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POR UMA HISTÓRIA POLITICA
19. Ver Antoine de Tarlé, "The monopoly that won 't divide", in 8 ______________________
Television and politicai life, Londres, Anthony Smith, 1979, p. 41-75,
Studies in Six European Countries.
Os intelectuais
20. Hé Iene Eck, " 'Cinq colonnes' et Algérie, 1959-1962" in Jean-François Sirinelli
Télévision, nouvelle mémoire, op. cit., p. 96-116. '
21. Em primeiro lugar o de sua presidente, Michele Cotta, Les miroirs
de Jupiter, Paris, Fayard, 1986.
22. Há muito o que colher nos diversos trabalhos de Jean-Marie É CHEGADA, afinal, para esta história das paixões francesas que
Cotteret e Claude Emeri dedicados a este tema, em particular com a é a história política dos intelectuais, a hora da:Hj_s!ó~ia,i com
transcrição do debate televisionado Giscard d'Estaing-Mitterrand de esta maiúscula que convém a toda atividade de~ pesquisa que
1974, Giscard-Mitterand, 54.774 mots pour convaincre, Paris, PUF, possui status científico reconhecido. O fenômeno é recente,
1978, obra escrita em colaboração com Jacques Gerstlé e René Moreau. e muito ainda está por ser feito. Há 30 anos, contudo, uma
23. Philippe Simonnot, "Le Monde" et le pouvoir, Paris Presses dessas campanhas de envergadura que mobilizam pesquisa-
d'Aujourd'Hui, 1977. ' dores para um novo campo de investigação e desembocam
24. Ver Rémy Rieffel, L' élite des journalistes, les hérauts de em aberturas frutíferas teria podido ser posta em marcha. Em
I' information, Paris, PUF, 1984; e para um período anterior, Marc Martin, junho de 1957, foi organizada pela Association França i se de
"Joumalistes parisiens et notoriété (vers 1830-1870); pour une histoire Science Politique uma mesa-redonda sobre "os intelectuais na
sociale du joumalisme", Revue Historique, t. CCLXVI, julho-setembro sociedade francesa contemporânea". A Revue Française de
de 1981, p. 31-74. Science Politique - RFSP, que publicou pouco depois uma
25. Ver sobre este tema o livro de Olivier Boyd-Barrett e Michael parte dos trabalhos apresentados nesse encontro, observava,
Palmer, Le tJ·afic des nouvelles, les aRences mondiales d' information com razão, que "os especialistas em ciência política, pelo
Paris, Alain Mpreau, 1981. ' menos na França, haviam-se preocupado muito pouco" com
26. Para um testemunho "quente", Jean-Noel Jeanneney, Échec à esses problemas até então e, enquanto Louis Bodin e Jean
Panurf?e,l'audiovisuel puhlic au service de la dziffiérence Paris E'd d Touchard definiam um quadro conceituai, René Rémond
SeUl!, 1986.
o ' ' o u acentuava que \'Q_çg_mpoJt_amento político dos intelectuais me-
receria por si só um estudo".'
27. Mai 68 à la télévision, Paris, Documentation Française/Radio- '-
France/INA, 1987, Atas do seminário realizado em outubro de 1982 na Curiosamente, de fato, no exato momento em que a comu-
F~n-da~io~ N~tionale des Sciences Politiques com a colaboração do Co- nidade nacional, às voltas com o drama argelino, começava a
m1te d H1st01re de Ia Télévision; ver sobretudo Jean-Pierre Filin "L repercutir o engajamento e as polêmicas de seus intelectuais
intersyndicale dans le conflit", extraído de sua tese inédita sobr~ L ' e a reverberar os debates sobre seu papel, 2 a escola histórica
. a
cnse de l'ORTF en mai-juillet 1968. francesa, com raras exceções, praticamente não dava atenção
a esses atores do político. Poderíamos comentar longamente
esse silêncio- ao menos relativo- dos historiadores enquan-
to outras disciplinas- particularmente a ciência política e, em
menor escala, a sociologia' - voltavam pouco a pouco seu
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ainda não se haviam constituído quando chegou a hora do conseguinte seu observador se expunha, aos olhos de seus
descrédito, o enxerto num tronco - aparentemente _ eventuais detratores, à acusação de impressionismo, pouco
atrofiado não pôde ser feito. Pois esta história dos intelectuais propícia a um estudo científico sereno, num setor que requer
remetia obrigatoriamente, por algumas de suas facetas à exatamente uma dose extra de serenidade. Acusação que
hist~ria políti~a •. qu.e na época estava no ostracismo: emp~e assumia, além disso, valor de condenação numa época em que
endida pela VIa mdireta da história dos engajamentos indivi- a história, mesmo cultural, devia ser serial ou não podia aspirar
duais, ela se situava - duplo defeito! - no cruzamento da a uma verdadeira dignidade científica. Se acrescentarmos que
biogr~fia e do político; considerada sob o ângulo coletivo, esse grupo social ético é ainda por cima "mole", de limites
tambem esbarrava, é claro, na história social, mas tinha, nesse imprecisos, ele só podia repelir a maioria dos pesquisadores,
· domínio, outros preconceitos a combater.
