
não criou um Comitê Nacional, o qual consentimento livre, prévio e informado,
deveria ser composto por parlamentares, bem como o acesso da população aos
autoridades do governo e representantes de direitos sexuais e reprodutivos, continuaram
organizações da sociedade civil. O Comitê desrespeitados.
teria funções tais como visitar centros de
detenção e estabelecer critérios para o uso INFORMAÇÕES GERAIS
da força, controlar a superlotação e regular Em outubro, o presidente Evo Morales foi
transferências. reeleito para um terceiro mandato. Mais
Denúncias de torturas e outros maus-tratos de 50% das candidaturas ao parlamento
não foram investigadas, como no caso dos eram de mulheres. Esse percentual foi
reclusos Marcelo Tello e Iván Bressan, presos consequência da aplicação, pela primeira
na província de Santiago del Estero.2 vez, da cláusula de igualdade de gênero da
Em Mendoza, houve denúncias recorrentes Lei do Regime Eleitoral.
de torturas, mas ninguém foi levado à Justiça. Em outubro, a Bolívia aceitou a maioria
Diversas prisões estavam superlotadas e das recomendações do processo de
alguns internos eram mantidos em regime de Revisão Periódica Universal da ONU,
isolamento por mais de 20 horas ao dia.3 inclusive de investigar violações de
direitos humanos cometidas no passado e
assegurar reparações plenas e efetivas, de
rever a legislação que criminaliza o aborto

Anistia Internacional – Informe 2014/15 69


e de melhorar as condições prisionais. EUA havia permitido uma ação civil contra o
Preocupações acerca dessas mesmas ex-presidente e seu ministro da Defesa por
questões haviam sido enfatizadas pelo Comitê sua responsabilidade nos eventos.
de Direitos Humanos da ONU em outubro de Apesar dos atrasos, prosseguiram os
20131 e pelo Comitê contra a Tortura da ONU julgamentos relacionados ao massacre de
em maio de 2013. Pando, em 2008, em que 19 pessoas, na
maioria pequenos agricultores, foram mortas
IMPUNIDADE E SISTEMA DE JUSTIÇA e 53 ficaram feridas.
Transcorridas cinco décadas desde o regime Prosseguiram as audiências do caso em
militar e autoritário (1964 –1982), não houve que 39 pessoas são acusadas de participação
qualquer avanço no sentido de proporcionar numa suposta conspiração para assassinar
justiça às vítimas da violência política, nem o presidente Evo Morales em 2009. Nesse
medidas para implementar um mecanismo mesmo ano, três homens foram mortos em
que revele a verdade sobre as violações de conexão com o caso. Nem os homicídios nem
direitos humanos cometidas naquele período as denúncias de ausência do devido processo
2. As autoridades ignoraram as preocupações legal haviam sido investigadas até o fim do
manifestadas por organismos nacionais e ano. Em março, o promotor que renunciou
internacionais sobre a falta de transparência após denunciar interferência política no caso,
e justiça no processo de reparação que e que foi mais tarde acusado de envolvimento
terminou em 2012, em que somente um em extorsão, solicitou asilo político no Brasil.
quarto dos demandantes se qualificaram Em agosto, o Grupo de Trabalho da ONU
como beneficiários. sobre Detenções Arbitrárias afirmou que
Em fevereiro de 2014, um acampamento a detenção de um dos suspeitos no caso
da organização de vítimas Plataforma de foi arbitrária e recomendou sua imediata
Lutadores Sociais contra a Impunidade, liberação e reparação.
pela Justiça e a Memória Histórica do Povo Em junho, na Assembleia Legislativa
Boliviano, em frente ao Ministério da Justiça, Plurinacional, foram abertos processos penais
foi alvo de um incêndio que destruiu arquivos contra três juízes do Tribunal Constitucional
e documentos. Investigações preliminares por violação do dever, entre outros crimes. Os
indicaram que o incêndio foi causado três foram suspensos.
por um problema elétrico. A organização,
porém, denunciou que se tratava de um VIOLÊNCIA CONTRA
ataque intencional. Investigações criminais MULHERES E MENINAS
prosseguiam no fim do ano. Há informações3 Segundo um estudo de 2014 da Organização
de que as investigações sobre o ataque a um Pan-Americana de Saúde, a Bolívia tinha
membro desse mesmo grupo em fevereiro de os mais altos índices de violência contra a
2013 estavam atrasadas. mulher praticada por parceiro íntimo e o
Em julho, a Bolívia apresentou aos segundo mais alto índice de violência sexual
Estados Unidos seu segundo pedido para da região. Em outubro, foi promulgada
que o ex-presidente Gonzalo Sánchez de uma normativa que regulamenta a dotação
Lozada fosse extraditado para a Bolívia. Ele orçamentária e a aplicação da Lei 348, de
é acusado de envolvimento com o episódio 2013, que garante o direito das mulheres a
conhecido como "Outubro Negro", em que 67 uma vida livre de violência.
pessoas foram mortas e mais de 400 ficaram
feridas durante as manifestações em El DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
Alto, próximo a La Paz, no fim de 2003. Um Embora o Tribunal Constitucional
pedido de extradição anterior foi recusado em Plurinacional tenha decidido em fevereiro
2012. Em maio de 2014, um juiz federal nos que o pedido de autorização judicial para

70 Anistia Internacional – Informe 2014/15


um aborto, conforme requer o artigo 266 do capacidade das ONGs de funcionar de forma
Código Penal, era inconstitucional, a decisão livre, independente e efetiva.
ainda não havia sido aplicada. Em janeiro, integrantes do Consejo
Um projeto de lei de 2012 sobre direitos Nacional de Ayllus y Markas del Qullasuyu
sexuais e reprodutivos, que assegurava o (CONAMAQ), que faziam uma vigília diante
direito a receber informações sobre serviços da sede da organização em La Paz, foram
de saúde sexual e reprodutiva para prevenir expulsos de modo violento por outros
gravidezes não planejadas ou não desejadas, grupos indígenas que afirmavam serem os
bem como o direito à educação sexual nas líderes do CONAMAQ. Houve queixas de
escolas, entre outas disposições, ainda estava que a polícia não interveio para impedir a
sendo debatido no Congresso boliviano, a expulsão violenta.
Assembleia Legislativa Plurinacional. Em março, a ONG dinamarquesa IBIS
Dinamarca encerrou a maioria de seus
DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS projetos na Bolívia depois que o governo
Em novembro, 14 agentes da polícia foram anunciou sua expulsão do país em dezembro
formalmente acusados de uso excessivo da de 2013, argumentando que a organização
força em 2011, durante uma marcha pacífica estava interferindo em questões políticas e
contra a construção de uma estrada no que tinha contribuído com as divisões dentro
Território Indígena e Parque Nacional Isiboro- do movimento indígena.
Sécure (TIPNIS). A promotoria descartou o
envolvimento de autoridades civis graduadas, CONDIÇÕES PRISIONAIS
tal como reclamado pelas vítimas. Os planos A falta de segurança e a precariedade
de construção da estrada permaneceram das condições prisionais continuaram
suspensos após uma controversa consulta preocupantes. Os atrasos na conclusão de
com as comunidades indígenas afetadas, julgamentos dentro de um prazo razoável, a
realizada em 2012. utilização excessiva de detenções provisórias
Uma nova Lei de Mineração, aprovada e o uso limitado de alternativas à prisão foram
em maio, excluía a consulta aos povos fatores que contribuíram para a superlotação
indígenas para a prospecção e a exploração carcerária. Decretos presidenciais
de atividades mineradoras e não reconhecia promulgados em 2013 e 2014 concedendo
o princípio do consentimento livre, prévio indultos e anistias com a intenção de
e informado com relação a projetos que enfrentar a superlotação nas prisões não
causem impacto sobre essas comunidades. estavam tendo o resultado esperado.
O anteprojeto de uma Lei de Consulta Prévia, Em agosto, o ouvidor informou ter
Livre e Informada foi finalizado. havido pouco progresso na investigação
sobre as mortes de mais de 30 internos na
DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS penitenciária de Palmasola, em Santa Cruz,
Continuaram sendo motivo de preocupação em agosto de 20134.
as exigências especificadas em uma lei Em setembro, quatro detentos morreram
de 2013 para a concessão de identidade e mais de dez ficaram feridos nos confrontos
jurídica às ONGs. Segundo essa normativa, entre os internos da penitenciária de El
as organizações têm que explicitar sua Abra, em Cochabamba. As investigações
“contribuição para o desenvolvimento prosseguiam no fim do ano.
econômico e social” do Estado. Em 2013,
o Comitê de Direitos Humanos da ONU
recomendou que a Bolívia eliminasse essas 1. Bolivia: Submission to the United Nations Human Rights Committee

exigências, pois elas criavam restrições à (AMR 18/005/2013)


www.amnesty.org/en/library/info/AMR18/005/2013/en

Anistia Internacional – Informe 2014/15 71


2. Bolivia: "No me borren de la historia": Verdad, justicia y reparación en INFORMAÇÕES GERAIS
Bolivia (1964-1982) (AMR 18/002/2014) O Brasil continuou a cumprir seu terceiro
www.amnesty.org/es/library/info/AMR18/002/2014/es mandato no Conselho de Direitos Humanos
3. Bolivia: Protester attacked, police take no notice (AMR 18/001/2013) da ONU, onde mostrou ser um forte apoiador
www.amnesty.org/en/library/info/AMR18/001/2013/en de resoluções contrárias à discriminação com
4. Bolivia: Las autoridades bolivianas deben investigar completamente base na orientação sexual ou na identidade
la tragedia en la cárcel de Palmasola (AMR 18/004/2013) de gênero. Na Assembleia Geral, os governos
www.amnesty.org/es/library/info/AMR18/004/2013/es do Brasil e da Alemanha apresentaram uma
resolução sobre a privacidade na era da
internet, que foi aprovada em dezembro de
2013. Em abril de 2014, o Brasil aprovou

BRASIL seu Marco Civil da Internet, assegurando a


neutralidade da rede e estabelecendo regras
para proteger a liberdade de expressão e a
República Federativa do Brasil privacidade.
Chefe de Estado e de governo: Presidente Dilma
Rousseff VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS
EM SITUAÇÕES DE PROTESTOS
Em 2014, milhares de manifestantes saíram
Prosseguiram as denúncias de graves às ruas no período que antecedeu a Copa do
violações dos direitos humanos, como Mundo e durante sua realização nos meses
os homicídios cometidos pela polícia e a de junho e julho. Os protestos ecoaram as
tortura ou outros maus-tratos de pessoas grandes manifestações ocorridas no ano
detidas. Jovens negros moradores de anterior para expressar insatisfação com
favelas, trabalhadores rurais e povos uma série de questões, como os custos
indígenas corriam maior risco de sofrer do transporte público, os gastos elevados
violações de direitos humanos. Os para sediar grandes eventos esportivos
protestos que tomaram o país, sobretudo internacionais e o baixo investimento em
na época da Copa do Mundo, geralmente serviços públicos. A polícia geralmente
foram reprimidos com uso excessivo respondeu aos protestos com violência.
e desnecessário da força pelas forças Centenas de pessoas foram cercadas
de segurança. Detenções arbitrárias e e detidas de modo arbitrário, algumas
tentativas de criminalizar manifestantes com base em leis de combate ao crime
pacíficos foram denunciadas em várias organizado, mesmo sem qualquer indicação
partes do país. Apesar da aprovação de uma de que estivessem envolvidas em atividades
lei que permite o casamento entre pessoas criminosas. 1
do mesmo sexo, lésbicas, gays, bissexuais, Em abril, antes da Copa do Mundo,
transgêneros e intersexuais (LGBTI) soldados do Exército e da Marinha foram
ainda eram discriminados e atacados. enviados ao complexo de favelas da
O Brasil continuou a desempenhar um Maré no Rio de Janeiro. Inicialmente,
papel importante no palco internacional afirmou-se que eles permaneceriam no
em questões como privacidade, internet local até o fim de julho. Mais tarde, porém,
e discriminação por orientação sexual ou as autoridades declararam que as tropas
identidade de gênero. Alguns avanços foram ficariam naquela área por tempo indefinido.
feitos no sentido de enfrentar a impunidade Essa determinação fez surgirem sérias
pelas graves violações de direitos humanos preocupações, considerando-se a debilidade
cometidas na época da ditadura (1964- dos mecanismos de prestação de contas
1985).

72 Anistia Internacional – Informe 2014/15


pelos abusos de direitos humanos cometidos SEGURANÇA PÚBLICA
durante operações militares. A segurança pública continuou dando
Até o fim do ano, a única pessoa margem a violações generalizadas dos
condenada por algum delito relativo aos direitos humanos.
episódios de violência durante os protestos Segundo estatísticas oficiais, 424 pessoas
era Rafael Braga Vieira, um jovem negro que foram mortas pela polícia durante operações
vivia em situação de rua. Embora não tivesse de segurança no estado do Rio de Janeiro em
participado de manifestações, ele foi preso 2013. No primeiro semestre de 2014, houve
por “possuir artefato explosivo ou incendiário um aumento do número de mortes nessas
sem autorização”, sendo sentenciado a circunstâncias, quando a polícia matou 285
cinco anos de prisão. O laudo pericial pessoas, 37% a mais que no mesmo período
concluiu que os produtos químicos que ele de 2013.
levava – líquidos de limpeza – não poderiam Em março, Claudia Silva Ferreira foi
ser usados para fabricar explosivos, mas o baleada por policiais durante uma troca
tribunal desconsiderou essa constatação. de tiros na favela do Morro da Congonha.
USO EXCESSIVO DA FORÇA Quando estava sendo levada ao hospital,
A Polícia Militar (PM) recorreu com na traseira da viatura da polícia, ela caiu
frequência à força excessiva e desnecessária do veículo e foi arrastada no chão por uma
para dispersar manifestantes.2 distância de 350 metros. O incidente foi
No Rio de Janeiro, a PM usou gás gravado em vídeo e transmitido pelas redes
lacrimogêneo para dispersar manifestantes de televisão brasileiras. No fim do ano, seis
pacíficos em diversas ocasiões, inclusive em policiais estavam sendo investigados, mas
ambientes fechados como a Casa de Saúde permaneciam em liberdade.
Pinheiro Machado, em julho de 2013, e O dançarino Douglas Rafael da Silva
estações de metrô, em junho e setembro de Pereira foi encontrado morto em abril de
2013 e junho de 2014. 2014, depois que a polícia efetuou uma
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE ASSOCIAÇÃO – operação na favela Pavão-Pavãozinho. Sua
JORNALISTAS morte desencadeou uma série de protestos,
Segundo a Associação Brasileira de durante os quais Edilson Silva dos Santos
Jornalismo Investigativo, pelo menos 18 foi morto a tiros pela polícia. No fim do ano,
jornalistas foram agredidos enquanto faziam ninguém havia sido acusado formalmente
seu trabalho no período da Copa do Mundo pelas mortes.
em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Em novembro, pelo menos 10 pessoas
Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza. foram mortas, supostamente por policiais
No Rio de Janeiro, em 13 de julho, data da militares fora de seu horário de serviço, em
partida final do Campeonato, pelo menos Belém, no estado do Pará. Moradores do
15 jornalistas foram agredidos por policiais bairro relataram à Anistia Internacional que
quando cobriam uma manifestação. Alguns viaturas da PM trancaram as ruas momentos
tiveram seus equipamentos quebrados. Em antes de as mortes acontecerem, e que
fevereiro, Santiago Andrade, um cinegrafista, carros e motos não identificados ameaçaram
morreu depois de ser atingido por fogos e agrediram os moradores.3 Há indícios de
de artifício lançados pelos manifestantes. que a chacina tenha sido uma retaliação pela
Duas pessoas foram presas por ligação morte de um policial.
com as mortes. Elas foram indicadas Entre dezembro de 2012 e abril de 2014,
por homicídio doloso e no fim do ano dez policiais, inclusive o ex-comandante de
aguardavam julgamento. um batalhão, foram julgados e condenados
por seu envolvimento no assassinato da
juíza Patrícia Acioli em agosto de 2011. Ela

Anistia Internacional – Informe 2014/15 73


havia sido responsável por sentenciar 60 Souza tivesse estado sob sua custódia,
policiais condenados por participação no mesmo com uma gravação em vídeo
crime organizado. mostrando que ele havia sido detido. Vinte
e cinco policiais foram indiciados por
CONDIÇÕES PRISIONAIS participação no caso, inclusive o comandante
Superlotação extrema, condições da unidade. No fim de 2014, seis deles
degradantes, tortura e violência continuaram estavam detidos provisoriamente enquanto
sendo problemas endêmicos nas prisões aguardavam o julgamento.
brasileiras. Nos últimos anos, vários casos O Sistema Nacional de Prevenção e
relativos às condições prisionais foram Combate à Tortura (SNPCT), instituído por
encaminhados à Comissão Interamericana de lei em 2013, ainda não estava plenamente
Direitos Humanos e à Corte Interamericana implementado no fim de 2014. Embora
de Direitos Humanos, enquanto a situação o SNPCT não satisfaça integralmente
nos presídios continuava preocupante. as normas internacionais quanto a sua
Em 2013, 60 detentos foram assassinados independência, a criação do sistema foi um
na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão. passo importante no sentido de cumprir
Entre janeiro e outubro de 2014, mais de 18 as obrigações do Protocolo Facultativo à
internos foram mortos nessa prisão. Vídeos Convenção da ONU contra a Tortura, que o
das decapitações foram exibidos pelos meios Brasil ratificou em 2007.
de comunicação. Uma investigação sobre o
incidente estava em curso no final do ano. IMPUNIDADE
De abril de 2013 a abril de 2014, os O estabelecimento da Comissão Nacional
tribunais sentenciaram 75 policiais pelas da Verdade suscitou grande interesse
mortes de 111 presos durante uma rebelião público pelas violações de direitos humanos
na penitenciária do Carandiru em 1992. Os cometidas no período da ditadura de 1964-
policiais interpuseram recursos e seguiam 1985. Sua criação levou ao estabelecimento
ativos em suas funções até o fim do ano. de mais de 100 comissões da verdade
Apesar de o comandante da operação policial em estados, cidades, universidades e
ter sido condenado em 2001, a condenação sindicatos. Essas comissões se ocuparam
foi posteriormente anulada. Em 2006, ele foi da investigação de casos como o
assassinado por sua namorada. O diretor do desaparecimento forçado do então deputado
presídio e o secretário de Segurança Pública Rubens Paiva em 1971. Também chamaram
na época do massacre não foram indiciados atenção para violações de menor visibilidade
no caso. contra povos indígenas e trabalhadores
rurais, como os ataques dos militares contra
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS os índios Waimiri-Atroari na região Amazônica
Registrou-se grande número de denúncias (1968-1975) e a tortura de agricultores
de tortura e outros maus-tratos, tanto no durante a guerrilha do Araguaia (1967-1974).
momento da prisão quanto durante os A Comissão da Verdade publicou seu
interrogatórios e a detenção nas delegacias relatório final no dia 10 de dezembro,
de polícia. recomendando que a Lei da Anistia de
Em julho de 2013, Amarildo de Souza, 1979 deixasse de ser um impedimento
trabalhador da construção civil, foi detido à instauração de ações penais contra
pela polícia quando voltava para sua casa responsáveis por graves violações dos direitos
na Rocinha, no Rio de Janeiro. Enquanto humanos. O relatório também recomendou
estava em custódia da Unidade de Polícia a realização de diversas reformas na área de
Pacificadora local, ele foi torturado até a segurança pública, como a desmilitarização
morte. A polícia negou que Amarildo de das polícias. Promotores públicos federais

74 Anistia Internacional – Informe 2014/15


que buscavam levar os perpetradores Laísa Santos Sampaio, recebeu ameaças
desses crimes à Justiça condenaram a Lei de morte em razão de seu trabalho de
da Anistia como sendo incompatível com os direitos humanos, e foi incluída no Programa
tratados internacionais de direitos humanos. Nacional de Proteção aos Defensores dos
Até o momento, os juízes têm rejeitado Direitos Humanos. Apesar de ela ter recebido
esses argumentos. No fim do ano, porém, certa proteção, como o acompanhamento
tramitavam no Congresso três projetos de lei de um policial, sua segurança permanecia
que propunham mudanças à interpretação preocupante.
da Lei da Anistia, de modo que a lei não se No estado do Rio de Janeiro, o fracasso
aplicasse aos agentes do Estado acusados de do governo em garantir a segurança da
crimes contra a humanidade. Associação Homens e Mulheres do Mar
(AHOMAR), que representa os pescadores
DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS artesanais da Baía da Guanabara, resultou
O Programa Nacional de Proteção aos no fechamento de sua sede. O presidente
Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) da Associação e sua esposa estão
continuou enfrentando muitas dificuldades impossibilitados de retornar a sua casa desde
para cumprir seu mandato, como falta de novembro de 2012 devido às ameaças contra
recursos, insegurança jurídica, falta de sua vida. Outros pescadores da AHOMAR,
coordenação entre autoridades estaduais como Maicon Alexandre, também receberam
e disputas sobre o escopo do programa ameaças de morte.
e sobre quem deveria se beneficiar dele.
As autoridades se recusaram a incluir DISPUTAS POR TERRAS E DIREITOS
no programa uma trabalhadora do sexo DOS POVOS INDÍGENAS
conhecida como “Isabel”. Ela havia Os povos indígenas e as comunidades
protocolado uma denúncia sobre a violência quilombolas (descendentes de escravos)
policial sofrida por ela e suas colegas em continuaram a enfrentar graves ameaças aos
maio de 2014, durante sua remoção do seus direitos humanos.
edifício em que moravam em Niterói, no Em setembro de 2013, a comunidade
estado do Rio de Janeiro. Após registrar a indígena Guarani-Kaiowá de Apika´y, no
denúncia, Isabel foi sequestrada e espancada estado de Mato Grosso do Sul, ocupou
por um grupo de homens que lhe mostrou um canavial que afirma localizar-se em
fotografias de seu filho. Temendo por sua suas terras tradicionais. Um tribunal local
segurança, Isabel teve que sair da região determinou a desocupação da área, mas os
em que vivia, e continuava escondida no fim índios se recusaram a cumprir a ordem. No
do ano. fim do ano, eles permaneciam naquela área
Em abril de 2013, dois homens foram e corriam risco de expulsão. Em 2007, o
condenados pelo assassinato, em 2011, governo federal havia firmado um acordo com
de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito o Ministério Público para que as terras da
Santo, líderes de trabalhadores rurais no comunidade fossem demarcadas até 2010,
estado do Pará, que haviam denunciado a mas o processo jamais foi concluído.
exploração ilegal de madeira. Em agosto de No fim do ano, tramitava no Congresso um
2014, determinou-se a realização de um projeto de lei que, se aprovado, transferiria
novo julgamento do fazendeiro acusado a responsabilidade pela demarcação de
de ser o mandante dos crimes, que, em terras indígenas do poder Executivo para o
2013, havia sido absolvido de participação Legislativo, onde a bancada do agronegócio
nas mortes. Contudo, ele conseguiu fugir tem grande poder. A proposta de um novo
antes de ser preso e continuava livre no fim Código de Mineração também expõe as
do ano. A irmã de Maria do Espírito Santo, comunidades tradicionais ao risco de que

Anistia Internacional – Informe 2014/15 75


atividades empresariais possam se instalar DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
em suas terras sem sua permissão, o que Grupos religiosos continuaram a pressionar
viola o direito internacional. as autoridades para que o aborto seja
As comunidades quilombolas continuaram criminalizado em todas as circunstâncias
lutando pelo reconhecimento de seu direito – o direito brasileiro permite o aborto
à terra. O demorado processo para resolver em casos de estupro, ameaça à vida da
reivindicações de terras não só resultou mulher e fetos anencéfalos. Esse conjunto
em conflitos como deixou as comunidades limitado de possibilidades fez com que
vulneráveis a sofrer ameaças e violências de muitas mulheres recorressem a abortos
pistoleiros e fazendeiros locais. A comunidade clandestinos e inseguros. Em setembro de
de São José de Bruno, no Maranhão, 2014, os casos de Jandira dos Santos Cruz
enfrentou ameaças diretas em outubro de e Elisângela Barbosa comoveram o país. As
2014, quando um fazendeiro invadiu parte de duas mulheres morreram depois de fazer
suas terras. abortos clandestinos em clínicas do Rio de
Trinta e quatro pessoas foram mortas em Janeiro. O corpo de Jandira dos Santos Cruz
consequência de conflitos por terras em foi escondido de seus familiares e incinerado
2013, três delas no estado do Maranhão. por funcionários da clínica.
Entre janeiro e outubro de 2014, cinco
pessoas foram mortas em disputas por terras COMÉRCIO DE ARMAS
no estado. A impunidade por esses crimes O Brasil assinou o Tratado de Comércio de
continuou a alimentar o ciclo de violência. Armas em 4 de junho de 2013, primeiro dia
Os responsáveis pelo assassinado do líder em que o acordo foi aberto para assinaturas.
quilombola Flaviano Pinto Neto, em outubro No fim de 2014, o tratado ainda não havia
de 2010, ainda não haviam sido levados à sido ratificado. O governo brasileiro não
Justiça, apesar de uma investigação policial divulgou os dados relativos às exportações
ter identificado quatro suspeitos.4 de armas e rejeitou os pedidos feitos por
jornalistas e pesquisadores, com base na Lei
DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, de Acesso à Informação, para obter detalhes
BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS do envolvimento do país com o comércio de
E INTERSEXUAIS armas. Há interesse em saber, por exemplo,
Em maio de 2013, o Conselho Nacional de se armas são exportadas para países onde
Justiça aprovou uma resolução autorizando estão ocorrendo violações de direitos
o casamento entre pessoas do mesmo humanos em grande escala.
sexo, após uma decisão similar do Supremo
Tribunal Federal em 2011. No entanto,
lideranças políticas e religiosas continuaram 1. Brasil: Protestos durante a Copa 2014: Balanço Final: Campanha:

a fazer frequentes declarações homofóbicas. Brasil, chega de bola fora! ( AMR 19/008/2014)

Políticos conservadores vetaram as iniciativas www.amnesty.org/en/library/asset/AMR19/008/2014/en/57508b5c-

do governo federal de distribuir materiais ba74-45e7-b02f-c4c287870e2a/amr190082014pt.pdf

de educação em direitos humanos nas 2. Brasil: Eles usam uma estratégia de medo: Proteção do direito ao

escolas com o fim de conter a discriminação protesto no Brasil ( AMR 19/005/2014)

motivada pela orientação sexual. Crimes de www.anistia.org.br/wp-content/uploads/2014/07/Eles-usam-uma-

ódio homofóbicos ocorreram com frequência. estrat%C3%A9gia-de-medo-Prote%C3%A7%C3%A3o-do-direito-ao-

Segundo a ONG Grupo Gay da Bahia, 312 protesto-no-Brasil.pdf

pessoas foram mortas em crimes de ódio 3. Pelo menos nove mortos durante a noite no Norte do Brasil ( AMR

homofóbicos ou transfóbicos em 2013. 19/013/2014)


www.amnesty.org/en/library/asset/AMR19/013/2014/en/3b259c54-
506d-4875-ba9c-88c4329a8b67/amr190132014pt.pdf

76 Anistia Internacional – Informe 2014/15


4. Responsáveis pelo assassinato de líder quilombola no Maranhão da terra de uma nação indígena, confirmando
precisam ser julgados o direito dos Tsilhqot’in à propriedade e à
www.anistia.org.br/noticias/responsaveis-pelo-assassinato-de-lider- gestão de grande parte de seus territórios
quilombola-maranhao-precisam-ser-julgados/ tradicionais.
Em setembro, o Canadá foi o único Estado
a discordar parcialmente do documento final
da Conferência Mundial da ONU sobre os

CANADÁ Povos Indígenas.


Em outubro, o Tribunal de Direitos
Humanos do Canadá examinou os
Canadá argumentos conclusivos em um processo
Chefe de Estado: Rainha Elizabeth II, representada por suposta discriminação federal nos gastos
pelo governador-geral David Johnston públicos com a proteção de crianças das
Chefe de governo: Stephen Harper Primeiras Nações indígenas.

DIREITOS DAS MULHERES


Ocorreram violações sistemáticas dos Em maio, a Real Polícia Montada do Canadá
direitos dos povos indígenas. Ataques contra informou que pelo menos 1.017 mulheres
dois soldados canadenses provocaram e meninas indígenas foram assassinadas
um debate sobre terrorismo e leis de entre 1980 e 2012, um número quatro vezes
segurança nacional. e meia maior que o da taxa de homicídio
para todas as demais mulheres. Apesar das
DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS crescentes demandas, inclusive de governos
Em fevereiro, o governo rejeitou uma proposta provinciais e territoriais, o governo federal se
de mineração no território tradicional do povo recusou a lançar um plano nacional ou abrir
indígena Tsilhqot’in na província de Columbia uma investigação pública.
Britânica, que um estudo ambiental concluiu Em novembro, duas denúncias distintas
poder causar danos irreversíveis e profundos de agressão e/ou assédio sexual contra uma
à cultura e à sociedade Tsilhqot’in.1 radialista e duas deputadas provocaram um
Entretanto, o governo federal priorizou debate nacional sobre a violência contra
a exploração de recursos naturais em as mulheres.
detrimento dos direitos dos povos indígenas
numa série de outros projetos de grande SEGURANÇA E COMBATE
escala, como o Northern Gateway, de dutos AO TERRORISMO
para areias petrolíferas, aprovado em junho, Em janeiro, foi revelado que uma agência
e o megaprojeto da represa Site C, aprovado de segurança nacional, a Communications
em outubro. Security Establishment Canada, havia
Em maio, o relator especial da ONU monitorado milhares de dispositivos
sobre os direitos dos povos indígenas eletrônicos dos viajantes em um grande
informou que a situação dos povos aeroporto, inclusive por vários dias depois de
indígenas no Canadá havia atingido eles deixaram o local.
“proporções de crise em muitos aspectos”, Em maio, a Suprema Corte decidou que
inclusive com relação a suas “condições usar advogados especiais em audiências para
socioeconômicas lamentáveis” e ao número o “certificado de segurança de imigração”
desproporcionalmente alto de indígenas propiciava um processo justo, mesmo que,
na prisão. geralmente, eles fossem impedidos de se
Em junho, a Suprema Corte reconheceu comunicar com os indivíduos em questão
pela primeira vez a titularidade pré-colonial depois de terem acesso a provas secretas.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 77


Em junho, a Lei de Cidadania foi O baixo número de refugiados sírios que
reformada, permitindo que pessoas conseguiu reassentamento no Canadá foi
com dupla nacionalidade condenadas motivo de preocupação.
por terrorismo e outros delitos fossem
destituídas da cidadania canadense. Houve LIBERDADE DE EXPRESSÃO
preocupações com relação à existência de Em maio, a Comissão Especial para o
dois níveis distintos de cidadania e à falta exame dos eventos da Primavera de
de imparcialidade nos procedimentos de 2012 criticou a maneira como o governo
revogação da cidadania. provincial de Quebec lidou com os protestos
Em julho, o Tribunal de Recursos de estudantis de 2012, inclusive suas táticas de
Alberta decidiu que Omar Khadr deveria policiamento. O governo de Quebec rejeitou
ser tratado como adolescente em conflito as recomendações da Comissão.
com a lei. Ele foi capturado por forças Muitas das organizações da sociedade civil
estadunidenses no Afeganistão quando tinha que criticaram as políticas governamentais
15 anos de idade, tendo passado 10 anos foram alvo de auditorias sobre sua condição
encarcerado no centro de detenção que os de organização sem fins lucrativos e a
EUA mantêm em Guantánamo, Cuba, até legitimidade de seu trabalho de ativismo.
ser transferido para o Canadá em 2012 para Houve revelações preocupantes sobre a
terminar de cumprir sua pena. vigilância policial de ativistas que trabalham
Em outubro, dois soldados canadenses com os direitos às terras indígenas, inclusive
foram mortos em atentados distintos; com o compartilhamento dessas informações
Patrice Vincent em St-Jean-Sur-Richelieu com determinadas corporações.
e Nathan Cirillo em Ottawa. O atirador que
matou Nathan Cirillo e conseguiu entrar SISTEMA DE JUSTIÇA
no parlamento canadense foi morto pelos Em outubro, a Suprema Corte ratificou a
seguranças. Posteriormente, o governo Lei de Imunidade do Estado, impedindo a
propôs reformar a legislação a fim de família de Zahra Kazemi, cidadão canadense-
aumentar os poderes do Serviço Canadense iraniano que foi torturado e morto sob
de Inteligência de Segurança. O projeto de custódia iraniana em 2003, de iniciar uma
reforma não comtemplava as preocupações ação judicial contra o Irã no Canadá.
sobre os problemas com a supervisão da
segurança nacional. PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA
Em maio, foi divulgado o terceiro relatório
REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO anual para avaliar o impacto sobre os direitos
Em julho, o Tribunal Federal decidiu que os humanos do Acordo de Livre Comércio entre
cortes no Pragrama de Saúde Federal Interino o Canadá e a Colômbia. O documento não
para os refugiados eram inconstitucionais. levou em conta significativas preocupações
Em outubro, o governo propôs uma com os direitos humanos dos povos indígenas
legislação que permitiria aos governos na Colômbia.
provinciais e territoriais negarem assistência Ações judiciais por abusos de direitos
social a pessoas que reivindicam asilo. humanos foram abertas contra as empresas
Também em outubro, uma investigação mineradoras canadenses Tahoe Resources,
forense sobre a morte da cidadã mexicana em junho, e Nevsun Resources, em
Lucía Vega Jiménez por enforcamento novembro, com relação a suas operações na
em 2013, em uma cela do aeroporto de Colômbia e na Eritreia, respectivamente.
Vancouver, recomendou mudanças na Em novembro, as mudanças no Gabinete
detenção de imigrantes. do Conselheiro para a Responsabilidade
Social Corporativa do Setor Extrativista

78 Anistia Internacional – Informe 2014/15


frustraram as demandas para que fosse o aborto em determinadas circunstâncias.
instituído um Ouvidor com poderes para Ela também se comprometeu a ajustar a
investigar as empresas e recomendar legislação antiterrorista e o sistema de justiça
sanções e recursos jurídicos nos casos militar às normas internacionais.
de descumprimento. A participação das O Chile aceitou a maioria das
empresas no processo avaliativo continuou recomendações que foram feitas na Revisão
sendo voluntária, embora corressem o Periódica Universal da ONU. Dentre estas,
risco da suspensão de certos serviços pedidos para extinguir a vigência da Lei de
governamentais caso não respeitassem Anistia de 1978 e para reformar a legislação
a estratégia de responsabilidade social que regula os direitos sexuais e reprodutivos.
corporativa do Canadá. Em junho, o Comitê de Direitos Humanos da
ONU fez recomendações semelhantes.1
MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS
OU INSTITUCIONAIS FORÇAS POLICIAIS E DE SEGURANÇA
Um projeto de lei que incluiria a identidade Em agosto, a polícia divulgou os protocolos
de gênero na Lei de Direitos Humanos e nas de segurança utilizados em manifestações.
disposições sobre crimes de ódio do Código A divulgação aconteceu depois de repetidas
Penal canadense estava parado no Senado reclamações sobre a falta de transparência
no fim do ano. com relação aos métodos utilizados pela
Apesar dos constantes apelos, o governo polícia para lidar com protestos. Desde 2011,
não ratificou o Tratado de Comércio de Armas havia denúncias constantes de uso excessivo
nem o Protocolo Facultativo à Convenção da da força pela polícia durante manifestações.
ONU contra a Tortura.
SISTEMA DE JUSTIÇA MILITAR
Casos de violações de direitos humanos
1. Canada: Submission to the United Nations Human Rights Committee, envolvendo membros das forças de
112th Session (AMR 20/001/2014) segurança continuaram a ser julgados por
tribunais militares.2 Decisões da Suprema
Corte e da Corte Constitucional, defendendo
as obrigações internacionais de direitos

CHILE
humanos e o direito a um processo com as
devidas garantias, transferiram alguns casos
aos tribunais comuns. 3
República do Chile Em maio, um ex-policial (carabinero)
Chefe de Estado e de governo: Michelle Bachelet foi sentenciado a três anos e 61 dias de
Jeria (sucedeu Sebastián Piñera Echenique em prisão por ter matado a tiros o adolescente
março) Manuel Gutierrez Reinoso, de 16 anos, e ter
ferido Carlos Burgos Toledo durante uma
manifestação em 2011. Porém, como a
Casos de violência policial continuaram pena imposta era de menos de cinco anos
a ser levados a tribunais militares. de prisão, o policial foi posto em liberdade
Prosseguiram as ações judiciais contra condicional. No fim do ano, um recurso
os responsáveis por violações de direitos interposto pela família aguardava decisão de
humanos cometidas no passado. uma Corte Marcial.4
Em 2013, perante um tribunal militar,
INFORMAÇÕES GERAIS um policial foi considerado responsável por
Em março, Michelle Bachelet Jeria assumiu infligir lesões graves ao jornalista Víctor Salas
a Presidência prometendo descriminalizar Araneda, sendo sentenciado a 300 dias de

Anistia Internacional – Informe 2014/15 79


prisão, a serem cumpridos em liberdade Sepúlveda, pelo desaparecimento forçado
condicional, e suspenção das funções. No de Carlos Guerrero Gutiérrez e Claudio
entanto, Víctor Salas Araneda, que perdeu o Guerrero Hernández, em 1974 e 1975
olho direito enquanto cobria um protesto em respectivamente.
2008, não recebeu reparação. Prosseguiam no fim do ano as
investigações sobre a tortura de Leopoldo
MORTES SOB CUSTÓDIA García Lucero. Em agosto de 2013, em
Em maio, Iván Vásquez Vásquez morreu sob sua primeira decisão sobre o caso de um
custódia na localidade de Chile Chico, na sobrevivente de tortura chileno, a Corte
região de Aysén. Os advogados da família Interamericana de Direitos Humanos
afirmaram que ele foi espancado até a morte condenou os atrasos excessivos para o início
e que havia mais de um policial envolvido das investigações sobre esse crime.6
no crime. Uma primeira autópsia apontou Em junho, as autoridades anunciaram
que a causa da morte não foi suicídio, como reformas jurídicas que, se implementadas,
indicado inicialmente pela polícia. Um tipificarão a tortura como um crime específico
policial havia sido formalmente acusado no Código Penal.
por um tribunal militar de usar violência Em setembro, o governo anunciou sua
desnecessária que resultou em morte. intenção de acelerar as discussões sobre
Entretanto, as acusações foram retiradas em um projeto de lei de 2006 que visa a revogar
outubro depois que uma segunda autópsia a Lei de Anistia de 1978. No fim do ano, o
requisitada pela defesa afirmou que a causa debate sobre a lei de anistia prosseguia no
da morte teria sido suicídio. Houve dúvidas Congresso.7
quanto à imparcialidade dessa autópsia,
cujo resultado completo ainda não estava DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS
disponível no fim do ano. Surgiram novas denúncias de uso de força
excessiva e detenções arbitrárias durante
IMPUNIDADE operações policiais contra comunidades
Alguns avanços foram feitos no sentido de indígenas Mapuche. As maiores
levar à Justiça os responsáveis por violações preocupações eram sobre abusos cometidos
de direitos humanos cometidas durante contra menores no contexto do conflito.
o regime do general Pinochet. Segundo o Em maio, a Suprema Corte confirmou a
presidente da Suprema Corte, até março sentença de 18 anos de prisão de Celestino
havia 1.022 processos ativos, dos quais Córdova, um machi (xamã) Mapuche,
72 relativos a denúncias de tortura. Dados relacionada à morte de Werner Luchsinger e
oficiais do Programa de Direitos Humanos Vivianne Mackay em janeiro de 2013. O casal
do Ministério do Interior indicavam que, morreu após um incêndio criminoso em sua
até outubro, 279 pessoas haviam sido casa na comunidade de Vilcún, região de
condenadas em conexão com esses crimes, Araucanía. O Tribunal Oral Penal de Temuco,
sendo que tais condenações não admitem que decidiu na primeira instância, descartou
recurso. No fim de 2014, 75 pessoas a alegação da promotoria de que se tratava
cumpriam pena de prisão por esses crimes. de um ataque terrorista. A defesa argumentou
Em maio, 75 ex-agentes da polícia secreta que o julgamento de Celestino Córdova
(a Direção de Inteligência Nacional, DINA) teve motivações políticas e não cumpriu as
foram condenados por envolvimento no normas internacionais para julgamentos
desaparecimento forçado de Jorge Grez justos, constituindo-se em mais um exemplo
Aburto em 19745. Em outubro, a Suprema de como as autoridades lidam com a
Corte condenou ex-integrantes da DINA, questão, criminalizando as reivindicações dos
inclusive seu ex-chefe, Manuel Contreras

80 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Mapuche à terra, em vez de buscar resolver mas ainda não havia sido apresentado
suas causas subjacentes. ao Congresso.
Em outubro, José Mauricio Quintriqueo
Huaiquimil morreu depois de ser atropelado DISCRIMINAÇÃO
por um trator, quando ele e outros Mapuches Em outubro, o Senado aprovou uma lei
entravam em uma fazenda na região de sobre parcerias civis, inclusive para casais
Araucanía. Segundo informações, eles tinham do mesmo sexo. No fim do ano, a lei estava
ido até a fazenda para tratar de uma proposta sendo debatida na Câmara dos Deputados.
que estavam preparando para as autoridades Um projeto de lei sobre o direito à
sobre que partes da terra poderiam ser identidade de gênero, que permitiria a
destinadas a eles. A comunidade estava mudança de nome e gênero em documentos
ocupando uma parte da fazenda com a oficiais, tramitava no Senado no fim do ano.
permissão do proprietário. Um homem
suspeito de ser o responsável pela morte foi
detido, e a investigação prosseguia no fim 1. Chile: Submission to the United Nations Human Rights Committee:

do ano. 111th session of the Human Rights Committee (7-25 de julho de

Em abril, o relator especial da ONU sobre 2014) ( AMR 22/003/2014)

a promoção e proteção dos direitos humanos www.amnesty.org/en/library/info/AMR22/003/2014/en

e liberdades fundamentais na luta contra 2. Chile: Urge reformar la justicia militar (AMR 22/007/2014)

o terrorismo publicou um relatório sobre www.amnesty.org/en/library/info/AMR22/007/2014/es

sua visita ao Chile em 2013, salientando as 3. Chile: Importante decisión del Tribunal Constitucional sobre la

discrepâncias entre a legislação nacional aplicación de la jurisdicción militar en un caso de tortura (AMR

de combate ao terrorismo e o princípio da 22/005/2014) amnesty.org/en/library/info/AMR22/005/2014/es; Chile:

legalidade e da aplicação regular da lei no Corte Suprema resuelve a favor de una aplicación restrictiva de la

quadro dos procedimentos judiciais relativos justicia militar (AMR 22/006/2014)

aos Mapuche. Um projeto de lei para www.amnesty.org/en/library/info/AMR22/006/2014/es

reformar a legislação antiterrorista estava 4. Chile: “No sabía que existían dos tipos de justicia hasta que nos

sendo debatido no Congresso no fim do ano. ocurrió esto”, 22 de agosto de 2014

Em maio, a Corte Interamericana de www.amnesty.org/es/news/chile-no-sab-que-exist-dos-tipos-de-

Direitos Humanos condenou o Chile por justicia-hasta-que-nos-ocurri-esto-2014-08-22

violações de direitos humanos relativas a 5. Chile: Important conviction against 75 former agents of Pinochet in a

sua aplicação da legislação antiterrorista case of enforced disappearance (AMR 22/001/2014)

contra oito índios Mapuche sentenciados em www.amnesty.org/en/library/info/AMR22/001/2014/en

2003. A Corte também ordenou que o Estado 6. Chile: 40 years on, Chile torture victim finally finds justice

adotasse todas as medidas necessárias para www.amnesty.org/en/news/40-years-chile-torture-victim-finally-

garantir que as decisões judiciais tomadas finds-justice-2013-11-04

nesses casos não fossem cumpridas. A 7. Chile: Pinochet victims see justice withintheir grasp, 6 October 2014

Corte Interamericana argumentou que a www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/chile-pinochet-

estereotipificação dos acusados nesses casos victims-see-justice-within-their-grasp-2014-10-03

violava os princípios de igualdade, não-


discriminação e igual proteção da lei.

DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS


O aborto continuou sendo um delito penal
em todas as circunstâncias. Um projeto de
lei para descriminalizar o aborto em casos de
estupro, incesto, ameaças à vida da mulher e
malformação fetal foi anunciado pelo governo

Anistia Internacional – Informe 2014/15 81


CHINA funcionário de mais alto escalão a ter sido
alvo da campanha, que, segundo fontes
oficiais, havia investigado e punido até então
REPÚBLICA POPULAR DA CHINA mais de 100 mil servidores.
Chefe de Estado: Xi Jinping O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais
Chefe de governo: Li Keqiang e Culturais da ONU e o Comitê para a
Eliminação da Discriminação contra a Mulher
da ONU revisaram, em maio e outubro
As autoridades continuaram a restringir respectivamente, a aplicação do Pacto
severamente o direito à liberdade de Internacional sobre Direitos Econômicos,
expressão. Ativistas e defensores dos Sociais e Culturais e da Convenção sobre
direitos humanos corriam risco de sofrer a Eliminação de Todas as Formas de
hostilidades e detenções arbitrárias. A Discriminação contra a Mulher 1. Em
tortura e outros maus-tratos continuaram dezembro de 2013, o Conselho de Direitos
sendo amplamente praticados, enquanto Humanos da ONU aprovou o documento
muitas pessoas não dispunham de acesso à final da segunda Revisão Periódica Universal
Justiça. Minorias étnicas, como a tibetana, da China.
uigur e mongol, foram discriminadas e
submetidas a repressão cada vez mais DETENÇÕES ARBITRÁRIAS
intensa por motivos de segurança. Um Em dezembro de 2013, o Congresso Nacional
número recorde de trabalhadores entrou Popular aboliu oficialmente o famigerado
em greve para exigir melhores salários e sistema chinês de reeducação pelo trabalho.
condições de trabalho. Depois de extinguir esse sistema, as
Em novembro de 2013, o Comitê Central autoridades recorreram extensamente a
do Partido Comunista Chinês, em sua III outras formas de detenção arbitrária, como os
Sessão Plenária, apresentou um projeto Centros de Educação Legal, diversas formas
para aprofundar as reformas econômicas de detenção administrativa, “cadeias negras”
e sociais, preparando assim o terreno e prisões domiciliares ilegais. Além disso, a
para efetuar mudanças nas políticas polícia se valeu com frequência de acusações
de planejamento familiar e no sistema vagas tais como “procurar brigas e provocar
chinês de registro de famílias. A abolição problemas” e “perturbar a ordem em local
do sistema de reeducação pelo trabalho público” a fim de manter ativistas detidos por
também foi anunciada em 2013. A IV até 37 dias. Membros do Partido Comunista
Sessão Plenária, em outubro de 2014, teve Chinês suspeitos de corrupção foram detidos
o Estado de direito como tema central. com base no obscuro sistema de shuanggui
(ou “dupla-designação”), sem acesso a
INFORMAÇÕES GERAIS familiares ou assitência jurídica.
No decorrer de 2014, o presidente Xi
Jinping prosseguiu com uma campanha de TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
combate à corrupção de grande repercussão, A tortura e outros maus-tratos continuaram
visando os funcionários de todos os níveis sendo amplamente praticados. Em março,
hierárquicos. Em julho, os meios de quatro advogados que estavam investigando
comunicação estatais anunciaram que Zhou um Centro de Educação Legal em
Yongkang, ex-ministro de Segurança Pública Jiansanjiang, na província de Heilongjiang,
e ex-integrante do Comitê Permanente foram detidos de modo arbitrário e torturados.
do Politburo do Partido Comunista, vinha Um deles, Tang Jitian, afirmou ter sido
sendo investigado desde o final de 2013 por amarrado a uma cadeira de ferro, esmurrado
suposta prática de corrupção. Tratou-se do no rosto, chutado e golpeado na cabeça

82 Anistia Internacional – Informe 2014/15


com uma garrafa plástica cheia de água com doméstica, e ordenou um novo julgamento,
tanta força que perdeu a consciência. Ele que seguia pendente no fim do ano. O
contou que, depois disso, foi encapuzado Tribunal Popular Intermediário da cidade de
e algemado com as mãos às costas, sendo Zhiyang havia sentenciado Li Yan à morte
suspenso pelos pulsos enquanto os policiais em 2011 pelo homicídio de seu esposo,
continuavam a espancá-lo.2 sem levar em conta as provas dos abusos
Em agosto, num caso raro, um tribunal constantes a que ela fora submetida.
de recursos de Harbin, na província de Em um caso raro de absolvição, o Tribunal
Heilongjiang, confirmou as condenações Superior da província de Fujian anulou em
de quatro pessoas acusadas de tortura. agosto a sentença de morte de Nian Bin,
Junto com outras três pessoas, elas foram proprietário de uma banca de alimentação,
condenadas por um tribunal de primeira por ele ter supostamente envenenado seus
instância por torturar vários supostos vizinhos com veneno para rato. Nian Bin
delinquentes em março de 2013, tendo sido havia sido condenado à morte em 2008,
sentenciadas e penas que variavam entre mesmo tendo afirmado que confessou
um e dois anos e meio de prisão. Das sete mediante tortura. 4 O Tribunal Superior alegou
pessoas, somente três eram policiais; as falta de provas, sem tratar das denúncias
outras quatro eram “informantes especiais” de tortura.
– cidadãos que supostamente “ajudam” a Caso similar foi o de Hugjiltu, um homem
polícia a investigar crimes. Uma das vítimas da Mongólia Interior que havia sido executado
do grupo morreu sob custódia depois de ser por estupro e homicídio em 1996. Em
torturada com choques elétricos e espancada dezembro, o Tribunal Popular da Mongólia
com um sapato. Interior declarou sua inocência e anulou o
veredicto inicial. Sua família recebeu uma
COMÉRCIO DE INSTRUMENTOS indenização de dois milhões de yuans.
DE TORTURA E USO INDEVIDO
DE EQUIPAMENO POLICIAL DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS
A China consolidou sua posição como um dos Defensores dos direitos humanos
principais fabricantes e exportadores de uma continuaram sendo submetidos a
variedade cada vez maior de equipamentos hostilidades, detenções arbitrárias,
voltados à aplicação da lei, inclusive de encarceramento, tortura e outros maus-tratos
alguns itens sem qualquer função policial por fazerem seu trabalho legítimo de direitos
legítima, como cassetetes de eletrochoque humanos. Em março, Cao Shunli faleceu em
e algemas com pesos para as pernas. um hospital por falência de órgãos, depois de
Ademais, equipamentos que poderiam ter ter sido privada do tratamento que precisava
uso legítimo para fazer cumprir a lei, mas para sua doença enquanto esteve detida.5 Ela
que se prestavam facilmente a abusos, como havia sido presa em setembro de 2013 no
gás lacrimogêneo e veículos antidistúrbio, aeroporto de Pequim quando viajaria à Suíça
foram exportados pela China sem os devidos para participar de um encontro de formação
controles mesmo quando havia risco concreto em direitos humanos.
de que os órgãos de aplicação da lei que os A repressão ao ativismo de direitos
receberam cometessem violação de direitos humanos se intensificou no decorrer do ano.
humanos.3 Várias pessoas ligadas a uma rede informal
de ativistas denominada Movimento Novos
PENA DE MORTE Cidadãos foram sentenciadas a penas de
Em maio, em uma sentença histórica, a entre dois e seis anos e meio de prisão. O
Suprema Corte do Povo anulou a condenação movimento demandava igualdade no direito
à morte de Li Yan, vítima de violência à educação para filhos de trabalhadores

Anistia Internacional – Informe 2014/15 83


migrantes, a abolição do sistema de de 5 mil vezes ou repostadas em outras
registro de famílias, maior transparência do páginas mais de 500 vezes.
governo e o fim da corrupção.6 Mais de 60 Diversos jornalistas foram alvo de ações
ativistas foram detidos de modo arbitrário penais. Gao Yu, uma conhecida jornalista,
ou submetidos a prisão domiciliar ilegal no foi levada pelas autoridades em abril, sendo
período que antecedeu o 25º aniversário da mais tarde detida por suspeita de “disseminar
violenta repressão das manifestações a favor internacionalmente segredos de Estado”.
da democracia que aconteceram na Praça Xiang Nanfu, colaborador da Boxun, uma das
da Paz Celestial (Tiananmen) e em seus maiores fontes de informação independentes
arredores, em junho de 1989 em Pequim. no idioma chinês, foi detido em maio. Ambos
Vários permaneciam detidos à espera apareceram na televisão “confessando”
de julgamento, dentre eles o conhecido seus supostos crimes antes mesmo de seus
advogado de direitos humanos Pu Zhiqiang.7 julgamentos começarem.
Entre o final de setembro e o começo de Ilham Tohti, intelectual uigur e fundador
outubro, cerca de 100 ativistas de toda a do site Uigur Online, foi sentenciado à prisão
China foram detidos por terem apoiado os perpétua em setembro depois de condenado
protestos pró-democracia em Hong Kong. No por “separatismo”. As principais provas
fim do ano, 31 deles seguiam detidos. 8 mencionadas pelas autoridades foram os
artigos em seu site. Ele não pôde ter acesso à
LIBERDADE DE EXPRESSÃO assistência judiciária por cinco meses depois
As autoridades chinesas intensificaram seus de detido, tendo sido torturado e privado de
esforços para restringir sistematicamente a alimentos durante o período de detenção
liberdade de informação. No fim de 2013, provisória. 9
o Partido Comunista criou um grupo para
”coordenar a segurança na internet”. No LIBERDADE DE RELIGIÃO
entanto, um membro descreveu a tarefa Praticantes de religiões proibidas ou não
do grupo como uma batalha “contra autorizadas pelo Estado arriscavam-se a
a penetração ideológica” de “forças ser hostilizados, detidos arbitrariamente,
estrangeiras hostis”. encarcerados, torturados ou submetidos a
Em junho, a Associação dos Advogados da outros maus-tratos. Na Região Autônoma
China publicou a minuta de um regulamento Uigur de Xinjiang, as autoridades
que proibiria todos os advogados de falar intensificaram as pesadas restrições
sobre processos em andamento, escrever existentes contra o Islã, com o objetivo
cartas abertas ou criticar o sistema de declarado de combater “o terrorismo violento
justiça, as políticas do governo ou o e o extremismo religioso”. Várias comarcas
Partido Comunista. Também em junho, publicaram avisos em seus sites advertindo
a Administração Estatal de Imprensa, que não seria permitido que os estudantes
Publicações, Rádio, Cinema e Televisão observassem o Ramadã, e muitos professores
proibiu os jornalistas de informar sobre distribuíram comidas e doces aos alunos
assuntos ou áreas fora do campo em que para se certificar que eles não fariam jejum.
atuam e de publicar artigos críticos que não A proibição de que funcionários públicos e
tenham sido aprovados por sua unidade quadros do Partido Comunista professassem
de trabalho. uma religião foi reforçada, e vários servidores
As autoridades continuaram a utilizar a locais uigures foram punidos por baixarem
legislação penal para reprimir a liberdade de materiais religiosos da internet e “praticarem
expressão, detendo e encarcerando ativistas abertamente a religião”. Sinais exteriores
cujas postagens na internet são vistas mais que pudessem indicar adesão ao Islã, como
barbas e véus, geralmente eram proibidos.

84 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Na província de Zhejiang, uma campanha e o extremismo religioso”, a qual suscitou
de grande escala contra as igrejas foi lançada temores de que os acusados não estivessem
com o pretexto de corrigir as estruturas que sendo julgados com as devidas garantias.
infringiam as normas de construção. As Autoridades graduadas priorizaram a rapidez
autoridades demoliram igrejas e retiraram nas prisões e nos julgamentos, e pediram
cruzes e crucifixos. Em maio, um edifício da maior “colaboração” entre o ministério
congregação da Beneficência de Xiaying em público e os tribunais. Até o dia 26 de maio,
Ningbo teria sido demolido porque “chamava as autoridades regionais haviam anunciado a
atenção”. Praticantes de religiões proscritas, detenção de mais de 200 supostos membros
como os que celebravam cultos cristãos em de “grupos terroristas e extremistas” e a
“igrejas domésticas” ou os seguidores de dissolução de 23 “grupos terroristas”. Em
Falun Gong, continuaram sendo perseguidos. 29 de maio, num dos muitos “atos públicos
de sentenciamento” realizados desde o
DIREITOS REPRODUTIVOS lançamento da campanha, 55 pessoas, todas
As mudanças nas políticas chinesas de aparentemente uigures, foram sentenciadas
planejamento familiar permitiram que por crimes diversos, como terrorismo,
os casais formados por pelo menos um diante de quase 7.000 espectadores em um
cônjuge que seja filho único poderão estádio.10
solicitar permissão para ter dois filhos. Em Em 28 de julho, os meios de comunicação
dezembro de 2013, o Comitê Permanente estatais informaram que 37 civis foram
do Congresso Nacional do Povo da China mortos durante o ataque de uma “multidão
aprovou formalmente as reformas, que as armada com facas” às repartições do governo
províncias começaram a aplicar em 2014. da comarca de Yarkand (Shache, em chinês),
Muitas restrições aos direitos reprodutivos e que as forças de segurança haviam matado
continuaram em vigor. a tiros 59 invasores. Grupos uigures refutaram
essa versão, afirmando que o número de
DIREITOS DOS TRABALHADORES mortes foi muito maior e que, diferente da
MIGRANTES narrativa oficial, a polícia disparou contra
As mudanças no sistema de registro de centenas de pessoas que protestavam pelas
famílias conhecido como hukou permitiram severas restrições impostas aos muçulmanos
que os moradores de áreas rurais pudessem durante o Ramadã. Os uigures amargavam
se mudar com mais facilidade para cidades discriminação generalizada no emprego, na
pequenas ou médias. O acesso a benefícios educação e na habitação, além de terem
e serviços como educação, saúde e pensões sua liberdade religiosa coibida e serem
permaneceu vinculado à condição de cada politicamente marginalizados.
pessoa no sistema hukou, que continuou
sendo motivo de discriminação. Esse sistema REGIÃO AUTÔNOMA DO TIBETE E
obrigou muitos migrantes internos a deixarem ÁREAS DE POPULAÇÃO TIBETANA
seus filhos nas zonas rurais. EM OUTRAS PROVÍNCIAS
As pessoas de etnia tibetana continuaram
REGIÃO AUTÔNOMA UIGUR DE XINJIANG a sofrer discriminação e restrições de seu
As autoridades atribuíram a uigures vários direito à liberdade de religião, de expressão,
incidentes de violência ocorridos na Região de associação e de reunião. Vários líderes
Autônoma Uigur de Xinjiang e em outras religiosos, escritores, manifestantes e ativistas
regiões, tendo usado esses acontecimentos tibetanos foram detidos.
para justificar uma reação rigorosa. Foi Em agosto, na prefeitura autônoma de
lançada em maio uma campanha de Kardze (Ganzi, em chinês), na província de
“linha dura” contra o “terrorismo violento Sichuan, segundo informações, a polícia e as

Anistia Internacional – Informe 2014/15 85


forças de segurança dispararam contra uma na praça, 20 dos quais foram presos no dia
multidão que havia se reunido para protestar seguinte. 12
contra a prisão de um líder comunitário. Pelo Essas ações motivaram uma mobilização
menos quatro manifestantes morreram em por desobediência civil – conhecida como
consequência dos ferimentos e um deles se “Occupy Central” – que pretendia ocupar
suicidou quando estava detido. as ruas centrais de Hong Kong. Em 28 de
Em 2014, nas áreas de população tibetana, setembro, a polícia usou gás lacrimogêneo e
sete pessoas atearam fogo ao próprio corpo de pimenta para tentar dispersar os milhares
para protestar contra as políticas repressoras de manifestantes pacíficos que haviam
das autoridades; pelo menos quatro se reunido nas ruas próximas à sede do
morreram. O número de autoimolações governo. Em 3 de outubro, os manifestantes
registradas desde março de 2011 subiu para foram atacados por contramanifestantes,
131. As autoridades perseguiram familiares que agrediram sexualmente, assediaram
e amigos das pessoas que se autoimolaram e e intimidaram mulheres e meninas, por
os acusaram de haver “incitado” esses atos várias horas sem que a polícia interviesse.13
ou “contribuído” com eles. Os jornalistas que cobriam os protestos
Em algumas comarcas, familiares de reclamaram que a polícia os impediu de
pessoas que se autoimolaram, assim como realizar seu trabalho. Em 15 de outubro,
aquelas que assitiram os ensinamentos seis policiais foram filmados agredindo
do Dalai Lama, simpatizavam com seus um manifestante num canto escuro
seguidores ou tinham “contatos no próximo ao local dos protestos na praça
estrangeiro”, foram proibidas de ocupar do Almirantado.14 Durante a remoção das
cargos graduados e de se candidatar às pessoas que protestavam na zona de Mong
eleições locais. Kok15 e diante do complexo governamental da
praça do Almirantado, no fim de novembro, a
REGIÃO ADMINISTRATIVA polícia usou a força de modo arbitrário contra
ESPECIAL DE HONG KONG manifestantes, jornalistas e transeuntes.
LIBERDADE DE REUNIÃO Os protestos, em grande parte pacíficos,
Em 2014, Hong Kong foi palco de enormes terminaram em meados de dezembro.
protestos. Em 1º de julho, os organizadores Segundo o chefe de polícia de Hong Kong,
calculavam que mais de 500 mil pessoas Andy Tsang, 955 pessoas foram presas em
haviam participado de uma passeata pró- razão dos protestos do movimento “Occupy
democracia, seguida de um protesto sentado Central”, e mais prisões se seguiriam.
no bairro financeiro da cidade. Na noite LIBERDADE DE EXPRESSÃO
seguinte, mais de 500 manifestantes foram A demissão de Kevin Lau Chun-to, ex-redator-
presos.11 Alguns denunciaram que não lhes chefe do jornal Ming Pao, em janeiro,
permitiram ter acesso a advogado e que suscitou temores com relação à liberdade
passaram várias horas sem receber água ou de imprensa. Sob sua direção, o diário Ming
comida, até serem liberados sem acusações. Pao fazia matérias sobre supostas violações
No fim de setembro, milhares de estudantes de direitos humanos e sobre transgressões
boicotaram as aulas durante uma semana, cometidas por autoridades dos altos escalões
ação que culminou com um protesto sentado de Hong Kong e da China.
em frente à Praça Cívica, próximo à sede do Em outubro, mais de 20 jornalistas
governo de Hong Kong. Nessa mesma noite, da estação de televisão local Television
alguns dos manifestantes entraram na parte Broadcasts Limited publicaram uma carta
cercada da praça. A polícia reagiu lançando aberta na qual criticaram o que consideravam
gás de pimenta e detendo 70 manifestantes uma atitude de autocensura por parte da
emissora ao informar sobre o espancamento

86 Anistia Internacional – Informe 2014/15


de Ken Tsang Kin-Chiu, manifestante do governo. Bill Chou Kwok-ping, professor da
“Occupy Central”, pela polícia. Universidade de Macau e vice-presidente
TRABALHADORES DOMÉSTICOS MIGRANTES do maior grupo pró-democrático de
Milhares dos cerca de 300 mil migrantes Macau, afirmou ter sido suspenso de suas
que trabalham no setor doméstico em funções por “impor convicções políticas”
Hong Kong, quase todos mulheres, eram aos estudantes. Após uma investigação,
vítimas do tráfico de pessoas para fins de a universidade não renovou seu contrato.
exploração e trabalhos forçados, além de Em julho, outro acadêmico, o professor
estarem pesadamente endividados devido Eric Sautede, da Universidade de São
às taxas excessivas e ilegais cobradas José, perdeu seu emprego. O reitor da
pelos agenciadores. A chamada “regra das universidade afirmou a um jornal local
duas semanas”, a qual estipulava que, em língua portuguesa que o professor
uma vez terminado o contrato de trabalho, havia sido demitido por causa de um
as trabalhadoras domésticas deveriam comentário político.
encontrar um novo emprego ou deixar
Hong Kong no prazo de duas semanas,
assim como a exigência de que morassem 1. China: Hong Kong SAR: Submission to the United Nations Committee

com seus empregadores, aumentava o on the Elimination of Discrimination Against Women: 59th session, 20

risco de que sofressem abusos de direitos October – 7 November 2014 (ASA 17/052/2014)

humanos e trabalhistas. Os empregadores www.amnesty.org/en/library/info/ASA17/052/2014/en

frequentemente as submetiam a agressões 2. China: Amnesty International calls for an investigation in to the

físicas ou verbais, restringiam sua liberdade allegations of torture of four lawyers in China (ASA 17/020/2014)

de circulação, proibiam-nas de praticar www.amnesty.org/en/library/info/ASA17/020/2014/en

sua religião, pagavam-lhes menos do que o 3. China’s trade in tools of torture and repression (ASA 17/042/2014)

salário mínimo estabelecido por lei, negavam- www.amnesty.org/en/library/info/ASA17/042/2014/en

lhes períodos de repouso adequados e 4. China: Death row inmate freed after six years of trials and appeals

rescindiam seus contratos de forma arbitrária, (Press Release)

muitas vezes em conluio com as agências www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/china-death-row-

de emprego. As autoridades de Hong Kong inmate-freed-after-six-years-trials-and-appeals-2014-08-22

não supervisionaram de forma adequada as 5. China: Fear of cover-up as Cao Shunli’s body goes missing (Press

agências de emprego nem puniram quem Release)

violasse a lei. www.amnesty.org/en/news/china-fear-cover-cao-shunli-s-body-goes-

Em dezembro, teve início no Tribunal missing-2014-03-26

Distrital um julgamento de grande 6. China: Xu Zhiyong four year jail sentence shameful (Press Release)

repercussão envolvendo três trabalhadoras www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/china-xu-zhiyong-

domésticas migrantes da Indonésia: Erwiana four-year-jail-sentence-shameful-2014-01-26-0 China: Three anti-

Sulistyaningsih, Nurhasanah e Tutik Lestari corruption activists jailed on ‘preposterous’ charges (Press Release)

Ningsih. Sua ex-empregadora, Law Wan- www.amnesty.org/en/news/china-three-anti-corruption-activists-

tung, respondeu a 21 acusações, tais como jailed-preposterous-charges-2014-06-19

causar lesões corporais graves de modo 7. Tiananmen crackdown: Repression intensifies on eve of 25 anniversary

intencional, agressão, intimidação criminal e (Press Release)

não pagamento de salários.16 www.amnesty.org/en/news/tiananmen-crackdown-repression-


intensifies-eve-25th-anniversary-2014-06-03

REGIÃO ADMINISTRATIVA 8. China: Release supporters of Hong Kong protests (Press Release)

ESPECIAL DE MACAU www.amnesty.org/en/news/china-release-supporters-hong-kong-

Intelectuais favoráveis à democracia protests-2014-10-01

denunciaram terem sido alvo de perseguição


por sua perticipação política e críticas ao

Anistia Internacional – Informe 2014/15 87


9. China: Deplorable life sentence for Uighur academic (Press Release) duas partes obtiveram acordos parciais em
www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/china-deplorable-life- diversas questões cruciais. O processo de
sentence-uighur-academic-2014-09-23 paz se sobressaiu como um tema central
10. China: Shameful stadium ‘show trial’ is not justice (Press Release) nas eleições presidenciais de maio, que
www.amnesty.org/en/news/china-shameful-stadium-show-trial-not- levaram novamente ao poder o presidente
justice-2014-05-29 em exercício, Juan Manuel Santos, no
11. Hong Kong: Mass arrests a disturbing sign for peaceful protest (Press segundo turno disputado em junho.1A
Release) campanha eleitoral foi marcada por um
www.amnesty.org/en/news/hong-kong-mass-arrests-disturbing-sign- escândalo envolvendo a interceptação de
peaceful-protest-2014-07-02 conversas telefônicas entre negociadores do
12. Hong Kong: Police response to student pro-democracy protest governo e das FARC por agentes das forças
an alarming sign (Press Release) amnesty.org/en/news/hong- de segurança e dos serviços de inteligência,
kong-police-response-student-pro-democracy-protest-alarming- numa tentativa de frustrar o processo
sign-2014-09-27 de paz.
13. Hong Kong: Women and girls attacked as police fail to protect Apesar do diálogo de paz em andamento,
peaceful protesters (Press Release) violações de direitos humanos e violações
www.amnesty.org/en/news/hong-kong-women-and-girls-attacked- do direito internacional humanitário (DIH)
police-fail-protect-peaceful-protesters-2014-10-04 continuaram sendo cometidas por ambos os
14. Hong Kong: Police officers must face justice for attack on protester lados, bem como por grupos paramilitares
(Press Release) de modo autônomo ou com a conivência ou
www.amnesty.org/en/news/hong-kong-police-officers-must-face- o consentimento de setores das forças de
justice-attack-protester-2014-10-15 segurança. Povos indígenas, comunidades
15. Hong Kong: Heavy-handed policing will only inflame protests (Press afrodescendentes e de camponeses
Release) agricultores, mulheres e meninas,
www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/hong-kong-heavy- defensores dos direitos humanos, ativistas
handed-policing-will-only-inflame-protests-2014-11-28 comunitários e sindicalistas continuaram a
16. Hong Kong: The government has to put an end to the exploitation of sofrer as piores consequências em termos
migrant domestic workers (Press Release) de direitos humanos do conflito armado
www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/hong-kong- que perdura há 50 anos. Trata-se de abusos
government-has-put-end-exploitation-migrant-domestic- como desalojamentos forçados, homicídios
workers-2014 ilegais, sequestros e tomada de reféns,
ameaças de morte, desaparecimentos
forçados, tortura e violência sexual.
O governo promoveu certas leis que

COLÔMBIA
ameaçavam exacerbar a impunidade e
solapar os poucos progressos conquistados
nos últimos anos para levar à Justiça alguns
REPÚBLICA DA COLÔMBIA indivíduos suspeitos de crimes previstos no
Chefe de Estado e de governo: Juan Manuel Santos direito internacional e de outros abusos e
Calderón violações dos direitos humanos.

