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Morar na rua.

Expressão da vigente questão social

Anyi Paola Muñoz Umaña1


Agosto, 2018

Resumo

As fases de exploração do sistema capitalista têm consigo diferentes


consequências nas relações humanas, a maioria expressadas em processos de
desigualdade social, exclusão social e pobreza, que, em síntese, são
manifestações da chamada Questão Social. Este estudo exploratório reflete
acerca da configuração histórica da questão social, reconhecendo a cidade
moderna como o cenário de suas representações e o trabalho como o roteiro que
dá forma a sua narração, com o objetivo de construir um relato que reflete sua
vigência na contemporaneidade, onde a população em situação de rua tem um
papel principal.

Palavras-chave: Questão social. Trabalho. Cidade. Moradores de rua.

Resumen

Las fases de dominación del sistema capitalista tienen consigo diferentes


consecuencias en las relaciones humanas, la mayoría expresadas en procesos de
desigualdad, exclusión social y pobreza, que, en síntesis, son manifestaciones de
la llamada Cuestión Social. Este estudio exploratorio reflexiona sobre la
configuración histórica de la cuestión social, reconociendo la ciudad moderna
como el escenario de sus representaciones y el trabajo como el guion que da
forma a su narración, con el objetivo de construir un relato que refleje su vigencia
en la contemporaneidad, donde las personas que habitan las calles encarnan un
papel protagónico.

Palabras Claves: Cuestión Social. Trabajo. Cidade. Habitantes de calle.

1 Professional em Serviço Social da Universidad Nacional de Colombia. Atualmente realiza estudos


na Universidade Federal de Mato Grosso para obter o título de Mestre em Política Social.

1
Introdução

Atualmente há uma naturalização das desigualdades e das precárias


condições nas que vive uma parte significativa da população, cuja expressão mais
radicalizada se identifica nas formas de vida dos moradores de rua, a qual já
naturalizada faz parte da paisagem comum das grandes cidades que os observa
com indiferença.

Neste contexto, abordar o fenômeno da população em situação de rua


precisa de um esforço por desvelar as condições objetivas e subjetivas que lhe
produzem, as quais, levando em conta as condições materias nas que vive esta
população, estão intimamente relacionadas com a questão social.

Mas, o que é a questão social? São muitos os pontos que se podem refletir
acerca da questão social e das formas nas quais se apresenta na história até
chegar à contemporaneidade; alguns deles serão tratados nesta elaboração com o
objetivo de reconhecer a gênese da questão social na contradição própria do
modo de produção capitalista e aproximar algumas ideias sobre sua relação com
um fenômeno específica: a população em situação de rua. Para isso, se
abordarão as características do espaço privilegiado onde tal relação acontece de
maneira aguda: a cidade, e o processo que, desde uma perspectiva marxista, é a
categoria fundante das relações humanas: o trabalho.

Assim, em um primeiro momento expor-se-á, a grosso modo, o processo de


constituição da questão social dentro do sistema capitalista, enfatizando “em” dois
aspetos centrais: o primeiro se refere às refrações da questão social para a
configuração da cidade, analisado através dos processos de urbanização e
industrialização; e o segundo, à abordagem de algumas modificações que tem o
processo de trabalho e como elas comprometem o desenvolvimento da questão
social. Indagado isso, posteriormente, serão apresentadas certas reflexões sobre
a população em situação de rua, levando em conta os aspectos desdobrados

2
sobre a questão social para atingir a relação dos moradores de rua com o trabalho
e seu lugar na cidade.

É provável que seja uma abordagem ambiciosa, já que todas as categorias


a refletir têm muito fatores de discussão, mas é importante lembrar que a ideia não
é esgotar o debate, senão fazer algumas aproximações que permitam reconhecer
a condição da população em situação de rua como uma das manifestações mais
contundentes da vigente questão social.

A cidade do trabalho:

Um dos cenários mais representativos para identificar as mudanças


acontecidas na sociedade é a cidade, já que, além de configurar e mostrar lógicas
de distribuição espacial, ela representa a organização das relações sociais. Para
efeitos de analise, se analisará a cidade moderna, que tem seus inicios no
processo de industrialização na metade do século XVIII, pela importância de sua
configuração para a transição do sistema de organização feudal ao sistema de
produção capitalista, sem negar a existência de formações sócio espaciais previas
que foram objeto de estudo da filosofia clássica.