que aspirava legitimamente a distinguir invariantes que per-
~as já estamos tocando assim nas causas específicas. Antes mitissem úteis estudos comparativos no tempo e no espaço.
de I~ventariá-las, é preciso também observar que a história Além do mais, a historiografia recente experimentou um
, dos Intelectuais, devido ao papel desempenhado por eles entusiasmo pelas "massas", às quais os intelectuais não po-
.,_ sobretudo a partir de 1945, é, ao menos em parte' uma história diam pretender pertencer devido a seu número reduzido, mas
'Z. )do passado p~óximo e além disso de forte teor i~na também pelo fato de pertencerem às "elites", por muito tempo
J1 ~u:I.o pesqUJs:dor, .mal ou bem um Intelectual eleJ?r~io.,_, confinadas, em reação contra a história "positivista", ao
1 esta Imerso. Dai a àfirmar que ele corre o risco de-sé queimar
purgatório dos subobjetos da história.
no fogo mal extinto dos grandes debates das últimas décadas
Um subconjunto vago, um subobjeto da história: a passa-
faltava apenas um passo, dado com facilidade por aqueles que
gem pelo purgatório anunciava-se longa e a expiação incerta.
negavam ao historiador o direito de chegar até as bordas do
Pois três outros pecados, pelo menos, somavam-se ao de
último meio século, vasto continente deixado em repouso
constituir um grupo social reduzido, indistinto e "elitista". O
como um alqueive ou abandonado aos "jornalistas" da "his-
intelectual ator do político inscrevia obrigatoriamente sua ação
tória imediata". Para aqueles que o desprezavam, o historiador
no tempo curto do debate cívico. Ora, só a longa ou a média
d.o contemporâneo, obrigatoriamente ligado por múltiplas
duração permitiriam as abordagens férteis e as aberturas
fibras ao ambiente que o cercava, só podia entregar-se a jogos
conceituais. Tanto mais que, para quem estuda a ação dos
de memória, logo transformados em jogos de espelhos
deformantes. intelectuais, surge obrigatoriamente o problema de seu papel
e de seu "poder", problema que, de uma forma prosaica, pode
. Há também, é verdade, causas específicas que deixaram os ser assim resumido: teriam esses intelectuais, em uma determi-
Intelectuais à margem do ateliê do historiador. Antes de mais nada data, influído no acontecimento? Uma pergunta como
nada, os intelectuais constituem um grupo social de contornos esta, assim formulada, teria bastado, em certas décadas em
vagos que durante muito tempo foi pouco significativo em que o acontecimento estava banido do ecumeno dos historia-
termos de tamanho. Esse "pequeno mundo estreito"" aparen- dores, para desqualificar quem a fizesse. Se acrescentarmos
temente desencorajava qualquer abordagem quantitativa, e por uma terceira falta grave de que se podia acusar o historiador
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lectuais não era mais obsoleto. Estudar um grupo social es-
ele próprio pertence, como já dissemos, ao meio intelectual.