CONFLITO ARMADO INTERNO


As negociações de paz entre o governo A população civil, principalmente os
e o grupo guerrilheiro Forças Armadas indígenas, os afrodescendentes e as
Revolucionárias da Colômbia (FARC) comunidades de camponeses, bem como os
continuaram progredindo, apesar de as defensores dos direitos humanos, continuou
negociações terem sido suspensas por sendo a maior vítima do conflito armado.
três semanas próximo ao final do ano. As Segundo as mais recentes estatísticas da

88 Anistia Internacional – Informe 2014/15


ONG CODHES (Consultoria para os Direitos PROCESSO DE PAZ
Humanos e os Desalojamentos), quase As negociações de paz conduzidas em
220 mil pessoas foram desalojadas à força Havana, Cuba, entre o governo e as FARC
em 2013. continuaram a proporcionar a melhor
De acordo com a Organização Nacional oportunidade em mais de uma década
Indígena da Colômbia (ONIC), 10 índios para pôr fim às hostilidades. Entretanto,
foram mortos por motivos relacionados em 17 de novembro, o governo suspendeu
ao conflito e pelo menos 2.819 foram as conversações em protesto pela captura
desalojados à força nos primeiros nove de um general do exército pelas FARC no
meses de 2014.2 Em 2013, foram departamento de Chocó. Ele foi libertado
registradas 30 mortes e 3.185 vítimas de em 30 de novembro e as negociações
desalojamento forçado. recomeçaram em 10 de dezembro. No dia
No dia 12 de setembro, dois líderes 17 de dezembro, as FARC declararam um
indígenas Embera Dovida foram assassinados cessar-fogo unilateral que teve início em
no município de Alto Baudó, departamento 20 de dezembro. No fim do ano, as duas
de Chocó, supostamente pelo grupo partes chegaram a acordos parciais sobre
guerrilheiro Exército de Libertação Nacional três dos seis itens propostos na agenda de
(ELN). negociações. Um modelo de acordo sobre um
Comunidades afrodescendentes da cidade quarto item, relativo aos direitos das vítimas,
portuária de Buenaventura, no sudoeste foi divulgado em junho.
do país, foram alvo de uma onda crescente Conseguir estabelecer essa base para
de violência, que envolveu assassinatos um acordo é um avanço considerável,
e desaparecimentos forçados, cometidos pois ambos os lados reconheceram sua
principalmente pelos paramilitares e por responsabilidade pelos abusos de direitos
grupos criminosos. Algumas vítimas foram humanos, admitindo que os direitos das
esquartejadas. A violência se concentrou nas vítimas são essenciais ao processo de paz
áreas mais carentes da cidade, destinadas a e que tais direitos não são negociáveis. O
obras de infraestrutura portuária e a outros modelo de acordo, contudo, não inclui um
empreendimentos econômicos.3 compromisso explícito para garantir justiça a
A magnitude dos abusos de direitos todas as vítimas. Temia-se que essa lacuna
humanos ficou ainda mais evidente com pudesse minar a viabilidade de um eventual
a publicação de um relatório do Centro acordo de paz no longo prazo.4
Nacional de Memória Histórica, um órgão
público, em 2013. O documento concluiu PROTESTOS SOCIAIS
que, entre 1985 e 2012, quase 220 mil Funcionários graduados do Estado afirmaram
pessoas foram mortas, 80% das quais que uma greve nacional de camponeses
eram civis. Pelo menos 25 mil pessoas agricultores em abril havia sido infiltrada por
foram vítimas de desaparecimentos grupos guerrilheiros. A declaração colocou os
forçados, cometidos principalmente pelos manifestantes em risco de sofrer ataques dos
paramilitares e pelas forças de segurança. paramilitares. Em maio, paramilitares fizeram
Aproximadamente 27 mil pessoas foram ameaças de morte a defensores dos direitos
sequestradas entre 1970 e 2010, a maioria humanos, acusando-os de organizar a greve,
por grupos guerrilheiros, e mais de 5 milhões que alegavam contar com o apoio dos grupos
de pessoas foram desalojadas à força entre guerrilheiros.
1985 e 2012. Até novembro, o governo havia Acusações semelhantes foram feitas
registrado mais de 7 milhões de vítimas. pelas autoridades na ocasião dos protestos
de comunidades indígenas em outubro de
2013, da greve nacional de camponeses

Anistia Internacional – Informe 2014/15 89


agricultores em agosto de 2013 e das paramilitares que supostamente teriam
manifestações camponesas de Catatumbo deposto suas armas sequer se submeteu ao
em junho de 2013. Houve denúncias de que limitado exame requerido pela Lei 975.
as forças de segurança usaram a força de Esses grupos, a que o governo se referia
modo excessivo e desproporcional durante como “gangues criminosas” (bandas
os protestos. O Alto Comissariado da ONU criminales, Bacrim), continuaram operantes
para os Direitos Humanos afirmou que nove e cometeram graves violações de direitos
manifestantes, cinco transeuntes e um humanos, tanto de modo autônomo quanto
policial foram mortos por armas de fogo nos com a conivência ou o consentimento
protestos de 2013. de setores das forças de segurança. Os
principais alvos desses grupos eram
FORÇAS DE SEGURANÇA defensores dos direitos humanos, lideranças
Execuções extrajudiciais cometidas pelas comunitárias e sindicalistas, bem como
forças de segurança continuaram a ser comunidades indígenas, afrodescendentes
registradas, apesar de em menor quantidade e camponesas.
do que no governo do presidente Álvaro Cerca de 160 paramilitares que se
Uribe (2002-2010). No entanto, o Ministério submeteram à Lei 975 foram qualificados
Público não avançou em levar à Justiça a para libertação em 2014. Alguns deles
maioria dos responsáveis por esses crimes, eram líderes graduados que foram presos
principalmente os oficiais superiores. Muitos provisoriamente e já haviam cumprido o
casos continuaram sendo remetidos a período máximo de oito anos estipulado
tribunais militares. Nem independentes nem pela Lei 975. Esperava-se que muitos deles
imparciais, tais tribunais não fizeram justiça. retornassem às suas zonas originais de
Segundo o relatório sobre a situação dos atuação, causando preocupação com o
direitos humanos na Colômbia, publicado impacto de seu retorno sobre a segurança
pelo Alto Comissariado da ONU para os das vítimas e dos defensores de direitos
Direitos Humanos em janeiro, 48 casos humanos que vivem nessas áreas.
de execuções extrajudiciais atribuídos às
forças de segurança foram transferidos ao GRUPOS GUERRILHEIROS
sistema de justiça militar e “muitos outros Os grupos guerrilheiros cometeram sérios
casos foram transferidos diretamente por abusos de direitos humanos e violações
promotores civis” nos primeiros oito meses do direito internacional humanitário,
de 2013. especialmente contra comunidades das
áreas rurais. Apesar do compromisso
PARAMILITARES público por parte das FARC de acabar com
A Lei de Justiça e Paz (Lei 975, de 2005), de os sequestros, vários casos continuaram
acordo com a qual milhares de paramilitares sendo relatados. A ONG País Libre registrou
que depuseram suas armas segundo o 233 sequestros nos primeiros nove meses
processo patrocinado pelo governo se de 2014, comparados a 299 no mesmo
beneficiariam com um máximo de oito anos período de 2013. A maioria dos sequestros
de prisão em troca de confissões sobre foi atribuída a criminosos comuns, sendo os
violações de direitos humanos, não respeitou grupos guerrilheiros responsáveis por 21% e
o direito das vítimas à verdade, à justiça os paramilitares por 3% do total.
e à reparação. O processo teve início em Minas terrestres, colocadas em sua maioria
2005, mas, até setembro de 2014, somente pelas FARC, continuaram a matar e mutilar
63 paramilitares haviam sido condenados civis e membros das forças de segurança.
por violações de direitos humanos com Os grupos guerrilheiros, assim como os
base na Lei 975. A maior parte dos 30 mil paramilitares, continuaram a recrutar

90 Anistia Internacional – Informe 2014/15


crianças, principalmente nas áreas rurais, do direito internacional humanitário. Uma
forçando muitas famílias a fugir de suas casas vez que execuções extrajudiciais não estão
para proteger seus filhos. As FARC também tipificadas como um crime específico
efetuaram ataques indiscriminados que no Código Penal, tais práticas poderiam
colocaram em risco a vida de civis. ser d efinidas como homicídio e, assim,
investigadas por promotores militares.
IMPUNIDADE Em agosto de 2013, o Tribunal
A impunidade continuou sendo uma marca Constitucional havia afirmado a
característica do conflito, em que muito constitucionalidade do Marco Jurídico
poucos perpetradores de violações dos para a Paz, aprovado pelo Congresso em
direitos humanos tiveram que prestar contas. junho de 2012. O marco podia permitir que
O apoio do governo a uma legislação que indivíduos suspeitos de cometer abusos
ameaçava aumentar a impunidade pôs em de direitos humanos evadissem a Justiça,
dúvida seu compromisso com o direito das pois concedia ao Congresso poderes
vítimas à verdade e à justiça. para limitar os procedimentos penais aos
Em outubro, o governo apresentou ao “máximos responsáveis” por abusos de
Congresso dois projetos de lei. O primeiro direitos humanos, e poderes para suspender
buscava expandir os crimes que poderiam sentenças de prisão impostas a paramilitares,
ser considerados como atos de serviço que guerrilheiros e combatentes das forças de
estariam sob competência do sistema de segurança condenados por tais crimes.
justiça militar. O segundo tratava de não Porém, o tribunal decidiu que as sentenças
deixar que violações de direitos humanos dos “máximos responsáveis” não poderiam
cometidas pelas forças de segurança ser suspensas caso eles fossem responsáveis
fossem investigadas como atos criminosos, por crimes contra a humanidade, genocídio
mas sim de modo a determinar se tais atos e crimes de guerra. Entretanto, não havia
configuravam ou não violações do direito nem uma definição clara nem critérios
internacional humanitário. Isso poderia para determinar quem seriam os “máximos
levar os responsáveis a se livrar de ações responsáveis”.
penais alegando que o crime fora uma
ação proporcional tomada no curso de um RESTITUIÇÃO DE TERRAS
conflito armado. A Lei de Vítimas e Restituição de Terras,
Em setembro, 12 peritos de direitos que entrou em vigor em 2012, visava a
humanos da ONU alertaram que o projeto proporcionar reparação integral, inclusive
de lei Nº 85 do Senado, que à época estava restituição de terras, a algumas das vítimas
sendo debatido no Congresso, seria um do conflito. Embora tenha sido um passo
retrocesso para os direitos humanos: “Se importante no sentido de reconhecer o
adotado, o projeto de lei Nº 85 poderia direito de certas vítimas à reparação, a
prejudicar gravemente a independência e a legislação continuou sendo problemática
imparcialidade do Judiciário [...] Sua adoção e sua implementação pouco avançou. Até
também [...] representaria um sério revés agosto de 2014, haviam sido adjudicados
na prolongada luta que o Estado colombiano somente cerca de 30 mil hectares de terra
vem travando contra a impunidade para a camponeses e apenas um território de 50
casos de violações do direito internacional mil hectares a comunidades indígenas. Os
humanitário e do direito internacional números oficiais indicavam que, no decorrer
dos direitos humanos.” O projeto de lei do conflito, cerca de 8 milhões de hectares
relacionava uma série de crimes que seriam de terras haviam sido abandonados ou
tratados exclusivamente pelo sistema de expropriados.
justiça militar , como homicídios e infrações

Anistia Internacional – Informe 2014/15 91


Pessoas que reivindicam suas terras e ameaçar e assassinar defensores de direitos
quem as representa, inclusive defensores dos humanos foram identificados; muito menos
direitos humanos e funcionários públicos, levados à Justiça.
foram ameaçadas ou mortas, a maioria por Os programas de proteção governamentais,
grupos paramilitares.5Em agosto de 2014, coordenados pela Unidade Nacional de
o Ministério Público estava investigando Proteção (UNP), continuaram a prover
as mortes de pelo menos 35 indivíduos segurança para milhares de indivíduos em
que teriam alguma ligação com restituição perigo, inclusive defensores dos direitos
de terras. No dia 8 de julho, Robinson humanos. Esses programas, porém,
Álvarez Quemba, um topógrafo do órgão padeciam de deficiências graves, como
governamental de restituição de terras, foi atrasos preocupantes na aplicação de
baleado por um agressor não identificado medidas de segurança.
quando trabalhava no município de San Em setembro, a UNP foi abalada por um
Roque, departamento de Antioquia. Ele escândalo de corrupção, no qual funcionários
morreu três dias depois em consequência graduados do órgão, inclusive seu diretor
dos ferimentos. administrativo e seu secretário-geral, foram
acusados de receber suborno das empresas
DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS privadas para as quais a UNP subcontrata
Os defensores dos direitos humanos corriam a maior parte de seu trabalho de proteção.
grave perigo. O escritório colombiano do A UNP também admitiu em setembro
Alto Comissariado da ONU para os Direitos que, devido a um déficit orçamentário, o
Humanos registrou 40 homicídios de órgãos teria que suspender os esquemas de
defensores dos direitos humanos entre proteção de alguns beneficiários.
janeiro e setembro. Em 2013, segundo a
ONG Somos Defensores, 70 defensores VIOLÊNCIA CONTRA
haviam sido mortos. Líderes indígenas e MULHERES E MENINAS
afrodescendentes, ativistas rurais e líderes Todas as partes no conflito praticaram
comunitários estavam entre as vítimas. estupros e outras formas de violência sexual,
Segundo a ONG Escuela Nacional Sindical, sobretudo contra mulheres e meninas. As
20 sindicalistas foram mortos até 11 de autoridades ainda não haviam posto em
dezembro; em 2013, haviam sido pelo prática o Auto 092 de 2008 do Tribunal
menos 27. Constitucional, determinando que as
Esses ataques, assim como o roubo de autoridades pusessem fim a esses crimes e
informações confidenciais, as constantes levassem os responsáveis à Justiça.
ameaças de morte e o mau uso do sistema Em junho, o Presidente Santos promulgou
judicial para mover processos fraudulentos uma lei sobre a violência sexual relativa ao
contra defensores dos direitos humanos, conflito (Lei 1719).7 A legislação definia
prejudicaram o trabalho das organizações de esse tipo de violência como crime de guerra
direitos humanos e fomentaram um clima e crime contra a humanidade. Além disso,
de medo. No final de 2014, as ameaças de tratava de diversas ações específicas que
morte aumentaram. Em setembro e outubro, seguiam sendo praticadas no conflito,
mais de 100 defensores de direitos humanos, como a exploração e a escravidão sexual
líderes comunitários, ativistas pela paz, e a esterilização, a prostituição, o aborto,
lideranças que pleiteavam a reivindicação de a gravidez e a nudez forçadas. De acordo
terras, políticos e jornalistas receberam uma com a lei, casos de genocídio, crimes contra
extensa série de e-mails com ameaças de a humanidade e crimes de guerra são
morte de vários grupos paramilitares.6Apenas imprescritíveis.
alguns poucos indivíduos responsáveis por

92 Anistia Internacional – Informe 2014/15


ASSISTÊNCIA DOS EUA decisão sobre o caso. O governo inicialmente
A assistência dos Estados Unidos à Colômbia se recusou a acatar a requisição e somente
continuou diminuindo. Em 2014, os EUA reverteu sua decisão depois que o Tribunal
alocaram cerca de 214,5 milhões de dólares Constitucional da Colômbia emitiu uma
para ajuda militar e aproximadamente ordem para que a requisição fosse cumprida.
164,9 milhões de dólares para assistência O Conselho de Direitos Humanos da ONU
não-militar à Colômbia, comparados aos adotou o resultado da Revisão Periódica
cerca de 228,6 milhões e 195,9 milhões Universal da Colômbia de setembro de 2013.
respectivamente alocados em 2013. A Anistia Internacional saudou o apoio da
Em setembro de 2014, 25% do total da Colômbia às recomendações de combate à
assistência militar para o ano foram liberados impunidade, mas reiterou suas preocupações
depois que o secretário de Estado dos EUA de que tanto a legislação que amplia o
determinou que o governo colombiano havia escopo da competência militar quanto o
feito progressos no sentido de melhorar os Marco Jurídico para a Paz possam prejudicar
direitos humanos. seriamente os esforços para combater
a impunidade.
ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL
Em seu relatório sobre a situação dos direitos
humanos na Colômbia, publicado em janeiro, 1. Colombia: Open letter to Presidential candidates. Putting human

a Alta Comissária da ONU para os Direitos rights at the heart of the election campaign (AMR 23/014/2014)

Humanos parabenizou o governo colombiano www.amnesty.org/en/library/info/AMR23/014/2014/en

por “sua decidida busca de uma saída 2. Colombia: Two Indigenous leaders killed, third at risk

negociada para o conflito armado interno”, (AMR/23/001/2014)

observando, porém, que todas as partes no www.amnesty.org/en/library/info/AMR23/001/2014/en

conflito continuavam sendo responsáveis por 3. Colombia: Death threats received in “humanitarian zone” (AMR

abusos e violações dos direitos humanos. O 23/016/2014)

relatório afirmou também que a indisposição www.amnesty.org/en/library/info/AMR23/016/2014/en

das instituições estatais “para assumir a 4. Historic Colombia-FARC declaration fails to guarantee victims’ right

responsabilidade por violações de direitos to justice

humanos impede que se consigam novos www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/historic-colombia-

avanços em matéria de direitos humanos”. farc-declaration-fails-guarantee-victims-right-justice-20

Em agosto, a Comissão Interamericana 5. Colombia: Land rights activists threatened in Colombia (AMR

de Direitos Humanos (CIDH) publicou 23/019/2014)

seu relatório sobre a situação dos direitos www.amnesty.org/en/library/info/AMR23/019/2014/en

humanos na Colômbia. O documento 6. Colombia: Mass death threats to human rights defenders (AMR

reconhecia progressos nas negociações de 23/030/2014)

paz, mas observava que o conflito armado www.amnesty.org/en/library/info/AMR23/030/2014/en

ainda causava grave impacto sobre os direitos 7. Colombia: new law aims to address impunity for conflict-related

humanos. O relatório alertava que a situação crimes of sexual violence (AMR 23/24/2014)

dos direitos humanos não poderia ser www.amnesty.org/en/library/info/AMR23/024/2014/en

resolvida sem que se enfrentasse o problema


da impunidade.
Em março, a CIDH requisitou que o
governo colombiano adotasse medidas
cautelares para o prefeito de Bogotá, Gustavo
Petro, e que sua destituição do cargo,
ordenada pelo Ministério Público em janeiro,
fosse suspensa até que a CIDH tomasse uma

Anistia Internacional – Informe 2014/15 93


COREIA DO NORTE O governo tentou obter moeda estrangeira,
inclusive por meio do turismo. Apesar desses
esforços, o Estado se manteve altamente
República Popular Democrática da Coreia sensível a quaisquer ações de visitantes
Chefe de Estado: Kim Jong-un estrangeiros que pudessem ser interpretadas
Chefe de governo: Pak Pong-ju como tentativa de disseminar ideias políticas
ou religiosas não compatíveis com as
promovidas pelo Estado. A liberdade de
A ONU divulgou um relatório minucioso informação era limitada e a internet não era
sobre a situação dos direitos humanos na acessível ao público. Uma rede de "intranet"
República Popular Democrática da Coreia nacional foi criada em seu lugar.
(Coreia do Norte), apresentando detalhes Uma rara demonstração de prestação
sobre a violação sistemática de quase toda de contas por parte do governo ocorreu
a gama de direitos humanos. Centenas de em maio, quando a mídia estatal informou
milhares de pessoas continuaram a ser rapidamente sobre o colapso de um prédio
detidas em campos de prisioneiros e outros de apartamentos na capital, Pyongyang, que
centros de detenção, muitas delas sem matou mais de 300 pessoas. A imprensa
serem acusadas ou julgadas por qualquer estrangeira em Pyongyang informou que os
crime reconhecido internacionalmente. cidadãos expressaram sua raiva frente ao
As liberdades de expressão, de religião incidente, e que o governo emitiu um pedido
e de circulação, dentro e fora do país, de desculpas pelos métodos defeituosos
permaneceram severamente restringidas. de construção.
O destino das pessoas que desapareceram
à força ainda era desconhecido, apesar ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL
de o governo admitir o envolvimento A Comissão de Inquérito da ONU sobre os
de agentes do Estado no sequestro de Direitos Humanos na República Popular
alguns indivíduos. Democrática da Coreia divulgou seu relatório
em fevereiro1. O documento de 372 páginas
INFORMAÇÕES GERAIS apresentou um estudo abrangente de
O terceiro ano do governo de Kim Jong-un "violações sistemáticas, generalizadas e
começou em dezembro de 2013 com o graves dos direitos humanos" e concluiu
célebre julgamento e a execução de Jang que muitas delas constituíam crimes contra
Song-taek, vice-presidente da Comissão a humanidade.
de Defesa Nacional e tio de Kim Jong-un. O relatório foi apresentado em março ao
Acredita-se que isso seja o início de uma Conselho de Direitos Humanos da ONU,
série de expurgos políticos, a fim de que aprovou uma enérgica resolução em
consolidar ainda mais o poder de Kim Jong que manifestava aprovação ao relatório, a
un, embora não tivessem ocorrido, até o final qual recebeu o apoio da maioria dos Estados
de 2014, outras execuções confirmadas de membros do Conselho2.
opositores políticos vinculados a Jang. A Coreia do Norte se submeteu a um
Uma economia privada, oficialmente ilegal, segundo processo de Revisão Periódica
mas tolerada pelo governo, continuou a se Universal (RPU) em maio. O governo estava
expandir, inclusive com pontos privados para mais empenhado do que durante a sua
venda de comida e roupas. Observadores primeira RPU, em 2010, e desta vez deu
temem que a aparente abertura econômica respostas sobre quais recomendações
possa criar maiores disparidades de renda. aceitava, entre elas as medidas relacionadas
Tal abertura não foi acompanhada de melhora ao funcionamento eficaz da ajuda
na situação geral dos direitos humanos. humanitária. No entanto, o governo se

94 Anistia Internacional – Informe 2014/15


recusou a aceitar mais da metade das Antes de serem libertados em novembro,
recomendações, principalmente as que eles haviam iniciado o cumprimento de
pediam a cooperação com a Comissão de uma pena de trabalhos forçados de 15 e
Inquérito e com o relator especial sobre a 6 anos, respectivamente. Em entrevista à
situação dos direitos humanos na República imprensa estrangeira, em agosto, Kenneth
Popular Democrática da Coreia. Também Bae falou sobre o julgamento injusto que
rejeitou as recomendações para fechar recebeu, bem como sobre a deterioração de
seus campos de prisioneiros políticos e sua saúde enquanto estava no campo de
para permitir que as vítimas estrangeiras de trabalho forçado.
desaparecimento forçado possam regressar
livremente aos seus países de origem3. LIBERDADE DE RELIGIÃO
Em dezembro, a Assembleia Geral da A prática de qualquer religião continuou
ONU aprovou uma resolução enérgica a ser severamente restringida. Segundo
recomendando o encaminhamento da informações, tanto cidadãos da Coreia
situação dos direitos humanos na Coreia do do Norte quanto estrangeiros receberam
Norte para o Tribunal Penal Internacional. pesadas punições pelo exercício da liberdade
de religião, inclusive detenção em campos de
PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS prisioneiros.
Centenas de milhares de pessoas John Short, um missionário australiano, foi
permaneciam detidas em campos para preso por promover suas crenças religiosas,
presos políticos e outras instalações de sendo deportado em março depois de pedir
detenção, onde foram submetidas a desculpas publicamente. Kim Jung-wook,
violações dos direitos humanos sistemáticas, um missionário da Coreia do Sul, foi detido
generalizadas e graves, tais como execuções por mais de seis meses sem acesso a um
extrajudiciais, tortura e outros maus-tratos, advogado, antes de ser condenado pela
como espancamentos, longos períodos de criação de uma igreja clandestina e por
trabalho brutal forçado sem descanso e espionagem. Ele foi condenado à prisão
privação de alimentos. perpétua com trabalhos forçados.
Muitos dos detidos nos campos Jeffrey Fowle, um turista dos EUA, foi preso
de presos políticos não haviam sido em maio por ter deixado uma bíblia em um
condenados por qualquer crime reconhecido clube de Chongjin. Ele ficou detido por mais
internacionalmente, mas eram parentes de cinco meses sem julgamento, antes de ser
de pessoas consideradas uma ameaça libertado em outubro.
ao governo. Eles foram detidos sem um
julgamento justo, exclusivamente por "culpa LIBERDADE DE EXPRESSÃO
por associação". As autoridades continuaram a impor
O governo continuou a negar a existência severas restrições ao exercício do direito
de campos de presos políticos, ainda que à liberdade de expressão, de opinião e de
imagens de satélite mostrem não só sua reunião pacífica. Ao que parece, não existem
presença, mas também a expansão de alguns quaisquer organizações da sociedade civil,
dos campos em curso desde o final de 2013. jornais ou partidos políticos independentes.
Tanto os norte-coreanos quanto os Os norte-coreanos são alvo de vigilância
cidadãos estrangeiros foram submetidos estrita por parte das autoridades para evitar a
a detenções arbitrárias após julgamentos posse de materiais da imprensa estrangeira,
injustos. Kenneth Bae e Matthew Todd e podem ser punidos por ouvir, ver ou ler
Miller, ambos cidadãos estadunidenses, tais materiais.
foram condenados por "atos hostis" ao
regime em 2013 e 2014, respectivamente.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 95


LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO foram sequestrados no Japão por agentes de
Os controles nas fronteiras continuaram segurança norte-coreanos.
fortes. O número de pessoas que
conseguiram chegar à Coreia do Sul depois DIREITO À ALIMENTAÇÃO
de fugir do norte, permaneceu baixo em 2012 O Programa Mundial de Alimentos informou
e 2013, se comparado aos anos anteriores. em setembro que a situação alimentar da
A dificuldade em atravessar a fronteira Coreia do Norte era "grave". Apesar das
aumentou, de acordo com a imprensa da colheitas melhores nos dois anos anteriores,
Coreia do Sul, por conta da utilização de um período de seca em 2014 levou a uma
tecnologia de vigilância reforçada, como redução das rações de alimentos, que,
a utilização de equipamentos concebidos em agosto, passaram de 410 para apenas
para impedir os cidadãos de usar telefones 250 gramas por pessoa. Essa medida foi
celulares chineses ao longo da fronteira. percebida, de modo geral, como uma
O uso de celulares para os cidadãos indicação de iminente escassez de alimentos.
permaneceu restrito a uma rede local fechada As últimas estatísticas revelaram que as
dentro da Coreia do Norte. taxas de desnutrição crônica permaneceram
Um grupo de aproximadamente 29 relativamente altas em 2013, afetando
pessoas, entre elas um bebê de um ano de uma em cada quatro crianças menores de
idade, foi repatriado à força para a Coreia do cinco anos.
Norte no início de agosto depois de ser detido Embora a Coreia do Norte tenha recebido
na China. Embora não se saiba se as pessoas assistência humanitária do Programa
foram acusadas formalmente por cruzar a Mundial de Alimentos e de outras agências
fronteira de modo ilegal, elas correm o risco humanitárias, o governo não permitiu
de ser presas e de sofrer tortura ou outros que essas agências pudessem ampliar a
maus-tratos, inclusive trabalhos forçados, se assistência a algumas das comunidades
tais acusações forem feitas contra elas. mais vulneráveis. Continuaram sendo
impostas restrições a quem buscasse
DESAPARECIMENTOS FORÇADOS monitorar a entrega de ajuda alimentar a
Em agosto, o Grupo de Trabalho da ONU determinados grupos.
sobre Desaparecimentos Forçados ou
Involuntários pediu à República Popular
Democrática da Coreia uma confirmação 1. North Korea: UN Security Council must act on crimes against

sobre o destino de 47 pessoas que se sabe humanity (Press Release)

terem sido sequestradas em solo estrangeiro www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/north-korea-un-

por agentes de segurança norte-coreanos, e security-council-must-act-crimes-against-humanity-2014-02-17

que posteriormente desapareceram. Eram, na 2. North Korea: UN vote a positive step to end crimes against humanity

maioria, da Coreia do Sul. (Press Release)

Em maio, o governo esteve envolvido www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/north-korea-un-vote-

em reuniões com o Japão para abordar positive-step-end-crimes-against-humanity-2014-03-28

a questão dos sequestros, tendo criado 3. Urgent need for accountability and cooperation with the international

uma comissão especial para investigar community by North Korea (ASA 24/006/2014)

novamente os casos de cidadãos japoneses www.amnesty.org/en/library/info/ASA24/006/2014/en

sequestrados nas décadas de 1970 e 1980.


Porém, o relatório inicial do novo inquérito
foi rejeitado pelo Japão, uma vez que não
continha qualquer informação nova sobre os
12 cidadãos japoneses que, de acordo com
o reconhecimento oficial da Coreia do Norte,

96 Anistia Internacional – Informe 2014/15


CUBA penais por motivos políticos. O sistema
judicial permaneceu sob rigoroso controle
político, comprometendo seriamente o direito
REPÚBLICA DE CUBA a um julgamento em tribunal independente
Chefe de Estado e de governo: Raúl Castro Ruz e imparcial.
Críticos do governo, jornalistas
independentes e ativistas de direitos
As liberdades de expressão, de associação e humanos com frequência foram detidos
de reunião continuaram sendo reprimidas. por exercerem seus direitos à liberdade
O número de detenções breves aumentou de expressão, de associação, de reunião
de forma acentuada e as ações penais por e de circulação. Ativistas foram detidos
motivos políticos prosseguiram. de modo preventivo para impedi-los de
participar de manifestações públicas ou de
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES eventos privados.
Emendas à Lei de Migração, que passou Aumentaram os relatos sobre críticos do
a vigorar em janeiro de 2013, facilitaram governo que foram ameaçados e agredidos
a todos os cubanos as viagens ao exterior. fisicamente por atores estatais ou indivíduos
Embora os críticos do governo tenham pagos por eles.
obtido permissão para viajar ao exterior sem Em junho de 2014, Roberto de Jesús
empecilhos, há relatos de que documentos Guerra Pérez, direitor da agência de notícias
e outros materiais foram confiscados quando independente Hablemos Press, recebeu
eles retornaram ao país. ligações telefônicas ameaçadoras e foi
Até o fim do ano, Cuba ainda não havia agredido nas ruas da capital, Havana, por um
ratificado o Pacto Internacional sobre Direitos homem não identificado, em circunstâncias
Civis e Políticos nem o Pacto Internacional que ele acredita serem tentativas adas
sobre Direitos Econômicos, Sociais e autoridades de dissuadi-lo de prosseguir com
Culturais, ambos assinados em fevereiro de suas atividades jornalísticas.
2008. O governo não respondeu os pedidos O governo continuou a exercer controle
para visitar Cuba feitos pelo relator especial sobre todos os meios de comunicação, e o
da ONU sobre os direitos à liberdade de acesso à informação por meio da internet
reunião pacífica e à liberdade de associação, permaneceu problemático devido a limitações
enviado em outubro de 2013, e do relator técnicas e restrições de conteúdo. Jornalistas
especial da ONU sobre a tortura e outros independententes foram sistematicamente
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou submetidos a hostilidades, intimidações e
degradantes, enviado em março de 2014. detenções por divulgarem informações não
Desde 1990 as autoridades cubanas não sancionadas pelo aparato oficial.
permitem que a Anistia Internacional visite Em maio, a blogueira Yoani Sánchez e
o país. seu marido lançaram um site de notícias na
internet chamado “14 y medio”. Logo após
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, o lançamento, o site foi invadido e, quando
ASSOCIAÇÃO, REUNIÃO E CIRCULAÇÃO acessado a partir de Cuda, direcionava o
As críticas ao governo continuaram sendo usuário a uma página com propaganda
reprimidas e rotineiramete punidas de várias contra Yoani Sánchez.
formas, inclusive por meio de detenções
breves, “atos de repúdio” (manifestações PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA
lideradas por apoiadores do governo, com No fim do ano, cinco prisioneiros de
participação de agentes de segurança consciência continuavam encarcerados
estatais), intimidações, hostilidades e ações somente por exercerem pacificamente seu

Anistia Internacional – Informe 2014/15 97


direito à liberdade de expressão. Três deles, pressão para não viajarem a Havana durante
os irmãos Alexeis, Vianco e Django Vargas a segunda cúpula da Comunidade de Estados
Martín, ainda não haviam sido sentenciados, Latino-Americanos e Caribenhos, entre os
apesar de julgados em junho de 2014, dias 28 e 29 de janeiro. Em consequência
acusados de “desordem pública de natureza das detenções e de uma onda de
contínua”. Eles estavam sujeitos a penas de intimidações, vários encontros paralelos que
três a cinco anos de prisão.1 estavam programados para os dias da cúpula
Os artigos 72-90 do Código Penal, tiveram que ser cancelados.2
que criminalizam a “periculosidade” e Até o fim do ano, a integrante do Damas
punem pessoas que se considere terem de Branco Sonia Garro Alfonso, seu marido
probabilidade de cometer um crime no Ramón Alejandro Muñoz González, e o
futuro, foram cada vez mais utilizados como dissidente Eugenio Hernández Hernández,
recurso para encarcerar críticos do governo. haviam passado, individualmente, mais de
Os prisioneiros de consciência Emilio Planas dois anos e meio na prisão sem julgamento.
Robert e Iván Fernández Depestre foram Eles foram detidos em março de 2012
sentenciados, respectivamente, a três anos e durante a visita do Papa Bento XVI, acusados
meio e a três anos de prisão, em outubro de de agressão, perturbação da ordem pública e
2012 e agosto de 2013, por “periculosidade”. tentativa de homicídio.
Emilio Planas Robert foi acusado de colar
cartazes com frases “contra o governo” na EMBARGO DOS ESTADOS
cidade de Guantánamo. UNIDOS A CUBA
Apesar da flexibilização das restrições às Em setembro, os Estados Unidos renovaram
viagens, 12 ex-prisioneiros de consciência, a Lei de Comércio com o Inimigo, que impõe
que foram presos no contexto da grande sanções econômicas e financeiras a Cuba e
repressão de 2003 e libertados em 2011, não proíbe cidadãos estadunidenses de viajar ou
tiveram permissão de viajar ao exterior, uma se envolver em atividades econômicas com a
vez que cumpriam penas em regime aberto. ilha. Em outubro de 2014, a Assembleia Geral
da ONU adotou, pelo 23º ano consecutivo,
PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS uma resolução requerendo que os EUA
Detenções arbitrárias por períodos breves suspendam seu embargo unilateral.
foram cada vez mais utilizadas como tática
para silenciar as opiniões divergentes. A
Comissão Cubana de Direitos Humanos e 1. Cuba: Sentencing of three brothers postponed (AMR 25/003/2014)

Reconciliação Nacional (CCDHRN) registrou www.amnesty.org/en/library/info/AMR25/003/2014/en

6.556 detenções breves por motivos políticos 2. Cuba steps up repression on the eve of the CELAC summit (Press

até o fim de julho, um aumento de 175% Release, 27 de janeiro de 2014)

com relação ao mesmo período de 2013. www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/cuba-steps-

Integrantes da organização independente repression-eve-celac-summit-2014-01-27

da sociedade civil Damas de Branco


enfrentaram constantes hostilidades. Todos os
domingos, dezenas de membros da entidade
eram detidas por várias horas a fim de
impedi-las de viajar para participar de missas
e fazer passeatas pacíficas. A organização
informou que 1.810 de seus membros foram
detidos em 2013.
Dezenas de críticos do governo foram
detidos de modo arbitrário ou sofreram

98 Anistia Internacional – Informe 2014/15


EGITO governo reprimiu a expressão livre, ampliou
a jurisdição de tribunais militares para que
pudessem julgar civis e permitiu que as
República Árabe do Egito forças de segurança usassem tortura e força
Chefe de Estado: Abdel Fattah al-Sisi (sucedeu excessiva com impunidade.
Adly Mansour em junho) Mais de 1.400 pessoas foram mortas nos
Chefe de governo: Ibrahim Mahlab (sucedeu Hazem protestos ocorridos entre julho de 2013,
Beblawi em março) quando Mohamed Morsi foi afastado da
Presidência, e o final de 2014. A grande
maioria foi morta pelas forças de segurança
O ano foi marcado por uma deterioração que dispersaram os protestos pacíficos dos
contínua e dramática na situação dos apoiadores de Morsi nas praças Rabaa
direitos humanos após o afastamento do al-Adawiya e Al Nahda na Grande Cairo, em
presidente Mohamed Morsi em julho de 14 de agosto de 2013. A repressão também
2013. O governo limitou severamente as levou à prisão, detenção ou encarceramento
liberdades de expressão, associação e de pelo menos 16.000 pessoas, de acordo
reunião. Milhares foram presos e detidos com estimativas oficiais publicadas pela
como parte de uma ampla repressão aos agência de notícias Associated Press. O grupo
dissidentes, com alguns detidos sendo ativista Wikithawra calculou depois que mais
submetidos a desaparecimentos forçados. de 40.000 pessoas haviam sido detidas, ou
A Irmandade Muçulmana continuou acusadas ou indiciadas. A maioria delas era
banida e seus líderes foram detidos e de apoiadores da Irmandade Muçulmana,
encarcerados. Tortura e outros maus-tratos mas também foram detidos ativistas de
de detentos continuaram sendo rotina esquerda e seculares, além de outros críticos
e foram cometidos com impunidade. do governo.
Centenas foram condenados à prisão ou Um aumento dos ataques letais contra
à morte após julgamentos flagrantemente forças de segurança por grupos armados
injustos. As forças de segurança usaram levou à morte de pelo menos 445 soldados
força excessiva contra manifestantes e agentes de segurança, segundo as
e cometeram assassinatos ilegais com declarações oficiais. A maioria dos ataques
impunidade. As mulheres enfrentaram ocorreu no Sinai, onde pelo menos 238
discriminação e violência. Alguns refugiados agentes das forças de segurança foram
foram repatriados à força. Continuaram as mortos. Depois de novos ataques em outubro,
remoções forçadas. Dezenas de pessoas o governo declarou estado de emergência no
enfrentaram processos e prisão por sua norte do Sinai, impôs um toque de recolher,
orientação ou identidade sexual. Os fechou a fronteira do Egito com Gaza e
tribunais impuseram centenas de penas de começou a construir ao longo dela uma zona
morte; as primeiras execuções desde 2011 de “segurança”. Reforços militares lançaram
foram realizadas em junho. uma operação “pente fino” para identificar o
que chamaram de “militantes” na população
INFORMAÇÕES GERAIS local, criando um risco de mais violações de
O ex-chefe do Exército Abdel Fattah direitos humanos.1
al-Sisi foi eleito presidente em maio. Ele
assumiu o poder em junho, e em setembro ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL
se comprometeu a defender a liberdade Membros do Conselho de Direitos Humanos
de expressão, a independência judicial da ONU examinaram em novembro a
e o Estado de direito, em um discurso à situação dos direitos humanos do Egito
Assembleia Geral da ONU. Na prática, seu conforme o mecanismo de Revisão Periódica

Anistia Internacional – Informe 2014/15 99


Universal (RPU) da ONU, recomendando que que julgou que alguns de seus membros
as autoridades combatessem a tortura e o uso tinham cometido delitos que iriam “perturbar
excessivo de força pelas forças de segurança, a paz e a ordem pública”.
e que abolissem as restrições à sociedade Em agosto, um tribunal dissolveu o
civil. Com a exceção da RPU, o Egito de Partido da Liberdade e da Justiça, que foi
modo geral evadiu o escrutínio internacional, fundado pela Irmandade Muçulmana e havia
apesar da deterioração da situação dos conquistado o maior número de cadeiras nas
direitos humanos no país. eleições parlamentares de 2012 no Egito.
Organizações de direitos humanos
LIBERDADE DE EXPRESSÃO enfrentaram ameaças de fechamento e
As autoridades perseguiram pessoas que processos criminais, forçando muitos ativistas
criticaram o governo ou expressaram a reduzir seu trabalho ou deixar o país. Em
divergência. Os profissionais da imprensa julho, o Ministério da Solidariedade Social
que documentaram violações de direitos deu às ONGs um prazo de 45 dias, depois
ou questionaram a narrativa política estendido até novembro, para se registrar sob
das autoridades, enfrentaram prisões a repressiva Lei de Associações (Lei 84 de
e acusações. Jornalistas que relataram 2002), avisando que iria processar os grupos
atividades do exército passaram por que não se registrassem. Após as críticas de
julgamentos injustos em tribunais militares.2 outros Estados durante a Revisão Periódica
Em junho, um tribunal no Cairo condenou Universal do Egito, o Ministério anunciou que
três membros da equipe da estação de lidaria com as ONGs caso a caso.
televisão Al Jazeera English a penas de 7 As autoridades interromperam as
a 10 anos de prisão após um julgamento atividades pacíficas de ONGs, invadindo
totalmente injusto. O tribunal condenou os escritórios em Alexandria do Centro
Mohamed Fahmy, de dupla cidadania Egípcio para os Direitos Econômicos e
canadense-egípcia, Peter Greste, australiano, Sociais, em maio, quando promoviam uma
e Baher Mohamed, egípcio, sob acusações conferência para apoiar ativistas de direitos
que incluíam auxiliar a Irmandade humanos detidos.
Muçulmana e relatar notícias “falsas”. A Em setembro, o governo emendou o
Promotoria não apresentou nenhuma prova Código Penal para proibir o financiamento
material contra eles, ou contra quaisquer de atos prejudiciais ao interesse nacional
outros profissionais da imprensa que foram do Egito, sua integridade territorial ou a paz
julgados in absentia. pública. O governo também propôs uma
Algumas pessoas enfrentaram processo nova Lei de Associações que, se promulgada,
e prisão por acusações de “fomentar daria às autoridades poderes adicionais para
conflitos sectários” e/ou “difamar a religião”. negar às ONGs registro legal e restringir suas
As autoridades também aumentaram o atividades e arrecadação de fundos.
monitoramento das mídias sociais. Em novembro, o conselho de ministros
aprovou um projeto de lei que, se aprovado,
LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO daria às autoridades amplos poderes para
As autoridades fecharam grupos ligados à classificar organizações como entidades
banida Irmandade Muçulmana e a outros terroristas.
centros de oposição, e impuseram novas
restrições onerosas às organizações de LIBERDADE DE REUNIÃO
direitos humanos. Forças de segurança suprimiram
Em abril, o Movimento de Juventude 6 de implacavelmente os protestos e tribunais
Abril, um dos grupos ativistas que liderou as condenaram dezenas de pessoas por
revoltas de 2011, foi banido por um tribunal protestar sem autorização, entre elas

100 Anistia Internacional – Informe 2014/15


apoiadores de Mohamed Morsi, ativistas por até 90 dias, sem controle judicial, e
proeminentes da oposição e ativistas de sofreram tortura e outros maus-tratos nas
esquerda e de direitos humanos.3 As mãos dos serviços de inteligência militar e da
autoridades continuaram a aplicar aos Agência de Segurança Nacional (ASN) para
protestos a Lei 107 de 2013, que exige extrair “confissões”. Promotores públicos
que manifestações obtenham autorização disseram às famílias dos desaparecidos
prévia; as forças de segurança usaram força que eles não tinham competência sobre
excessiva contra manifestantes pacíficos. prisões militares.
As universitárias Abrar Al-Anany e
Menatalla Moustafa, e uma professora, TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
Yousra Elkhateeb, foram condenadas em A tortura e outros maus-tratos a suspeitos
maio a penas de 2 a 6 anos de prisão por de crimes foram usados rotineiramente
protestar pacificamente na Universidade para extrair confissões e punir e humilhar
de Mansoura. os suspeitos, o que teria provocado a morte
Em novembro, um tribunal de Alexandria de vários detentos. Funcionários da ASN
condenou 78 menores a penas de 2 a 5 submetiam a abusos principalmente os
anos de prisão por terem participado de membros e os supostos apoiadores da
um protesto não autorizado em apoio a Irmandade Muçulmana, alguns dos quais
Mohamed Morsi. detiveram e supostamente torturaram em
locais de detenção não oficiais, como os
PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS próprios escritórios da ASN em todo o país.
Milhares de supostos ou reais oponentes Os métodos comumente relatados
do governo foram presos em protestos, de tortura incluíam choques elétricos
em casa ou nas ruas. Muitos não foram nos genitais e outras áreas sensíveis,
informados do motivo da prisão e foram espancamento, suspensão pelos braços
detidos arbitrariamente e mantidos em algemados às costas, posições de estresse
detenção provisória por períodos que às vezes e estupro.
excederam um ano, ou foram levados aos O universitário Omar Gamal El Shewiekh
tribunais e condenados a penas longas após disse que os agentes de segurança o
julgamentos injustos. Muitos também foram prenderam e torturaram depois que ele
espancados ou maltratados no momento da participou de um protesto no Cairo em
prisão ou durante a detenção. Em alguns março. Ele disse que os agentes da ASN o
casos, se a pessoa procurada não estivesse submeteram a choques elétricos e inseriram
presente, as forças de segurança levavam repetidamente objetos no seu ânus até
familiares ou amigos. ele “confessar” os supostos crimes em
vídeo. Em maio, um tribunal o condenou
DESAPARECIMENTOS FORÇADOS a cinco anos de prisão com base em sua
Alguns detentos foram submetidos a “confissão” forçada.
desaparecimentos forçados e mantidos em Mortes de detentos foram relatadas,
detenção secreta na Prisão Azouly, dentro do algumas podendo aparentemente ser
acampamento militar Al Galaa em Ismailia, atribuídas à tortura ou outros maus-tratos, ou
130 km a nordeste do Cairo. Os detidos foram às más condições nas delegacias de polícia.4
mantidos em Al Galaa sem reconhecimento Ezzat Abdel Fattah morreu em maio na
oficial, e lhes foi negado acesso a advogados delegacia de Mattareya, no Cairo. A autópsia
e familiares. As pessoas detidas, que incluíam conduzida pelas autoridades forenses
supostos líderes de protestos e indivíduos descobriu que ele sofreu ferimentos que
acusados de crimes relacionados ao incluíam nove costelas quebradas, cortes e
terrorismo, foram mantidas no acampamento concussão cerebral.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 101


As autoridades não conduziram de julgamentos totalmente injustos, muitas
investigações genuínas sobre denúncias de vezes por acusações forjadas. Os tribunais
tortura. Quando os promotores investigavam, também condenaram menores à morte, em
geralmente arquivavam os processos contravenção ao direito internacional e à
alegando falta de provas. Em alguns casos, as legislação egípcia.
vítimas e suas famílias disseram que a polícia O ex-presidente Mohamed Morsi enfrentou
os ameaçou para que retirassem as queixas quatro julgamentos, inclusive por crimes
de tortura. sujeitos à pena capital. Outros membros
graduados da Irmandade Muçulmana foram
IMPUNIDADE encarcerados e condenados à morte.
O sistema de justiça criminal não Os j ulgamentos em tribunais penais foram
responsabilizou nenhum membro das repletos de violaç ões a o devido processo
forças de segurança por graves violações legal . Alguns julgamentos procederam na
dos direitos humanos cometidas durante as ausência dos réus e de seus advogados.
revoltas de 2013, incluindo os assassinatos Em outros, os juízes impediram os réus ou
em massa de manifestantes pró-Morsi nas seus advogados de apresentar provas em
praças Rabaa al-Adawiya e Al Nahda, em defesa própria ou interrogar testemunhas
14 de agosto de 2013. Em 7 de junho, um da acusação . Em muitos casos, os tribunais
tribunal de recursos anulou os veredictos condenaram os réus apesar da ausência de
contra quatro policiais considerados culpados provas substanciais contra eles.
de matar 37 detentos em agosto de 2013. Muitos julgamentos foram conduzidos
Um tribunal que submetia o ex-presidente dentro do Instituto de Polícia de Tora,
Hosni Mubarak a novo julgamento, por adjacente ao complexo penitenciário de Tora,
acusações de matar manifestantes durante e as famílias e os meios de comunicação
as revoltas de 2011, rejeitou o caso em independentes foram impedidos de assisti-
novembro por uma tecnicalidade jurídica. O los. Os réus também não puderam se
ministro do Interior de Mubarak e diversos comunicar com seus advogados durante
agentes de segurança também foram as sessões do tribunal porque estavam
absolvidos das mesmas acusações. confinados atrás de uma tela de vidro escura.
Um comitê de investigação nomeado O Ministério Público deixou cada vez
pelo governo, estabelecido depois que as mais de determinar responsabilidade
forças de segurança mataram centenas de s penais individuais e , ao invés disso ,
manifestantes em 14 de agosto de 2013, formulou acusações idênticas contra grupos
anunciou suas descobertas em novembro. de réus , baseando-se fortemente em
Ignorando as disparidades no número de relatórios e testemunhos da polícia e das
mortes entre as forças de segurança e forças de segurança. A imparcialidade e a
entre os manifestantes, concluiu que os independência das investigações , portanto,
manifestantes tinham começado a violência. tornaram-se objeto de questionamento .
O comitê minimizou as violações cometidas Em outubro, o Presidente al-Sisi decretou
pelas forças de segurança, meramente que os tribunais militares podiam julgar
recomendando que recebessem treinamento civis por delitos contra “instalações públicas
sobre o policiamento de manifestações. vitais”. Temia-se que a decisão levasse a um
retorno dos injustos julgamentos coletivos
JULGAMENTOS INJUSTOS de civis em tribunais militares, inclusive de
Tribunais de todo o país condenaram manifestantes pacíficos e de estudantes
centenas de ativistas da Irmandade universitários.
Muçulmana e outros ativistas da oposição
a longas penas de prisão ou à morte depois

102 Anistia Internacional – Informe 2014/15


DIREITOS DAS MULHERES particular, relataram novos ataques sectários
As mulheres continuaram a sofrer e tiveram restrições para construir e manter
discriminação na lei e na prática, sendo seus locais de culto.
expostas a altos níveis de violência de gênero.
Em junho, o presidente Adly Mansour, DIREITO À MORADIA –
pouco antes de terminar seu mandato, REMOÇÕES FORÇADAS
aprovou uma lei para combater o assédio As forças de segurança removeram
sexual. Novas agressões sexuais cometidas forçosamente milhares de pessoas de suas
por multidões de homens contra mulheres casas no Cairo e em Rafah, sem informá-
na Praça Tahrir, no centro do Cairo, durante las previamente nem oferecer habitações
a posse do presidente al-Sisi, levaram o novo alternativas ou compensação adequada.5
governo a prometer que tomaria providências
a esse respeito. As autoridades anunciaram DIREITOS DE REFUGIADOS
medidas para combater a violência contra E MIGRANTES
a mulher, como melhores práticas policiais As autoridades não respeitaram os direitos de
e campanhas públicas de conscientização; refugiados, solicitantes de asilo e migrantes.
entretanto, essas medidas não haviam se Em agosto, repatriaram à força 13 refugiados
materializado até o fim do ano. palestinos à Síria, além de 180 sírios à Síria,
Direitos de lésbicas, gays, bissexuais, ao Líbano e à Turquia. Pelo menos seis foram
transgêneros e intersexuais enviados de volta a Gaza em dezembro.
Homens suspeitos de ter relações sexuais Outros refugiados da Síria foram presos de
consensuais com outros homens, assim como modo arbitrário e detidos ilegalmente.
transgêneros, enfrentaram prisão e processos As forças de segurança prenderam
por prostituição e acusações de imoralidade refugiados, requerentes de asilo e migrantes
pública sob a Lei de Depravação (Lei 10 de que tentavam entrar ou sair do Egito
1961). As autoridades submeteram alguns irregularmente, às vezes usando força
deles a exames anais forçados, os quais excessiva. Grupos criminosos operando
violam a proibição de tortura e outros maus- no Sinai supostamente também detiveram
tratos. refugiados, requerentes de asilo e migrantes.
As forças de segurança prenderam mais
de 30 homens durante uma batida a uma PENA DE MORTE
casa de banho no Cairo em novembro, e o A pena de morte foi usada numa escala
julgamento de 26 deles por “depravação” sem precedentes. Os tribunais impuseram
começou em dezembro. penas capitais, muitas in absentia, após
Em outro caso, oito homens foram julgamentos totalmente injustos. A maior
condenados em novembro a três anos de parte dos sentenciados foi condenada por ter
prisão por terem assistido a um suposto participado de violência durante os distúrbios
casamento de pessoas do mesmo sexo a políticos em 2013. Dentre eles estavam
bordo de um barco no Nilo. Em dezembro, muitos membros e apoiadores da Irmandade
um tribunal de recursos reduziu essa pena Muçulmana. As primeiras execuções desde
para um ano. 2011 foram realizadas em junho.
Um tribunal de El Minya, no Alto Egito,
DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS condenou à morte 37 réus em abril, incluindo
RELIGIOSAS pelo menos dois menores, e mais 183 em
As autoridades não combateram a junho, após julgamentos flagrantemente
discriminação contra minorias religiosas, injustos. Eles foram acusados de ataques
como cristãos coptas, muçulmanos xiitas, e contra delegacias de polícia em 20136. O
baha’-ís. Comunidades de cristãos coptas, em tribunal recomendou a pena de morte para

Anistia Internacional – Informe 2014/15 103


mais de 1.200 réus, mas reverteu a decisão 1980-1992 persistiu, apesar de algumas
após consultar o grande mufti, um processo medidas tomadas para combatê-la.
que, segundo a legislação egípcia, deve
ocorrer antes que um tribunal pronuncie INFORMAÇÕES GERAIS
formalmente a sentença. O presidente Sánchez Cerén, da Frente
Farabundo Martí de Libertação Nacional,
tomou posse.
1. Egypt: End wave of home demolitions, forced evictions in Sinai amid Houve um aumento acentuado dos
media blackout (News story) crimes violentos. Fontes oficiais registraram
www.amnesty.org/en/news/egypt-end-wave-home-demolitions- 1.857 homicídios nos primeiros seis meses
forced-evictions-sinai-amid-media-blackout-2014-11-27 de 2014; o número referente ao mesmo
2. Egypt: End military trial of journalists (News story) período de 2013 foi 1.048. Acredita-se que o
www.amnesty.org/en/news/egypt-end-military-trial- aumento se deva ao suposto rompimento de
journalists-2014-02-25 uma trégua entre gangues criminosas rivais.
3. ‘The walls of the cell were smeared with blood’ – third anniversary of Em junho, a Assembléia Legislativa
Egypt’s uprising marred by police brutality (News story) ratificou emendas à Constituição
www.amnesty.org/en/news/walls-cell-were-smeared-blood-third- reconhecendo formalmente os direitos dos
anniversary-egypt-s-uprising-marred-police-brutality-2014-0 povos indígenas e as obrigações do Estado de
4. Egypt: Rampant torture, arbitrary arrests and detentions signal fazê-los valer.
catastrophic decline in human rights one year after ousting of Morsi A ratificação de acordos internacionais
(NWS 11/125/2014) fundamentais, como a Convenção n° 169
www.amnesty.org/en/news/egypt-anniversary-morsi- da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais,
ousting-2014-07-02 o Estatuto de Roma do Tribunal Penal
5. Egypt: Further information: Evicted families attacked by security Internacional, o Protocolo Facultativo à
forces (MDE 12/011/2014) Convenção contra a Tortura, a Convenção
www.amnesty.org/en/library/info/MDE12/011/2014/en Internacional para a Proteção de Todas as
6. Egypt sentences a further 183 people to death in new purge of Pessoas contra Desaparecimentos Forçados
political opposition (NWS 11/117/2014) e a Convenção Interamericana sobre o
www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/egypt-sentences- Desaparecimento Forçado de Pessoas ainda
further-183-people-death-new-purge-political-opposition-201 não havia sido efetuada até o fim do ano.
Durante o exame da situação dos direitos
humanos em El Salvador, em virtude da
Revisão Periódica Universal da ONU, em

EL SALVADOR outubro de 2014, os Estados fizeram um


apelo para que o país ratificasse esses
instrumentos internacionais. Diversos Estados
REPÚBLICA DE EL SALVADOR também recomendaram que El Salvador
Chefe de Estado e de governo: Salvador Sánchez descriminalize o aborto e disponibilize abortos
Cerén (sucedeu Carlos Mauricio Funes Cartagena seguros, sobretudo nos casos em que a vida
em junho) ou a saúde da mulher esteja em risco ou
quando a gravidez tenha resultado de incesto
ou estupro. Dois Estados recomendaram
A proibição absoluta do aborto se manteve ainda que as mulheres encarceradas por
e a legislação para combater a violência terem feito aborto ou por terem sofrido aborto
contra as mulheres foi pouco aplicada. A espontâneo sejam libertadas. El Salvador
impunidade pelas violações de direitos respondeu que examinaria as recomendações
humanos cometidas durante o conflito de e apresentaria uma resposta na próxima

104 Anistia Internacional – Informe 2014/15


sessão do Conselho de Direitos Humanos de requisitar o tratamento médico de que
em 2015. necessitava, e após 23 semanas de gravidez,
Betariz pôde fazer uma cesareana. O feto
DIREITOS DAS MULHERES sobreviveu apenas algumas horas.
Entre janeiro e setembro, a polícia registrou Em abril, depois de esgotar outras vias
216 homicídios de mulheres, enquanto legais, a ONG Agrupación Ciudadana por
durante todo a ano de 2013 foram registrados la Despenalización del Aborto Terapeútico,
215.1 Esses números indicam que a violência Ético y Eugenésico apresentou uma petição
contra as mulheres voltou a crescer depois requerendo o indulto do Estado para 17
de um período de diminuição contínua mulheres que haviam sido encarceradas
desde 2011. Apesar de alguns bem-vindos por motivos relacionados à gravidez. Elas
progressos na aplicação da Lei Especial cumpriam penas de até 40 anos de prisão
Integral para uma Vida Livre de Violência por homicídio doloso, tendo sido inicialmente
para as Mulheres, de 2012, poucos casos de indiciadas por fazer aborto. Seus casos
homicío foram processados como crime de suscitaram sérias preocupações relativas ao
feminicídio motivado por gênero. direito à não-discriminação e aos direitos ao
No fim de 2014, a base de dados unificada devido processo e a um julgamento justo,
para registrar a violência contra mulheres, inclusive o direito a uma defesa judicial
prescrita na Lei Especial de 2012, ainda não efetiva. No fim de 2014, os processos ainda
estava funcionando, e havia somente um não haviam sido concluídos; o Congresso
abrigo público para mulheres que precisam aguardava as recomendações da Suprema
escapar de parceiros violentos. Corte de Justiça antes de se pronunciar.
No relatório que apesentou às Nações
Unidas em 2014 sobre os avanços IMPUNIDADE
alcançados com relação aos Objetivos de A Lei de Anistia de 1993, que por mais de
Desenvolvimento do Milênio, o governo duas décadas tem assegurado a impunidade
reconheceu que a proibição absoluta do dos responsáveis pelas violações de direitos
aborto estava prejudicando os esforços para humanos cometidas durante o conflito de
reduzir a mortalidade materna. Mesmo assim, 1980-1992, continuou em vigor.
a proibição total do aborto ainda vigorava no Tutela Legal, a divisão de direitos humanos
fim de 2014. O governo também reconheceu do Arcebispado Católico, foi fechada sem
que fatores “sócioculturais” e econômicos, aviso em setembro de 2013. Temia-se que
a falta de acesso a anticoncepcionais e a seu extenso arquivo de evidências relativas
prevalência da violência contra mulheres a casos de direitos humanos não resolvidos
e meninas impediam que os objetivos da época do conflito armado interno
fossem alcançados. pudesse não ser preservado. Sobreviventes
Em dezembro de 2013, organizações de e familiares das vítimas apresentaram uma
direitos humanos apresentaram uma petição contestação por meio de habeas corpus
à Comissão Interamericana de Direitos para ter acesso aos arquivos; o caso ainda
Humanos contra o Estado pelas graves aguardava decisão da Suprema Corte no fim
violações de direitos humanos sofridas por de 2014.
uma mulher de 22 anos conhecida como O escritório da organização de direitos
“Beatriz”. Beatriz, que sofre de lupus, humanos Pro-Búsqueda, que trabalha para
teve negado um pedido de aborto apesar encontrar crianças que foram vítimas de
do risco de vida iminente da gestação e desaparecimento forçado durante os anos
do conhecimento de que o feto, que não de conflito, foi invadido por três homens
tinha partes do cérebro e do crânio, não armados em novembro de 2013. Durante a
sobreviveria fora do útero. Dois meses depois invasão, três funcionários foram mantidos

Anistia Internacional – Informe 2014/15 105


reféns enquanto materiais com informações
eram queimados e computadores com 1. À beira da morte: violência contra as mulheres e a proibição do aborto

dados sensíveis sobre os casos eram em El Salvador (AMR 29/003/2014)

roubados. Os computadores roubados www.anistia.org.br/wp-content/uploads/2014/09/AMR-29_004_2014-

continham informações sobre três casos de El-Salvador-Exe-Summary-POR-WEB.pdf

desaparecimentos forçados que tramitavam 2. El Salvador: Human rights organization’s office attacked (AMR

na Suprema Corte. Dias antes do ataque, 29/011/2013)

militares acusados de envolvimento nos www.amnesty.org/en/library/info/AMR29/011/2013/en

desaparecimentos não compareceram a uma


audiência sobre um dos casos.2
No fim de 2013, o Ministério Público

EQUADOR
reabriu a investigação sobre o massacre de
El Mozote, em 1981, no qual mais de 700
civis, inclusive crianças e idosos, foram
torturados e mortos pelos militares no vilarejo República do Equador
de El Mozote e em povoados vizinhos num Chefe de Estado e de governo: Rafael Vicente
período de três dias. No fim de 2014, a Correa Delgado
investigação prosseguia.
Em outubro de 2013, as autoridades
emitiram um decreto criando um programa Defensores dos direitos humanos e críticos
de reparações para sobreviventes que do governo continuaram sendo atacados
sofreram violações de direitos humanos e desacreditados. O direito dos povos
durante o conflito. indígenas à consulta e ao consentimento
Em fevereiro de 2014, a Suprema Corte livre, prévio e informado não foi cumprido.
ordenou que fosse aberta uma investigação
sobre o massacre de San Francisco Angulo, INFORMAÇÕES GERAIS
no qual 45 pessoas, a maioria mulheres Grandes manifestações contrárias às políticas
e crianças, foram mortas, supostamente governamentais continuaram bastante
por membros do exército, em 1981. A comuns. Em julho, grupos indígenas
investigação prosseguia no fim do ano. realizaram uma marcha até a capital, Quito,
Em agosto, 32 anos após os eventos, o para protestar contra a aprovação de uma
Estado finalmente reconheceu o massacre nova lei que regulamenta os recursos
de El Calabozo, em 1982, quando mais de hídricos, a qual os índios afirmam não
200 pessoas foram mortas pelo exército. atender integralmente suas preocupações.
No entanto, até o fim de 2014, ninguém Em novembro de 2013, a Corte Nacional
havia sido levado à Justiça para responder manteve uma decisão contrária à companhia
pelo crime. petrolífera estadunidense Chevron por
Em outubro, em sua sentença no caso danos ambientais. O tribunal determinou
Rochac Hernandez et al. vs. El Salvador , a que a Chevron pagasse um valor superior
Corte Interamericana de Direitos Humanos a 9,5 bilhões de dólares às comunidades
considerou o Estado responsável por não indígenas da Amazônia que foram afetadas
investigar o desaparecimento forçado de pelo problema. Em março, após uma ação
cinco crianças entre 1980 e 1982, no judicial proposta pela Chevron nos Estados
contexto das operações de contra-insurgência Unidos, uma corte federal do país proibiu que
militar durante o conflito. tribunais estadunidenses fossem usados para
coletar a quantia designada para compensar
os danos ambientais, alegando que a decisão
judicial do tribunal equatoriano fora obtida

106 Anistia Internacional – Informe 2014/15


por meio de corrupção. Em outubro, as vivem os índios Tagaeri e Taromenane,
vítimas dos danos ambientais causados continuaram motivando protestos públicos.
pela Chevron processaram os diretores da Em maio, a Confederação Quíchua do
empresa no Tribunal Penal Internacional. Equador (Ecuarunari), uma das principais
Sessenta pessoas, inclusive seis policiais organizações indígenas do país, ajuizou
acusados de tentar assassinar o Presidente, uma ação no Tribunal Constitucional
foram condenadas por participar de protestos argumentando que o governo não estava
policiais contra cortes nos salários em 2010. cumprindo as medidas cautelares
O governo considerou que os protestos outorgadas pela Comissão Interamericana
constituíam tentativa de golpe. Outras 36 de Direitos Humanos em 2006 em favor
pessoas foram absolvidas. das comunidades indígenas Tagaeri e
Taromenane. No fim de 2014, o Tribunal
DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS Constitucional ainda não havia se
Defensoras e defensores dos direitos pronunciado sobre a ação.
humanos continuaram a ser atacados
e difamados. REPRESSÃO ÀS DIFERENÇAS
A Fundação Pachamama, uma DE OPINIÃO
organização que defende direitos indígenas As autoridades seguiram reprimindo
e ambientais, permaneceu fechada após manifestações contrárias ao governo, ao que
ter sido interditada pelas autoridades em parece, para tentar dissuadir a oposição.
dezembro de 2013, por meio de um decreto Em setembro, mais de 100 manifestantes
executivo que conferiu às autoridades foram detidos por até 15 dias por
amplos poderes para monitorar e dissolver participarem de protestos contra o governo.
ONGs. Nos dias anteriores ao fechamento, Houve registros de choques entre os
integrantes da Fundação Pachamama haviam manifestantes e a polícia. Dezenas de
participado de uma manifestação em frente pessoas detidas se queixaram de maus-
ao Ministério da Energia. tratos no momento da prisão e durante
a custódia policial. Segundo os laudos
DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS médicos, vários detidos apresentavam
Em outubro, o governo pediu desculpas aos escoriações e outros ferimentos causados
índios Quíchua de Sarayaku, reconhecendo por instrumentos incisivos. Até o fim do ano,
que o Estado havia posto em risco suas vidas nenhuma investigação sobre essas denúncias
e suas fontes de subsistência quando, em havia sido iniciada, e o Presidente rejeitou
2002 e 2003, permitiu que uma empresa publicamente as alegações.
petroleira realizasse explorações em seu
território. Em 2012, o povo Quíchua de LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Sarayaku venceu uma batalha jurídica na Em janeiro, o jornal El Universo e o
Corte Interamericana de Direitos Humanos. caricaturista Javier Bonilla (conhecido como
Entretanto, no fim de 2014, o Equador Bonil) foram multados e obrigados a se
ainda não havia concluído a remoção de 1,4 retratar do conteúdo de uma caricatura, com
tonelada de explosivos deixada no território base na Lei de Comunicações de 2013. O
indígena, nem havia regulamentado o direito desenho retratava policiais realizando uma
à consulta e ao consentimento livre, prévio diligência de surpresa na casa do jornalista
e informado de todos os povos indígenas, Fernando Villavicencio, crítico contundente
como determinado pela Corte Interamericana do governo. Fernando Villavicencio foi um
em 2012. dos três indivíduos condenados em 2013 por
Os planos governamentais para explorar “injúria judicial” contra o Presidente, cujas
petróleo no Parque Nacional Yasuni, onde penas variavam entre 18 meses e seis anos

Anistia Internacional – Informe 2014/15 107


ESPANHA
de prisão, posteriormente reduzidas para
períodos de seis a 12 meses de cárcere.
No fim de 2014, Villavicencio e um dos
outros condenados ainda não haviam se Reino da Espanha
apresentado à Justiça. Chefe de Estado: Rei Felipe VI de Borbón (sucedeu
o Rei Juan Carlos I de Borbón em junho)
IMPUNIDADE Primeiro Ministro: Mariano Rajoy
Em dezembro de 2013, a Assembleia
Nacional aprovou uma lei garantindo o direito
de reparação para familiares e vítimas de Milhares de manifestações de protesto
violações de direitos humanos cometidas contra as medidas de austeridade impostas
entre 1983 e 2008, documentadas pela pelo governo foram organizadas durante
Comissão da Verdade criada em 2007. o ano. As denúncias de abusos da polícia
Em janeiro de 2014, o ex-chefe de polícia contra os manifestantes prosseguiram.
Edgar Vaca foi preso nos Estados Unidos e Milhares de migrantes, inclusive
aguarda extradição. Edgar Vaca está entre requerentes de asilo e refugiados, alguns
os 10 policiais e militares acusados de em fuga da Síria, tentaram entrar de modo
tortura e desaparecimentos forçados durante irregular nos enclaves espanhóis de Ceuta
o governo do presidente Febres Cordero e Melilla a partir do Marrocos. Persistiram
(1984 a 1988). Trata-se do primeiro caso em os informes de deportações ilegais e uso
que membros das forças de segurança são excessivo da força por parte dos guardas de
julgados por crimes contra a humanidade. fronteira espanhóis.

DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS INFORMAÇÕES GERAIS


O Novo Código Penal, que passou a vigorar A Espanha ratificou em abril o Tratado sobre
em janeiro, manteve a criminalização do o Comércio de Armas e, em agosto, tornou-se
aborto em casos de estupro, a menos que o primeiro país a reformar seus regulamentos
a vítima apresente deficiência mental. As sobre a transferência de armas para incluir
tentativas de descriminalizar o aborto para a “regra de ouro” que proíbe transferências
todas as vítimas de estupro encontraram quando há um risco real de que essas
forte oposição do Presidente, que ameaçou armas possam contribuir para violações de
renunciar caso essa proposta fosse debatida direitos humanos.
na Assembleia Nacional. A proposta foi O ensino de direitos humanos deixou de
suspensa e três congressistas do partido ser obrigatório nos níveis fundamental e
governista sofreram sanções. médio após as emendas na Lei de Educação
aprovadas em dezembro de 2013.
No dia 9 de novembro, o governo catalão
realizou uma consulta informal sobre o
futuro político da Catalunha, desafiando
uma decisão do Tribunal Constitucional que
determinava a suspensão da consulta. Entre
os participantes, 80% declararam seu apoio à
independência.
Em 2014, não foram relatados ataques
violentos da organização basca Euskadi
Ta Askatasuna (ETA) depois que o grupo
anunciou o fim da luta armada em 2011.

108 Anistia Internacional – Informe 2014/15


LIBERDADE DE REUNIÃO Em setembro, o juiz de instrução do caso
No decorrer do ano, centenas de pessoas de Ester Quintana decidiu formalmente
foram detidas ou multadas por participar de processar dois agentes de aplicação da lei
manifestações espontâneas e em grande pelas graves lesões corporais que infligiram
parte pacíficas com mais de 20 pessoas. nela. Ela perdeu o olho esquerdo ao ser
A lei que regula o direito à liberdade de atingida por uma bola de borracha lançada
reunião não reconhecia o direito de realizar pelos policiais durante uma manifestação em
manifestações espontâneas. Barcelona em novembro de 2012.
No fim do ano, ainda tramitavam no
Parlamento projetos de lei que visavam SEGURANÇA E COMBATE
a emendar tanto o Código Penal quanto AO TERRORISMO
a Lei de Proteção da Segurança Cidadã. A Espanha continuou se recusando a
Se aprovadas, as leis restringirão ainda adotar as recomendações de organismos
mais o exercício das liberdades de reunião internacionais de direitos humanos para que
e de expressão. O anteprojeto da Lei de abolisse o uso da detenção em regime de
Proteção da Segurança Cidadã, se aprovado, incomunicabilidade para pessoas suspeitas
estabeleceria 21 delitos novos, como a de delitos relacionados ao terrorismo.
disseminação não autorizada de imagens Até janeiro, pelo menos 63 integrantes do
que possam pôr em risco operações policiais. ETA haviam sido libertados em virtude de
Também permitiria a imposição de multas aos uma decisão de 2013 do Tribunal Europeu
organizadores de manifestações espontâneas de Direitos Humanos no caso Del Rio Prada
pacíficas e a quem demonstrar falta de v. Espanha, segundo a qual a “Doutrina
respeito com os agentes de aplicação da lei. Parot” do Supremo Tribunal espanhol sobre
crimes graves violava o direito à liberdade
USO EXCESSIVO DA FORÇA e à não aplicação de pena sem lei. Em
Os agentes de aplicação da lei recorreram 2006, o Supremo Tribunal havia proferido
com frequência ao uso de força excessiva uma sentença que revertia a jurisprudência
para dispersar e deter manifestantes. anterior, ao excluir a possibilidade de soltura
Em abril, o Parlamento da Catalunha antecipada para pessoas condenadas
proibiu o uso de balas de borracha pela a penas consecutivas de prisão por
polícia catalã. Em anos anteriores, vários acusações múltiplas.
manifestantes pacíficos foram feridos
gravemente por tiros de balas de borracha DISCRIMINAÇÃO
disparados pela polícia para dispersar Os agentes de aplicação da lei continuaram
aglomerações. a efetuar abordagens para verificação de
Em junho, o Ministério Público solicitou identidade com base em caraterísticas
o encerramento da investigação sobre étnicas e raciais. O projeto da Lei de
denúncias de abusos policiais apresentadas Proteção da Segurança Cidadã continha uma
por 26 participantes da manifestação “Cercar disposição requerendo que as verificações de
o Congresso” em setembro de 2012. No identidade respeitassem o princípio de não
fim de 2014, uma decisão judicial sobre o discriminação.
arquivamento do caso ainda era aguardada. O Ministério do Interior publicou pela
Durante a manifestação, policiais não primeira vez os dados referentes a crimes de
identificados espancaram manifestantes ódio durante o ano. Segundo o Ministério,
pacíficos com cassetetes, atiraram com balas 1.172 crimes de ódio foram registrados em
de borracha e ameaçaram os jornalistas que 2013, a maioria motivada pela orientação
cobriam os acontecimentos. sexual e pela identidade e etnia das vítimas.
Mesmo assim, não se adotou um protocolo

Anistia Internacional – Informe 2014/15 109


para a identificação e o registro de incidentes DIREITOS DOS REFUGIADOS
discriminatórios pelos agentes de aplicação E MIGRANTES
da lei. Nem todas as forças de segurança Durante todo o ano, foram recebidas
regionais forneceram dados sobre crimes denúncias de tratamento ilegal de migrantes,
de ódio. refugiados e requerentes de asilo – inclusive
Embora o Supremo Tribunal tenha de deportação ilegal para o Marrocos – e
decidido em 2013 que a proibição do uso de uso excessivo da força pelos agentes
de véu encobrindo todo o rosto nos edifícios de aplicação da lei nos enclaves espanhóis
municipais de cidade de Lleida fosse ilegal, de Ceuta e Melilla. Até o fim do ano, mais
legislações semelhantes foram adotadas ou de 1.500 refugiados sírios aguardavam
propostas em vários municípios em 2014. sua transferência dos enclaves para o
Em julho, o governo catalão anunciou sua território continental. Em outubro, o Grupo
intenção de proibir o uso desses véus em Parlamentar do Partido Popular apresentou
locais públicos, mas até o fim do ano a uma emenda ao projeto de Lei Orgânica de
legislação para isso não havia sido adotada. Proteção da Segurança Cidadã que legalizaria
as expulsões sumárias de Ceuta e Melilla para
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER o Marrocos.
De acordo com o Ministério da Saúde, Em fevereiro, um grupo de
Políticas Sociais e Igualdade, 45 mulheres aproximadamente 250 migrantes, refugiados
foram mortas por seus parceiros ou e requerentes de asilo provenientes da África
ex-parceiros durante o ano. subsaariana tentou cruzar a nado a fronteira
Em agosto, o Comitê para a Eliminação marítima entre o Marrocos e Ceuta. Para
da Discriminação contra a Mulher constatou impedi-los de chegar, agentes da Guarda Civil
que a Espanha havia violado as obrigações empregaram equipamentos antidistúrbio,
que contraiu segundo a Convenção sobre como balas de borracha, munição de festim
a Eliminação de Todas as Formas de e lançadores de fumaça. Quinze pessoas se
Discriminação contra a Mulher ao não afogaram. Uma investigação judicial estava
proteger da violência doméstica Angela em curso no fim do ano.
González e sua filha Andrea. Andrea foi morta Centenas de milhares de migrantes
por seu pai em 2003. Apesar de mais de 30 irregulares continuaram tendo seu acesso aos
denúncias e vários pedidos de proteção, os serviços de saúde negado em consequência
tribunais haviam autorizado que o ex-parceiro da aplicação do Decreto-Lei real 16/2012.
de Angela fizesse visitas não supervisionadas Com algumas exceções, os migrantes sem
a Andrea. os devidos documentos tiveram que pagar
Estatísticas publicadas durante o ano para receber assistência médica, inclusive
revelaram uma queda acentuada no número cuidados básicos de saúde. Em novembro,
de processos por denúncias de incidentes o Comitê Europeu de Direitos Sociais
de violência de gênero , desde a entrada do Conselho da Europa enfatizou que o
em vigor da Lei Orgânica de Medidas de Decreto-Lei Real 16/2012 infringia a Carta
Proteção Integral contra a Violência de Social Europeia.
Gênero em 2005. Embora o número de Até o fim do ano, as autoridades haviam
processos arquivados por falta de provas concedido proteção internacional a 1.205
pelo tribunal especializado em violência de pessoas. Somente 255 tiveram reconhecida a
gênero tenha aumentado 158% entre 2005 condição de refugiados. Apesar de o governo
e 2013, os apelos para uma revisão tanto da ter anunciado em dezembro de 2013 que
eficácia da lei quanto do tribunal especial reassentaria 130 refugiados sírios, nenhum
foram ignorados. havia sido reassentado até o fim de 2014.