O processo de industrialização, marcado pela chegada das máquinas que


tecnificaram e automatizaram as formas de produção, representou um momento
de mudanças em diferentes âmbitos. De um lado, foi o fortalecimento do comércio
e da indústria, que possibilitou a redução nos preços das mercadorias, permitindo
um processo de produção em massa que transformou as relações de trabalho,
mas, em contrapartida, centralizou toda está dinâmica no mesmo espaço: a
cidade, assim a industrialização gerou migrações do campo à cidade que
progressivamente transformavam o espaço urbano.

Essa tendência centralizadora do modo de produção capitalista, que se


abriu caminho com a industrialização e o êxodo rural, produziu espaços que

3
Engels (1845), em sua análise da situação da classe trabalhadora na Inglaterra,
retrata como o encontro de muitas pessoas em condições de isolamento e
indiferença

“... esse isolamento do indivíduo, esse mesquinho egoísmo,


constitui em toda parte o princípio fundamental da nossa
sociedade moderna, em lugar nenhum ele se manifesta de modo
tão impudente e claro como na confusão da grande cidade. A
degradação da humanidade em mônadas, cada qual com um
princípio de vida particular e um objetivo igualmente particular,
essa atomização do mundo é aqui levada às suas extremas
consequências. ” (Pág. 68).

O motivo pelo qual as pessoas se mobilizaram às cidades foi o trabalho


industrial, já que na transição da propriedade fundaria à propriedade industrial a
função produtiva da terra modifico as dinâmicas de trabalho, onde os labores
feitos nas pequenas propriedades ou nas propriedades comuns deixaram de ser
suficientes para a sobrevivência. Desta maneira aconteceram migrações em
massa do campo às emergentes cidades, mas como mostra Engels em sua
reflexão, as condições achadas nas cidades foram precárias, ainda que as
pessoas tivessem um trabalho fabril moravam na miséria. Assim nas cidades
modernas, organizadas em função da produção, o lugar físico que a pessoa
ocuparia dependia do lugar que tinha na cadeia produtiva, o seja, o trabalho vai ter
uma relação direita com a configuração da cidade.

É inegável que as relações sociais são estruturantes das formas nas que se
constroem os espaciais físicos; estão reflexões são feitas por teóricos como Henri
Lefebvre, David Harvey e Manuel Castells, que ao trazer discussões sobre a
cidade moderna, fazem aclarações sobre a relação existente entre os processos
básicos para sua compreensão: industrialização e urbanização, reconhecendo
que embora estejam fortemente ligados, já que o primeiro teve como
consequência o segundo, não significam o mesmo. A industrialização refere-se ao
desenvolvimento de espaços funcionais para a economicidade das indústrias, com
as construções materiais e a intensificação e extensão do desenvolvimento

4
tecnológico que isto implica; assim, desde uma perspectiva marxista, a lógica
industrial privilegia o valor de troca sobre o valor de uso do espaço. A urbanização,
por sua vez, é um processo de expansão da vida urbana e das diferentes
dinâmicas sociais que ela tem.

Segundo Lefebvre (1968) a relação entre a industrialização e a urbanização


é conflitiva e está marcada pela mercantilização da vida, cujo resultado são
situações de segregação espacial, ante o qual afirma que “la ciudad y la realidad
urbana son reveladoras de valor de uso. El valor de cambio, la generalización del
mercado por obra de la industrialización tienden a destruir, subordinándosela […]”
(pág. 20). Portanto, o processo de urbanização submetido aos interesses da
industrialização gera cidades alotadas, com construções rachadas pela
desigualdade, divididas por ruas que desenham os limites entre quem possui os
meios de produção e quem nada possui além de sua força do trabalho 2. Desta
maneira, a produção do espaço é a materialização das relações sociais nas que
este se desenvolve, as quais na constituição da cidade moderna são consideradas
paupérrimas.