tatisticamente limitado não era mais obrigatoriamente consi-
Corre ele o risco, por isso, de tecer de boa'fé as datas dessa
derado um empreendimento duvidoso. Mais que isso, tal
. história próxima que estuda numa trama subjetiva? Negar que
procedimento, longe de ser impressionista, podia aspirar ao
haja aí um perigo revelaria um otimismo beato e um idea-
realismo científico, sobretudo através da indispensável cons-
lismo fora de propósito. Para o historiador dos intelectuais,
tituição de um corpus de textos e de uma abordagem
muito particularmente, coloca-se o problema da simpatia. Esta,
prosopográfica dos itinerários. Além disso, é possível esboçar
no sentido primeiro do termo, é necessária; constitui mesmo
uma história cíclica do engajamento dos intelectuais, que
a essência do ofício do historiador. Resta contudo o sentido
restitui a este campo de pesquisa a espessura legitimadora da
média duração. comum e, nesse registro, sem dúvida alguma, simpatias
nascem, antipatias crescem, o todo acompanhando as curvas
//. esse renascimento gratificante da história do político so- da evolução eventual do pesquisador. Mais que ocultar o
/ mou-se a nova respeitabilidade da história recente, da história fenômeno, sem dúvida é preciso tomar plena consciência dele,
\das últimas décadas. De fato, chegou-se a um acordo: Clio está assumi-lo de algum modo, a fim de avaliá-lo.
deontologicamente habilitada e _,metodologicamente equipada
A reabilitação da história recente não corria portanto o
para medir o pulso da história do nosso tempo. Se uma história
risco, definitivamente, de ser freada por essas considerações
dinâmica é reconhecida pelas pistas que descortina, pelas
sobre as relações entre o pesquisador e seu objeto. E essa
perguntas que faz e pelas respostas que, aos poucos, consegue
reabilitação foi fundamental para o status da história dos
dar, é forçoso observar que essa história do fim do milénio
intelectuais. Pois a distinção clássica - e preciosa - de
forjou seus conceitos, verificou suas hipóteses e trouxe con-
Fernand Braudel entre a ampla respiração do social e do
tribuições. Nesse contexto, a história dos intelectuais - bas-
mental e o tempo "curto" do acontecimento perdeu a função
tante afetada do ponto de vista cronológico - só podia ser
de exclusão atribuída por alguns discípulos demasiado zelo-
confortada em sua jovem dignidade. A acolhida, ao mesmo
sos. A década volta a ser uma baliza valiosa. E, nessa pers-
tempo branda e serena, reservada pela corporação dos histo-
pectiva, estudar os intelectuais na guerra da Argélia, ou tentar
riadores às teses de Zeev Sternhell sobre o fascismo francês
esclarecer as gerações intelectuais que se sucederam na Fran-
foi assim o reflexo de uma escola histórica que explorou
ça do século XX surge como um objeto de história indiscu-
suficientemente o período entre as duas guerras para se sentir
tível e que ninguém pensaria seriamente em contestar.
daí em diante, para além das clivagens inerentes a toda
microssociedade, solidária em sua preocupação de preservar Contudo, o essencial não está, no que diz respeito à his-
suas conquistas científicas, sem ser perturbada pela abordagem tória dos intelectuais, nem nessa renovação da história polí-
de temas de alto teor ideológico e forte carga política e afetiva. tica nem na jovem dignidade conferida à história recente. Foi
o próprio objeto dessa história que mudou de status nas
O mesmo ocorreu daí em diante em relação ao pós-guerra.
representações coletivas. De um lado, o grupo social dos
Sem dúvida, o historiador está obrigatoriamente inserido no
intelectuais cresceu ao longo das décadas. Os números falam
seu país e na sua época por múltiplas aderências e, além disso,
por si mesmos, e dois exemplos bastarão para esclarecer essa
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r
t
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mudança de escala: às vésperas da Primeira Guerra Mundial, Além disso, a crise de uma parte do meio intelectual foi
os estudantes franceses, alguns deles intelectuais em poten- acompanhada de acusações que só atiçaram a curiosidade dos
cial, não passavam de 41.000; e em 1926, havia apenas 9.200 pesquisadores. Escrever que o "o Gulag" já estava em Marx,
professores secundários; essas duas categorias, lembradas até mesmo em ... Platão, dava novas forças a esta pergunta em
entre outras, cresceram em proporções tais que foi o lugar do suma banal, mas durante muito tempo desacreditada: os in-
grupo social inteiro que mudou. Por outro lado, e sobretudo, telectuais influem na vida das sociedades, seja para o bem,
esse grupo perdeu seu reflexo particular no espelho francês. seja para o mal? A questão de um poder intelectual merecia
Sem exagerar, é possível dizer que a França sofreu na década pois daí em diante ser colocada, tanto mais que era formulada
de 1970 dois choques ... ideológicos. Após o "efeito Solje- pelo próprio meio, desde 1979, através das reflexões de Régis
nitsyin" em 1974, e as desilusões chinesas e indochinesas no Debray. E se sabemos que a essas agitações e questionamentos
fim da mesma década, o meio intelectual foi desestabilizado, internos acrescentou-se logo a curiosidade do "grande público"
privado de muitos de seus pontos de referência. E o histori- - através do sucesso, por exemplo, dos lntellocrates ( 1981)
ador não podia provavelmente deixar de sentir os efeitos indu- ou o do Spectateur engagé (1981) e das M émo ires ( 1983) de
zidos por tal abalo. Pois foi bem quando o intelectual come- Raymond Aron - , todas as condições estavam então reuni-
çou a descer de seu trono que sua história pôde se tornar uma das, no limiar dos anos 1980, para que a história política dos
história em majestade.
