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/ Edição 02 Ano 1, Nº 02, Julho de 2011 | ISSN 2238–3336

Um acervo bicentenário
A Biblioteca de Obras Raras do Centro de
Tecnologia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro
/ Reportagens
Cordel, a palavra encantada
A Academia Brasileira de
Literatura de Cordel
entre Cultura e Informação

/ Artigos
A escolha de Sofia
Suporte eletrônico ou em papel?

/ Na Íntegra
Gutemberg Cardoso
“Eu defendo um princípio de que é
necessário que tenhamos o maior
quantitativo de
bibliotecas”
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Sumário / Edição 02
Ano 1, Nº 02, Julho de 2011 | ISSN 2238–3336

/ ARTIGOS 23 - Elisa Machado


40 - A esquizofrenia do escritor “Os governantes não têm a dimensão da impor-
Uma poética da obra de Godofredo de Oliveira tância e do potencial transformador que tem a
Neto leitura”
Por Carina Lessa Por Chico de Paula

42 - Quanto você precisa pra sobreviver? 49 - Acervos valiosos em destaque na TV
A revolta dos Bombeiros e a questão salarial Brasiliana Guita e Mindlin e acervo do casal
das demais categorias Otávio
Por Luan Yannick Tarquínio de Souza e Lúcia Miguel Pereira são
temas de programa da Globo News
44 - A escolha de Sofia Por Chico de Paula
Suporte eletrônico ou em papel?
Por Albert Vaz 24 - Entre Amigas
Projeto se dedica a recuperar a autoestima da
mulher
/ ENTREVISTAS Por Rodolfo Targino e Chico de Paula
5 - Gonçalo Ferreira da Silva
O presidente da Academia Brasileira de Litera-
tura de Cordel fala sobre a instituição / OPINIÃO
Por Dani Maciel 36 - Sobre democracia e wikileaks
O porque desse artigo estar relacionado com a
26 - Moreno Barros e Fabrícia Sobral sua vida
Como a relação entre bibliotecários e profissio- Por Agulha
nais de TI tem se estreitado
Por Chico de Paula 39 - Check-in para o amor
E a grande verdade é que desilusão é voar de
avião e confirmar que nuvem não é de algodão
/ NA ÍNTEGRA Por Ronny Laeber
15 - Antônio Carlos Oliveira
“A Biblioteca Solano Trindade tem feito um pa- 46 - História, jornalismo e ficção
pel de pressionar o poder Um novo jeito de narrar os fatos
público a reconhecer suas ações” Por Cláudio Rodrigues
Por Chico de Paula

17 - Mariana Corrêa / REPORTAGENS


“Acreditamos que a mulher é o pilar da família, 19 - Baixada Leitora
a base” Baixada Fluminense rumo à democratização do
Por Rodolfo Targino livro e das bibliotecas
Por Chico de Paula
21 - Gutemberg Cardoso
“Eu defendo um princípio de que é necessário 50 - Cordel, a palavra encantada
que tenhamos o maior quantitativo de bibliote- A Academia Brasileira de Literatura de Cordel
cas” entre Cultura e Informação
Por Chico de Paula Por Dani Maciel

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EXPEDIENTE

EDITORES
Chico de Paula
Emilia Sandrinelli
Filipe Santos
Hanna Gledyz
Jailton Lira
Rodolfo Targino

COLABORADORES
Albert Vaz
Allan Rocha
Claudio Rodrigues
Conceição Gomes
Luan Yannick

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Fala, editor!
As obras raras de todos nós
A Biblioteca de Obras Raras do Centro de Tecnologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
guarda tesouros valiosos
Por Chico de Paula