110 Anistia Internacional – Informe 2014/15


CRIMES CONTRA O DIREITO reafirmou sua intenção de reformar a
INTERNACIONAL legislação em vigor e exigir o consentimento
As definições de desaparecimento forçado e dos pais para as adolescentes entre 16 e 18
tortura na legislação espanhola continuavam anos que queiram fazer um aborto legal.
em desacordo com as normas internacionais
de direitos humanos.
As emendas à legislação que regulava a
jurisdição universal na Espanha, em vigor
desde 14 de março, limitaram os poderes ESTADOS UNIDOS
das autoridades espanholas para investigar
os crimes de direito internacional, como DA AMÉRICA
genocídio, desaparecimentos forçados,
crimes contra a humanidade e tortura, Estados Unidos da América
cometidos fora da Espanha. As reformas Chefe de Estado e de governo: Barack Obama
foram criticadas pelo Grupo de Trabalho da
ONU sobre Desaparecimentos Forçados ou
Involuntários e pelo relator especial da ONU O Presidente Obama reconheceu que houve
sobre a promoção da verdade, da justiça, da prática de tortura após os atentados de 11
reparação e das garantias de não repetição. de setembro de 2001, com base em um
programa secreto de detenção autorizado
IMPUNIDADE por seu antecessor e executado pela Agência
O direito à verdade, à justiça e à reparação Central de Inteligência (CIA). No entanto,
para as vítimas dos crimes cometidos durante ainda não houve qualquer prestação de
a Guerra Civil (1936 a 1939) e o regime de contas ou reparação pelos crimes contra o
Francisco Franco (1939 a 1975) continuou direito internacional cometidos ao abrigo
sendo negado. As autoridades espanholas do programa. Em dezembro, foi divulgado
não prestaram assistência adequada ao o resumo, antes sob sigilo, de um relatório
poder judiciário argentino, que exercia a do Senado sobre o programa. Dezenas de
jurisdição universal para investigar crimes pessoas continuaram em detenção militar
de direito internacional cometidos no por tempo indeterminado na base naval que
período franquista. os EUA mantém na Baía de Guantánamo,
Em julho, o Grupo de Trabalho da em Cuba, enquanto prosseguiam os
ONU sobre Desaparecimentos Forçados julgamentos de alguns dos casos por
ou Involuntários exortou as autoridades comissões militares. Continuou causando
espanholas a intensificarem seus esforços preocupação o uso do regime de isolamento
para determinar o destino e o paradeiro das prolongado nas penitenciárias estaduais
pessoas desaparecidas durante o regime e federais, assim como o uso de força
de Franco. excessiva pela polícia. Trinta e três homens
e duas mulheres foram executados no
DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS decorrer do ano.
Em setembro, o governo retirou um
anteprojeto de lei, aprovado em dezembro INFORMAÇÕES GERAIS
de 2013, que teria introduzido uma série Em 2014, os Estados Unidos se
de obstáculos para a realização de abortos apresentaram aos três órgãos da ONU que
seguros e legais, possivelmente fazendo monitoram o cumprimento dos tratados.
aumentar o número de mulheres e meninas Em abril, o Comitê de Direitos Humanos
que recorrem a procedimentos abortivos criticou os EUA por uma série de questões
perigosos e clandestinos. Porém, o governo – como a falta de prestação de contas por

Anistia Internacional – Informe 2014/15 111


abusos cometidos no contexto do combate foram detidos e de como foram interrogados”
ao terrorismo, o regime de isolamento nas – permaneceu classificado como ultrasecreto.
penitenciárias, as desigualdades raciais no
sistema de justiça criminal, os assassinatos COMBATE AO TERRORISMO
seletivos a partir de aviões teleguiados, o uso – DETENÇÕES
de força excessiva pelos agentes de aplicação No fim de 2014, 127 homens eram mantidos
da lei, o tratamento dado aos migrantes e a em Guantánamo, a maioria sem acusação ou
pena de morte.1 Em agosto, o Comitê para a julgamento. Quase a metade deles teve sua
Eliminação da Discriminação Racial também transferência para fora da base aprovada, a
fez diversas recomendações aos EUA. Em maior parte desde janeiro de 2010 ou antes.
novembro, o Comitê contra a Tortura abordou No decorrer do ano, 28 detentos foram
uma série de questões similares em suas transferidos da base, depois dos 11 que já
observações finais.2 haviam sido transferidos em 2013.
A transferência para o Qatar, em maio,
IMPUNIDADE de cinco afegãos que ficaram detidos em
Em agosto, o Presidente Obama reconheceu Guantánamo por mais de uma década, em
que os EUA recorreram à tortura em resposta troca de um soldado estadunidense mantido
aos atentados de 11 de setembro. Ele sob custódia do Talibã por cinco anos,
afirmou que a tortura foi praticada conforme provocou a oposição dos congressistas ao
“algumas” das “técnicas de interrogatório objetivo declarado do Presidente Obama de
intensificadas” utilizadas no programa, e fechar esse centro de detenção.4
não apenas na forma de “asfixia com água” Alguns detentos entraram em greve de
(simulação de execução por afogamento fome durante o ano, mas não na mesma
interrompido). Todavia, o Presidente proporção que em 2013.5 A transparência
manteve silêncio com relação à prestação de oficial com relação às greves de fome
contas e à reparação por essas esses atos, continuou sendo questionada, depois de uma
refletindo a permanente recusa dos EUA decisão política tomada no fim de 2013 de
em cumprir suas obrigações internacionais não mais divulgar o número de detentos que
nessas questões. O presidente tampouco recorrem a esse tipo de protesto. Em maio
fez qualquer referência a desaparecimentos de 2014, por força de um recurso judicial,
forçados, um crime de direito internacional o governo revelou que possuía gravações
a que foram submetidos a maioria, se não em vídeo, classificadas como secretas, da
todos, os indivíduos detidos pelo programa retirada à força da cela e da alimentação
secreto, alguns deles por anos.3 forçada de Abu Wa’el Dhiab, um homem sírio
Em abril, o Comitê de Inteligência do mantido na base apesar de sua transferência
Senado aprovou a divulgação de um resumo estar aprovada desde 2009. Em outubro,
classificado como sigiloso de seu relatório com a oposição do governo, o juiz de um
sobre o programa secreto de detenção e Tribunal Distrital ordenou que as evidências
interrogatório executado pela CIA entre gravadas em vídeo fossem acessadas e
2002 e 2008. O resumo, um documento que determinadas informações fossem
de 500 páginas, foi divulgado no dia 9 de transcritas das fitas. O governo recorreu da
dezembro e continha algumas informações decisão e, no fim do ano, o caso aguardava o
novas relativas ao programa e às torturas e pronunciamento da Corte de Apelações.
outros maus-tratos cometidos em seu escopo. Em novembro, o governo dos EUA afirmou
O relatório completo com 6.700 páginas – ao Comitê da ONU contra a Tortura que, ao
contendo “detalhes de cada um dos detentos contrário das posições tomadas anteriormente
em custódia da CIA, das condições em que pelo governo estadunidense, os EUA agora
haviam decidido que a Convenção contra

112 Anistia Internacional – Informe 2014/15


a Tortura se aplicava a Guantánamo e às 2001 para embasar suas operações no
embarcações e aeronaves registradas em Afeganistão e em Guantánamo, bem como
nome do país. as “operações de captura ou eliminação”
Em fevereiro, Ahmed Mohammed al Darbi, de pessoas em outros lugares. Ele citou o
um cidadão saudita preso por autoridades caso do cidadão líbio Nazih Abdul-Hamed
civis no Azerbaijão em junho de 2002 e al-Ruqai, também conhecido por Abu Anas
transferido à custódia dos EUA dois meses al-Libi, como exemplo de uma operação
depois, declarou-se culpado durante uma baseada nessa autorização. Abu al-Lib foi
audiência com o juiz de uma comissão sequestrado em Trípoli, na Líbia, por forças
militar em Guantánamo e concordou em não estadunidenses em 5 de outubro de 2013, e
processar os EUA por causa do tratamento interrogado abordo do navio USS San Antonio
que recebeu enquanto em custódia. Sua antes de ser levado aos EUA e acusado de
condenação elevou para oito o número de participação nos atentados de 1998 contra
detidos condenados por comissões militares duas embaixadas dos Estados Unidos no
desde que as detenções tiveram início em Quênia e na Tanzânia.
Guantánamo em 2002. Desses oito, seis O advogado de Abu al-Libi declarou
foram condenados com base em negociação em juízo em 2014 que o sequestro havia
de culpa durante sua detenção provisória. sido efetuado “com o uso de força física
Prosseguiram os procedimentos das extrema e brutal” e que depois de arrancar
comissões militares contra cinco indivíduos o suspeito de seu carro e usar nele “armas
detidos provisoriamente em Guantánamo – do tipo Taser”, as forças dos EUA vendaram
Khalid Sheikh Mohammed, Walid bin Attash, seus olhos e o “subjugaram, amordaçaram
Ramzi bin al-Shibh, Ali Abd al-Aziz e Mustafa e amarraram”. No navio, ele foi detido
al Hawsawi – acusados de participação nos incomunicável e interrogado diariamente
atentados de 11 de setembro. Os cinco por uma semana por agentes da CIA e
homens mais Abd al-Rahim al-Nashiri, outros. Ele afirma ter sido efetivamente
denunciado em 2011 em processo com submetido a privação de sono, por meio
pena capital por participação no atentado de sessões de interrogatório consecutivas
contra o navio de guerra USS Cole no Iêmen e prolongadas. Sua detenção em regime
em 2000, foram mantidos em regime de de incomunicabilidade e suas sessões de
incomunicabilidade sob custódia secreta dos interrogatório foram interrompidas devido a
EUA por quase quatro anos antes de serem uma enfermidade potencialmente fatal. No
transferidos para Guantánamo em 2006. fim do ano, o julgamento ainda não havia
No fim de 2014, os julgamentos ainda não terminado, mas, no dia 31 de dezembro, ele
haviam iniciado. foi levado ao hospital, onde veio a falecer no
O cidadão iraquiano Abd al Hadi al-Iraqi, dia 2 de janeiro de 2015.
que teria sido preso na Turquia em outubro As forças estadunidenses capturaram
de 2006, transferido à custódia dos EUA, Ahmed Abu Khatallah próximo a Bengazi,
detido secretamente pela CIA e transferido no leste da Líbia, no dia 15 de junho. Em
para Guantánamo em abril de 2007, foi 17 de junho, o governo dos EUA comunicou
processado em junho. Seu julgamento por o Conselho de Segurança da ONU que as
acusações previstas na Lei de Comissões operações estadunidenses para prender
Militares ainda não havia começado no Ahmed Khatallah foram conduzidas com base
fim ano. no “direito inerente dos EUA de se defender”,
Em maio, o assessor jurídico do tendo em vista que ele “continuava a planejar
Departamento de Defesa dos EUA novos ataques armados contra pessoas
declarou que o governo continuava a usar estadunidenses”. A carta não fornecia
a Autorização do Uso de Força Militar de qualquer informação sobre o suposto plano,

Anistia Internacional – Informe 2014/15 113


impossibilitando que se avaliasse a alegação estaduais e federais dos EUA, confinados
de legítima defesa dos EUA. Em outubro, dentro de celas por 22 a 24 horas diárias,
Ahmed Khatallah foi acusado de delitos com total privação de contato social
puníveis com a pena de morte relativos a um e ambiental.
atentado contra a missão diplomática dos Em fevereiro, o Subcomitê Judicial do
EUA em Bengazi em 2012, na qual foram Senado realizou uma segunda audiência
mortos quatro cidadãos estadunidenses. No sobre o regime de isolamento. O senador
fim do ano, ele estava detido provisoriamente Durbin, que presidiu a audiência e pediu
em regime de incomunicabilidade no estado reformas urgentes dessa prática, durante
da Virginia. o ano também pressionou pela criação de
No decorrer do ano, os detentos não uma nova penitenciária federal que ampliaria
afegãos que permaneciam sob detenção o número de celas federais de isolamento.
militar dos EUA na base aérea de Bagram, O relatório da Anistia Internacional sobre
no Afeganistão, foram transferidos para a o uso de celas de isolamento no âmbito
custódia de outros governos. Em agosto, dois federal concluiu que as condições na única
cidadãos iemenitas mantidos em custódia dos penitenciária de segurança máxima que
EUA no Afeganistão por mais de uma década funciona atualmente em Florence, estado
foram transferidos para o Iêmen. de Colorado, violavam as normas sobre
Em novembro, um cidadão russo que tratamento humanitário dos reclusos.6
havia estado sob custódia militar dos EUA Em outubro, chegou-se a um acordo com
em Bagram desde 2009 foi transferido para relação a uma ação coletiva em nome de
os EUA para ser processado por terrorismo mais de 33 mil presos das penitenciárias
em um tribunal federal. Ireq Ilgiz Hamidullin estaduais do Arizona. Conforme os termos
tornou-se o primeiro detento a ser transferido do acordo, o Departamento Penitenciário do
de Bagram diretamente para os EUA, quase Arizona permitirá que os reclusos em regime
13 anos depois de começarem as detenções de isolamento que apresentem distúrbios
nessa base. mentais graves possam ter mais tratamentos
O cidadão tunisiano Redha al Najar foi para a saúde mental e mais tempo fora
transferido da custódia afegã em 10 de das celas.
dezembro, um dia após a divulgação do
resumo do relatório do Comitê de Inteligência PENA DE MORTE
do Senado, no qual seu caso constava como Trinta e três homens e duas mulheres foram
um dos que foram submetidos a tortura em executados em 2014. Incluindo a execução
um centro secreto da CIA no Afeganistão de 38 homens e uma mulher em 2013, um
em 2002. No dia 11 de dezembro, o total de 1.394 pessoas foram executadas
Departamento de Defesa declarou que desde que a Suprema Corte dos EUA aprovou
o centro de detenção de Bagram havia novas leis para a pena capital em 1976.
sido fechado. O número de execuções em 2014 foi
Em novembro, o Presidente Obama o mais baixo desde 1994. Os constantes
afirmou que o Congresso e o governo problemas enfrentados pelos estados
seguiam discutindo como “ajustar o escopo para conseguir as drogas necessárias
e atualizar” a Autorização do Uso de Força para aplicar injeções letais, assim como
Militar a fim de fazê-la “servir à luta atual, e as preocupações com várias execuções
não a lutas anteriores”. “malsucedidas” contribuíram para a redução.
As 79 sentenças de morte proferidas
CONDIÇÕES PRISIONAIS em 2013 e um número semelhante
Dezenas de milhares de presos continuaram referente a 2014 representam uma queda
em regime de isolamento nas penitenciárias de aproximadamente dois terços desde

114 Anistia Internacional – Informe 2014/15


meados da década de 1990. No fim do ano, deficiência intelectual tornava ilegal a
pouco mais de três mil homens e cerca execução. Em janeiro, o Texas executou
de 55 mulheres permaneciam no corredor outro cidadão mexicano, em violação a uma
da morte. ordem do Tribunal Internacional de Justiça
Essa onda contrária à pena de morte e apesar de a Comissão Interamericana de
ganhou novo ímpeto em fevereiro quando Direitos Humanos ter concluído que ele fora
o governador do estado de Washington privado de um julgamento justo. Após ser
anunciou que não permitiria que execuções preso, Edgar Arias Tamayo teve seu direito de
fossem levadas a cabo no estado durante seu recorrer à assistência consular negado.
mandato. Antes disso, em 2013, Maryland já Em janeiro, a Florida executou Askari
havia abolido a pena de morte, elevando para Abdullah Muhammad (anteriormente
18 o número de estados abolicionistas, com denominado Thomas Knight), que havia
fortes indicações de que o Colorado também passado quatro décadas no corredor da
não realizaria nenhuma execução enquanto o morte e apresentava um longo histórico de
atual governador estivesse no cargo. distúrbios mentais graves. Em setembro,
Em 2014, execuções foram efetivadas em Earl Ringo, cidadão estadunidense
sete estados, dois a menos que em 2013. afrodescendente, foi executado no estado de
Quatro estados sozinhos – Florida, Missouri, Missouri apesar das alegações de que o fator
Oklahoma e Texas – contabilizaram 89% do racial havia contaminado seu processo; ele
número de mortes por via judicial no país em foi condenado à morte por um júri composto
2014. Até o fim de 2014, o Texas havia sido inteiramente de pessoas brancas, num
responsável por 37% de todas as execuções julgamento em que o advogado de defesa, o
levadas a cabo nos EUA desde 1976. O Texas juiz e o promotor também eram brancos.
executou um maior número de pessoas por Durante o ano, sete reclusos que já haviam
crimes cometidos quando tinham 17, 18 sido condenados foram libertados em razão
ou 19 anos do que qualquer outro estado de sua inocência, elevando para 150 o
executou no total.7 número de ocorrências desse tipo nos EUA
No dia 27 de maio, a Suprema Corte dos desde 1973.
EUA esclareceu as proteções oferecidas aos
réus sujeitos à pena capital que apresentem DIREITOS DAS CRIANÇAS
deficiência intelectual (anteriormente – PRISÃO PERPÉTUA SEM
referida nos EUA como “retardo mental”). DIREITO À CONDICIONAL
A Corte decidiu que a legislação da Florida Réus que tinham menos de 18 à época
requerendo que um réu sujeito à pena capital do crime continuaram sendo submetidos
demonstre um QI de valor 70 ou menor era à prisão perpétua sem a possibilidade de
inconstitucional, pois impedia a apresentação obter liberdade condicional (prisão perpétua
de outras provas além do QI que pudessem sem condicional). Os estados reagiram de
demonstrar que o réu possui faculdades maneiras distintas à decisão de 2012 da
mentais limitadas.8 Suprema Corte no caso Miller v. Alabama,
Os advogados de Ramiro Hernandez que tornava ilegal a prisão perpétua sem
Llanas, um cidadão mexicano no corredor da condicional para essa faixa etária. Até
morte do Texas, haviam tentado suspender a outubro de 2014, oito cortes superiores
execução até depois da decisão da Suprema estaduais haviam concluído que a decisão
Corte, a fim de que seu impacto sobre o do caso Miller tinha efeito retroativo,
caso de seu cliente pudesse ser avaliado. enquanto outros quatro estados concluíram
Porém, a suspensão não foi concedida e o contrário. Em dezembro, a Suprema Corte
ele foi executado no dia 9 de abril, apesar dos EUA concordou em rever o recurso de
da reivindicação contundente de que sua um preso sentenciado a prisão perpétua

Anistia Internacional – Informe 2014/15 115


sem condicional, com base no programa de relativas ao uso da força nos EUA. Dentre
sentenciamento compulsório da Louisiana, esses, as mortes de Kajieme Powell, um
por um crime cometido quando ele tinha 17 homem negro de 25 anos, que foi morto a
anos, a fim de decidir sobre a retroatividade tiros pela polícia municipal de St. Louis no
decorrente do caso Miller. No fim do ano, o dia 19 de agosto, em circunstâncias que,
caso ainda não havia sido decidido. conforme as imagens gravadas do incidente,
Em agosto, a Associação Correcional aparentavam contradizer a versão oficial
Americana adotou uma resolução contrária dos eventos apresentada inicialmente;
à aplicação da pena de prisão perpétua Ezell Ford, de 25 anos, homem negro que
sem condicional a quem tivesse menos de estava desarmado e possuía um histórico de
18 anos à época do crime e em apoio a doenças mentais, morto a tiros por policiais
“políticas de sentenciamento que cobrem de Los Angeles no dia 11 de agosto; e Eric
responsabilidade dos jovens infratores Garner, de 43 anos, também negro, que
de modo proporcional a sua idade, morreu asfixiado em 17 de julho ao ser
concentrando-se em sua recuperação e dominado por uma chave-de-braço aplicada
reinserção na sociedade”. por policiais do Departamento de Polícia
de Nova York, quando tentavam prendê-lo
USO EXCESSIVO DA FORÇA por venda ilegal de cigarros avulsos. Depois
Pelo menos 35 pessoas em 18 estados que um grande júri se recusou a retornar
morreram depois de atingidas por armas o indiciamento no caso Garner em 3 de
de eletrochoque usadas pela polícia, dezembro, o ministro da Justiça dos EUA
elevando para 602 o número dessas mortes anunciou que seria aberta uma investigação
desde 2001. Dispositivos de eletrochoque por suposta violação de direitos civis relativa
foram relacionados como causa ou fator a sua morte.
contribuinte em mais de 60 mortes. A
maioria das pessoas que morreram depois de DIREITOS DOS MIGRANTES –
atingidas por esses dispositivos não estavam MENORES DESACOMPANHADOS
armadas e não pareciam apresentar grave Em 2014, mais de 50 mil crianças migrantes
ameaça quando as armas de eletrochoque desacompanhadas foram apreendidas ao
foram utilizadas. cruzarem a fronteira Sul dos EUA, inclusive
Michael Brown, um jovem afrodescendente algumas de cinco anos de idade. A Patrulha
de 18 anos, foi alvejado de modo fatal pelo de Fronteira dos Estados Unidos manteve
policial Darren Wilson em Ferguson, estado menores desacompanhados detidos por dias
de Missouri, no dia 9 de agosto. O episódio ou semanas, em condições insalubres e sem
desencadeou uma série de protestos acesso a assistência judiciária, tradutores ou
durante vários meses tanto em Ferguson atenção médica adequada.
quanto em lugares próximos. O uso de
pesadas indumentárias antidistúrbio e de
armas e equipamentos de uso militar para 1. Loud and clear: UN Human Rights Committee makes wide-ranging

o policiamento de manifestações visava a recommendations to USA (AMR 51/022/2014)

intimidar os manifestantes que exerciam seu www.amnesty.org/en/library/info/AMR51/022/2014/en

direito de reunião pacífica, enquanto que o 2. USA should ‘put its money where its mouth is’ and implement UN

uso de balas de borracha, gás lacrimogêneo Committee against Torture findings (AMR 51/055/2014)

e outras táticas agressivas de dispersão www.amnesty.org/en/library/info/AMR51/055/2014/en

não se justificava, tendo ferido jornalistas e 3. USA: ‘We tortured some folks’: The wait for truth, remedy and

manifestantes. accountability continues as redaction issue delays release of senate

Vários outros incidentes demonstraram report on CIA detentions (AMR 51/046/2014)

a necessidade de uma revisão das normas www.amnesty.org/en/library/info/AMR51/046/2014/en

116 Anistia Internacional – Informe 2014/15


4. USA: ‘We have the ability to do things’: President and Congress francesas continuaram a removê-los à força.
should apply human rights principles and close Guantánamo (AMR Segundo a Liga de Direitos Humanos e o
51/036/2014) Centro Europeu dos Direitos do Povo Cigano,
www.amnesty.org/en/library/info/AMR51/036/2014/en mais de 11 mil pessoas foram removidas à
5. USA: “I have no reason to believe that I will ever leave this prison força nos primeiros nove meses do ano.
alive”: Indefinite detention at Guantánamo continues; 100 detainees Em 31 de janeiro, o ministro da Habitação
on hunger strike (AMR 51/022/2013) anunciou um plano para prover soluções
www.amnesty.org/en/library/info/AMR51/022/2013/en habitacionais de longo prazo para os
6. Entombed: Isolation in the US federal prison system, AMR moradores de assentamentos informais.
51/040/2014 Em 28 de fevereiro, foi assinado um acordo
www.amnesty.org/en/library/info/AMR51/040/2014/en entre o governo e a Adoma, um provedor de
7. USA: “He could have been a good kid”: Texas set to execute third moradia financiado com fundos públicos,
young offender in two months (AMR 51/027/2014) possibilitando a oferta de habitações
www.amnesty.org/en/library/info/AMR51/027/2014/en alternativas para algumas comunidades
8. USA: “The Nation we aspire to be” (AMR 51/034/2014) removidas de assentamentos informais.
www.amnesty.org/en/library/info/AMR51/034/2014/en Apesar desses acontecimentos, a maioria
dos indivíduos e famílias removidas, segundo
consta, não recebeu qualquer alternativa de
moradia. No dia 18 de junho, por exemplo,

FRANÇA cerca de 400 pessoas foram removidas à


força de La Parette, o maior assentamento
informal de Marselha. Somente 18 famílias
República Francesa (150 pessoas) receberam alguma oferta de
Chefe de Estado: François Hollande moradia alternativa.
Chefe de governo: Manuel Valls (sucedeu Jean- Em 21 de outubro, mais de 300 pessoas
Marc Ayrault em março) foram removidas à força do assentamento
informal de Coquetiers, em Bobigny,
um subúrbio de Paris, após uma ordem
Migrantes de etnia romani (ciganos) de despejo do município. Segundo as
continuaram a ser removidos à força de autoridades, soluções de realojamento foram
assentamentos informais; geralmente, oferecidas a 134 indivíduos. Mais de 100
indivíduos e comunidades não eram pessoas teriam deixado o assentamento
consultados nem recebiam oferta de ainda antes da remoção, pois não lhes foi
acomodação alternativa adequada. oferecida qualquer alternativa de alojamento.
Persistiram as preocupações com Aproximadamente 60 indivíduos foram
a imparcialidade e a eficácia das removidos à força e depois receberam oferta
investigações sobre denúncias de maus- de alojamento de curto prazo em Paris.1
tratos por parte da polícia. Em 2013, Apesar de as autoridades não coletarem
após uma mudança na legislação, dados oficiais sobre crimes de ódio contra
casais do mesmo sexo puderam contrair ciganos, organizações da sociedade civil
casamento civil. registraram vários ataques violentos contra
pessoas dessa etnia. Continuou preocupante
DISCRIMINAÇÃO – CIGANOS o fato de as autoridades geralmente não
Oficialmente, mais de 19 mil pessoas viviam levarem em conta quaisquer motivos
em 429 assentamentos informais no começo discriminatórios na investigação desses
do ano. Na maioria, eram migrantes ciganos casos. A investigação criminal contra quatro
da Romênia, da Bulgária e da ex-Iugoslávia. policiais que feriram um homem cigano em
No decorrer de todo o ano, as autoridades novembro de 2011, quando executavam uma

Anistia Internacional – Informe 2014/15 117


remoção forçada em Marselha, prosseguia no em 2009. O processo havia sido arquivado
fim do ano.2 em 2012. Em 19 de novembro, o procurador
geral do ministério público solicitou ao
DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, Tribunal de Recursos de Rennes uma
BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS investigação mais aprofundada do caso.
E INTERSEXUAIS Em 12 de dezembro, porém, a Câmara de
No dia 18 de maio de 2013, o casamento Instrução do Tribunal de Recursos de Rennes
civil passou a ser disponibilizado a todos os confirmou a decisão de 2012 de arquivar
casais, independentemente de gênero. Os o processo .
direitos de adoção foram estendidos a casais Em 23 de setembro, Raymond Gurême,
de mesmo sexo que contraem matrimônio. um nômade francês de 89 anos, sofreu vários
Apesar de o governo ter se comprometido ferimentos que teriam sido causados pelo uso
várias vezes a reformar práticas abusivas, de força excessiva durante uma operação
pessoas transgênero continuaram sendo policial no local em que ele vivia. Uma
submetidas a diagnósticos psiquiátricos e a investigação estava em curso no fim do ano.
tratamentos médicos desnecessários, como Em 26 de outubro, Rémi Fraisse, de
cirurgias e esterilizações, para obterem o 21 anos, foi ferido fatalmente por uma
reconhecimento legal de seu gênero.3 granada antidistúrbio, lançada por agentes
da Gendarmaria Nacional durante uma
DISCRIMINAÇÃO – MUÇULMANOS manifestação contra o projeto da barragem
Duas sentenças proferidas durante o ano de Sivens na região de Tarn. Cerca de outras
desrespeitaram o direito das mulheres 20 denúncias de maus-tratos por parte
muçulmanas às liberdades de expressão, da polícia teriam sido protocoladas pelas
religião e crença, e não discriminação. pessoas que protestaram contra o projeto.
Em 25 de junho, o Tribunal de Cassação Em 2 de dezembro, uma investigação interna
concluiu que a administração de um jardim concluiu que os agentes da Gendarmaria
de infância não havia discriminado uma Nacional agiram dentro da lei. Entretanto, a
funcionária muçulmana quando, em 2008, investigação suscitou preocupações sobre
ela foi demitida por usar o véu islâmico no sua imparcialidade e eficácia.
local de trabalho. Em 1º de julho, no caso
S.A.S. vs. França, o Tribunal Europeu de TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
Direitos Humanos concluiu que uma lei de Em 24 de outubro, o Tribunal de Recursos
2011 proibindo o encobrimento completo da de Lyon autorizou a extradição de Mukhtar
face em público não constituía uma restrição Ablyazov, líder oposicionista e banqueiro
desproporcional do direito à liberdade de cazaque, para a Rússia, de onde ele poderia
religião.4 ser repatriado à força para o Cazaquistão.
No fim do ano, um recurso ainda não havia
FORÇAS POLICIAIS E DE SEGURANÇA sido julgado pelo Tribunal de Cassação.
Em 2013, o Defensor dos Direitos, um Caso extraditado, ele corria o risco de ser
órgão público independente, tratou de submetido a um julgamento injusto na
quase 1.000 denúncias relativas a atos de Rússia e à tortura ou outros maus-tratos no
violência praticados pela polícia. Entretanto, Cazaquistão.5
persistiram as preocupações com a
imparcialidade e a eficácia das investigações DIREITOS DOS REFUGIADOS
dessas denúncias pelas autoridades judiciais. E MIGRANTES
Em fevereiro de 2014, o Tribunal de No dia 16 de outubro de 2013, o Presidente
Cassação reabriu o processo de Ali Ziri, um Hollande anunciou que 500 refugiados
homem argelino que morreu sob custódia sírios seriam reassentados na França no

118 Anistia Internacional – Informe 2014/15


decorrer de 2014. Entre 300 e 350 foram de prisão por genocídio e cumplicidade em
reassentados até o fim do ano. Em 27 crimes contra a humanidade perpetrados no
de março, 85 cidadãos sírios teriam sido contexto do genocídio de Ruanda em 1994.
abordados pela polícia ao chegarem à Foi o primeiro caso a ser julgado com base na
estação de trem Gare de Lyon em Paris. Eles competência extraterritorial desde a criação,
não tiveram a oportunidade de reivindicar em 2012, de uma unidade de investigação
asilo e receberam um mês de prazo para especializada incumbida de lidar com casos
deixar a França. envolvendo genocídio, crimes de guerra e
Também em março, uma circular do crimes contra a humanidade. No fim do ano,
ministro do Interior relativa a migrantes a unidade estava investigando mais de 30
sem documentos instruía as autoridades supostos crimes cometidos no exterior.
a deportar os cidadãos estrangeiros cujos
pedidos de asilo tivessem sido rejeitados LIBERDADE DE REUNIÃO
pela Agência Francesa para a Proteção de Diversas manifestações relativas à situação
Refugiados e Apátridas (OFPRA) por meio de Gaza, inclusive duas manifestações
do procedimento prioritário de concessão de programadas para acontecer em Paris nos
asilo. Embora fosse possível recorrer dessas dias 19 e 26 de julho, foram proibidas por
decisões perante o Tribunal Nacional do motivos de segurança. Apesar da proibição,
Direito de Asilo, o recurso não tinha o efeito as manifestações foram realizadas. Embora
de suspender a deportação. Um projeto de lei alguns incidentes de violência tenham
que visava a reformar os procedimentos de ocorrido, as preocupações se centraram na
asilo foi aprovado pela Assembleia Nacional e necessidade e proporcionalidade da decisão
tramitava no Senado. de proibi-las.
No dia 10 de julho, o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos concluiu que a recusa das
autoridades francesas em emitir vistos que 1. France: Bobigny forced eviction set to leave Roma families homeless

possibilitassem a reunificação familiar dos (News story)

filhos de dois refugiados e três migrantes com www.amnesty.org/en/news/france-bobigny-forced-eviction-set-leave-

residência na França violava o direito dos roma-families-homeless-2014-10-20

demandantes à vida familiar. 2. “We ask for justice”: Europe’s failure to protect Roma from racist

Em outubro, mais de 2.500 migrantes violence (EUR 01/007/2014)

e requerentes de asilo, sobretudo do www.amnesty.org/en/library/info/EUR01/007/2014/en

Afeganistão, da Etiópia, da Eritreia e da 3. The state decides who I am: Lack of legal gender recognition for

Síria, estavam vivendo em condições transgender people in Europe (EUR 01/001/2014)

extremamente precárias na região de Calais. www.amnesty.org/en/library/info/EUR01/001/2014/en

A maioria tentava chegar ao Reino Unido. 4. European Court ruling on full-face veils punishes women for

Em maio, as autoridades removeram à força expressing their beliefs (News story)

700 migrantes e requerentes de asilo de www.amnesty.org/en/news/european-court-ruling-full-face-veils-

assentamentos informais nessa região, depois punishes-women-expressing-their-religion-2014-07-01

de um suposto surto de sarna.6 No fim do 5. France: Stop extradition of Kazakhstani opposition activist at risk of

ano, estava sendo debatida a abertura de um torture (News story)

novo centro de recepção. www.amnesty.org/en/news/france-stop-extradition-kazakhstani-


opposition-activist-risk-torture-2014-10-24

JUSTIÇA INTERNACIONAL 6. France: Forced evictions add to climate of fear amid alleged hate

Em 14 de março, o cidadão ruandês e crimes (EUR 21/003/2014)

ex-chefe do serviço de inteligência de www.amnesty.org/en/library/info/EUR21/003/2014/en

Ruanda, Pascal Simbikangwa, foi sentenciado


pela Corte de Assise em Paris a 25 anos

Anistia Internacional – Informe 2014/15 119


GRÉCIA em detenção, após serem presos na cidade
nortista de Veroia. No dia 10 de dezembro,
Nikos encerrou sua greve de fome depois de
República Helênica aprovada uma emenda legislativa permitindo
Chefe de Estado: Karolos Papoulias que os presos pudessem frequentar
Chefe de governo: Antonis Samaras aulas no campus usando dispositivos de
monitoramento eletrônico.

As denúncias de uso excessivo da força DIREITOS DOS REFUGIADOS


e de maus-tratos por parte de agentes E MIGRANTES
da lei persistiram e continuaram sendo O reforço do controle fronteiriço e a maior
investigadas de modo inadequado. As cooperação com os guardas de fronteira
condições de detenção permaneceram da Turquia contribuíram para um declínio
bastante precárias. O período máximo para acentuado n o núme ro de migrantes
a detenção administrativa de migrantes irregulares e requerentes de asilo que
irregulares foi estendido para mais de entram na Grécia através de suas fronteiras
18 meses. Prosseguiu a prática ilegal terrestres. Em consequência, o número de
da devolução imediata de migrantes pessoas que tentam chegar à Grécia por mar
na fronteira entre a Grécia e a Turquia. aumentou de forma marcante nos primeiros
Novas leis sobre crimes de ódio foram oito mes es do ano. Até o fim do ano, mais de
adotadas em setembro, em meio a 103 migrantes e refugiados, entre eles muitas
preocupações crescentes com os níveis de crianças, se afogaram ou desapareceram ao
violência racista. tentar a travessia . 1
Havia casos documentados da prática
INFORMAÇÕES GERAIS frequente e ilegal de devolver de modo
Em outubro, o Ministério Público propôs imediato os migrantes que chegavam à
o indiciamento de 67 membros e líderes fronteira entre a Grécia e a Turquia.
do Aurora Dourada, um partido de Em 20 de janeiro, três mulheres e oito
extrema direita, por formarem, dirigirem e crianças morreram quando um barco
participarem de uma organização criminosa. pesqueiro com 27 refugiados a bordo
Cinquenta e sete pessoas, inclusive seis afundou próximo à ilha de Farmakonisi.
deputados, foram acusadas de uma série de Os sobreviventes contaram que o barco
delitos adicionais, como o assassinato, em submergiu enquanto os guardas costeiros
setembro de 2013, do cantor antifascista gregos rebocavam a embarcação para a
Pavlos Fyssas, a imposição de “lesões Turquia durante uma operação de devolução
corporais injustificadas a migrantes” e posse imediata. Os sobreviventes relataram também
ilegal de armas. que foram despidos e espancados ao
Em novembro, o anarquista Nikos chegarem em Farmakonisi. As autoridades
Romanos, detido na prisão de Korydallos, negaram que tanto as devoluções quanto
próxima à capital, Atenas, começou uma os maus-tratos tenham acontecido. Em
greve de fome de longa duração em protesto agosto, os promotores do Tribunal Naval
pela recusa das autoridades em permitir de Pireus arquivaram o caso após uma
que ele fizesse um curso universitário investigação preliminar.
fora da prisão. Ele havia sido preso em ONGs nacionais continuaram a
outubro, depois de condenado com outros documentar condições de detenção
três homens por roubo à mão armada. Em extremamente precárias nas áreas em
fevereiro de 2013, Nikos Romanos e dois dos que migrantes e requerentes de asilo são
homens denunciaram terem sido torturados mantidos para propósitos de imigração.

120 Anistia Internacional – Informe 2014/15


As pessoas detidas tinham que enfrentar bissexuais, transgêneros e intersexuais. Entre
grandes obstáculos para solicitar asilo. Em janeiro e junho, os serviços e departamentos
março, o ministro da Ordem Pública autorizou policiais que lidam com a violência racista
que migrantes irregulares que aguardam registraram 31 incidentes com motivos
deportação permaneçam detidos por um possivelmente racistas.
período maior que os 18 meses permitidos A resposta do sistema de justiça criminal
sob o direito da UE. aos crimes de ódio se manteve inadequada.
Em setembro, a Comissão Nacional de Investigadores continuaram não investigando
Direitos Humanos criticou o Ministério da possíveis motivos de ódio, promotores não
Ordem Pública e Proteção do Cidadão apresentaram essas provas nos tribunais e
por comprometer a independência do juízes não levaram em conta motivos racistas
Conselho de Apelações de Asilo ao não ou de outros ódios como circunstância
nomear nenhum dos candidatos propostos agravante ao sentenciar culpados.
pela Comissão. Em abril, n uma decisão unânime, um
As condições de recepção dos refugiados tribunal de Atenas sentenciou dois cidadãos
continuaram muito preocupantes. No fim gregos à prisão perpétua após condená-los
de novembro, entre 200 e 250 refugiados por matarem a facadas S. Luqman, um
sírios, entre os quais muitas mulheres e cidadão paquistanês, em janeiro de 2013.
crianças, iniciaram um protesto e depois Embora o promotor do julgamento tenha
uma greve de fome na Praça do Parlamento salientado as motivações racistas do crime , o
em Atenas, pedindo às autoridades que tribunal não considerou em sua sentença tais
lhes providenciassem abrigos e documentos motivos como agravantes.
de viagem. Uma decisão ministerial conjunta,
Em julho, um tribunal de Patras considerou adotada em junho, determinou a suspensão
dois capatazes culpados de causar lesões de ordens de detenção administrativa
corporais graves por atirarem contra e deportação emitidas contra vítimas e
trabalhadores migrantes de Bangladesh em testemunhas de crimes de ódio. A decisão
uma fazenda de produção de morangos em também concedeu permissões de residência
Nea Manolada, em abril de 2003, após uma especiais, que abranjam o período necessário
controvérsia sobre pagamentos e condições ao processamento judicial e à condenação
de trabalho. O proprietário da fazenda e outro dos culpados.
capataz foram absolvidos. No fim de outubro, Em setembro, foram introduzidas
o procurador da Suprema Corte recusou o emendas à legislação sobre crimes de ódio,
pedido feito por duas ONGs, a Liga Helênica aumentando as penas para quem cometer
de Direitos Humanos e o Conselho Helênico ou incitar violência racista, criminalizando a
para os Refugiados, de anular o veredicto negação do Holocausto e incluindo orientação
devido a falhas procedimentais durante a sexual, identidade de gênero e deficiência
investigação e o julgamento. entre os motivos proibidos de discriminação.
Uma proposta que reconheceria as uniões
DISCRIMINAÇÃO civis de pessoas do mesmo sexo foi rejeitada.
Crimes de ódio Ciganos
Entre outubro de 2011 e janeiro de 2014, As famílias ciganas continuaram sendo
a Rede de Registro de Violência Racista submetidas a remoções forçadas. Muitas
compilou mais de 350 incidentes de crianças ciganas foram segregadas ou
violência de cunho racista. Em 2014, a Rede excluídas da educação. Diligências policiais
constatou a diminuição dos ataques racistas discriminatórias continuaram sendo feitas nos
organizados contra migrantes e um aumento assentamentos ciganos.
nos crimes de ódio contra lésbicas, gays,

Anistia Internacional – Informe 2014/15 121


No fim do ano, 74 famílias ciganas que A polícia usou força excessiva e fez mau
viviam num assentamento em Halandri, uso de agentes químicos irritantes contra
Atenas, permaneciam em risco de ser manifestantes e jornalistas em diversas
removidas à força. Os planos iniciais de ocasiões no decorrer do ano. Grande parte
remover as famílias em fevereiro foram dos abusos registrados ocorreu durante
adiados por força de uma injunção do Comitê duas manifestações estudantis, uma contra
de Direitos Humanos da ONU. Em setembro, o bloqueio de uma universidade, em 13 de
apesar de a injunção ter sido renovada, as novembro, e outra para marcar o aniversário
autoridades municipais de Halandri tentaram de uma revolta de estudantes em 1973,
demolir 12 casas. Após protestos dos no dia 17 de novembro. Condenações
moradores ciganos, somente cinco casas, esporádicas de agentes da lei infratores não
que à época estavam desocupadas, foram foram suficientes para reduzir a arraigada
demolidas. A Administração Descentralizada cultura de impunidade para abusos policiais.2
de Attika se comprometeu a encontrar um Apesar das mudanças legislativas
local alternativo adequado para reassentar introduzidas em março, ampliando o mandato
as famílias. do Gabinete para Incidentes de Condutas
Em novembro, o tribunal da cidade de Arbitrárias a fim de abranger incidentes de
Messolonghi sentenciou três homens a oito racismo e permitir que o Ouvidor participe de
meses de prisão com pena suspensa pela audiências, mantiveram-se as preocupações
inflição de lesões corporais graves a Paraskevi com a eficácia e a independência do órgão.
Kokoni, uma mulher cigana, e seu sobrinho,
em outubro de 2012. Não estava claro se o OBJETORES DE CONSCIÊNCIA
tribunal havia considerado em sua sentença o Objetores de consciência continuaram sendo
motivo de ódio. presos e condenados durante o ano. Pelo
menos quatro objetores foram condenados
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS por insubordinação e receberam sentenças
Em outubro, o Comitê Europeu para a com pena de prisão suspensa. Seis indivíduos
Prevenção da Tortura publicou um relatório que se recusaram a servir tanto o exército
sobre sua visita à Grécia em 2013. O quanto o serviço civil alternativo imposto
documento destacava a elevada quantidade como punição também foram presos e
de denúncias de maus-tratos de pessoas detidos por períodos breves.
detidas por agentes da lei em delegacias
de polícia e da guarda de fronteiras, bem LIBERDADE DE EXPRESSÃO
como o grande número de denúncias de Em janeiro, um tribunal de Atenas condenou
agressões verbais, inclusive de natureza um blogueiro por “ofensa religiosa”. Sua
racista. O relatório fez críticas à superlotação, sentença de 10 meses de prisão foi suspensa
às condições anti-higiênicas e aos cuidados por meio de recurso. O blogueiro criou uma
médicos inadequados nas prisões gregas. página no Facebook em que satirizava um
Prosseguiram as denúncias de tortura e monge ortodoxo que havia falecido.
outros maus-tratos contra presos, migrantes
e refugiados. Em março, guardas da
penitenciária de Nigrita, no norte da Grécia, 1. Greece: Frontier of hope and fear – migrants and refugees pushed

teriam torturado até a morte Ilia Kareli, um back at Europe’s border (EUR 25/004/2014)

interno de nacionalidade albanesa. Em www.amnesty.org/en/library/info/EUR25/004/2014/en

outubro, 13 agentes penitenciários foram 2. A law unto themselves: A culture of abuse and impunity in the Greek

formalmente acusados de “tortura agravada police (EUR 25/005/2014)

que causou a morte”. www.amnesty.org/en/library/info/EUR25/005/2014/en

122 Anistia Internacional – Informe 2014/15


HAITI Entre outubro de 2010 e julho de 2014,
pelo menos 8.573 pessoas morreram de
cólera. No fim do ano, uma demanda judicial
REPÚBLICA DO HAITI interposta em outubro de 2013 por grupos de
Chefe de Estado: Michel Joseph Martelly direitos humanos do Haiti e dos EUA contra
Chefe de governo: Laurent Salvador Lamothe a ONU, por sua suposta responsabilidade
(renunciou em 14 de dezembro) pela introdução da doença no país em
2010, aguardava decisão de um tribunal
estadunidense.
Mais de 80 mil pessoas que ficaram Após a criação de um comitê
desabrigadas em consequência do interministerial de direitos humanos, diversas
terremoto de janeiro de 2010 continuaram convenções internacionais e regionais
desalojadas. As autoridades não de direitos humanos foram assinadas ou
estabeleceram medidas duradouras para ratificadas. Em outubro, o Comitê de Direitos
evitar as remoções forçadas. A falta de Humanos da ONU examinou o relatório inicial
independência generalizada do sistema de apresentado pelo Haiti.1
justiça continuou causando preocupação.
Vários defensores dos direitos humanos PESSOAS DESALOJADAS
foram ameaçados e atacados. DENTRO DO PAÍS
No fim de setembro, mais de 80 mil pessoas
INFORMAÇÕES GERAIS desabrigadas pelo terremoto de janeiro
As tão esperadas eleições locais e legislativas de 2010 ainda viviam em 123 campos
para preencher um terço das cadeiras do provisórios. A maioria dos desalojados
Senado não foram realizadas até o fim de deixou os campos ou de modo espontâneo
2014. O pleito não aconteceu principalmente ou depois de receber subsídios de um ano
devido às divergências entre o governo para pagamento de aluguel. Após sua visita
e o parlamento com relação ao conselho ao Haiti em julho, o relator especial da ONU
eleitoral, motivo pelo qual seis senadores se sobre os direitos humanos dos desalojados
recusaram a votar uma proposta de reforma internos chamou atenção para o fato de
da legislação eleitoral. Em 14 de dezembro, que, embora tenha havido uma redução
o primeiro ministro renunciou depois que um significativa no número de desalojados que
comitê consultivo designado pelo presidente vivem em campos desde julho de 2010, a
recomendou que, entre outras medidas a maioria das pessoas que deixou os campos
serem tomadas para diminuir as tensões, ele não se beneficiou de soluções duradouras.
deixasse o cargo. No fim do ano, ainda se
temia pela estabilidade política do país, pois DIREITO À MORADIA –
os mandatos de outro terço do Senado e de REMOÇÕES FORÇADAS
todos os membros da Câmara dos Deputados Houve menos remoções forçadas de campos
deveriam expirar em meados de janeiro de desalojados e de outros assentamentos
de 2015. informais em 2014 do que em anos
Em outubro, o Conselho de Segurança anteriores. No entanto, as autoridades
da ONU renovou, pelo 11º ano, o mandato não proporcionaram soluções às vítimas
da Missão de Estabilização da ONU no Haiti de remoção forçada2 e não tomaram
(MINUSTAH), recomendando uma drástica providências sustentáveis para evitar futuras
redução de seus componentes militares. remoções.3
A epidemia de cólera persistiu, apesar da No fim de maio, centenas de famílias
diminuição significativa do número de casos ficaram desabrigadas depois que o
registrada no primeiro semestre de 2014. governo ordenou a demolição de edifícios

Anistia Internacional – Informe 2014/15 123


no centro da capital, Porto Príncipe. A Duvalier em outubro, organizações de direitos
grande maioria das pessoas afetadas não humanos nacionais e internacionais apelaram
foi notificada adequadamente sobre as às autoridades para que dessem seguimento
demolições, e somente uma pequena aos procedimentos legais contra seus
minoria dos proprietários dos imóveis havia ex-colaboradores.4
recebido indenização quando os prédios
foram demolidos. SISTEMA DE JUSTIÇA
A falta de independência generalizada do
VIOLÊNCIA CONTRA sistema de justiça continuou sendo motivo
MULHERES E MENINAS de preocupação. O Conselho Superior do
Segundo organizações que trabalham Judiciário, um órgão considerado crucial para
pelos direitos da mulher, a violência a reforma do sistema de justiça, somente
contra mulheres e meninas continuou deu início ao processo de apuração de
endêmica. O governo não publicou antecedentes dos juízes no fim do ano. O
estatísticas consolidadas sobre violência fato de muitas vagas no Judiciário não terem
motivada por gênero. Um projeto de lei sido preenchidas exacerbou o problema das
sobre prevenção, condução de processos detenções provisórias prolongadas. No fim
judiciais e erradicação da violência contra a de junho, os detentos provisórios constituíam
mulher, redigido em 2011 em colaboração mais de 70% da população carcerária.
com grupos de defesa dos direitos das Em agosto, um juiz que investigava
mulheres, ainda não havia sido apresentado denúncias de corrupção contra o
ao parlamento no fim de 2014. Organizações ex-presidente Jean-Bertrand Aristide emitiu
de direitos humanos haitianas informaram um mandado de prisão contra ele, depois que
que, embora o número de julgamentos e o ex-mandatário não compareceu ao tribunal
condenações em casos de violência sexual para responder uma intimação expedida
tenha aumentado, eles representavam no dia anterior. Em setembro, o mesmo juiz
apenas uma minúscula fração dos casos ordenou que Jean-Bertrand Aristide fosse
denunciados. colocado em prisão domiciliar. A Ordem
dos Advogados de Porto Príncipe e diversas
IMPUNIDADE organizações de direitos humanos haitianas
Em fevereiro, o Tribunal de Recursos de contestaram a legalidade dessas decisões,
Porto Príncipe reverteu uma decisão de que foram amplamente consideradas como
2012 de um juiz de instrução de que o de natureza política.
ex-presidente Jean-Claude Duvalier não
poderia ser processado por crimes contra DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS
a humanidade. O tribunal designou um de Vários defensores dos direitos humanos
seus juízes em exercício para investigar as foram atacados, ameaçados e hostilizados
denúncias de crimes contra a humanidade por causa de seu trabalho legítimo em
envolvendo Jean-Claude Duvalier, entre defesa dos direitos humanos.5Na grande
outros. Entretanto, o fato de não terem sido maioria dos casos, as autoridades não
fornecidos recursos complementares ao juiz, investigaram os fatos de maneira pronta e
nem disponibilizados documentos oficiais que cuidadosa, nem proporcionaram medidas de
poderiam ser úteis ao processo, suscitaram proteção efetivas.
preocupações relativas à capacidade do
sistema de justiça haitiano de proporcionar
recursos jurídicos efetivos às vítimas de
violações de direitos humanos cometidas
no passado. Após a morte de Jean-Claude

124 Anistia Internacional – Informe 2014/15


DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS,
BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS ÍNDIA
E INTERSEXUAIS
Vários casos de agressões físicas e verbais República da Índia
contra pessoas LGBTI foram registrados Chefe de Estado: Pranab Mukherjee
durante o ano, a maioria dos quais não Chefe de governo: Narendra Modi (sucedeu
foi devidamente investigada. Segundo Manmohan Singh em maio)
organizações de defesa dos direitos LGBTI,
os policiais geralmente hesitavam em
interferir nesses casos, e suas respostas às A impunidade para os abusos dos direitos
vítimas revelavam atitudes profundamente humanos cometidos por atores estatais
discriminatórias com relação a essas pessoas. e não estatais era generalizada. Apesar
Ninguém foi levado à Justiça para de reformas legais e decisões judiciais
responder pelos ataques contra pessoas progressistas, as autoridades do Estado
LGBTI durante e depois das passeatas geralmente não impediam, e às vezes
contrárias aos direitos LGBTI que cometiam, crimes contra os cidadãos
aconteceram em todo o país em meados indianos, inclusive contra crianças,
de 2013. mulheres, dalits e adivasis (aborígines).
Prisões e detenções arbitrárias, torturas e
execuções extrajudiciais não costumavam
1. Haiti: Submission to the UN Human Rights Committee: 112th Session ser punidas. Um sistema de justiça criminal
of the UN Human Rights Committee, 7-31 de outubro de 2014 (AMR sobrecarregado e sem recursos contribuiu
36/012/2014) para que a justiça fosse negada a quem
www.amnesty.org/en/library/info/AMR36/012/2014/en sofreu abusos e para que o direito dos réus
2. Haiti: Families at imminent risk of forced eviction ( AMR 36/007/2014) a um julgamento justo fosse violado. A
www. amnesty.org/en/library/info/AMR36/007/2014/en violência dos grupos armados em Jammu
3. Haiti must take immediate action to prevent forced evictions and e Caxemira, nos estados do Nordeste e
relocate internally-displaced persons: Amnesty International oral nas áreas de atuação das forças maoístas
statement to the 25th Session of the UN Human Rights Council ( AMR continuou a pôr em risco a população civil.
36/008/2014)
www.amnesty.org/en/library/info/AMR 36/008/2014/en INFORMAÇÕES GERAIS
4. Haiti: The truth must not die with Jean-Claude Duvalier Nas eleições nacionais de maio, um
www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/haiti-truth-must-not- governo liderado pelo Partido do Povo
die-jean-claude-duvalier-2014-10-07 Hindu (Bharatiya Janata Party, BJP) chegou
5. Haiti: Activists fighting for justice threatened (AMR 36/011/2014) ao poder com uma vitória esmagadora.
www.amnesty.org/en/library/info/AMR 36/011/2014/en Haiti: Women’s O primeiro-ministro Narendra Modi, cuja
human rights defenders threatened ( AMR 36/010/2014 ) campanha se centrou em promessas de
www.amnesty.org/en/library/info/AMR36/010/2014/en Hai ti: boa governança e desenvolvimento para
Fear for safety of human rights defender: Pierre Espérance (AMR todos, comprometeu-se a melhorar o acesso
36/009/2014 ) aos serviços financeiros e ao saneamento
www. amnesty.org/en/library/info/AMR36/009/2014/en para as pessoas que vivem em situação de
pobreza. Porém, o governo tomou medidas
para reduzir as exigências de consulta
às comunidades afetadas por projetos
capitaneados por corporações. As autoridades
continuaram a violar os direitos das pessoas
à privacidade e à liberdade de expressão.
Houve aumento da violência intercomunitária

Anistia Internacional – Informe 2014/15 125


em Uttar Pradesh e alguns outros estados, No período que precedeu as eleições
enquanto a corrupção, a discriminação e a nacionais de maio, grupos armados teriam
violência com base em castas permaneceram assassinado autoridades locais e eleitorais
amplamente disseminadas. nos estados de Jammu e Caxemira,
Jharkhand e Chhattisgarh, a fim de intimidar
PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS os eleitores e tumultuar as eleições.
Persistiram as prisões e detenções arbitrárias Em janeiro e maio, grupos armados foram
de manifestantes, jornalistas e defensores acusados de matar dezenas de muçulmanos
dos direitos humanos. Dados da Comissão em Assam e, em dezembro, foram acusados
Nacional de Direitos Humanos indicavam de matar dezenas de adivasis. Em outros
que 123 atos ilegais de prisão e 203 estados do Nordeste, grupos armados
casos de detenção ilegal foram registrados também foram acusados de investir contra
de abril até julho. Leis que autorizam os civis, instigando a violência e provocando
detenções administrativas foram usadas grandes deslocamentos populacionais.
pelas autoridades para manter jornalistas e
defensores dos direitos humanos detidos, DIREITOS DAS CRIANÇAS
com base em decretos do executivo, sem Em agosto, o governo apresentou ao
acusações nem julgamentos. Camponeses Parlamento um projeto de lei que pretendia
adivasi em áreas sob influência do maoísmo alterar a legislação sobre justiça de menores,
na região central da Índia também permitindo que adolescentes entre 16 e 18
continuaram em risco de sofrer prisões e anos fossem processados e punidos como
detenções arbitrárias. adultos em casos de crimes graves. As
Legislações “antiterroristas”, tais como a instituições oficiais de direitos das crianças
Lei de Prevenção às Atividades Ilegais, que e de saúde mental da Índia se manifestaram
não cumprem as normas internacionais de contrárias à iniciativa.
direitos humanos, também foram usadas. Em Os protestos pelo estupro de uma menina
maio, a Suprema Corte absolveu seis homens de seis anos numa escola de Bangalore em
condenados com base em leis antiterroristas julho chamaram atenção para a má aplicação
por atacarem o templo de Akshardham, em das leis sobre abuso sexual de crianças.
Gujarat, em 2002, concluindo que não havia Incidentes de castigos corporais foram
provas contra eles e que a investigação fora relatados em vários estados, apesar da
incompetente. prática ser proibida por lei. A legislação
requerendo que as escolas privadas reservem
ABUSOS COMETIDOS POR 25% das vagas nas séries iniciais para
GRUPOS ARMADOS famílias carentes foi parcamente aplicada.
Abusos contra os direitos humanos cometidos Crianças dalit e adivasi continuaram a sofrer
por grupos armados foram registrados discriminação nas escolas.
em várias regiões, inclusive em Jammu e Em junho, o Comitê sobre os Direitos da
Caxemira, nos estados do Nordeste e na Criança da ONU manifestou preocupação
região central da Índia. Grupos armados com a disparidade no acesso à educação,
mataram e feriram civis, além de destruírem a serviços de saúde, à água potável e ao
propriedades, em ataques indiscriminados saneamento entre diferentes grupos de
e, às vezes, seletivos. Essas ações também crianças. O trabalho infantil e o tráfico de
provocaram o deslocamento de pessoas. crianças continuaram sendo problemas
Choques entre as forças de segurança e graves. Em outubro, Kailash Satyarthi,
grupos maoístas armados causaram a morte um ativista pelos direitos das crianças,
de vários civis. que trabalha com essas questões, foi
contemplado com o prêmio Nobel da Paz.

126 Anistia Internacional – Informe 2014/15


VIOLÊNCIA ENTRE COMUNIDADES PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA
Em Uttar Pradesh, uma série de incidentes Em setembro, a Suprema Corte cancelou
de natureza religiosa no período pré- mais de 200 licenças para mineração de
eleitoral fez aumentarem as tensões entre as carvão, que o tribunal afirmou terem sido
comunidades hindu e muçulmana. Em julho, concedidas de forma arbitrária. O Ministério
três pessoas foram mortas em confrontos do Meio Ambiente debilitou os mecanismos
em Saharanpur, no estado de Uttar Pradesh. existentes para realizar consultas junto
Políticos foram acusados de fazer discursos às comunidades afetadas por projetos
provocadores e, em alguns casos, foram industriais, sobretudo de mineração de
denunciados criminalmente. Conflitos de carvão. O Ministério também suspendeu
cunho religioso aconteceram também em as moratórias para a instalação de novas
outros estados. Em dezembro, grupos hindus indústrias em áreas com níveis críticos
foram acusados de converter à força vários de poluição.
muçulmanos e cristãos ao hinduísmo. Em várias situações, nem as autoridades
Em janeiro, sobreviventes da eclosão de nem as empresas consultaram de modo
violência entre hindus e muçulmanos em significativo as comunidades locais. Em
Muzzafarnagar, Uttar Pradesh, no fim de agosto, uma subsidiária da companhia
2013, foram expulsos à força de campos britânica Vedanta Resources realizou uma
humanitários. As investigações sobre a audiência pública sobre a expansão de sua
violência foram incompletas. Milhares de refinaria de alumina em Lanjigarh, estado de
pessoas, principalmente muçulmanos, Odisha, sem tratar de seus atuais impactos e
permaneciam desalojadas no fim do ano. sem informar e consultar adequadamente as
O mês de novembro marcou o 30º comunidades afetadas.
aniversário de uma onda de violência ocorrida Em dezembro, o governo aprovou uma lei
em Delhi em 1984, que levou ao massacre provisória que removia as exigências sobre
de milhares de sikhs. Centenas de processos pedir o consentimento das comunidades
penais arquivados pela polícia sob alegação afetadas e sobre proceder a uma avaliação
de falta de provas não foram reabertos, de impacto social quando as autoridades
mesmo diante das enormes manifestações do estado adquirissem terras para
públicas pedindo o fim da impunidade. determinados projetos.
Pouco avançaram as investigações e os Milhares de pessoas ainda corriam risco
julgamentos dos casos relativos à violência de serem removidas à força de suas casas e
de 2012 em Gujarat, que deixou mais de terras para dar lugar a grandes projetos de
2.000 mortos, a maioria muçulmanos. Em infraestrutura. As comunidades adivasi que
novembro, a Comissão Nanavati-Mehta, viviam próximo aos locais de construção ou
designada em 2002 para investigar os expansão de minas e barragens eram mais
eventos, apresentou seu relatório final ao vulneráveis.
governo do estado de Gujarat. O relatório não Em dezembro, completaram-se 30 anos
foi divulgado ao público. do desastre causado pelo vazamento de
Em agosto, conflitos étnicos sobre a gás de uma fábrica em Bhopal em 1984.
disputa fronteiriça Nagaland-Assam levaram Os sobreviventes continuaram a padecer
à morte de 10 pessoas e deixaram mais de de graves problemas de saúde relacionados
10.000 desalojadas. Episódios de violência ao vazamento e à poluição que persiste no
por motivos de casta também foram local da fábrica. Em novembro, um tribunal
registrados em diversos estados, como Uttar de Bhopal solicitou que fosse novamente
Pradesh, Bihar, Karnataka e Tamil Nadu. expedida uma citação penal contra a
Companhia Dow Chemical, depois que a
empresa não acatou uma intimação anterior.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 127


No mesmo mês, o governo indiano concordou de falso enfrentamento em Gujarat em
em utilizar dados médicos e científicos 2004. Os governos estaduais de Gujarat
para aumentar a indenização de vários e Rajastão reincorporaram às funções os
milhões de dólares demandada da Union policiais que estavam sendo julgados por
Carbide. O governo indiano continuou sem suposta participação em casos de falsos
descontaminar o local da fábrica. enfrentamentos, depois que eles foram
postos em liberdade provisória mediante o
PENA DE MORTE pagamento de fiança.
Em janeiro, a Suprema Corte decidiu Em setembro, a Suprema Corte
que dilações indevidas na execução de estabeleceu novos requerimentos para as
sentenças de morte configuravam tortura, e investigações sobre mortes em confrontos
que a execução de pessoas que sofrem de com a polícia, inclusive que as mortes
transtornos mentais seria inconstitucional. sejam investigadas pela equipe de uma
A Corte também estabeleceu diretrizes delegacia de polícia ou departamento
para salvaguardar os direitos das pessoas investigativo diferentes.
condenadas à morte.
Em abril, três homens foram condenados LIBERDADE DE EXPRESSÃO
à morte por um tribunal de Mumbai com Leis sobre subversão e difamação criminosa,
base em uma nova lei promulgada em 2013, que não satisfaziam as normas internacionais,
que introduz a pena capital para pessoas foram usadas para hostilizar e processar
condenadas em vários casos de estupro. jornalistas, defensores dos direitos humanos e
Em dezembro, o governo apresentou ao outras pessoas por exercerem pacificamente
Parlamento um projeto de lei que previa a seu direito à liberdade de expressão. O
pena de morte para os crimes de sequestro governo também se valeu de leis amplas
que acabassem com a morte de reféns ou de e imprecisas para restringir a liberdade de
agentes de segurança. expressão na internet. Na época das eleições
gerais de maio, diversas pessoas foram
EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS presas por declarações que fizeram sobre o
Ainda tramitavam na Suprema Corte os primeiro-ministro Narendra Modi, as quais a
processos relativos às petições requerendo polícia alegou configurarem delitos penais.
a investigação dos 1.500 “falsos As autoridades também aplicaram e
enfrentamentos” – termo usado para se expandiram estratégias de vigilância em
referir a execuções extrajudiciais encenadas grande escala das comunicações telefônicas
– no estado de Manipur. Tribunais de Delhi, e da internet, sem revelar os detalhes desses
Bihar e Punjab condenaram agentes policiais projetos nem as salvaguardas para evitar seu
por envolvimento nas mortes ocorridas mau uso.
em falsos enfrentamentos. A Comissão
Nacional de Direitos Humanos determinou o IMPUNIDADE – FORÇAS DE SEGURANÇA
pagamento de indenizações às famílias das Apesar de alguns sinais de progresso,
pessoas mortas em vários desses confrontos persistiu a impunidade quase absoluta
forjados. O órgão também manifestou para as violações cometidas pelas forças
preocupação com as mortes resultantes de de segurança indianas. Legislações que
falsos enfrentamentos com a polícia estadual praticamente concediam imunidade
de Uttar Pradesh. processual, como a Lei sobre os Poderes
Em fevereiro, o principal órgão investigativo Especiais das Forças Armadas e a Lei sobre
do país indiciou ex-agentes do serviço de Áreas em Conflito, ainda vigoravam em
inteligência interna da Índia por homicídio Jammu e Caxemira e em partes do Nordeste
e sequestro, num inquérito sobre um caso da Índia, apesar dos constantes protestos.

128 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Em janeiro, o exército descartou, sem DIREITOS DOS TRABALHADORES
julgamento, as ações judiciais por homicídio A falta de regulamentação efetiva para
e conspiração protocoladas pelo Escritório intermediadores de vistos e recrutadores
Central de Investigações contra cinco ardilosos continuou colocando os
militares. Em 2012, a Suprema Corte havia trabalhadores migrantes indianos que viajam
decidido que o exército deveria julgar aos países do Oriente Médio em risco de
seus membros perante um tribunal militar sofrer abusos de direitos humanos, como
pelas execuções extrajudiciais de cinco trabalho forçado e tráfico de pessoas.
camponeses de Pathribal, em Jammu e Centenas de migrantes indianos, entre
Caxemira, em 2000. Em setembro, uma os quais 46 enfermeiras, ficaram retidos
corte marcial condenou cinco soldados no Iraque quando os confrontos entre
pela morte de três homens executados grupos armados e o governo iraquiano se
extrajudicialmente em Machil, no estado de intensificaram. Em junho, 39 migrantes
Jammu e Caxemira, em 2010. Em novembro, indianos foram sequestrados no Iraque.
após uma investigação, o exército acusou No fim do ano, acreditava-se que ainda
formalmente a nove soldados pela morte de estivessem nas mãos de grupos armados.
dois adolescentes da Caxemira no distrito de A servidão por dívida continuou sendo
Budgam. Os responsáveis por violações de amplamente praticada. Milhares de pessoas
direitos humanos cometidas no passado nos foram forçadas a trabalhar sob regime de
estados de Jammu e Caxemira, Nagaland, servidão em indústrias como as de produção
Manipur, Punjab e Assam continuaram de tijolos, de seda e algodão, de mineração
evadindo a Justiça. e de agricultura. Foram registrados muitos
casos de trabalhadores domésticos,
DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, sobretudo mulheres, que sofreram abusos de
BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS seus empregadores.
E INTERSEXUAIS
A Suprema Corte concordou em examinar PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA
uma petição requerendo a revisão de sua Os ativistas adivasi e prisioneiros de
decisão de dezembro de 2013, que, ao consciência Soni Sori e Lingaram Kodopi
manter a seção 377 do Código Penal indiano, foram libertados provisoriamente pela
efetivamente recriminalizou as relações Suprema Corte em fevereiro. Soni Sori
sexuais consensuais entre pessoas do mesmo disputou as eleições parlamentares de maio.
sexo. Às vésperas das eleições parlamentares A ativista Irom Sharmila, do estado de
de 2014, importantes partidos políticos Manipur, prosseguiu com sua greve de fome
se comprometeram a descriminalizar a de 14 anos, demandando a anulação da
homossexualidade. Lei sobre os Poderes Especiais das Forças
Em abril, numa decisão histórica, a Armadas. Ela foi detida sob acusação de
Suprema Corte conferiu reconhecimento tentativa de suicídio, sendo liberada em 20
legal às pessoas transgênero. A sentença de agosto por um tribunal que decidiu que as
instruía as autoridades a reconhecer a acusações eram infundadas. Porém, dois dias
autoidentificação das pessoas transgênero depois, ela foi presa novamente pelo mesmo
como sendo homem, mulher, ou ‘terceiro suposto delito.
gênero’, e a pôr em prática políticas de bem-
estar e de quotas na educação e no trabalho. DETENÇÃO PROVISÓRIA PROLONGADA
Entretanto, casos de hostilidade e violência As detenções provisórias prolongadas e a
contra transgêneros continuaram sendo superlotação nas prisões persistiram. Em
registrados. dezembro de 2013, mais de 278 mil presos –
mais de dois terços da população carcerária

Anistia Internacional – Informe 2014/15 129


do país – estavam detidos provisoriamente. Em agosto, a Corte Superior de Mumbai
Dalits, adivasis e muçulmanos prescreveu a instalação de câmaras de
continuaram constituindo uma parcela circuito interno de televisão em todas as
desproporcionalmente alta dos presos em delegacias de polícia de Maharashtra para
detenção provisória. Prisões indiscriminadas, coibir o uso de tortura.
investigações e processos lentos, sistemas
de assistência judicial fracos e salvaguardas DIREITOS DAS MULHERES
inadequadas contra períodos longos de A violência contra as mulheres permaneceu
detenção contribuíram com o problema. generalizada. As autoridades não aplicaram
Em setembro, a Suprema Corte instruiu os de modo efetivo as novas leis sobre crimes
juízes distritais a identificar imediatamente contra as mulheres promulgadas em 2013,
e libertar todos os detidos provisórios que nem realizaram importantes reformas policiais
já tivessem passado na cadeia mais da e judiciais para garantir que tais leis fossem
metade do tempo que teriam que cumprir cumpridas. O estupro dentro do casamento
caso fossem condenados. Após uma ação ainda não era reconhecido como crime se
de ativismo da Anistia Internacional Índia, a esposa fosse maior de 15 anos. Diversas
o governo do estado de Karnataka orientou autoridades públicas e líderes políticos
as autoridades estaduais a criar comitês fizeram declarações que pareciam justificar
de revisão para monitorar as detenções os crimes contra as mulheres, contribuindo
provisórias prolongadas. com a cultura de impunidade.
Aumentaram as denúncias de crimes
LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO contra as mulheres, mas se acredita que o
As autoridades fizeram uso da Lei sobre a número de delitos que não são registrados
Regulação de Contribuições Estrangeiras para continue bastante alto. Mulheres e meninas
assediar ONGs e organizações da sociedade dalit continuaram a sofrer múltiplos níveis
civil que recebiam financiamento do exterior. de violência e discriminação baseada
Foram principalmente visados os grupos que em casta. Nos vilarejos, conselhos locais
criticavam grandes projetos de infraestrutura, autoproclamados emitiram decretos ilegais
mineração e energia nuclear. Eles foram ordenando punições contra mulheres por
submetidos a repetidos interrogatórios, supostas transgressões sociais.
ameaças de investigação e bloqueio de Em abril, a relatora especial da ONU sobre
financiamento externo por parte do governo. a violência contra a mulher chamou atenção
Em junho, a imprensa noticiou a para a incapacidade das autoridades em
existência de um documento sigiloso assegurar prestação de contas e reparações
elaborado pelo serviço de inteligência para sobreviventes de violência. Em julho, o
interna da Índia, que descrevia diversas Comitê para a Eliminação da Discriminação
ONGs que recebiam financiamento contra a Mulher recomendou que o
externo como “afetando negativamente o governo alocasse recursos para a criação
desenvolvimento econômico”. de tribunais especiais, procedimentos de
queixas e serviços de apoio, com o fim de dar
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS cumprimento às leis.
A tortura e outros maus-tratos continuaram Em novembro, 16 mulheres morreram
sendo usados contra pessoas detidas em depois de participar de uma desastrosa
custódia do Estado, principalmente mulheres, campanha de esterilização em massa no
dalits e adivasis. Um projeto de lei antitortura estado de Chhattisgarh. A abordagem
extremamente falho caducou em maio com o governamental ao planejamento familiar,
fim do mandato do governo central. que visava a atingir determinados objetivos,
continuou apresentando falhas que

130 Anistia Internacional – Informe 2014/15


prejudicavam a qualidade da assistência à As negociações entre o Irã, os Estados
saúde e restringiam o direito das mulheres Unidos e outros Estados prosseguiram,
a escolher os métodos mais adequados de em meio à persistente tensão sobre o
planejamento familiar. programa de desenvolvimento nuclear
iraniano e o impacto para o país das sanções
internacionais financeiras e de outra
natureza. Em novembro de 2013, um acordo

IRÃ preliminar possibilitou algum alívio das


sanções em troca de concessões relativas ao
enriquecimento de urânio.
República Islâmica do Irã Uma Carta dos Direitos do Cidadão,
Chefe de Estado: Aiatolá Sayed Ali Khamenei (Guia proposta pela Presidência e aberta para
da República Islâmica do Irã) consultas em 2013, continuou como minuta
Chefe de governo: Hassan Rouhani (Presidente) no decorrer de 2014. O documento não
protegia de modo adequado os direitos
humanos, principalmente o direito à vida,
As autoridades restringiram as liberdades a não-discriminação e à proteção contra
de expressão, associação e reunião, a tortura.
prendendo, detendo e processando em Em março, o Conselho de Direitos
julgamentos injustos ativistas pelos direitos Humanos (CDH) da ONU renovou o mandato
das minorias e das mulheres, jornalistas, do seu relator especial sobre a situação dos
defensores dos direitos humanos e outros direitos humanos no Irã, mas as autoridades
que manifestassem opiniões divergentes. iranianas continuaram a impedir que tanto
A tortura e outros maus-tratos continuaram este relator quanto outros peritos do CDH
prevalecendo e eram praticados com visitassem o país.
impunidade. Mulheres e minorias étnicas Em outubro, o CDH avaliou a situação
e religiosas sofreram discriminação dos direitos humanos no Irã por meio do
generalizada na lei e na prática. Segundo processo de Revisão Periódica Universal
informações, sentenças de açoitamento e (RPU) da ONU. O Conselho observou que
amputação foram levadas a cabo, algumas o estado dos direitos humanos no país era
em público. O índice de execuções péssimo, e que as autoridades não tinham
permaneceu alto; adolescentes em conflito posto em prática as recomendações que
com a lei também foram mortos. Os juízes aceitaram após a RPU de 2010. O Irã reteve
continuaram a impor sentenças de execução seu posicionamento a respeito de todas as
por apedrejamento, embora não se tenha recomendações, até a próxima sessão do
conhecimento de que alguma foi cumprida. Conselho de Direitos Humanos da ONU em
março de 2015.
INFORMAÇÕES GERAIS
A eleição de Hassan Rouhani para a LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE
Presidência, em junho de 2013, trouxe ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO
esperanças de que seu governo introduzisse As autoridades mantiveram as restrições
as tão necessárias reformas de direitos à liberdade de expressão e aos meios de
humanos, mas pouco foi feito até o fim de comunicação, inclusive interferindo nas
2014. As iniciativas governamentais para transmissões internacionais por satélite e
atenuar os controles oficiais sobre a liberdade fechando veículos de imprensa. Também
acadêmica, por exemplo, provocaram uma conservaram o código de vestuário
reação contrária dos setores conservadores obrigatório para mulheres e a criminalização
do Parlamento. das infrações desse código conforme o

Anistia Internacional – Informe 2014/15 131


Código Penal Islâmico. Personalidades em Isfahan. Das pessoas que foram presas,
oposicionistas, como Mir Hossein Mousavi, uma mulher permanecia detida no fim do
Mehdi Karoubi e Zahra Rahnavard, ano. Pelo menos quatro jornalistas também
permaneceram sob prisão domiciliar, apesar foram presos por terem noticiado os ataques.
das pioras em seu estado de saúde.1 Dezenas
de prisioneiros de consciência estavam TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
cumprindo penas de prisão por exercerem A tortura e outros maus-tratos, principalmente
seus direitos humanos de modo pacífico. durante a detenção provisória, continuaram
Dentre eles estavam críticos do governo, comuns e foram facilitados pela negação
jornalistas, advogados, sindicalistas, ativistas rotineira do acesso dos detidos a advogados,
estudantis e ativistas pelos direitos das assim como pela virtual impunidade dos
mulheres e das minorias. responsáveis por esses atos. Os métodos
As autoridades continuaram a perseguir utilizados incluíam o regime de isolamento,
jornalistas, que enfrentaram prisões, o confinamento em espaços mínimos e
detenções, encarceramentos e açoitamentos desconfortáveis, os espancamentos brutais e
por fazerem reportagens que criticavam as as ameaças contra familiares dos detidos. De
autoridades.2 Em agosto, dois fotógrafos que modo geral, as autoridades não investigaram
criticaram por escrito um livro de fotografias denúncias de tortura nem processaram ou
publicado por uma autoridade do governo puniram os responsáveis.
na cidade de Qazvin, noroeste do Irã, foram As autoridades negaram sistematicamente
sentenciados a açoitamentos. às pessoas detidas e aos presos acesso
Ciberativistas também foram processados. adequado a cuidados médicos, inclusive para
Em maio, o Tribunal Revolucionário de Teerã lesões resultantes de tortura ou problemas de
condenou oito pessoas por acusações como saúde agravados pelas condições carcerárias.
“ofender santidades religiosas” e “ofender as A revisão do Código de Processo Penal
autoridades”, em razão de postagens feitas aprovada em abril não tratou da inadequação
no Facebook, sentenciando-as a penas de das leis nacionais em proteger efetivamente
sete a 20 anos de prisão. os detidos contra a tortura e outros maus-
Embora o Guia Supremo, o Presidente tratos. O novo código negava o acesso das
Rouhani e outros oficiais de alto escalão pessoas detidas a advogados por até uma
façam uso de redes sociais como Facebook, semana depois da prisão em casos relativos
Twitter e Instagram para se comunicar, à segurança nacional e outros delitos, além
as autoridades continuaram a censurar de não conter qualquer definição clara e
esses sites. Em setembro, uma alta detalhada de tortura, de acordo com o direito
autoridade judiciária instruiu o ministro das internacional.
Comunicações e Tecnologia da Informação Os órgãos estatais de inteligência e
a tomar medidas no prazo de um mês segurança administravam suas próprias
para “bloquear e efetivamente controlar unidades de detenção fora do controle da
o conteúdo” das redes sociais após a Organização Prisional do Estado, em violação
circulação de piadas consideradas ofensivas ao direito internacional. A tortura e outros
ao ex-Guia Supremo, o aiatolá Khomeini. maus-tratos eram comuns nessas unidades.
As autoridades informaram ter prendido 11 Em alguns casos, as autoridades submetiam
pessoas por causa das piadas. os presos que estavam no corredor da morte
Em outubro, autoridades das cidades de a desaparecimentos forçados, transferindo-os
Teerã e Isfahan prenderam manifestantes para essas unidades antes de executá-los.
que demandavam o fim da violência contra Sentenças de açoitamento e amputação
a mulher, depois que várias mulheres foram continuaram a ser impostas para uma ampla
vítimas de uma série de ataques com ácido variedade de delitos, como consumo de

132 Anistia Internacional – Informe 2014/15


álcool, alimentar-se em público durante no novo Código, inclusive sobre o acesso
o Ramadã e roubo. Cada vez mais, tais a advogados.
sentenças eram aplicadas em público. Os tribunais continuaram a condenar réus
Em abril, agentes de segurança agrediram na ausência de advogados de defesa ou
os presos da seção 350 da Penitenciária de com base em “confissões” ou outras provas
Evin, em Teerã, durante uma busca em suas obtidas por meio de torturas ou outros maus-
celas, espancando e ferindo muitos deles. Ao tratos. Houve casos em que as autoridades
que se sabe, as autoridades não investigaram transmitiram pela televisão as “confissões”
o incidente nem processaram ou puniram de pessoas detidas, antes de seu julgamento,
os responsáveis.3 Em agosto, as autoridades violando a presunção de inocência.
teriam usado força excessiva contra os Em setembro, o conselho de ministros
internos da Penitenciária de Ghezel Hesar, aprovou um projeto de Lei da Advocacia,
na cidade de Karaj, que protestavam contra formulado pelo Judiciário e submetido
a transferência de 14 presos do corredor à aprovação do Parlamento. A lei era
da morte para o regime de isolamento em discriminatória contra os não muçulmanos
solitária antes de sua execução. e os desqualificava a participar do Conselho
Diretor da Ordem dos Advogados iranianos,
JULGAMENTOS INJUSTOS além de ameaçar a independência da Ordem.
O Judiciário continuou desprovido de
independência e sujeito a interferência DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS
das autoridades da área de segurança. Os ÉTNICAS E RELIGIOSAS
julgamentos, sobretudo aqueles realizados A nomeação pelo Presidente Rouhani de
por Tribunais Revolucionários, foram em um conselheiro especial para minorias
grande parte injustos. étnicas e religiosas não resultou na
O novo Código de Processo Penal diminuição da discriminação generalizada
melhorou o acesso das pessoas detidas a contra as comunidades de minorias
advogados, mas não garantiu esse acesso étnicas do Irã, como os árabes ahwazi, os
desde o momento da prisão, necessário azerbaijanos, os balúchis, os curdos e os
para ajudar a proteger os detidos contra a turcomanos, tampouco contra as minorias
tortura. O código permitia que promotores religiosas, como os ahl-e haq, os bahá’ís,
impedissem os advogados de ter acesso os cristãos convertidos, os sufis e os
a alguns ou a todos os documentos muçulmanos sunitas.
do processo contra seus clientes caso A discriminação contra as minorias étnicas
considerassem que a revelação desses prejudicou seu acesso a serviços básicos
documentos pudesse frustrar a “descoberta como moradia, água e saneamento, emprego
da verdade” e nos casos envolvendo e educação. As minorias étnicas foram
questões de segurança nacional ou externa, proibidas de usar suas línguas minoritárias
dificultando com isso o direito à preparação como meio de instrução na educação,
de uma defesa adequada. Em agosto, o além de serem privadas de oportunidades
Comitê Judicial e Legal do Parlamento adequadas para aprender essas línguas.
apresentou um projeto de lei propondo que Membros de grupos étnicos minoritários
a data planejada para que o código entrasse também corriam maiores riscos de ser
em vigor, em outubro, fosse adiada devido à processados por acusações vagas como
“existência de sérios problemas e obstáculos “animosidade contra Deus” e “corrupção
à [sua] implementação”. Além disso, o na Terra”, que são puníveis com a morte.
projeto de lei propunha emendas de natureza As autoridades executaram em segredo
retrógrada a 19 artigos, as quais visavam pelo menos oito árabes ahwazi, depois que
sobretudo a reverter as melhoras realizadas eles foram condenados em julgamentos

Anistia Internacional – Informe 2014/15 133


totalmente injustos por delitos que incluíam uma posição de subordinação ao homem em
“animosidade contra Deus”. As autoridades questões de casamento, divórcio, custódia
se recusaram a entregar seus corpos aos dos filhos, herança e outras.
familiares. Até outubro, pelo menos 33 Dois projetos de lei sobre população
homens sunitas, quase todos da minoria que tramitam no Parlamento ameaçavam
curda, eram mantidos encarcerados reduzir o acesso das mulheres a
enquanto aguardavam sua execução por serviços de saúde sexual e reprodutiva,
delitos como “reunir-se e conspirar contra a consequentemente prejudicando seu
segurança nacional”, “divulgar propaganda direito à vida, à privacidade, à igualdade de
contra o sistema”, “pertencimento a gênero e à liberdade de decidir o número
grupos salafistas”, “corrupção na Terra” e de filhos que querem ter e em que intervalo.
“animosidade contra Deus”. Muçulmanos Um projeto de lei pretendia impedir a
convertidos do xiismo ao sunismo foram mais realização de procedimentos cirúrgicos
perseguidos. 4 que impossibilitassem permanentemente
Em dezembro, as autoridades recorreram a gravidez, impondo medidas disciplinares
a ameaças de execução imediata e outras aos profissionais da saúde que fizessem os
medidas punitivas contra 24 prisioneiros procedimentos. O outro projeto pretendia
curdos que entraram em greve de fome para reduzir o número de divórcios e retirar
protestar contra as condições na Ala 12 da as disputas familiares da alçada judicial,
Penitenciária Central de Oroumieh, província priorizando assim a preservação da família
de Azerbaijão Oriental, onde eram mantidos em detrimento da resolução da violência
com outros presos políticos.5 doméstica. No fim do ano, nenhuma das leis
As autoridades intensificaram a havia sido promulgada. A proposta de uma lei
perseguição aos bahá’ís, fechando seus para oferecer às mulheres proteção contra a
estabelecimentos comerciais e destruindo violência não avançou, e as autoridades não
seus cemitérios. Dezenas de bahá’ís tomaram qualquer providência para combater
seguiam presos. a violência contra mulheres e meninas,
Em setembro, as autoridades prenderam inclusive os casamentos forçados, o estupro
mais de 800 dervixes gonabadis durante um marital e a violência doméstica.
protesto pacífico em Teerã em solidariedade As mulheres também tiveram que enfrentar
a nove dervixes gonabadis encarcerados restrições no trabalho. Estatísticas oficiais
que estavam em greve de fome. Os de setembro apontaram que o número de
grevistas demandavam que as autoridades mulheres com emprego diminuiu em 100
respeitassem os direitos civis dos dervixes mil postos anuais nos oito anos anteriores.
gonabadis e os tratassem como membros Em agosto, o chefe do Departamento de
iguais da sociedade.6 Edifícios Públicos da polícia afirmou que as
Clérigos xiitas e outros dissidentes que mulheres não deveriam trabalhar em cafés
manifestassem alternativas à interpretação ou em restaurantes iranianos tradicionais,
oficial do islamismo xiita, assim como exceto em suas cozinhas, escondidas do
os ateus, continuavam em risco de público. Em julho, o município de Teerã teria
sofrer perseguições, inclusive prisão, proibido seus gerentes de contratar mulheres
encarceramento e até execução. como secretárias ou para outros cargos
administrativos. Intensificaram-se os esforços
DIREITOS DAS MULHERES para a criação de ambientes de trabalho
Mulheres continuaram a sofrer discriminação segregados por gênero.
generalizada e sistemática na lei e na prática. Até o fim do ano, as autoridades também
Permaneceram em vigor as leis sobre haviam proibido musicistas mulheres de
condição pessoal, que conferem à mulher aparecer nos palcos de 13 das 31 províncias

134 Anistia Internacional – Informe 2014/15


do Irã. Em junho, autoridades da área direitos humanos, além de sistematicamente
de segurança prenderam mulheres que negar o acesso dos bahá’ís à educação.
participaram de uma manifestação pacífica Outras dezenas de estudantes e acadêmicos,
diante do Estádio Azadi, uma arena esportiva inclusive alguns ligados ao Instituto Bahá’í
de Teerã, para demandar o acesso igualitário de Educação Superior, extinto pelo governo
das mulheres aos locais públicos de prática em 2011, permaneceram na prisão. As
esportiva. 7 iniciativas do Ministério da Ciência, Pesquisa
e Tecnologia para permitir que alguns
DIREITO À PRIVACIDADE estudantes e docentes retornassem às
Toda conduta de natureza sexual entre universidades não resultou em medidas
pessoas não casadas permaneceu concretas para acabar com as exclusões
criminalizada. arbitrárias de estudantes do ensino superior.8
As autoridades continuaram a processar Tais iniciativas foram rechaçadas pelos
as pessoas em razão de sua real ou suposta setores conservadores do parlamento.
orientação sexual e identidade de gênero. O sistema de quotas de gênero usado
O Código Penal Islâmico revisado manteve pelas autoridades para reverter a tendência
as disposições que criminalizam qualquer de crescimento da participação feminina
conduta sexual consentida entre adultos na educação superior continuou em vigor,
do mesmo sexo. As punições previstas no apesar de relativamente amenizado no
Código para essas condutas variavam de 100 período acadêmico 2013-2014. Prosseguiram
chibatadas à pena de morte. as políticas oficiais voltadas a manter as
As autoridades iranianas impediram mulheres em casa cumprindo os papéis
e proibiram a publicação de qualquer “tradicionais” de esposas e mães.
material que trate de homossexualidade ou
de condutas sexuais fora de casamentos PENA DE MORTE
heterossexuais, recorrendo às disposições O Irã reteve a pena de morte para uma
da Lei de Crimes Cibernéticos referentes ampla gama de delitos, inclusive crimes com
a “crimes contra a castidade” e definições vagas tais como “animosidade
“perversão sexual”. contra Deus”. Em 2014, os índices de
Pessoas que não se enquadravam nas execução permaneceram altos. Algumas
normas estereotípicas de feminilidade execuções foram realizadas em público.
e masculinidade continuaram a sofrer Com base no Código Penal Islâmico
discriminação e violência. Pessoas revisado, os tribunais continuaram a impor
transgênero tiveram o reconhecimento legal sentenças de morte para infrações que não
de seu gênero negado, assim como seus atingiam o patamar de “crimes de maior
direitos, inclusive à educação e ao emprego, gravidade” segundo o direito internacional,
a menos que se submetessem a cirurgias além de outras como “ofender o Profeta do
de reatribuição de gênero. Em fevereiro, a Islã”, que sequer deveriam ser consideradas
Federação de Futebol oficial do Irã impediu crimes.9
sete jogadoras de competir por causa de sua Em muitos casos, os tribunais impuseram
“ambiguidade de gênero”. sentenças de morte após procedimentos que
não respeitaram as normas internacionais
DIREITO À EDUCAÇÃO para julgamentos justos, inclusive aceitando
As autoridades continuaram a restringir o como prova “confissões” obtidas mediante
direito à educação, mantendo centenas tortura outros maus-tratos. Os detidos
de estudantes excluídos das universidades geralmente eram privados de acesso a
iranianas por terem exercido pacificamente advogados durante a fase de instrução do
seu direito à liberdade de expressão ou outros processo.10

Anistia Internacional – Informe 2014/15 135


Dezenas de adolescentes em conflito com 7. Iran: Jailed for women’s right to watch sports (MDE 13/048/2014)

a lei, inclusive alguns sentenciados em anos www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/048/2014/en

anteriores por crimes cometidos quando 8. Silenced, expelled, imprisoned: Repression of students and academics

tinham menos de 18 anos, permaneceram in Iran (/015/2014)

no corredor da morte, alguns tendo sido www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/015/2014/en

executados. Os tribunais sentenciaram mais 9. Iran: Facing death for “insulting the Prophet”: Rouhollah Tavana

menores infratores à morte.11 O Código (MDE 13/012/2014)

Penal Islâmico revisado permitia a execução www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/012/2014/en Iran: Death

de menores infratores por qesas (castigo sentence for “insulting the Prophet”: Soheil Arabi (MDE 13/064/2014)

equivalente ao delito cometido) e hodoud www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/064/2014/en

(delitos com penas fixas previstas no direito 10. Execution of young woman a bloody stain on Iran’s human rights

islâmico), a menos que se considere que o record

infrator não entendesse a natureza do crime www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/execution-young-

ou suas consequências, ou que a capacidade woman-bloody-stain-iran-s-human-rights-record-2014-10-25

mental do infrator seja questionável. O direito 11. Iran: Juvenile offender at risk of execution in Iran: Rasoul Holoumi

internacional proíbe que se aplique a pena (MDE 13/040/2014)

capital a menores de 18 anos. www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/040/2014/en; Iran: Juvenile

O Código Penal Islâmico também offender nearing execution (MDE 13/0037/2014)

manteve a pena de lapidação (morte por www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/037/2014/en; Iran:

apedrejamento) para o delito de “adultério Kurdish juvenile offender facing execution: Saman Naseem (MDE

dentro do matrimônio”. Segundo informações, 13/049/2014)

pelo menos uma sentença de lapidação www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/049/2014/en

foi imposta em Ghaemshahr, província de


Mazandaran. Não se tem conhecimento de
execuções por esse método.