intelectuais se estabelecesse na praça. Mas ainda lhe faltava
Um paralelo se impõe a esse respeito: a escola "labrous- definir seus objetivos e seus métodos.
siana" começou a se desdobrar, num primeiro momento atra-
vés da obra do mestre, na década de crise económica que
precedeu a Segunda Guerra Mundial. Do mesmo modo, foi Uma História em Construção
quando começou a ser dessacralizado que o intelectual pôde A cena se passa na Maison des Syndicats de Bourges, em
se tornar um objeto da história sobre o qual o historiador não junho de 1934. Estava na ordem do dia a criação de urna seção
mais hesitou em lançar sua rede. Assim como Marc Bloch local do Comitê de Ação Antifascista e de Vigilância, o futuro
conjurava os especialistas da Revolução Francesa com um Comitê de Vigilância dos Intelectuais Antifascistas. Os cerca
vigoroso "robespierristas, anti-robespierristas, nós lhes supli- de 15 presentes, todos professores, dissertam gravemente sobre
camos; por piedade, digam-nos apenas: qual foi Robespierre?", a "compreensão" e a "extensão" a ser dada ao termo intelec-
tornava-se possível fazer a mesma pergunta em relação a Jean- tual: "Um professor primário é um 'intelectual'? E um oficial?
Paul Sartre, sem ser acusado de terrorismo ... intelectual por A partir de que posto? E um padre? E alguém que vive de
um ou outro dos campos- às vezes ainda- opostos. O outono renda?" Enfim, foi dada a resposta: "É uma questão de qua-
dos maitres à penser, ou seja, dos grandes líderes intelectuais,~ lidade humana." 10
fez portanto a primavera dos historiadores dos intelectuais, e
essa história não foi, daí em diante, apenas a soma das ini-
ciativas de alguns pesquisadores isolados, mas uma disciplina
cujos praticantes eram reconhecidos por seus pares.
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Um meio polimorfo e polifônico
deles eram professores primanos, enquanto os de nível su-
perior mal passavam de mil. Já na época do caso Dreyfus,
Faríamos mal em sorrir. Pois, por trás das discussões
Madeleine Rebérioux estimava a intelectualidade em "cerca
b_izantinas d?s futuros membros berrichões do Comitê, per-
de 30.000 pessoas": 14 teria havido portanto um crescimento
f_llam-se dois problemas reais: antes de mais nada, efe-
dos intelectuais de 1.500% em um terço de século, para uma
tivamente, a "compreensão" e a "extensão" do termo intelec-
população ativa mais ou menos estacionária! Impõe-se uma
tual; em seguida, o fato de que a resposta ao primeiro
primeira conclusão: a comparação entre épocas diferentes é
~roblema é o mais das vezes endógena, formulada por sempre delicada, devido às mutações sociológicas, e seria
Intelectuais.
ilógico propor uma definição demasiado rígida que, precisa-
~om freqüência se destacou o caráter polissêmico da noção mente, apagaria de maneira artificial essas mutações. Mas,
de Intelectual, o aspecto polimorfo do meio dos intelectuais, inversamente, sem um mínimo de harmonia quanto à defini-
e a imprecisão daí decorrente para se estabelecer critérios de ção, o estudo dos intelectuais fica reduzido à ineficácia e
defini?ão da palavra, de tanto que esta noção e esta palavra privado de abordagens comparativas fecundas, pois natural-
evolu1ram com as mutações da sociedade francesa. Por esta mente não são apenas as mutações sociológicas que explicam
última razã~, é pr~~iso, a nosso ver, defender uma definição uma multiplicação por 15 15 em menos de 40 anos,'" e sim,
de geometna vanavel, mas baseada em invariantes. Estas muito mais, uma acepção diferente da palavra intelectual.