Neste cenário da cidade moderna, industrializada, onde se produziam


novos espaços e relações marcadas por dinâmicas de desigualdade, se apresenta
a contradição que vai constituir o sistema capitalista, onde “pela primeira vez na
história registrada, a pobreza crescia em relação direita com o aumento da
capacidade social de produzir riquezas” (Netto. 2003. Pág. 58)

Então, o sistema capitalista ao fazer da acumulação do capital seu maior


objetivo, para o qual vai produzir simultaneamente a expansão da classe
trabalhadora, procura manter à condição de classe dos sujeitos explorados
através de uma quase eterna relação de dependência, reduzindo e situando o
trabalho como o médio para a subsistência, ainda que seja na miséria, onde o

2 Estas condições são ilustradas e aprofundadas por Friedrich Engels em A situação de classe trabalhadora na
Inglaterra, quando faz uma descrição de Manchester como a cidade mais representativa dos primórdios do
processo da Revolução Industrial.

5
trabalhador existe para garantir a produção de riquezas, mas as riquezas não
existem para garantir a satisfação das necessidades do trabalhador (Netto. 2003).

A constituição da cidade moderna então é um ponto de partida para a


compreensão das relações sociais de produção que ainda hoje, com elementos de
análises novos, são determinantes no desenvolvimento da vida cotidiana, já que
depende do lugar que a pessoa ocupa nelas vai se posicionar na distribuição
mesma do espaço, pois como assinala Castelo (2006) “Por trás da representação
estética do caótico, incerto, fragmentado dos espaços urbanos tomados pelas
hordas das “classes perigosas”, está o trabalho, sob a égide do capital, como
organizador da vida cotidiana” (pág. 13).

Existem assim dois fatores de análises até aqui enunciados: a cidade e o


trabalho, os dois sofreram mudanças dentro do sistema capitalista onde seu valor
de uso vai se submeter (não desparece) ao valor de troca; mudanças que
acontecem tendo como fio de tecido a questão social, que, paradoxalmente, não é
produto da união senão da ruptura.

Até agora, a questão social tem sido um termo usado para referir-se às
condições de desigualdade, produto da divisão social do trabalho e da propriedade
privada, que constituem a gênese da cidade moderna. Mas, a questão social não
se restringe a isso, e sim, também, aos processos de resistência e luta que a
generalização da pobreza produz na classe trabalhadora. Ou seja, as situações de
pobreza que foi reduzida a maioria da população, tiveram como resposta
processos de mobilização que visibilizaram a mesma questão social.

Deste jeito, a cidade moderna desde seus inicios esta imersa numa
contradição, pois é um espaço de centralização do capital e das relações sociais
que ele produz, mas a sua vez, é um cenário de encontro da classe trabalhadora e
de seus esforços pela transformação social.

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Assim, o reconhecimento das condições paupérrimas (termino acunhado na
segunda metade do século XVIII para explicar a magnitude do fenômeno de
pobreza da época) de vida dos trabalhadores como expressão da questão social,
só foi possível pelos processos de mobilização da classe trabalhadora que fez
expressa sua condição de subordinação, ante uma classe dominante que mais
que por se solidarizar com a miséria do proletariado, teve que dar conta dos
efeitos do sistema de produção criado e mantido para seu benefício. Assim pois,
desde uma perspectiva marxista, a questão social representa as contradições
existentes na luta de classes que se visibiliza na cidade moderna, e que resulta
irredutível a sua manifestação imediata como pauperismo.

Neste sentido, existem expressões que desconhecem a relação entre o


político e o económico em a que se origina a questão social, tais como o
pauperismo sinalada por Castelo ou até os problemas sociais referidos por
Iamamoto, noções que são trazidas por eles para ilustrar como tende-se a
confundir a questão social. Por um lado, falar de pauperismo faz que as situações
de miséria sejam tratadas ou como um crime ou como um processo natural, e por
outro referir-se aos problemas sociais é aludir a uma suma indiscriminada de
condições de pobreza e exclusão que chegam incluso a responsabilizar aos
mesmos sujeitos de seu lugar de opressão.