Existem obras importantes no Brasil que retra- Nossos leitores terão a grata oportunidade de
tam os desdobramentos históricos pelos quais ler a segunda parte da entrevista de Edson Nery
passou a nossa história bibliográfica. Dessas da Fonseca, intelectual destacado no cenário
obras, destaco duas. A primeira é de cunho mais nacional, que, entre outra coisa, fala sobre a
acadêmico e a segunda de cunho mais didáti- abertura dos arquivos da ditadura militar brasi-
co. Estou falando d’A longa viagem da biblioteca leira.
dos reis, da historiadora Lilian Moritz Schwarcz Especial também é a reportagem sobre a li-
e 1808 do jornalista Laurentino Gomes, respec- teratura de cordel. Dani Maciel, correspondente
tivamente. As duas obras fundamentais para se da biblioo no Nordeste, viajou até o Rio de Ja-
entender o tema tem uma coisa em comum: re- neiro e conversou com o presidente da Acade-
tratam em grande parte o acervo valioso hoje mia Brasileira de Literatura de Cordel, Gonçalo
pertencente à Biblioteca Nacional os duros ca- Ferreira da Silva, cujas palavras poderão ser li-
minhos percorridos para chegar lá. Contudo, das “Na integra”.
o que poucas pessoas sabem é que as obras E mais: ONG Entre Amigas trabalha a auto-
vindas de Portugal, quando da transferência da estima da mulher; Baixada Fluminense caminha
família real em 1808 para os trópicos, é que mui- em direção à democratização da leitura; Empre-
tas das obras que vieram nesta fuga não estão endedorismo no audiovisual e Um novo jeito de
ou pelo menos não devem estar só na BN. Cer- narrar os fatos e muito mais. Como é possível
tamente essas obras compõem hoje o acervo de perceber, a biblioo, neste segundo número, está
instituições diversas, tais como o Real Gabine- ainda mais dinâmica. Vale aqui destacar que
te Português de Leitura e a Biblioteca de Obras quse duzentas pessoas se manifestaram em
Raras do Centro de Tecnologia da Universidade nossa enquete, sendo que 78% consideraram a
Federal do Rio de Janeiro, sendo está última as- iniciativa da revista excelente. Ficamos felizes
sunto deste segundo número da biblioo, em vir- com isso e esperamos que aproveitem essa
tude do aniversário dos 200 anos de seu acervo, nova edição.
comemorado no final de 2010 e que não poderia Boa Leitura!
passar em branco.

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/ ENTREVISTAS
Gonçalo Ferreira
da Silva
O presidente da Academia Brasileira
de Literatura de Cordel fala
sobre a instituição
Por Dani Maciel Foto: Laura Marques / Agência O Globo