podem desembocar em duas acepções do intelectual, uma
A abordagem extensiva do feudo intelectual, 17 de qualquer
ampla e sociocultural, englobando os criadores e os "media-
modo, constitui apenas uma faceta do estudo dos intelectuais.
dare~" culturais, a outra mais estreita, baseada na noção de
Estes últimos também podem ser reunidos em torno de uma
~ngaJ~mento. No primeiro caso, estão abrangidos tanto o
segunda definição, mais estreita e baseada na noção de
JOrnalista como o escritor, o professor secundário como o
engajamento na vida da cidade como ator - mas segundo
erudito. Nos degraus que levam a esse primeiro conjunto
modalidades específicas, como por exemplo a assinatura de
postam-se uma parte dos estudantes, criadores ou "mediado-
manifestos - , testemunha ou consciência. Uma tal acepção
res" em pote~cial, e ainda outras categorias de "receptores"
11 não é, no fundo, autônoma da anterior, já que são dois ele-
da cultura. E evidente que todo estudo exaustivo do meio
mentos de natureza sociocultural, sua notoriedade eventual ou
intelectual deveria basear-se numa definição como esta. 12
sua "especialização", reconhecida pela sociedade em que ele
O que não evitaria, certamente, os debates entre nomencla- vive - especialização esta que legitima e mesmo privilegia
dores. Baseando-se numa acepção ampla da palavra intelec- sua intervenção no debate da cidade-, que o intelectual põe
tu~l, e analisando os resultados do censo de J 936, Claude a serviço da causa que defende. Exatamente por esta razão,
,~IIIard contava, p_or exemplo, na época da Frente Popular o debate entre as duas definições é em grande medida um
cerca
.
de 450.000
•
Intelectuais" , 13 ou seJ·a , 22m
, ·;o
da popu 1açao
- falso problema, e o historiador do pofítico deve partir da
ativa.Talvez fosse excessivo incluir todos os membros do definição ampla, sob a condição de, em determinados mo-
ensino público ( 186.000), numa época em que dois terços mentos, fechar a lente, no sentido fotográfico do termo. 1x
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OS INTELECTUAIS 245
L
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Mas esse restabelecimento de uma visão - ao menos - Um outro mal-entendido, já assinalado, deve ser evitado.
dualista da sociedade intelectual nem por isso deve apagar as Mais que à direção da paisagem ideológica, é a uma obser-
vação da localização dos intelectuais - e eventualmente de
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seu deslocamento - no interior dessa paisagem que o his-
toriador deve particularmente se dedicar. Como salientava . , ulas da intelli[?entsia até a sociedade ~ivi.l,
descida, das cup ,. de um lado sua influencia
com razão Jacques Julliard, "é tempo de lembrar, contra os 'd'' fecundadas e ana Isar, ' .
dessas I ews 'dade nacional, e de outro, mais
excessos de um comparatismo intelectual hoje muito em sobre os sobressalto~ d~ co~um ou não - pela cultura política
moda, que as idéias não passeiam nuas pela rua; que elas são amplamente, sua ass.Imll~ç . 44 , no pano de fundo, a questão
levadas por homens que pertencem eles próprios a conjuntos da época. Quanto à mfluencw, e, E uanto às
42
sociais". Na verdade, na fronteira entre a história das idéias bTdade do intelectual que se coloca. q
políticas, evocadas em outro capítulo, e a história dos inte-
da
relações com I aI cultura po l't'
responsa t IC a,'. é preciso, ao que nos parece,
lectuais, um vasto campo de pesquisa, o da aculturação dessas distinguir vários níveis de analise.
idéias no meio dos intelectuais, se abre ao o pesquisador. E
a exploração desse campo se fará pela reinserção dessas idéias Intelectuais de responsabilidade limitada?
no seu ambiente social e cultural, e por sua recolocação em
situação num contexto histórico. . 't à influência e, eventualmente, à res-
No que dtz respei o - . . r de bom senso se
Por que algumas "ideologias"- ao mesmo tempo princípios ponsabilidade, uma constataçao prehm~na Ia muitas vezes de
de inteligibilidade e elementos de identidade para os intelectuais , ·o da imagem que vetcu
impõe: ao contran _ , . f , A intelectualidade
- se aclimatam no meio intelectual, 41 adquirem vigor em certos si mesmo, o intelectual nao e tn a 1tve 1.
terrenos e se enfraquecem em outros momentos? Quais são as algumas vezes pecou. M 1
causas das grandes transumâncias ideológicas? Estas perguntas .