1. Iran: Release opposition leaders under house arrest three years on


IRAQUE
(MDE 13/009/2014) República do Iraque
www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/009/2014/en Chefe de Estado: Fuad Masum (sucedeu Jalal
2. Jailed for being a journalist (MDE 13/044/2014) Talabani em julho)
www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/044/2014/en Iran: Iranian- Chefe de Governo: Haider al-Abadi (sucedeu Nuri
American detained for journalism (MDE 13/065/2014) al-Maliki em setembro)
www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/065/2014/en
3. Justice is an alien word: Ill-treatment of political prisoners in Evin
Prison (MDE 13/023/2014) Houve uma deterioração acentuada na
www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/023/2014/en situação dos direitos humanos à medida
4. Iran: No progress on human rights: Amnesty International Submission que se intensificou o conflito armado
to the UN Universal Periodic Review, October-November 2014 (MDE entre as forças de segurança do governo e
13/034/2014) os combatentes do grupo armado Estado
www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/034/2014/en Islâmico (anteriormente ISIS), que ganhou
5. Iran: Alleged juvenile offender among 10 hunger strikers threatened controle de vastas partes do centro e do
with immediate execution (News story) norte do Iraque. Combatentes do Estado
www.amnesty.org/en/news/iran-alleged-juvenile-offender-among-10- Islâmico cometeram uma série de crimes
hunger-strikers-threatened-immediate-execution-2014-12- de guerra, inclusive limpeza étnica de
6. Iran: Hunger striking Dervishes critically ill (MDE 13/051/2014) minorias étnicas e religiosas, através de
www.amnesty.org/en/library/info/MDE13/051/2014/en uma campanha de assassinatos em massa
de homens e de sequestros e abusos,

136 Anistia Internacional – Informe 2014/15


sexuais e outros, de mulheres e meninas. cujos combatentes tomaram o controle de
Forças do governo realizaram bombardeios Mosul, a segunda maior cidade do Iraque,
indiscriminados em áreas controladas pelo em junho, e, em seguida, de grande parte
Estado Islâmico, e milícias xiitas apoiadas das províncias de Anbar, Diyala, Kirkuk,
pelo governo sequestraram e executaram Ninevah e Salah al-Din. Isso provocou
dezenas de homens sunitas em áreas sob uma ressurgência dramática das tensões
controle governamental. O conflito causou sectárias e enormes deslocamentos das
a morte de cerca de 10 mil civis entre comunidades em perigo de sofrer ataques
janeiro e outubro; forçou o desalojamento armados do grupo armado ou ataques aéreos
de quase 2 milhões de pessoas e criou uma do governo. Minorias étnicas e religiosas
crise humanitária. A situação foi exacerbada foram particularmente visadas pelo ISIS, que
pelo influxo continuado de milhares de expulsou todos os habitantes não sunitas e
refugiados da Síria, principalmente para não muçulmanos das áreas sob seu controle.
a região semiautônoma do Curdistão. O Em 30 de junho, o ISIS declarou um
governo continuou a manter milhares “califado”, se autodenominou Estado Islâmico
de pessoas detidas sem acusação nem sob a liderança do iraquiano Abu Bakr
julgamento, muitas delas em detenção al-Baghdadi, e convocou os muçulmanos de
secreta e sem acesso ao mundo exterior. todo o mundo a declarar lealdade a ele.
Tortura e outros maus-tratos durante a Em agosto, combatentes do Estado
detenção continuaram frequentes, e muitos Islâmico tomaram controle da região de
julgamentos foram injustos. Os tribunais Sinjar, matando e sequestrando grande
condenaram muitos à morte, a maioria número de habitantes yazidis que não
por acusações de terrorismo; mais de conseguiram fugir. Após os avanços do
mil prisioneiros estavam no corredor da Estado Islâmico e a decapitação pública
morte, e as execuções prosseguiram numa de cidadãos do Reino Unido e dos Estados
taxa elevada. Unidos capturados pelo grupo, uma coalizão
de 40 países liderada pelos EUA começou
INFORMAÇÕES GERAIS a realizar ataques aéreos contra o Estado
Conflitos armados eclodiram em janeiro Islâmico em agosto, e aumentou o apoio
entre forças de segurança do governo e o militar e o treinamento para as forças do
grupo armado ISIS, um mês depois que governo iraquiano e as forças armadas curdas
as autoridades desmantelaram à força (peshmerga) que combatiam o grupo.
um acampamento de protesto montado Eleições parlamentares foram realizadas
há um ano por membros da comunidade em abril, num contexto de violência que levou
sunita em Ramadi, província de Anbar. à morte de dois membros da Alta Comissão
Forças do governo realizaram bombardeios Eleitoral Independente e de pelo menos três
indiscriminados para recuperar o controle de candidatos, em meio a ataques de pistoleiros
Falujah e partes de Ramadi controladas pelo contra os locais de votação em Anbar, Diyala
grupo armado, matando civis e causando e outras áreas predominantemente sunitas. A
danos à infraestrutura civil. A província de coalização Estado de Direito de Nuri al-Maliki,
Anbar permaneceu em conflito ao longo majoritariamente xiita, ganhou o maior bloco
do ano, com denúncias de que o primeiro- de cadeiras, mas isso não garantiu um
ministro Nuri al-Maliki havia solapado os terceiro mandato como primeiro-ministro ao
esforços de líderes tribais para negociar seu líder, que foi substituído em setembro
uma solução. após demandas nacionais e internacionais
O fracasso do governo em resolver a crise, por um governo mais inclusivo.
entre outros fatores, impossibilitou que Anbar A proposta da Lei Jafari, que pretendia
impedisse o rápido avanço militar do ISIS, regular a condição pessoal das comunidades

Anistia Internacional – Informe 2014/15 137


xiitas no Iraque, foi retirada após críticas de grande parte do noroeste do Iraque,
disseminadas de que poderia minar os combatentes do Estado Islâmico embarcaram
direitos de mulheres e meninas, inclusive numa campanha sistemática de limpeza
legalizando o casamento de meninas de até étnica, na qual cometeram crimes de guerra,
9 anos. inclusive execução sumária e sequestros
As tensões entre as autoridades de Bagdá em massa de minorias religiosas e étnicas,
e o governo semiautônomo regional do como cristãos, yazidis, turcomanos xiitas e
Curdistão, no norte do país, foram atenuadas shabak xiitas.
em novembro após um acordo interino sobre Centenas de detentos, a maioria xiitas,
as receitas do petróleo e as contribuições da foram mortos por combatentes do Estado
região semiautônoma ao orçamento nacional. Islâmico que, em junho, tomaram a
Penitenciária Central de Badush, a oeste
CONFLITO ARMADO INTERNO de Mosul. Em julho, combatentes do grupo
Forças do governo e milícias xiitas armadas armado expulsaram milhares de cristãos de
e patrocinadas pelo governo cometeram suas casas e comunidades, ameaçando-os
crimes de guerra e violações de direitos de morte a não ser que se convertessem
humanos, visando predominantemente as ao Islã, e, em agosto, realizaram ataques
comunidades sunitas. Em Anbar, Mosul letais em massa contra a minoria yazidi.
e outras áreas sob controle do Estado Os combatentes do Estado Islâmico que
Islâmico, forças do governo realizaram atacaram a região de Sinjar sequestraram
ataques aéreos indiscriminados contra áreas milhares de civis yazidis, matando
civis, inclusive com bombas de barril, que sumariamente centenas de homens e
mataram e feriram civis. Em setembro, o meninos de até 12 anos em Qiniyeh, Kocho
primeiro-ministro Al Abadi exortou as forças e outros vilarejos. Centenas, provavelmente
de segurança a cessar o bombardeio de milhares, incluindo famílias inteiras,
áreas civis, mas os ataques aéreos nas continuam desaparecidos. Centenas de
áreas controladas pelo Estado Islâmico mulheres e meninas sofreram abuso sexual.
continuaram, com mais mortes de civis. Combatentes do Estado Islâmico também
Forças de segurança e milícias xiitas mataram membros da comunidade sunita
sequestraram ou detiveram sunitas suspeitos de se oporem a eles ou de
e realizaram dezenas de execuções trabalhar para o governo, para suas forças de
extrajudiciais com impunidade. Nas áreas segurança ou, anteriormente, para as forças
onde o controle foi retomado do Estado dos EUA no Iraque. Em outubro, o Estado
Islâmico, também destruíram casas e Islâmico matou mais de 320 membros da
negócios dos moradores sunitas, em tribo sunita Albu Nimr, em Anbar, quando o
represália ao suposto apoio de membros governo procurou mobilizar e armar tribos
dessas comunidades ao grupo armado. sunitas para lutar contra o grupo.
Forças do Governo Regional do Curdistão Combatentes do Estado Islâmico
também destruíram casas de árabes sunitas executaram sumariamente centenas
em represália, nas áreas que retomaram do de pessoas que capturaram, inclusive
Estado Islâmico. soldados do governo. Em junho, executaram
sumariamente mais de mil soldados e
ABUSOS COMETIDOS POR voluntários do exército feitos prisioneiros
GRUPOS ARMADOS enquanto fugiam desarmados do
Grupos armados realizaram atentados acampamento Speicher, uma grande base
suicidas indiscriminados com carros-bomba militar em Tikrit. O grupo postou vídeos de
em todo o Iraque, matando e ferindo milhares alguns dos assassinatos na internet.
de civis. À medida que ganhavam controle

138 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Forças do Estado Islâmico destruíram ou PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS
profanaram sítios históricos e locais de culto As autoridades detiveram milhares de
de todas as comunidades étnicas e religiosas, pessoas sem acusação nem julgamento,
estabeleceram tribunais islâmicos nas áreas com base na lei antiterrorismo. Em fevereiro,
que controlavam e exigiram que aqueles que o chefe do Comitê de Direitos Humanos do
haviam trabalhado para o governo ou para Parlamento afirmou que cerca de 40 mil
forças dos EUA se arrependessem. Emitiram detentos permaneciam na prisão aguardando
ordem severas quanto ao comportamento investigações. Muitos foram mantidos
individual, exigindo que mulheres e meninas em penitenciárias e centros de detenção
usassem véus sobre o rosto e fossem administrados por diversos ministérios
acompanhadas de um parente masculino do governo.
sempre que saíssem de casa, segregando Em uma carta enviada pelo Tribunal
homens e mulheres nas escolas e no Central de Investigação ao presidente do
ambiente de trabalho, e banindo cigarros e Conselho Superior da Magistratura em 2013,
atividades e estilos de vida “ocidentais”. e publicada em abril de 2014, denunciava-se
que as autoridades continuaram a realizar
VIOLÊNCIA CONTRA prisões ilegais usando uma lista com
MULHERES E MENINAS nomes parciais de milhares de suspeitos
Mulheres e meninas, principalmente que o Diretório Geral Antiterrorismo havia
da comunidade yazidi, foram raptadas enviado a delegacias de polícia e que
por combatentes do Estado Islâmico e se referia à violência sectária de 2006 e
submetidas a casamento forçado, estupro 2007. Acredita-se que isso tenha levado à
e outros abusos sexuais. Também foram detenção de pessoas erradas, cujos nomes
supostamente vendidas como escravas correspondiam em parte aos da lista.
e exploradas sexualmente, tanto dentro
do Iraque como em áreas controladas TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
pelo Estado Islâmico na vizinha Síria. Em A tortura e outros maus-tratos permaneceram
novembro, mais de 200 mulheres e crianças, comuns e disseminados em penitenciárias
algumas de poucos meses de idade, e centros de detenção, principalmente
conseguiram escapar do cativeiro do Estado naqueles controlados pelos ministérios do
Islâmico. Entre elas, estava uma mulher de Interior e da Defesa, e foram cometidos
19 anos que foi sequestrada com outros com impunidade. A inspeção desses
parentes quando combatentes do grupo centros pela Alta Comissão Independente
invadiram a região de Sinjar em agosto e para os Direitos Humanos foi proibida. Os
a forçaram a “se casar” com um membro interrogadores torturaram os detentos para
do Estado Islâmico que repetidamente a extrair informações e “confissões” que
estuprou e espancou depois que ela tentou seriam usadas contra eles em julgamento.
fugir. Ela escapou junto com uma adolescente Às vezes, os detentos foram torturados
de 15 anos que também fora raptada e dada até a morte. Representantes do governo,
como “esposa” a um combatente do grupo. presentes à revisão periódica anual do
Outras mulheres foram vítimas de execuções Iraque no Conselho de Direitos Humanos da
ilegais por criticar o Estado Islâmico ou ONU, disseram que as autoridades haviam
desobedecer suas ordens. Em outubro, o investigado 516 casos de tortura entre
grupo armado matou uma ex-parlamentar, 2008 e 2014, com muitos resultando em
Iman Muhammad Younes, depois de processos, mas não forneceram detalhes e
mantê-la várias semanas em cativeiro. não identificaram as agências de segurança
responsáveis.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 139


Uday Taha Kurdi, advogado e pai de dois segurança o haviam prendido em dezembro
filhos, morreu em junho depois de 15 dias de 2013, depois de dispersarem à força um
de detenção pelos agentes do Diretório Geral protesto em Anbar que já durava um ano.
Antiterrorismo em Bagdá. Numa carta à
União de Advogados Iraquianos em julho, o LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Ministério do Interior disse que Uday Taha Jornalistas trabalharam em condições
Kurdi havia sofrido um “problema cardíaco” extremamente perigosas e sofreram ameaças,
durante a detenção, sendo levado ao tanto de agentes do Estado quanto não
hospital, onde morreu. O Ministério afirmou estatais. Alguns foram vítimas de homicídios
também que um juiz concluíra que Uday planejados ou tentativas de assassinato;
Taha Kurdi, cujo irmão havia sido detido por outros foram agredidos fisicamente.
acusações de terrorismo, era “da liderança Em março, Mohammad Bdaiwi
do Estado Islâmico” e pertencia a “uma al-Shammari, professor universitário e chefe
família terrorista”, tendo dito ao juiz, quando do escritório da Rádio Free Iraq em Bagdá,
perguntado, que não fora torturado. O foi morto a tiros num posto de controle
Conselho Supremo da Magistratura afirmou em Bagdá por um soldado da Guarda
que sua morte resultou de falência renal, Presidencial durante uma discussão sobre
não de tortura, como alegado. Entretanto, o acesso ao complexo presidencial. Em
fotos do corpo de Uday Taha Kurdi, agosto, um tribunal condenou o soldado à
tiradas no necrotério e obtidas pela Anistia prisão perpétua.
Internacional, mostram que, antes de morrer, Em junho, a Comissão de Comunicações
ele sofreu contusões, feridas abertas e e Mídia, controlada pelo governo, emitiu
queimaduras condizentes com as denúncias orientações “obrigatórias” para regular
de tortura. as atividades dos meios de comunicação
“durante a guerra ao terror”, proibindo-os
JULGAMENTOS INJUSTOS de divulgar informações sobre forças
O sistema de justiça criminal continuou insurgentes e de criticar as forças do governo,
profundamente falho. O Judiciário não informando sobre suas atividades somente
tinha independência. Juízes e advogados em termos favoráveis.
envolvidos em julgamentos de membros de Jornalistas foram sequestrados e
grupos armados continuaram a ser alvo de executados pelo Estado Islâmico nas
assassinatos, sequestros e ataques de grupos áreas sob seu controle. Em outubro, Raad
armados. Os julgamentos, especialmente Mohammed Al Azawi, cinegrafista do canal
de réus acusados de terrorismo, eram de TV Sama Salah al-Din, foi decapitado
frequentemente injustos; os tribunais em Samarra, depois de um mês de prisão,
declaravam os réus culpados com base em supostamente por se recusar a cooperar com
“confissões” obtidas mediante tortura, que o Estado Islâmico.
eram frequentemente transmitidas no canal
de TV Al Iraqiya, controlado pelo governo. DESALOJADOS INTERNOS
Outras condenações foram baseadas em Quase dois milhões de pessoas foram
provas obtidas de informantes secretos e desalojadas de suas casas devido aos
não identificados, inclusive em casos que conflitos nas províncias de Anbar, Diyala,
resultaram em penas de morte. Kirkuk, Ninevah e Salah al-Din. Metade delas
Em novembro, um tribunal de Bagdá fugiu para a região do Curdistão iraquiano,
condenou o ex-líder parlamentar sunita que, em novembro, também abrigava cerca
Ahmed al-Alwani à morte por acusações de 225 mil refugiados da Síria. Milhares de
relacionadas ao terrorismo, após um refugiados iraquianos retornaram ao Iraque,
julgamento totalmente injusto. As forças de vindos da Síria e de outros lugares, mas não

140 Anistia Internacional – Informe 2014/15


puderam voltar para casa, aumentando o depois de julgamentos injustos. Em abril,
número de desalojados internos. o Ministério da Justiça afirmou que 600
A escala sem precedentes da crise presos estavam no corredor da morte
humanitária no Iraque levou a ONU a só na Penitenciária Al Nassiriya, onde
categorizá-la no nível mais alto de emergência novas instalações para execuções foram
e aconselhar os governos a assegurar implantadas. Em agosto, o Ministério da
proteção internacional aos requerentes Justiça declarou que 1.724 prisioneiros
de asilo iraquianos e defendê-los de aguardavam execução, inclusive alguns
repatriamento forçado. cujas sentenças ainda não haviam sido
confirmadas.
REGIÃO DO CURDISTÃO IRAQUIANO As autoridades continuaram realizando
Embora as forças armadas curdas grande número de execuções, inclusive
(peshmergas) tenham lutado contra o Estado múltiplas. Em 21 de janeiro, foram
Islâmico em várias áreas do norte do Iraque, executados 26 prisioneiros, menos de uma
as três províncias que compõem a região semana depois que o secretário-geral da
semiautônoma do Curdistão permaneceram ONU, Ban Ki-moon, apelou às autoridades
relativamente imunes à violência que assolava iraquianas para impor uma moratória nas
grande parte do país. Essa situação mudou execuções. Rejeitando o apelo feito durante
em novembro, quando um carro-bomba uma coletiva de imprensa conjunta com Ban
explodiu próximo a um prédio em Erbil, Ki-moon, o primeiro-ministro Nuri al-Maliki
matando pelo menos 4 pessoas e ferindo disse que seu governo “não acredita que os
outras 22. direitos de alguém que mata pessoas devam
As autoridades do Governo Regional do ser respeitados”.
Curdistão continuaram a perseguir quem
criticasse abertamente a corrupção oficial
ou manifestasse opiniões divergentes.

ISRAEL E
As autoridades executivas continuaram
a interferir no Judiciário, influenciando

TERRITÓRIOS
os julgamentos. Incidentes de tortura e
outros maus-tratos continuaram a ser

PALESTINOS
relatados. Pessoas presas sob acusações
de terrorismo foram mantidas em regime de

OCUPADOS
incomunicabilidade, sem acesso à família ou
advogados, por períodos prolongados.
Autoridades do Governo Regional do
Curdistão continuaram a deter o jornalista Estado de Israel
Niaz Aziz Saleh, preso desde janeiro de 2012 Chefe de Estado: Reuven Rivlin (sucedeu Shimon
por supostamente revelar detalhes de fraude Peres em julho)
eleitoral, sem acusações ou julgamento. A Chefe de governo: Benjamin Netanyahu
Direção Geral de Segurança (Asayish Gishti)
de Erbil teria se recusado repetidamente a
levá-lo aos tribunais para que fosse julgado. As forças israelenses cometeram crimes
de guerra e violações de direitos humanos
PENA DE MORTE durante a ofensiva militar de 50 dias
Os tribunais continuaram a impor penas de na Faixa de Gaza, que matou mais de
morte para uma série de crimes. A maioria 1.500 civis, inclusive 539 crianças,
dos réus foi condenada por acusações feriu milhares de outros civis e levou
relacionadas ao terrorismo, muitas vezes ao desalojamento em massa de civis e

Anistia Internacional – Informe 2014/15 141


à destruição de bens e serviços vitais. em 8 de julho, enquanto o Hamas e outros
Israel manteve o seu bloqueio a Gaza por grupos armados palestinos incrementaram o
ar, mar e terra, impondo uma punição lançamento de foguetes contra o sul de Israel.
coletiva aos seus aproximadamente 1,8 Após 10 dias de ataques aéreos, Israel lançou
milhão de habitantes e agravando a crise uma invasão terrestre em Gaza, retirando-se
humanitária. Na Cisjordânia, as forças pouco antes de um cessar-fogo, mediado
israelenses perpetraram homicídios ilegais pelos EUA e pelo Egito, entrar em vigor após
de manifestantes palestinos, inclusive 50 dias de hostilidades.
crianças, e mantiveram uma série de O cessar-fogo pôs fim a um conflito
restrições despóticas sobre a liberdade de aberto, mas a tensão permaneceu alta,
circulação dos palestinos, continuaram a particularmente na Cisjordânia. As relações
promover assentamentos ilegais e a permitir entre as comunidades se deterioraram
que os colonos israelenses ataquem os por conta de uma série de ataques de
palestinos e destruam suas propriedades palestinos contra civis israelenses, inclusive
com praticamente total impunidade. As um ataque contra fiéis em uma sinagoga;
forças israelenses detiveram milhares de novos assassinatos de palestinos, inclusive
palestinos, alguns dos quais disseram ter manifestantes, por forças israelenses; o
sido torturados, e mantiveram cerca de 500 anúncio do governo de novas expropriações
pessoas detidas administrativamente sem de terras e planos para construir unidades
julgamento. Dentro de Israel, as autoridades habitacionais adicionais para colonos
continuaram a demolir casas de beduínos em Jerusalém Oriental; e a decisão das
palestinos em "aldeias não reconhecidas" na autoridades israelenses, em novembro, de
região de Negev/Naqab e a efetuar remoções fechar temporariamente o acesso ao Monte
forçadas. Também detiveram e expulsaram do Templo em Jerusalém, impedindo que os
sumariamente milhares de migrantes fiéis cheguem à mesquita de Al Aqsa, um
estrangeiros, inclusive requerentes de dos locais mais sagrados do Islã. O crescente
asilo e presos israelenses objetores de reconhecimento internacional da Palestina
consciência. como um Estado também contribuiu para
as tensões.
INFORMAÇÕES GERAIS Em dezembro, o P rimeiro-ministro
As tensões entre israelenses e palestinos Netanyahu demitiu dois ministros por
aumentaram rapidamente em meio ao motivos que incluem divergências sobre uma
colapso das negociações patrocinadas pelos proposta de " Projeto de Lei Estado-Nação
EUA em abril, a um acordo de reconciliação ", definindo Israel como um E stado para o
Fatah-Hamas, à continuação da expansão povo judeu. O Knesset votou pela dissolução
dos assentamentos ilegais de Israel na do Parlamento e pel a realização de novas
Cisjordânia e ao bloqueio de Gaza. As tensões eleições em março de 2015, por iniciativa do
deflagraram um novo conflito armado em P rimeiro-ministro.
julho, após o assassinato de pelo menos 15
palestinos por forças israelenses desde o CONFLITO ARMADO
início do ano, o sequestro e assassinato de A ofensiva militar Margem Protetora, que
três adolescentes israelenses na Cisjordânia Israel afirmou ter sido lançada em resposta
por homens palestinos filiados ao Hamas, a um surto de foguetes disparados contra
o assassinato, em represália, de um jovem Israel por grupos armados palestinos em
palestino por israelenses e o lançamento de Gaza, matou mais de 2.000 habitantes
foguetes de Gaza contra Israel. Os militares de Gaza, inclusive mais de 1.500 civis,
israelenses lançaram uma ofensiva contra a entre eles cerca de 539 crianças. Ataques
Faixa de Gaza, a Operação Margem Protetora, aéreos e terrestres israelenses danificaram

142 Anistia Internacional – Informe 2014/15


ou destruíram milhares de casas de civis, moderno centro comercial em Rafah, em
e deslocaram internamente em torno de meio a afirmações vagas de que os edifícios
110.000 palestinos, assim como cortaram residenciais abrigavam um centro de
o fornecimento e a geração de energia e de comando do Hamas e que eram "instalações
água, além de atingirem outras instalações ligadas a militantes palestinos", mas sem
civis. Em Israel, foguetes e outras armas fornecer qualquer prova convincente ou
disparadas indiscriminadamente por grupos uma explicação de por que, se houvesse
armados palestinos da Faixa de Gaza, razões militares legítimas para justificar os
violando as leis da guerra, mataram seis civis, ataques, outros meios menos destrutivos não
inclusive uma criança, feriram dezenas e foram empregados.
danificaram bens civis. As autoridades israelenses tentaram
Durante os 50 dias de conflito, antes de o publicamente transferir a culpa pela grande
cessar-fogo entrar em vigor em 26 de agosto, perda de vidas e pela destruição em massa
as forças israelenses cometeram crimes de causada pela ofensiva israelense na Faixa
guerra, inclusive ataques desproporcionais de Gaza para o Hamas e para os grupos
e indiscriminados contra áreas civis armados palestinos, alegando que eles
densamente povoadas de Gaza, bem como dispararam foguetes e outras armas de dentro
ataques direcionados a escolas que abrigam ou próximo de áreas residenciais civis, e que
civis e outros edifícios civis que as forças teriam escondido munições em edifícios civis.
israelenses declararam que eram usados
pelo Hamas como centros de comando ou LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO
para armazenar ou lançar foguetes. Na noite – O BLOQUEIO DE GAZA E AS
de 30 de julho, fogo de artilharia israelense RESTRIÇÕES NA CISJORDÂNIA
atingiu a escola primária Jabaliya, onde mais As forças israelenses mantiveram ao longo do
de 3.000 civis tinham se refugiado, matando ano seu bloqueio por terra, mar e ar a Gaza,
pelo menos 20 pessoas e ferindo outras. impondo efetivamente uma punição coletiva
Foi a sexta vez que uma escola que estava para os cerca de 1,8 milhão de habitantes
sendo usada pela ONU para abrigar civis foi do território, predominantemente civis,
atacada desde que o conflito começou três com todas as importações e exportações,
semanas antes. e qualquer movimento de pessoas dentro
As forças israelenses também atacaram ou fora de Gaza sujeitos à aprovação
hospitais e trabalhadores da área de saúde, de Israel; o fechamento da fronteira do
inclusive o pessoal das ambulâncias, Egito com Rafah foi mantido, deixando
encarregado de atender os feridos ou Gaza efetivamente isolada. As graves
resgatar os corpos dos mortos. Dezenas de consequências humanitárias do bloqueio,
casas foram destruídas ou danificadas por que vigora continuamente desde junho de
mísseis ou bombas aéreas com famílias 2007, ficaram mais evidentes diante da
ainda dentro. Por exemplo, em oito casos proporção considerável da população de
documentados pela Anistia Internacional, Gaza que depende da ajuda humanitária
os ataques israelenses a casas habitadas internacional para sobreviver, tendo sido
mataram pelo menos 104 civis, inclusive 62 ainda mais agravadas pela devastação e pelo
crianças. Muitas vezes, o exército israelense desalojamento de pessoas provocados pela
não deu nenhuma justificativa para os Operação Margem Protetora de Israel.
ataques seletivos. As forças israelenses controlaram o
Nos dias que antecederam o cessar-fogo, bloqueio usando armamentos letais contra os
as forças israelenses lançaram ataques palestinos que entraram ou se aproximaram
que destruíram três edifícios residenciais de uma zona de segurança de 500 metros de
de vários andares na Cidade de Gaza e um largura que impuseram dentro da fronteira

Anistia Internacional – Informe 2014/15 143


terrestre de Gaza com Israel, e contra USO EXCESSIVO DA FORÇA
pescadores que entraram ou se aproximaram Soldados israelenses e guardas de fronteira
da "zona de exclusão" que Israel mantém mataram ilegalmente pelo menos 50 civis
ao longo de toda a costa de Gaza. Forças palestinos na Cisjordânia e continuaram a
israelenses mataram sete civis palestinos usar força excessiva, inclusive armamento
que estavam perto ou dentro da zona de letal, durante protestos contra a ininterrupta
segurança antes da Operação Margem ocupação militar de Israel, quando
Protetora, e outro após o cessar-fogo, quando prenderam ativistas políticos, e durante os 50
a zona de segurança seria reduzida e a dias de ofensiva militar de Israel contra Gaza.
área de pesca permitida estendida. Tiroteios Algumas mortes podem estar relacionadas
continuaram frequentes; alguns pescadores a execuções extrajudiciais. Em setembro,
também foram baleados e feridos pelas forças o Escritório das Nações Unidas para a
navais israelenses. Coordenação de Assuntos Humanitários
Na Cisjordânia, Israel continuou a informou que o número de palestinos feridos
construção do muro/ cerca com torres de pelas forças israelenses na Cisjordânia –
vigilância, principalmente em terras palest mais de 4.200 desde o início de 2014 – já
inas, voltado à prote ção dos assentamentos ultrapassou o total de 2013, e que muitos dos
ilegais , ao mesmo tempo impedindo o feridos, inclusive crianças, foram atingidos
acesso de moradores palestinos a suas terras. por balas de metal revestidas de borracha
Agricultores palestinos foram obrigados a disparadas pelas forças israelenses. Como
obter licenças especiais para chegar a suas em anos anteriores, os soldados e guardas de
terras entre o muro e a Linha Verde que fronteira usaram armamento letal contra os
demarca a fronteira da Cisjordânia com Israel. manifestantes, inclusive contra aqueles que
Em toda a Cisjordânia , as forças israelenses jogaram pedras e outros projéteis que não
mantêm outras restrições à livre circulação constituíam uma ameaça grave a suas vidas.
dos palesti nos, utilizando os pos tos militares
e restringindo o acesso a determinadas IMPUNIDADE
áreas, bem como impedindo os palestinos As autoridades não conduziram investigações
de usarem estradas secundárias construída independentes sobre os supostos crimes
s para o uso de colonos israelens es. Es s as de guerra e violações de direitos humanos
restrições dificultam o acesso dos palestinos cometidos pelas forças israelenses durante
a hospitais, escolas e locais de trabalho. Além a Operação Margem Protetora e se
disso, Israel transferiu palestinos à força de recusaram a cooperar com uma investigação
Jerusalém Oriental ocupada para outras áreas internacional designada pelo Conselho de
na Cisjordânia. Direitos Humanos das Nações Unidas. No
As restrições foram reforçadas ainda entanto, as autoridades aparentemente têm
mais durante a Operação Guardião do cooperado com o Conselho de Inquérito do
Irmão: medidas repressivas tomadas pelas Secretário-Geral das Nações Unidas, criado
autoridades israelenses após o sequestro de para investigar os incidentes que atingiram
três adolescentes israelenses que estavam edifícios da ONU em Gaza.
pedindo carona na Cisjordânia em junho. Em agosto, o chefe-geral do Estado-Maior
A Operação Guardião do Irmão levou a um das forças armadas ordenou a instauração
aumento significativo da presença militar de um inquérito para investigar mais de 90
israelense em cidades e aldeias palestinas, "incidentes excepcionais" durante a Operação
à morte de pelo menos cinco palestinos, a Margem Protetora, nos quais havia "motivos
prisões em massa e a detenções, à imposição razoáveis para se suspeitar de uma violação
de restrições arbitrárias de viagem e a da lei". Em setembro, foi anunciado que o
invasões de casas palestinas. advogado-geral militar concluiu os inquéritos

144 Anistia Internacional – Informe 2014/15


em nove casos e ordenou investigações quando os detidos denunciaram tortura,
criminais em outros 10. alimentando assim um clima de impunidade.
As autoridades também não realizaram
investigações adequadas sobre os tiros DIREITO À MORADIA – REMOÇÕES
desferidos contra palestinos durante FORÇADAS E DEMOLIÇÕES
os protestos na Cisjordânia, apesar de Na Cisjordânia, forças israelenses
evidências convincentes de que as forças continuaram a demolir casas palestinas
israelenses repetidamente usaram força e outras construções, removendo à força
excessiva e recorreram a armamento letal em centenas de pessoas de suas residências,
circunstâncias em que o uso de tais meios muitas vezes sem aviso ou consulta prévia. As
mortíferos eram injustificados. famílias de palestinos que realizaram ataques
contra israelenses também tiveram as casa
DETENÇÃO SEM JULGAMENTO demolidas como medida punitiva.
Centenas de palestinos dos Territórios Os beduínos palestinos cidadãos de Israel
Palestinos Ocupados foram detidos sem que vivem em aldeias "não reconhecidas"
acusação nem julgamento, por meio de ou reconhecidas recentemente também
ordens de detenção administrativa emitidas tiveram suas casas e construções destruídas,
contra eles com base em informações segundo as autoridades porque foram
secretas, às quais nem eles nem seus construídas sem permissão. As autoridades
advogados tinham acesso e tampouco israelenses proibiram qualquer construção
podiam contestar de forma efetiva. Após sem autorização oficial, a qual era negada aos
as medidas repressivas das forças de habitantes árabes das aldeias, que também
segurança contra os palestinos aplicadas eram privados de acesso a serviços básicos,
depois do sequestro e do assassinato de três como energia elétrica e abastecimento de
adolescentes israelenses em junho, o número água canalizada. De acordo com o Plano
de detentos administrativos mais do que Prawer, de 2011, as autoridades propuseram
duplicou, passando de cerca de 200 em maio demolir 35 vilarejos "não reconhecidos"
para 468 em setembro. e remover à força até 70.000 habitantes
beduínos de suas terras e casas atuais,
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS acomodando-os em locais designados
Detentos palestinos continuaram a ser oficialmente. A implementação do plano,
torturados e maltratados por agentes de aprovado sem consulta às comunidades
segurança israelenses, particularmente beduínas afetadas, ficou suspensa após a
funcionários da Agência de Segurança demissão, em dezembro de 2013, do ministro
Interna, que frequentemente mantêm de governo encarregado de supervisioná-lo.
os detidos incomunicáveis durante o Declarações oficiais anunciaram seu
interrogatório, por dias e até semanas. Os cancelamento, mas o exército continuou a
métodos utilizados incluíram agressões demolir casas e outras edificações.
físicas, como tapas e estrangulamento,
posições algemadas e de estresse OBJETORES DE CONSCIÊNCIA
prolongado, privação de sono e ameaças Os tribunais militares continuaram a impor
contra o detento e sua família. As denúncias sentenças de prisão contra cidadãos
de tortura aumentaram em meio à onda de israelenses que se recusaram a realizar o
detenções que se seguiu ao sequestro dos serviço militar obrigatório por razões de co
adolescentes israelenses em junho. nsciência. Pelo menos seis obje tores de
As autoridades não tomaram medidas consciência foram presos duran te o ano.
adequadas para prevenir a tortura ou para Omar Sa ad foi libertado em junho d epois
conduzir investigações independentes de cumprir 150 dias em prisão milit ar;

Anistia Internacional – Informe 2014/15 145


em seguida, foi declarado in adequado e de origem ou viajassem para outros países.
dispensado do serviço militar. Segundo informações, mais de 5.000 eritreus
e sudaneses teriam aceitado o "regresso
REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO voluntário" nos primeiros 10 meses do ano,
Os requerentes de asilo que necessitam de alguns deles deixando o país após enfrenta
proteção internacional não tiveram acesso a um risco iminente de detenção, apesar dos
um processo de decisão justo. As autoridades temores de que sofressem perseguição ou
detiveram mais de 2.000 africanos tortura nos países de onde haviam fugido. Há
solicitantes de asilo por tempo indefinido em relatos de que alguns deles, quando voltaram
uma instalação no deserto de Negev/Naqab. para o Sudão, foram detidos e acusados de
Mais de 2.200 solicitantes de asilo espionar para Israel.
eritreus e sudaneses se encontram detidos Israel supostamente mantém acordos
em Holot , uma unidade de detenção no secretos com certos países africanos,
deserto inaugurada depois que o governo permitindo que requerentes de asilo
apressou a aprovação da Emenda 4 da Lei sejam transferidos sem poder ter acesso
de Prevenção da Infiltração , em 2013. Em a um processo justo para a determinação
setembro, o Tribunal Superior de Justiça da condição de refugiado em Israel e
derrubou a Emenda 4 , sob o argumento sem qualquer proteção contra possíveis
de q ue as autoridades tinham se atribuído transferências posteriores para seus países
poderes para deter automaticamente por um de origem, inclusive nos casos em que esse
ano todos os requerentes de asilo recém- retorno constitui devolução (refoulement).
chegados, violando o direito à dignidade
humana. O Tribunal ordenou a o governo
fechar as instalações em Holot ou estabelecer
um dispositivo legislativo alternativo no
prazo de 90 dias. Em dezembro, o Knesset ITÁLIA
aprovou novas alterações à lei , que permitiri
a m às autoridades continuar detendo República Italiana
automaticamente os requerentes de asilo. Chefe de Estado: Giorgio Napolitano
Os eritreus e sudaneses, que Chefe de governo: Matteo Renzi
representavam mais de 90% de um total
estimado em 47.000 requerentes de
asilo africanos em Israel, continuaram Mais de 170 mil refugiados e migrantes
sendo efetivamente privados de acesso que tentavam chegar à Itália vindos do
a procedimentos justos de decisão de Norte da África em embarcações impróprias
refúgio. Até o fim do ano, as autoridades para navegação marítima foram resgatados
israelenses haviam estendido a condição de no mar pelas autoridades italianas. A
refugiado a apenas dois eritreus e sudaneses, decisão do governo de suspender no fim de
recusando muitos outros pedidos sem a outubro uma operação de resgate de pessoas
devida consideração. Os requerentes de asilo em alto mar, a Mare Nostrum, suscitou
eram proibidos por lei de aceitar trabalho preocupações de que o número de vítimas
remunerado e tinham pouco ou nenhum pudesse aumentar significativamente. As
acesso a cuidados de saúde e serviços de autoridades não asseguraram condições de
bem-estar. Enquanto isso, as autoridades recepção adequadas para o elevado número
pressionaram muitos deles a deixar Israel de refugiados e migrantes que chegam
"voluntariamente", com base num sistema em pelo mar. Prosseguiu a discriminação aos
que se pagava para que eles retirassem seus ciganos, com milhares sendo segregados
pedidos de asilo e voltassem para seus países em campos. A Itália não tipificou o crime

146 Anistia Internacional – Informe 2014/15


de tortura no direito interno nem criou uma exposto quatro cidadãos afegãos, que haviam
instituição nacional de direitos humanos chegado de forma irregular, ao risco de
independente. maus-tratos e outras violações ao devolvê-los
à Grécia, bem como ao risco adicional de
DIREITOS DOS REFUGIADOS tortura e morte no caso de deportação para o
E MIGRANTES Afeganistão.
Mais de 170 mil refugiados e migrantes Refugiados e requerentes de asilo,
chegaram à Itália por mar, inclusive mais de inclusive crianças, continuaram em risco de
10 mil menores desacompanhados, a grande sofrer privações.
maioria tendo partido da Líbia. Até o fim de Em abril, o parlamento aprovou uma
outubro, 156.362 mil foram resgatados por legislação requerendo que o governo abolisse
meio da Operação Mare Nostrum (OMN). no prazo de 18 meses o crime de “entrada
Outras 13.668 pessoas foram resgatadas e estadia irregulares”. Mantiveram-se as
pelas autoridades italianas em novembro sanções penais aos migrantes irregulares
e dezembro. Apesar desses esforços que reentram no país depois de expulsos.
unilaterais, acreditava-se que mais de 3.400 No fim do ano, porém, “entrada e estadia
refugiados e migrantes tivessem se afogado irregulares” continuavam sendo crimes.
na tentativa de cruzar o Mediterrâneo. Em Em setembro, o Ministério do Interior
31 de outubro, o governo anunciou o fim autorizou a polícia a usar a força para garantir
da OMN, que coincidiu com o início, em 1º a coleta de impressões digitais durante a
de novembro, de uma operação menor e identificação de refugiados e migrantes. A
focada no controle de fronteiras, denominada ação foi imediatamente seguida de denúncias
Operação Triton, a cargo da Frontex, o órgão de uso excessivo da força no curso dos
da UE encarregado da gestão de fronteiras. procedimentos de identificação.
As ONGs manifestaram preocupação de que Em outubro, foi adotada uma legislação
a mudança pudesse colocar em risco a vida reduzindo de 18 meses para 90 dias o
de muitas pessoas. 1 período máximo de detenção para migrantes
As autoridades se emprenharam em irregulares à espera de deportação. As
assegurar condições de recepção adequadas condições dos centros de detenção para
para dezenas de milhares de refugiados e migrantes irregulares permaneceram
migrantes que desembarcaram na Sicília inadequadas.
e em outros portos sulistas, inclusive Trabalhadores migrantes continuaram
sobreviventes de naufrágio que estavam sendo explorados e vulneráveis a abusos,
traumatizados, bem como em proteger geralmente sem acesso à Justiça.
adequadamente milhares de menores
desacompanhados. DISCRIMINAÇÃO – CIGANOS
Não houve avanços na investigação das Milhares de famílias ciganas continuaram
circunstâncias em que aproximadamente a viver em condições precárias em campos
200 pessoas morreram afogadas quando um e centros segregados – mais de 4.000
barco pesqueiro com mais de 400 refugiados famílias somente em Roma. O governo não
e migrantes, na maioria sírios, afundou em 11 implementou a Estratégia Nacional para a
de outubro de 2013. Temia-se que falhas das Inclusão dos Ciganos, sobretudo no que diz
autoridades maltesas e italianas pudessem ter respeito a moradias adequadas. Diversas
atrasado o resgate. remoções forçadas de ciganos foram
Em outubro, no caso Sharifi e Outros registradas em todo o país.
v. Itália e Grécia, o Tribunal Europeu de Prosseguia um inquérito da Comissão
Direitos Humanos concluiu que a Itália havia Europeia sobre possíveis infrações por parte
violado a proibição de expulsões coletivas e da Itália da Diretiva sobre Igualdade Racial da

Anistia Internacional – Informe 2014/15 147


EU, no que se refere ao acesso dos ciganos à Milão, Robert Seldon Lady, pelo sequestro
moradia adequada. de Abu Omar. O Tribunal decidiu que os
Famílias ciganas transferidas do campo espiões da CIA não estavam protegidos por
autorizado de Cesarina, em Roma, em imunidade diplomática. No total, 26 cidadãos
dezembro de 2013, a fim de permitir uma estadunidenses foram condenados à revelia
reforma no local, continuaram vivendo em no caso Abu Omar.
condições inadequadas em uma unidade
de recepção exclusiva para ciganos. As TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
autoridades municipais de Roma declararam As tentativas de incorporar o crime de tortura
que as famílias retornariam ao campo assim ao direito nacional fracassaram mais uma
que as obras fossem concluídas. Não foram vez. Trata-se de uma infração de 15 anos das
disponibilizadas quaisquer alternativas obrigações da Itália sob a Convenção da ONU
adequadas de moradia. contra a Tortura.
Os ciganos continuaram privados de Em novembro, o Tribunal de Cassação
acesso às moradias de interesse social. As anulou a condenação por perjúrio de
autoridades habitacionais de Roma não Francesco Colucci, que era chefe de
suspenderam uma circular de janeiro de polícia em Genova quando dezenas
2013 que discriminava famílias ciganas de manifestantes foram torturados ou
que viviam em campos autorizados no que submetidos a maus-tratos durante a Cúpula
se refere à destinação de moradias sociais. do G8 em 2001. Francesco Colucci havia
Em junho, porém, no contexto de um sido condenado por perjúrio por ter tentado
inquérito relativo à Diretiva sobre Igualdade evitar que o então chefe nacional da polícia,
Racial da UE, as autoridades afirmaram Gianni De Gennaro, e um oficial graduado
que iriam aplicar a circular de modo não da unidade de operações especiais da
discriminatório. polícia de Genova prestassem contas. O
delito prescreveu em dezembro, tornando
SEGURANÇA E COMBATE impossível um novo julgamento.
AO TERRORISMO Superlotação e condições precárias
O Tribunal Constitucional da Itália decidiu continuaram comuns em todo o sistema
em fevereiro que o governo tinha absoluto prisional. Para atenuar o problema da
direito de invocar a doutrina de “segredos superlotação, em agosto de 2013 e fevereiro
de Estado” em casos relativos à segurança de 2014 foram adotadas legislações para
nacional. O Tribunal de Cassação, a mais reduzir a duração das penas de prisão para
alta corte da Itália, confirmou a decisão certos delitos e aumentar o uso de penas não
do Tribunal Constitucional e anulou as privativas de liberdade. Também foi criada
condenações de agentes graduados do uma ouvidoria nacional para os direitos dos
serviço de informações italiano condenados detentos. As medidas foram introduzidas
pelo sequestro de Usama Mostafa Hassan após uma decisão de 2013 do Tribunal
Nasr (conhecido como Abu Omar) em Europeu, determinando que a Itália violara
uma rua de Milão em 2003. Depois de a proibição da tortura e de tratamentos
sequestrado, Abu Omar foi entregue à desumanos ou degradantes ao submeter
Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) os detentos a condições extremamente
e extraditado extrajudicialmente para o Egito, severas devido à superlotação das celas e à
onde foi torturado. insuficiência de espaço vital.
Em março, o Tribunal de Cassação
manteve as condenações de três agentes MORTES SOB CUSTÓDIA
da CIA, inclusive do ex-chefe da CIA em Apesar dos progressos em alguns casos,
Roma, Jeff Castelli, e do ex-chefe da CIA em perduraram as preocupações com a

148 Anistia Internacional – Informe 2014/15


JAPÃO
falta de prestação de contas para mortes
ocorridas sob custódia, em consequência de
investigações problemáticas e deficiências
nos procedimentos judiciais. JAPÃO
Em abril, o Tribunal de Recursos de Chefe de governo: Shinzo Abe
Perugia manteve a condenação de um
policial por falsificação de documentos
e omissão de socorro a Aldo Bianzino, O Japão continuou a se desviar das normas
que morreu na penitenciária de Perugia internacionais de direitos humanos. O
em 2007, dois dias depois de ser preso. governo não tratou de modo efetivo do
A decisão confirmou ter havido falhas na problema da discriminação contra cidadãos
investigação inicial. estrangeiros e seus descendentes que
Em julho, no caso de Giuseppe Uva, que vivem no país, como é o caso das pessoas
morreu num hospital de Varese pouco depois de etnia coreana. Tampouco refutou e
de ter sido abordado pela polícia em 2008, combateu as tentativas de negação do
teve início o julgamento de sete policiais por sistema militar de escravidão sexual do
homicídio culposo, prisão ilegal e abuso de Japão durante a Segunda Guerra Mundial. O
autoridade. Em outubro de 2013, um juiz número de refugiados reconhecidos no
negou o pedido da promotoria para encerrar país permaneceu muito baixo. Temia-se
o caso e ordenou uma nova investigação. que a Lei sobre a Proteção de Segredos
Exames periciais realizados em dezembro de Considerados Especiais, que entrou em
2013 revelaram que Giuseppe Uva pode ter vigor em dezembro, pudesse prejudicar a
sido estuprado e submetido a outros maus- transparência.
tratos.
Em outubro, o Tribunal de Recursos de DISCRIMINAÇÃO
Roma absolveu os médicos, enfermeiras e O governo não se pronunciou contra a
policiais acusados de homicídio culposo no retórica discriminadora nem coibiu o uso
caso de Stefano Cucchi, que morreu uma de termos racialmente pejorativos e de
semana depois de ser preso, na ala carcerária hostilidades contra pessoas de etnia coreana
de um hospital romano em 2009. As provas e seus descendentes, que costumam
periciais foram inconclusivas. A família de ser chamados de zainichi (literalmente,
Stefano temia que sinais de maus-tratos "residindo no Japão"). Ocorreram
tivessem sido minimizados. manifestações públicas nas cidades com
alta proporção de residentes coreanos. Em
MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS dezembro, o Supremo Tribunal decidiu
OU INSTITUCIONAIS proibir que um grupo bastante conhecido,
Mais uma vez a Itália deixou de criar uma denominado “Zainichi Tokken wo Yurusanai
instituição nacional de direitos humanos, Shimin no Kai” (cidadãos contra os privilégios
de acordo com os Princípios relativos ao especiais dos zainichi), utilizasse linguagem
Estatuto das Instituições Nacionais de Direitos discriminatória e intimidadora ao realizar
Humanos (Princípios de Paris), conforme suas manifestações próximo a uma escola
repetidamente prometeu fazer. de ensino fundamental para crianças
coreanas em Kyoto. Com a decisão, pela
primeira vez essa questão foi considerada
1. Lives adrift: Refugees and migrants in peril in the central como de discriminação racial, com base na
Mediterranean (EUR 05/006/2014) definição contida na Convenção Internacional
www.amnesty.org/en/library/info/EUR05/006/2014/en sobre a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação Racial, em vez de ser

Anistia Internacional – Informe 2014/15 149


enquadrada em outros tipos de delito penal, a reabertura do processo e a imediata
tais como difamação ou danos à propriedade. libertação de Hakamada Iwao. Ele havia
Entretanto, até o fim do ano, o governo ainda sido condenado à morte em 1968 após
não havia aprovado uma legislação que um julgamento injusto baseado em uma
proibisse a apologia ao ódio que configure confissão forçada. Hakamada era o preso
incitamento à discriminação, à hostilidade que passou mais tempo no corredor da morte
ou à violência, conforme as normas em todo o mundo. Por ter ficado mais de
internacionais.1 quatro décadas encarcerado, na maior parte
do tempo em regime de isolamento, passou
SISTEMA DE JUSTIÇA a sofrer transtornos mentais. Um recurso da
O sistema daiyo kangoku, que permite à promotoria contra a reabertura do processo
polícia deter suspeitos por até 23 dias antes estava sendo examinado pelo Tribunal
de uma acusação formal, continuou a facilitar Superior de Tóquio.
a tortura e outros maus-tratos com o fim de
extrair confissões durante interrogatórios. REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO
Apesar das recomendações de órgãos Cerca de 4.500 indivíduos pediram asilo no
internacionais, nenhuma medida foi tomada Japão; porém, o número de refugiados que
para abolir ou reformar esse sistema com tiveram sua condição reconhecida de acordo
base nas normas internacionais. com a Convenção da ONU sobre o Estatuto
dos Refugiados permaneceu muito baixo.
VIOLÊNCIA CONTRA Desde 2006, o número de pedidos vem
MULHERES E MENINAS aumentando de modo constante. Enquanto
O governo tentou recuar do pedido o número de requerentes de Mianmar
histórico de desculpas – conhecido como diminuiu, o de requerentes de países como
Declaração de Kono – feito duas décadas Gana e Camarões aumentou.
atrás às sobreviventes do sistema militar de
escravidão sexual pelo qual o país assumiu LIBERDADE DE EXPRESSÃO
responsabilidade e se desculpou perante Uma Lei sobre a Proteção de Segredos
as vítimas. Em junho, foram divulgados os Considerados Especiais entrou em vigor em
resultados de um estudo encomendado dezembro de 2014. A legislação permite
pelo governo para reexaminar o processo que o governo classifique informações
de elaboração da Declaração de Kono. como “Segredos Considerados Especiais”
Embora discussões e decisões anteriores quando sua “revelação possa implicar
tenham sido respeitadas, a revisão, por si só, grave obstáculo à segurança nacional”
aumentou as tensões com países vizinhos nas categorias de defesa e diplomacia,
como a República da Coreia, uma vez que bem como nas chamadas “atividades
foi considerada uma tentativa de negar a prejudiciais” e “terrorismo”. A lei poderá
responsabilidade governamental. Diversas restringir a transparência ao limitar o acesso
figuras públicas de relevo fizeram declarações às informações guardadas por autoridades
em que negavam ou justificavam o sistema. públicas, uma vez que a definição do que
O governo continuou se recusando a usar seriam tais segredos especiais é vaga e o
oficialmente o termo “escravidão sexual” órgão responsável pelo monitoramento da
e a negar reparação plena e efetiva às classificação carece de poderes vinculantes.
sobreviventes.

PENA DE MORTE 1. Japão Submission to the UN Human Rights Committee: 111th session

Execuções continuaram sendo consumadas. of the Human Rights Committee (7-25 de julho de 2014)

Em março, um tribunal distrital determinou www.amnesty.org/en/library/info/ASA22/002/2014/en

150 Anistia Internacional – Informe 2014/15


LÍBANO O Líbano evitou ser arrastado inteiramente
para o conflito armado com a Síria, apesar
de divisões políticas, religiosas e sociais,
República Libanesa do influxo contínuo de refugiados da Síria
Chefe de Estado: cargo vago desde maio, quando e da participação de alguns libaneses,
terminou o mandato de Michel Suleiman notavelmente membros do Hezbollah,
Chefe de governo: Tammam Salam no conflito sírio. Entretanto, o conflito
permaneceu uma ameaça sempre presente.
A tensão política permaneceu alta ao longo
Persistiram as pressões geradas pelo conflito do ano, exacerbada pelo conflito sírio. Ao
armado na vizinha Síria. Houve novos final do ano, o Líbano havia recebido mais
relatos de tortura e maus-tratos de detentos. de 1,15 milhão de refugiados sírios e cerca
O Líbano recebeu mais de 1,2 milhão de de 50 mil refugiados palestinos da Síria,
refugiados da Síria, mas tomou medidas aumentando a população em um quarto e
para restringir a entrada de refugiados desse minando os recursos do país. As tensões
país, inclusive de palestinos. Refugiados relacionadas ao conflito levaram a diversos
palestinos há muito tempo residentes no atentados violentos, especialmente em Trípoli,
Líbano continuaram sofrendo discriminação. causando dezenas de mortes. O exército
As mulheres permaneceram sujeitas a sírio periodicamente bombardeou o Vale do
discriminação na lei e na prática, e não Bekaa e outras áreas dentro da fronteira do
foram adequadamente protegidas contra Líbano, e grupos armados lançaram foguetes
a violência sexual e de outros tipos. da Síria para a região da fronteira leste do
Trabalhadores migrantes estrangeiros, Líbano, onde também ocorreram muitos
especialmente as trabalhadoras domésticas, sequestros. Em agosto, membros do grupo
sofreram exploração e outros abusos. armado Estado Islâmico postaram vídeos na
Mais de duas dezenas de homens foram internet em que decapitavam dois soldados
processados criminalmente por supostas libaneses que tinham tomado como reféns
relações sexuais consensuais com pessoas durante um conflito na vizinhança de Arsal,
do mesmo sexo. Houve certo progresso uma cidade na fronteira libanesa brevemente
na solução de casos de desaparecimentos tomada pelo Estado Islâmico e outros grupos
forçados de décadas atrás. A pena da armados, inclusive a Frente Al Nusra, que
morte continuou em vigor; não houve supostamente executou dois outros reféns
execuções. O julgamento in absentia de cinco em setembro e dezembro, respectivamente.
pessoas em conexão com o assassinato do Vários bombardeios em Beirute e outros
ex-primeiro-ministro Rafic Hariri foi aberto locais também pareciam estar relacionados
no Tribunal Especial para o Líbano. Forças ao conflito sírio.
governamentais sírias e grupos armados
baseados na Síria realizaram ataques TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
indiscriminados ao longo da fronteira. Houve relatos de tortura e outros maus-tratos
de suspeitos detidos. Um suspeito mantido
INFORMAÇÕES GERAIS pela Segurança Geral em maio relatou depois
Conflitos políticos internos impediram um de sua libertação que os interrogadores
consenso quanto a um novo presidente para haviam golpeado suas mãos e pernas com
substituir Michel Suleiman, cujo mandato cabos elétricos, pisado nele e o insultado.
terminou em maio. Em fevereiro, no entanto, As autoridades não iniciaram investigações
as alianças rivais concordaram em formar um críveis sobre as denúncias de tortura, como
governo de unidade nacional com Tammam aquelas feitas por um rapaz de 15 anos e
Salam como primeiro-ministro. outras pessoas detidas após os conflitos entre

Anistia Internacional – Informe 2014/15 151


o exército libanês e grupos armados em junho A presença de tantos refugiados colocou
de 2013 na área de Sidon. a saúde, a educação e outros recursos
do Líbano sob enorme pressão. Essa
REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO situação foi exacerbada pela insuficiência
Os refugiados sofreram restrições a seu de financiamento internacional, deixando
direito de requerer asilo e outros direitos. O muitos refugiados sem acesso à assistência
Líbano não assinou a Convenção Relativa médica adequada, abrigo, educação e
ao Estatuto dos Refugiados da ONU nem o outros serviços.
Protocolo de 1967. Milhares de refugiados palestinos que
No fim do ano, de acordo com o ACNUR, há muito viviam no Líbano continuaram a
o órgão da ONU para os refugiados, e a morar em acampamentos e assentamentos
UNWRA, Agência das Nações Unidas de informais, muitas vezes em condições
Assistência aos Refugiados da Palestina, precárias. Eles enfrentaram leis e
o Líbano abrigava mais de 1,2 milhão de regulamentos discriminatórios, como os
refugiados da Síria. Em maio, o governo que lhes negaram o direito de herdar
efetivamente fechou a fronteira para a propriedades, o direito de trabalhar em cerca
maioria dos palestinos que entravam pela de 20 profissões e outros direitos básicos.
Síria, e anunciou em junho que só permitiria
a entrada de refugiados sírios de áreas DIREITOS DAS MULHERES
na fronteira do Líbano. Em outubro, as As mulheres sofreram discriminação na lei
autoridades impuseram mais restrições e e na prática. Leis sobre a condição pessoal,
pediram ao ACNUR que parasse de registrar que regulam assuntos como casamento,
refugiados, exceto em casos humanitários. impediram mulheres libanesas com
Novas regulamentações anunciadas em maridos estrangeiros de passar aos filhos
31 de dezembro exigiram que os sírios sua nacionalidade. Em abril, uma nova lei
se inscrevessem para receber um de seis criminalizou a violência doméstica de forma
tipos de visto para entrar o Líbano. Foram específica pela primeira vez. Entre outras
registrados casos de refugiados sírios e deficiências dessa legislação, estava a
palestinos da Síria sendo enviados de não criminalização do estupro marital. Por
volta à Síria, em contravenção ao direito outro lado, a lei previa a criação de abrigos
internacional. temporários e medidas para aumentar a
O alto custo de renovar a permissão anual eficácia da polícia e dos promotores públicos
de residência, combinado com políticas ao lidar com a violência doméstica.
vagas para a renovação de permissão para
refugiados da Síria, levaram muitos refugiados DIREITOS DOS TRABALHADORES
a se tornarem ilegais, colocando-os em risco MIGRANTES
de prisão, detenção e deportação. Algumas Trabalhadores migrantes sofreram exploração
municipalidades submeteram refugiados e abuso, particularmente as trabalhadoras
a toques de recolher que limitaram sua domésticas, cujos direitos trabalhistas – como
liberdade de circulação, os impediram de dias de folga fixos, períodos de repouso,
estabelecer assentamentos informais com salários e condições humanas – não eram
tendas, ou impuseram impostos adicionais protegidos por lei, deixando-as vulneráveis
sobre os proprietários locais que alugavam a abusos físicos, sexuais e outros pelos
propriedades a eles. O exército libanês e empregadores. Os trabalhadores domésticos
as forças de segurança internas também eram contratados de modo a permanecerem
desmontaram alguns assentamentos vinculados aos seus empregadores, que
informais, supostamente por motivos agiam como “patrocinadores”, condições que
de segurança. facilitavam o abuso.

152 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Com frequência, os empregadores jornalistas libaneses e seus respectivos
retinham os passaportes dos trabalhadores veículos de imprensa de desacato, por
para impedi-los de abandonar o trabalho em divulgarem informações confidenciais
condições abusivas. Em junho, pela primeira sobre as testemunhas do julgamento dos
vez, um juiz ordenou que um empregador cinco acusados.
devolvesse o passaporte de uma trabalhadora
doméstica, determinando que sua retenção IMPUNIDADE – DESAPARECIMENTOS
pelo empregador violava a liberdade de FORÇADOS E SEQUESTROS
circulação da empregada. O destino de milhares de pessoas que foram
Direitos de lésbicas, gays, bissexuais, submetidas a desaparecimentos forçados,
transgêneros e intersexuais sequestros ou privação ilegal de liberdade
O artigo 534 do Código Penal, que proíbe durante e depois da guerra civil do Líbano
relações sexuais “contrárias à ordem da (1975-1990) em grande parte ainda não foi
natureza”, foi usado para processar várias revelado. Em março, no entanto, o Conselho
atividades sexuais consensuais, incluindo Shura determinou que o relatório completo,
o sexo entre homens. Em janeiro, um ainda não publicado, da Comissão de
juiz determinou que o artigo 534 não era Inquérito Oficial para Investigar o Destino
aplicável no caso de uma mulher transgênero de Pessoas Sequestradas e Desaparecidas
mantendo relações sexuais com homens. Em no Líbano, de 2000, fosse disponibilizado
agosto, as autoridades prenderam 27 homens às famílias dos desaparecidos. Depois
numa casa de banho em Beirute e os que os recursos contra essa decisão
acusaram de crimes previstos no artigo 534 foram rejeitados, o relatório completo foi
e em disposições relacionadas à “decência entregue em setembro a um advogado que
pública” e à prostituição. representava as famílias.
Em janeiro, cinco homens presos sob O Líbano assinou a Declaração sobre
suspeita de terem relações sexuais com Desaparecimentos Forçados em 2007, mas
pessoas do mesmo sexo foram supostamente ainda não a ratificou.
submetidos a exames anais por um médico,
apesar de a Ordem dos Médicos Libanesa PENA DE MORTE
ter declarado em 2012 que era inadmissível Os tribunais continuaram a impor sentenças
que médicos realizassem esses exames, que de morte por assassinato e crimes
violam a proibição internacional de tortura relacionados ao terrorismo, algumas inclusive
e outros maus-tratos, e de uma circular do in absentia. Nenhuma execução foi realizada
Ministro da Justiça, no mesmo ano, pedindo desde 2004.
que os promotores públicos pusessem fim a
essa prática.