A questão social se diferença destas expressões: pauperismo e problemas


sociais, porque reconhece o lugar central que têm as relações sociais do
capitalismo na produção de desigualdades, permitindo uma transição de um
assunto privado a uma preocupação pública. Então a situação da classe
trabalhadora já não se trata de algo natural que não se pode evitar e cujos efeitos
têm que se diminuir com caridade, ou de uma forma de vida de seres perigosos
que tem que se castigar por médio da repressão e da punição, onde as ações
institucionais não se transformam senão que se mantem e ademais se fortalecem
para fazer mais efetivo seu caráter regulador. A questão social se trata de outro
produto da ação humana dentro do sistema de produção capitalista.

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Em consequência, embora as formas de exploração previas ao capitalismo
também produziam efeitos de pobreza e escassez na sociedade, segundo Netto
estes sistemas de produção não possibilitavam o melhoramento da qualidade de
vida das pessoas submetidas, com o capitalismo, por sua vez, a oportunidade de
suprimir essas condições de miséria se torna aparentemente plausível e, porém, o
que acontece é que se agudizam. É ali, no capitalismo, onde a escassez se torna
produzida socialmente na contradição capital-trabalho.

Com os elementos até aqui expostos é possível reconhecer a questão


social como um cenário em disputa que, fazendo da cidade moderna seu refúgio,
tem seu ponto de partida nas contradições do sistema de produção capitalista, no
que a realidade concreta da classe trabalhadora transita de ser uma situação
privada a tornar-se parte da cena pública em um confronto de interesses
antagônicos

“A questão social não é senão as expressões do processo de


formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso
no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento
como classe por parte do empresariado e do Estado. É a
manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o
proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de
intervenção, mais além da caridade e da repressão”. (Iamamoto e
Carvalho, 2000, p.77)

O velho e o novo

A urbe continua estendendo cada vez mais seus horizontes, amplia suas
ruas, enaltece seus edifícios, nos que progressiva, mas fortemente alberga mais y
mais pessoas que recorrem a ela com diversas expectativas, relacionadas em sua
maioria com melhorar suas condições de vida. O crescimento das cidades é causa
e efeito das mudanças acontecidas nas relações sócias de produção, as quais

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representam a necessidade do capitalismo de se-modificar na busca do se-
adaptar à história socialmente produzida.

As crises do capitalismo do século XX, da rigidez do seu modo de


produção, resultaram em processos de cambio no mundo do trabalho, ante os
quais o Fordismo foi a resposta inicial, seu objetivo foi massificação da produção
industrial e a redução de custos, gerando para isso um trabalho cada vez mais
especializado, monitorado e alienado. Os processos de transformação das
cidades, onde a dinâmica econômica que se mobiliza entre a produção e o
consumo ainda era centralizada, também modificaram a paisagem, fazendo que
os limites entre as classes sociais pareceram na aparência cada vez mais difusos.
Além disso, a primeira metade do século se caracterizou pelo intervencionismo do
Estado (anos 30), onde o princípio de auto regulação do mercado muda e as
ações institucionais se tornam centrais, gerando dinâmicas de trabalho mais fixas,
mas também fortemente controladas.

Posteriormente, o cenário da modernidade em uma fase mais


“desenvolvida” (anos 70) produz novos elementos de analises, resultado de uma
crise pela queda da taxa de lucro, o esgotamento do padrão de acumulação
taylorista-fordista de produção, a hipertrofia da esfera financeira, a maior
concentração de capitais e a crise do Welfare State ou do “Estado do bem-estar
social” (Antunes; 1999) cujas consequências mais visíveis foram a flexibilização, a
precarização e a descentralização das relações sociais de produção, que, com o
discurso neoliberal por trás, ampliam a questão social radicalizando seus efeitos.
Desta maneira a essência do modelo de produção capitalista, centrado na
acumulação do capital, se matem na trincheira do livre mercado com o Estado,
agora, só como guarda.

As mudanças brevemente sinaladas procuram ilustrar as formas nas que o


capitalismo se adapta, e ainda que modifique seu agir conserva sua essência,
fazendo que “o velho e o novo” coexistam na contemporaneidade a través do

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neoliberalismo, que representa a radicalização de seus princípios políticos e
econômicos. Neste contexto, as condições do trabalho são ainda mais
paupérrimas além de incertas, o afastamento que o sujeito faz do produto, dos
outros e de se mesmo no processo de produção é naturalizado; as formas de
exploração da mão de obra estão disfarçadas em novas modalidades de trabalho
apoiadas nos desenvolvimentos tecnológicos; as cidades estão ainda mais lotadas
de sujeitos insolados no individualismo.