A aptidão reivindicada para deci. Ir so d. bre o
'f' Bem e o
Uma certa a
são essenciais mas ultrapassam os limites da história dos inte- d . t m defeito especi Ico.
nao e, desse ponto e v!s. a, u. , ando os intelectuais se
dose de maniqueísmo e mevitav~I ~u
lectuais. Em compensação, o estudo das estruturas elementares
t'da'ri·a e dualista. E
da sociabilidade dos intelectuais, e em particular dos jovens in- 0 1, · m essencia par I
engajam na luta P Ittca, e . B d sobre intelectual
telectuais, deveria permitir precisar como se impõem a eles os mesmo as considerações de Juhen en a 0tendas polí-
dados imediatos da consciência política. Do mesmo modo, esse . - ndo se envolve nas con
que trai sua funçao qua d f intelectual para
estudo da sociabilidade do meio intelectual facilitaria a análise . d ervar seu poder e og 0
ticas, em vez e res de certos valores, só fazem
deste outro problema essencial: por que alquimia, no caso de os grandes debates e para a d~fesa d das inferiores do
certas revistas, como La NoUJ·el!e Revue Françoise ou Les Temps . . , I dualidade as cama .
transferir essa mevitave . . a estratosfera da Iuta
Modernes, ou de alguns grupos, como a Ação Francesa, um humilde político no quotidiano para .,
microclima se transforma em zona cultural? Ou, para formular pelas grandes causas escntas . c om letra ma!Uscula. , .
a pergunta de outro modo, por que essas revistas e esses grupos, N . t, .o dos fatores de fracasso intelectual, e prects.o
após terem ditado as regras num domínio estreito, conseguiram o mven an E constatar, antes de mais
portanto procurar em outro lugar. , 'f' · _muitas
um dia impor sua lei à República das Letras? - às vezes ate o sacn !CIO
nada, que se a coragem . dos intelectuais, tal virtude,
Mas se há bons motivos para nos perguntarmos assim como vezes caracterizou o engapmento . à corpora-
as idéias vêm aos intelectuais. também é preciso estudar a - de ser creditada apenas
também neste caso, nao po d . t aços constitutivos
ção, e não representa em s i mesma
· um os r ·
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OS INTELECTUAIS 261
Christophe Charle especifica é verdade " 23. Philippe Burrin, La dérive fasciste. Doriot, Déat, Bergery. 1933-
triplicar" esse número ses .' . ' que se pode dobrar ou
· e amp 1rar a defmição 1945, Paris, Éd. du Seuil, 1986.
16. A título de comparação, observar-se-á .u 24. Pierre Boutang, Maurras. La destinée et /' oeuvre, Paris, Plon,
respectivas Madeler'ne R b, . . q e, em suas avaliações
' e enoux e Ch · t h C \984, p. 14.
estimar que em um d , ns op e harle concordam ao
. quarto e seculo de 1876 190 , 25. Anna Boschetti,Sartre et "Les Temps Modemes". Une entreprise
Intelectuais dobrou (loc. cit.). ' a I' o numero dos
intellectuelle, Paris, Éd. de Minuit, 1985.
17: ~bordagem extensiva que deve desemb . . 26. Ver, por exemplo, os trabalhos já citados de Auguste Angles,
do pohtrco num estud I'. ocar, para o hrstonador
' · o po rtrco mas também s · sobre La Nouvelle Revue Française.
coletivos que são as d''" ociOcultural desses atores
· I•erentes categorias q · 27. É o caso da revista Esprit estudada por Michel Winock, Histoire
é o caso das pesquisas de p I G b . ue constituem este domínio:
au er od sobre o mundo dos t: politique de la revue "Esprit", 1930-1950, Paris, Éd. du Seuil, 1975.