JUSTIÇA INTERNACIONAL
Tribunal Especial para o Líbano
O julgamento de quatro réus acusados de
envolvimento no assassinato do ex-primeiro-
ministro libanês Rafic Hariri em 2005 ocorreu
em janeiro no Tribunal Especial para o Líbano
na Holanda. Os quatro réus, e um quinto
cujo julgamento foi vinculado ao deles pelo
Tribunal em fevereiro, continuavam todos
em liberdade e foram julgados in absentia.
Em abril, o Tribunal Especial acusou dois

Anistia Internacional – Informe 2014/15 153


LÍBIA ativistas, juízes, jornalistas e ativistas de
direitos foram assassinados. O julgamento
de 37 autoridades do governo de Muammar
Estado da Líbia al-Gaddafi teve início em meio a sérias
Chefe de Estado: Em disputa (Agila Saleh preocupações com o devido processo
Essa Gweider, presidente da Câmara dos legal; a tortura permaneceu extensamente
Representantes, sucedeu Nuri Abu Sahmain, praticada; jornalistas foram alvo por suas
presidente do Congresso Nacional Geral, em reportagens e os abusos contra estrangeiros
agosto). aumentaram. A impunidade, inclusive pelas
Chefe de governo: Em disputa (Abdallah al-Thinni violações e abusos dos direitos humanos
sucedeu Ali Zeidan, em março; Ahmad Matiq cometidos no passado, continuou arraigada.
sucedeu brevemente Abdallah al-Thinni, em
maio, em uma votação contestada julgada INFORMAÇÕES GERAIS
inconstitucional; Abdallah al-Thinni sucedeu Após meses de aprofundamento da
Ahmad Matiq, em junho). polarização política e da crise sobre a
legitimidade e o mandato do Congresso
Nacional Geral (CNG), o primeiro Parlamento
Milícias e outras forças armadas cometeram eleito da Líbia, o país mergulhou no caos
possíveis crimes de guerra, outras violações à medida que Benghazi, Derna, Trípoli,
graves do direito internacional humanitário e Warshafana, as Montanhas de Nafusa e
abusos dos direitos humanos. Elas mataram outras áreas foram tomadas por conflitos
ou feriram centenas de civis e destruíram armados motivados por questões políticas,
e danificaram infraestruturas e bens civis, ideológicas, regionais e tribais.
em bombardeios indiscriminado de áreas A tensão aumentou na época das
civis em Benghazi, Trípoli, Warshafana, eleições de fevereiro para uma Assembleia
Zawiya, nas Montanhas de Nafusa e outros Constituinte, encarregada de elaborar
locais. Forças do Amanhecer da Líbia, uma nova Constituição. As eleições para a
das Brigadas de Zintan e das milícias de assembleia foram marcadas pela violência,
Warshafana sequestraram civis com base em pelo boicote de algumas minorias étnicas
sua origem ou filiação política, torturaram e pela baixa atribuição de cadeiras para
e maltrataram detidos e, em alguns casos, mulheres. Até o fim do ano, a assembleia
executaram sumariamente combatentes havia publicado suas recomendações
capturados. Forças islâmicas ligadas ao preliminares e as colocado para
Conselho da Shura de Revolucionários consulta pública.
de Benghazi também sequestraram civis Em maio, o general reformado do Exército
e executaram sumariamente dezenas de Khalifa Haftar lançou a Operação Dignidade,
soldados capturados. Forças da Operação uma ofensiva militar com o objetivo declarado
Dignidade, que ganhou o apoio do governo de combater o terrorismo em Benghazi contra
interino baseado em Tobruk, realizaram uma coalizão formada pelo Ansal al-Sharia
ataques aéreos em áreas residenciais, e outros grupos armados islâmicos (mais
causando danos a bens e provocando a tarde chamada de Conselho da Shura de
morte de civis; torturaram ou maltrataram Revolucionários de Benghazi). Inicialmente
alguns civis e combatentes detidos e denunciada pelas autoridades, a Operação
foram responsáveis por diversas execuções Dignidade, que depois se estendeu para
sumárias. Os assassinatos políticos foram Derna, ganhou o apoio do novo governo que
comuns e realizados com impunidade; tomou posse após as eleições de junho para
centenas de agentes de segurança, a Câmara dos Representantes (CR). A CR foi
funcionários do Estado, líderes religiosos, o órgão que substituiu o CNG. Essas eleições,

154 Anistia Internacional – Informe 2014/15


também marcadas pela violência e pelo baixo maioria das instituições estatais no oeste, em
comparecimento às urnas, resultaram na oposição ao governo da CR em Tobruk.
derrota dos partidos islâmicos. Em 6 de novembro, a Suprema Corte
Em julho, uma coalizão de milícias emitiu uma decisão que invalidou as
baseadas predominantemente em Misratah, eleições para a CR. O governo baseado em
Zawiya e Trípoli lançou uma ofensiva militar, Tobruk, reconhecido pela ONU e apoiado
o Amanhecer da Líbia, em nome da proteção pela maioria da comunidade internacional,
da “Revolução de 17 de fevereiro” contra rejeitou a decisão, alegando que os juízes
milícias rivais de Zintan e Warshafana, haviam sido ameaçados pelo Amanhecer da
filiadas aos partidos liberais e federalistas Líbia. Confrontos armados entre tribos rivais
na liderança da CR, que elas acusavam de continuaram em Sabha e Obari, no sudoeste
realizar uma contrarrevolução junto com da Líbia, levando a um agravamento da
a Operação Dignidade. Em agosto, a CR situação humanitária. Derna, uma cidade
foi realocada em razão da insegurança em no leste, foi controlada por grupos armados
Trípoli, estabelecendo sua base em Tobruk, islâmicos que impuseram uma interpretação
em meio ao boicote de 30 de seus membros. rígida da sharia (a lei islâmica) e cometeram
A câmara reconheceu a Operação Dignidade graves abusos dos direitos humanos. Em
como uma operação militar legítima liderada outubro, um grupo armado baseado em
pelo Exército líbio, declarou as forças do Derna, o Conselho da Shura da Juventude
Amanhecer da Líbia e o Ansar al-Sharia como Islâmica, declarou lealdade ao grupo
grupos terroristas, e pediu a intervenção armado Estado Islâmico que lutava na Síria e
estrangeira para proteger os civis e as no Iraque.
instituições estatais. Aviões dos Emirados
Árabes Unidos que voavam de bases aéreas CONFLITO ARMADO INTERNO
egípcias supostamente realizaram ataques As partes em conflito no leste e oeste da
aéreos contra as forças do Amanhecer da Líbia realizaram ataques indiscriminados
Líbia enquanto estas lutavam para ganhar que resultaram em centenas de mortes de
o controle do Aeroporto Internacional de civis e danos a prédios e infraestruturas
Trípoli, o que conseguiram em 23 de agosto; civis, como hospitais, casas, mesquitas,
forçaram as Brigadas de Zintan a deixar a empresas, fazendas, usinas de energia,
capital e ganharam o controle das instituições aeroportos, estradas e um grande espaço
estatais locais. O conflito e a insegurança de armazenamento de combustível.
resultante, motivada por ataques a diplomatas Artilharia, morteiros, foguetes Grad e armas
estrangeiros e funcionários de organizações antiaéreas foram disparadas a partir de áreas
internacionais, levaram a Missão de Apoio residenciais e contra essa áreas. Forças da
das Nações Unidas na Líbia (UNSMIL), cujo Operação Dignidade realizaram ataques
mandato o Conselho de Segurança da ONU aéreos em Benghazi, Derna, Trípoli, Zuara,
renovou em março, embaixadas estrangeiras Bir al-Ghanem e Misratah, às vezes em áreas
e organizações internacionais a suspender residenciais, supostamente matando e ferindo
suas operações em Trípoli e evacuar suas civis e danificando prédios civis. As Brigadas
equipes. Ao longo do ano, bombardeios e de Zintan supostamente utilizaram minas
outros ataques tiveram como alvo prédios antipessoais nos arredores do Aeroporto
governamentais e lugares públicos. Internacional de Trípoli.
Após a captura de Trípoli, as forças do O ataque do Amanhecer da Líbia às
Amanhecer da Líbia reuniram novamente o Brigadas de Zintan, que protegiam o
CNG, que nomeou um novo primeiro-ministro Aeroporto Internacional de Trípoli, danificou
e um Governo de Salvação Nacional (GSN). O diversos prédios e aeronaves, segundo as
GSN alegou que havia tomado o controle da autoridades. Em dezembro, um foguete

Anistia Internacional – Informe 2014/15 155


atingiu um grande reservatório de óleo no Benghazi, forças associadas ao Conselho
porto de Al-Sider, resultando num incêndio e da Shura de Revolucionários de Benghazi
na destruição de até 1,8 milhão de barris de sequestraram civis e realizaram execuções
petróleo bruto. sumárias, inclusive decapitações de soldados
Com algumas exceções, milícias, unidades capturados e de supostos apoiadores da
do Exército e grupos armados mostraram Operação Dignidade. Grupos alinhados às
negligência com as vidas, os bens e as forças da Operação Dignidade incendiaram
infraestruturas civis, e não tomaram as e destruíram dezenas de casas e outros bens
precauções necessárias para evitar ou de supostos islâmicos; detiveram civis em
minimizar as mortes e danos civis. Confrontos razão de sua filiação política; e realizaram
intensos em áreas residenciais prejudicaram diversos atos de tortura e outros maus-tratos,
a assistência à saúde, principalmente em além de várias execuções sumárias.
Warshafana e Benghazi, onde os pacientes
tiveram de ser evacuados de hospitais. Falta HOMICÍDIOS ILEGAIS
de combustível, de eletricidade, de alimentos Centenas de pessoas, como agentes de
e de medicamentos foram relatadas em toda segurança, funcionários do Estado, líderes
a Líbia. religiosos, ativistas, jornalistas, juízes e
Em Warshafana e Trípoli, forças procuradores, foram mortas em assassinatos
do Amanhecer da Líbia saquearam e motivados politicamente em Benghazi, Derna
incendiaram casas e outros bens de civis e Sirte, supostamente por grupos armados
com base na origem ou afiliação política islâmicos. Nenhum dos responsáveis teve de
dos proprietários. Grupos armados negaram prestar contas. Em maio, homens armados
acesso à ajuda humanitária em Obari e mataram a tiros um delegado da Cruz
obstruíram a evacuação dos feridos em Kikla. Vermelha Internacional, em Sirte.
O ACNUR, a agência da ONU para os Em junho, a advogada de direitos humanos
refugiados, estimou que quase 395 mil e ativista Salwa Bughaighis foi morta a tiros
pessoas foram deslocadas dentro do país em sua casa depois de dar uma entrevista à
pelo conflito entre meados de maio e imprensa na qual acusou grupos armados de
meados de novembro. A comunidade de minar as eleições parlamentares. Em julho,
Tauarga, desalojada desde 2011, sofreu novo agressores não identificados mataram Fariha
deslocamento e ataques de milícias; muitos Barkawi, ex-membro do CNG, em Derna.
buscaram abrigo em parques municipais e Em 19 de setembro, dia conhecido como
estacionamentos de automóveis. Sexta-feira Negra, pelo menos 10 pessoas,
Forças armadas de todos os lados inclusive dois jovens ativistas, foram mortas
realizaram sequestros como represália, por agressores não identificados.
retendo civis apenas em razão de sua Duas mortes públicas em estilo de
origem ou suposta filiação política, muitas execução, além de açoitamentos públicos,
vezes como reféns para garantir a troca de foram realizadas pelo Conselho da Shura
prisioneiros. Tanto as forças do Amanhecer da Juventude Islâmica, um grupo armado
da Líbia quanto grupos armados filiados que controla Derna e que lá estabeleceu um
à coalizão Zintan-Warshafana torturaram Tribunal Islâmico. Em agosto, um homem
e maltrataram combatentes capturados egípcio acusado de roubo e assassinato foi
e civis que eles sequestraram, utilizando morto a tiros em um estádio em Derna. Em
choques elétricos, posições estressantes e novembro, três ativistas foram decapitados
privação de alimentos, água e instalações em Derna, depois de sequestrados
sanitárias adequadas. Combatentes supostamente por um grupo armado islâmico.
capturados foram submetidos a execuções Em dezembro, o Tribunal Islâmico emitiu uma
sumárias por todas as partes no conflito. Em mensagem de advertência aos funcionários

156 Anistia Internacional – Informe 2014/15


atuais e antigos dos ministérios do Interior, da as instalações de duas estações de TV, a
Justiça e da Defesa. Al-Assema e a Lybia International.
Dezenas de jornalistas, defensores dos
LIBERDADES DE EXPRESSÃO, DE direitos humanos e ativistas deixaram o país
ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO em razão das ameaças feitas por milícias.
O CNG tornou mais rígidas as restrições às Em setembro, forças do Amanhecer da Líbia
liberdades de expressão, de associação e teriam invadido os escritórios da Comissão
de reunião. O Decreto 5/2014, aprovado Nacional para os Direitos Humanos e levado
pelo CNG em janeiro, proibiu as estações seu arquivo de queixas individuais, motivando
de televisão por satélite de transmitir visões temores de que as vítimas de abusos
consideradas “hostis à Revolução de 17 de pudessem sofrer represálias.
Fevereiro”, enquanto o decreto 13/2014 Em novembro, o Conselho Nacional para
deu poder às autoridades para suspender os Direitos Humanos e as Liberdades Civis
as bolsas de estudos de estudantes e os foi fechado, supostamente pelas forças do
salários de funcionários públicos no exterior Amanhecer da Líbia, com intimidações contra
que se engajassem em “atividades hostis seus membros.
à Revolução de 17 de Fevereiro”. A Lei
5/2014 alterou o Artigo 195 do Código Penal SISTEMA DE JUSTIÇA
para criminalizar insultos às autoridades, ao O sistema de justiça permaneceu paralisado
emblema e à bandeira do Estado, bem como pela violência e pela ilegalidade, dificultando
qualquer ato percebido como “um ataque as investigações de abusos. Em março, os
contra a Revolução de 17 de Fevereiro”. tribunais suspenderam seu trabalho em
Em janeiro, um tribunal condenou um Derna, Benghazi e Sirte, em meio a ameaças
engenheiro a três anos de prisão por ele ter e ataques contra juízes e procuradores. O
participado de um protesto em junho de Ministério da Justiça exerceu controle apenas
2011, em Londres, no Reino Unido, contra o nominal dos muitos centros de detenção
envolvimento da OTAN no conflito líbio, e por que abrigavam supostos apoiadores de
ele ter supostamente publicado informações Muammar Gaddafi.
falsas sobre a Líbia. O prazo de 2 de abril estabelecido pela
Em novembro, o editor do jornal Amara Lei de Justiça Transicional e prorrogado
al-Khattabi foi condenado a cinco anos de pelo CNG para acusar ou libertar todos os
prisão por insultar autoridades públicas, detidos em relação ao conflito de 2011 não
sendo proibido de praticar o jornalismo, foi cumprido. Até março, apenas 10% dos
despojado de seus direitos civis pela 6.200 detidos em prisões administradas pelo
duração da sentença e condenado a pagar Ministério da Justiça haviam sido julgados,
multas pesadas1. enquanto centenas continuavam detidos sem
As milícias intensificaram seus ataques acusação em condições precárias. Ordens
à imprensa, sequestrando dezenas de de soltura não foram cumpridas devido à
jornalistas e submetendo outros a agressões pressão da milícia.
físicas ou maus-tratos, detenções arbitrárias, Os atrasos nos processos de supostos
ameaças e tentativas de assassinato. Pelo apoiadores de Gaddafi detidos desde 2011
menos quatro jornalistas foram mortos foram exacerbados pelos novos conflitos, pois
ilegalmente, incluindo Muftah Abu Zeid, os bombardeios impediram o translado dos
editor de jornal que foi morto a tiros em maio, detidos para julgamento. Visitas familiares
por homens armados não identificados em às prisões foram suspensas em diversas
Benghazi. Em agosto, forças do Amanhecer cidades, motivando preocupação com a
da Líbia em Trípoli destruíram e incendiaram segurança dos reclusos.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 157


O julgamento de 37 ex-autoridades do As autoridades não entregaram Saif
governo de Muammar Gaddafi começou al-Islam Gaddafi ao Tribunal Penal
em março, em meio a sérias preocupações Internacional (TPI) para enfrentar um
sobre o devido processo legal. Os advogados processo por acusações de crimes contra
de defesa foram impedidos de ter acesso a a humanidade. Em maio, a Câmara de
algumas provas, tiveram tempo insuficiente Apelações do TPI confirmou a obrigação
para se preparar e foram intimidados. Saif legal da Líbia de transferi-lo para a custódia
al-Islam Gaddafi, um dos filhos de Muammar do TPI.
Gaddafi e o principal réu, apareceu no Em julho, a Câmara de Apelações do
tribunal apenas por meio de um link de TPI confirmou a decisão de que Abdallah
vídeo, uma vez que permanecia sob custódia al-Senussi, ex-chefe da inteligência militar
da milícia em Zintan, lançando dúvidas a acusado de crimes contra a humanidade,
respeito da autoridade do tribunal sobre ele. poderia ser julgado em seu país. Sérias
As autoridades responsáveis pelo complexo preocupações permaneceram, no entanto,
prisional Al Hadba, que abriga o tribunal, sobre violações do seu direito ao devido
negaram o acesso de alguns observadores processo legal, incluindo o acesso restrito a
independentes ao julgamento, inclusive da um advogado de sua escolha.
Anistia Internacional. O procurador do TPI deu início a um
Um vídeo com as “confissões” de outro segundo caso e começou a compilar provas
filho de Muammar Gaddafi, Saadi Gaddafi, contra suspeitos residentes no exterior, em
foi transmitido na televisão líbia após ele ser conformidade com um acordo de 2013
extraditado do Níger e preso em Al Hadba. com o governo líbio sobre processos contra
As autoridades penitenciárias o interrogaram autoridades da era Gaddafi. Apesar de
sem acesso a um advogado e impediram a expressar preocupação em novembro de
UNSMIL, a Anistia Internacional e outros de que “crimes estivessem sendo cometidos
ter acesso a ele, apesar de a promotoria ter dentro da jurisdição do TPI”, o procurador do
autorizado tais visitas. TPI não iniciou as investigações dos crimes
Em Zawiya, a oeste de Trípoli, dezenas de cometidos pelas milícias.
apoiadores de Gaddafi ficaram detidos por Em agosto, a Resolução 2174 do Conselho
até 18 meses além da data em que deveriam de Segurança da ONU estendeu o escopo
ter sido libertados, pois as condenações das sanções internacionais para incluir
não consideraram seu período de detenção os responsáveis por “planejar, dirigir ou
arbitrária pelas milícias. A tortura e outros cometer” violações do direito internacional
maus-tratos permaneceram generalizados dos direitos humanos ou do direito
tanto nos presídios públicos quanto nos das internacional humanitário ou abusos dos
milícias, e mortes em custódia causadas por direitos humanos na Líbia.
tortura continuaram sendo relatadas.
DIREITOS DAS MULHERES
IMPUNIDADE As mulheres continuaram a enfrentar
As autoridades não realizaram investigações discriminação na lei e na prática, e não foram
significativas dos supostos crimes de guerra protegidas de maneira adequada contra a
e dos graves abusos dos direitos humanos violência baseada em gênero. As denúncias
cometidos durante o conflito armado de de assédio sexual aumentaram. Um decreto
2011, nem abordaram o legado de violações que prevê indenizações às vítimas de
cometidas no passado sob o governo de violência sexual por parte de agentes do
Muammar Gaddafi, inclusive o assassinato Estado durante o governo Gaddafi e o conflito
em massa de mais de 1.200 detentos na de 2011 foi adotado, mas permaneceu não
prisão de Abu Salim em 1996. aplicado em grande parte.

158 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Mulheres que se candidataram à A escalada da violência levou cerca de
Assembleia Constituinte enfrentaram 130 mil refugiados e migrantes, inclusive da
dificuldades para realizar campanhas e Síria, a viajar para a Itália em barcos de pesca
registrar-se para votar. superlotados e sem condições de navegar.
Ativistas dos direitos das mulheres Antes de partirem, muitos passaram semanas
enfrentaram intimidação e, em alguns casos, trancados em casas pelos traficantes, e foram
agressão pelas milícias. Mulheres sem véu explorados, coagidos e agredidos. Traficantes
foram cada vez mais abordadas, assediadas forçaram africanos subsaarianos a viajar
e ameaçadas em postos de controle. Diversas abaixo do deque em casas de máquinas
mulheres teriam sido mortas por familiares do superaquecidas, sem água nem ventilação.
sexo masculino nos chamados crimes “em Alguns morreram por asfixia ou intoxicação
nome da honra”, na área de Sabha. por fumaça.
O ACNUR informou em meados de
DIREITOS DOS REFUGIADOS novembro que 14 mil refugiados e solicitantes
E MIGRANTES de asilo registrados ficaram presos em zonas
Milhares de migrantes, solicitantes de asilo de conflito na Líbia.
e refugiados sem documentos foram detidos
indefinidamente por infrações relacionadas DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS
à migração, após serem interceptados RELIGIOSAS E ÉTNICAS
no mar ou parados para verificação de Os ataques a locais de prática religiosa sufi
identidade. Eles foram submetidos a continuaram, enquanto as autoridades não
tortura e outros maus-tratos nos centros proviam proteção adequada nem conduziam
de detenção administrados pelo Ministério investigações. Túmulos sufis foram destruídos
do Interior e pelas milícias, inclusive em em Trípoli, Brak al-Shatti, Derna e Awjila.
razão de sua religião, e obrigados a fazer Em julho, agressores não identificados
trabalhos forçados. Mulheres enfrentaram sequestraram em Trípoli o imã sufi Tarek
revistas corporais intrusivas por guardas do Abbas; ele foi libertado em dezembro.
sexo masculino. Ateus e agnósticos líbios sofreram ameaças
Cidadãos estrangeiros, em particular os e intimidação de milícias devido ao que
cristãos coptas egípcios, foram sequestrados, escreveram nas redes sociais.
agredidos e mortos ilegalmente em razão de As minorias étnicas tabu e tuaregue
suas crenças religiosas. Em fevereiro, sete continuaram a enfrentar obstáculos para
trabalhadores migrantes egípcios cristãos adquirir as cartilhas de identidade familiar,
coptas foram sequestrados e mortos a tiros dificultando seu acesso a atendimento
em Benghazi, supostamente por membros do médico, educação e participação política.
Ansar al-Sharia.
As autoridades continuaram a submeter PENA DE MORTE
cidadãos estrangeiros a exames médicos A pena de morte permaneceu em vigor para
obrigatórios como pré-requisito para emitir uma ampla variedade de crimes. Nenhuma
permissões de residência e trabalho, e execução judicial foi relatada.
detinham todos os que eram diagnosticados
com infecções como hepatite B ou C e HIV,
até que fossem deportados. 1. Libya: Jail sentence of Libyan editor a blow to free expression ( MDE

Cidadãos estrangeiros foram alvo de 19/010/2014 )

sequestros e agressões em troca de resgate. www.amnesty.org/en/library/asset/MDE19/010/2014/en/fceae73d-

Ao entrar na Líbia de forma irregular, muitos bc0e-49e5-8b19-b08f74d4057b/mde190102014en.pdf

eram vítimas de tráfico de pessoas nas mãos


de traficantes.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 159


MÉXICO a mulher, a violência baseada em gênero
era prática rotineira em muitos estados.
Projetos de infraestrutura e de exploração
Estados Unidos Mexicanos de recursos, que afetaram comunidades
Chefe de Estado e de governo: Enrique Peña Nieto indígenas em diferentes regiões do país,
geraram protestos e demandas por consulta
adequada e consentimento.
Surgiram novas denúncias de
desaparecimentos forçados, execuções INFORMAÇÕES GERAIS
extrajudiciais e torturas, dentro de um O governo prosseguiu com seu programa de
quadro de crime organizado e falta de reformas legislativas nos setores de energia,
prestação de contas, tanto na polícia quanto educação, telecomunicações e organização
nas forças armadas. A impunidade por política. Apesar da publicação de um
violações de direitos humanos e por crimes Programa Nacional de Direitos Humanos,
comuns continuou sendo a regra. Segundo houve poucas indicações de medidas
estatísticas oficiais, mais de 22 mil pessoas substanciais para tratar da situação de
permaneciam sequestradas, submetidas a direitos humanos.
desaparecimentos forçados ou simplesmente Vários estados, como Puebla, Quintana
sumidas, inclusive 43 estudantes do estado Roo, Chiapas e o Distrito Federal adotaram
de Guerrero. Os esforços de busca das ou pretendiam adotar legislações sobre o
pessoas desparecidas geralmente foram uso da força por agentes de aplicação lei
ineficazes. As denúncias de tortura e outros durante manifestações. Tais alterações eram
maus-tratos continuaram extensas, assim incompatíveis com as normas internacionais
como o fracasso de promotores federais e de direitos humanos e ameaçavam as
estaduais em investigar adequadamente liberdades de expressão e de associação. No
essas denúncias. A Suprema Corte reforçou estado de Puebla, que recentemente aprovou
as obrigações legais para a exclusão de uma dessas leis, policiais estavam sendo
provas obtidas mediante tortura. Muitas investigados no fim do ano pela morte de um
violações de direitos humanos continuaram menino de 13 anos que perdeu a vida no
sendo atribuídas a soldados do exército contexto de uma manifestação, possivelmente
e da marinha, que seguiram sendo em consequência do uso de força excessiva.
mobilizados em grande quantidade para Após o incidente, as mudanças feitas na lei
operações de aplicação da lei, inclusive foram submetidas a uma revisão.
no combate ao crime organizado. A Em novembro, o Senado designou o novo
competência militar sobre violações de presidente da Comissão Nacional de Direitos
direitos humanos cometidas por militares Humanos (CNDH) para o período 2014-
contra civis foi abolida após décadas de 2019. Organizações de direitos humanos
campanhas por parte de vítimas e de pediram total transparência e respeito ao
organizações da sociedade civil. Defensores processo de consulta, em cumprimento às
dos direitos humanos e jornalistas foram normas internacionais. Todavia, os senadores
hostilizados, ameaçados ou assassinados. permitiram a realização de um único
Alguns enfrentaram processos penais com encontro com a sociedade civil, no qual um
motivações políticas. Migrantes irregulares número limitado de organizações teve que
em trânsito sofreram ameaças de morte, apresentar brevemente seus pontos de vista,
sequestro, extorsão, violência sexual sem qualquer debate posterior. Defensores
e tráfico de pessoas; os perpetradores dos direitos humanos reiteraram suas
raramente foram levados à Justiça. Apesar preocupações com a ineficácia da (CNDH)
da legislação de combate à violência contra em lidar com a grave situação dos direitos

160 Anistia Internacional – Informe 2014/15


humanos, e pediram que o órgão cumprisse negociações estabelecidas com vários grupos
o papel crucial que lhe cabe na proteção de autodefesa resultou em sua incorporação
dos direitos humanos e na luta contra às forças de segurança pública oficiais na
a impunidade. condição de polícia rural.
Em resposta às extensas manifestações As comunidades indígenas do estado
realizadas para exigir justiça no caso dos 43 de Guerrero denunciaram que alguns
estudantes desaparecidos, o Presidente Peña de seus membros e líderes foram presos
Nieto anunciou, no dia 27 de novembro, e processados. Anteriormente, essas
uma série de medidas políticas e legislativas, comunidades já haviam estabelecido
tais como uma mudança constitucional que acordos com o governo relativos às suas
daria ao Estado controle sobre as polícias próprias atividades de aplicação da lei
locais. As medidas seriam implementadas nas áreas indígenas, frente à situação de
em diferentes estágios, começando pelos prolongada negligência e crescentes índices
estados de Guerrero, Jalisco, Michoacán de criminalidade. Os processos contra as
e Tamaulipas. O presidente também lideranças aparentavam motivações políticas.
propôs a criação de uma linha nacional de Em julho, soldados mataram 22 pessoas
emergência, o número 911, bem como de que supostamente pertenciam a uma gangue
zonas econômicas especiais nas áreas mais armada de Tlatlaya, estado de México,
pobres ao Sul do país. em circunstâncias que as autoridades
alegaram se tratar de uma troca de tiros
FORÇAS POLICIAIS E DE SEGURANÇA com pistoleiros. O ministério público federal
Apesar das afirmativas oficiais de que os não efetuou investigações adicionais,
episódios de violência relacionados ao crime apesar das evidências de que algumas das
organizado diminuíram, a situação continuou vítimas foram mortas à queima-roupa. Em
grave. O número total de homicídios nos setembro, a imprensa revelou depoimentos
primeiros nove meses do ano foi de 24.746, de testemunhas indicando que, após uma
sendo que nos primeiros noves meses de curta troca de tiros, muitos dos mortos foram
2013 havia sido de 26.001. Em setembro, executados extrajudicialmente depois de
um estudo oficial de abrangência nacional se renderem. No dia 8 de novembro, sete
estimou que o número de sequestros em militares foram acusados e estavam sendo
2013 chegou a 131.946, enquanto que investigados pelas execuções, mas não ficou
em 2012 havia sido de 105.682. Soldados claro se os oficiais que tentaram acobertar o
do exército e da marinha continuaram a incidente também seriam processados pelo
desempenhar funções de aplicação da lei sistema de justiça civil.
em muitos estados, geralmente agindo sem Depois de alguns atrasos, a nova
qualquer prestação efetiva de contas, o gendarmaria começou a operar em agosto
que resultou em denúncias de detenções com 5.000 agentes que integram uma
arbitrárias, execuções extrajudiciais, tortura e divisão da Polícia Federal. A Gendarmaria
outros maus-tratos. resultou em uma força menor do que
Para reagir à alta incidência de violência originalmente proposto. Suas funções e
por parte do crime organizado, geralmente práticas operacionais ainda eram incertas.
com a conivência de autoridades locais, O governo não atendeu as recomendações
diversos grupos de autodefesa civil surgiram de assegurar mecanismos de prestação de
no estado de Michoacán. Em consequência, contas mais robustos, bem como protocolos
o governo federal enviou para o estado um de operação e supervisão efetiva para
grande contingente de militares e policiais prevenir violações de direitos humanos. Nos
federais, com um novo diretor federal, para estados de Guerrero e México, a força foi
cuidar da política de segurança no estado. As

Anistia Internacional – Informe 2014/15 161


temporariamente destacada para assumir estudantes. Não havia qualquer informação
funções policiais. sobre a possível responsabilidade, omissão
ou competência de agentes públicos em nível
DESAPARECIMENTOS FORÇADOS estadual ou federal. No dia 7 de dezembro,
Sequestros e desaparecimentos forçados o procurador-geral da República anunciou
continuaram a acontecer em grandes que os restos mortais de um dos estudantes
proporções. O paradeiro da maioria das havia sido identificado por peritos criminais
vítimas permanecia desconhecido. Durante independentes. No fim do ano, o paradeiro
o ano, autoridades federais deram uma série dos outros 42 estudantes permanecia
de declarações contraditórias sobre o número desconhecido.
de pessoas registradas como desaparecidas
ou sumidas, e cujos paradeiros TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
permaneciam não revelados. Em agosto, Detenções arbitrárias, torturas e outros maus-
o governo admitiu haver cerca de 22.611 tratos por membros das forças armadas, bem
pessoas desaparecidas, das quais 9.790 como por forças policiais federais, estaduais
desapareceram durante o atual governo e e municipais continuaram sendo amplamente
12.821 durante o governo do presidente praticadas em todo o país. Essas violações
Felipe Calderón (2006-2012). O governo, com frequência visavam a extrair “confissões”
porém, não divulgou como chegou a esses e outras informações que embasassem
números. A impunidade continuou sendo investigações penais, ou serviam a outros
a regra para casos de desaparecimentos propósitos tais como extorsão. Apesar das
forçados. Em abril, o governo afirmou dezenas de denúncias nos âmbitos federal e
que, em nível federal, só aconteceram no estadual, houve poucos processos e quase
México sete condenações pelo crime de nenhuma condenação dos agentes públicos
desaparecimento forçado, todas elas entre responsáveis pelas violações.
2005 e 2010. Assim com em anos anteriores, o
Em setembro, a polícia municipal de procedimento especial para exames médicos
Iguala, em conluio com o crime organizado, estabelecido pela Procuradoria Geral da
foi responsável pelo desaparecimento República para casos de denúncias de
forçado de 43 estudantes de uma escola tortura não foi aplicado na maioria dos casos.
rural de magistério em Ayotzinapa, estado Nos poucos casos em que foi aplicado, seus
de Guerrero. As investigações descobriram resultados geralmente foram desfavoráveis
várias covas coletivas e um depósito de lixo ao denunciante. De modo geral, as
onde foram encontrados restos humanos. autoridades não aplicavam o procedimento
Em novembro, o procurador-geral da em conformidade com os princípios do
República anunciou que a principal linha de Protocolo de Istambul, que incluem a
investigação, baseada nos depoimentos de rapidez em fornecer às vítimas os resultados
três membros de uma gangue aparentemente completos. Em dois casos excepcionais, a
envolvidos no caso, indicava que os Procuradoria Geral da República retirou as
estudantes haviam sido mortos, incinerados acusações contra as vítimas de tortura depois
e atirados em um rio. Em sua declaração, de finalmente aceitar as provas de que elas
o procurador-geral não tratou da situação haviam sido torturadas para falsamente
generalizada de impunidade e corrupção, incriminarem a si mesmas. As vítimas já
nem dos casos de desaparecimento que haviam ficado em detenção provisória
ainda não foram resolvidos no México. Mais por três e cinco anos. Exames médicos
de 70 agentes públicos locais e membros independentes, conduzidos em conformidade
de gangues foram presos e acusados com o Protocolo de Istambul, foram
formalmente de participação no caso dos

162 Anistia Internacional – Informe 2014/15


cruciais para demonstrar que elas haviam Em junho, entraram em vigor as reformas
sido torturadas. do Código de Justiça Militar. Resultado de
Em maio, a Suprema Corte de Justiça anos de mobilização por parte de vítimas
publicou sua sentença de 2013 no caso de e organizações de direitos humanos, as
Israel Arzate, que foi preso de modo arbitrário reformas excluíram do sistema de justiça
e torturado pelos militares que pretendiam militar os crimes cometidos por membros
acusá-lo de envolvimento no massacre de das forças armadas contra civis. Todavia,
Villas de Salvárca em 2010. A sentença não excluíram da competência militar as
estabeleceu critérios importantes relativos violações de direitos humanos cometidas
à inadmissibilidade de provas decorrentes contra membros das forças armadas.
de detenções arbitrárias e à obrigação de Ainda assim, as reformas foram um avanço
investigar denúncias de tortura. Entretanto, a importante para acabar com a impunidade
sentença não instituiu precedente vinculante pelos abusos cometidos por militares. No fim
para outros tribunais. do ano, quatro militares permaneciam detidos
pelo sistema de justiça civil por participação
SISTEMA DE JUSTIÇA no estupro de duas mulheres indígenas em
Autoridades das áreas de segurança pública 2002, Inés Fernández Ortega e Valentina
e justiça penal frequentemente ignoraram Rosendo Cantú.
violações de direitos humanos e continuaram
ineficazes para investigar e processar crimes DEFENSORES DOS DIREITOS
comuns e violações de direitos humanos, HUMANOS E JORNALISTAS
aumentando a impunidade e a falta de Muitos defensores dos direitos humanos
confiança no sistema legal. Em março, e jornalistas foram ameaçados, atacados
como parte de uma reforma gradual, um ou assassinados em retaliação ao seu
novo Código de Processo Penal passou a trabalho legítimo. Ao que se sabe,
vigorar para todas as 33 jurisdições federais nenhum perpetrador foi identificado ou
e estaduais de justiça penal. O governo levado à Justiça. Essas falhas se deveram
argumentou que a aplicação do Código principalmente à precariedade das
melhoraria a proteção aos direitos humanos, investigação, geralmente em consequência
tornando inadmissíveis as provas obtidas do desinteresse oficial, sobretudo das
mediante violações desses direitos, como autoridades estaduais. A impunidade
detenções ilegais e tortura. No entanto, o generalizada aumentou o clima de
código ainda precisaria ser aplicado e os insegurança para o trabalho de jornalistas
critérios para exclusão de provas elaborados e defensores.
detalhadamente. O Mecanismo de Proteção para Defensores
Em janeiro, o Comitê Executivo de Atenção dos Direitos Humanos e Jornalistas, um
às Vítimas foi criado com base na Lei organismo federal, anunciou em novembro
Nacional sobre Vítimas, com o objetivo de ter recebido 72 casos nos primeiros nove
proporcionar às vítimas de crimes, inclusive meses do ano. De modo geral, o mecanismo
de violações de direitos humanos, melhor continuou incapaz de proporcionar proteção
acesso à Justiça e a reparações. Criado para efetiva e em tempo. As medidas de proteção
substituir a Promotoria Social para vítimas acordadas dependiam frequentemente
de crimes, não estava claro se o novo órgão do apoio das autoridades locais, mesmo
teria recursos e poderes suficientes para naqueles casos em que essas mesmas
suprir as necessidades das vítimas. O código autoridades eram suspeitas de participação
regulatório da Lei Nacional sobre Vítimas não nos ataques. Vários beneficiários de medidas
foi aprovado, limitando a aplicação da lei. de proteção foram forçados a abandonar
temporariamente suas comunidades por

Anistia Internacional – Informe 2014/15 163


motivos de segurança. Outros defensores criminosos que geralmente atuam em
e jornalistas continuaram esperando que o conluio com agentes públicos. Mulheres e
mecanismo reavaliasse seus casos. crianças eram especialmente vulneráveis
Diversos defensores dos direitos humanos à violência sexual e ao tráfico de pessoas.
e ativistas comunitários sofreram processos Surgiram constantes denúncias de maus-
penais que aparentavam ser politicamente tratos cometidos pela polícia e de prisões
motivados, em represália a suas atividades efetuadas por funcionários da imigração.
legítimas, como a participação em protestos. Migrantes irregulares continuaram sendo
Para provar sua inocência, muitos tiveram mantidos em detenção administrativa até
que enfrentar longas batalhas nos tribunais, serem deportados.
com procedimentos judiciais injustos. Defensores dos direitos dos migrantes
que oferecem refúgios seguros para essas
VIOLÊNCIA CONTRA pessoas e que denunciam os abusos sofridos
MULHERES E MENINAS pelos migrantes continuaram sendo alvo
A violência contra mulheres e meninas de ameaças e intimidação. Embora vários
continuou endêmica em todo o país, inclusive tenham recebido medidas de proteção,
com estupros, sequestros e assassinatos. essas medidas em alguns casos não foram
Muitas autoridades continuaram não aplicadas de modo eficaz e não impediram
aplicando medidas legais e administrativas novas ameaças. Os responsáveis pelas
para melhorar a prevenção, a proteção e ameaças não foram levados à Justiça.
a investigação da violência motivada por
gênero. O Sistema Nacional para Prevenir, DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS
Sancionar e Erradicar a Violência contra as As comunidades indígenas continuaram a
Mulheres se recusou a aplicar o mecanismo sofrer discriminação no sistema de justiça
de “Alerta de Gênero”, planejado para criminal e a ter acesso limitado a serviços
mobilizar as autoridades no combate a essa básicos como água, moradia e assistência à
violência tão prevalente e produzir uma saúde. O fato de as comunidades indígenas
reação oficial e efetiva nesses casos. não terem sido consultadas para dar seu
Em janeiro, a Suprema Corte de Justiça consentimento livre, prévio e informado
ordenou a libertação de Adriana Manzanares sobre os projetos de grandes obras e
Cayetano, uma mulher indígena que havia empreendimentos que afetam suas terras e
cumprido seis dos 22 anos de sua pena de seus modos de vida tradicionais resultaram
reclusão, imposta quando ela foi condenada em protestos e disputas. Esses, por sua vez,
por matar seu bebê recém nascido. As provas resultaram em ameaças e ataques contra
de que a criança havia nascido morta foram líderes comunitários, assim como em ações
ignoradas e as violações de seu direito a uma penais contra ativistas, aparentemente com
defesa efetiva e à presunção de inocência base em acusações politicamente motivadas.
resultaram numa condenação duvidosa.
ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL
DIREITOS DOS REFUGIADOS Em março, o México aceitou 166 das 176
E MIGRANTES recomendações da Revisão Periódica
A insegurança e as privações sociais em seus Universal conduzida pelo Conselho de
países de origem levaram um número cada Direitos Humanos da ONU. Em maio, o
vez maior de migrantes centro-americanos, relator especial da ONU sobre a tortura visitou
principalmente menores desacompanhados, o México e emitiu conclusões preliminares
a cruzar o México para chegar aos EUA. de que a tortura e outros maus-tratos
Os migrantes continuaram sendo mortos, continuavam amplamente disseminados.
sequestrados e extorquidos por grupos Em junho, o relator especial da ONU sobre

164 Anistia Internacional – Informe 2014/15


execuções extrajudiciais publicou o relatório referente aos crimes ocorridos no
de sua missão no México no início de 2013, passado persistiu.
destacando os altos índices de execuções e
de impunidade. Em agosto, o relator especial INFORMAÇÕES GERAIS
da Comissão Interamericana de Direitos Mianmar assumiu a presidência da
Humanos sobre os direitos dos migrantes Associação de Nações do Sudeste
publicou o relatório de sua visita ao México. O Asiático (ASEAN) em janeiro. Em março, o
documento detalhava a violência generalizada governo anunciou eleições parlamentares
contra os migrantes, a negação do direito a parciais para o final do ano, canceladas
um processo justo e às proteções jurídicas, posteriormente, e eleições gerais em 2015.
além de outros abusos de direitos humanos. Apesar de uma campanha nacional para
alterar a Constituição de 2008, liderada pela
LIBERDADE DE EXPRESSÃO Liga Nacional para a Democracia (LND), de
Um projeto de lei sobre telecomunicações oposição, sua líder Aung San Suu Kyi até o
ameaçava criar poderes executivos fim do ano ainda estava constitucionalmente
potencialmente arbitrários sobre a internet, impedida de concorrer à Presidência, e os
bem como controles judiciais insuficientes militares ainda detinham o poder de veto em
sobre a interceptação de comunicações todas as futuras mudanças constitucionais.
eletrônicas.
DISCRIMINAÇÃO
A situação dos rohingya se agravou
durante o ano. Pessoas dessa etnia sofrem

MIANMAR persistente discriminação nas leis e nas


políticas públicas. Além disso, essa situação
foi agravada pelo aprofundamento da crise
República da União de Mianmar humanitária e pelas constantes eclosões de
Chefe de estado e governo: Thein Sein violência religiosa e antimuçulmana, assim
como pela incapacidade do governo de
investigar os atentados contra os rohingya e
Apesar de as reformas políticas, jurídicas outros muçulmanos. As autoridades também
e econômicas estarem avançando, não não conseguem pôr um fim ao incitamento
houve progresso em matéria de direitos à violência baseado no ódio nacional, racial
humanos, verificando-se alguns retrocessos e religioso.
em áreas-chave. A situação da comunidade Em janeiro, surgiram relatos de confrontos
rohingya se deteriorou, com a discriminação entre forças de segurança, rakhines budistas
legalizada agravando na prática uma e rohingyas muçulmanos na aldeia Du
situação humanitária dramática. A violência Chee Yar Tan, no estado de Rakhine. Duas
contra os muçulmanos persistiu, com as investigações – uma feita pelo governo e outra
autoridades se mostrando incapazes de realizada pela Comissão Nacional de Direitos
levar à Justiça os suspeitos dos crimes. Humanos de Mianmar (CNDHM) – afirmaram
Prosseguiram as denúncias de abusos dos não ter encontrado qualquer evidência para
direitos humanos e do direito internacional fundamentar as denúncias de que houve
humanitário nas zonas de conflito armado. algum tipo de violência. Em julho, duas
As liberdades de expressão e de reunião pessoas foram mortas e dezenas ficaram
pacífica permaneceram severamente feridas quando a violência religiosa eclodiu
restringidas, com dezenas de defensores em Mandalay, a segunda maior cidade do
dos direitos humanos, jornalistas e ativistas país. Também nesse caso, não se base de
políticos detidos e presos. A impunidade qualquer investigação independente.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 165


Estima-se que 139 mil pessoas – em sua um cessar-fogo em todo o país, apesar da
maioria rohingyas – continuem desalojadas assinatura em 2012 de acordos preliminares
no estado de Rakhine, após três anos dos nesse sentido. O conflito armado nos estados
violentos confrontos que eclodiram entre de Kachin e Shan-Norte está em seu quarto
rakhines budistas e rohingyas e outros ano, com relatos de ambos os lados de
muçulmanos em 2012. A terrível situação violações do direito internacional humanitário
humanitária piorou após a expulsão de e dos direitos humanos, como homicídios
algumas organizações humanitárias e a ilegais, tortura e outros maus-tratos, inclusive
retirada de outras em fevereiro e março, estupro e outros crimes de violência
depois de terem sido atacadas por rakhines. sexual1. O conflito começou em junho de
A população desalojada ficou sem acesso 2011, depois de o Exército de Mianmar
à assistência emergencial e de apoio à romper seu cessar-fogo com o Exército da
sobrevivência. Até o final do ano, apesar Independência de Kachin (EIK), levando ao
do retorno da maioria das organizações deslocamento generalizado e contínuo das
humanitárias, a ajuda não voltou aos populações civis. Cerca de 98.000 pessoas
níveis anteriores. continuavam desalojadas no fim do ano. O
A violência entre as comunidades governo continuou a negar o acesso pleno e
religiosas e a restrição do acesso humanitário permanente dos membros das organizações
persistiram, dentro de um contexto mais humanitárias às comunidades desalojadas
amplo de leis e políticas discriminatórias no estado de Kachin, especialmente aos
contra os rohingya, que, segundo a Lei de que estão desalojados em áreas controladas
Cidadania de 1982, permanecem privados pelo EIK.
da nacionalidade. Como resultado, eles Em setembro, o conflito teve início nos
continuaram enfrentando restrições à sua estados de Karen e Mon, entre o Exército
liberdade de circulação, o que afetava seu de Mianmar e grupos armados de oposição,
acesso a fontes de subsistência e meios de provocando a fuga dos civis.
vida. Em 30 de março, um dia antes do início Segundo relatos, o Exército de Mianmar
do primeiro censo nacional em Mianmar exonerou 376 crianças e jovens de suas
desde 1983, o Ministério da Informação forças, como parte dos esforços para acabar
anunciou que os rohingya teriam que se com o uso de crianças soldados e com o
registrar como "bengalis" – um termo usado recrutamento militar de menores de idade.
para negar reconhecimento aos rohingya
e dar a entender que são todos migrantes LIBERDADE DE EXPRESSÃO E
de Bangladesh. Em outubro, o governo DE REUNIÃO PACÍFICA
anunciou um novo Plano de Ação no estado As liberdades de expressão e de reunião
de Rakhine, que, se posto em prática, pacífica continuaram drasticamente
consolidará ainda mais a discriminação e a restringidas, com dezenas de defensores
segregação dos rohingya. O anúncio do plano dos direitos humanos, jornalistas, ativistas
parece ter desencadeado uma nova onda de políticos e agricultores detidos ou presos
fuga de pessoas, que escapam do país em unicamente pelo exercício pacífico de
barcos, somando-se aos mais de 87 mil que, seus direitos.
segundo o ACNUR, a agência da ONU para Ko Htin Kyaw, líder do Movimento
refugiados, já tinham fugido pelo mar desde para a Democracia Força Atual (MDFA),
que a violência começou em 2012. uma organização de base comunitária,
foi condenado por 11 diferentes tipos de
CONFLITO ARMADO INTERNO violações do Parágrafo 505 (b) do Código
O governo e os grupos armados de minorias Penal e por três violações separadas do
étnicas não chegaram a um acordo para artigo 18 da Lei de Reunião e Manifestação

166 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Pacíficas. Ele foi condenado a um total de 13 DISPUTAS POR TERRAS
anos e quatro meses de prisão por proferir Ocorreram protestos generalizados contra o
discursos, distribuir panfletos e organizar confisco de terras e as remoções forçadas.
protestos reivindicando a renúncia do governo A comissão parlamentar criada em 2012
e contra as expulsões de pessoas da terra. para investigar as disputas por terras teria
Três outros membros do MDFA também recebido mais de 6.000 denúncias sobre
foram presos por exercerem atividades o confisco de terras. No entanto, sua
políticas pacíficas2. incapacidade para resolver os conflitos ou
Em junho, o presidente assinou se mostrar sensível a essas questões levou
emendas que alteraram a Lei de Reunião e os agricultores e outras pessoas afetadas
Manifestação Pacíficas, comumente usada a recorrer cada vez mais aos chamados
pelas autoridades para prender manifestantes "protestos de arado", em que os agricultores
pacíficos desde a sua aprovação em 2011. aravam as terras disputadas. Alguns protestos
No entanto, apesar das revisões da lei, ela foram respondidos com o uso desnecessário
ainda mantém severas restrições ao direito à ou excessivo da força pelas forças de
liberdade de reunião pacífica3. segurança. Muitos agricultores e defensores
As reformas relativas aos meios de dos direitos humanos que os apoiam foram
comunicação foram minadas pela prisão presos e acusados formalmente, muitas vezes
de jornalistas e de outros profissionais da com base em disposições do Código Penal
imprensa. Em julho, cinco profissionais a relativas a danos e invasão de propriedades.
serviço do jornal Unity foram condenados Em março, os membros da comunidade de
a 10 anos de prisão, com base na Lei de Michaungkan retomaram uma manifestação
Segredos Oficiais, pela publicação de um pacífica de protesto perto da prefeitura de
artigo sobre uma suposta fábrica secreta de Yangon, depois de as autoridades não terem
armas químicas. Em outubro, por meio de conseguido resolver seu caso de disputa de
um recurso, sua sentença foi reduzida a sete terras. Eles pediam a restituição das terras
anos de prisão4. Pelo menos 10 profissionais que, segundo alegaram, foi confiscada
da imprensa continuavam detidos até o final pelos militares na década de 1990, assim
do ano. como indenização por suas perdas. O líder
comunitário U Sein Than foi posteriormente
PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA preso por protestar sem permissão e por
O Presidente não conseguiu manter sua obstrução, sendo condenado a dois anos
promessa de libertar todos os prisioneiros de de prisão5.
consciência até o final de 2013, apesar de Em dezembro, a polícia abriu fogo contra
um perdão presidencial bastante abrangente manifestantes que protestavam contra a
anunciado em 30 de dezembro de 2013. perda de suas terras, que foram tomadas
O líder muçulmano Tun Aung estava entre e destinadas à mina de cobre Letpadaung
os que não foram libertados com o indulto. na região de Sagaing. Uma pessoa morreu
Uma anistia de prisioneiros foi anunciada em e várias ficaram feridas, o que provocou u
2014, poucas semanas antes de ocorrerem ma série de protestos pacíficos em grandes
importantes reuniões internacionais no país. cidades de todo o país. Pelo menos sete
Acredita-se que apenas um prisioneiro de ativistas pacíficos foram posteriormente
consciência estivesse entre os libertados. acusados de protestar sem permissão e
O Comitê para Examinar os Prisioneiros de por delitos tipificados no Código Penal.
Consciência Remanescentes, estabelecido Preocupações ambientais e de direitos
pelo governo em fevereiro de 2013, não humanos relacionad a s a o projeto de
funcionou de forma eficaz e não estava claro mineração não tinha m sido abordad a s até
se continuaria operando depois de 2014. o fim do ano.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 167


TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS codificada no artig o 445 da Constituição de
A tortura ainda não foi criminalizada como 2008. À s vítimas de violações de direitos
um delito específico, e Mianmar não ratificou humanos cometidas no p assado , bem como
a Convenção da ONU contra a Tortura, como às suas famílias , continuam a ser negadas a
prometido em janeiro pelo vice-ministro de verdade, a justiça, compensação e qualquer
Relações Exteriores. Policiais e militares outra forma de reparação.
são constantemente acusados de tortura e Mais de três anos depois de Sumlut Roi
outros maus-tratos, tanto relacionadas aos Ja ter sido detida pelos militares seu destino
conflitos quanto contra supostos criminosos. e paradeiro permanecia m desconhecido s
Investigações sobre as queixas são raras . Ela desapareceu em outubro de 2011 no
e os suspeitos de praticarem tortura estado de Kachin , depois de ser presa por
raramente foram responsabilizados. As soldados do Exército de Mianmar junto com
vítimas e suas famílias não tiveram acesso a seu marido e seu sogro , que conseguiram
reparações efetivas6. escapar . O marido levou o caso à Suprema
Em outubro, foi informado que o jornalista Corte em janeiro de 2012. O caso foi
autônomo Aung Kyaw Naing, também arquivado em março de 2012 pela Corte de
conhecido como Par Gyi, foi morto sob Justiça , que alegou falta de provas.
custódia do Exército de Mianmar. Ele havia A CNDHM continuou se mostrando
sido detido no dia 30 de setembro no estado extremamente ineficaz para responder às
de Mon, quando trabalhava em reportagens queixas de violações de direitos humanos.
sobre a retomada dos combates entre o Em março, a lei que institui a CNDHM
Exército de Mianmar e os grupos armados na foi aprovada pelo Parlamento nacional
região. O Exército de Mianmar alegou que ele , e uma nova Comissão foi formada em
seria "chefe de comunicações" de um grupo setembro. A maioria dos membros era
armado de oposição e que fora atingido por ligada ao governo , e o processo de seleção
tiros ao tentar escapar da custódia militar. e nomeação se caracterizou pela falta de
Após pressão nacional e internacional, transparência, lançando mais dúvidas sobre a
a polícia e a CNDHM iniciaram uma independência e a eficácia da Comissão.
investigação em novembro. Até o final do ano,
não se tinha notícia de que alguém tivesse PENA DE MORTE
sido responsabilizado por sua morte7. No dia 2 de janeiro, o presidente comutou
Em agosto, soldados do Exército de todas as penas de morte por penas de prisão.
Mianmar detiveram e agrediram sete No entanto, as disposições que permitem
agricultores na aldeia de Kone Pyin, a imposição da pena capital continuaram a
estado de Chin, a quem acusaram de ter fazer parte do marco jurídico, e pelo menos
contato com o Exército Nacional Chin, um uma nova sentença de morte foi imposta
grupo armado de oposição. Os sete foram durante o ano.
maltratados – alguns deles torturados –
durante um período de quatro a nove dias. ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL
Até o fim do ano, não havia informações A nova relatora especial da ONU sobre a
sobre uma investigação independente do situação dos direitos humanos em Mianmar
caso, ou sobre suspeitos diretos ou seus visitou o país em julho. Em outubro, ela
superiores terem sido levados à Justiça8. apresentou seu relatório à Assembleia Geral,
advertindo sobre um potencial recuo em
IMPUNIDADE matéria de direitos humanos. As autoridades
A imunidade processual das forças de se recusaram a assinar um acordo para a
segurança e de outros funcionários do criação de um Escritório do Alto Comissariado
governo por violações passadas permaneceu das Nações Unidas para os Direitos Humanos

168 Anistia Internacional – Informe 2014/15


e a ratificar tratados internacionais de direitos direitos de mulheres e meninas foram
humanos. Em novembro, Mianmar esteve em aprovados pelo parlamento, mas ainda
maior evidência quando os líderes mundiais precisam ser convertidos em lei.
se reuniram na capital, Nay Pyi Taw, para
as Cúpulas da ASEAN e da Ásia Oriental. O INFORMAÇÕES GERAIS
presidente dos EUA, Barack Obama, visitou o Em 23 de maio, Afonso Dhlakama, líder
país pela segunda vez. da Resistência Nacional Moçambicana
(Renamo), declarou que concorreria à
Presidência. Em setembro, ele retornou à
1. Myanmar: Three years on, conflicts continues in Kachin State capital, Maputo, e firmou publicamente um
(ASA16/010/2014) acordo de paz com o presidente Armando
www.amnesty,org/en/library/info/ASA16/010/2014/en Guebuza. Afonso Dhlakama permanecia
2. Myanmar: Further Information: Activist organization targeted again escondido desde outubro de 2013, quando
(ASA 16/029/2014) as forças armadas de Moçambique invadiram
www.amnesty.org/en/library/info/ASA16/029/2014/en sua base de operações em Satunjira, na
3. Myanmar: Stop using repressive law against peaceful protesters (ASA província de Sofala. O acordo de paz firmado
16/025/2014) em setembro pôs fim a dois anos de conflitos
www.amnesty.org/en/library/info/ASA16/025/2014/en entre combatentes da Renamo e das Forças
4. Myanmar: Further Information: Myanmar media workers imprisoned in Armadas de Defesa de Moçambique (FADM),
Myanmar (ASA 16/013/2014) bem como aos ataques de militantes da
www.amnesty.org/en/library/info/ASA16/023/2014/en Renamo contra ônibus e automóveis na
5. Myanmar: Further sentences for protester in Myanmar: U Sein Than principal rodovia do país. Os confrontos
(ASA 16/021/2014) causaram a morte de dezenas de pessoas,
www.amnesty.org/en/library/info/ASA16/021/2014/en inclusive civis.
6. Myanmar: Take immediate steps to safeguard against torture (ASA No dia 15 de outubro, Moçambique
16/011/2014) realizou sua quinta eleição presidencial
www.amnesty.org/en/library/info/ASA16/011/2014/en desde a independência em 1975. O partido
7. Myanmar: Ensure independent and impartial investigation into the governista, a Frente de Libertação de
death of journalist (ASA 16/028/2014) Moçambique (FRELIMO), manteve-se no
www.amnesty.org/en/library/info/ASA16/028/2014/en poder e o ex-ministro da Defesa, Filipe Jacinto
8. Myanmar: Farmers at risk after beating by soldiers (ASA 16/002/2014) Nyussi, tornou-se o terceiro presidente de
www.amnesty.org/en/library/info/ASA16/002/2014/en Moçambique eleito democraticamente.
A situação dos direitos humanos em
Moçambique foi avaliada na 55ª Sessão
Ordinária da Comissão Africana de Direitos

MOÇAMBIQUE Humanos e dos Povos, organizada por Angola


e celebrada em Luanda de 28 de abril a 12
de maio.1
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE
Chefe de Estado e de governo: Filipe Jacinto Nyussi HOMICÍDIOS ILEGAIS
(sucedeu Armando Guebuza em outubro) Segundo informações, a polícia usou armas
de fogo de modo ilegal nas províncias de
Maputo, Gaza e Nampula, matando pelo
A polícia usou a força e armas de fogo de menos quatro pessoas. Ao que parece, não
modo ilegal, com resultados letais. Críticas foi realizada qualquer investigação desses
ao Presidente Guebuza no Facebook casos a fim de determinar a legalidade do uso
resultaram em ação penal contra uma das armas de fogo pela polícia.
pessoa. Projetos de lei que afetam os

Anistia Internacional – Informe 2014/15 169


Em janeiro, policiais mataram a tiros parlamentares para depois ser sancionada
Ribeiro João Nhassengo, de 26 anos, e outra pelo presidente. Apesar desse passo à
pessoa. Um porta-voz da polícia afirmou que frente, o direito à liberdade de expressão
os policiais responderam a uma denúncia foi reprimido.
anônima sobre automóveis que estavam em Em maio, o economista Carlos Nuno
frente a uma loja no bairro de Triunfo, em Castelo-Branco foi intimado a comparecer
Maputo, na madrugada de 29 de janeiro, e perante o Ministério Público em Maputo
que, ao chegarem, encontraram indivíduos para ser questionado sobre acusações de
em dois carros com uma suposta vítima difamação contra o chefe de Estado, as
de sequestro. O porta-voz disse que os quais constituem crime contra a segurança
suspeitos liberaram a vítima, mas uma troca do Estado. As acusações foram motivadas
de tiros se seguiu. Ribeiro João Nhassengo por uma carta aberta que o economista
e outro indivíduo não identificado teriam havia postado em sua página no Facebook
sido mortos no tiroteio. No entanto, imagens em novembro de 2013, questionando a
gravadas do incidente mostram que Ribeiro governança do país pelo Presidente Guebuza.
João Nhassengo foi morto a tiros quando Posteriormente, a carta foi publicada
se encontrava dentro de um carro com as por alguns jornais nacionais. Até o fim
janelas fechadas. Não foi realizada qualquer do ano, não havia informações de novos
investigação sobre as circunstâncias das procedimentos.
mortes, a fim de determinar se a polícia fez
uso legal das armas de fogo. DIREITOS DE MULHERES E MENINAS
Em julho, o Parlamento aprovou o projeto
USO EXCESSIVO DA FORÇA do Código Penal, sem um artigo controverso
Houve denúncias sobre o uso de força que permitiria aos estupradores livrarem-se
excessiva pela polícia contra supostos de processo caso casassem com a vítima.
criminosos, contra pessoas suspeitas de Ativistas de direitos humanos se mobilizaram
serem combatentes da Renamo e contra contra esse artigo.2
civis desarmados. Além disso, o projeto aprovado pelo
Em 21 de junho, na área central de parlamento não requeria que uma denúncia
Maputo, um policial armado atirou contra oficial fosse feita pelas partes concernentes
um veículo após uma discussão sobre uma em casos de delitos sexuais contra menores
manobra de trânsito ilegal. O agente da de 16 anos para que um procedimento penal
Polícia da República de Moçambique (PRM) fosse instaurado. Porém, qualquer outra
teria parado o motorista do carro, por volta vítima de crime sexual teria que fazer uma
das 8 horas da manhã, questionando-o sobre denúncia formal para que um processo fosse
a manobra ilegal. Quando o motorista pediu aberto. Foi mantido um artigo referente ao
que fosse chamado um agente de trânsito estupro de menores que considerava menor
para aplicar a multa, o policial teria ameaçado quem tivesse menos de 12 anos de idade. No
matá-lo. Depois disso, houve uma discussão fim do ano, o projeto de lei ainda aguardava
e o policial teria disparado três tiros contra sanção presidencial antes de entrar em vigor.
o carro.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Em agosto, o Parlamento aprovou
provisoriamente o projeto da Lei de Acesso
à Informação, que estava sendo debatido
desde 2005. No fim do ano, a lei ainda
precisava de aprovação em outras instâncias

170 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Todos os Progressistas, formado em fevereiro
1. Statement on prison conditions to the African Commission on Human de 2013 com a união de vários partidos
and Peoples' Rights (AFR 01/008/2014) de oposição, eram os principais partidos
www.amnesty.org/en/library/info/AFR01/008/2014/en e Mozambique: na disputa eleitoral de 2015. No estado
Submission to the African Commission on Human and Peoples’ de Rivers, houve confrontos em janeiro e
Rights: 54th Ordinary Session of the African Commission on Human julho entre apoiadores e adversários do
and Peoples’ Rights (AFR 41/007/2013) governador Rotimi Amaechi, que se filiou ao
www.amnesty.org/en/library/info/AFR41/007/2013/en Congresso de Todos os Progressistas no fim
2. Mozambique: New Criminal Code puts women’s rights at risk (AFR de 2013. Ao lidar com os protestos, a polícia
41/001/2014) foi criticada por sua suposta parcialidade
www.amnesty.org/en/library/asset/AFR41/001/2014/pt/f5d3b8a2- a favor do Partido Democrático Popular.
45e5-460d-bab0-e1d4582158aa/afr410012014en.html Organizações da sociedade civil denunciaram
que os políticos haviam começado a armar
seus apoiadores.
Entre março e agosto, quase 500 figuras

NIGÉRIA públicas de destaque se reuniram para


debater a situação da Nigéria. O processo,
descrito como uma “conferência nacional”,
República Federal da Nigéria recomendou mais de 600 reformas
Chefe de Estado e de governo: Goodluck Ebele constitucionais, jurídicas e de políticas, como
Jonathan a criação de novos estados e o aumento da
proporção das receitas públicas destinadas
aos governos estaduais. Criou-se um comitê
Crimes de direito internacional e graves presidencial de sete integrantes que estava
violações e abusos de direitos humanos examinando o relatório da conferência
foram cometidas pelos dois lados do e iria assessorar o governo sobre como
conflito entre o exército nigeriano e o grupo implementar as recomendações.
armado Boko Haram, que se intensificou O Boko Haram intensificou os ataques
durante o ano. Tortura e outros maus-tratos contra as cidades do Nordeste do país, tendo
continuaram sendo extensamente praticados tomado o controle de cidades importantes
pela polícia e pelas forças de segurança. em três estados. O estado de emergência
Entrou em vigor uma lei que criminalizava o declarado em Adamawa, Borno e Yobe, os
casamento ou a união civil e demonstrações estados mais afetados pela violência, foi
públicas de afeto entre pessoas do prorrogado em maio, mas não foi renovado
mesmo sexo. A liberdade de expressão foi em novembro.
restringida. A pena de morte continuou
sendo aplicada. CONFLITO ARMADO
Boko Haram
INFORMAÇÕES GERAIS Intensificaram-se os ataques violentos do
Os preparativos para as eleições gerais grupo armado Boko Haram contra alvos
de fevereiro de 2015, uma conferência governamentais e civis. Desde julho, o Boko
nacional de cinco meses de duração Haram capturou e ocupou mais de 20
com a participação de personalidades cidades nos estados de Adamawa, Borno
governamentais, políticas e públicas, e o e Yobe, atacando e matando milhares de
conflito entre o governo e o Boko Haram civis em cidades de todo o Nordeste, nas
dominaram os acontecimentos no decorrer áreas controladas pelo grupo e em atentados
do ano. O Partido Democrático Popular, a bomba por todo o país. Nos ataques
atualmente no governo, e o Congresso de contra as cidades, o Boko Haram costuma

Anistia Internacional – Informe 2014/15 171


sequestrar mulheres jovens e meninas, como oculares, o grupo aprisionou e depois matou
as 276 estudantes da cidade de Chibok em aproximadamente 300 homens, tendo
abril. O Boko Haram obrigou as mulheres obrigado 30 mulheres a se casarem com seus
e meninas sequestradas a se casarem, integrantes.
recrutou os homens à força e torturou as No dia 28 de novembro, três bombas
pessoas que, vivendo sob seu controle, explodiram no exterior de uma mesquita na
infringiam suas regras. O grupo saqueou cidade de Kano, e homens armados que se
mercados, comércios e residências, tendo acredita serem combatentes do Boko Haram
atacado deliberadamente escolas e outras atiraram contra a multidão. Pelo menos 81
instalações civis. Algumas dessas ações pessoas foram mortas no ataque.
configuraram crimes de guerra e crimes O Boko Haram matou 24 pessoas e
contra a humanidade. As autoridades sequestrou mais de 110 crianças, rapazes
não investigaram de forma adequada os e moças em dois ataques ao vilarejo de
homicídios e sequestros, não levaram os Gumsuri, nos dias 12 e 14 de dezembro.
supostos perpetradores à Justiça nem
impediram novos ataques. FORÇAS DE SEGURANÇA
No dia 25 de fevereiro, pelo menos 43 Em sua resposta ao Boko Haram, as forças
pessoas foram mortas a tiros por homens de segurança nigerianas cometeram graves
armados do Boko Haram, em um ataque violações de direitos humanos a atos que
contra uma escola em Buni Yadi, no estado constituem crimes de direito internacional.
de Yobe. Entre as vítimas fatais estavam As forças armadas continuaram praticando
muitas das crianças da escola. detenções arbitrárias no Nordeste da Nigéria.
Nos dias 14 de abril e 1º de maio, o Boko Sabe-se que os militares entravam nas
Haram efetuou atentados com carros-bomba comunidades e obrigavam os homens a
em Nyanya, um subúrbio da capital, Abuja, sentarem-se na rua diante de um informante,
matando mais de 70 pessoas no primeiro para identificar supostos membros do Boko
ataque e 19 no segundo, deixando mais de Haram. Os assim identificados eram detidos
60 feridos. pelos militares. Em novembro, as forças
Em 14 de abril, o Boko Haram sequestrou armadas nigerianas libertaram pelo menos
276 meninas da Escola Pública Secundária 167 detidos, uma pequena parcela dos que
para Meninas em Chibok, no estado de foram presos.
Borno. As forças de segurança nigerianas As pessoas detidas eram privadas de
foram alertadas sobre o ataque em Chibok acesso ao mundo exterior, inclusive a
com mais de quatro horas de antecedência, advogados, tribunais e familiares, sendo
mas não tomaram qualquer providência. mantidas à margem da proteção da lei. Os
No dia 5 de maio, o Boko Haram matou detidos geralmente não eram informados
pelo menos 393 pessoas num ataque a dos motivos de sua prisão, e suas famílias
Gamborou Ngala, no estado de Borno. A não eram informadas sobre seu destino ou
grande maioria das vítimas eram civis. O paradeiro. No fim do ano, poucos, se é que
Boko Haram queimou bancas de comércio, algum, dos indivíduos detidos em custódia
veículos, casas e lojas nas proximidades. dos militares compareceu perante um
Em 6 de agosto, o Boko Haram capturou tribunal ou teve a possibilidade de contestar a
a cidade de Gwoza e matou ao menos 600 legalidade de sua detenção.
civis, embora várias fontes indiquem que esse Muitos dos detidos pareciam ter sido
número foi maoir. submetidos a tortura ou outros maus-tratos,
Em 1º de setembro, o Boko Haram atacou como parte dos interrogatórios ou como
e capturou a cidade de Bama, matando castigo. Um grande número de mortes
mais de 50 civis. Segundo testemunhas continuou acontecendo nas unidades de

172 Anistia Internacional – Informe 2014/15


detenção militar, ou em consequência de outro no chão, sendo espancados com paus
tortura e das condições brutais de reclusão. e facões pelos militares e pelos membros da
O governo não investigou as mortes Força Especial Conjunta Civil. Testemunhas
ocorridas sob custódia e negou o acesso da oculares confirmaram que os 35 detidos
Comissão Nacional de Direitos Humanos às foram colocados pelos soldados num único
instalações de detenção militar. veículo militar e levados ao quartel militar
Em 14 de março, homens armados do local de Bama. Na tarde de 29 de julho,
Boko Haram atacaram o quartel militar de os militares tiraram os homens do quartel
Giwa, na cidade de Maiduguri, libertando e os levaram de volta a suas respectivas
centenas de detentos. Testemunhas comunidades, onde os mataram a tiros,
afirmaram que quando os militares vários de cada vez, e depois abandonaram os
retomaram o controle do quartel, mais de 640 corpos. Os 35 detidos foram mortos.
pessoas, na maioria detentos desarmados REFUGIADOS E PESSOAS DESALOJADAS DENTRO
que haviam sido recapturados, foram DO PAÍS
executadas extrajudicialmente em vários A situação humanitária no Nordeste se
locais de Maiduguri e arredores. As imagens deteriorou em consequência da violência.
gravadas em vídeo de uma das execuções Desde maio de 2013, pelo menos 1,5 milhão
mostram pessoas que pareciam ser membros de pessoas, em sua maioria mulheres,
das forças armadas nigerianas e da Força crianças e idosos, foram forçadas a fugir
Especial Conjunta Civil degolando cinco para outras regiões da Nigéria ou buscar
detidos com facas e atirando seus corpos refúgio nos países vizinhos. Famílias
em uma vala comum aberta. Nove pessoas foram separadas, crianças não podiam
foram mortas dessa maneira e, segundo frequentar a escola e muitas pessoas foram
testemunhos, outros detidos que apareciam privadas de suas fontes de subsistência. As
nas imagens foram mortos a tiros. comunidades de acolhimento, as autoridades
O governo anunciou investigações sobre os governamentais e as organizações
acontecimentos de 14 de março. No entanto, internacionais se esforçaram para satisfazer
no fim do ano não haviam sido divulgados o as necessidades humanitárias das pessoas
mandato, a composição e o cronograma das desalojadas. Duas cidades, Maiduguri e Biu,
comissões de inquérito. vivenciaram surtos de cólera nos campos
As forças de segurança nigerianas para desalojados internos, que resultaram em
efetuaram repetidas execuções extrajudiciais, mais de 100 mortes.
com frequência depois de “selecionar” os
suspeitos. Em 23 de julho de 2013, por TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
exemplo, as forças armadas nigerianas e a O uso da tortura pelas forças policiais
Força Especial Conjunta Civil adentraram e militares da Nigéria continuou sendo
o mercado central de Bama e ordenaram generalizado e rotineiro. Inúmeras pessoas
que todos os homens adultos que estavam foram submetidas a tortura física e
nas imediações se reunissem em um psicológica e a outros maus-tratos. Pessoas
local se despissem. Os homens foram detidas em custódia policial ou militar em
então separados em dois grupos: um todo o país foram submetidas a tortura
grupo de aproximadamente 35 homens como punição ou para obter “confissões”,
foi considerado, de forma aparentemente principalmente em casos que envolviam
aleatória, como de membros do Boko Haram, roubo a mão armada e homicídio, ou que se
os do outro grupo, cerca de 300, foram relacionavam ao Boko Haram.
considerados inocentes. Imagens gravadas Em diferentes estados, muitos
em vídeo mostravam os supostos integrantes departamentos policiais, entre eles a
do Boko Haram deitados um ao lado do Unidade Especial Antiroubos e a Divisão

Anistia Internacional – Informe 2014/15 173


de Investigação Criminal, dispunham matando uma pessoa e ferindo gravemente
de “câmaras de tortura” onde faziam outras 12. Os manifestantes protestavam
o interrogatório de suspeitos. Prisões e contra os planos de demolição de suas
detenções arbitrárias, assim como detenção casas. O Tribunal sustentou que não havia
em regime de incomunicabilidade, eram qualquer justificativa para os disparos e que
práticas rotineiras. As mulheres detidas por o governo descumprira sua obrigação de
delitos comuns, as familiares de supostos proteger e respeitar o direito de associação e
criminosos, as trabalhadoras do sexo ou as reunião pacífica.
que eram consideradas como tal costumavam
ser estupradas ou submetidas a outras SISTEMA DE JUSTIÇA
formas de violência sexual pelos policiais. O sistema de justiça criminal continuou
Menores de 18 anos também eram detidos carente de recursos, assolado pela corrupção
e torturados ou maltratados nas delegacias e inspirando desconfiança generalizada.
de polícia. As forças de segurança recorreram com
frequência a detenções em massa em vez
DIREITO À MORADIA de deter as pessoas individualmente com
Em março, perante o Conselho de Direitos base em suspeitas razoáveis. Os detidos
Humanos da ONU, a Nigéria reafirmou costumavam ser submetidos a tratamento
o compromisso com suas obrigações desumano e degradante sob custódia.
internacionais em matéria de direitos Na última década, foram criados pelo
humanos relativas ao direito à moradia menos cinco grupos de trabalho e comitês
adequada e a recursos jurídicos efetivos. presidenciais para tratar da reforma do
Apesar disso, o governo estadual de Lagos sistema de justiça criminal. No entanto,
violou o direito a um recurso jurídico efetivo a maioria das recomendações, inclusive
de aproximadamente 9.000 pessoas para combater a tortura, não haviam sido
afetadas por um desalojamento forçado aplicadas até o fim do ano.
em Badia East, nesse estado, em fevereiro Em 10 de dezembro, a Força de Polícia
de 2013.1 Após intensas pressões e mais da Nigéria publicou um Manual de Práticas
de um ano depois de deixar milhares de sobre Direitos Humanos que apresentava
pessoas sem teto, o governo do estado de as normas de atuação que se esperava dos
Lagos providenciou a algumas das pessoas policiais e orientações sobre como cumprir
atingidas uma ajuda econômica limitada em essas normas.
vez de uma compensação adequada por
suas perdas. Ademais, como condição para PENA DE MORTE
obterem a ajuda econômica, o governo exigiu A Nigéria seguiu impondo sentenças de
que as pessoas assinassem documentos morte, mas nenhuma execução foi efetuada.
que de fato as impediam de demandar Em março, durante a adoção dos resultados
recursos adicionais. da Revisão Periódica Universal da Nigéria
Em junho, o Tribunal de Justiça da no Conselho de Direitos Humanos da ONU,
Comunidade Econômica dos Estados da o país afirmou que daria continuidade ao
África Ocidental (CEDEAO) concedeu diálogo nacional sobre a abolição da pena
quase 70 mil dólares de indenização de morte.
por danos aos membros da comunidade Em junho de 2014, o Tribunal de Justiça
de Bundu com relação a um incidente da CEDEAO ordenou que a Nigéria retirasse
ocorrido em outubro de 2009: forças do corredor da morte Thankgod Ebhos, que
de segurança armadas abriram fogo não havia esgotado seu direito a recurso, e
contra manifestantes desarmados em um Maimuna Abdulmumini, que tinha menos
assentamento informal de Port Harcourt, de 18 anos à época do suposto delito. Em

174 Anistia Internacional – Informe 2014/15


outubro de 2014, depois de passar 19 anos Nos dias 14 e 15 de março, homens
no corredor da morte e de ter escapado armados, que se acreditava serem pastores
por pouco da execução em junho de 2013, de gado de etnia fulani, mataram cerca de
Thankgod Ebhos foi libertado por força 200 pessoas em três povoados do estado
de uma ordem do governador do estado de Kaduna. Aproximadamente outras 200
de Kaduna. Outros quatro homens foram pessoas também foram mortas em confrontos
executados em junho de 2013, as primeiras entre homens armados e grupos parapoliciais
execuções de que se teve conhecimento no locais em Unguwar Galadima, no estado
país desde 2006. de Zamfara, no período de dois dias em
Em setembro e dezembro, várias cortes abril. Em agosto, pelo menos 60 pessoas
marciais condenaram um total de 70 foram mortas no estado de Nasarawa nos
soldados por rebelião e os sentenciaram combates entre pastores fulani e agricultores
à morte. da etnia eggon. Em outro incidente ocorrido
em novembro na mesma região, pelo
LIBERDADE DE EXPRESSÃO menos 40 pessoas morreram vítimas dos
As forças de segurança restringiram a enfrentamentos entre os grupos étnicos
liberdade de expressão durante o ano. eggon e gwadara por disputas de terras. Em
Durante três dias em junho, os abril, 25 pessoas morreram em Andoyaku, no
militares e os agentes do Departamento estado de Taraba, quando invasores atearam
de Segurança do Estado confiscaram e fogo a todo o povoado.
destruíram vários jornais e revistaram os
veículos que distribuíam os periódicos. O DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS,
Quartel General da Defesa declarou que a BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS
ação havia sido executada no interesse da E INTERSEXUAIS
segurança nacional. Em janeiro, o Presidente Jonathan promulgou
Em agosto, soldados detiveram brevemente a Lei sobre Casamento entre Pessoas do
dois diretores no escritório de Maiduguri do Mesmo Sexo (Proibição) de 2013. A lei
jornal Daily Trust, supostamente depois que criminaliza o casamento e a união civil de
o diário publicou uma matéria afirmando que casais do mesmo sexo; as cerimônias de
alguns soldados haviam se negado a cumprir casamento entre pessoas do mesmo sexo
ordens de combater o Boko Haram. em locais de culto; a demonstração pública
Em outubro, a polícia prendeu Amaechi de afeto entre pessoas do mesmo sexo; e o
Anakwe, jornalista da Africa Independent registro e apoio a clubes e sociedades gays
Television, depois que ele classificou como na Nigéria. A lei previa penas de 10 a 14
“controverso” um inspetor geral adjunto da anos de prisão.
polícia na televisão. Um tribunal o soltou no Dias depois de a lei entrar em vigor,
dia seguinte. ativistas e pessoas lésbicas, gays, bissexuais,
transexuais e intersexuais (LGBTI) foram
VIOLÊNCIA ENTRE COMUNIDADES vítimas de hostilidades, chantagens e
Episódios de violência intercomunitária ameaças de morte. Em Ibadan, no estado de
ocorreram em muitas partes do país, Oyo, a polícia prendeu cinco homens por sua
principalmente na região de Middle Belt. suposta orientação sexual. Os cinco foram
A ONG International Crisis Group (ICG) soltos mediante o pagamento de fiança. Em
calculou que, entre janeiro e julho, mais de Awka, no estado de Anambra, seis pessoas
900 pessoas haviam sido mortas devido à teriam sido presas e detidas pela polícia
violência entre comunidades nos estados de com base na nova lei. Um inspetor adjunto
Kaduna, Katsina, Plateau, Zamfara, Taraba, da polícia em Bauchi afirmou que a polícia
Nasarawa e Benue. possuía uma lista de pessoas suspeitas de

Anistia Internacional – Informe 2014/15 175


serem LGBTI que estavam “sob vigilância” por fissuras devastaram a região em 2008
como parte de sua “detecção de criminosos”. e 2009, foi concluída em dezembro com
um acordo extrajudicial. A Shell pagou 55
PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA milhões de libras esterlinas (cerca de 83
A poluição provocada pelas atividades da milhões de dólares) à comunidade. No fim do
indústria do petróleo continuou a causar ano, contudo, a contaminação causada pelos
devastação ambiental e a destruir as fontes dois grandes vazamentos de petróleo ainda
de subsistência na região do Delta do Níger. não havia sido devidamente tratada.
Em 2013 e 2014, ocorreram centenas de Documentos judiciais mostraram que
vazamentos de petróleo, causados por a Shell havia feito reiteradas declarações
falhas nos equipamentos das empresas falsas sobre a dimensão e o impacto dos dois
petroleiras e por sabotagem e roubo de vazamentos na comunidade de Bodo, numa
petróleo. As petroleiras continuaram culpando tentativa de reduzir ao mínimo a indenização
a sabotagem e o roubo pela maioria dos que teria de pagar. Os documentos também
vazamentos, mesmo diante das evidências mostraram que a Shell sabia há muitos
cada vez mais claras de que os oleodutos anos que seus oleodutos estavam velhos
estavam velhos e sem manutenção, bem e defeituosos. Com base nos mesmos
como das falhas graves que caracterizaram documentos, a ONG Amigos da Terra Países
o processo de investigação dos vazamentos Baixos afirmou que a Shell também havia
conduzido pelas empresas. mentido a um tribunal holandês em outra
Houve frequentes demoras na contenção ação judicial relacionada à contaminação do
e na limpeza dos vazamentos de petróleo. Os Delta do Níger por petróleo.
processos de despoluição das áreas afetadas Na região de Ikarama e em outras partes
continuaram inadequados. do estado de Bayelsa, ocorreram vários
As ONGs continuaram a manifestar vazamentos de petróleo, provocados tanto
preocupação diante da não aplicação por pelas atividades da Shell quanto da ENI/Agip.
parte do governo e da empresa petroleira Um grupo da sociedade civil que trabalha
Shell das recomendações feitas em 2011 por com as comunidades locais, a Aliança
um estudo científico do Programa das Nações das Partes Interessadas para a Prestação
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) de Contas Corporativa (SACA, em inglês)
sobre a contaminação em Ogoniland, na manifestou preocupação com as falhas nos
região do Delta do Níger. Embora o governo processos de descontaminação e indenização
tenha prosseguido com o fornecimento de nessa área, e com o fato de as petroleiras
água potável às pessoas cujas fontes hídricas não terem protegido adequadamente suas
foram contaminadas pelos vazamentos de instalações contra atos de sabotagem..
petróleo, a quantidade e a qualidade da Em novembro, o Comitê de Meio Ambiente
água, de acordo com diversos pareceres, da Câmara dos Deputados recomendou
eram inadequadas. Em setembro de 2014, que a Shell Nigerian Exploration and
o Ministério do Petróleo deu início a um Production Company pagasse a quantia
processo multisetorial relativo ao relatório do de 3,6 bilhões de dólares pelos prejuízos
PNUMA e criou quatro grupos de trabalho causados às comunidades costeiras do
incumbidos de aplicar diferentes aspectos estado de Bayelsa durante um vazamento
das recomendações. de petróleo em 2011 em Bonga, que teria
Uma ação judicial contra a companhia afetado 350 comunidades e cidades satélites.
petroleira Shell, interposta no Reino Unido
por moradores da comunidade de Bodo,
onde dois enormes vazamentos de petróleo
de um oleoduto antigo e comprometido