RIO – Nesta entrevista, concedida nas depen- D. M.: A literatura de cordel já alcançou o sta-
dências da Academia Brasileira de Literatura de tus desejado? Ou poderia ter mais destaque?
Cordel (ABLC), Gonçalo Ferreira da Silva, presi-
dente da instituição que congrega no imortais do G. F. S.: Bom, criança, é o seguinte: vamos
cordelismo nacional, fala da Lieratura de Cordel colocar os “pingos nos is” A literatura de cordel
e da ABLC. alcançou perfeição, ao que se propõe, mas a li-
teratura de cordel não pode dizer que é uma arte
Dani Maciel: Como é o trabalho da ABLC? pronta, do ponto de vista das regras gramaticais,
mas é uma arte. Até mesmo na questão da re-
Gonçalo Ferreira da Silva: É muito bom traba- gência, até a questão regencial na literatura de
lho. Só há um pequeno engano dentro do tempo cordel é preciso tomar cuidado porque ela não
e que isso se danifica dentro do tempo e não so- está. Porque a literatura de cordel é muito cuida-
mente agora é que, por exemplo quando surgiu dosa com seus fundamentos, e como é muito cui-
o pavão misterioso, o romance do Pavão Miste- dadosa com seus fundamentos, métrica, rima. E
rioso, um dos momentos de maior consagração, os meninos chamam de oração a concordância
tanto do poeta de José Camelo de Melo Resen- verbal, eles chamam de oração, métrica, rima e
de, autor do texto, como o romance em si, que oração. Nada mais a oração que eles tratam se
é o conto. Surgiram novelas; surgiram músicas não a concordância verbal. A coisa dos termos
e houve a confusão de muita gente dizer: “olha subordinativos coincidem de tal maneira que
o romance é muito bom, tem até novela!”. Ou dêem harmonia ao texto, e eles chamam aí de
seja, o pessoal invertendo os valores; pensan- oração. Esá certo, né? Que na verdade, a parte
do que os romances surgiram a partir das no- oracional da cultura nós entendemos mais que a
velas, quando na verdade as novelas surgiram dialética, mas vem deixar algo aqui que os ver-
a partir dos romances. E agora também, muita dadeiros classificadores da literatura de cordel
gente diz: “puxa vida, tem até novela, é, Cordel são os cordelistas. Não adianta vir professores
Encantado!”. Não, não é; a literatura de cordel dizer “é isso e aquilo outro”. É Ryan L’Emere,
não tem aquilo não, eles é que beberam, eles é grandes professores franceses e alemães, ten-
que estão bebendo da fonte chamada Cordel e tar fazer a classificação da literatura de cordel
não o contrário. A literatura de cordel alcançou no Brasil, porque a classificação da literatura de
um estado capaz de despertar no coração dos cordel no Brasil cabe aos poetas; são eles que
produtores de novelas e tudo mais, o interesse fazem a verdadeira classificação da literatura de
pela abordagem da literatura de cordel, que já cordel. Daí porque eu sendo tido como intelec-
nos textos para televisão e para grandes traba- tual aceito a maneira como eles falam: métrica,
lhos e tudo mais. E são incontáveis os trabalhos rima e oração. A oração não é nada mais do que
de monografia que nós temos aqui; para final de o respeito, do que uma obediência às regras
curso. São pessoas que vem fazer monografias. gramaticais que dão sentido ao texto. Porque
Eu tenho dezenas delas aqui. Com forte colabo- se não, aí ficaria uma coisa que quando fosse
ração minha, mas realmente quem tem mérito dizer cá fora… E agora quando começaram lá
é o cordel; porque o cordel é que é procurado fora, os meninos quando começaram lá fora,
para servir de elemento para a produção dessas ali até mesmo na época pré-barroca do Brasil,
monografias. os meninos faziam a produção com o professor
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Jaime Pedro Martelo [1665 – 1727] e outros pro- do tempo, mas nascente, dentro da cultura, re-
fessores italianos, que produziam a literatura de vertido como cultura. Ali eu tenho os socráticos.
cordel, o que eles faziam? Começavam fazendo Sócrates [filósofo ateniense] que ele próprio tra-
os versos rimados pares e iam até completar o ta de Aristóteles, tido como as três colunas mes-
sentido desejado e não se sabia onde se com- tras da filosofia Grécia clássica, como tudo tem
pletaria esse sentido; enquanto que agora nós nome e a pré-socrática em partes, ainda con-
somos escravizados aos seis versos, no caso da temporâneo dele, o Demócrito. Demócrito que
sextilha, aos sete versos no caso da setilha, aos é contemporâneo ainda de Sócrates, em partes