18. Em Les intelle,·tu "' .. .
~ é s 1Jan~ws de I' a/fi · · D · · pro
. essores. 28. Preparamos, nesta dupla perspectiva (sismógrafo e janela aberta
(Paris, Colin 1986) ob . , .. au e rey.fus a nos jours
, ' ra escnta em colabora - para alguns fenômenos de sociabilidade), um estudo sobre os grandes
pretendia ser antes de t d . , . çao com Pascal Ory e que
u o uma hrstona políf . d . . momentos da produção de abaixo-assinados no século XX.
francês, oscilamos de p , . rca o mero mtelectual
roposrto entre uma d f · - . . 29. Ver Pascale Alexandre, "L' intellectuel dans la comédie athénienne
zes estreita_ os "int t . . e mrçao na marona das ve-
e 1ec uars engaJados" (V'-IV' siecles avant J.C.), un corps ambigu", Sources. Travaux
estudantes, por exemplo . . . _ - e uma outra ampliada: os
• ou a partrcrpaçao d · . historiques, nº 5, Iº trimestre de \986, p. 5-11.
cês entendido na _ esse mero mtelectual fran-
sua acepçao sociológica n f 30. Segundo seu "discurso" inaugural pronunciado em Lausanne em
das grandes crises da com .d d . as raturas das guerras ou
um a e nacronal. 1766, no dia de sua posse na nova cátedra de medicina fundada nessa
, 19. Alexis de Tocq uevr·11 e, 0 euvres completes t VIII cidade; ver seu Avis aux gens de lem·es et aux personnes sédentaires sur
a Gustave de Beaumont d, • · , vol. 3, Lettre
• 28 ecembre 1853 p · G . leur santé, Paris, J. Th. Hérissant fils, 1767, texto que ele renega (em
Correspondam·e d'AI• . d r . ·' ans, allrmard, 1967,
cns e 'ocquel'llle et d C virtude de uma "tradução detestável" de seu "discurso" proferido em
texto organizado anotado f . e ustave de Beaumont,
20 A ' , e pre acrado por André Jardin, p. 177 latim) no prefácio de De la santé des gens de lettres, Lausanne. Grasset,
. uguste Angles, André Cide . . . Paris, P.-F. Didot !e Jeune, 1768. Referimo-nos portanto a esta edição,
Nouvelle Revue Frm1"aise" t II , , et /e ::emzer groupe de "La
' ' . ' L Gf?e cntzq 1911 1 em particular p. 46, 51, 145 e 21 O.
Gallimard, 1986, p. li. ' ue - 912, Paris.
31. Augustin Cartault, L' intellectucl, Paris, Librairie Félix Alcan,
21. Jean-François Sirinelli ' "L e hasard ou la néce ··t'? u · · 1914.
em chantier· 1'h isto· d . ssr e· ne hrstorre
. . · Ire es mtellectuels" v:· · · . , 32. Num plano próximo, "as principais tipologias da personalidade"
d Hzstoire nº 9 · ' zngtzemc Szec!e. Reme
' , Jan-março de 1986, p. 97 -I 08 podem se revelar preciosas para explicar as tomadas de posi~·ão do inte-
22. Jeannine Verdes-Leroux, Au ~eJT;c . lectual "em situação": a abordagem seria então próxima, de certa manei-
communiste. les intcllectuels "tI . I . e du Partz. Le parti ra, daquela preconizada por Jean-Baptiste Duroselle para o estudo das
• • L a w fure ( 1944-1956) p ·
Mmurt, 1983 et /e R; . . d . ans, Fayard-
. ' t 1 ez 1 es somnamhules L .. . . decisões do ."estadista'' no domínio das relações internacionais (Pierre
mtellectuels et la culture ( 1956-198 . . e pmtz ( ommumste, les
. 5 ), Pans Fayard M. · 19 Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle,lntroduction à/' histoire des relations
bre .os mtelectuais com umstas.. . d , '
o penodo entr · d .
- murt, 87. So-
internationales, Paris, Colin, 1964, cap. IX.). De maneira mais ampla, a
pecralmente os trabalhos d N' I . e as uas guerras, veres-
. e rco e Racme. distinção e o estudo complementar, preconizados por Robert Mandrou
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POR UMA HISTÓRIA POLíTICA
OS INTELECTUAIS 269
(lntroduction à la France moderne (1500-1640). Essai de psyclzologie
lzistorique, Paris, Albin Michel, I a parte, p. 15-1 05), do "homem físico" e 40. Fréderic Bon e Michel-Antoine Burnier, Les nouveaux
do "homem psíquico" podem se revelar preciosos. A proximidade crono- intelfe'ctuels, 2ª ed. Paris, Éd. du Seu ii, 1971, p. I O.