176 Anistia Internacional – Informe 2014/15


terminaram no final de abril sem atingir
1. Nigeria: At the mercy of the government: Violation of the right nenhum acordo.
to an effective remedy in Badia East, Lagos State, Nigeria (AFR No mesmo mês, o Fatah, o partido no
44/017/2014) governo da Autoridade Palestina, que
www.amnesty.org/en/library/info/AFR44/017/2014/en administra a Cisjordânia, e o Hamas,
que governa de facto Gaza desde 2007,
anunciaram um acordo de unidade. Em
junho, o Fatah, o Hamas e outras facções

PALESTINA palestinas concordaram em formar um


governo de reconciliação nacional, formado
por tecnocratas independentes para
Estado da Palestina administrar os assuntos civis em ambas
Chefe de Estado: Mahmoud Abbas as áreas até que eleições parlamentares e
Chefe de governo: Rami Hamdallah presidenciais fossem realizadas. Até o fim do
ano, não havia sido escolhida uma data para
o pleito.
Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, as Houve um crescente reconhecimento
autoridades limitaram as liberdades de internacional da condição da Palestina como
expressão e reunião pacífica, realizaram um Estado, apesar da oposição de Israel e
prisões e detenções arbitrárias, torturaram dos EUA. Em outubro, a Suécia se tornou
e praticaram outros maus-tratos contra o primeiro membro da União Europeia a
detentos com impunidade. Mulheres e reconhecer o Estado da Palestina (embora
meninas sofreram discriminação na lei três outros Estados europeus o tivessem
e na prática e não foram devidamente feito antes de se unir à UE) e a Câmara dos
protegidas contra a violência de gênero. Comuns do Reino Unido e a Assembleia
A pena de morte continuou em vigor; não Nacional da França ambos realizaram
houve execuções na Cisjordânia, mas as votações não vinculantes a favor do
autoridades do Hamas na Faixa de Gaza reconhecimento. Em dezembro, a Jordânia
realizaram pelo menos 22 execuções apresentou uma resolução ao Conselho
extrajudiciais de pessoas que acusaram de de Segurança da ONU que propunha
“colaborar” com Israel. A ofensiva militar estabelecer um cronograma para um acordo
“Margem Protetora” de Israel matou mais negociado que exigiria que Israel cessasse a
de 1.500 civis em Gaza, feriu outros ocupação de territórios palestinos até o fim
milhares e causou enorme devastação, de 2017.
exacerbando as dificuldades sentidas pelo Em abril, a Palestina ratificou as quatro
1,8 milhão de habitantes da Faixa de Convenções de Genebra e uma série
Gaza devido ao bloqueio militar contínuo de tratados internacionais sobre direitos
de Israel no território. Durante o conflito humanos e outros, inclusive o Pacto
de 50 dias, o Hamas e grupos armados Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
palestinos lançaram indiscriminadamente o Pacto Internacional sobre Direitos
milhares de foguetes e morteiros sobre áreas Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção
civis de Israel, matando 6 civis, inclusive sobre a Eliminação de Todas as Formas de
uma criança. Discriminação contra a Mulher, a Convenção
sobre os Direitos da Criança e seu Protocolo
INFORMAÇÕES GERAIS Facultativo relacionado ao envolvimento de
Negociações convocadas pelos EUA, que crianças em conflitos armados, assim como a
começaram em 2013 e pretendiam resolver Convenção da ONU contra a Tortura. Em 31
o conflito de décadas entre Israel e Palestina, de dezembro, o presidente Mahmud Abbas

Anistia Internacional – Informe 2014/15 177


assinou 16 outros tratados internacionais, acampamento de refugiados de Shati, ao que
assim como o Estatuto de Roma, parece, porque um foguete explodiu antes de
reconhecendo a competência do Tribunal atingir o alvo. Os grupos armados palestinos
Penal Internacional nos Territórios Palestinos também expuseram os civis em Gaza a
Ocupados, inclusive Jerusalém Oriental, a ataques letais dos israelenses ao esconder
partir de 13 de junho de 2014. e disparar foguetes e outros projéteis em
As tensões aumentaram com o assassinato áreas residenciais civis e próximo a estas. Os
por parte de Israel de pelo menos 15 ataques pararam quase completamente após
palestinos até o fim de junho, com o o cessar-fogo.
sequestro e assassinato de 3 adolescentes
israelenses por palestinos perto de Hebron PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS
e com a morte por vingança de um jovem Tanto na Cisjordânia quanto em Gaza, as
palestino por israelenses. As tensões forças de segurança prenderam e detiveram
resultaram em um novo conflito armado em arbitrariamente seus críticos e os apoiadores
julho, quando Israel lançou sua ofensiva das organizações políticas rivais.
militar “Margem Protetora”, com ataques Tortura e outros maus-tratos
aéreos e a invasão terrestre da Faixa de Gaza. As pessoas detidas foram torturadas e
A ofensiva durou 50 dias antes que os dois maltratadas com impunidade. A Comissão
lados concordassem com um cessar-fogo, Independente para os Direitos Humanos
mediado pelos governos dos EUA e do Egito. (ICHR, na sigla em inglês), um órgão nacional
A ofensiva causou a morte de mais de 1.500 estabelecido para monitorar os direitos
civis na Faixa de Gaza, dos quais mais de humanos e receber reclamações, afirmou
500 eram crianças, e deixou milhares de ter recebido durante o ano mais de 120
feridos. Além disso, resultou em enorme denúncias de tortura e outros maus-tratos
devastação, danificando e destruindo escolas, contra detidos na Cisjordânia e mais de 440
hospitais, casas e outras infraestruturas civis. denúncias da Faixa de Gaza. Os métodos de
A Faixa de Gaza permaneceu sob bloqueio tortura incluíam espancar os detentos e forçá-
militar israelense por todo o ano. los a ficar em pé ou sentar em posições de
estresse por longos períodos. Na Cisjordânia,
CONFLITO ARMADO os detidos denunciaram que foram torturados
O Hamas e grupos armados palestinos ou maltratados pela polícia, pela força de
na Faixa de Gaza lançaram foguetes e segurança preventiva e pelos serviços de
morteiros de modo indiscriminado e reiterado inteligência geral e militar. Na faixa de Gaza,
sobre Israel. Os ataques se intensificaram pelo menos três homens morreram em
marcadamente no período anterior à ofensiva custódia, supostamente devido à tortura dos
militar “Margem Protetora” de Israel contra agentes da Segurança Interna. Em ambos os
Gaza e no decorrer da operação. Em agosto, territórios, as autoridades não conseguiram
quando se chegou ao cessar-fogo que pôs proteger as pessoas detidas da tortura e dos
fim ao conflito, ataques indiscriminados maus-tratos, tampouco investigar denúncias
lançados da Faixa de Gaza por grupos ou responsabilizar os perpetradores.
armados palestinos haviam matado 6 civis Julgamentos injustos
em Israel, inclusive uma criança de 4 anos, Autoridades políticas e judiciárias não
além de ferir outros civis e danificar uma garantiram que os detentos recebessem
série de residências civis. Esses ataques julgamentos imediatos e justos. As
também causaram a mortes de civis em autoridades na Cisjordânia detiveram as
Gaza, pois alguns foguetes explodiram pessoas por períodos indefinidos, sem
prematuramente: em 28 de julho, morreram acusações ou julgamento. Na Faixa de Gaza,
10 civis palestinos, 9 deles crianças, no as autoridades do Hamas continuaram a

178 Anistia Internacional – Informe 2014/15


submeter os civis a julgamentos injustos em nem tiveram julgamento. Em 5 de agosto,
tribunais militares. o Ministério do Interior de facto removeu
cinco detentos da Penitenciária Katiba, que
LIBERDADES DE EXPRESSÃO, DE foram executados extrajudicialmente fora da
ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO prisão. Em 22 de agosto, forças do Hamas
As autoridades limitaram as liberdades removeram 11 prisioneiros da Penitenciária
de expressão, de associação e de reunião Katiba, cujos julgamentos ou recursos
na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. As estavam pendentes, e os executaram
forças de segurança dispersaram protestos extrajudicialmente na delegacia de polícia
organizados por ativistas da oposição, de Al Jawazat. Mais tarde, naquela mesma
frequentemente usando força excessiva. Em manhã, 6 homens que haviam sido presos
muitas ocasiões, os jornalistas que cobriam durante a operação “Margem Protetora”
os protestos reclamaram que as forças de foram mortos a tiros em público após as
segurança os atacaram ou danificaram preces de sexta-feira. Segundo informações,
seu equipamento. Agentes das forças de durante a operação “Margem Protetora”, as
segurança também assediaram e procuraram Brigadas Izz Al Din Al Qassam atiraram contra
intimidar jornalistas e ativistas das redes outros supostos “colaboradores” na rua.
sociais, inclusive intimando-os repetidamente
para interrogatório e às vezes detendo-os por IMPUNIDADE
seus escritos. As autoridades palestinas não tomaram
Em março, a polícia da cidade de Khan nenhuma medida para investigar supostos
Yunis, na Faixa de Gaza, usou a força crimes de guerra e possíveis crimes contra a
para interromper um evento comemorativo humanidade cometidos pelo braço armado
organizado por apoiadores do Fatah, do Hamas e por outros grupos armados
supostamente atirando para o ar para palestinos antes e durante o conflito de julho
dispersar o grupo e prendendo e detendo e agosto, ou durante conflitos anteriores
brevemente muitos participantes. com Israel, nos quais grupos armados
Na Cisjordânia, as forças de segurança palestinos lançaram foguetes e morteiros
atacaram jornalistas da emissora palestina indiscriminadamente contra Israel. Tampouco
Wattan TV, que estavam ali para reportar responsabilizaram agentes que cometeram
sobre as manifestações. Em um incidente em violações de direitos humanos, como o uso
outubro, as forças de segurança atacaram excessivo da força contra manifestantes
uma equipe da Wattan TV que cobria uma pacíficos e a tortura de detentos.
manifestação em Hebron e confiscaram seu Violência contra mulheres e meninas
equipamento. Mulheres e meninas continuaram sofrendo
discriminação na lei a na prática, sem
EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS proteção adequada contra a violência de
Durante a ofensiva israelense “Margem gênero cometida por parentes masculinos,
Protetora”, membros das brigadas Izz Al Din teoricamente por motivos de “honra” familiar.
Al Qassam, o braço militar do Hamas, e das Pelo menos 11 mulheres e meninas foram
forças de Segurança Interna executaram de assassinadas por parentes masculin o s nos
modo sumário e extrajudicial pelo menos 22 chamados “ assassinatos de honra ” durante
pessoas que acusaram de “colaboração” o ano, de acordo com relatórios da Comissão
com Israel. Entre as vítimas estavam vários Independente de Direitos Humanos . Entre
prisioneiros que haviam recorrido contra elas estava Islam Mohammad Al Shami
sentenças de morte ou de prisão proferidas , de 18 anos, que morreu depois de ser
por tribunais militares em Gaza; outros eram esfaqueada no pescoço em 20 de outubro
detidos que não haviam sido acusados

Anistia Internacional – Informe 2014/15 179


, enqua nto rezava dentro de casa em Bani ano, consagrando extensos poderes às
Suheila , no governorado de Khan Yunis . forças de segurança e de aplicação da lei,
ampliando o escopo das prisões arbitrárias,
PENA DE MORTE das detenções por tempo indeterminado,
A pena de morte continuou vigente para do uso de força letal e dos procedimentos
assassinato e outros crimes. Não foram judiciais secretos que em muito excedem as
registradas execuções na Cisjordânia, mas, normas internacionais sobre o cumprimento
em Gaza, os tribunais militares e de primeira da lei e os julgamentos justos. Os meios de
instância do Hamas condenaram pelo comunicação paquistaneses enfrentaram
menos 8 pessoas à morte por acusações constantes hostilidades e outros abusos, e
de assassinato. Em maio, autoridades de o Conselho Nacional Regulador dos Meios
Gaza executaram dois homens, ambos de Comunicação Eletrônicos do Paquistão
condenados à morte por acusações de traição ordenou o breve fechamento das duas
e assassinato. maiores redes de teleradiodifusão privadas
do país devido a conteúdos com críticas
às autoridades. As minorias religiosas
continuaram a sofrer discriminação e

PAQUISTÃO perseguição, especialmente por causa de


leis sobre blasfêmia.

República Islâmica do Paquistão INFORMAÇÕES GERAIS


Chefe de Estado: Mamnoon Hussain As audiências do julgamento por traição
Chefe de governo: Muhammad Nawaz Sharif do ex-governante militar do país, general
Pervez Musharraf, continuaram sendo
postergadas, criando tensões entre o governo
Em dezembro, um atentado do Talibã do primeiro-ministro Nawaz Sharif, eleito
paquistanês contra a Escola Pública do democraticamente, e os poderosos militares.
Exército em Peshawar matou 149 pessoas, O governo e os partidos políticos de oposição
entre elas 132 crianças, fazendo deste não conseguiram chegar a um acordo de
o pior atentado terrorista da história do paz com o Talibã paquistanês, o que resultou
Paquistão. O governo respondeu com num atentado do grupo contra o Aeroporto
a suspensão da moratória da pena de Internacional de Karachi, que deixou pelo
morte, e sem demora executou sete menos 34 mortos, a maioria entre as forças
homens condenados anteriormente por de segurança e os combatentes talibãs.
outros delitos de terrorismo. O primeiro- O ataque e a constante pressão dos EUA
ministro anunciou medidas que estavam levaram o Exército do Paquistão a lançar uma
previstas no Plano Nacional de Ação grande operação militar contra santuários
contra o Terrorismo, as quais permitiriam do Talibã e da Al Qaeda na agência tribal
julgar pessoas suspeitas de terrorismo em do Waziristão do Norte em junho, e que
tribunais militares, fazendo aumentar as prosseguia no fim de 2014.
preocupações com a imparcialidade dos Depois de denunciar que as eleições
julgamentos. Em outubro, a ativista pelo gerais de 2013 teriam sido fraudadas e de
direito à educação Malala Yousafzai dividiu discordar dos inquéritos independentes
o prêmio Nobel da Paz com o ativista sobre essas denúncias, os manifestantes
indiano pelos direitos das crianças Kailash liderados pelo político oposicionista Imran
Satyarthi. A Assembleia Nacional aprovou Khan e pelo clérigo Tahir ul Qadri realizaram
a Lei de Proteção do Paquistão em julho, protestos por todo o país pedindo a renúncia
e outras leis de segurança no decorrer do do governo de Nawaz Sharif e novas eleições.

180 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Após a polícia ter matado 12 militantes 11 mortos e vários feridos, supostamente em
políticos no bairro de Model Town, em resposta à decisão do Talibã paquistanês de
Lahore, no dia 17 de junho, os manifestantes iniciar conversações de paz com o governo.
se tornaram cada vez mais confrontadores, O Jamat ul Ahrar, outro grupo dissidente do
principalmente em agosto e setembro. Eles Talibã paquistanês, reivindicou a autoria de
invadiram brevemente a Assembleia Nacional um atentado suicida com explosivos cometido
e ameaçaram ocupar a residência oficial do em 2 de novembro no posto fronteiriço de
primeiro-ministro, provocando uma crise que Wagah, entre o Paquistão e a Índia, após a
quase forçou o colapso do governo, até que cerimônia diária de arreamento da bandeira,
os militares intervieram publicamente em o qual deixou 61 pessoas mortas e mais de
apoio ao premiê. 100 feridas.
Pelo quarto ano consecutivo, as enchentes Trabalhadores da saúde que participaram
em todo o país desalojaram centenas de de campanhas de vacinação contra a
milhares de pessoas, provocando uma grave poliomielite e outras enfermidades foram
crise humanitária. assassinados em diversas partes do país.
As tentativas do governo de melhorar as As mortes foram mais frequentes em áreas
relações com a Índia, no começo do ano, do Noroeste e na cidade de Karachi, locais
foram suspensas quando as forças armadas com presença ativa do Talibã e grupos
dos dois países se envolveram em confrontos afins, que se opõem às vacinações. Grupos
regulares na Linha de Controle em torno étnicos balúchis armados que demandam a
da fronteira do estado indiano de Jammu separação do Baluquistão como um Estado
e Caxemira. independente, estavam implicados na
morte e sequestro de membros das forças
ABUSOS COMETIDOS POR de segurança e outros indivíduos, por suas
GRUPOS ARMADOS vinculações étnicas ou políticas, além de
Grupos armados estavam implicados em efetuarem ataques contra infraestruturas.
abusos dos direitos humanos por todo o país. O grupo armado antixiita Lashkar-e-Jhangvi
Em 16 de dezembro, vários homens que reivindicou a responsabilidade por uma série
o Talibã do Paquistão afirmou serem seus de assassinatos e outros ataques contra a
integrantes, atacaram com armas de fogo e população muçulmana xiita, principalmente
bombas suicidas a Escola Pública do Exército na província do Baluquistão e nas cidades
em Peshawar, no nordeste do país, matando de Karachi e Lahore. Grupos armados
149 pessoas – entre elas, 132 menores rivais travaram frequentes confrontos, que
– e deixando dezenas feridas. Os talibãs deixaram dezenas de mortos.
paquistaneses disseram que o atentado havia
sido uma resposta às recentes operações do DESAPARECIMENTOS FORÇADOS
exército do Paquistão no vizinho Warizistão Apesar de decisões inequívocas da Suprema
do Norte, em que morreram centenas de Corte em 2013, demandando que o governo
combatentes talibãs. resgate as vítimas de desaparecimento
Várias facções do Talibã do Paquistão forçado, as autoridades pouco fizeram para
continuaram a cometer atentados, inclusive cumprir suas obrigações, conforme o direito
contra ativistas e jornalistas que promoviam internacional e a Constituição, de impedir
a educação e outros direitos, ou que essas violações. As práticas das forças de
criticavam o grupo. Ahrar ul Hind, um grupo segurança do Estado, inclusive as ações
dissidente do Talibã paquistanês, reivindicou empreendidas dentro do escopo de certas
responsabilidade por um atentado suicida leis, como a Lei de Proteção do Paquistão,
com armas e explosivos, no dia 3 de março, resultaram no desaparecimento forçado
contra um tribunal de Islamabad, que deixou de homens e meninos em todo o país,

Anistia Internacional – Informe 2014/15 181


sobretudo nas províncias do Baluquistão, o sequestro, em consequência da pressão
Khyber Pakhtunkhwa e Sind. Muitas das de grupos locais e internacionais de direitos
vítimas foram posteriormente encontradas humanos e de governos estrangeiros.
mortas, com marcas do que aparentavam Kareem Khan afirma ter sido submetido a
ser ferimentos de bala e sinais de tortura. O tortura e interrogado várias vezes sobre seu
governo não aplicou as ordens da Suprema ativismo e sua investigação dos ataques com
Corte requerendo que as forças de segurança VANTs. As autoridades não investigaram
responsáveis por desaparecimentos forçados adequadamente o incidente nem levaram os
fossem levadas à Justiça. responsáveis à Justiça.
Zahid Baloch, presidente da organização Grupos de direitos humanos criticaram
estudantil balúchi Azad, foi sequestrado em um inquérito judicial sobre as covas coletivas
Quetta, no Baluquistão, no dia 18 de março. descobertas em Tutak, no Baluquistão,
Testemunhas afirmaram que ele foi rendido em 25 de janeiro, por não investigar
sob a mira de armas no bairro de Satellite adequadamente as forças de segurança do
Town, nessa cidade, por agentes do Corpo de Estado. Ativistas balúchis afirmaram que as
Fronteiras, uma força de segurança federal. covas continham os corpos de ativistas de
As autoridades negarem ter conhecimento etnia balúchi que haviam sido vítimas de
de sua prisão, e não investigaram desaparecimento forçado.
adequadamente sua sorte ou paradeiro, nem
o sequestro. Até o fim do ano, não havia CONFLITO ARMADO INTERNO
novas informações sobre o caso.1 Partes das Áreas Tribais sob Administração
Os corpos de homens e meninos detidos Federal, no Noroeste do Paquistão,
arbitrariamente pelas forças armadas continuaram sendo afetadas pelo conflito
do Paquistão na província de Khyber armado interno, sofrendo ataques regulares
Pakhtunkhwa e nas Áreas Tribais sob do Talibã e de outros grupos armados,
Administração Federal continuaram sendo das forças armadas paquistanesas e das
encontrados meses ou anos depois da aeronaves teleguiadas dos EUA que mataram
detenção. As autoridades, por sua vez, centenas de pessoas. Em junho, o exército
raramente acataram as ordens da Corte paquistanês lançou uma grande operação
Superior de Peshawar de liberar os indivíduos militar na agência tribal do Waziristão do
suspeitos de terrorismo ou indiciá-los sem Norte, e realizou operações esporádicas
demora e levá-los a julgamento. Os detidos na agência tribal de Khyber e outras áreas
continuaram tendo acesso limitado a tribais sob administração federal. As
familiares e advogados. Houve casos raros comunidades atingidas seguidamente se
de ativistas submetidos a desaparecimentos queixaram do uso desproporcional da força e
forçados que retornaram com vida. No dia 5 dos ataques indiscriminados praticados por
de fevereiro, Kareem Khan, um ativista que todas as partes no conflito, principalmente
se opõe aos ataques com veículos aéreos pelas forças armadas do Paquistão. Os
não tripulados, ou VANTs (conhecidos combates desalojaram mais de um milhão de
como drones, em inglês), foi sequestrado moradores, a maioria dos quais foi obrigada
por cerca de 20 homens armados, alguns a fugir para o distrito de Bannu, na província
com uniformes da polícia, em sua casa na vizinha de Khyber Pakhtunkhwa, no período
guarnição de Rawalpindi, poucos dias antes mais quente do ano. Os ataques com VANTs
de uma viagem que ele faria à Europa para dos EUA prosseguiram de modo esporádico
prestar testemunho perante o Parlamento a partir de 11 de junho, após um intervalo
Europeu sobre os impactos dos ataques de aproximadamente seis meses, fazendo
com aviões teleguiados nas áreas tribais do ressurgirem as preocupações com a prática
Paquistão. Ele foi libertado nove dias após de homicídios ilegais. No dia 5 de junho,

182 Anistia Internacional – Informe 2014/15


a Corte Superior de Islamabad ordenou a Em março, o primeiro-ministro prometeu
prisão de um ex-chefe do escritório da CIA no nomear promotores públicos especiais para
Paquistão, por sua suposta responsabilidade investigar ataques contra jornalistas, sendo
em homicídios ilegais praticados nas áreas que ele próprio visitou Hamid Mir no hospital
tribais a partir de veículos aéreos não após o atentado contra o apresentador. Até
tripulados. Em 12 de setembro, as forças o fim do ano, ninguém havia sido levado
de segurança anunciaram a prisão, no à Justiça para responder pelo atentado
Waziristão do Norte, de 10 homens suspeitos contra sua vida ou por outros ataques contra
de envolvimento no atentado contra Malala jornalistas. 3
Yousafzai, ativista pelos direito à educação,
em 2012. Havia dúvidas quanto às DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS
circunstâncias de sua prisão, ao tratamento RELIGIOSAS
que receberam em custódia e à justiça do As minorias religiosas continuaram a
julgamento que teriam. enfrentar leis e práticas que resultaram
em discriminação e perseguição contra
LIBERDADE DE EXPRESSÃO elas. Dezenas de pessoas da etnia hazara
– JORNALISTAS foram mortas em atentados em Quetta
Pelo menos oito jornalistas foram mortos e outras áreas do Baluquistão; o grupo
durante o ano no Paquistão, em represália armado Lashkar-e-Jhangvi reivindicou
direta pelo seu trabalho, deixando o país responsabilidade por muitos dos ataques,
marcado como um dos mais perigosos do que alegou se justificarem por serem os
mundo para os profissionais da imprensa.2 O hazaras muçulmanos xiitas. Membros
famoso apresentador de televisão Hamid Mir da comunidade religiosa xiita realizaram
afirmou que o Diretório para os Inter-Serviços vários protestos durante o ano contra os
de Inteligência (ISI), o mais poderoso serviço homicídios, os sequestros e os ataques a
secreto do Paquistão, foi responsável por seus locais de culto em diferentes partes do
um atentado contra sua vida, em Karachi, país. Eles reclamaram que as autoridades
no dia 19 de abril, do qual ele conseguiu invariavelmente falhavam em prover proteção
por pouco escapar. Depois da denúncia do adequada contra esses ataques ou em levar
jornalista, transmitida em rede nacional pela os responsáveis à Justiça.
estação Geo TV, em que Hamid Mir trabalha, As leis de blasfêmia continuaram em
a emissora foi formalmente suspensa por 15 vigor, infringindo os direitos à liberdade
dias, no dia 6 de junho. Diversos jornalistas de pensamento, consciência e religião e à
ligados à Geo TV receberam ameaças e liberdade de opinião e de expressão. Abusos
sofreram hostilidades diárias, por telefone relacionados às leis de blasfêmia ocorreram
e em pessoa, da parte de indivíduos não com regularidade durante todo o ano, como
identificados. Muitos se recusaram a entrar demonstrado em vários casos de grande
em seus escritórios ou a se identificar como repercussão. O eminente advogado de
pertencendo à emissora ou aos meios de direitos humanos Rashid Rehman foi morto a
comunicação associados, com medo de tiros diante de seus colegas em seu escritório
sofrer atentados. na cidade de Multan, província de Punjab,
No dia 20 de outubro, a principal no dia 7 de maio. Antes de ser assassinado,
concorrente da Geo TV, a ARY News, também Rashid Rehman recebera constantes
foi suspensa depois que a Corte Superior de ameaças de morte por estar representando
Lahore decidiu que a emissora e alguns de legalmente um professor universitário,
seus jornalistas haviam desacatado a Justiça Junaid Hafeez, que havia sido preso acusado
ao divulgar a opinião de uma pessoa que de blasfêmia. No dia 18 de setembro, o
estava sendo julgada pela corte. professor Muhammad Shakil Auj, um célebre

Anistia Internacional – Informe 2014/15 183


acadêmico religioso e diretor da faculdade Mohammad Iqbal, depois que ele admitiu ter
de Estudos Islâmicos da Universidade de matado sua primeira esposa para se casar
Karachi, foi morto a tiros por agressores com Farzana Parveen.
não identificados quando se dirigia a um As mulheres também se arriscavam a
evento. Nos meses antes de ser assassinado, sofrer agressões ao tentar exercer seus
ele vinha recebendo ameaças de morte e direitos. Por exemplo, em setembro, uma
enfrentava acusações de blasfêmia por parte jirga (conselho decisório tradicional) formada
de acadêmicos religiosos rivais. por chefes tribais uthmanzai da agência
Na noite de 27 de julho, uma multidão tribal de Waziristão do Norte, ameaçou as
incendiou as casas de uma pequena mulheres com violência por elas buscarem
comunidade ahmadi na província de Punjab, ajuda humanitária nos campos para pessoas
depois que um dos residentes foi acusado desalojadas do distrito de Bannu, na
de blasfêmia – duas crianças e sua avó província de Khyber Pakhtunkhwa, onde se
morreram sufocadas pela fumaça e várias encontrava a grande maioria das pessoas que
pessoas ficaram gravemente feridas. No fugiram do conflito na agência tribal.
dia 16 de outubro, a seção de apelação da
Corte Superior de Lahore rejeitou o recurso PENA DE MORTE
de uma mulher cristã, Asia Bibi, para ter O atentado de 16 de dezembro contra a
revogada sua sentença de morte imposta Escola Pública do Exército em Peshawar
em 2010.4 Em março, um varredor de ruas levou o primeiro-ministro Nawaz Sharif
cristão, Savan Masih, foi condenado à morte a retomar as execuções depois de uma
por blasfêmia depois que um amigo o acusou suspensão de seis anos, anunciando a
de fazer comentários blasfemos durante execução de 500 pessoas condenadas por
uma discussão. A acusação provocou uma outros delitos de terrorismo. Sete homens
onda de dois dias de distúrbios no bairro de condenados anteriormente foram enforcados
Lahore em que o varredor vivia, conhecido de modo apressado em dezembro,
como Colônia José, quando uma multidão depois que o Presidente Hussain rejeitou
de 3.000 pessoas incendiou cerca de 200 sumariamente seus recursos de apelação.
casas de famílias cristãs. A polícia foi alertada O governo também anunciou medidas
sobre o ataque iminente, mas não tomou previstas no Plano Nacional de Ação contra
providências adequadas para proteger o Terrorismo que permitiriam julgar pessoas
a comunidade. suspeitas de terrorismo em tribunais militares
a partir do início de 2015.
VIOLÊNCIA CONTRA Sentenças de morte continuaram a ser
MULHERES E MENINAS pronunciadas. Shoaib Sarwar, um preso
Diversos casos de crimes ditos "em nome da condenado por homicídio em 1998 e que
honra” ganharam visibilidade e chamaram aguarda no corredor da morte, recebeu
atenção para os riscos que as mulheres ordem de execução em setembro, depois de
correm dentro da própria família ao tentarem esgotar todas as possibilidades de recurso.
se casar com parceiros de sua escolha. No No entanto, a execução foi adiada várias
dia 27 de maio, Farzana Parveen foi baleada vezes pelas autoridades devido à pressão
e espancada até a morte com um tijolo por de ativistas do país e do exterior contrários à
membros de sua família, inclusive seu pai e pena de morte.
seu ex-marido, na entrada da Corte Superior
de Lahore, depois que ela fugiu de casa e se
casou com o parceiro que havia escolhido. 1. Pakistan: Abducted political activist at risk of death (ASA

Vários de seus parentes homens foram presos 33/008/2014)

pelo homicídio, assim como seu ex-marido, www.amnesty.org/en/library/info/ASA33/008/2014/en

184 Anistia Internacional – Informe 2014/15


2. “A bullet has been chosen for you”: Attacks on journalists in Pakistan a estrada que daria acesso à terra não
(ASA 33/005/2014) estava pronta.
www.amnesty.org/en/library/info/ASA33/005/2014/en Em maio, após uma ordem judicial de
3. Pakistan: Open letter to the Prime Minister Nawaz Sharif: Joint despejo, policiais invadiram o local onde
statement of shared concerns about attacks on journalists in estava a comunidade Guarani Y’apo Ava, no
Pakistan (ASA 33/010/2014) departamento de Canindeyú. Os indígenas
www.amnesty.org/en/library/info/ASA33/010/2014/en escaparam antes da chegada da polícia.
4. Pakistan: Woman sentenced to death for blasphemy - Asia Bibi (ASA Segundo relatos, casas e locais de culto
33/015/2014) sagrados foram destruídos. Em junho, a
www.amnesty.org/en/library/info/ASA33/015/2014/en comunidade informou que seguranças
privados tentaram novamente expulsá-la
à força; muitos membros da comunidade
ficaram feridos e um dos indivíduos que

PARAGUAI tentava expulsá-los morreu. As investigações


sobre o caso prosseguiam no fim do ano.
A comunidade afirma que a área era parte
República do Paraguai de suas terras ancestrais. Em 2001, uma
Chefe de Estado e de governo: Horacio Manuel decisão judicial havia confirmado a posse
Cartes Jara da terra pela comunidade; porém, em
abril de 2014, uma empresa ajuizou uma
ação reivindicando sua propriedade. No
Apesar de alguns avanços, os povos fim do ano, uma decisão judicial ainda
indígenas continuaram sendo privados era aguardada.
do acesso a suas terras tradicionais. A
impunidade por violações de direitos IMPUNIDADE
humanos persistiu. O aborto continuou Prosseguiam no fim do ano as ações judiciais
criminalizado na maioria dos casos. contra 12 campesinos (agricultores) por seu
suposto envolvimento nas mortes de seis
DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS policiais e em outros crimes relativos a uma
Enquanto algumas comunidades indígenas disputa por terras no distrito de Curuguaty
conseguiram avançar na resolução de em 2012. No mesmo conflito, 11 agricultores
suas reivindicações de terras, outras também foram mortos, mas ninguém foi
permaneceram privadas de suas terras acusado formalmente pelas mortes, o que
tradicionais. levantou dúvidas quanto à imparcialidade da
Em junho, foi aprovada uma lei de investigação.
desapropriação para devolver aos índios
Sawhoyamaxa sua terra tradicional. A TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS
comunidade viveu por mais de 20 anos O recém-criado Mecanismo Nacional de
em condições deploráveis à beira de uma Prevenção da Tortura publicou seu primeiro
movimentada rodovia.1Em setembro, relatório anual em abril. O documento
uma ação constitucional para anular a constatou que a falta de sanções e
lei de desapropriação foi indeferida pela investigações sobre denúncias de torturas
Suprema Corte. e outros maus-tratos era um dos principais
No fim do ano, a comunidade Yakye Axa motivos da prevalência da tortura no país.
ainda não havia conseguido se restabelecer O Mecanismo também manifestou sérias
em sua terra – apesar de um acordo firmado preocupações com a precariedade das
entre as autoridades e o proprietário, condições prisionais, inclusive com a
concluído em janeiro de 2012 – porque superlotação.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 185


As investigações sobre as denúncias de DISCRIMINAÇÃO
tortura de campesinos durante os conflitos de Em novembro, o Senado rejeitou uma
2012 no distrito de Curuguaty prosseguiam legislação que visava a prevenir e combater
no fim do ano. todas as formas de discriminação.
Quatro agentes penitenciários estavam
sendo investigados pelas mortes de dois COMÉRCIO DE ARMAS
adolescentes e por lesões casadas em A legislação para ratificar o Tratado de
pelo menos outros três jovens durante Comércio de Armas foi aprovada.
os distúrbios ocorridos em abril e agosto
no Centro Educacional Itauguá de
detenção juvenil. 1. Paraguay: Celebrations as law will return ancestral land to Indigenous
community after two decades of destitution (NWS 11/109/2014)

DIREITOS DAS MULHERES www.amnesty.org/en/news/paraguay-celebrations-law-will-return-

E DAS MENINAS ancestral-land-indigenous-community-after-two-decades-des

Uma lei apresentada ao Congresso em


2012 para prevenir, punir e erradicar a
violência sexual e de gênero ainda não havia

PERU
sido votada.
Em agosto, o Senado aprovou uma
legislação com o fim de reformar um artigo
do Código Penal que pune a violência República do Peru
doméstica somente nos casos em que a Chefe de Estado e de governo: Ollanta Moisés
agressão acontece com regularidade. A Humala Tasso
reforma propõe que o crime seja punido
mesmo que cometido uma única vez. Além
disso, aumenta as penalidades previstas Ativistas e críticos do governo foram
nesse artigo. No fim do ano, a mudança atacados. Houve denúncias de uso excessivo
ainda aguardava a aprovação final da Câmara da força pelas forças de segurança. O direito
dos Deputados. dos povos indígenas à consulta adequada e
Em agosto, Lucía Sandoval foi absolvida ao consentimento livre, prévio e informado
da morte de seu marido em 2011, ocorrida não foi cumprido. Os direitos sexuais e
em um contexto de violência doméstica. reprodutivos não foram assegurados. A
Ela passou três anos detida enquanto impunidade continuou sendo motivo de
aguardava julgamento. O tribunal concluiu preocupação.
que não havia provas suficientes de seu
envolvimento na morte e decidiu libertá-la. O INFORMAÇÕES GERAIS
caso suscitou preocupações com a falta de Os conflitos socais e os protestos nas
medidas apropriadas para proteger mulheres comunidades afetadas pelas indústrias
sobreviventes de violência doméstica no extrativas ocorreram de forma extensa.
Paraguai. Um recurso contra a decisão ainda Algumas manifestações resultaram em
não havia sido julgando no fim do ano. confronto com as forças de segurança.
O aborto continuou criminalizado na Pelo menos quatro membros das
maioria dos casos, inclusive quando a forças de segurança foram mortos e
gravidez resulta de estupro ou incesto, sete ficaram feridos em combates com
ou quando o feto não tem condições de remanescentes do grupo armado de oposição
sobreviver fora do útero. O aborto só era Sendero Luminoso.
permitido quando a vida da mulher ou da Um mecanismo nacional para prevenção
menina corresse perigo. da tortura e outros maus-tratos foi aprovado

186 Anistia Internacional – Informe 2014/15


pelo Congresso em junho. No fim do ano, o DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS
mecanismo ainda não havia sido posto em Em setembro, os líderes indígenas Edwin
prática porque o presidente não o sancionou. Chota Valera, Jorge Ríos Pérez, Leoncio
Foram motivo de sérias preocupações as Quinticima Meléndez e Francisco Pinedo
condições em que 100 presos eram mantidos da comunidade indígena Asháninka de Alto
na Penitenciária de Challapalca, localizada a Tamaya-Saweto, na região de Ucayali, foram
mais de 4.600 metros de altitude na região mortos por indivíduos que se acredita serem
de Tacna. O fato de a prisão ser inacessível madeireiros ilegais, em retaliação por seu
a familiares, médicos e advogados restringe ativismo contra a exploração ilegal de madeira
o direito dos presos a visitas e constitui em suas terras ancestrais. Antes do ataque, a
tratamento cruel, desumano e degradante. comunidade havia manifestado temores com
Em julho, o segundo Plano Nacional sua segurança e as autoridades falharam em
de Direitos Humanos, com escopo bienal, protegê-la. Nenhuma investigação foi aberta
foi aprovado pelo Congresso, suscitando até o fim do ano. No entanto, a segurança
preocupações com o fato de os direitos das famílias dos índios assassinados continua
LGBTI terem sido explicitamente excluídos e em perigo.
de o Plano não sido plenamente dotado dos Apesar de alguns esforços no sentido de
recursos necessários a sua aplicação. aplicar a lei de 2011 que assegura o direito
Uma lei que concede direitos iguais dos povos indígenas ao consentimento livre,
a casais do mesmo sexo não havia sido prévio e informado, causava preocupação
debatida pelo Congresso no fim do ano. o fato de não haver uma metodologia clara
nem consistência na aplicação da lei antes
REPRESSÃO ÀS DIFERENÇAS de outorgar concessões à indústria extrativa.
DE OPINIÃO Em janeiro, as autoridades consentiram
Ativistas e críticos do governo, inclusive com a expansão do projeto de extração
defensores dos direitos humanos, do gás de Camisea na região de Cusco,
continuaram sendo atacados, principalmente mesmo frente às graves preocupações
os que defendem os direitos das com o fato de nenhuma das comunidades
comunidades atingidas pela indústria de indígenas que podem ser afetadas ter
extração de minérios. dado seu consentimento e de que quase
As forças de segurança e os seguranças um quarto do território possa estar sendo
privados da empresa mineradora de ouro ocupado por povos indígenas que vivem em
Yanacocha intimidaram e atacaram Máxima isolamento voluntário.
Chaupe, sua família e outras pessoas de Teve início em maio o julgamento de 53
comunidades indígenas e de agricultores pessoas, entre as quais vários indígenas
nas províncias de Cajamarca, Celendín e suas lideranças. Elas foram acusadas
e Hualgayoc-Bambamarca, na região de da morte de 12 policiais durante uma
Cajamarca. Eles se opunham à extração de operação conjunta da polícia e dos militares
minérios em suas terras argumentando que para desfazer o bloqueio de uma estrada
não foram consultados a respeito e que seus organizado pelos índios em Bagua, na região
direitos à água e a meios de subsistência Amazônica, em 2009. Ao todo, 33 pessoas
estava sob ataque. Em maio, a Comissão foram mortas, 23 delas policiais, e mais de
Interamericana de Direitos Humanos 200 ficaram feridas. Nenhum policial ou
requereu medidas cautelares em seu favor. militar foi responsabilizado pelas violações de
Até o fim do ano, eles não haviam recebido direitos humanos cometidas contra os civis.
qualquer tipo de proteção.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 187


IMPUNIDADE aplicação do programa de planejamento
USO EXCESSIVO DA FORÇA familiar que resultou nas esterilizações.
Pelo menos nove pessoas foram mortas e Em junho, o Ministério da Saúde adotou
dezenas ficaram feridas no decorrer dos diretrizes técnicas para a realização de
protestos que aconteceram durante todo o abortos terapêuticos. Temia-se que a
ano, quando foram levantadas preocupações interpretação restritiva do aborto terapêutico
de que as forças de segurança fizeram uso no protocolo pudesse fazer que as mulheres
excessivo da força. No fim do ano, não se acabassem buscando abortos inseguros
tinha conhecimento do início de qualquer e ilegais, pois duas das exigências para o
investigação sobre as mortes. procedimento - a presença e a assinatura
Temia-se que uma nova lei aprovada em de uma testemunha e a aprovação de um
janeiro pudesse perpetuar a impunidade. conselho - foram consideradas obstrutivas.
A lei exime as forças de segurança de O aborto permaneceu criminalizado
responsabilidade penal quando algum de nos casos em que a gravidez resulta de
seus membros matar ou ferir uma pessoa estupro ou incesto, e a livre distribuição de
enquanto em serviço. Em fevereiro, quatro anticoncepcionais, inclusive nos casos de
policiais que estavam sendo julgados por abuso sexual, continuou proibida. No fim do
sua responsabilidade na morte de três ano, um projeto de lei que visa a legalizar o
manifestantes em Huancavelica em 2011, aborto para vítimas de estupro, apoiado por
foram absolvidos quando o juiz aplicou a 60 mil assinaturas, aguardava entrar na pauta
lei retroativamente. Houve denúncias de de debates do Congresso.
uso excessivo da força quando dezenas
de manifestantes foram feridos durante as
manifestações.

PORTUGAL
CONFLITO ARMADO INTERNO
Onze anos após a publicação do relatório da
Comissão de Verdade e Reconciliação, os
avanços para assegurar a verdade, a justiça REPÚBLICA PORTUGUESA
e reparações a todas as vítimas continuaram Chefe de Estado: Aníbal António Cavaco Silva
lentos. Causou preocupação que as forças Chefe de governo: Pedro Manuel Mamede Passos
armadas insistissem em não cooperar com Coelho
o Judiciário e que alguns processos tenham
sido arquivados porque os juízes decidiram
que os crimes haviam prescrevido. Prosseguiram as denúncias sobre uso
excessivo da força pela polícia e sobre
DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS condições carcerárias inadequadas.
Em janeiro o Ministério Público na capital, Os ciganos continuaram a enfrentar
Lima, encerrou os processos de mais de dicriminação. Medidas de austeridade
2.000 mulheres indígenas e campesinas prejudicaram o acesso a direitos
que teriam sido esterilizadas à força na econômicos e sociais, sendo consideradas
década de 1990. Após uma investigação inconstitucionais em alguns casos.
que começou em 2004 e durou quase 10
anos, o promotor propôs ações somente INFORMAÇÕES GERAIS
contra alguns profissionais da saúde por sua Em maio, o relatório do Grupo de Trabalho
suposta responsabilidade em um dos casos. sobre a Revisão Periódica Universal da ONU
Nenhuma ação foi proposta contra qualquer referente a Portugal enfatizou a necessidade
autoridade governamental responsável pela de que o país proteja os direitos humanos
dos grupos vulneráveis contra os efeitos das

188 Anistia Internacional – Informe 2014/15


medidas de austeridade adotadas em 2013. moradores não estavam presentes. Segundo
Também em maio, o Tribunal Constitucional informações, a remoção foi executada sem
declarou diversas medidas de austeridade aviso prévio e as famílias não tiveram a
inconstitucionais devido ao seu impacto oportunidade de recolher seus pertences
sobre os direitos econômicos e sociais. As antes das casas serem demolidas. Depois da
medidas adotadas em 2013 atingiam os remoção, as famílias ficaram desabrigadas.
salários, pensões, auxílio-doença e seguro- Em setembro, foi criada em uma escola de
desemprego dos servidores públicos. Com Tomar uma classe composta exclusivamente
relação aos salários, não houve reparações de crianças ciganas entre 7 e 14 anos. As
retroativas para os efeitos negativos já autoridades responsáveis não tomaram
causados pelas medidas. No fim do ano, qualquer providência para lidar com a
o governo estava planejando a adoção de segregação imposta às crianças ciganas.
medidas similares no novo orçamento.
DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS,
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS
Em julho de 2014, dois agentes penitenciários E INTERSEXUAIS
receberam pena condicional de oito meses Em março, um projeto de lei que propunha
imposta pelo tribunal de Paços de Ferreira emendar a legislação vigente para assegurar
por terem empregado força excessiva contra o direito de adoção a casais do mesmo sexo
uma pessoa detida no presídio de Paços foi rejeitado.
Ferreira em 2010. Os dois agentes entraram
na cela em que o preso estava para forçá-lo REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO
a limpá-la ou sair dela para que fosse limpa. A nova legislação sobre asilo adotada em
Apesar de o preso ter obedecido a ordem de janeiro ampliou os critérios para a detenção
ficar em pé, virar de costas para a porta e de de pessoas em busca proteção internacional.
frente para a janela, os agentes usaram uma O centro de recepção do Conselho Português
arma de eletrochoque para imobilizá-lo. O para os Refugiados em Lisboa, que
tribunal considerou que o uso do dispositivo acomodava os requerentes de asilo à espera
foi desproporcional, sobretudo porque o de uma decisão sobre o reconhecimento de
homem não manifestou qualquer violência sua condição, continuou superlotado.
contra os agentes.
CONDIÇÕES PRISIONAIS VIOLÊNCIA CONTRA
Em dezembro de 2013, o Comitê da ONU MULHERES E MENINAS
contra a Tortura chamou atenção para as Segundo dados fornecidos pela ONG UMAR,
denúncias de maus-tratos e de uso excessivo União de Mulheres Alternativa e Resposta,
da força, bem como para a superlotação das até 30 de novembro 40 mulheres haviam
cadeias e as péssimas condições carcerárias sido mortas por seus parceiros, ex-parceiros
no país, principalmente na Prisão de Santa ou parentes próximos, sendo que outras 46
Cruz do Bispo e na Penitenciária Central sofreram tentativa de homicídio. Houve um
de Lisboa. aumento desses crimes com relação a 2013,
quando foram registrados 37 homicídios em
DISCRIMINAÇÃO – CIGANOS todo o ano.
Prosseguiram as denúncias sobre a remoção
forçada de famílias ciganas.
Em junho, as casas de 67 integrantes
da comunidade cigana de Vidigueira, onde
viviam 35 crianças e três mulheres grávidas,
foram demolidas pelo município quando os

Anistia Internacional – Informe 2014/15 189


QATAR Em maio, durante a Revisão Periódica
Universal d o Qatar, o Conselho de Direitos
Humanos da ONU expressou preocupação
Estado do Qatar com os abusos a os direitos dos migrantes ,
Chefe de Estado: Xeique Tamim bin Hamad bin com a discriminação e a violência contra as
Khalifa Al Thani mulheres e com as restrições à liberdade de
Chefe de governo: Xeique Abdullah bin Nasser bin expressão e de reunião no país .
Khalifa Al Thani
DIREITOS DOS TRABALHADORES
MIGRANTES
Os trabalhadores migrantes continuaram Empregadores continuaram a abusar e a
pouco protegidos pelas leis e foram explorar os trabalhadores migrantes, que
explorados e abusados. Mulheres sofreram constituíam mais de 90% da mão de obra do
discriminação e violência. As autoridades Qatar. As autoridades não fizeram cumprir
restringiram a liberdade de expressão e adequadamente a legislação trabalhista de
os tribunais não respeitaram as normas 2004 e decretos relacionados, que continham
para julgamentos justos. Pelo menos algumas disposições protetoras.
duas pessoas foram condenadas à morte; As condições de vida dos trabalhadores
nenhuma execução foi relatada. com frequência eram bastante inadequadas,
e muitos deles afirmaram terem sido
INFORMAÇÕES GERAIS obrigados a trabalhar várias horas além do
Não houve eleições para o Conselho máximo legal ou serem pagos bem menos
Consultivo, ou Shura, previstas originalmente do que havia sido combinado quando de
para 2013. O mandato do Conselho Shura sua contratação. Alguns empregadores
tinha sido estendido até 2016 pelo emir não pagaram os salários aos trabalhadores,
anterior, antes de sua abdicação como chefe e outros não emitiram a permissão de
de Estado em 2013. residência aos empregados, deixando-os
Uma divergência entre o Qatar e outros sem documentação e vulneráveis a prisão e
Estados do Conselho de Cooperação do Golfo, detenção. Poucos trabalhadores possuíam
supostamente relacionada ao apoio do Qatar seus próprios passaportes e alguns
à Irmandade Muçulmana, entre outras coisas, empregadores lhes negaram as permissões
fez com que a Arábia Saudita, o Bahrein de saída exigidas para deixar o Qatar. Os
e os Emirados Árabes Unidos retirassem trabalhadores de construção estavam
seus embaixadores do Qatar em março. Em expostos a condições perigosas. A legislação
novembro, foi anunciado que eles seriam trabalhista proibia que trabalhadores
restituídos aos postos. Em setembro, o Qatar migrantes formassem sindicatos ou se
pediu que sete destacados membros egípcios afiliassem a eles.
da Irmandade Muçulmana deixassem o país. O governo anunciou que havia aumentado
O governo enfrentou crescente pressão o número de inspetores de trabalho; que
internacional para tomar medidas sobre estava submetendo mais empresas a
os abusos aos direitos dos trabalhadores sanções punitivas; e que tinha planejado
migrantes. A FIFA, entidade que supervisiona medidas para melhorar as condições dos
o futebol mundial, discutiu a questão dos trabalhadores migrantes, incluindo novos
abusos aos trabalhadores migrantes na padrões de acomodação e um sistema
reunião de seu Comitê Executivo em março, eletrônico para assegurar pagamentos.
aumentando a pressão sobre as autoridades Entretanto, essas medidas não foram
para que enfrentem essa questão antes da transformadas em lei até o fim do ano.
Copa do Mundo de 2022 no Qatar.

190 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Trabalhadores migrantes domésticos, a obstáculos legais, políticos e práticos. A
principalmente mulheres, assim como ausência de uma lei que tipifique a violência
outros trabalhadores foram especificamente doméstica como crime expôs as mulheres a
excluídos da legislação trabalhista, ficando abusos dentro da família, enquanto as leis de
expostos a mais exploração e abusos no condição pessoal discriminavam as mulheres
local de trabalho, inclusive abuso sexual.1 em questões de casamento, divórcio,
O governo reiteradamente declarou seu nacionalidade e liberdade de circulação.
compromisso de promulgar leis para resolver
esse problema, mas nada fez até o fim do LIBERDADE DE EXPRESSÃO
ano. As trabalhadoras domésticas estavam A liberdade de expressão continuou
sujeitas a acusações e prisão por “relações estritamente controlada, e a imprensa
ilícitas” se relatassem abuso sexual da parte rotineiramente exerceu a autocensura.
dos empregadores. O poeta Mohammed al-Ajami, também
A Lei do Patrocínio de 2009, que requer conhecido como Mohammed Ibn al-Dheeb,
que trabalhadores estrangeiros obtenham continuou preso em regime de isolamento
permissão de um patrocinador para sair do depois que o Supremo Tribunal do Qatar
Qatar ou mudar de empregador, continuou manteve sua pena de 15 anos, em 20 de
sendo explorada pelos empregadores para outubro de 2013. Ele fora condenado à prisão
impedir os trabalhadores de reclamar com perpétua em novembro de 2012 por escrever
as autoridades ou de trocar de emprego e recitar poemas considerados ofensivos
em caso de abuso. O sistema de patrocínio ao Estado e ao emir, mas sua sentença foi
aumentou a probabilidade de trabalhadores reduzida após um apelo. Ele foi mantido
serem submetidos a trabalho forçado e incomunicável por três meses após sua
tráfico de pessoas. Em maio, o governo prisão e julgado em segredo. Permaneceu
anunciou propostas de reformas no sistema em regime de isolamento na maior parte de
de patrocínio para alterar o procedimento de sua reclusão.
saída dos trabalhadores do Qatar e permitir Uma nova lei de crimes cibernéticos foi
que mudem de empregador após o término promulgada em setembro. A lei criminaliza
de seu contrato ou depois de cinco anos a disseminação de notícias “falsas” e
com o mesmo empregador. No fim do ano, a publicação na internet de conteúdo
nenhuma legislação havia sido aprovada e considerado prejudicial aos “valores sociais”
nenhum projeto de lei havia sido publicado.2 ou aos interesses nacionais do Qatar. As
Em abril, o relator especial da ONU sobre a disposições vagas da lei aumentaram o
situação dos direitos humanos dos migrantes risco de autocensura entre os jornalistas
exortou o governo a abolir o sistema e reprimiram ainda mais as críticas às
de patrocínio. autoridades na internet.
Um escritório de advocacia internacional,
incumbido pelo governo de revisar a situação PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS
do trabalho migrante no Qatar, entregou Em 31 de agosto, os serviços de segurança
seu relatório em abril. As autoridades não de Doha detiver am dois ativistas d e direitos
publicaram o documento, embora uma humanos de nacionalidade britânica , Krishna
versão contendo mais de 60 recomendações Prasad Upadhyaya e Ghimire Gundev . Eles
tenha vazado na internet. O governo não foram submetidos a desaparecimento forçado
comentou se seguiria as recomendações. por uma semana , antes que as autoridades
admiti ssem sua detenção e permitissem seu
DIREITOS DAS MULHERES acesso a funcionários consulares do Reino
As mulheres continuaram sem poder exercer Unido . Eles foram mantidos incomunicáveis
plenamente seus direitos humanos devido e libertados sem acusaç ão no dia 9 de

Anistia Internacional – Informe 2014/15 191


REINO UNIDO
setembro. Não conseguiram deixar o Qatar
até 19 de setembro. 3

SISTEMA DE JUSTIÇA REINO UNIDO DA GRÃ-BRETANHA E IRLANDA DO


Após sua visita ao Qatar em janeiro, o relator NORTE
especial da ONU sobre a independência de Chefe de Estado: Rainha Elizabeth II
juízes e advogados, manifestou preocupação, Chefe de governo: David Cameron
entre outras coisas, com a “interferência”
do governo em processos judiciais,
principalmente nos casos envolvendo O primeiro ministro confirmou que o Partido
indivíduos ou empresas de alta visibilidade, Conservador revogaria a Lei de Direitos
bem como com as violações do devido Humanos caso fosse eleito em 2015. As
processo legal e com o fato de o Judiciário denúncias de tortura relativas às operações
não obedecer às normas internacionais para de combate ao terrorismo no exterior não
julgamentos justo. foram resolvidas. O governo aprovou uma
Em 30 de abril, o Tribunal Penal de legislação ampliando seus poderes de
Doha condenou três cidadãos filipinos por interceptar dados de comunicação. Os
espionagem: um foi condenado à morte e os mecanismos para a prestação de contas
outros dois à prisão perpétua. As sentenças pelos históricos abusos e violações de
se basearam em grande parte em confissões direitos humanos cometidos na Irlanda no
supostamente extraídas mediante tortura. Norte continuaram inadequados. O acesso
Todos os três entraram com recursos. ao aborto permaneceu extremamente
limitado na Irlanda do Norte.
PENA DE MORTE
Pelo menos duas pessoas foram condenadas MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS
à morte. Nenhuma execução foi registrada. OU INSTITUCIONAIS
Em um referendo realizado na Escócia em
fevereiro, os eleitores se pronunciaram
1. ‘My sleep is my break’: Exploitation of migrant domestic workers in contrários à independência.
Qatar (MDE 22/004/2014) Organizações beneficentes e da sociedade
www.amnesty.org/en/library/info/MDE22/004/2014/en civil manifestaram preocupação com a Lei de
2. No extra time: How Qatar is still failing on workers’ rights ahead of Transparência na Captação de Apoios, nas
the World Cup (MDE 22/010/2014) Atividades de Campanha fora dos Partidos
www.amnesty.org/en/library/info/MDE22/010/2014/en Políticos e na Administração dos Sindicatos,
3. Qatar: Further information – UK nationals released (MDE de 2014, em vigor desde setembro. A lei
22/008/2014) poderia restringir de modo significativo
www.amnesty.org/en/library/info/MDE22/008/2014/en o trabalho público de campanha dessas
organizações durante um “período regulado”
anterior às eleições nacionais.
O acesso à Justiça continuou sendo
restringido em consequência dos cortes à
assistência jurídica gratuita, feitos em 2012
e 2013 com base na Lei sobre Sentenças,
Penas e Assistência Jurídica aos Infratores,
entre outras. Uma legislação adotada
para limitar a revisão judicial suscitou
preocupações similares.

192 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Em outubro, o primeiro ministro, David a segurança nacional para países nos quais
Cameron, confirmou que, se eleito, o Partido corriam risco de sofrer violações graves de
Conservador revogaria a Lei de Direitos direitos humanos, como tortura.
Humanos e a substituiria por uma Declaração Em julho de 2013, as autoridades
Britânica de Direitos Fundamentais, com britânicas deportaram Abu Qatada para a
vistas a limitar a influência do Tribunal Jordânia, onde o Tribunal de Segurança
Europeu de Direitos Humanos. As minutas do Estado não descartou “confissões”
das propostas ameaçavam com sérias supostamente obtidas mediante tortura
restrições de direitos. em dois processos penais contra ele. Em
julho de 2014, a Corte de Apelações julgou
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS um recurso apresentado por oito cidadãos
Investigações sobre pessoas detidas argelinos contra uma decisão de janeiro de
Em dezembro de 2013, foi publicado um 2013 da Comissão Especial de Apelações
relatório sobre o trabalho preparatório do sobre Imigração que permitia sua deportação
Inquérito sobre Pessoas Detidas, 23 meses com garantias.
depois de o ministro da Justiça ter arquivado Forças armadas no Iraque
uma investigação sobre denúncias de Em maio de 2013, a Corte Superior concluiu
envolvimento do Reino Unido em tortura que a Equipe de Investigação Histórica de
e outras violações de direitos humanos Denúncias para o Iraque, uma unidade criada
contra pessoas detidas no estrangeiro em pelo Ministério da Defesa para investigar
operações de combate ao terrorismo. O denúncias de abusos cometidos contra civis
relatório estabelecia as linhas de investigação iraquianos pelas forças armadas britânicas
para futuros inquéritos. O governo anunciou entre março de 2003 e julho de 2009, não
que as questões levantadas no relatório estava cumprindo com sua obrigação de
do Inquérito sobre Pessoas Detidas seriam respeitar o direito à vida. O juiz constatou
tratadas pelo Comitê de Inteligência e haver a necessidade de pequenos inquéritos
Segurança, e não em uma investigação baseados no modelo de interrogatório dos
pública e independente.1 O governo adiou por pesquisadores, mas rejeitou o argumento dos
tempo indeterminado a possibilidade de outra denunciantes de que a Equipe carecia de
investigação independente conduzida por independência e deveria ser substituída por
uma autoridade judicial. uma única investigação pública.
Extradições extrajudiciais de cidadãos líbios Em maio de 2014, o procurador do
No dia 30 de outubro, a Corte de Apelações Tribunal Penal Internacional reabriu uma
concluiu que havia razões contundentes para investigação preliminar sobre as denúncias
que a corte exercesse sua competência com de que as forças armadas britânicas haviam
relação a uma ação civil proposta pelo casal cometido crimes de guerra envolvendo
Abdul Hakim Belhaj e Fatima Boudchar, abusos sistemáticos de pessoas detidas
denunciando que haviam sido vítimas de no Iraque.
extradição extrajudicial, tortura e outros Em novembro, um juiz da Corte Superior
maus-tratos em 2004 nas mãos dos governos decidiu que dois homens paquistaneses
da Líbia e dos EUA, com o conhecimento e capturados pelas forças britânicas no Iraque
a cooperação de funcionários britânicos.2 O em 2004, e depois transferidos à custódia
governo recorreu da decisão. dos EUA no Afeganistão, tinham o direito
Garantias diplomáticas de processar por danos o governo do Reino
O governo continuou a confiar em garantias Unido em tribunais britânicos.
diplomáticas duvidosas e de cumprimento Em dezembro, foram publicadas as
não obrigatório para tentar deportar conclusões do Inquérito Al Sweady,
indivíduos que supostamente ameaçassem estabelecido em 2009 para examinar

Anistia Internacional – Informe 2014/15 193


denúncias de que soldados britânicos exclusão de certos residentes do Reino Unido
torturaram ou submeteram a maus-tratos que se recusassem a aceitar as condições
nove detentos iraquianos após uma batalha impostas pelo governo ao retornarem ao
próxima à cidade de Majar Al Kabir, ao sul país. Além disso, com base nas Medidas de
do Iraque, em 2004. O relatório constatou Investigação e Prevenção do Terrorismo em
que as denúncias mais graves eram vigor, acrescentava poderes para restringir
“totalmente infundadas”, mas reconheceu a liberdade, a circulação e as atividades
que o tratamento dos detentos havia sido de pessoas consideradas uma ameaça à
“menos que satisfatório” e “determinado de segurança nacional.
improviso”, situação agravada pela falta de
orientação aos soldados. IRLANDA DO NORTE
Os mecanismos e instituições incumbidos de
SEGURANÇA E COMBATE lidar com o “legado” de violações de direitos
AO TERRORISMO humanos (históricas ou relativas ao conflito)
Em outubro de 2013, no caso R v. Gul, a de décadas anteriores funcionaram de
Suprema Corte manifestou preocupação maneira fragmentada e gradual.
com a definição excessivamente ampla de A Equipe de Investigações Históricas,
terrorismo na legislação, referindo-se aos encarregada desde 2006 de reexaminar
relatórios do examinador independente da todas as mortes atribuídas ao conflito na
legislação sobre terrorismo. Em fevereiro de Irlanda do Norte, foi extinta depois de receber
2014, porém, a Corte Superior sustentou críticas generalizadas. Em julho de 2013, a
que a decisão de abordar, interrogar e deter Inspetoria de Polícia de Sua Majestade havia
David Miranda, cônjuge do jornalista Glenn constatado que a Equipe examinara os casos
Greenwald, em agosto de 2013, com base no envolvendo o Estado com menos rigor que
anexo 7 da Lei sobre o Terrorismo de 2000, os demais. A transferência de uma parte do
havia sido legal e proporcional. A decisão trabalho da Equipe para um departamento
foi objeto de recurso. Durante o ano, o de investigação de casos históricos
examinador independente reiterou seu apelo subordinado ao Serviço de Polícia da Irlanda
para que as definições de “terrorismo” e do Norte, anunciada em dezembro, motivou
“atividade relacionada ao terrorismo” fossem preocupações com a independência de
melhor delimitadas. futuras revisões de casos.
Em outubro, malogrou o processamento Em 2013 e 2014, prosseguiu a introdução
judicial do cidadão britânico Moazzam Begg. de reformas positivas na Ouvidoria de Polícia
Ele estava sendo julgado por sete delitos da Irlanda do Norte. Um relatório publicado
relacionados ao terrorismo concernentes à em 30 de setembro pelo Serviço de Inspeção
Síria. Depois de receber novas informações, da Justiça Penal da Irlanda do Norte
supostamente do serviço secreto britânico, constatou que a confiança nas investigações
o MI5, a acusação não apresentou provas de casos históricos conduzidas pela Ouvidoria
no julgamento. O juiz que presidia o caso havia sido “plenamente restaurada”. No
proferiu sentenças absolvitórias para os sete mesmo dia, porém, cortes no orçamento da
delitos.3 Ouvidoria provocaram uma redução de 25%
Em novembro, o governo apresentou, por no número de funcionários que trabalhavam
meio de processo acelerado de tramitação, com os casos históricos, suscitando temores
o projeto de Lei sobre Segurança e Combate sobre a capacidade da ouvidoria de concluir
ao Terrorismo. Entre os poderes propostos o trabalho sobre esses casos.
estavam o de restringir as viagens de pessoas A carência de recursos e os atrasos
suspeitas de envolvimento com atividades continuaram sendo um problema endêmico
relacionadas ao terrorismo, inclusive com a ao sistema de inquéritos judiciais da Irlanda

194 Anistia Internacional – Informe 2014/15


do Norte. Em uma sentença proferida Tribunal Europeu. Os advogados das vítimas
em novembro, o presidente do Judiciário também demandaram que as novas provas
da Irlanda do Norte observou que a falta fossem investigadas no Reino Unido de
de medidas legislativas para sanar as modo independente e observante dos direitos
deficiências do sistema de inquéritos impedia humanos.6
os investigadores de exercer sua função de
modo rápido e satisfatório. DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
O governo continuou mostrando pouca O acesso ao aborto na Irlanda do Norte
disposição em abrir investigações públicas continuou limitado a casos excepcionais
sobre casos históricos. Em setembro de em que a vida ou a saúde da mulher ou da
2013, a ministra para a Irlanda do Norte se menina estejam em risco. A Lei do Aborto de
recusou a abrir um inquérito sobre o atentado 1967 não tinha aplicação na Irlanda do Norte.
a bomba perpetrado pelo grupo armado IRA Em outubro, o Ministério da Justiça abriu
Autêntico em Omagh, em agosto de 1998. O uma consulta sobre a regulação do acesso
governo continuou se negando a abrir uma ao aborto em casos de estupro, incesto e
investigação independente sobre o homicídio malformação fatal do feto.
do advogado Patrick Finucane, de Belfast,
em 1989.4 VIGILÂNCIA
Em setembro de 2013, começaram as Em julho, a Lei sobre Retenção de Dados
negociações, presididas pelo ex-diplomata e Poderes Investigativos entrou em vigor,
estadunidense Richard Haass, entre as partes ampliando os poderes de interceptação das
em conflito na Irlanda Norte, com a intenção autoridades ao conferir efeitos extraterritoriais
de se chegar a um acordo sobre desfiles potencialmente abrangentes às ordens
e protestos, sobre o uso de bandeiras, britânicas de interceptação. Não existiam
símbolos e emblemas e sobre como lidar salvaguardas suficientes para garantir que
com “o passado”. No dia 31 de dezembro, essa vigilância fosse autorizada e conduzida
as conversas foram encerradas sem acordo. de modo a respeitar o direito à privacidade e
O projeto de Haass continha propostas à liberdade de expressão.
detalhadas sobre dois mecanismos: uma Em dezembro, o Tribunal de Poderes de
Unidade de Investigação Histórica e uma Investigação tornou pública sua sentença
Comissão Independente de Recuperação de aberta referente à primeira parte de
Informação.5 Em conversações adicionais, uma denúncia apresentada pela Anistia
concluídas em dezembro de 2014, Internacional e por outras ONGs contra as
concordou-se em princípio em implementar autoridades britânicas por suas práticas de
os mecanismos propostos por Haass, embora vigilância das comunicações. A conclusão do
os detalhes sobre financiamento, recursos, Tribunal foi de que as práticas de vigilância
cronograma e legislação não tivessem sido estavam de acordo com a lei. Partes
totalmente resolvidos até o fim do ano. consideráveis dos procedimentos judiciais
Em junho, o canal de televisão irlandês foram conduzidas em segredo.7
RTÉ divulgou materiais de arquivo recém-
descobertos que indicavam que o Reino DIREITOS DOS REFUGIADOS
Unido teria enganado o Tribunal Europeu E MIGRANTES
de Direitos Humanos no caso Irlanda v. Em janeiro, o governo anunciou que
Reino Unido, com relação a cinco técnicas propiciaria o reassentamento de
de tortura empregadas pelas forças de 500 refugiados sírios em situação de
segurança britânicas na Irlanda do Norte vulnerabilidade. O Plano de Reassentamento
em 1971-72. Em dezembro, o governo de Pessoas Vulneráveis considera prioritária a
irlandês tentou que o caso fosse reaberto no assistência aos sobreviventes de tortura e de

Anistia Internacional – Informe 2014/15 195


violência, às mulheres e crianças em situação 2. UK: Court of Appeal allows lawsuit to proceed in case of illegal

de risco e a quem necessite de cuidados rendition to torture in Libya (EUR 45/010/2014)

médicos, conforme identificado pelo ACNUR, www.amnesty.org/en/library/info/EUR45/010/2014/en

o órgão da ONU para os refugiados. 3. UK: Collapsed prosecution of Moazzam Begg (EUR 45/009/2014)

Em julho de 2013, um grande júri www.amnesty.org/en/library/info/EUR45/009/2014/en

pronunciou o veredicto de homicídio ilegal 4. United Kingdom/Northern Ireland: Still no public inquiry twenty-five

referente à morte de Jimmy Mubenga, years after the killing of Patrick Finucane (EUR 45/003/2014)

cidadão angolano que faleceu em 2010 www.amnesty.org/en/library/info/EUR45/003/2014/en;

depois de ser contido por seguranças 5. United Kingdom/Northern Ireland: Haass proposals on dealing with

particulares a bordo do avião que o deportava the past (EUR 45/001/2014)

para Angola. Em dezembro, os três guardas www.amnesty.org/en/library/info/EUR45/001/2014/en

envolvidos em seu translado foram absolvidos 6. UK/Ireland: Landmark ‘hooded men’ torture case should be re-opened

de homicídio culposo. (News story)

Em julho, a Corte Superior concluiu www.amnesty.org/en/news/ukireland-landmark-hooded-men-torture-

que a detenção prolongada de uma case-should-be-re-opened-2014-11-24

mulher guineana por motivos de imigração 7. UK court decision on government mass surveillance: ‘Trust us’ isn't

configurou tratamento desumano e enough (Press release)

degradante. Foi a sexta vez que um tribunal www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/uk-court-decision-

chegou à mesma conclusão desde 2011. government-mass-surveillance-trust-us-isnt-enough-2014-12

Em dezembro, a Corte de Apelações


concluiu que a política que embasa o
procedimento acelerado de concessão de
asilo por parte das autoridades britânicas era
ilegal, tendo confirmado uma decisão de julho REPÚBLICA
da Corte Superior que considerava o processo
ilegal devido à falta de acesso adequado a CENTRO-AFRICANA
assistência jurídica.
República Centro-Africana
TRÁFICO DE PESSOAS Chefe de Estado: Catherine Samba-Panza
Em junho, o governo publicou um anteprojeto Chefe de governo: Mahamat Kamoun
de lei que visava a enfrentar a escravidão e
o tráfico de pessoas na Inglaterra e no País
de Gales. O projeto de Lei sobre a Escravidão Crimes contra o direito internacional,
Moderna foi emendado de modo a incluir como crimes de guerra e crimes contra a
disposições aplicáveis a todo o território humanidade, foram cometidos regularmente,
britânico, entre elas a criação de uma inclusive assassinatos, mutilação de
inspetoria antiescravidão. corpos, sequestros, recrutamento e uso de
Também em junho, uma legislação para crianças soldados e deslocamento forçado
combater o tráfico de pessoas foi apresentada de populações. Em dezembro de 2013,
à Assembleia da Irlanda do Norte. Legislação uma coalizão de grupos armados, composta
semelhante foi apresentada ao Parlamento principalmente de cristãos e animistas
escocês em dezembro. antibalaka, atacou a capital, Bangui. As
forças Séléka, compostas principalmente
por muçulmanos, retaliaram matando
1. United Kingdom: Joint NGO letter (EUR 45/005/2014) dezenas de civis. A Missão Multidimensional
www.mnesty.org/en/library/info/EUR45/005/2014/en Integrada das Nações Unidas para a
Estabilização na República Centro-Africana
(MINUERCA) – que substituiu em setembro

196 Anistia Internacional – Informe 2014/15


de 2014 a Missão de Apoio Internacional da ONU e dos EUA por suposto envolvimento
para a República Centro-Africana (Mairca), em violações e abusos dos direitos humanos.
liderada pela África – não conseguiu fazer O primeiro-ministro André Nzapayéké e
cessar nem impedir os abusos na região. todo o seu gabinete se demitiram logo após o
Muitos dos suspeitos de responsabilidade acordo de cessar-fogo assinado em julho de
criminal, inclusive comandantes da Séléka, 2014, em Brazzaville, República do Congo,
dos grupos antibalaka e seus aliados, não por representantes de grupos armados,
foram investigados ou presos, e não foi partidos políticos, igrejas e organizações
tomada nenhuma providência para levá-los da sociedade civil. Em 22 de agosto, a
à Justiça. Presidente de Transição, Samba-Panza,
nomeou Mahamat Kamoun como novo
INFORMAÇÕES GERAIS primeiro-ministro.
A violência continuou na República Centro- Em 7 de agosto, foi assinado um
Africana (RCA), apesar da entrada em memorando de entendimento entre a
ação da MINUERCA, em setembro de MINUERCA e o governo para "estabelecer
2014, e da presença de forças francesas uma jurisdição especial criada pela legislação
(conhecidas como Sangaris) e das forças nacional, na qual as funções judiciais e de
da União Europeia (FORUE). Prosseguiram promotoria executivas internacionais seriam
os ataques fatais contra civis, inclusive em ligadas a um órgão jurisdicional nacional." No
locais destinados a desalojados internos (DI), entanto, a legislação para o "Tribunal Especial
praticados pelas milícias antibalaka, Séléka Criminal" ainda precisa ser aprovada e não foi
e combatentes armados peul (membros estipulado nenhum financiamento.
do grupo étnico peul). Segundo a ONU, Uma nova onda de violência eclodiu na
em meados de novembro, 7.451 militares capital Bangui em meados de outubro.
e 1.083 efetivos da polícia haviam sido Uma série de incidentes violentos ocorreu
mobilizados pela MINUERCA. na cidade, com as forças da MINUERCA
Em 10 de janeiro, o líder da Séléka enfrentando protestos e ataques. Pelo menos
e presidente da RCA, Michel Djotodia, uma dezena de pessoas foram mortas e
demitiu-se após pressões da comunidade milhares foram obrigadas a fugir e viver em
internacional e de organizações da sociedade acampamentos para desalojados internos.
civil da RCA. Catherine Samba-Panza foi Houve uma escalada da violência por parte
empossada como a nova Presidente de do Séléka, dos combatentes peul armados
Transição em 23 de janeiro. e dos grupos antibalaka na região central,
Em 7 de fevereiro de 2014, o procurador especialmente em torno da cidade de
do Tribunal Penal Internacional (TPI) Bambari. Em 9 de outubro de 2014, um
anunciou uma nova análise preliminar sobre comboio da MINUERCA foi atacado, deixando
os crimes que teriam sido cometidos na RCA um dos membros da força de paz morto e
desde setembro de 2012. Em setembro, a outros oito feridos, um deles com gravidade.
Procuradoria anunciou sua conclusão de Continuaram os confrontos esporádicos
que não havia uma base razoável para a entre os combatentes antibalaka e as forças
investigação de crimes definidos segundo o internacionais, inclusive a FORUE. Segundo
Estatuto de Roma e cometidos na RCA desde o ACNUR, a violência de outubro desalojou
setembro de 2012. cerca de 6.500 pessoas em Bangui, mas
Em 11 de julho, um congresso Séléka esse número pode ser maior. Desde outubro
indicou o ex-presidente Djotodia e o de 2014, o número de desalojados internos
ex-comandante e ministro Nourredine Adam chegou a 410 mil, e cerca de 420 mil
como presidente e vice-presidente do grupo, pessoas fugiram para países vizinhos.
respectivamente. Os dois estão sob sanções

Anistia Internacional – Informe 2014/15 197


Em 29 de outubro, o Painel de Peritos Em 22 de janeiro, mais de 100 civis,
da ONU sobre a RCA divulgou seu relatório inclusive crianças cristãs, foram mortos
final, que destacou a existência de provas em Baoro por combatentes Séléka e civis
confiáveis da ocorrência de crimes de direito muçulmanos armados. Em 17 de abril, o
internacional cometidos por grupos armados. padre Wilibona teria sido morto pelo Séléka
Também mencionou a exploração de recursos e pelos combatentes armados peul depois
naturais por parte dos grupos armados; a de ser emboscado na aldeia Tale. Em 26 de
transferência ilícita de armas e munições; a abril, 16 pessoas, inclusive 13 líderes locais e
proliferação de armas; e violações do direito três trabalhadores humanitários dos Médicos
internacional humanitário, inclusive ataques a Sem Fronteiras (MSF), foram mortas por um
escolas e hospitais, violência sexual e uso de grupo Séléka, levando os MSF a reduzir suas
crianças soldados. atividades na RCA. Em 7 de julho, 26 pessoas
No final de 2014, a falta de coordenação foram mortas e 35 ficaram gravemente
entre os grupos antibalaka e Séléka levou à feridas durante um ataque a uma igreja
criação de vários outros grupos entre eles. As e local de refúgio de desalojados internos
forças Séléka, compostas principalmente por em Bambari. Mais de 10.000 pessoas
muçulmanos, entraram em confronto com a fugiram. Em 1º de outubro, os combatentes
milícia antibalaka, formada principalmente Séléka atacaram um campo de desalojados
por cristãos e animistas. Todos os lados internos junto à base da MINUERCA em
atacaram sistematicamente os civis que Bambari (que acolhia cristãos e animistas
acreditassem estar fornecendo apoio aos desalojados internos). Várias pessoas foram
outros grupos. mortas. Em 10 de outubro, os combatentes
Em 10 de dezembro, a MINUERCA Séléka atacaram um local de refúgio dos
anunciou que havia prendido Abdel desalojados internos no complexo da Igreja
Kader "Baba Ladde", líder do grupo Católica em Dekoa. Nove civis, inclusive
armado chadiano Frente Popular para a uma mulher grávida, foram mortos e vários
Recuperação, perto de Kabo, na fronteira ficaram feridos.
com o Chade. Baba Ladde e membros de Sequestros realizados pelo Séléka
seu grupo armado tinham sido acusados de Em abril, o Séléka sequestrou um bispo
atacar civis no norte da RCA e de recrutar e três sacerdotes em Batangafo. Eles
crianças soldados. foram libertados mais tarde, depois de
negociações entre as autoridades, a Igreja
ABUSOS COMETIDOS POR Católica e os comandantes Séléka. Os
GRUPOS ARMADOS supostos responsáveis pelo sequestro eram
Abusos cometidos pelo Séléka identificáveis, mas nenhuma investigação
As forças Séléka foram supostamente foi conduzida.
responsáveis por graves violações dos direitos Abusos cometidos pelos grupos antibalaka
humanos, inclusive assassinatos, incêndios Membros de grupos armados antibalaka
de casas e aldeias pertencentes em sua foram responsáveis por crimes de guerra
maioria a cristãos, remoção forçada das e crimes contra a humanidade. Eles foram
populações e desaparecimentos forçados. os principais autores de abusos cometidos
As comunidades cristãs frequentemente contra os muçulmanos em Bangui e na região
atribuem a responsabilidade pelos abusos oeste da RCA, especialmente após a renúncia
do Séléka à minoria muçulmana do país; do ex-presidente, em janeiro de 2014, e a
atos de retaliação foram notificados e as retirada da maioria das forças Séléka para a
graves divisões sectárias se aprofundaram. região nordeste.
Nenhuma investigação eficaz foi conduzida Desde 8 de janeiro de 2014, uma série
na maioria dos incidentes. de ataques fatais contra muçulmanos foi

198 Anistia Internacional – Informe 2014/15


realizada na região oeste da RCA. Alguns pessoas morreram, inclusive um menino de
atentados foram supostamente realizados seis anos.
em vingança pela morte de cristãos por Abusos cometidos por combatentes peul armados
forças Séléka e muçulmanos armados Os combatentes peul muçulmanos armados,
ocorridas no passado. Em 16 de janeiro, que muitas vezes foram aliados do Séléka,
20 civis foram mortos e dezenas ficaram realizaram ataques que mataram e feriram
feridos nos arredores da cidade de Bouar, principalmente cristãos, pilharam e
quando seus veículos foram atacados por incendiaram aldeias e casas. Em outubro,
milícias antibalaka. Algumas vítimas foram os combatentes peul muçulmanos armados
mortas com facões, outras foram fuziladas. teriam efetuado vários ataques a aldeias ao
Entre as vítimas estava uma menina de redor de Bambari e no centro e no norte da
11 anos de idade. Em 14 de janeiro, RCA. Pelo menos 30 pessoas foram mortas.
depois de parar um caminhão em Boyali Violações cometidas por integrantes da força de
e exigir que os muçulmanos descessem, paz da União Africana
os combatentes antibalaka mataram seis Membros do Exército Nacional do Chade
membros de uma família: três mulheres e (ENC) e o contingente chadiano que
três crianças pequenas, com idades entre participava da Mairca teriam se envolvido,
três e cinco anos. Em 18 de janeiro, pelo segundo denúncias, em graves violações
menos 100 muçulmanos foram mortos na dos direitos humanos. Em alguns casos, as
cidade de Bossemptele. Dois dias depois, forças da MAIRCA deixaram de proteger os
os combatentes antibalaka mataram quatro civis; em outros, parte de seus contingentes
mulheres muçulmanas que tinham se supostamente cometeu graves violações dos
escondido na casa de uma família cristã. Em direitos humanos e permaneceu impune.
29 de setembro, Abdou Salam Zaiko, um Em 4 de fevereiro, os membros do ENC
muçulmano de Bambari, foi morto quando o supostamente mataram a tiros três pessoas
veículo em que viajava foi atacado. De acordo na cidade de Boali, enquanto repatriavam
com testemunhas, os antibalaka permitiram chadianos e muçulmanos para o Chade. Em
que o condutor e os passageiros cristãos 18 de fevereiro, as tropas do Chade foram
saíssem do veículo, mas mataram Zaiko e os responsáveis pela morte de pelo menos oito
outros passageiros muçulmanos. Em 8 de pessoas, inclusive crianças, quando abriram
outubro, sete passageiros muçulmanos em fogo indiscriminadamente contra uma
um carro de propriedade de Saidu Daouda multidão em Damara e no bairro PK12 de
morreram depois que o carro foi emboscado. Bangui. Em 29 de março, as tropas abriram
Em 14 de outubro, no bairro de Bangui fogo contra uma multidão em um mercado
Nguingo, membros de grupos antibalaka em Bangui, matando e ferindo vários civis.
mataram três civis, feriram gravemente pelo Após as críticas da comunidade internacional,
menos outros 20 e incendiaram 28 casas as autoridades do Chade retiraram seus
e uma igreja. O ataque foi uma vingança 850 soldados da Mairca em abril. Em 24 de
por uma ofensiva anterior contra alguns de março, o contingente do Congo (Brazzaville)
seus membros, da parte da população local, da Mairca esteve supostamente envolvido
após um ataque que havia sido cometido no desaparecimento forçado de pelo menos
pelo grupo armado. Mais de 1.000 pessoas 11 pessoas, inclusive quatro mulheres, que
fugiram para a província de Équateur, na estavam na casa de um líder da milícia local
República Democrática do Congo (RDC), em Boali.
enquanto 100 pessoas se refugiaram em um Até o final do ano, nenhum dos
complexo da Igreja Católica. Em setembro, membros da força de paz da MAIRCA
atacaram o acampamento de Djimbété, havia sido investigado por violações dos
refúgio para o grupo étnico peul. Várias direitos humanos.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 199


CONDIÇÕES PRISIONAIS incidentes. Em 29 de abril, dois jornalistas
As condições e a segurança da prisão foram atacados em Bangui. Désiré Luc
de Ngaragba, em Bangui, continuam Sayenga, do jornal Démocrate, morreu depois
preocupantes. Em 3 de novembro, havia de ser esfaqueado e baleado por um grupo
584 prisioneiros registrados, inclusive 26 de jovens. René Padou, que trabalhava na
menores. A capacidade da prisão era de 500 Radio La Voix de la Grâce, pertencente à
adultos. No final de novembro, mais de 650 igreja protestante, morreu depois de um
detentos eram mantidos em celas apertadas. grupo armado atacá-lo com granadas e tiros.
Não havia saneamento nem proteção Ambos os jornalistas haviam denunciado
adequada contra a malária. Os presos crimes cometidos na RCA.
defecavam em sacos de plástico que jogavam
fora, colocando em risco a própria saúde e a IMPUNIDADE
das pessoas que vivem nas proximidades. As autoridades de transição e as Nações
A milícia antibalaka atacou a prisão em Unidas não investigaram efetivamente
janeiro de 2014 e matou pelo menos quatro os crimes contra o direito internacional,
detidos suspeitos de pertencerem à Séléka. inclusive crimes de guerra e crimes contra
Isso propiciou a fuga de todos os presos. a humanidade, cometidos na RCA, o que
Funcionários da RCA disseram à Anistia perpetua o ciclo de violência e medo. Em
Internacional que os membros antibalaka que julho, a Anistia Internacional publicou um
lideraram o ataque eram bem conhecidos dossiê no qual nomeia 20 pessoas, inclusive
deles. No entanto, até o fim do ano, não havia comandantes antibalaka e Séléka, contra os
sido tomada nenhuma medida para levar os quais tinha provas confiáveis para suspeitar
responsáveis à Justiça. que pudessem ser responsáveis por crimes
Em 24 de novembro, um motim eclodiu na de guerra, crimes contra a humanidade
prisão de Ngaragba. Alguns presos, suspeitos e outras violações graves dos direitos
de serem antibalakas, armados com pelo humanos cometidas desde dezembro 2013.
menos três fuzis Kalashnikov e granadas de Em dezembro, a organização revelou que
mão, atacaram os guardas penitenciários e alguns desses homens estariam, segundo
o contingente da ONU que protegia a prisão. denúncias, interferindo na administração da
De acordo com testemunhas, pelo menos justiça e cometendo outros crimes contra o
um dos membros da força de paz da ONU direito internacional entre setembro e outubro
e 13 detentos ficaram feridos. O motim de 2014.
ocorreu logo depois da morte de um detento
supostamente por falta de tratamento médico
e pelas péssimas condições de detenção. Os
detentos também exigiram que seus casos
fossem levados a um juiz em tempo razoável,
sendo que alguns se queixaram de estarem
detidos havia 10 meses sem julgamento.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Os poucos jornalistas que conseguiram
continuar trabalhando costumavam ser
vítimas de assédio e intimidação por parte
de grupos armados e das autoridades de
transição. Vários jornalistas foram mortos por
causa de seu trabalho. Não se tem notícia
de qualquer investigação eficaz sobre esses

200 Anistia Internacional – Informe 2014/15


REPÚBLICA limpeza", na língua lingala) tenha conseguido
forçar os rebeldes da FAD a sair de sua

DEMOCRÁTICA base na floresta, eles se reagruparam e, em


outubro, lançaram uma série de ataques,

DO CONGO matando e sequestrando civis1.