Certamente o sistema de produção capitalista deteriora o trabalho tirando


seu potencial de realização da humanidade 3, reduz o trabalho ao emprego, mas
de forma mais agressiva ainda exclui a quem nem sequer pode participar dele, no
princípio considerados como desempregados ao supor que procuram ativamente
vender sua força do trabalho, mas não só são eles os excluídos, “ao lado dos
desempregados ativos, há outro componente do exército de reserva. São os
“pobres”, os socialmente excluídos que se sustentam por meio de ocupações
precárias” (Singer, 1998. Pág. 14).

Embora os padrões de dominação 4 tiveram mudanças desde o nascimento


do sistema de produção capitalista, transitando de processos centrados no
desenvolvimento industrial à criação e fortalecimento de aparelhos financeiros
sustentados na perspectiva neoliberal, a relação da questão social com a
acumulação do capital ainda continua. Tal relação se manifesta na crescente
concorrência dos trabalhadores e no aumento do trabalho excedente dos
segmentos empregados, pelo qual se condena à ociosidade socialmente forçada a

3 Este pressuposto é resultado da colocação que Frederich Engels faz sobre o trabalho como centro da
humanização do “homem”, a qual é retomada por George Lukács que ao analisar a ontologia do ser social
reconhece que o trabalho é a possibilidade de transformação intencionada que o homem faz da natureza,
tendo como resultado, de um processo naturalmente dialético, uma autoprodução. Assim diz Lukács citando
a Karl Marx “o homem, ao operar sobre a natureza e transformá-la “muda ao mesmo tempo sua própria
natureza. Desenvolve as potências que nela estão adormecidas e sujeita o jogo das suas forças ao seu
próprio poder”” (1976-81. Pág. 22).
4 Em sua tentativa por explicar o caráter das crises do sistema de produção capitalista do século XX, John
Holloway afirma que “A crise capitalista não é outra coisa senão a ruptura de um padrão de dominação de
classe relativamente estável. (...) Para o capital, a crise somente pode encontrar sua resolução pela luta,
mediante o estabelecimento da autoridade e por meio de uma difícil busca de novos padrões de dominação”
(1987. Pág. 132)

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um grupo contingente de trabalhadores aptos, mas impedidos para trabalhar
reconhecidos como superpopulação relativa.

Se bem ás manifestações da questão social variam dependendo do


contexto histórico, continua sendo a expressão de contradições sócias que
produzem precariedade para os sujeitos que ocupam a menor escala na jerarquia
econômica do modo de produção capitalista. Uma de suas manifestações na
contemporaneidade é o desemprego estrutural, mas:

“O aparecimento do desemprego estrutural e de desigualdades


sociais no centro do sistema global capitalista – a tríade Estados
Unidos, União Europeia e Japão – faz com que autores, numa
visão eurocêntrica, falem em nova “questão social”. Mas nova para
quem? Miséria, pobreza sempre foram, e continuam sendo uma
realidade constante na periferia do mercado mundial” (Castelo.
2006. Pág. 169).

Ainda nas periferias, têm existido formas de opressão jerarquizadas, já que


o capitalismo, voraz e fomento de lucro, na lógica da mercadoria descarta aquilo
que não produz mais-valor jogando fora os inúteis para o mundo5.

Os moradores de rua. Uma constate histórica

Atualmente há uma naturalização das desigualdades que expressam a


questão social, que têm a uma parte significativa da população morando na
miséria, a versão mais radicalizada desta situação se identifica nas formas de vida
dos moradores de rua, que têm sido naturalizadas e fazem parte da paisagem
“comum” das grandes cidades, onde eles só se vêm com os olhos da caridade ou
de indiferença.

5 Este conceito é trabalhado por Rodrigo Castel para se referir aos sujeitos que ficam fora da estrutura social,
sendo “os desafiliados por excelência, aquele que, não tendo nenhum “estado”, não usufrui de nenhuma
proteção” (1995. Pág. 119).