lógica do objeto estudado - o intelectual do século XX - não deve 41. Le Monde, terça-feira, 26 de julho de 1983, p. 7.
dispensar a exploração de tais pistas: o artigo tópico de Daniel Roche 42. Jacques Julliard, "Sur un fascisme imaginaire: à propos d'un
sobre o intelectual da época modema ("L'intellectuel au travai!", Annales livre de Zeev Sternhell", Annales ESC, 39º ano, nº 4, julho-agosto de
ESC, 37º ano, 1982, p. 465-480) é, sob este aspecto, um modelo do gênero. 1984, p. 849-859, citação p. 855. Ver o capítulo dedicado nesta obra por
33. Jean-Noel Kapferer, Rumeurs. Le plus vieux média du monde Michel Winock às idéias políticas.
Paris, Éd. du Seuil, 1987, p. 119. Dito isto, a - breve- passage~ 43. L' idéologie ou {'origine des idées reçues, de Raymond Boudon
consagrada em Rumeurs à inteffigentsia coloca questões pertinentes. (Paris, Fayard, 1986), coloca a questão - indo além, com razão, do
34. Philippe Aries, Un historien du dimanche, Paris, Éd. du Seuil, meio intelectual- e propõe elementos de resposta. A dimensão históri-
1980, p. 52. ca, em compensação, quase não é lembrada. Mas este não era o objetivo
do autor.
35. Ver Jean-François Sirinelli, Khâgneux et normaliens des années
vingt. Histoire politique d'une génération d'inteffectuels (1919-1945), 44. Sobre os canais dessa influência, ver em particular as observa-
tese de doutorado de Estado, Université de Paris-X, 1986, Paris, Fayard, ções fundamentais de Raymond Boudon - especialmente sobre "os
1988, sob o título Génération inteffectueffe; ver também nosso artigo, três mercados" -em "L'intellectuel et ses publics: les singularités
"A lain et les siens",Revue Française de Science Politique, vol. 38, nº 2, françaises" (in Français, qui êtes-vous?, sob a direção de Jean-Daniel
abril de 1988. Reynaud e Yves Grafmeyer, Paris, La Documentation Française, 1981,
p. 465-490).
36. Régis Debray, Le pouvoir inteffectuel en France, Paris, Ramsay,
1979, cap. II, "Les trois âges", p. 49-114. 45. "A lucidez é realmente a lei primordial de inteligência, escrevia
37. Lucien Febvre, "Générations", Bufletin du Centre International um jovem professor titular de filosofia, designado para o Institut Français
de Synthese. Sectirm de synthese historique, nº 7, junho de 1929, de Berlim, numa carta datada de ... janeiro de 1933 (Raymond Aron,
Supplément à la Revue de Synthese Historique, t. XXI, nº 139-141, p. "Lettre ou verte d 'un jeune français à I' Allemagne" Esprit, Iº ano, nº 5,
37-43, citação p. 42; Marc Bloch, Apologie pour {' histoire, Paris, Colin, Iº de fevereiro de 1933, p. 735-743, citação p. 743).
reed., "U. Prisme", 1974, p. 151. 46. Maurice Agulhon, Leçon inaugurale, loc. cit., p. 15, 25 e 27.
38. Para o sentido recoberto por esses dois termos, ver nossa intro- 47. Foram evocados aqui apenas os intelectuais franceses. Os feudos
dução no Cahier de f'lnstitut d'Histoire du Temps Présent, dedicado a intelectuais de outros países naturalmente também foram o objeto de
esses efeitos e esses fenômenos (nº 6, novembro de 1987, estudos coor- estudos fecundos: ver, por exemplo, Revue Française de Civifisation
denados por Jean-François Sirinelli). Britannique, vol. 4, nº 1, outubro de 1986, "Intellectuels et politique en
39. Ver Pascal Ory e Jean-François Sirinelli,Les inteffectuels.fi'ançais, Grande-Bretagne".
de l'affaire Dreyfus à nosjours, op. cit., p. 198; ver também "La guerre
d'Algérie et les intellectuels français", Cahier de 1 'Institui d'Histoire
du Temps Présent, sob a direção de Jean-Pierre Rioux e Jean-François
Sirinelli, publicado em novembro de 19118.