Outros grupos armados continuam ativos
em Kivu-Norte, Katanga, Kivu-Sul e Ituri,
REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO cometendo graves violações dos direitos
Chefe de Estado: Joseph Kabila humanos contra a população civil.
Chefe de governo: Augustin Matata Ponyo Mapon Alguns combatentes das Forças
Democráticas de Libertação de Ruanda
(FDLR) participaram de um programa de
A situação da segurança no leste da desmobilização dirigido pela Missão de
República Democrática do Congo (RDC) Estabilização da ONU e alguns deles foram
continuou catastrófica e o aumento da confinados em acampamentos do governo.
violência por parte de grupos armados No entanto, outros seguiram com suas
custou a vida de milhares de civis e forçou atividades armadas no leste do país. O
mais de um milhão de pessoas a deixar programa da Missão de Estabilização da ONU
suas casas. Violações dos direitos humanos, na RDC – Desmobilização, Desarmamento,
inclusive assassinatos e estupros em massa, Repatriação, Reassentamento e Reintegração
foram cometidas tanto pelas forças de – incluiu crianças que até então eram
segurança do governo quanto pelos grupos soldados das FDLR.
armados. A violência contra mulheres e Em julho, o Presidente Kabila nomeou
meninas tornou-se comum em todo o país. Jeannine Mabunda como enviada especial
Os planos de alterar a Constituição para para tratar dos problemas de violência sexual
permitir que o presidente Kabila possa e recrutamento de crianças soldados.
permanecer no cargo além de 2016 geraram Em novembro, centenas de magistrados
protestos. Defensores dos direitos humanos, entraram em greve por melhores salários.
jornalistas e membros da oposição política
foram ameaçados, perseguidos e presos ABUSOS COMETIDOS POR
arbitrariamente por grupos armados e pelas GRUPOS ARMADOS
forças de segurança do governo. Os grupos armados cometeram atrocidades
contra civis no leste da RDC, especialmente
INFORMAÇÕES GERAIS no norte de Katanga, Ituri, Kivu-Norte e
O exército congolês, com o apoio da força Kivu-Sul. Os abusos incluíam homicídios
de paz da ONU, a Missão de Estabilização ilegais, execuções sumárias, recrutamento
da Organização das Nações Unidas na forçado de crianças, estupro e violência
RDC (MONUSCO), conseguiu derrotar e sexual, pilhagens em grande escala, queima
desmantelar o grupo armado 23 de março de casas e destruição de propriedades. Os
(M23) em 2013. No entanto, o conflito no ataques foram caracterizados por extrema
leste da RDC não terminou e outros grupos violência, às vezes com motivações étnicas.
armados expandiram suas áreas de operação Alguns dos combates tinham como objetivo
e continuaram a atacar civis. o controle sobre os recursos naturais e o
Em janeiro, o governo lançou uma comércio. A violência foi favorecida pelo fácil
operação militar contra o grupo armado acesso a armas e munições.
Forças Aliadas Democráticas (FAD) em Os grupos armados que cometeram abusos
território Beni, na província de Kivu-Norte. contra civis incluem: as FDLR – Forças
Embora a "Operação Sokola 1" ("operação de Democráticas de Libertação de Ruanda;

Anistia Internacional – Informe 2014/15 201


a FAD – Forças Aliadas Democráticas; membros das forças de segurança durante
a Nyatura; o Exército de Resistência do os ataques a aldeias em áreas remotas,
Senhor (ERS); o Nduma Defesa do Congo especialmente em Kivu-Norte e Katanga. Tais
(NDC), conhecida como Mai Mai Sheka; e ataques muitas vezes também envolveram
vários outros grupos Mai Mai, inclusive Mai outras formas de tortura, assassinatos
Mai Lafontaine, Mai Mai Simba e Mai Mai e saques.
Bakata Katanga. Entre 4 e 17 de julho, os combatentes Mai
Em junho, os ataques do Nyatura no Mai Simba supostamente estupraram pelo
território de Rutshuru, Kivu-Norte, deixaram menos 23 mulheres e meninas na aldeia
pelo menos quatro civis mortos e dezenas de de Mangurejipa e em regiões de mineração
casas queimadas e destruídas. localizadas nas áreas vizinhas no território
Na noite de 6 de junho, em Mutarule, Lubero, em Kivu-Norte.
território Uvira, em Kivu-Sul, pelo menos Em outubro, dezenas de mulheres
30 civis foram mortos no ataque de um e meninas foram estupradas na aldeia
grupo armado não identificado. A maioria Kansowe, território Mitwaba, na província de
das vítimas era da etnia bafulero. O ataque Katanga, por soldados do comando especial
ocorreu a poucos quilômetros de uma base do exército congolês, instalados naquele local
da Missão de Estabilização da ONU. para lutar contra o grupo armado Mai Mai
Entre o início de outubro e o final de Bakata Katanga.
dezembro, a FAD teria realizado uma série Entre 3 e 5 de novembro, pelo menos 10
de ataques contra civis em várias cidades mulheres foram estupradas, supostamente
e vilas em território Beni, Kivu-Norte, e no por combatentes das FDLR, nas aldeias
distrito de Ituri, Província Orientale, matando Misau e Misoke, território de Walikale, na
pelo menos 270 civis e sequestrando vários província de Kivu-Norte.
outros. Os agressores também saquearam
propriedades civis. CRIANÇAS SOLDADOS
Entre 3 e 5 de novembro, combatentes Os grupos armados recrutaram crianças.
das FDLR mataram 13 pessoas nas aldeias Muitas foram submetidas à violência sexual
Misau e Misoke, no território Walikale, em e tratamento cruel e desumano enquanto
Kivu-Norte. estavam sendo utilizadas como combatentes,
carregadores, cozinheiros, guias, espiões e
VIOLÊNCIA CONTRA mensageiros.
MULHERES E MENINAS
O estupro e outras formas de violência sexual PESSOAS DESALOJADAS
contra mulheres e meninas continuaram DENTRO DO PAÍS
endêmicas, não só em áreas de conflito, O fim do grupo armado M23, em 2013,
mas também em algumas partes do país facilitou o fechamento progressivo de campos
não afetadas por confrontos armados. Atos para pessoas desalojadas internamente (PDI)
de violência sexual foram cometidos por em torno da cidade de Goma. No entanto,
grupos armados, por membros das forças devido ao aumento da violência de grupos
de segurança e por civis desarmados. Os armados contra civis, novos campos de
autores de estupro e outras formas de desalojados internos tiveram que ser criados
violência sexual desfrutam praticamente de para pessoas que fugiam dos abusos de
total impunidade. direitos humanos. Até 17 de dezembro,
Estupros em massa, nos quais dezenas cerca de 2,7 milhões de pessoas foram
de mulheres e meninas foram vítimas de desalojadas no interior da RDC2. A maior
violência sexual com extrema brutalidade, parte dos deslocamentos ocorreu em virtude
foram cometidos por grupos armados e por

202 Anistia Internacional – Informe 2014/15


dos conflitos armados no norte de Katanga, congolês e pelos grupos armados também
Kivu-Norte, Kivu-Sul e distritos de Ituri. tiveram poucos resultados visíveis.
Em 5 de maio de 2014, foi proferido o
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS veredicto de um julgamento pelo estupro
A tortura e outras formas de maus-tratos em massa de mais de 130 mulheres e
foram endêmicas em todo o país e, muitas meninas, pelos assassinatos e pelos roubos
vezes, ocorreram durante prisões e detenções cometidos na cidade de Minova (a leste do
ilegais realizadas por serviços de segurança país) e arredores por soldados congoleses
do Estado. Foram notificados alguns casos que fugiam do avanço dos rebeldes do M23,
de morte por tortura. A polícia, agentes em novembro e dezembro de 2012. Apesar
de inteligência e membros da guarda das provas irrefutáveis da ocorrência de um
presidencial foram acusados de cometer estupro em massa em Minova, inclusive
tortura e outros maus-tratos. depoimentos de vítimas e testemunhas,
apenas dois dos 39 soldados que estavam
VIOLÊNCIA ENTRE COMUNIDADES sendo julgados foram condenados por
No distrito de Tanganyika, em Katanga, estupro. Outros acusados foram condenados
as tensões entre os batwa e os luba se por homicídio, saques e crimes militares.
intensificaram e levaram a um confronto O líder do M23, general Bosco Ntaganda,
violento entre as duas comunidades. O havia se entregado à embaixada dos EUA em
conflito aumentou a insegurança já causada Kigali em 2013, e pediu para ser transferido
pelas atividades do grupo armado Mai-Mai ao Tribunal Penal Internacional (TPI), que
Bakata Katanga. A violência foi marcada por emitiu um mandado de prisão contra ele em
ataques deliberados contra civis e por graves 2006. Outros líderes do M23 no exílio em
violações dos direitos humanos. Os membros Uganda e Ruanda continuaram a gozar de
de ambas as comunidades cometeram impunidade para os crimes que, segundo
assassinatos, sequestros e atos de violência consta, cometeram nos territórios Rutshuru
sexual. Eles usaram crianças para praticar e Nyiragongo.
a violência e incendiaram e saquearam casas. Em maio, o Parlamento rejeitou uma
Em junho e julho, mais de 26 mulheres proposta legislativa para a incorporação do
e meninas batwa foram capturadas e Estatuto de Roma do TPI ao direito nacional,
estupradas na aldeia Longa, no território junto com uma proposta de criação de varas
Kabalo, em Katanga. Outras 37 mulheres penais especializadas para lidar com os
de uma mesma aldeia foram sequestradas crimes de direito internacional praticados
e mantidas presas para fins sexuais por antes da entrada em vigor do Estatuto
supostas milícias luba em Luala. Pelo menos de Roma.
outras 36 mulheres foram estupradas quando
estavam tentando fugir para Nyunzu. JULGAMENTOS INJUSTOS
O sistema judicial era vulnerável e carente
IMPUNIDADE de recursos. Os tribunais muitas vezes
A impunidade continuou a fomentar novas não eram independentes da influência
violações e abusos dos direitos humanos. externa, e a corrupção era generalizada.
O empenho das autoridades judiciais para Não havia assistência jurídica gratuita, de
aumentar a capacidade dos tribunais e dar modo que muitos réus não contavam com
conta dos casos, inclusive os que envolvem advogado e os direitos dos acusados eram
violações de direitos humanos, teve êxito frequentemente violados.
apenas limitado. Os esforços para assegurar
a prestação de contas pelos crimes contra o
direito internacional cometidos pelo exército

Anistia Internacional – Informe 2014/15 203


CONDIÇÕES PRISIONAIS e manifestações foram proibidas de forma
O sistema prisional continuou a sofrer de rotineira ou dissolvidas com violência pelos
falta de verbas. Presos e detentos eram serviços de segurança.
mantidos em instalações deterioradas, com Os principais alvos da repressão
superlotação e falta de higiene. Dezenas foram adversários políticos, membros de
de reclusos morreram em consequência organizações da sociedade civil e jornalistas.
de desnutrição e falta de atendimento Alguns foram presos e maltratados, outros
médico adequado. foram presos após julgamentos injustos
A insegurança dos presos aumentou por acusações forjadas. Por exemplo,
devido à incapacidade de separar as um adversário político do governo – Jean
mulheres dos homens, os presos provisórios Bertrand Ewanga, do partido de oposição
dos presos condenados, e os membros das União pela Nação Congolesa (UNC) –
forças armadas dos civis. foi preso sob a acusação de insultar o
presidente. A estação de televisão Canal
DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS Futur, supostamente de propriedade do líder
O fim do grupo armado M23 contribuiu para da oposição, Vital Kamerhe, permaneceu
certa melhora na situação dos defensores fechada pelas autoridades ao longo de todo
dos direitos humanos nos territórios Rutshuru o ano.
e Nyiragongo. No entanto, defensores e Em 16 de outubro, após a divulgação pelo
sindicalistas de todo o país continuaram a Escritório Conjunto de Direitos Humanos
enfrentar ameaças, intimidação e prisão por das Nações Unidas (ECDUNU) de um
parte dos serviços de segurança do Estado e relatório sobre execuções extrajudiciais e
de grupos armados. Alguns foram forçados desaparecimentos forçados durante uma
a fugir depois que receberam repetidas operação policial em Kinshasa, o chefe do
ameaças de morte através de mensagens ECDUNU, Scott Campbell, foi declarado
de texto, telefonemas anônimos e visitas de persona non grata pelo ministro do Interior
homens armados durante a noite. e expulso da RDC3. Outros funcionários do
ECDUNU também relataram ter recebido
PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS ameaças após a publicação do relatório.
Prisões e detenções arbitrárias continuaram
a ser rotina em todo o país. Os serviços de REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO
segurança, principalmente a polícia nacional, Mais de 170 mil cidadãos da RDC foram
os serviços de inteligência e o exército expulsos da República do Congo para a RDC
nacional, realizaram prisões arbitrárias. Com entre 4 de abril e o início de setembro. Entre
frequência, também extorquiam dinheiro e eles estavam refugiados e requerentes de
objetos de valor dos civis durante operações asilo. Alguns dos expulsos teriam sido presos
de aplicação da lei ou em postos de controle. e mantidos incomunicáveis em Kinshasa.
Vários militantes políticos de oposição O governo da RDC ofereceu pouca
que participaram de manifestações pedindo assistência, e em setembro mais de 100
diálogo político e que protestaram contra famílias estavam vivendo nas ruas de
as tentativas de alterar a Constituição foram Kinshasa, sem barracas para se abrigar e
presos arbitrariamente e maltratados. sem cuidados de saúde, comida ou qualquer
tipo de assistência.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A liberdade de expressão foi severamente JUSTIÇA INTERNACIONAL
restringida. Reprimiram-se principalmente Em 7 de março, o TPI condenou Germain
as tentativas de oposição a uma eventual Katanga, comandante da Força de
emenda à Constituição. Reuniões pacíficas Resistência Patriótica em Ituri (FRPI), por

204 Anistia Internacional – Informe 2014/15


crimes contra a humanidade e crimes de Algumas organizações foram alvo de
guerra. Os crimes foram cometidos em 24 hostilidades, campanhas de difamação e
de fevereiro de 2003, durante um ataque pressões para que se registrassem como
à aldeia de Bogoro, no distrito de Ituri. Em “agentes estrangeiros”. Vários manifestantes
23 de maio, ele foi condenado a 12 anos e ativistas da sociedade civil foram
de prisão. condenados após julgamentos injustos e
Em 9 de junho, o II Juizado de Instrução do politicamente motivados. A tortura e outros
Tribunal Penal Internacional (TPI) confirmou maus-tratos continuaram a ser usados
a acusação contra Bosco Ntaganda de crimes com impunidade. No norte do Cáucaso, a
de guerra e crimes contra a humanidade situação permaneceu instável e marcada
supostamente cometidos em 2002 e 2003, por violações de direitos humanos, sem
no distrito de Ituri. qualquer recurso jurídico efetivo para as
Sylvestre Mudacumura, suposto vítimas, enquanto defensores dos direitos
comandante do braço armado da FDLR, humanos, jornalistas independentes e
permanece em liberdade, apesar da emissão advogados continuaram a enfrentar riscos
de um mandato de prisão por parte do TPI pessoais na realização de seu trabalho.
por crimes de guerra cometidos em 13 de
julho de 2012. INFORMAÇÕES GERAIS
Em fevereiro, a Rússia organizou os Jogos
Olímpicos de Inverno de Sochi, com grande
1. DRC: Civilian death toll rises as rebels embark on campaign of afluência de público. Depois de anexar em
sporadic slaughter março a Criméia, antes parte da Ucrânia, e
www. amnesty.org/en/news/drc-civilian-death-toll-rises-rebels- continuar apoiando os separatistas na região
embark-campaign-sporadic-slaughter-2014-10-31 de Donbass, no leste da Ucrânia, a Rússia foi
2. Fonte : radiookapi.net/nations-unies/magazine-un/2014/12/22/rdc- alvo de crescente isolamento internacional.
27-millions-de-deplaces-internes-recenses-en-2014/ As autoridades russas adotaram uma
3. DRC: Rescind expulsion of UN official and investigate extra-judicial retórica cada vez mais beligerante contra o
killings and disappearances (AFR 62/002/2014) Ocidente e a Ucrânia, amplamente difundida
www. amnesty.org/en/library/asset/AFR62/002/2014/en/80df3d93- nos principais meios de comunicação
394d-4451-b3fee9c277451a79/afr620022014en.html controlados pelo governo. Apesar das
crescentes dificuldades econômicas e da
previsão de cortes nos investimentos sociais
– provocados em parte pelas sanções do

RÚSSIA
Ocidente e pela queda no preço do petróleo
(principal produto de exportação russo),
bem como pela corrupção – a liderança
Federação Russa russa desfruta de renovado apoio popular,
Chefe de Estado: Vladimir Putin alimentado substancialmente pela tão
Chefe de governo: Dmitry Medvedev aclamada anexação da Criméia (que até 1954
esteve sob administração russa como parte
da União Soviética).
O pluralismo dos meios de comunicação Embora em escala reduzida, os confrontos
e o espaço para a expressão de pontos de na Ucrânia prosseguiram mesmo depois
vista divergentes diminuíram de forma que uma trégua foi acordada com a Rússia
acentuada. As restrições dos direitos em setembro. O governo sempre negou que
à liberdade de expressão, reunião e a Rússia estivesse fornecendo materiais ou
associação, introduzidas em 2012, foram equipamentos militares, efetivos e outras
aplicadas com afinco e intensificadas. formas de assistência aos separatistas

Anistia Internacional – Informe 2014/15 205


em Donbass, apesar de um aumento das oficial por publicar uma entrevista com
evidências em contrário. As leis russas um ativista ucraniano da extrema direita
passaram a vigorar na Criméia, com restrição nacionalista, que se tornou conhecido
significativa das liberdades de expressão, durante o EuroMaydan. Muitos funcionários
associação e reunião. se demitiram em protesto e a política editorial
do portal, antes independente, mudou
LIBERDADE DE EXPRESSÃO substancialmente.
Defensores dos direitos humanos e jornalistas A internet passou a ser mais controlada.
O governo reforçou o controle sobre os Em fevereiro, foi decretada uma lei
principais meios de comunicação, que se concedendo poderes à promotoria pública
tornaram visivelmente menos pluralistas. A para que ordenasse ao órgão regulador da
maioria dos meios de comunicação que não mídia, o Roskomnadzor, o bloqueio de sites,
estão declaradamente sob controle estatal sem necessidade de autorização judicial,
exerceram uma grau cada vez maior de por supostas infrações tais como publicar
autocensura, raramente ou nunca dando conteúdos que promovessem a participação
espaço para pontos de vista incômodos em eventos públicos não autorizados.
às autoridades. Órgãos de imprensa com Em março, os conhecidos portais digitais
linhas divergentes do governo enfrentaram de notícias Ezhednevnyi Zhurnal (Jornal
considerável pressão na forma de Diário), Grani.ru e Kasparov.ru foram
advertências oficiais, remoção de editores e bloqueados depois de noticiarem a dissolução
rompimento de vínculos comerciais. Meios de vários protestos pacíficos organizados de
de comunicação social estatais e privados forma espontânea em Moscou. A Promotoria
simpáticos ao governo foram usados para Pública argumentou que a cobertura
difamar os adversários políticos e as vozes favorável das manifestações promovia novas
críticas ao governo, inclusive as ONGs “ações ilegais”. Nas contestações legais
independentes. que se seguiram, a decisão da Procuradoria
A Dozhd TV foi tirada do ar em janeiro foi reiteradamente mantida e os portais
por operadores de cabo e satélite, depois continuavam bloqueados no fim do ano.1
de apresentar um controverso debate sobre Diversos órgãos de imprensa receberam
o cerco a Leningrado durante a Segunda advertências oficiais sobre conteúdos
Guerra Mundial. A emissora também teve o “extremistas” ou outros presumidamente
pedido para renovação do arrendamento de ilegais. A estação de rádio independente
seus estúdios negado. Apesar de alegadas Echo Moskvy foi obrigada a remover de seu
razões comerciais, a influência política site a transcrição de um debate realizado
sobre essas decisões empresariais era em seus estúdios no dia 29 de outubro com
evidente. A Dozhd TV era conhecida por suas dois jornalistas que haviam testemunhado
transmissões políticas de linha independente, os confrontos no aeroporto de Donetsk e
disponibilizando espaço a pontos de vista manifestaram opiniões favoráveis à Ucrânia.
contraditórios e oferecendo uma cobertura O Roskomnadzor alegou que o programa
marcadamente distinta dos eventos do continha “informações que justificavam a
EuroMaydan na Ucrânia. A emissora foi prática de crimes de guerra”. Mais tarde, o
forçada a transmitir sua programação apresentador do debate, Aleksandr Pliuschev,
somente pela internet, tendo que recorrer foi suspenso por dois meses devido a uma
ao financiamento coletivo (crowdfunding) postagem pessoal imprópria no Twitter relativa
para sobreviver. a outro assunto. Sua suspensão resultou
Em março, o proprietário do portal de do compromisso acertado entre o editor-
notícias Lenta.ru substituiu seu editor- chefe, Aleksey Venediktov, e a administração
chefe depois de receber uma advertência da Gazprom Media, principal acionista da

206 Anistia Internacional – Informe 2014/15


emissora, que antes havia tentado destituir sustentaram o direito dos ativistas LGBTI de
Aleksandr Pliuschev e ameaçado exonerar realizar reuniões pacíficas para eventos que
Aleksey Venediktov. já haviam sido proibidos em três ocasiões,
As agressões físicas contra jornalistas mas as sentenças judiciais não tiveram
prosseguiram. Em agosto, vários jornalistas qualquer impacto sobre as novas decisões a
foram agredidos em incidentes distintos esse respeito.
quando tentavam cobrir os funerais sigilosos Em janeiro, a ativista Elena Klimova,
de militares russos que supostamente haviam da cidade de Nizhniy Tagil, foi acusada
sido mortos em serviço na Ucrânia. de fazer “propaganda” com seu projeto
Em 29 de agosto, Lev Shlosberg, editor do “Crianças-404”, lançado na internet para
Pskovskaya Guberniya, o primeiro jornal a apoiar adolescentes LGBTI.2 Ações judiciais
noticiar os funerais secretos, foi brutalmente contra ela foram iniciadas, arquivadas e
espancado e teve que ser hospitalizado ajuizadas novamente, ameaçando acabar
com traumatismo craniano. A investigação com seu projeto. Em abril, a exibição de um
não identificou seus três agressores e foi filme sobre o “Crianças-404” em Moscou foi
suspensa no fim do ano. interrompida por manifestantes que forçaram
Timur Kuashev, jornalista da região a entrada no auditório gritando expressões
de Kabardino-Balkaria, que trabalhava agressivas. Eles estavam acompanhados
em parceria com defensores de direitos de policiais armados que insistiram em
humanos locais, foi encontrado morto no verificar os documentos de identidade de
dia 1º de agosto. Sua morte inexplicável todos os presentes para conferir se havia
teria sido causada por uma injeção letal. algum menor.
Os assassinatos de outros jornalistas no
norte do Cáucaso em anos anteriores, como LIBERDADE DE REUNIÃO
Natalia Estemirova, Hajimurad Kamalov e Houve uma queda no número total de
Akhmednabi Akhmednabiev, não foram protestos de rua em comparação com anos
investigados de modo efetivo e os assassinos anteriores, mas em fevereiro e março, e
jamais foram identificados. Em junho, novamente em dezembro, houve um ligeiro
cinco homens foram condenados à prisão aumento das manifestações em resposta ao
pela morte da jornalista investigativa Anna julgamento de Bolotnaya e ao envolvimento
Politkovskaya em Moscou, em outubro de dos militares russos na Ucrânia, bem como
2006, mas os mandantes do crime ainda não ao anúncio de reformas no sistema de saúde
foram identificados. e à condenação de Aleksei e Oleg Navalny.
Continuaram em vigor os onerosos
ATIVISTAS procedimentos exigidos para a aprovação de
Indivíduos e grupos que possuem pontos de reuniões públicas. Com poucas exceções,
vista divergentes seguiram privados de seu a maioria das manifestações públicas
direito à liberdade de expressão. As minorias foi severamente restringida, proibida ou
sexuais estavam entre os grupos visados, dispersada. Em julho, foram aumentadas
inclusive por uma lei federal de 2013 que significativamente as penalidades, inclusive
proibia a “propaganda de relações sexuais com pena de prisão, para infrações repetidas
não tradicionais entre menores”. Ativistas da lei sobre reuniões públicas.3
LGBTI foram constantemente proibidos As autoridades levaram adiante o processo
de fazer reuniões pacíficas, inclusive em contra as pessoas que foram acusadas de
locais designados como apropriados para envolvimento na manifestação da Praça
aglomerações públicas que não necessitam Bolotnaya em maio de 2012: 10 pessoas
de autorização prévia, tipicamente foram sentenciadas a entre dois anos e
parques pouco frequentados. Os tribunais meio e quatro anos e meio de prisão por

Anistia Internacional – Informe 2014/15 207


participarem do protesto e supostamente dos os participantes do protesto bloquearam
incidentes de violência durante o evento, que uma rua.
foi considerado “perturbação em massa”. Mais de 200 pessoas foram detidas em
Sergei Udaltsov e Leonid Razvozzhaev foram Moscou no dia 30 de dezembro quando o
condenados por organizar a “perturbação veredicto do processo penal politicamente
em massa”. motivado contra o ativista político Aleksei
Nos dias 20 e 24 de fevereiro, a polícia Navalny e seu irmão Oleg foi anunciado duas
dispersou com violência centenas de semanas antes da data marcada, provocando
manifestantes pacíficos reunidos diante a eclosão de protestos espontâneos. Dois
de um tribunal de Moscou para aguardar dos detidos foram sentenciados a 15 dias de
o veredicto do caso Bolotnaya. As cárcere e outras 67 pessoas passaram a noite
aglomerações posteriores ocorridas no centro presas e foram soltas no dia seguinte, para
da cidade também foram dissolvidas com serem julgadas em janeiro.
violência. Mais de 600 pessoas foram detidas
arbitrariamente, a maioria das quais foi LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO
multada. Pelo menos seis pessoas receberam Ativistas da sociedade civil continuaram
sentenças de cinco a 13 dias de “prisão a sofrer hostilidades, ataques públicos
administrativa”. contra sua integridade e, em alguns casos,
Nas semanas seguintes, um grande processos penais.
número de manifestantes pacíficos foi preso No decorrer do ano, organizações da
e multado, alguns deles permanecendo sociedade civil independentes enfrentaram
detidos, por participarem de protestos a pressão crescente da chamada “lei sobre
contra o envolvimento militar da Rússia na agentes especiais”. A lei foi introduzida em
Ucrânia e a anexação da Crimeia. Ao mesmo 2012 para forçar as ONGs que recebem
tempo, manifestações favoráveis à ação do financiamento exterior e se ocupam
governo na Ucrânia tiveram permissão para do que foi vagamente definido como
acontecer em locais do centro da cidade “atividades políticas” a se registrarem como
onde manifestações oposicionistas foram “organizações que cumprem funções de
repetidamente proibidas. agentes estrangeiros” e a marcarem seus
Na cidade de Samara, vários ativistas materiais públicos conforme essa designação.
receberam ameaças de morte anônimas Em 2013 e 2014, centenas de ONGs foram
depois de realizarem uma série de piquetes submetidas a “inspeções” oficiais intrusivas,
de uma só pessoa (a única forma de protesto e dezenas foram implicadas em demoradas
permitida sem autorização prévia) no dia 2 audiências judiciais para se defender
de março.4 dessa exigência. Em maio, a legislação foi
Em agosto, três mulheres foram emendada a fim de que o Ministério da
brevemente detidas em uma delegacia de Justiça tivesse autoridade para registrar
polícia de Moscou por se vestirem em azul uma ONG como “agente estrangeiro” sem
e amarelo, as cores da bandeira ucraniana. seu consentimento. Até o fim do ano, o
Incidentes similares foram registrados por Ministério havia registrado 29 ONGs, inclusive
todo o país. várias organizações de direitos humanos
No fim do ano, em diversas cidades de importantes, como “agentes estrangeiros”.5
toda a Rússia, aconteceram protestos em Pelo menos cinco ONGs optaram pela própria
menor escala, a maioria sem impedimentos, dissolução em consequência direta das
contra os cortes previstos nos serviços hostilidades baseadas na “lei sobre agentes
de saúde. Em Moscou, porém, quatro estrangeiros”.
manifestantes foram sentenciados a Integrantes da ONG Observatório
detenções de cinco a 15 dias, depois que Ambiental do Cáucaso Setentrional

208 Anistia Internacional – Informe 2014/15


(Ekovakhta), que chamavam atenção para Em julho, eles pediram que as autoridades
os danos ecológicos causados pelos Jogos investigassem as denúncias de tortura de
Olímpicos de Sochi, foram submetidos a uma E.G., detido provisoriamente no local à
persistente campanha de assédio por parte espera de julgamento, e apresentaram provas
das autoridades da área de segurança antes fotográficas das lesões sofridas por ele. Um
do início dos Jogos.6 Dois deles, Yevgeny membro da Procuradoria respondeu em carta
Vitishko e Igor Kharchenko, foram presos que, com base nos questionamentos feitos
com base em acusações administrativas aos funcionários da IK-5 e nos documentos
falsas e permaneceram detidos durante a em posse da administração, E.G. não havia
abertura dos Jogos. Enquanto detido, Yevgeny sido submetido a violência naquela instituição
Vitishko perdeu seu recurso de apelação e suas lesões haviam sido produzidas antes
num processo penal referente às acusações de sua transferência para o centro. Nenhuma
exageradas que lhe foram imputadas com a outra investigação foi conduzida.
intenção de silenciar a ele e ao Observatório,
sendo então transferido diretamente a uma NORTE DO CÁUCASO
colônia penal para cumprir sua pena de três A situação no norte do Cáucaso continuou
anos de prisão.7 Em março, o trabalho da frágil, com ataques esporádicos de grupos
Ekovakhta foi suspenso por ordem judicial armados contra agentes de segurança.
e, em novembro, outra decisão determinou Mais de 200 pessoas teriam sido mortas em
a extinção da ONG devido a uma leve vários incidentes, das quais dezenas eram
infração formal. civis. Operações de segurança realizadas
O Ministério da Justiça requereu que no Daguestão, em Kabardino-Balkaria,
os tribunais fechassem a ONG Memorial na Tchetchênia e outros lugares, foram
(Centro Russo de Direitos Humanos) por uma acompanhadas de graves violações de
suposta incorreção formal em seu registro. A direitos humanos, como detenções ilegais,
audiência foi adiada até que a ONG tomasse tortura e outros maus-tratos, supostos
medidas formais para ratificar o ponto desaparecimentos forçados e execuções
em questão. extrajudiciais.
No dia 4 de dezembro, combatentes
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS armados atacaram prédios do governo em
Denúncias de tortura e outros maus-tratos Grósni, na Tchetchênia, matando pelo menos
continuaram sendo registradas por todo o um civil e 14 policiais. No dia seguinte,
país, enquanto muitos dos que buscavam Ramzan Kadyrov, chefe da república
reparação foram pressionados para retirar tchetchena, prometeu publicamente expulsar
suas demandas. As investigações sobre as os familiares dos integrantes dos grupos
denúncias foram quase sempre ineficazes. armados da Tchetchênia e demolir suas
Confissões extraídas mediante tortura casas. Pelo menos 15 residências, que
foram usadas como prova nos tribunais. abrigavam dezenas de pessoas, inclusive
Somente em poucos casos, tipicamente crianças pequenas, foram incendiadas ou
envolvendo ONGs de direitos humanos, demolidas.8 Defensores dos direitos humanos
foram instauradas ações contra os agentes da que condenaram essa prática e demandaram
lei implicados. uma investigação foram atingidos por ovos
Integrantes de uma comissão de lançados durante uma coletiva de imprensa
observação pública independente em Moscou, no dia 11 de dezembro. Ramzan
documentaram casos reiterados de Kadyrov usou as redes sociais para acusar
tortura e outros maus-tratos de detentos Igor Kalyapin, líder do Grupo Móvel Conjunto
na colônia penal e centro de detenção para a Tchetchênia, de apoiar terroristas. No
preventiva IK-5, na região de Sverdlovsk. dia 14 de dezembro, o escritório do Grupo

Anistia Internacional – Informe 2014/15 209


em Grósni foi destruído por um incêndio anônimas e outras ameaças dos funcionários
aparentemente criminoso, e seus dois responsáveis pela investigação, tanto de
integrantes foram revistados e detidos por maneira velada quanto explícita. Nenhuma
várias horas pela polícia sem explicações, de suas denúncias formais foi devidamente
além de terem seus telefones, câmaras e investigada. Apesar de continuar temendo por
computadores confiscados. sua segurança, bem como pela segurança
Continuou havendo quase total falta de de seus colegas e familiares, ela se recusou
recursos judiciais para vítimas de violações a desistir de seu trabalho.10 A investigação
de direitos humanos, pois o sistema de sobre seu espancamento pela polícia em
justiça criminal permaneceu ineficaz e sujeito 2010 foi reaberta formalmente, mas as
a pressões políticas de alto nível – em sua autoridades não fizeram nenhum progresso
maior parte sigilosas. Juízes e jurados da no caso nem demonstraram a menor
Tchetchênia foram censurados publicamente intenção de processar seus agressores.
por Ramzan Kadyrov por decisões que
tomaram em processos penais que ele
considerou complacentes com os réus. 1. Violation of the right to freedom of expression, association and

Denunciar violações de direitos humanos assembly in Russia (EUR 46/048/2014)

continuou sendo uma ocupação árdua e www.amnesty.org/en/library/info/EUR46/048/2014/en

geralmente perigosa, levando a crer que 2. Russian Federation: Journalist charged under “propaganda law”:

muitas violações não são registradas. Elena Klimova

Defensores dos direitos humanos, advogados www.amnesty.org/en/library/info/EUR46/009/2014/en

e jornalistas independentes que atuavam 3. A right, not a crime: Violations of the right to freedom of assembly in

em casos envolvendo violações de direitos Russia (EUR 46/028/2014)

humanos continuaram a sofrer ameaças e www.amnesty.org/en/library/info/EUR46/028/2014/en

hostilidades de agentes da lei e indivíduos 4. Russian Federation: Peace activists receive death threats

não identificados. www.amnesty.org/en/library/asset/EUR46/022/2014/en/56bb391a-

Ruslan Kutaev, ativista da sociedade be6b-458f-8bca-05723a2eb17b/eur460222014en.html

civil, denunciou ter sofrido torturas, como 5. Violation of the right to freedom of expression, association and

espancamento e choques elétricos, assembly in Russia (EUR 46/048/2014)

quando foi preso em fevereiro com base www.amnesty.org/en/library/info/EUR46/048/2014/en

na acusação forjada de posse de heroína. 6. Russian Federation: Serious human rights violations associated

Suas lesões foram bem documentadas por with the preparation for and staging of the Sochi Olympic Games,

observadores independentes.9 Mesmo assim, open letter to the Chair of the International Olympic Committee, 10

as autoridades investigadoras aceitaram February 2014 (EUR 46/008/2014)

as alegações dos supostos perpetradores www.amnesty.org/en/library/info/EUR46/008/2014/en

de que as lesões de Ruslan Kutaev foram 7. “Russia: Legacy of Olympic games tarnished by arrests, 22 February

causadas por uma queda, tendo se recusado 2014”

a investigar mais detalhadamente suas www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/russia-legacy-

denúncias. Em julho, ele foi condenado olympic-games-tarnished-arrests-2014-02-22

num julgamento injusto em Urus-Martan, na 8. Russia: Burning down homes after Chechnya clashes appea rs to be

Tchetchênia, e sentenciado a quatro anos de collective punishment (News Story)

prisão, pena reduzida em dois meses após www.amnesty.org/en/news/russia-burning-down-homes-after-

um recurso em outubro. chechnya-clashes-appears-be-collective-punishment-2014-12-09-0

Sapiyat Magomedova, uma advogada 9. Russian Federation: Imprisoned activist must be released

daguestanesa que foi brutalmente agredida immediately: Ruslan Kutaev (EUR 46/052/2014)

por policiais em 2010 numa delegacia de www.amnesty.org/en/library/info/EUR46/052/2014/en

polícia quando foi visitar um cliente detido,


continuou recebendo ameaças de morte

210 Anistia Internacional – Informe 2014/15


10. Russian Federation: Further information: New death threats against indiscriminado e sitiaram áreas onde havia
Dagestan lawyers (EUR 46/034/2014) civis que eles acreditavam apoiar o governo.
www.amnesty.org/en/library/info/EUR46/034/2014/en Alguns desses grupos, principalmente
o Estado Islâmico, executaram ataques
suicidas indiscriminados e lançaram
bombas em áreas civis, além de

SÍRIA perpetrarem inúmeros homicídios ilegais,


inclusive executando sumariamente pessoas
capturadas e supostos adversários.
República Árabe da Síria
Chefe de Estado: Bashar al-Assad INFORMAÇÕES GERAIS
Chefe de governo: Wael Nader al-Halqi Os combates entre as forças governamentais
e diferentes grupos armados não estatais
continuaram devastando a Síria durante
O conflito armado interno na Síria todo o ano, matando e ferindo milhares de
prosseguiu sem trégua por todo o ano, pessoas e provocando novos desalojamentos
com forças do governo e grupos armados massivos de pessoas e grande fluxo de
não estatais cometendo extensos crimes refugiados, principalmente para a Turquia,
de guerra e violações brutais dos direitos o Líbano, a Jordânia, o Egito e a região
humanos com impunidade. As forças do Curdistão no Iraque. Até o fim do ano,
governamentais visaram deliberadamente segundo a ONU, o conflito havia causado
os civis, bombardeando de modo um total de aproximadamente 200 mil
indiscriminado áreas residenciais civis e mortes. Além disso, 7,6 milhões de pessoas
instalações hospitalares com artilharia, foram desalojadas dentro do país e cerca
morteiros, bombas de barril e agentes de 4 milhões se tornaram refugiados em
químicos, matando ilegalmente a outros países.
população civil. As forças do governo Os esforços internacionais para resolver o
também impuseram cercos prolongados, conflito armado levaram a ONU, com apoio
encurralando os civis e privando-os de dos EUA e da Rússia, a convocar em janeiro
comida, cuidados médicos e outras a conferência Genebra II. Compareceram
necessidades. As forças de segurança representantes do governo sírio e da Coalizão
prenderam ou mantiveram detidas de Nacional de Forças Revolucionárias e da
modo arbitrário milhares de pessoas, Oposição da Síria, mas não os grupos
entre elas ativistas pacíficos, defensores armados que não estavam sob comando
dos direitos humanos, profissionais da militar da Coalizão. As conversações
imprensa, trabalhadores humanitários e foram concluídas em fevereiro sem
crianças, submetendo algumas delas a qualquer acordo.
desaparecimentos forçados, detenções O Conselho de Segurança da ONU
prolongadas e julgamentos injustos. As permaneceu dividido sobre a questão,
forças de segurança sistematicamente comprometendo as iniciativas que buscavam
torturaram as pessoas detidas ou um acordo de paz, mas adotou uma série
as submeteram a maus-tratos com de resoluções sobre a crise. A Resolução
impunidade; segundo informações, milhares 2139, de fevereiro, tratava da condução das
de detidos morreram em consequência hostilidades e das detenções arbitrárias,
de tortura ou das condições brutais demandando que todas as partes no
de detenção. Os grupos armados não conflito permitissem o acesso da assistência
estatais, que controlavam algumas áreas e humanitária através das linhas do conflito
disputavam outras, bombardearam de modo e das zonas sitiadas, o que, todavia, não

Anistia Internacional – Informe 2014/15 211


aconteceu. A Resolução 2165, de julho, CONFLITO ARMADO INTERNO
focalizou a entrega de ajuda humanitária – VIOLAÇÕES COMETIDAS POR
internacional nas zonas sitiadas e através FORÇAS DO GOVERNO
das fronteiras nacionais. A Resolução 2170, Uso de armas proibidas e de efeito indiscriminado
de agosto, condenou os homicídios ilegais, As forças governamentais lançaram ataques
outros abusos brutais e o recrutamento de em áreas controladas ou disputadas por
combatentes estrangeiros pelo grupo armado forças armadas de oposição e mataram
Estado Islâmico (EI, antes conhecido como civis ilegalmente; alguns ataques
ISIS) e pela Frente Al Nusra, acrescentando configuraram crimes de guerra ou crimes
seis de seus afiliados à lista da ONU de contra a humanidade. Também efetuaram
sanções contra a Al Qaeda. O Conselho ataques reiterados, tanto diretos quando
de Segurança da ONU não adotou outras indiscriminados, inclusive ofensivas aéreas
medidas para enfrentar a impunidade na e bombardeio com artilharia, sobre áreas
Síria. A Rússia e a China vetaram um projeto residenciais civis, frequentemente usando
de resolução que remeteria a situação bombas de barril – artefatos não guiados
da Síria ao procurador do Tribunal Penal de grande potencial explosivo lançados de
Internacional. helicópteros –, provocando inúmeras mortes
A comissão de inquérito internacional e ferimentos de civis, inclusive crianças.
independente sobre a situação da República Apesar de a resolução 2139 do Conselho
Árabe Síria, criada em 2011 pelo Conselho de Segurança da ONU exigir que todas as
de Direitos Humanos da ONU, continuou a partes no conflito acabassem com os ataques
monitorar e denunciar violações do direito indiscriminados, nos 10 meses seguintes à
internacional cometidas pelas partes no adoção da resolução as forças do governo
conflito. Entretanto, o governo sírio seguiu mataram quase 8.000 civis em bombardeios
proibindo a entrada da comissão no país. e outros ataques indiscriminados, segundo
Em junho, a Organização para a Proibição dados do Centro de Documentação de
das Armas Químicas (OPAQ) informou que Violações, uma ONG local de observação.
o governo havia concluído a entrega de seu Em um incidente, no dia 29 de outubro,
arsenal de armas químicas para efetuar sua helicópteros do governo lançaram quatro
destruição internacional, conforme um acordo bombas de barril sobre um campo para
de setembro de 2013 com os governos dos pessoas desalojadas em Idleb, matando
EUA e da Rússia. pelo menos 10 civis e ferindo dezenas de
Em setembro, uma coalizão internacional outros, segundo a ONG Observatório Sírio de
liderada pelos EUA começou a lançar ataques Direitos Humanos.
aéreos contra o Estado Islâmico e outros As forças do governo efetuaram vários
grupos armados no norte da Síria. Segundo o ataques com bombas de barril ou outras
Conselho de Segurança da ONU, os ataques munições contendo cloro, apesar de
mataram cerca de 50 civis. estarem proibidas pelo direito internacional.
Em junho, Bashar al Assad venceu as Segundo a comissão de inquérito da ONU,
eleições presidenciais realizadas apenas nas ataques com esses tipos de munição
áreas sob controle governamental, sendo foram realizados em abril nas cidades
reconduzido ao cargo para um terceiro de Kafar Zeita, Al Tamana’a e Tal Minnis.
mandato de sete anos. Na semana seguinte, Uma investigação conduzida pela OPAQ
ele anunciou uma anistia, a qual resultou confirmou em setembro que as forças
na libertação de alguns poucos reclusos; a governamentais haviam usado cloro de
vasta maioria dos prisioneiros de consciência modo “sistemático e reiterado” nesses
e dos presos políticos detidos pelo governo ataques. As forças do governo também
continuou encarcerada. usaram munições de fragmentação – armas

212 Anistia Internacional – Informe 2014/15


de efeito indiscriminado que desprendem essas áreas de serviços básicos de saúde. A
fragmentos explosivos incendiários sobre organização Médicos pelos Direitos Humanos
uma área abrangente –, expondo as vítimas a acusou as forças do governo de lançar
queimaduras graves e geralmente fatais. ataques sistemáticos contra o sistema de
Cercos e negação de ajuda humanitária saúde nas áreas controladas por grupos de
As forças do governo impuseram cercos oposição e de ter matado 569 profissionais da
prolongados a áreas civis dentro e nos saúde entre abril de 2011 e outubro de 2014.
arredores de Damasco, como Yarmouk,
Daraya e Ghouta oriental, entre outras, CONFLITO ARMADO INTERNO – ABUSOS
inclusive na cidade antiga de Homs, COMETIDOS POR GRUPOS ARMADOS
cujo cerco terminou em maio. Nas áreas Grupos armados não estatais também
sitiadas costumava haver combatentes de cometeram crimes de guerra e graves abusos
oposição armados que às vezes também dos direitos humanos. Entre esses grupos
representavam uma ameaça aos civis. Os estavam o Estado Islâmico e a Frente Al
civis encurralados nas zonas sitiadas ficavam Nusra (Jabhat al Nusra), além de outros
expostos à fome e à falta de cuidados grupos que integravam ou eram afiliados ao
médicos e serviços básicos, assim como a Exército Sírio Livre.
bombardeios de artilharia e aéreos e aos Uso de armas de efeito indiscriminado
disparos de francoatiradores do governo. Os grupos armados usaram armas de efeitos
Em março, soldados do governo atiraram indiscriminados, como morteiros e projéteis
contra civis que tentavam escapar de Ghouta lançados por tanques e artilharia, durante
oriental empunhando uma bandeira branca, os ataques às áreas civis controladas pelo
matando mulheres, homens e crianças. governo, provocando muitas mortes de
Yarmouk, um bairro de Damasco onde se civis. Em abril e maio, grupos armados que
encontram cerca de 18 mil dos mais de 180 atacaram os bairros de Saif al Dawla, Al
mil refugiados palestinos e cidadãos sírios Midan e Al Sulimaniya, a oeste de Aleppo,
que lá viviam antes do conflito, entrou em teriam lançado bombas de morteiro e
dezembro no terceiro ano de cerco contínuo. artefatos explosivos improvisados com tubos
Apesar de uma trégua acordada em junho, de gás contra áreas civis. A Frente Al Nusra
as forças do governo continuaram a cortar os efetuou atentados suicidas com automóveis
suprimentos de água e comida e a bloquear e caminhões nas áreas sob controle do
parte da ajuda humanitária enviada. Quando governo, inclusive em Homs, matando e
permitiam que os civis fossem evacuados ferindo civis.
das áreas sitiadas, as forças governamentais Homicídios ilegais
detinham os homens e meninos que As forças do Estado Islâmico, de modo
tentavam sair e os mantinham em cárcere particular, cometeram homicídios ilegais de
prolongado para fins de “triagem”. soldados do governo capturados, de civis
Ataques a instalações médicas e a profissionais sequestrados, inclusive de ativistas pacíficos
da saúde e profissionais da imprensa, de estrangeiros
As forças do governo continuaram elegendo e, segundo informações, de membros
como alvo instalações médicas e profissionais de grupos armados rivais. Em Al Raqqa
da saúde nas áreas controladas por grupos e no leste de Aleppo, áreas controladas
armados. Bombardearam hospitais, pelo Estado Islâmico e submetidas a
impediram a entrega de suprimentos sua interpretação estrita da lei islâmica,
médicos enviados para ajuda humanitária integrantes do grupo realizaram frequentes
nas zonas sitiadas, tendo prendido e detido execuções públicas; depois de serem
trabalhadores e voluntários médicos, denunciadas, as vítimas eram mortas a tiros
aparentemente para prejudicar e privar ou decapitadas diante de multidões que

Anistia Internacional – Informe 2014/15 213


geralmente tinham a presença de crianças. Aleppo e Kobani, submetendo alguns deles à
A maioria das vítimas eram homens, mas há tortura. Todos foram soltos até outubro.
informações de que também havia mulheres Áreas curdas
e rapazes de até 15 anos. No norte da Síria, após a retirada das tropas
As forças do Estado Islâmico divulgaram governamentais em 2012, o Partido da
alguns de seus crimes com o objetivo de União Democrática (PYD) controlava grande
fazer propaganda ou sustentar exigências, parte de três enclaves predominantemente
postando vídeos na internet em que curdos – Afrin, Kobani (também conhecido
aparecem decapitando pessoas capturadas. como Ayn Al Arab) e Jazira – até que, na
Entre elas, soldados sírios, libaneses e metade do ano, as forças do Estado Islâmico
curdos, bem como jornalistas e assistentes voltaram a atacar Kobani, forçando o
humanitários estadunidenses e britânicos que desalojamento em massa da população. Em
haviam sido capturados por outros grupos janeiro, o PYD editou uma nova Constituição
armados e transferidos ou “vendidos” ao para as três áreas, onde havia estabelecido
Estado Islâmico. Em alguns casos, os vídeos um sistema de justiça que operava com
de decapitação continham ameaças de morte base nos chamados Tribunais Populares.
contra outros indivíduos capturados. Após visitar a região em fevereiro, a Human
Cercos, privação de ajuda humanitária e ataques Rights Watch exortou as autoridades do
a instalações médicas e a profissionais da saúde PYD a parar com as detenções arbitrárias,
O Estado Islâmico, a Frente Al Nusra e outros pôr fim ao uso de crianças como soldados e
grupos armados, atuando de forma conjunta vigilantes de postos de controle, melhorar as
ou separada, puseram cerco a diversas áreas salvaguardas contra os abusos dos detidos
controladas pelo governo, como Zahraa e e investigar uma série de sequestros e
Nobel, a noroeste de Aleppo, bem como à homicídios com aparente motivação política.
área em torno do Presídio Central de Aleppo, Em julho, o PYD desmobilizou 149 crianças
até que, em maio, as forças governamentais que integravam seus contingentes armados e
romperam o cerco que já durava um ano. se comprometeu a impedir a participação de
Esses grupos bombardearam algumas menores nas hostilidades.
zonas de forma indiscriminada, cortando o
fornecimento de água, comida e suprimentos REFUGIADOS E PESSOAS
à população civil, prejudicaram ou impediram DESALOJADAS DENTRO DO PAÍS
a distribuição de ajuda humanitária, e Os combates dentro da Síria continuaram
atacaram e detiveram profissionais da saúde. a forçar o desalojamento em massa da
Sequestros população civil. Cerca de 4 milhões de
Grupos armados foram responsáveis por refugiados se evadiram da Síria entre 2011
grande número de sequestros e detenções e o fim de 2014, enquanto o Gabinete de
de ativistas locais, de pessoas suspeitas Coordenação de Assuntos Humanitários da
de apoiar o governo, de jornalistas e de ONU informou que outros 7,6 milhões de
trabalhadores humanitários estrangeiros, pessoas, a metade crianças, se encontravam
entre outros, tendo submetido muitos deles desalojadas dentro da Síria, um aumento
a tortura e outros maus-tratos, e alguns a de mais de 1 milhão desde dezembro de
execuções sumárias ilegais. Entre os detidos 2013. Em setembro, um novo ataque do
estavam crianças; em maio, por exemplo, Estado Islâmico a Kobani provocou um
forças do Estado Islâmico sequestraram mais fluxo em massa de refugiados, fazendo que
de 150 meninos curdos de Manbej, entre dezenas de milhares dos habitantes da região
cruzassem a fronteira com a Turquia num
período de poucos dias. No Líbano e na
Jordânia, as autoridades limitaram o número

214 Anistia Internacional – Informe 2014/15


de refugiados procedentes da Síria, expondo na madrugada de 3 de setembro de 2012.
aqueles que tiveram que esperar nas zonas Anteriormente detido por razões políticas e
de fronteira a novos ataques e privações, submetido a tortura, seu destino e paradeiro
e continuaram bloqueando a entrada seguiam desconhecidos no fim ano.
de refugiados palestinos vindos da Síria,
deixando-os ainda mais vulneráveis. MORTES SOB CUSTÓDIA
A tortura e outros maus-tratos de pessoas
DESAPARECIMENTOS FORÇADOS detidas pelos serviços de Segurança Política,
Forças de segurança do governo de Inteligência Militar, de Inteligência
continuaram mantendo milhares de pessoas da Força Aérea e por outras agências
em detenção provisória sem acusação, de segurança e inteligência do governo
muitas em condições que configuravam continuaram sendo praticados de forma
desaparecimento forçado. extensa e sistemática. Segundo informações,
Muitas pessoas que foram presas em a tortura continuou provocando grande
anos anteriores continuavam submetidas número de mortes de pessoas detidas.
a desaparecimento forçado, gerando Em janeiro, um grupo de peritos criminais
preocupação com sua segurança. e ex-procuradores de crimes de guerra
As autoridades raramente revelavam internacionais examinaram fotografias de
informações sobre os detidos e geralmente os milhares de cadáveres de presos tiradas em
privavam de acesso a advogados e familiares. hospitais militares e denunciaram que as
Entra as vítimas de desaparecimento autoridades sírias estavam envolvidas com
forçado estavam famílias inteiras, como o ações de tortura sistemática e homicídios
casal Abdulrahman Yasin e Rania Alabbasi, ilegais das pessoas detidas. O governo negou
seus seis filhos, com entre três e 15 anos, as acusações dos peritos, mas não conduziu
além de outra mulher que estava presente uma investigação independente em face das
quando as forças de segurança estiveram constantes denúncias de tortura e das mortes
em sua casa para prendê-los em março de de detidos durante o ano.
2013. As autoridades não revelaram qualquer Muitos detidos também teriam morrido
informação sobre eles, mas uma pessoa que devido à severidade das condições em
esteve detida contou ter visto Rania Alabbasi várias unidades de detenção. Dentre essas,
e seus filhos em uma unidade de inteligência a Seção 235 do serviço de Inteligência
militar conhecida como Seção 291. Militar, também conhecida como “Seção
O advogado de direitos humanos Khalil Palestina”. Uma pessoa que esteve detida no
Matouq e seu amigo Mohamed Thatha local informou que muitos dos detentos da
continuavam submetidos a desaparecimento Seção 235 tinham sarna ou outras doenças
forçado no fim do ano, depois que as forças cutâneas, além de enfermidades digestivas,
de segurança os detiveram em um posto de provocadas pela superlotação extrema, pelo
controle próximo a Damasco em 2 de outubro saneamento inadequado e pela falta de
de 2013. As autoridades não confirmaram comida, água potável e cuidados médicos.
sua prisão nem revelaram por que ou Com frequência, as famílias das pessoas
onde estavam sendo mantidos, causando detidas não eram informadas de sua morte;
preocupação com sua segurança. em alguns casos, as famílias eram informadas
Juwan Abd Rahman Khaled, um ativista de de que os detidos haviam morrido de ataque
direitos humanos curdo também permanecia cardíaco, mas não conseguiam ter acesso aos
em situação de desaparecimento forçado. Ele corpos, que não lhes eram devolvidos para
havia sido detido por agentes dos serviços de serem enterrados.
Segurança do Estado que faziam uma busca Em outubro, um grande júri do Reino
no distrito de Wadi al Masharia em Damasco, Unido concluiu que o médico britânico

Anistia Internacional – Informe 2014/15 215


Abbas Khan havia sido vítima de homicídio de Inteligência da Força Aérea invadiram o
ilegal em dezembro de 2013, contradizendo escritório da organização em Damasco, em
a conclusão do governo sírio de que ele fevereiro de 2012. Seu julgamento perante
cometera suicídio. As forças de segurança o o Tribunal Antiterrorista foi postergado
prenderam em novembro de 2012, menos continuamente desde fevereiro de 2013, e o
de 48 horas depois de ele ter chegado à Síria resultado do caso permanecia desconhecido
para atuar como médico voluntário. Segundo até o fim de 2014.
informações, ele foi torturado e submetido Gebrail Moushe Kourie, presidente da
a maus-tratos durante os vários meses que Organização Democrática Assíria, um
ficou detido. partido político não autorizado, foi preso em
dezembro de 2013 em Qamishly, no norte da
JULGAMENTOS INJUSTOS Síria. Após meses de detenção em unidades
Quase sempre depois de passarem longos onde a tortura predominava, ele foi acusado
períodos em detenção provisória, dezenas de pertencer a um “partido político secreto
de supostos críticos ou oponentes pacíficos não autorizado” e de “incitar a violência
do governo foram processados sem as para derrubar o governo” perante um juiz
devidas garantias perante o Tribunal penal que remeteu seu caso ao Tribunal
Antiterrorista, criado em 2012, e tribunais Antiterrorista.
militares de campanha. Alguns dos réus que
compareceram ao Tribunal Antiterrorista PENA DE MORTE
foram julgados por acusações referentes A pena de morte continuou em vigor para
ao exercício legítimo de sua liberdade uma ampla gama de delitos. Não havia
de expressão e de outros direitos. Os informações disponíveis sobre as sentenças
réus julgados pelos tribunais militares de de morte proferidas ou as execuções levadas
campanha, muitos dos quais eram civis, não a cabo durante o ano.
tiveram direito a advogado e tiveram que
responder a juízes que eram militares da
ativa. Tampouco tiveram a oportunidade de

SUDÃO DO SUL
recorrer de sua sentença.
Segundo informações surgidas em
setembro, Faten Rajab Fawaz, médica e
ativista pacífica em favor de reformas, que República do Sudão do Sul
havia sido presa por agentes do serviço de Chefe de Estado e de governo: Salva Kiir Mayardit
Inteligência da Força Aérea em dezembro de
2011 em Damasco, seria julgada perante um
tribunal militar de campanha por acusações O conflito armado interno que irrompeu
desconhecidas. Depois de presa, ela foi no Sudão do Sul em dezembro de 2013
mantida em diversas unidades de detenção, resultou em dezenas de milhares de mortes
às vezes em regime de isolamento por vários e na destruição de cidades inteiras. Cerca
meses seguidos, quando teria sido torturada de 1,4 milhão de pessoas foram deslocadas
e submetida a maus-tratos. internamente e outras 500 mil fugiram para
Mazen Darwish, Hani al-Zitani e Hussein países vizinhos. Estima-se que 4 milhões de
Gharir, ativistas da organização independente pessoas corriam sério risco de insegurança
Centro Sírio para os Meios de Comunicação alimentar, com a ONU alertando
e a Liberdade de Expressão, foram acusados reiteradamente para o agravamento da
de “divulgar atos terroristas” e podiam ser crise humanitária e a possibilidade de
condenados a penas de 15 anos de prisão. fome se o conflito continuasse. Apesar de
Eles foram presos quando agentes do serviço um acordo para cessar as hostilidades, em

216 Anistia Internacional – Informe 2014/15


janeiro de 2014, e dos esforços contínuos novembro, os chefes de Estado da IGAD
da Autoridade Intergovernamental para o emitiram uma resolução que concedia às
Desenvolvimento (IGAD) para negociar uma partes beligerantes quinze dias para consultar
solução política do conflito, os confrontos seus eleitorados sobre a estrutura de um
continuaram ao longo de 2014. O conflito governo de transição. A resolução voltou a
se caracterizou pelo total desrespeito aos engajar as partes no término de todas as
direitos humanos e ao direito internacional hostilidades, e previu que novas violações do
humanitário, e não houve prestação de acordo de encerrar do conflito resultariam
contas pelos abusos cometidos durante as no congelamento de bens, no banimento de
hostilidades. viagens e num embargo de armas. Os líderes
da IGAD autorizaram também que a região da
INFORMAÇÕES GERAIS IGAD interviesse diretamente no Sudão do Sul
Em 15 de dezembro de 2013, uma disputa para proteger a vida e restaurar a paz.
política dentro do partido governista do Sudão Em 24 de dezembro de 2013, o Conselho
do Sul, o Movimento Popular de Libertação de Segurança da ONU aprovou um aumento
do Sudão (SPLM), se transformou num na força militar da Missão das Nações
confronto armado em Juba entre as forças Unidas no Sudão do Sul (UNMISS) para
leais ao presidente Kiir e aquelas leais ao 12.500 soldados e um aumento na força
ex-vice-presidente Riek Machar. Até o fim de policial da missão para um máximo de 1.323
2013, a violência havia se espalhado para os policiais. Em maio de 2014, o Conselho de
estados de Jonglei, Unity e Alto Nilo. Segurança revisou o mandato da UNMISS
A IGAD, uma organização regional do Leste para que se centrasse na proteção de civis,
Africano composta por oito países, começou no monitoramento e investigação dos direitos
a mediação entre o governo do Sudão do Sul humanos, na criação de condições para a
e o Exército Popular de Libertação do Sudão/ prestação de assistência humanitária e no
Movimento Oposicionista (SPLA/M-IO), em suporte à aplicação do acordo de cessação
janeiro de 2014. As partes assinaram um das hostilidades.
acordo de cessar-fogo em 23 de janeiro, Uma Comissão de Inquérito foi criada pela
mas este foi violado quase em seguida à UA em março de 2014, mas seu relatório
assinatura. Posteriormente, as partes se final ainda não havia sido divulgado ao
comprometeram novamente com a cessação público até o fim do ano. O Conselho de Paz
das hostilidades em 5 de maio, e assinaram e Segurança (PSC) da UA reiteradamente
um acordo para resolver a crise em 9 de condenou a morte de civis e as violações do
maio, mas o conflito prosseguiu. acordo de interrupção de hostilidades de 23
Em junho, a participação nas negociações de janeiro por ambas as partes envolvidas no
da IGAD foi ampliada para abranger outras conflito. O PSC da UA também indicou sua
partes interessadas. Entre elas estavam prontidão, por recomendação da IGAD, para
diversos líderes do SPLM que foram detidos implementar sanções direcionadas e outras
em dezembro, acusados de participar de uma medidas contra qualquer parte que minasse
tentativa de golpe. Sete foram libertados no a busca de uma solução para o confronto.
fim de janeiro, enquanto outros quatro foram
julgados por traição, mas libertados no fim CONFLITO ARMADO INTERNO
de abril, após o governo retirar as acusações Tanto as forças do governo quanto da
contra eles. Delegados da sociedade civil, oposição demonstraram desrespeito pelo
partidos políticos e grupos religiosos também direito internacional humanitário. Outros
participaram das negociações. grupos armados, como o Exército Branco,
A IGAD prosseguiu com seus esforços aliado da oposição, e o Movimento pela
para alcançar um acordo político. Em 8 de Justiça e Igualdade (JEM) sudanês, que luta

Anistia Internacional – Informe 2014/15 217


em nome do governo, também cometeram lojas de alimentos e ajuda humanitária.
violações do direito internacional humanitário. Pilhagem e destruição deixaram Bor, Bentiu,
Nos dias que se seguiram à eclosão da Malakal e diversas outras cidades devastadas.
violência em Juba, os soldados do governo O UNICEF estima que as partes envolvidas
elegeram como alvo e mataram pessoas com no conflito recrutaram aproximadamente
base em sua etnia e suposta afiliação política. 9 mil crianças para servir em forças e
Centenas de civis nuer e soldados do governo grupos armados.
que haviam sido capturados e desarmados, Civis foram feridos, sequestrados e mortos
ou de outra forma tirados de combate, foram dentro ou nas imediações das bases da ONU.
executados, principalmente por membros Em 19 de dezembro, cerca de 2 mil jovens
dinka das forças armadas. Muitos nuer foram armados cercaram a base da UNMISS em
mortos dentro ou perto de suas casas. Alguns Akobo, no estado de Jonglei, e abriram fogo,
homens foram retirados de suas residências matando dois soldados da força de paz e um
ou capturados na rua, levados embora e número estimado de 20 civis que haviam
mais tarde mortos em outros locais. Em um buscado refúgio no local. Em 17 de abril,
incidente, mais de 300 pessoas foram mortas houve um assalto armado à base da UNMISS
dentro de um prédio da polícia em Gudele. em Bor, durante o qual mais de 50 pessoas
As partes envolvidas no conflito atacaram desalojadas internamente foram mortas.
civis que se abrigavam em hospitais e locais A obstrução à assistência humanitária
de culto. Por exemplo, após as forças do dificultou enormemente o acesso dos civis
governo retomarem o controle da cidade a uma ajuda vital. As partes envolvidas no
de Bor, em 18 de janeiro, os corpos de 18 conflito também atacaram funcionários
mulheres, todas dinka, foram encontrados da ONU e trabalhadores humanitários.
dentro e no entorno do complexo da Catedral Membros da Força de Defesa Mabanese,
de St. Andrew. Acredita-se que elas tenham uma milícia aliada ao governo, mataram
sido vítimas de um ataque das forças da cinco trabalhadores humanitários da etnia
oposição. Os restos mortais de 15 homens e nuer em agosto. Continuou desconhecido o
mulheres foram encontrados no hospital de paradeiro de dois funcionários nuer da ONU
Bor. Quando forças da oposição atacaram sequestrados em outubro por forças do líder
Malakal pela terceira vez, em meados de da milícia Shilluk, Johnson Olony, aliada ao
fevereiro, elegeram como alvo o hospital- governo. Em setembro, um helicóptero da
escola de Malakal, onde civis haviam antes UNMISS foi abatido a tiros, matando três
encontrado abrigo seguro. Várias pessoas membros de sua tripulação.
foram mortas a tiros.
A violência sexual relacionada ao conflito LIBERDADE DE EXPRESSÃO
foi generalizada, inclusive com casos de As autoridades, especialmente o Serviço
estupro coletivo, de mulheres grávidas de Segurança Nacional (NSS), assediaram
com o ventre cortado e de mulheres sendo e intimidaram jornalistas e defensores
estupradas com varas de madeira ou garrafas dos direitos humanos. O NSS convocou
de plástico1. Pelo menos quatro meninas que jornalistas para interrogatório, deteve alguns
estavam na Igreja de Cristo Rei, em Malakal, arbitrariamente e ordenou que vários
foram sequestradas por forças da oposição deixassem o país.
na noite de 25 de fevereiro e estupradas nas Em março, o NSS ordenou que o jornal de
proximidades. língua árabe Almajhar Alsayasy deixasse de
Forças do governo e da oposição ser publicado por causa de sua descrição da
queimaram casas, avariaram e destruíram origem do conflito e por entrevistar políticos
instalações médicas e saquearam instituições críticos ao governo.
públicas e propriedades privadas, bem como

218 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Em junho, oficiais do NSS contataram haviam sido acusados nem apresentados a
editores de diversos jornais e os instruíram a uma autoridade legal competente.
parar de publicar artigos que discutissem o O conflito armado interno agravou
sistema federal de governo. Em 2 de julho, problemas preexistentes no sistema de
oficiais do NSS foram aos escritórios do Juba justiça, particularmente nos estados de
Monitor e apreenderam exemplares do jornal Jonglei, Unity e Alto Nilo. A capacidade
porque ele continha dois artigos de opinião da polícia e do Judiciário de impor a lei
sobre o federalismo. Cerca de 15 oficiais foi prejudicada pela militarização e pela
armados do NSS confiscaram todos os 3 mil deserção de muitos quadros policiais.
exemplares do jornal Citizen na manhã de 7 Representantes do Judiciário e do Ministério
de julho. da Justiça deixaram esses estados depois da
Em 1o de agosto, Deng Athuai Mawiir, eclosão da violência, e não haviam retornado
presidente em exercício da Aliança aos seus postos até o fim de 2014.
da Sociedade Civil do Sudão do Sul e
membro da delegação da sociedade FALTA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
civil nas negociações de paz mediadas O governo não conduziu investigações
pela IGAD, foi baleado na coxa por um imediatas, completas, imparciais e
atirador desconhecido. Enquanto o autor independentes com a finalidade de julgar
e o motivo do ataque permaneceram e atribuir responsabilidade a indivíduos
desconhecidos, esse incidente contribuiu suspeitos de crimes contra o direito
para um clima de medo entre ativistas da internacional e de graves violações dos
sociedade civil, jornalistas e defensores dos direitos humanos.
direitos humanos2. O Presidente Kiir criou um comitê para
investigar abusos dos direitos humanos
SISTEMA DE JUSTIÇA supostamente cometidos durante uma
Devido a suas fragilidades, o sistema de tentativa de golpe em 15 de dezembro de
justiça penal não costumava garantir a 2013. Os oito membros do comitê foram
responsabilização dos perpetradores de selecionados pelo gabinete do Presidente,
violações de direitos humanos. Entre essas suas atividades foram financiadas pela
deficiências estavam sua pouca capacidade Presidência e o comitê foi orientado a
técnica para métodos investigativos, a reportar-se diretamente ao presidente.
falta de peritos forenses, a interferência Nenhum relatório ou atualização sobre suas
ou a resistência por parte dos serviços conclusões haviam sido divulgados ao público
de segurança e do governo, e a falta de até o fim de 2014.
programas de apoio às vítimas e proteção de O SPLA estabeleceu dois comitês
testemunhas. investigativos no fim de dezembro de 2013.
O sistema de justiça também não garantiu Em fevereiro de 2014, o SPLA anunciou que
os devidos processos legais e julgamentos aproximadamente 100 pessoas haviam sido
justos. Violações dos direitos humanos presas em consequência das investigações.
comuns incluíam prisões e detenções No entanto, todas fugiram em 5 de março
arbitrárias, prisões preventivas prolongadas e durante um tiroteio entre soldados no quartel
incapacidade de assegurar o direito de uma militar de Giyada, em Juba, onde estavam
pessoa acusada a um advogado. detidas. Em novembro, o SPLA anunciou que
Em agosto, dois funcionários da duas pessoas haviam sido presas novamente
UNMISS foram presos pelo NSS em Wau e por seu papel nas violações cometidas
transportados para Juba. No fim do ano, eles em dezembro. Nenhuma informação foi
permaneciam detidos na sede do NSS e não divulgada sobre suas identidades ou as
acusações contra elas.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 219


Em 30 de dezembro de 2013, o Conselho de direitos humanos, bem como diversos
de Paz e Segurança da UA solicitou a membros do Parlamento, pediram que o
criação de uma Comissão de Inquérito da Presidente Kiir se recusasse a aprovar o
UA sobre as violações e abusos de direitos projeto de lei e o devolvesse ao Parlamento
humanos cometidos durante o conflito para revisões3.
armado no Sudão do Sul. Seu mandato Um anteprojeto de Lei sobre Organizações
incluiu recomendar medidas para garantir Não Governamentais, que restringiria o
a prestação de contas e a reconciliação. direito à liberdade de associação, estava
Os membros da Comissão, chefiada pelo sendo considerado pelo Parlamento. O
ex-presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, projeto tornaria obrigatório o registro,
foram empossados em março de 2014. Em proibiria as ONGs de operar sem se registrar
seu relatório preliminar de junho, a Comissão e criminalizaria as atividades voluntárias
de Inquérito disse ainda não estar em posição realizadas sem um certificado de registro.
de determinar se haviam sido cometidos A estrutura jurídica nacional não definiu
crimes contra o direito internacional. A nem sancionou crimes contra o direito
Comissão de Inquérito apresentou seu internacional, como crimes contra a
relatório final à Comissão da UA em outubro, humanidade e genocídio. Também não
mas não havia sido divulgado ao público até definiu ou criminalizou a tortura. Além
o fim do ano. disso, não estabeleceu responsabilidade
superior ou de comando como uma forma de
MUDANÇAS LEGAIS responsabilidade por crimes contra o direito
O Sudão do Sul não tomou parte de nenhum internacional.
dos principais tratados internacionais e
regionais de direitos humanos. Ainda que o
Parlamento tenha votado por ratificar diversos 1. Nowhere safe: Civilians under attack in South Sudan (AFR

tratados e o Presidente Kiir tenha assinado 65/003/2014)

seus instrumentos de adesão, o governo não www.amnesty.org/en/library/asset/AFR65/003/2014/en/89dfe37e-

depositou formalmente esses documentos 3c3c-465b-b49a-ba3abaec3a91/afr650032014en.html.

na UA ou na ONU. Os tratados foram: a 2. South Sudan: Investigate shooting of civil society leader (AFR

Carta Africana dos Direitos Humanos e dos 65/008/2014)

Povos; a Convenção que Rege os Aspectos www.amnesty.org/en/library/asset/AFR65/008/2014/en/14d8fac1-

Específicos dos Problemas dos Refugiados na d9e6-494f-be31-f3a5476f1f73/afr650082014en.html.