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A população em situação de rua tem aumentado nas principais cidades de
diferentes países de América Latina, convertendo-se em foco de ações
filantrópicas e institucionais na busca de reduzir os efeitos sociais, económicos,
políticos y culturais que se supõe tem esta forma de vida no desenvolvimento
social. Segundo as projeções que realiza a CEPAL

“en 2015 la tasa de pobreza se situaría en el 29,2% y la


tasa de pobreza extrema en el 12,4% (…) De confirmarse estas
proyecciones, 175 millones de personas se encontrarían en
situación de pobreza por ingresos en 2015, 75 millones de las
cuales estarían en situación de indigencia” (2015. Pág. 18).

Existem diferentes formas de morar na rua, as quais se definem desde


variáveis como o tempo, os meios para a sobrevivência e os vínculos sócio
afetivos e institucionais de quem mora na rua. De maneira que se estabelece uma
distinção entre o morador em rua e o morador da rua, onde o primeiro é aquele
que passa a maior parte do dia na rua como forma de sobrevivência, mas porem
têm um lugar de residência fixo; por sua vez o morador da rua é aquele sujeito
cuja moradia durável será a rua, na maioria dos casos os vínculos familiais estão
fraturados e se recorre com certa regularidade à institucionalidade para satisfazer
algumas necessidades mínimas insatisfeitas.

Agora bem, a população em situação de rua tende a ser vista de forma


insolada, se chaga incluso a responsabilizar aos sujeitos de sua própria condição,
fazendo uso de explicações a esta situação que em sua maioria referem ao
consumo de sustâncias psicoativas, ás rupturas que alguns deles vivem com seu
entorno familiar e social, ou a sua dificuldade para se inserir e se adaptar ao
mundo do trabalho. Assim se interpreta como um “processo que envolve
trajetórias de vulnerabilidade, fragilidade e ou precariedade e até ruptura dos
vínculos nas dimensões sócio familiar, do trabalho, das representações culturais,
da cidadania e da vida humana” (Varanda y Ferreira citando a Escorel. 2004. pág.
63)

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Mas, quem são os moradores de rua no modo de produção capitalista?
Qual é sua relação com o trabalho? Qual seu lugar nas cidades modernas?; estes
são questionamentos que podem ampliar ás reflexões sobre a precariedade desta
condição humana, para reconhece-la como uma manifestação contundente da
questão social.

Segundo Robert Castel, quem não faz parte das relações de produção vai
ser considerado inútil social. Assim, desde esta perspectiva, a questão social se
expressa em processos de desfiliação, onde, a precarização do trabalho impede o
desenvolvimento do ser social

“Como o pauperismo do século XIX estava inserido no


coração da primeira industrialização, também a precarização do
trabalho é um processo central, comandado pelas novas
exigências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo
moderno” (Castel, 1995, p.526-527).

Contudo, parece evidente que o morador de rua é uma clara expressão do


processo de desfiliação, já que, embora a precarização do trabalho manifestada
em desemprego não seja a razão mas explorada para se aproximar aos analises
da população em situação de rua, eles são considerados excluídos
desnecessários, porque ainda quando a maioria estão em idade produtiva (20-50
anos) o desemprego é um fator comum, sendo considerados “lixo industrial (...)
perdem qualquer função produtiva e passam a se constituir em um peso
econômico para a sociedade (do mundo do trabalho) e para o governo”. (Pinheiro;
1994. Pág. 36).

A existência dos moradores de rua na sociedade capitalista não é uma


novidade, pessoas que fazem das ruas seu espaço para o desenvolvimento de
sua vida cotidiana, na busca pela sobrevivência, gerando uma ruptura entre a
divisão do público e do privado (divisão tão importante para a configuração do
modo de produção capitalista), tem existido sempre, incluso antes do surgimento
do modo de produção capitalista há informação registrada dos chamados

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“vagabundos”, cujos critérios constitutivos conhecidos eram: a ausência do
trabalho que teria que ver com ociosidade associada à falta de recursos e o não
ter pertencimento comunitário (Castel. 1995).