oito versos no caso das oitavas, aos dez versos sim, essa é pós-socrático 370 d.C. E aí você
no caso das décimas, do martelo galopado, o vê como uma produção dessas é tão densa e
alexandrino, enfim das regras que escravizam tão diversificada, que hoje em dia a literatura de
a gente à coisa que já existe dentro do padrão cordel pode ser vista como uma manifestação
de produção, enquanto que antigamente não. O cultural tão abrangente que ela trata de todos
Viriato Correia, ele fez o hino às águas: “água os temas da humanidade, desde o fato circuns-
em revolta a pororoca/água encaldal no reman- tancial até o primeiro momento mais importante
so/água alegre corredeira…”. Ele ia e tal, tal, tal da evolução humana. E eu posso até lhe dizer,
até que completasse a linha de raciocínio dele. isso é muito bom para os estudos nas universi-
Até completar a linha de raciocínio. Ele não era dades, que a literatura de cordel no que marcou
escravizado à formatação da literatura, fosse ela a divisão da pré-história para história, que foi
de cordel, fosse ela da linha mais clássica ou da a escrita, a escrita estabeleceu a história e an-
linha mais elitista. tes da escrita era pré-história porque não havia
história sem escrita, é sempre dinâmico com a
D. M.: Qual a principal característica da litera- escrita. A literatura de cordel começou a mos-
tura de cordel? trar os primeiros sinais e dali não parou mais. Is-
tambul, Turquia, os terrenos mudaram de nome,
G. F. S.: Hoje em dia não há mais nenhuma porque muda a geografia do mundo. Era Gré-
característica desse jeito… Porque antigamen- cia. Passou a previsão do domínio grego para o
te, do ponto de vista da criação… Antigamente domínio romano. As coisas mudaram de nome.
existia a literatura de cordel caracterizada pelo E eles não eram nada vaidosos naquele tem-
humor, caracterizada pela jocosidade, a sátira po. Quando construíam uma cidade colocava o
política e social. Mas hoje a literatura de cordel nome deles. É o caso de Alexandria. É o caso de
aborda desde a Grécia de Homero, 900 anos Constantinopla. O rapaz chama-se Constantino
antes de Cristo, até o episódio da morte dos es- [imperador romano], “fui eu que fundei a cidade,
tudantes em Realengo no Rio de Janeiro. Acon- dou o nome Constantinopla”. Não havia aquela
teceu, virou cordel! Sua pergunta ficou muito coisa de fazer a cultura para o mundo, mas se
engraçada, dependendo do que você realmente ficava para o mundo inevitavelmente, mas pri-
quer saber dentro da sua linha de raciocínio que meiro aquela marca sua.
gerou a pergunta. Por exemplo: eu aqui produ-
zo. Vocês estão vendo ali na tela Tales de Mileto D. M.: Como a literatura de cordel pode ser
[primeiro filósofo ocidental], Aleximandro de Mi- utilizada para enriquecer cultural e intelectual-
leto [discípulo de Tales] e Pitágoras [filósofo e mente a população brasileira?
matemático grego]. Os primeiros pré-socráticos
da Grécia antiga. Homero não é da Grécia an- G. F. S.: O caminho é as escolas. O caminho
tiga. É como queiram os historiadores. Ele era de toda e qualquer manifestação humana é
da Grécia nascente. É diferente. Alguns historia- chegar às escolas. Chegando às escolas o pro-
dores chamam Grécia antiga. Não! Era Grécia gresso se faz naturalmente, porque com o livro
nascente. O continente grego estava se firman- é assim. E como a literatura de cordel chega às
do culturalmente. Estava ali. Os deuses esco- escolas? Através das Secretarias de Educação
lheram a Grécia pra ser o salão de visitas do co- que recebe das prefeituras o material para a
nhecimento humano. Então não pode ser antigo implantação da literatura de cordel nas escolas
uma coisa que estava nascendo. Antigo é dentro que são responsabilidade daquelas secretarias.
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Não há outro caminho melhor do que esse. O bom. Você vê o Paulo Coelho, agora mesmo,
indicio da dinamização da literatura de cordel na Europa sem nenhuma vontade de voltar para
cai num estado de repouso, porque o estudo é o Brasil, com uma super abundância de dinhei-
muito lento. O que um poeta aprende em dois ro, cercado de tudo que é mordomia, e o outro
meses. Um estudante aprende em dois anos. É autor nem tanto; do mesmo modo acontece no
diferente. O poeta é mais instantâneo, porque cordel. Antigamente, e isso é questão de deba-