África; a Convenção da ONU sobre os Direitos 3. Comments on the 8 October Draft Security Bill, Amnesty International,

da Criança; a Convenção da ONU Contra Community Empowerment for Progress Organisation (CEPO), The

a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Enough Project, Human Rights Watch, South Sudan Action Network on

Cruéis, Desumanos ou Degradantes; e a Small Arms, Redress (AFR 65/013/2014)

Convenção da ONU para a Eliminação de www.amnesty.org/en/library/asset/AFR65/013/2014/en/167e0a88-

Todas as Formas de Discriminação contra 6009-4dd1-8554-9ab3b0e83b3d/afr650132014en.pdf.

a Mulher.
Um projeto de Lei sobre o Serviço
de Segurança Nacional foi aprovado no
Parlamento em 8 de outubro, e esperava
aprovação presidencial em dezembro de
2014. O projeto concede ao NSS amplos
poderes, como o de prender e deter, sem
provisões adequadas para sua supervisão
independente nem salvaguardas contra
abusos. Defensores nacionais e internacionais

220 Anistia Internacional – Informe 2014/15


TAILÂNDIA Os líderes do golpe formaram o Conselho
Nacional pela Paz e a Ordem (NCPO) e
anunciaram um processo e um roteiro de
Reino da Tailândia reforma, sem datas definidas para eleições.
Chefe de Estado: Rei Bhumibol Adulyadej Depois da promulgação de uma Constituição
Chefe de governo: Prayuth Chan-ocha (sucedeu interina em julho, o NCPO selecionou uma
Niwattumrong Boonsongpaisan em maio, que legislatura que, em agosto, elegeu como
sucedeu Yingluck Shinawatra em maio) primeiro-ministro o líder do NCPO, general
Prayuth Chan-ocha .1

Tensões políticas prevaleceram ao longo CONFLITO ARMADO INTERNO


do ano e a proteção aos direitos humanos A violência armada continuou nas três
enfraqueceu. A violência armada continuou províncias do sul, Pattani, Yala, Narathiwat, e
nas províncias da fronteira sul. As em partes de Songkhla.
liberdades de expressão, de associação Forças de segurança foram implicadas
e de reunião pacífica foram severamente em homicídios ilegais, tortura e outros
limitadas, levando à prisão arbitrária de maus-tratos. Em novembro, as autoridades
muitas pessoas, algumas das quais se anunciaram o fornecimento de 2.700 fuzis
tornaram prisioneiras de consciência. de assalto semiautomáticos para civis
paramilitares.
INFORMAÇÕES GERAIS Acredita-se que ataques visando civis
Um impasse politico entre o governo e tenham sido realizados por grupos armados
manifestantes dominou os primeiros cinco ao longo do ano, incluindo o bombardeio de
meses do ano. O Exército realizou um golpe lugares públicos. Entre os 162 civis mortos
de Estado em maio. A lei marcial continuava estavam 42 servidores e 9 professores de
vigente no fim do ano. escolas públicas. Em diversas ocasiões,
O Comitê de Reforma Democrática do Povo os agressores mutilaram os corpos,
(PDRC), chefiado pelo ex-vice primeiro- queimando-os e decapitando-os. Notas
ministro democrata, liderou protestos deixadas na cena de diversos ataques
de massa pedindo que o governo fosse apresentaram os assassinatos como atos de
substituído por um conselho popular para retaliação pelas mortes e prisões praticadas
implementar reformas políticas. Em março, O pelo governo ou pelas forças paramilitares.
Tribunal Constitucional considerou as eleições Em novembro, nas três províncias, surgiram
antecipadas de fevereiro inválidas. O partido faixas criticando as políticas oficiais e
democrático da oposição tinha boicotado ameaçando com mais assassinatos de civis,
as eleições em fevereiro e manifestantes de burocratas e de professores budistas. Em
do PDRC impediram milhares de eleitores outubro, seis escolas na província de Pattani
de votar, bloqueando as urnas. Em maio, foram destruídas em ataques incendiários.
o Tribunal Constitucional ordenou que Dois paramilitares patrocinados pelo
a primeira-ministra Yingluck Shinawatra governo admitiram ter matado três meninos
renunciasse, e a Comissão Nacional malaios muçulmanos de 6, 9 e 11 anos,
Anticorrupção votou pelo impeachment dela além de ter ferido seu pai e sua mãe
no dia seguinte. grávida, em um ataque à casa da família em
Em 20 de maio, o comandante-em-chefe Bacho, Narathiwat, em fevereiro. Um dos
das forças armadas invocou a lei marcial e paramilitares disse que realizou o ataque
tomou controle do país num golpe militar devido à falta de progresso nas investigações
em 22 de maio, suspendendo todas exceto do assassinato de seu irmão e de sua
algumas provisões da Constituição de 2007. cunhada em agosto de 2013, em que o pai

Anistia Internacional – Informe 2014/15 221


das crianças mortas, suspeito de ser um treinamento militar em 2011 concordaram
rebelde, estava implicado. com uma indenização de aproximadamente 7
Entre janeiro e maio, conflitos esporádicos milhões de bahts (cerca de 215 mil dólares).
entre apoiadores do governo e o PDRC, bem O soldado Wichean Puaksom morreu devido
como ataques com armas e explosivos contra às torturas que sofreu após ter se ausentado
manifestações, deixaram 28 pessoas mortas sem autorização.
e 825 feridas.2 Ataques por indivíduos não
identificados contra políticos e comentadores DESAPARECIMENTOS FORÇADOS
políticos de destaque, cometidos por ambos Em abril, acredita-se que o ambientalista
os lados, também foram realizados. Pholachi Rakchongcharoen tenha sido
Suthin Tarathin, um conhecido ativista submetido a desaparecimento forçado
antigoverno, foi morto a tiros em 26 de janeiro por buscar reparação para as violações de
quando participava de uma passeata com direitos humanos cometidas no Parque
manifestantes contrários ao governo para Nacional Kaengkrachan, na província de
impedir a realização de eleições antecipadas Petchaburi. Ele foi visto pela última vez em 17
no distrito de Bang Na, na capital, Bangkok. de abril, sendo preso e mantido em custódia
A casa de Somsak Jeamteerasakul, pelo chefe do Parque Nacional e por outros
professor de história conhecido por seus três funcionários do parque.
comentários sobre a lei de lesa-majestade da
Tailândia, foi agredido por desconhecidos que LIBERDADE DE EXPRESSÃO
atiraram e jogaram bombas caseiras contra E DE REUNIÃO
sua casa e seu carro em 12 de fevereiro. Ordens da lei marcial impostas depois
do golpe de maio continuaram vigorando
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS no fim do ano. As liberdades de reunião
As denúncias de tortura e outros maus-tratos pacífica e de expressão foram severamente
cometidos pela polícia e pelas forças armadas limitadas, inclusive com a proibição de
continuaram ao longo do ano, inclusive reuniões “políticas” com mais de cinco
durante a detenção incomunicável com base pessoas. Após o golpe, as autoridades
na lei marcial. Durante a primeira metade do bloquearam e fecharam sites e estações de
ano, houve denúncias de atos semelhantes rádio comunitárias por semanas ou meses, e
praticados por guardas do PDRC contra emitiram ordens censurando críticas da mídia
manifestantes políticos. ao NCPO.
Uma lei criminalizando a tortura e os Nas semanas seguintes ao golpe, os
desaparecimentos forçados continuava em manifestantes foram processados em
forma de projeto no fim do ano. tribunais militares por atos pacíficos de
Em maio, o Comitê da ONU contra Tortura protesto, como fazer a saudação de três
expressou preocupação com as denúncias dedos popularizada pelos filmes Jogos
consistentes e disseminadas de tortura e Vorazes. Prisões de dissidentes pacíficos
outros maus-tratos no país, e com a falta de continuaram ao longo do ano, Depois do
mecanismos adequados de reparação.3 golpe, as autoridades seguiram limitando e
Em 24 de fevereiro, o guarda de cancelando reuniões e seminários privados,
segurança Yuem Nillar disse que foi detido públicos e acadêmicos, por meio da prisão
por cinco dias num local de concentração dos participantes e exigindo que indivíduos
de manifestantes, onde dois seguranças do e organizações obtivessem aprovação oficial
PDRC o amarraram, privaram de comida e com antecedência.
espancaram antes de jogá-lo em um rio.
Em fevereiro, os parentes de um soldado
espancado até a morte durante um

222 Anistia Internacional – Informe 2014/15


PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS deu imunidade penal ao NCPO e a seus
Centenas de pessoas foram submetidas a agentes por violações dos direitos humanos.
prisão e detenção arbitrária com base na a Em 28 de agosto, o Tribunal Penal
lei marcial, inclusive políticos, acadêmicos, rejeitou acusações de assassinato contra o
jornalistas e ativistas. A maioria foi detida ex-primeiro-ministro Abhisit Vejjajiva e seu
por até 7 dias sem acusação ou julgamento vice, Suthep Thaugsuban, pela morte de
depois de ter recebido ordens públicas para manifestantes em 2010. O Tribunal declarou
se apresentar às autoridades militares. Muitos que não tinha competência sobre o caso.
foram condenados por delitos criminais por
não terem se apresentado. A maioria dos DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS
convocados foi forçada a assinar declarações As amplas restrições impostas à liberdade de
prometendo não se engajar em atividades expressão e a outros direitos humanos pela
políticas, como condição para a libertação. lei marcial limitaram severamente o trabalho
No fim do ano, as autoridades continuaram dos defensores dos direitos humanos.
exigindo que estudantes, advogados e Muitos sofreram violações em razão de suas
ativistas da sociedade civil se apresentassem atividades legítimas, como desaparecimentos
individualmente e assinassem essas forçados, mortes, ataques,6 e prisões e
declarações. processos arbitrários.
Prisões, acusações e detenções por atos Em maio, o Exército Real Tailandês
de expressão pacífica criminalizados sob apresentou uma queixa contra Pornpen
o artigo 112 do Código Penal – a lei de Khongkachonkiet e sua Fundação
lesa-majestade da Tailândia – aumentaram Intercultural por “prejudicar a reputação” da
dramaticamente depois do golpe de maio; Unidade Paramilitar 41 de Taharn Pran, na
houve pelo menos 28 novas prisões e 8 província de Yala, ao pedir uma investigação
condenações. Os detidos por lesa-majestade sobre uma denúncia de agressão física.
foram privados do direito a pagamento
de fiança durante a detenção provisória e TRÁFICO DE PESSOAS
durante o processo de apelações após a Em junho, a Tailândia foi rebaixada no
condenação.4 relatório anual sobre tráfico de pessoas
Pornthip Mankong e Patiwat Saraiyam do Departamento de Estado dos EUA, por
foram detidos em agosto e acusados de lesa- não lidar adequadamente com o tráfico
majestade por organizar e atuar em uma peça persistente e disseminado de pessoas para
teatral na Universidade de Thammasat em trabalhos forçados e exploração sexual.
outubro de 2013. Ao longo do ano, centenas de pessoas,
como os rohingya de Mianmar, foram
JULGAMENTOS INJUSTOS resgatadas de campos onde tinham sido
O NCPO expandiu a competência dos mantidas por traficantes em condições
tribunais militares para permitir que civis precárias por até seis meses, sendo
fossem processados por desobedecer às submetidas a graves violências.
ordens do NCPO e por delitos contra a
monarquia e a segurança interna. Não se REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO
permitiam recursos. Na ausência de proteção legal ao direito
de asilo, refugiados e requerentes de asilo
IMPUNIDADE corriam risco de prisão, detenção arbitrária
Não houve progressos significativos para e indefinida, deportação como imigrantes
combater a impunidade oficial generalizada ilegais e possível devolução.
por violações dos direitos humanos.5 A Os imigrantes detidos, inclusive os
Constituição interina proclamada em julho refugiados reconhecidos pelo ACNUR, o

Anistia Internacional – Informe 2014/15 223


órgão da ONU para refugiados, continuaram 5. Thailand: Alleged torture victim denied redress ( Press release )

sendo mantidos em condições precárias em www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/thailand-alleged-

instalação impróprias para acomodação de torture-victim-denied-redress-2014-10-13 Thailand : 10 years

longo prazo. on , find truth and justice for family of Somchai Neelapaijit (ASA

O temor a uma possível onda de repressão 39/001/2014 )

contra o trabalho ilegal levou cerca de 220 www.amnesty.org/en/library/info/ASA39/001/2014/en

mil trabalhadores migrantes, a maioria do 6. Thailand: Arbitrary detentions continue in Thailand (ASA

Camboja, a deixar o país em junho; muitos 39/008/2014)

retornaram posteriormente. www.amnesty.org/en/library/info/ASA39/008/2014/en Thailand:


Threats to the lives of village leaders (ASA 39/009/2014)

PENA DE MORTE www.amnesty.org/en/library/info/ASA39/009/2014/en

Sentenças de morte foram proferidas ao


longo do ano, mas não foram registradas
execuções. Continuava em vigor um projeto

TIMOR-LESTE
piloto aprovado em 2013 para remover as
algemas de presos do corredor da morte na
prisão de alta segurança Bang Kwang, em
Bangkok. No fim do ano, o projeto não tinha República Democrática do Timor-Leste
sido estendido a outros presos. Chefe de Estado: Taur Matan Ruak
Chefe de governo: Kay Rala Xanana Gusmão

1. Thailand: Attitude adjustment - 100 days under martial law (ASA


39/011/2014) Persistiu a impunidade pelas graves
www.amnesty.org/en/library/asset/ASA39/011/2014/en/aa43e6c9- violações de direitos humanos cometidas
f42e-4f45-8789-41cee8f2ff51/asa390112014en.html durante a ocupação indonésia (1975-1999).
2. Thailand: Investigate grenade attack on anti-government protesters As forças de segurança foram acusadas
( News story ) de maus-tratos e uso desnecessário ou
www.amnesty.org/en/news/thailand-investigate-grenade-attack-anti- excessivo da força. Os níveis de violência
government-protesters-2014-05-15 doméstica permaneceram elevados. O
3. Thailand : Submission to the UN Committee against Torture (ASA parlamento aprovou um lei restritiva para
39/003/2014) os meios de comunicação, posteriormente
www.amnesty.org/en/library/info/ASA39/003/2014/en considerada inconstitucional pelo Tribunal
4. Thailand: Free speech crackdown creating ‘spiral into silence’ ( Press de Recursos.
release )
www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/thailand-free-speech- INFORMAÇÕES GERAIS
crackdown-creating-spiral-silence-2014-12-09 Thailand: Release Em março, com uma resolução do
activist imprisoned for allegedly insulting the monarchy ( Press parlamento, dois grupos foram declarados
release ) ilegais por “tentativa de causar instabilidade”:
www.amnesty.org/en/articles/news/2014/09/thailand-release- o Conselho Revolucionário Maubere (KRM)
activist-imprisoned-allegedly-insulting-monarchy / Thailand: e o Conselho Popular Democrático da
Anniversary of activist’s arrest a reminder of precarious state of República Democrática de Timor-Leste (CPD-
freedom of expression (ASA 39/005/2014 ) RDTL). Dois de seus líderes foram citados
www.amnesty.org/en/library/info/ASA39/005/2014/en criminalmente e aguardavam julgamento.

IMPUNIDADE
Houve pouco progresso em lidar com os
crimes contra a humanidade e outras
violações dos direitos humanos cometidas

224 Anistia Internacional – Informe 2014/15


pelas forças de segurança indonésias e Em outubro, o governo e o Parlamento
seus auxiliares entre 1975 e 1999. Muitos de Timor-Leste rescindiram arbitrariamente
supostos perpetradores continuaram em os contratos de funcionários e assessores
liberdade na Indonésia, onde não corriam jurídicos estrangeiros, motivando sérias
risco de ser processados.1 preocupações com a independência judicial
Em agosto, o Tribunal de Recursos e afetando negativamente as vítimas e seu
manteve a sentença de um ex-integrante da direito a um recurso judicial efetivo.2
milícia AHI (Aileu Hametin Integrasaun) preso
por crimes contra a humanidade cometidos DIREITOS DAS MULHERES
no distrito de Aileu na época do referendo A Lei contra a Violência Doméstica, de
pela independência de 1999 . 2010, continuou a ser usada para propor
O governo timorense não aplicou ações em casos de violência doméstica;
as recomendações da Comissão de porém, as vítimas que tentavam ter acesso
Acolhimento, Verdade e Reconciliação à Justiça ainda tinham que enfrentar muitas
(CAVR) e da Comissão da Verdade e da dificuldades. Segundo informações de ONGs,
Amizade (CVA) entre a Indonésia e o Timor- os tribunais tendiam a proferir sentenças com
Leste relativas à impunidade. O parlamento pena de prisão condicional ou multa, em vez
continuou protelando a apreciação de dois de penas privativas de liberdade.
projetos de lei que preveem um Programa
Nacional de Reparações e a criação de LIBERDADE DE EXPRESSÃO –
um “Instituto de Memória Pública”, orgão MEIOS DE COMUNICAÇÃO
que seria responsável por implementar as Em maio, o P arlamento apro vou uma Lei
recomendações da CAVR e da CVA, inclusive de Mídia que imporia severas restrições a
o programa de reparações. Uma comissão jornalistas e à liberdade de expressão. Em
para examinar os desaparecimentos forçados, agosto, o Tribunal de Recursos considerou
conforme recomendado pela CVA, não havia a lei inconstitucional e d evolveu-a para
sido criada até o fim do ano. Iniciativas reapreciação do P arlamento. 3 Em
conjuntas tomadas com o governo indonésio dezembro, o Presidente aprovou uma lei
para reunir crianças que foram separadas revisada que eliminava algumas restrições.
de suas famílias em 1999 careceram de
transparência e de consultas adequadas junto
à sociedade civil. 1. Timor-Leste/Indonesia: Governments must expedite establishing fate
of the disappeared

SISTEMA DE JUSTIÇA www.amnesty.org/en/library/asset/ASA57/001/2014/en/865d8509-

Prosseguiram as denúncias de maus- 6e47-4778-a573-8fbb633b9b7c/asa570012014en.pdf

tratos e uso desnecessário ou excessivo 2. Timor-Leste: Victims’ rights and independence of judiciary threatened

da força pelas forças de segurança. Os by arbitrary removal of judicial officers

mecanismos de prestação de contas www.amnesty.org/en/library/info/ASA57/003/2014/en

permaneceram fracos. 3. Timor-Leste: Unconstitutional media law threatens freedom of

Segundo informações, no mês de expression

março, as forças de segurança prenderam www.amnesty.org/en/library/asset/ASA57/002/2014/en/b24a55e6-

arbitrariamente e submeteram a maus-tratos 5eae-4ced-afd7-9158aac52adf/asa570022014en.pdf

dezenas de pessoas supostamente ligadas


aos grupos KRM e CPD-RDTL. Temia-se que
o governo pudesse ter infringido os direitos
à liberdade de associação e de expressão ao
recorrer ao parlamento, em vez dos tribunais,
para declarar essas organizações ilegais.

Anistia Internacional – Informe 2014/15 225


TURQUIA que tomariam providências contra Fethullah
Gülen e sua rede de apoiadores na polícia e
no judiciário.
República da Turquia Em abril, o Parlamento aprovou emendas
Chefe de Estado: Recep Tayyip Erdoğan (sucedeu legislativas concedendo à Agência Nacional
Abdullah Gül em agosto) de Inteligência (MIT) poderes de vigilância
Chefe de governo: Ahmet Davutoğlu (sucedeu extraordinários e quase total imunidade
Recep Tayyip Erdoğan em agosto) processual a seus agentes.
Em maio, 301 mineiros morreram em
consequência da explosão em uma mina de
Após os protestos do Parque Gezi, em carvão em Soma, no oeste da Turquia. Este
2013, e da ruptura com seu ex-aliado, mais recente desastre chamou atenção para
Fethullah Gülen, as autoridades começaram a questão da segurança industrial em um
a responder às críticas de forma autoritária. país cujo índice de mortes relacionadas ao
Minaram a independência do Judiciário, trabalho é um dos mais altos do mundo.
introduziram novas restrições à liberdade As condenações de militares por
na internet e concederam poderes inéditos conspiração para derrubar o governo do
ao serviço de inteligência do país. Os Partido AK, no caso “Marreta”, foram
direitos dos manifestantes pacíficos foram revogadas pelo Tribunal Constitucional, em
violados e os policiais gozaram de quase 18 de junho de 2014, e encaminhadas para
total impunidade pelo uso excessivo da novo julgamento. O processo “Ergenekon”,
força. Julgamentos injustos prosseguiram, contra civis acusados de conspirar para
principalmente com base na legislação derrubar o governo, ainda estava em
antiterrorista, mas o uso excessivo da andamento. Muitos dos réus foram liberados
detenção provisória e seu período de pelo fato de sua detenção ter excedido o
duração diminuíram. As autoridades período máximo de cinco anos. Outros foram
ignoraram os direitos dos objetores de soltos com base em decisões do Tribunal
consciência e de lésbicas, gays, bissexuais, Constitucional. Ações judiciais contra ativistas
transgêneros e intersexuais, além de não políticos curdos por suposta afiliação à União
tomarem as medidas necessárias para de Comunidades Curdas, ligada ao Partido
impedir a violência contra as mulheres. dos Trabalhadores Curdos (PKK), foram
No fim do ano, mais de 1,6 milhão de instauradas em todo o país, mas muitos dos
refugiados sírios viviam na Turquia, muitos réus foram liberados da detenção provisória.
em situação de desamparo. Em agosto, o primeiro-ministro em
exercício tornou-se o primeiro presidente
INFORMAÇÕES GERAIS da Turquia a ser eleito por sufrágio direito,
As autoridades se empenharam em aniquilar conferindo ao cargo muito mais poder e
uma investigação criminal sobre suspeitas influência na prática, mesmo que não na lei.
de corrupção no círculo íntimo do Primeiro Em outubro, 49 pessoas que foram feitas
Ministro Erdoğan, a qual veio a público em 17 reféns no consulado da Turquia em Mossul,
de dezembro de 2013. Policiais e promotores no Iraque, foram libertadas pelo grupo
que trabalhavam no caso foram transferidos armado Estado Islâmico após três meses
para outras funções. A investigação foi cativas. O governo se recusou a revelar o que
encerrada oficialmente pelos promotores foi oferecido ao grupo. Aventou-se que 180
em 16 de outubro de 2014. O governo indivíduos presos na Turquia foram soltos em
classificou a investigação como um golpe troca da libertação dos reféns.
da parte de apoiadores do influente clérigo O processo de paz estabelecido há
Fethullah Gülen. As autoridades declararam dois anos entre as autoridades e o PKK

226 Anistia Internacional – Informe 2014/15


prosseguiu, embora parecesse mais abalado LIBERDADE DE REUNIÃO
do que nunca, em função dos confrontos Os direitos de manifestantes pacíficos foram
armados, dos efeitos dos conflitos na negados pelas autoridades, que proibiram,
Síria e no Iraque e da falta de quaisquer impediram ou dispersaram protestos com
avanços concretos. uso de força excessiva, desnecessária e
frequentemente punitiva por parte dos
LIBERDADE DE EXPRESSÃO policiais. Pessoas que participassem de
Processos penais que ameaçam a liberdade manifestações consideradas ilegais pelas
de expressão continuaram sendo usados autoridades corriam o risco de sofrer
contra jornalistas, ativistas e outras vozes processos, geralmente com base em
divergentes, apesar da adoção, em 2013, acusações forjadas de conduta violenta. A
de emendas legislativas visando a melhorar restritiva Lei sobre Manifestações e Reuniões
a legislação. Paralelamente às disposições continuou sendo um obstáculo à liberdade
antiterroristas, também foram usadas leis de reunião pacífica, apesar das emendas
sobre difamação e a provocação do ódio superficiais feitas em março. A lei impunha
religioso. A independência dos grandes meios restrições injustas ao horário e local das
de comunicação continuou sendo minada reuniões, ao mesmo tempo em que exigia
por seus estreitos vínculos empresariais dos organizadores notificações demasiado
com o governo. Jornalistas de caráter mais onerosas e descartava qualquer possibilidade
independente foram forçados a deixar de manifestações espontâneas.
seus empregos por editores que temiam No dia 1º de maio, 39 mil policiais e 50
desagradar o governo ou os proprietários veículos equipados com canhões de água
dos meios de comunicação. Cláusulas de foram usados para impedir que sindicalistas
silêncio da lei de imprensa foram usadas e outras pessoas fizessem uma passeata
para impedir a divulgação de vários fatos de até a Praça Taksim, o local tradicional das
interesse jornalístico, como a captura de 49 comemorações do Dia do Trabalho. Há
reféns do consulado da Turquia em Mossul, muitos anos o 1º de Maio é comemorado
alegando-se “razões de segurança nacional”. na Praça Taksim. Em 2013 e 2014, as
Em março, o Parlamento aprovou comemorações foram proibidas, provocando
emendas draconianas à Lei de Internet, confrontos entre a polícia e os manifestantes
aumentando os poderes das autoridades que tentavam chegar até a praça. As
de proibir ou bloquear conteúdos e autoridades anunciaram que Taksim estaria
ameaçando a privacidade dos usuários. permanentemente interditada para grandes
Após as emendas, as autoridades fizeram manifestações. Em vez da praça, ofereceram
uso de ordens administrativas para bloquear dois outros locais fora da área central da
o acesso ao Twitter e ao YouTube, depois cidade onde as manifestações poderiam
que as redes sociais foram utilizadas para ocorrer. A mesma política foi replicada em
postar conteúdos incômodos ao governo no outras cidades da Turquia.
período que antecedeu as eleições locais Em junho, começou em Istambul
de março. Apesar das ordens judiciais o julgamento de integrantes do grupo
requerendo a suspensão da proibição, os Solidariedade a Taksim, entidade que
sites permaneceram bloqueados por duas reúne mais de 100 organizações, criado
semanas e dois meses, respectivamente, para contestar os planos de reurbanização
até o Tribunal Constitucional decidir que o do Parque Gezi e da Praça Taksim. Cinco
bloqueio deveria ser suspenso. membros proeminentes do grupo foram
acusados de “fundar uma organização
criminosa”, delito cuja pena pode chegar a
15 anos de prisão, enquanto todos os 26 réus

Anistia Internacional – Informe 2014/15 227


no caso foram acusados de “se recusarem pelas próprias unidades, sob a orientação
a se dispersar em uma manifestação de promotores que atuavam com escassos
não autorizada”, com base na Lei sobre recursos. Os departamentos policiais
Manifestações e Reuniões. O julgamento costumavam não oferecer às investigações os
prosseguia no fim do ano.1 mais básicos elementos de prova.
Nenhum processo foi aberto contra os seis
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS policiais que foram filmados com um celular
O número de casos de tortura registrados em espancando Hakan Yaman e o arrastando
locais oficias de detenção manteve-se menor até uma fogueira, próximo ao local de uma
que em anos anteriores. Mais de dois anos manifestação no Parque Gezi, em Istambul,
após a ratificação do Protocolo Facultativo em junho de 2013.2 Em consequência da
à Convenção da ONU contra a Tortura, o agressão, Hakan Yaman ficou cego de um
mecanismo de aplicação nacional requerido olho, sofreu queimaduras e fraturas nos
ainda não havia sido criado. A Instituição ossos, tendo que se submeter a seis cirurgias.
Nacional de Direitos Humanos fora designada No fim do ano, os departamentos de polícia
pelas autoridades para cumprir essa função; ainda não haviam fornecido à investigação
porém, faltavam-lhe as capacidades, os as imagens do local gravadas pelo circuito
recursos e as garantias de independência interno de televisão nem as fotos dos policiais
necessárias para cumprir esse papel. em serviço naquele horário. Uma investigação
administrativa conduzida em paralelo foi
USO EXCESSIVO DA FORÇA arquivada sem qualquer conclusão, sob
O uso excessivo e abusivo da força pelos legação de que os policiais não podiam
policiais durante manifestações, inclusive ser identificados, apesar de o número
lançando bombas de gás lacrimogêneo identificador do veículo com canhão de água
diretamente contra os manifestantes a curta que eles operavam ser claramente visível nas
distância, bem como o uso de canhões de imagens gravadas com celulares.
água e o espancamento de manifestantes Em outubro, mais de 40 pessoas foram
pacíficos continuaram sendo práticas mortas e dezenas ficaram feridas em uma
comuns. As diretrizes do Ministério do área de maioria curda no sudeste da Turquia,
Interior, introduzidas em junho e julho de em enfrentamentos entre grupos rivais e a
2013 para combater o uso excessivo e polícia. Os confrontos se deram no calor de
desnecessário da força, foram ignoradas em protestos que eclodiram contra um ataque
sua maior parte. do grupo armado Estado Islâmico à cidade
Em vários casos, a polícia utilizou curda de Kobani, na Síria. Surgiram inúmeras
munições reais durante manifestações, denúncias sobre falhas na condução de
provocando mortes e ferimentos. investigações diligentes na cena dos crimes
e no interrogatório de supostos perpetradores
IMPUNIDADE dos ataques contra grupos rivais.
As investigações acerca dos abusos Na cidade de Siirt, no dia 8 de outubro,
cometidos por agentes públicos Davut Naz morreu no local de um protesto
permaneceram ineficazes, e as chances pelos eventos em Kobani. O governador da
de que as vítimas obtivessem justiça província declarou que Davut Naz havia sido
continuaram remotas. Na ausência de um morto pelos manifestantes, em consequência
mecanismo independente para queixas de uma lesão no pescoço, ao passo que
sobre a polícia, há muito prometido e testemunhas oculares afirmaram que ele foi
jamais criado, coube às unidades de polícia atingido por tiros disparados pelos policiais
a responsabilidade efetiva por investigar com munição real. Sua família assegurou que
denúncias de supostos abusos cometidos o corpo apresentava três ferimentos de bala e

228 Anistia Internacional – Informe 2014/15


nenhuma lesão no pescoço. Não foi realizada projeto não possuíam títulos dos terrenos,
qualquer investigação na cena do crime e apesar de viverem no local por gerações.
o inquérito penal sobre o caso não havia
progredido até o fim do ano. VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
A aplicação da Lei de Proteção da Família
JULGAMENTOS INJUSTOS e Prevenção da Violência contra a Mulher,
Em julho, os tribunais com poderes de 2012, continuou inadequada, carente de
especiais para julgar casos de terrorismo recursos e ineficaz para lidar com a violência
e crime organizado foram abolidos por doméstica. Há informações de que várias
meio de emendas legislativas; porém, mulheres que estavam sob proteção judicial
pessoas acusadas de delitos relacionados foram assassinadas. O número de albergues
ao terrorismo ainda corriam o risco de ser para mulheres vítimas de violência doméstica
condenadas sem provas substanciais e permaneceu abaixo do requerido por lei.
convincentes em tribunais regulares. Em
2013, emendas legislativas impuseram REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO
um limite máximo de cinco anos para a No fim do ano, o governo calculava que
detenção provisória e introduziram proteções havia mais de 1,6 milhão de refugiados
mais robustas contra sua aplicação injusta, sírios no país. Em janeiro, eles somavam
medidas que apresentaram bons resultados, 700 mil. 3 A maior parte do ônus financeiro
fazendo que menos pessoas fossem detidas recaiu sobre as autoridades turcas, que
por menos tempo. tiveram pouca assistência da comunidade
A independência do Judiciário foi internacional. Mais de 220 mil pessoas foram
comprometida por mudanças no principal alojadas em campos de refugiados bem
órgão judicial do país, o Conselho Superior de equipados administrados pelo governo, mas
Juízes e Promotores, as quais concederam muitos dos 1,3 milhão de refugiados que
maiores poderes ao ministro da Justiça e viviam fora dos campos se encontravam em
permitiram a transferência de centenas de situação de desamparo e recebiam pouca ou
juízes e promotores. nenhuma assistência. Apesar de a Turquia
declarar uma “política de fronteiras abertas”,
DIREITO À MORADIA surgiram denúncias persistentes de uso
O governo central e os municípios controlados abusivo ou ilegal da força pelos guardas de
por todos os principais partidos políticos fronteira turcos em pontos de passagem
executaram projetos de transformação urbana não oficiais, inclusive com uso de munição
que não respeitaram o direito dos moradores real, espancamentos e devolução forçada de
à consulta adequada, à indenização ou à refugiados para a Síria, assolada pela guerra.
oferta de moradias alternativas. Aproximadamente 30 mil refugiados
Os moradores de Sarıgöl, um bairro curdos yazidis chegaram do Iraque em
carente de Istambul, com significativa agosto; porém, diferente dos sírios, não
população cigana, foram removidos à força lhes foi conferida “condição de proteção
de suas casas em razão de um projeto que temporária”, nem os direitos coletivos e
visava substituir as habitações precárias por outros decorrentes dessa condição. Os
blocos residenciais de alto padrão. O custo refugiados yazidis se somaram aos cerca
das novas residências era muito mais alto do de 100 mil requerentes de asilo de outros
que a maioria dos moradores podia pagar, países residentes na Turquia, que, na grande
e a indenização para os que perderam suas maioria, enfrentavam sérios atrasos no
casas foi inadequada. Muitas das famílias processamento de seus pedidos de asilo.
ameaçadas de ficar desabrigadas devido ao

Anistia Internacional – Informe 2014/15 229


OBJETORES DE CONSCIÊNCIA
A Turquia não reconheceu o direito de 1. Gezi Park protests: Brutal denial of the right to peaceful assembly in

objeção de consciência ao serviço militar, Turkey (EUR 44/022/2013)

apesar das decisões explícitas do Tribunal www.amnesty.org/en/library/info/EUR44/022/2013/en

Europeu de Direitos Humanos requerendo 2. Gezi Park protests: Brutal denial of the right to peaceful assembly in

esse reconhecimento. Ao invés disso, Turkey (EUR 44/022/2013)

as autoridades continuaram a processar www.amnesty.org/en/library/info/EUR44/022/2013/en

repetidamente os objetores de consciência 3. Struggling to survive: Refugees from Syria in Turkey (EUR

por “deserção” e outros delitos similares. 44/017/2014)

Em outubro, um tribunal militar condenou www.amnesty.org/en/library/info/EUR44/017/2014/en

o objetor de consciência Ali Fikri Işık, de


56 anos, por três acusações de deserção,
sentenciando-o a 25 meses de prisão
ou multa de 15.200 liras (US$6,725). A
“deserção” se referia a sua recusa, por razões UCRÂNIA
de consciência, a cumprir o serviço militar na
década de 1980. Aos 56 anos de idade, ele Ucrânia
não tinha mais condições de servir o exército Chefe de Estado: Petro Poroshenko (sucedeu
e já havia sido considerado “inapto para o Oleksandr Turchynov em junho, que sucedeu
serviço militar” pelas autoridades militares. Viktor Yanukovych em fevereiro)
No fim do ano, uma apelação estava Chefe de governo: Arseniy Yatsenyuk (sucedeu
pendente no Supremo Tribunal de Recursos. Mykola Azarov em fevereiro)

DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS,


BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS A violência resultante dos protestos,
E INTERSEXUAIS primeiro na capital, Kiev, e depois no leste
Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros da Ucrânia, levou a um conflito civil com
e intersexuais continuaram enfrentando o envolvimento da Rússia. As violações
discriminação no trabalho e nas interações cometidas pela polícia, como tortura e
com autoridades do Estado. Não houve outros maus-tratos, além do uso abusivo da
qualquer progresso no sentido de introduzir força durante manifestações, continuaram
na Constituição ou no direito nacional com a quase total impunidade dos
disposições que proíbam a discriminação perpetradores, ao passo que as investigações
com base na orientação sexual ou na desses incidentes permaneciam ineficazes.
identidade de gênero das pessoas. No Sequestros de pessoas seguiram sendo
decorrer do ano, foram registrados vários praticados, principalmente por paramilitares
assassinatos de mulheres transgênero. pró-russos na República Autônoma da
O julgamento pelo assassinato de Ahmet Crimeia ocupada e por ambas as partes
Yıldız, um homossexual morto em julho de beligerantes na região leste da Ucrânia
2008, no que se acredita ser um crime “de afetada pelo conflito. Ambos os lados
honra”, não fez qualquer progresso em 2014, violaram as leis da guerra. Na Crimeia,
enquanto seu pai, o único suspeito no caso, as restrições impostas pela Rússia aos
continuava em liberdade. As autoridades direitos à liberdade de expressão, reunião
não investigaram as ameaças de morte que e associação foram plenamente aplicadas,
Ahmet Yıldız vinha recebendo antes de ser e tanto os ativistas favoráveis à Ucrânia
assassinado, nem fizeram uma investigação quanto os membros da comunidade tártara
efetiva e sem demora após o crime. crimeia sofreram ataques dos paramilitares
e perseguição das autoridades de facto.

230 Anistia Internacional – Informe 2014/15


INFORMAÇÕES GERAIS de Donetsk, Luhansk e outros municípios
As manifestações pró-europeias em Kiev menores, tomando o controle efetivo de
(“EuroMaidan”) motivadas pela decisão grandes áreas de Donbass. No dia 15 de
do governo, em 2013, de não assinar abril, o governo anunciou o lançamento de
um Acordo de Associação com a União uma “operação antiterrorista”. A situação
Europeia, resultaram na queda do Presidente rapidamente escalou para um conflito
Yanukovych em 22 de fevereiro. Depois armado entre as forças do governo e os
de a polícia dispersar com violência uma grupos armados separatistas apoiados pela
manifestação inicialmente pacífica na noite de Rússia. As forças leais a Kiev fizeram avanços
29 de novembro de 2013, os manifestantes constantes até o fim de agosto, quando a
começaram a ficar cada vez mais radicais. Rússia intensificou seu envolvimento militar
Montaram acampamento na Praça da dissimulado na Ucrânia.1 Em setembro, em
Independência, no centro da cidade, e negociações na Bielorússia, um cessar-fogo
ocuparam diversos edifícios. Enquanto foi acordado entre as partes em conflito,
a maioria dos manifestantes permanecia mas os combates prosseguiram em escala
pacífica, a violência se intensificava nos reduzida e, no fim do ano, já haviam deixado
dois lados. Pelo menos 85 manifestantes e mais de 4.000 mortos. Depois que as
18 policiais morreram e centenas ficaram autoridades de facto em Donetsk e Luhansk
feridos em consequência direta da violência realizaram “eleições” em 2 de novembro,
da EuroMaidan (literalmente, "Europraça”) Kiev retirou sua oferta de devolução limitada
em Kiev. de autonomia para a região.
Quando Viktor Yanukovych deixou o país Eleições presidenciais e parlamentares
em segredo e um novo governo foi formado, antecipadas foram realizadas,
protestos cada vez mais violentos eclodiram respectivamente, nos dias 25 de maio e 26
na região de Donbass, no leste da Ucrânia, de outubro, levando novamente ao poder
onde a língua predominante é o russo. Na políticos e partidos pró-europeus. No dia
Crimeia, nas noites de 26 e 27 de fevereiro, 16 de setembro, o Parlamento Europeu e o
edifícios das autoridades locais foram ucraniano ratificaram o Acordo de Associação
ocupados por paramilitares armados que se com a União Europeia; porém, no fim do ano,
autodenominaram “forças de autodefesa”. o instrumento não havia sido ratificado por
Junto com integrantes das forças regulares todos os países membros da UE.
russas, eles bloquearam instalações militares
ucranianas em toda a península e, em 27 de IMPUNIDADE – EUROMAIDAN
fevereiro, na presença de homens armados, Os três meses de manifestações da
o Parlamento da Crimeia elegeu um novo EuroMaidan chamaram atenção para o
governo. Um “referendo” foi convocado para problema sistêmico da impunidade pelo
o dia 16 de março com o objetivo de decidir a uso abusivo da força, assim como pela
situação da Crimeia. Os participantes votaram tortura e outros maus-tratos de pessoas por
majoritariamente a favor da unificação com a agentes de aplicação da lei na Ucrânia. A
Rússia, enquanto os opositores boicotaram a primeira vez que a polícia de choque usou
votação. No dia 18 de março, as autoridades a força contra manifestantes totalmente
de fato da Crimeia firmaram um “tratado” pacíficos foi em 30 de novembro de 2013,
em Moscou, que resultou em sua anexação quando eles se recusaram a dispersar, o que
pela Rússia. resultou em dezenas de feridos e na breve
Em abril, os opositores armados no novo detenção de 35 manifestantes pacíficos
governo de Kiev haviam ocupado edifícios que foram acusados de vandalismo. Diante
do governo, inclusive a sede da polícia e da condenação generalizada da ação, as
dos serviços de segurança, nas cidades autoridades demitiram um oficial de alta

Anistia Internacional – Informe 2014/15 231


patente da polícia de Kiev e, segundo As vítimas de 20 casos de uso abusivo
informações, iniciaram processos penais, da força pela polícia durante o EuroMaidan,
que nunca foram concluídos, contra ele e monitorados pela Anistia Internacional, se
outros quatro policiais. Nas semanas e meses sentiam frustradas ou pela demora nas
seguintes, a polícia recorreu reiteradamente investigações ou pela falta de investigação de
ao uso abusivo da força, tanto na EuroMaidan suas denúncias, pelo fato de as autoridades
quanto ao efetuar prisões arbitrárias e tentar não terem identificado os responsáveis e
processar criminalmente os manifestantes.2 pelos problemas de comunicação com o
A partir de um certo momento, armas de Ministério Público.3
fogo com munições reais, inclusive fuzis para Em abril, o Conselho da Europa criou
francoatiradores, passaram a ser usadas um Grupo Consultivo Internacional sobre
nas manifestações. Não ficou claro, porém, a Ucrânia para revisar as investigações
que forças as utilizaram e sob ordem de referentes ao EuroMaidan. No fim do
quem elas agiram. O diretor do Serviço de ano, o grupo não havia informado sobre o
Segurança da Ucrânia (SBU) declarou em andamento das investigações.
novembro que 16 ex-policiais da tropa de
choque e cinco oficiais superiores do SBU SEQUESTROS, DESAPARECIMENTOS
haviam sido presos por envolvimento na E HOMICÍDIOS
morte de manifestantes em Kiev. Durante os protestos em Kiev, dezenas de
Após a queda de Viktor Yanukovych, ativistas da EuroMaidan desapareceram.
as novas autoridades se comprometeram Enquanto o destino de 20 deles seguia
publicamente a investigar e processar desconhecido no fim do ano, surgiram
efetivamente os responsáveis pelas mortes indícios de que alguns foram sequestrados
durante o EuroMaidan e por todos os e submetidos a maus-tratos. Em dezembro,
abusos cometidos contra os manifestantes. a Procuradoria Geral informou que 11
Entretanto, além do indiciamento de homens suspeitos de sequestrar ativistas da
ex-lideranças políticas de alto escalão, poucos EuroMaidan haviam sido presos e que vários
passos concretos foram dados nesse sentido, outros estavam sendo procurados. Nenhum
se é que realmente se efetivaram. deles era agente de aplicação da lei, embora
Somente dois agentes de aplicação da lei tenham supostamente obedecido ordens de
foram a julgamento pela prática de tortura e ex-oficiais graduados da polícia.
outros maus-tratos durante o EuroMaidan, Yury Verbytsky e Igor Lutsenko
ambos recrutas das tropas do Ministério do desapareceram do hospital no dia 21 de
Interior. Em 28 de maio, eles receberam janeiro. Igor Lutsenko contou que teve
penas condicionais de três e dois anos os olhos vendados e foi espancado pelos
de prisão, respectivamente por “abuso de captores, sendo depois largado em uma
autoridade ou de poderes oficias” (artigo 365 floresta com temperaturas negativas. Yury
do Código Penal), pelos maus-tratos a que Verbytsky foi encontrado morto em uma
submeteram Mykhaylo Havryliuk no dia 22 floresta, com as costelas quebradas e marcas
de janeiro de 2014. Imagens gravadas em de fita adesiva ao redor da cabeça.
vídeo mostram Mykhaylo Havryliuk sendo Sequestros e maus-tratos de cativos
forçado a ficar nu, em temperatura abaixo foram comuns na Crimeia ocupada pela
de zero, em frente a dezenas de policiais da Rússia e em áreas do leste da Ucrânia
tropa de choque e das tropas do Ministério do controladas pelos separatistas, afetando
Interior; muitos podem ser vistos ativamente centenas de pessoas. Entre os primeiros
humilhando ou obrigando Mykhaylo a posar alvos, estavam integrantes de governos
para fotografias antes de empurrá-lo para locais, ativistas políticos favoráveis à Ucrânia,
dentro de um ônibus. jornalistas e observadores internacionais.

232 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Em 23 de abril, durante uma coletiva de vangloriaram por ter executado indivíduos
imprensa, Vyacheslav Ponomarev, o então sequestrados por supostos crimes que
autoproclamado “prefeito popular” de teriam cometido, sendo que as autoridades
Slovyansk, admitiu que os separatistas separatistas de facto adotaram a “pena de
mantinham várias pessoas sob custódia morte” em seu “códio penal”.5
para usá-las como “moeda de troca”.
Posteriormente, centenas de cativos foram VIOLÊNCIA ENTRE COMUNIDADES
objeto de trocas entre o separatistas e Com as tensões que se criaram em
as autoridades ucranianas. Para outros, muitas regiões do país, manifestantes
foi exigido resgate particular. Sasha, um contrários e favoráveis às autoridades que
ativista pró-Kiev de 19 anos, foi sequestrado se estabeleceram depois de Yanukovych
por membros de um grupo armado em entraram em confronto várias vezes
Luhansk no dia 12 de junho. Espancado em diversas cidades, sem que a polícia
ininterruptamente por 24 horas e torturado interviesse ou tratasse efetivamente da
com choques elétricos, ele foi libertado violência resultante.
depois que seu pai, segundo informações, Em Odessa, durante os confrontos
pagou um resgate de 60 mil dólares. violentos ocorridos no dia 2 de maio, 48
Reiteradas denúncias de sequestro foram manifestantes contrários ao EuroMaidan
feitas contra integrantes das forças pró-Kiev, foram mortos e mais de 200 ficaram feridos
principalmente os chamados batalhões dentro de um edifício em chamas cercado
voluntários mobilizados para lutar junto às por seus adversários. A polícia não tomou
forças regulares em Donbass. Vários casos qualquer medida efetiva para prevenir ou
de abusos cometidos pelo batalhão de conter a violência. Várias investigações
Aidar foram documentados entre junho e criminais sobre os acontecimentos foram
agosto na região de Luhansk. Esses abusos abertas. Em novembro, tiveram início as
incluíam o sequestro de moradores locais primeiras audiências de um dos processos
acusados de colaborar com os separatistas e relativos a esses eventos contra 21 homens,
seu aprisionamento em centros de detenção todos eles ativistas pró-russos, que foram
improvisados, antes que fossem soltos acusados de perturbação pública e uso
ou entregues às forças de segurança. Em ilegal de armas de fogo e explosivos. O sigilo
quase todos os casos os sequestrados foram mantido em torno das investigações oficiais
espancados e tiveram seus pertences, como fez surgirem preocupações com sua eficácia
automóveis e outros bens, confiscados pelos e imparcialidade.
membros do batalhão, ou tiveram que pagar
resgate para serem libertados.4 CONFLITO ARMADO
O deputado Oleh Lyashko publicou na Até o fim do ano, mais de 4.000 pessoas
internet vários vídeos em que aparece haviam sido mortas no conflito no leste da
liderando um grupo de homens usando Ucrânia. Muitas mortes de civis resultaram
balaclavas, que apreendem, interrogam do uso indiscriminado da força por ambos os
e maltratam indivíduos que suspeitam lados, sobretudo em consequência do uso
colaborar com os separatistas. Não foi de foguetes e de projéteis de morteiros não
iniciada qualquer investigação sobre esses guiados em áreas civis.
atos. Em outubro, ele se elegeu novamente Nenhum dos lados tomou precauções
para o parlamento e seu partido passou a razoáveis para proteger a população civil, em
integrar a coalizão de governo. violação às leis da guerra.6 Ambas as partes
Havia evidências de execuções sumárias posicionaram tropas, armamentos e outros
cometidas por ambos os lados do conflito. alvos militares em zonas residenciais. Em
Vários comandantes separatistas se inúmeras ocasiões, as forças separatistas

Anistia Internacional – Informe 2014/15 233


usaram edifícios e áreas residenciais como nacionalidade ucraniana deveria notificar as
posições de fogo, enquanto as forças pró- autoridades.
Kiev devolviam fogo contra essas posições. As forças paramilitares que denominaram
Houve poucas indicações de que qualquer a si mesmas como de “autodefesa”
dos lados estivesse investigando seriamente cometeram grande número de abusos graves,
a ocorrência de supostas violações do direito como desaparecimentos forçados, com
internacional humanitário e possíveis crimes impunidade. O primeiro-ministro de facto
de guerra cometidos por suas forças. da Crimeia, Sergei Aksionov, afirmou que,
No dia 17 de julho, forças separatistas embora esses paramilitares carecessem de
comunicaram a destruição de um avião autoridade ou função oficial, seu governo
militar ucraniano. Quando se soube que um contava com eles e preferia “às vezes relevar”
avião de passageiros da Malaysian Airlines os abusos cometidos por eles.
havia sido derrubado, matando quase 300 Houve muitas denúncias de sequestros de
pessoas, a reivindicação foi retirada e ambos ativistas pró-Ucrânia na Crimeia.
os lados passaram a se acusar mutuamente Oleksandra Ryazantseva e Kateryna Butko,
pelo acontecido. No fim do ano, uma ativistas da EuroMaidan, foram sequestradas
investigação internacional sobre o incidente no dia 9 de março depois de serem paradas
estava em andamento. em um posto de controle, onde teriam sido
rendidas por policiais da força de choque e
PESSOAS DESALOJADAS por paramilitares de “autodefesa” da Crimeia
As cerca de 20 mil pessoas que armados com pistolas e facas. Elas foram
fugiram da ocupação russa da Crimeia soltas no dia 12 de março.
receberam alguma ajuda estatal para seu Oleg Sentsov, conhecido ativista pró-
reassentamento. Estimava-se que um milhão Ucrânia e diretor de cinema, foi preso de
de pessoas tivessem sido deslocadas em modo sigiloso por agentes de segurança
consequência do conflito em Donbass, russos na Crimeia em 9 de maio e transferido
aproximadamente a metade delas dentro da ilegalmente para Moscou, junto com vários
Crimeia e as outras principalmente para a outros indivíduos. Os processos penais
Rússia. Na Ucrânia, a maioria das pessoas contra ele – por acusações de terrorismo
desalojadas recebia pouco apoio do Estado que pareciam não ter fundamento – foram
e tinha que contar com seus próprios meios, conduzidos em segredo, e suas denúncias de
com redes familiares e com a assistência tortura foram descartadas pelas autoridades.
de organizações voluntárias. A adoção em Os tártaros da Crimeia, grupo étnico
outubro de uma lei sobre pessoas desalojadas autóctone da península expulso para zonas
dentro do país, pouco havia contribuído para remotas da União Soviética em 1944 e
mudar a situação dessas pessoas até o fim proibido de retornar até o fim da década de
do ano. 1980, foram alvo de maior perseguição das
autoridades de facto devido à manifestação
CRIMEIA pública de opiniões favoráveis à Ucrânia.
Desde que a Rússia anexou a Crimeia em Desde março, ocorreram vários sequestros e
março, suas leis restritivas passaram a ser espancamentos de tártaros crimeios, que as
usadas para limitar os direitos à liberdade autoridades de facto se negaram a investigar.
de reunião, associação e expressão no No dia 3 de março, depois de fazer
território anexado. Organizações da sociedade um protesto solitário em frente à sede do
civil foram efetivamente fechadas por Conselho de Ministros da Crimeia, na capital
descumprirem os requisitos da legislação da região, Simferopol, Reshat Ametov, um
russa. Os residentes locais foram declarados tártaro crimeio, foi sequestrado por três
cidadãos russos. Quem quisesse conservar a integrantes das forças de “autodefesa”. Seu

234 Anistia Internacional – Informe 2014/15


corpo foi encontrado quase duas semanas na periferia de Simferopol, com forte
depois, apresentando sinais de tortura. Os presença policial.
sequestradores não foram identificados.
As autoridades de facto começaram uma DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS,
campanha para fechar o Mejlis, um órgão BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS
eleito pela assembleia do povo tártaro da E INTERSEXUAIS
Crimeia (a Kurultai) e reconhecido pelas Uma marcha do orgulho LGBTI programada
autoridades ucranianas como o órgão para o dia 5 de julho em Kiev foi cancelada
representante da comunidade tártara. depois que a polícia comunicou ao comitê
Mustafa Dzhemiliev, um veterano defensor organizador que a instituição não poderia
dos direitos humanos e fundador do Mejlis, garantir a segurança dos participantes frente
foi probido de entrar na Crimeia. Sua entrada às esperadas manifestações contrárias. O
foi negada várias vezes, como no dia 3 de recém-eleito prefeito de Kiev, Vitaliy Klychko,
maio, quando ele tentava passar por um declarou em 27 de junho que o momento
posto de controle em Armyansk. Centenas de não era apropriado para a realização de tais
tártaros crimeios foram ao seu encontro. As “eventos de entretenimento” na Ucrânia.
autoridades de facto alegaram que o encontro
configurava uma reunião ilegal, e dezenas de
participantes foram multados. Depois disso, 1. Ukraine: Mounting evidence of war crimes and Russian involvement

as casas de vários líderes da comunidade (News story)

tártara foram revistadas e pelo menos quatro www.amnesty.org/en/news/ukraine-mounting-evidence-war-crimes-

tártaros crimeios foram presos, acusados de and-russian-involvement-2014-09-05

“extremismo” e transferidos à Rússia para 2. Ukraine: Kyiv protest ban blatant attempt to “gag peaceful

serem investigados. protesters” (News story)

No dia 5 de julho, Refat Chubarov, www.amnesty.org.uk/press-releases/ukraine-kiev-protest-ban-

sucessor de Mustafa Dzhemiliev na liderança blatant-attempt-gag-peaceful-protesters

do Mejlis, também foi impedido de retornar 3. Ukraine: a new country or business as usual? (EUR 50/028/2014)

à Crimeia e banido por cinco anos. O www.amnesty.org/en/library/asset/EUR50/028/2014/en/da555a1a-

novo Procurador de facto da Crimeia, 99a1-4d76-a52b-8f020712e0fa/eur500282014en.pdf

recentemente nomeado, se deslocou até o 4. Ukraine: Abuses and war crimes by the AidarVolunteer Battalion in the

posto de fronteira para adverti-lo de que as north Luhansk region (EUR 50/040/2014)

atividades do Mejlis violavam a legislação www.amnesty.org/en/library/asset/EUR50/040/2014/en/e6776c69-

russa sobre extremismo. Em 19 de setembro, fe66-4924-bfc0-d15c9539c667/eur500402014en.pdf

as autoridades russas confiscaram a sede do 5. Summary: killings during the conflict in eastern Ukraine (EUR

Mejlis alegando que seu fundador, Mustafa 50/042/2014)

Dzhemiliev, era um cidadão estrangeiro e que www.amnesty.org/en/library/info/EUR50/042/2014/en

havia sido proibido de entrar na Rússia. 6. Eastern Ukraine: Both sides responsible for indiscriminate attacks

Em 16 de maio, apenas dois dias antes (Press release)

dos eventos anuais programados para marcar www.amnesty.org/en/for-media/press-releases/eastern-ukraine-both-

o 70º aniversário da expulsão dos tártaros sides-responsible-indiscriminate-attacks-2014-11-06

da Crimeia em 1944, o primeiro-ministro


de facto da Crimeia anunciou que todas as
aglomerações públicas estariam proibidas na
Crimeia até 6 de junho, a fim de “eliminar
possíveis provocações de extremistas”
e impedir a “perturbação das férias de
verão”. Um único evento foi autorizado na
data comemorada pelos tártaros crimeios,

Anistia Internacional – Informe 2014/15 235


URUGUAI O julgamento de um ex-policial acusado
em 2012 de cumplicidade no assassinato do
professor e jornalista Julio Castro, em 1977,
República Oriental do Uruguai prosseguia no fim do ano.
Chefe de Estado e de governo: José Alberto Mujica
Cordano DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
Exigências obrigatórias estipuladas pela
lei de 2012 que descriminalizou o aborto
A luta por justiça pelas violações de direitos continuaram sendo motivo de preocupação,
humanos cometidas no período do regime pois podem dificultar o acesso a abortos
civil e militar entre 1973 e 1985 pode legais. Ao se requerer um aborto, a lei de
sofrer um retrocesso após uma decisão de 2012 estabeleceu um período de reflexão
2013 da Suprema Corte. Os obstáculos que compulsório de cinco dias e a revisão do caso
as mulheres têm de enfrentar para fazer por um painel de especialistas. Quando a
abortos foram motivo de preocupação. gravidez resutar de estupro, a lei exige que a
mulher impetre uma ação judicial para poder
INFORMAÇÕES GERAIS fazer o aborto.
Em janeiro, o Uruguai foi submetido ao Em abril, na cidade de Salto, capital
processo examinador da Revisão Periódica do departamento de Salto, médicos se
Universal da ONU e aceitou importantes recusaram a realizar o aborto de uma menina
recomendações, como o combate a todas as grávida, portadora de deficiência, que
formas de discriminação. sobreviveu a um estupro, alegando objeção
Em setembro, o país ratificou o Tratado de de consciência. A menina teve que se
Comércio de Armas da ONU. deslocar até a capital, Montevidéu, para fazer
Em dezembro, seis reclusos provenientes o procedimento.
do centro de detenção que os EUA mantêm
em Guantánamo, Cuba, foram reassentados CONDIÇÕES PRISIONAIS
no Uruguai. Em maio, o Comitê contra a Tortura da ONU
Em outubro, foram realizadas eleições manifestou preocupação com o fato de dois
gerais. A Frente Ampla conquistou a vitória terços da população carcerária ainda não ter
no segundo turno em novembro. sido julgada, bem como com a assistência
médica prestada aos reclusos, o fornecimento
IMPUNIDADE de água, o saneamento e a ventilação
Em fevereiro de 2013, a Suprema Corte das celas.
revogou dois artigos essenciais da Lei 18.831,
adotada em 2011, que estabeleciam que DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS,
os crimes cometidos durante o período do BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS
regime civil e militar entre 1973 e 1985 E INTERSEXUAIS
constituíam crimes contra a humanidade e Pouco avançaram as investigações sobre os
que eram imprescritíveis. A Suprema Corte assassinatos de cinco mulheres transexuais
também decidiu que nenhum crime contra a ocorridos entre 2011 e 2012. Em apenas um
humanidade foi cometido na época porque dos casos, no Departmento de Cerro Largo,
tais crimes só foram tipificados no direito três indivíduos foram processados.
nacional em 2006 e, portanto, estavam
sujeitos a prescrição.1No decorrer de 2014,
pouco se fez para garantir que denúncias de
violações de direitos humanos cometidas no
passado fossem investigadas plenamente.

236 Anistia Internacional – Informe 2014/15


confrontos violentos entre manifestantes,
1. Uruguay: Key human rights concerns: Amnesty International forças de segurança e grupos armados
Submission to the UN Universal Periodic Review, Janeiro–Fevereiro favoráveis ao governo.1
2014 (AMR 52/001/2013) Mais de três mil pessoas foram detidas
www.amnesty.org/en/library/info/AMR52/001/2013/en no contexto dos protestos. A maioria foi
acusada e liberada depois de alguns dias.
No fim do ano, mais de 70 pessoas que
participaram de manifestações permaneciam

VENEZUELA detidas provisoriamente enquanto


aguardavam julgamento.
Temia-se que uma decisão da Suprema
República Bolivariana da Venezuela Corte tomada em março, declarando que
Chefe de Estado e de governo: Nicolás Maduro todo protesto requereria autorização prévia,
Moros pudesse ameaçar os direitos à liberdade de
reunião pacífica e de associação.

As forças de segurança usaram força USO EXCESSIVO DA FORÇA


excessiva para dispersar manifestações. As forças de segurança usaram força
Dezenas de pessoas foram detidas de modo excessiva para dispersar manifestações.
arbitrário e privadas de acesso a médicos Entre as medidas utilizadas estavam o uso
e advogados. Houve denúncias de tortura de munições reais a curta distância contra
e outros maus-tratos de manifestantes e pessoas desarmadas; o uso de armas
transeuntes. O Judiciário continuou a ser de fogo impróprias e de equipamentos
usado para silenciar os críticos do governo. antidistúrbio que foram adulterados; e o uso
Pessoas que defendiam os direitos humanos de gás lacrimogêneo e balas de borracha em
foram intimidadas e atacadas. As condições áreas fechadas.
prisionais permaneceram severas. Em fevereiro, por exemplo, a estudante
Geraldín Moreno morreu três dias depois de
INFORMAÇÕES GERAIS ser atingida no olho por balas de borracha
O primeiro ano do mandato do Presidente disparadas a curta distância durante uma
Maduro foi marcado por crescentes manifestação em Valencia, estado de
insatisfações. Entre fevereiro e julho de Carabobo. Agentes da Guarda Nacional
2014, a Venezuela foi abalada por grandes foram acusados por sua morte e aguardavam
manifestações favoráveis e contrárias julgamento no fim do ano. No mesmo mês,
ao governo em várias regiões do país. Marvinia Jiménez foi espancada por policiais
Manifestantes contrários ao governo e quando filmava um protesto em Valencia,
alguns líderes de partidos de oposição que sendo acusada, entre outras coisas, de
demandavam a renúncia do presidente foram obstruir uma via pública e perturbar a ordem
acusados de tentar derrubar o governo. pública. No fim do ano, um mandado de
prisão contra o policial responsável por
LIBERDADE DE REUNIÃO espancá-la não havia sido cumprido. Em
Pelo menos 43 pessoas foram mortas e abril, John Michael Ortiz Fernández estava na
mais de 870 ficaram feridas – incluindo sacada de sua residência em San Cristobal,
manifestantes, transeuntes, policiais e estado de Táchira, quando um policial atirou
agentes de segurança – durante os extensos contra ele com uma bala de borracha,
protestos contra e a favor do governo entre queimando a retina de seu olho esquerdo. No
os meses de fevereiro e julho. Houve relatos final do ano, o caso estava sendo investigado.
de violações de direitos humanos e de

Anistia Internacional – Informe 2014/15 237


PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS do ano, uma investigação sobre as denúncias
Dezenas de pessoas detidas durante as de tortura ainda estava em andamento.
manifestações de fevereiro e julho foram Wuaddy Moreno Duque foi detido em
vítimas de detenções arbitrárias. Muitas fevereiro em La Grita, estado de Táchira,
foram privadas de acesso a um advogado sendo espancado e queimado por agentes
de sua escolha e de assistência médica nas da Guarda Nacional, que o acusaram de
primeiras 48 horas de detenção, antes de participar de manifestações. Depois de
serem levadas à presença de um juiz. formalizarem uma denúncia, Wuaddy e sua
O advogado Marcelo Crovato e o defensor família passaram a ser alvo de intimidações.
dos direitos humanos Rosmit Mantilla foram
detidos em abril e maio, respectivamente, DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS
em razão dos protestos. Mais de oito meses Defensores dos direitos humanos
após sua prisão, eles continuam em detenção continuaram a ser atacados.
provisória, apesar da falta de evidências Por exemplo, dois integrantes o
sólidas para embasar as acusações Observatório Venezuelano de Prisões foram
contra eles. ameaçados e intimidados em várias ocasiões.
No dia 12 de abril de 2013, Marianela
TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Sánchez e sua família receberam ameaças
A prática de tortura e de maus-tratos de morte anônimas. Apesar de ela ter
continuou causando preocupação, apesar formalizado uma queixa, até o fim do ano
de alguns avanços trazidos pela Lei as autoridades não haviam iniciado uma
Especial para Prevenir e Punir a Tortura e investigação efetiva sobre as ameaças nem
outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou providenciado as medidas de segurança
Degradantes, de 2013.2 necessárias, condizentes com o anseio
O estudante Daniel Quintero foi espancado da família.
e ameaçado de ser queimado vivo enquanto Várias vezes as autoridades tentaram
estava detido. Em fevereiro, ele foi preso desacreditar o trabalho de direitos humanos
quando se dirigia a uma manifestação contra de Humberto Prado, tendo-o acusado
o governo em Maracaibo, estado de Zulia. de envolvimento com a violência durante
Uma investigação sobre a denúncia de tortura os protestos, e de conspiração para
estava em curso no fim do ano.3 desestabilizar o governo e o sistema prisional.
Pelo menos 23 pessoas foram detidas
durante uma operação conjunta do Exército SISTEMA DE JUSTIÇA
e da Guarda Nacional em Rubio, estado O sistema de justiça estava sujeito à
de Táchira, no dia 19 de março. Enquanto interferência governamental, principalmente
detidas, elas foram chutadas, espancadas em casos que envolvessem críticos do
e ameaçadas de morte e violência sexual. governo ou pessoas que se suspeitasse
Todos os detidos, homens e mulheres, estarem agindo de modo contrário aos
ficaram encarcerados no mesmo recinto interesses das autoridades.
e passaram várias horas com os olhos Por exemplo, a juíza María Lourdes Afiuni
vendados. Eles podiam ouvir as pessoas Mora – que foi detida em dezembro de
mais próximas sendo espancadas. Pelo 2010, algumas horas depois de ter ordenado
menos uma pessoa foi forçada a assistir o a soltura de um banqueiro acusado de
espancamento de outra. Gloria Tobón foi corrupção, decisão que foi condenada
encharcada com água e recebeu choques publicamente pelo ex-presidente Chávez –
elétricos nos braços, seios e genitais. Ela aguardava julgamento no fim do ano. Em
foi ameaçada de ser morta e ter o corpo junho de 2013, por razões humanitárias, ela
esquartejado antes de ser enterrada. No fim

238 Anistia Internacional – Informe 2014/15


foi libertada condicionalmente mediante o apontam para o envolvimento de agentes
pagamento de fiança. da polícia. Em apenas um dos casos, o
Leopoldo López, líder do partido de Narciso Barrios, dois policiais foram
oposicionista Vontade Popular, permaneceu condenados. Outros membros da família
detido apesar da falta de provas que sofreram intimidações e ataques da polícia,
comprovassem as acusações contra ele, as apesar das medidas de proteção outorgadas
quais aparentavam ter motivações políticas. à família desde 2004 pela Comissão
Ele estava sendo acusado de incêndio Interamericana de Direitos Humanos e, mais
criminoso e danos à propriedade, incitamento recentemente, pela Corte Interamericana de
ao crime e conspiração para o crime, delidos Direitos Humanos. 5 Até o fim do ano, não se
puníveis com até 10 anos de prisão.4 Em sabia se alguma investigação sobre qualquer
agosto, o Grupo de Trabalho sobre Detenções das denúncias de intimidação da polícia havia
Arbitrárias afirmou que sua detenção fora sido iniciada.
arbitrária e pediu que ele fosse libertado.
O Grupo de Trabalho da ONU também CONDIÇÕES PRISIONAIS
solicitou a libertação imediata de Daniel Apesar das reformas no sistema prisional,
Ceballos, membro do Vontade Popular e as condições carcerárias permaneceram
prefeito de San Cristobal, no estado de severas. As falta de cuidados médicos,
Táchira. Ele foi preso em março e aguardava comida e água potável, as condições
julgamento pelos delitos de rebelião civil insalubres, a superlotação e a violência
e conspiração para o crime, relativos aos nos presídios e nas delegacias de polícia
protestos de fevereiro contra o governo. continuaram preocupantes. Armas de
fogo e outros tipos de armas continuaram
JUSTIÇA INTERNACIONAL sendo usados rotineiramente em conflitos
Em setembro de 2013, um ano depois de penitenciários.
ter denunciado a Convenção Americana No primeiro semestre do ano, organizações
sobre Direitos Humanos, a Venezuela deixou de direitos humanos registraram 150 mortes
de se submeter à competência da Corte em presídios e sete em custódia da polícia.
Interamericana de Direitos Humanos. Em Em novembro, dois presos foram mortos
consequência, vítimas de violações de direitos e pelo menos oito ficaram feridos quando
humanos e seus familiares não podem mais as forças de segurança intervieram para
contar com acesso à Corte Interamericana controlar uma rebelião na penitenciária de
quando o sistema de justiça nacional não San Francisco de Yare, no estado de Miranda,
garantir seus direitos. em protesto pela severidade das condições
prisionais e pelos maus-tratos dos presos.
IMPUNIDADE Em setembro, depois de três anos e de
A impunidade continuou sendo motivo de uma série de atrasos para transferi-lo a um
preocupação. Vítimas e seus familiares foram hospital onde suas necessidades médicas
ameaçadas e atacadas. pudessem ser atendidas, um tribunal
Por exemplo, as investigações e os concedeu permissão para que o ex-diretor da
procedimentos judiciais relativos aos polícia Iván Simonovis recebesse tratamento
assassinatos de membros da família Barrios médico em sua casa em prisão domiciliar.
no estado de Aragua pouco avançaram. A Segundo informações, ele padece de
família Barrios tem sido vítima de ameaças vários problemas de saúde causados pelas
e intimidações por quase duas décadas em condições em que se encontrava detido.
razão de suas demandas por justiça. Dez
membros da família foram mortos entre 1998
e maio de 2013, em circunstâncias que

Anistia Internacional – Informe 2014/15 239


1. Venezuela: Human rights at risk amid protests (AMR 53/009/2014)
www.amnesty.org/en/library/info/AMR53/009/2014/en
2. Venezuela: Briefing to the UN Committee Against Torture, 53rd
session, November 2014 ( AMR 53/020/2014)
www.amnesty.org/en/library/info/AMR53/020/2014/en
3. Protests in Venezuela: Human rights at risk, people in danger, case:
Daniel Quintero (AMR 53/015/2014)
www.amnesty.org/en/library/asset/AMR53/015/2014/en/ce464446-
f25d-4562-b295-8e70160902a2/amr530152014en.pdf
4. Venezuela: Opposition leader Leopoldo López should be released ( AMR
53/023/2014)
www.amnesty.org/en/library/info/AMR53/023/2014/en
5. Venezuela: Further information: Police threaten and intimidate Barrios
family ( AMR 53/019/2014)
www.amnesty.org/en/library/info/AMR53/019/2014/en

240 Anistia Internacional – Informe 2014/15


Anistia Internacional – Informe 2014/15 241
ANISTIA INTERNACIONAL
INFORME 2014/15
O ESTADO DOS DIREITOS
HUMANOS NO MUNDO
O Informe 2014/15 da Anistia Internacional documenta
o estado dos direitos humanos em 160 países e territórios
em 2014. Alguns eventos fundamentais de 2013 também
são registrados. Para a edição brasileira, selecionamos
52 países que possuem maiores vínculos com o Brasil
ou cuja situação de direitos humanos é mais urgente.
Embora o ano de 2014 tenha sido marcado por conflitos
violentos e pelo fracasso de muitos Estados em proteger
os direitos e a segurança da população civil, esse ano
também se caracterizou por avanços significativos
em termos de proteções e garantias de certos direitos
humanos. Aniversários cruciais de eventos marcantes,
como o vazamento de gases tóxicos em Bhopal em
1984 e o genocídio de Ruanda em 1994, assim como
as reflexões sobre os 30 anos da adoção da Convenção
da ONU contra a Tortura, lembram-nos de que, mesmo
diante dos enormes progressos conquistados, muito
ainda precisa ser feito para assegurar a justiça para
vítimas e sobreviventes de graves abusos.
Este relatório também presta homenagem àqueles que
lutam para defender os direitos humanos em todos
os cantos do planeta, geralmente em circunstâncias
difíceis e perigosas. Destaca as principais preocupações
da Anistia Internacional ao redor do mundo e é leitura
essencial para ativistas, formuladores de políticas e
qualquer pessoa interessada em direitos humanos.
Junte-se a nós em anistia.org.br

Potrebbero piacerti anche