Se bem, existem formas de vida que se desenvolveram nas ruas em


diferentes momentos da história, com a chegada do capitalismo, esta forma de
vida foi também socialmente produzida e massificada, o seja, as condições de
miséria que tem morar na rua junto com a dificuldade de manter vínculos sócio
afetivos, como ilustra Engels (1845), foram caraterísticas da situação da classe
trabalhadora desde a Inglaterra industrial do século XVIII.

A abordagem do lugar que ocupa o morador de rua na sociedade capitalista


é complexa, já que varia segundo o contexto e o tempo da fala, mas, se podem
aproximar algumas ideias pela relação que tem esta população com o trabalho na
atualidade, a qual tem diferentes leituras. Por um lado, como já foi explorado, a
tendência é que eles não possuem uma forma de trabalho assalariado que ofereça
condições mínimas para seu bem-estar, mais isso não implica que não existam
estratégias alternativas, e aqui se apresenta outra leitura desta relação

“Viver na rua não significa necessariamente viver sem dinheiro,


mas, sobretudo, significa adquirir o essencial para a sobrevivência
sem passar pelo mercado. Não significa a eliminação de trabalho,
mas o abandono do compromisso constante e cotidiano do
emprego, substituído por outras formas de trabalho” (Garcez et al.
2005. Pág. 603)

Porém, as estratégias desenvolvidas são atividades ainda mais precárias


(limpa vidros, cuidar carros nas ruas, roubar...) e embora permitam sua
sobrevivência, elas não humanizam sua existência. Em consequência o lugar de
pessoas afastadas do sistema de produção e que também tendem a distanciar-se
do mercado pelo pouco poder aquisitivo que têm para o consumo, é de sujeitos
descartáveis, que ocupam espaços da cidade olvidados ou invisíveis.

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A cidade da modernidade esta caraterizada pela segregação social, ela
reproduz as formas nas que o modelo de produção capitalista organiza as
relações sociais, traça os limites, desenha os caminhos disfarçando a divisão
social do espaço, mantendo uma lógica centralizada da economia que na
atualidade vai mais além dos processos de produção industrial de antanho,
marcada pela dinâmica centro-periferia com alguns matizes. É importante lembrar
que neste hostil cenário o morador de rua gera fraturas nas fronteiras traçadas, ele
faz do espaço público o lugar para resolver suas necessidades privadas.

Ainda com o morador de rua disputando-se o uso do espaço urbano, seu


lugar na cidade é o não lugar, igual que no passado com a vagabundagem, que,
como sinala Castel (1995), é a existência de seres sem lugar nenhum. Em
consequência a população em situação de rua tende a gerar praticas nômadas
que incomodam, em uma cidade moderna que se tornou um “objeto de consumo
cultural”, cuja “beleza”, ordem e controle se desestabilizam pela presença de
sujeitos que são vistos como um problema de saúde pública. “O excluído
moderno é, assim, um grupo social que se torna economicamente desnecessário,
politicamente incômodo e socialmente ameaçador” (Pinheiro; 1994. Pág. 45).

Considerações finais

A partir da discussão feita é possível dizer que a questão social é fonte de


diferentes debates para quem reflete sobre os efeitos do modo de produção
capitalista, porque ela em se mesma é produto de uma contradição, a qual não
desaparece pelas transformações nas relações de produção só mudam as formas
nas que se expressa. A disputa pela questão social é a disputa de projetos
societários, ela não pode se superar tendo um sistema de produção sustentado na
desigualdade mesma.

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Assim, o trabalho por exemplo, segue sendo um referente para a
organização das relações sociais, só que agora empiora seus efeitos porque a
discussão não fica só em quem têm ou não sua força do trabalho, mostra de isso
é o lugar que ocupa o morador de rua na hierarquia social, já que ainda que eles
possuem sua força de trabalho, esta é reduzida, ignorada e despreciada.

Pela interpretação do fenómeno dos moradores de rua como manifestação


da questão social, é possível compreender como ele se torna um assunto de
interesse público, ao ser atendido pelas políticas sociais que procuram controlar e
reincorporar paulatinamente a esta população à vida produtiva mas na mesma
lógica do mercado que os exclui, pois finalmente é assim que o Estado neoliberal
atende as disparidades sociais para manter aquilo que as produz: o modo de
produção capitalista, reproduzindo as condições que fazem vigente a questão
social.

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