a própria natureza o fez assim. Como o poe- te mesmo, que inclusive eu fui convidado agora
ta é uma ferramenta da natureza ele sente as pela Academia Brasileira de Letras para no dia
dores do mundo; ele sente; ele diz o que você 26 fazer uma mesa redonda sobre o Cangaço,
está querendo dizer, ou não sabe, ou não pode, uma coisa do nordeste, então o que acontece…
ou não tem como arrancar palavras. O poeta é Antigamente você chamava um repentista pra
tudo isso, e o poeta de cordel é um poeta mais cantar. Isso é que as universidades hoje em dia
abrangente que pode existir, porque ele trata têm que saber, a gente chamava o repentista
da literatura; a manifestação desde a redondi- quando daqui a pouco apontava um rapaz lá na
lha menor ao grande alexandrino. Não é aquilo esquina, um matulão de um lado e a viola de
de dizer “aquele poeta é um grande sonetista, outro, andando vindo dolorosamente na dire-
aquele é um grande tal coisa”, não. O poeta de ção, era o repentista que vinha cantar pra gen-
cordel é completo, ou seja, é completo, como te. Hoje você chama um repentista do porte de
por exemplo, o poeta Geraldo Amâncio – pena um Geraldo Amâncio, de um José Maria, de um
que escreva tão pouco -, mas o que escreve é Flávio Teles, de um Miguel Bezerra, aí daqui a
muito bom! E depois tem o José Maria Fortale- pouco risca um carro do ano aqui na frente:”Ra-
za, que é daqui da Academia. Eu o empossei lá paz você já trocou de carro?”. Já rapaz: “sabe o
em Fortaleza, na Academia Cearense. Aqui é a que é Gonçalo, aquele carro fox eu simpatizava
posse dele [mostrando a foto]. Aqui é o acessor com ele, mas quando comprei, eu vi que veio
cultural, um representante da prefeitura de Ipú com vários defeitos de fabricação e eu nem ia
[cidade do interior do Ceará]. Eu e uma prima trocar agora, mas já que veio com defeito de fa-
minha, professora da Universidade do Ipú, que bricação eu resolvi trocar logo pelo modelo de
veio pra fazer o apontamento da Ata. Empos- 2012″. E é isso que as pessoas tem que saber,
samento do José Maria de Fortaleza, Júlio da porque se não fica que nem aquela coisa, do
Bahia. Depois eu empossei em João Pessoa: jogador de futebol, jogou, depois morreu bêba-
José Walter de Aquiles, que é irmão do Mora- do na sarjeta, foi socorrido por populares, e hoje
es Moreira, Roberto Brito, que é da Universida- os jogadores de futebol que tem a metade do
de de João Pessoa, João Pinto e João Dantas, futebol daquele tem empresários, a imprensa
que é secretário de cultura de Campina Grande. acerca, quer dar entrevista. Tudo muda, muda
Antigamente eu dizia qual universidade que eu muito; e o progresso quando ele vem, ou você
havia dado palestra. Hoje eu já posso perguntar obedece ou é esmagado por ele, e ele não per-
em qual que eu não dei palestra. Porque eu não doa. Então quando as pessoas ainda estão com
me lembro de nenhuma! A Universidade Fede- a mente escravizada… Há um caso de 40 anos
ral do Rio de Janeiro (UFRJ) é grande cliente já antes, quando convidava um repentista, pensa-
minha. Eu faço palestras lá sempre, principal- va: “ele vem cantar de graça, ou então a gente
mente na faculdade de belas artes e de letras, faz uma vaquinha de cinquenta cruzeiros, cin-
também de jornalismo, mas menos um pouco. quenta reais pra ele”. Não é aquele que você vê
Os meninos de jornalismo preferem as coisas agora que vai cantar, aí: “quanto é a cantoria?”.
na prática; eles vieram e filmaram aqui em cima “cinquenta mil.” Aí o dono que fez a apresenta-
e já viram as coisas na prática, já para usar. ção, cobra entrada das pessoas, só arrecadou
quarenta mil, tem que colocar mais um do bolso
D. M.: Como vivem os cordelistas de hoje? e pagou, porque na verdade faz porque gosta.
Então essa é a diferença: hoje um cordelista de
G. F. S.: Isso tem vários aspectos, porque grande porte, esse é o repentista… Eu acabei
em tudo no mundo, em toda manifestação da de falar do carro do ano e tudo mais. O corde-
inteligência humana existe o ruim, o médio e o lista de grande porte assim do nível do Gonçalo,
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do Manoel Monteiro, do Arievaldo Viana, são au- escrevemos bem ainda nos módulos, mas tem
tores que vivem tranquilamente, sem qualquer uma coisa… É uma concordância verbal, é uma
tipo de problema, tanto é, que já tem a grande colocação de pronomes, até mesmo errar uma
vantagem de não ter a ambição de ser rico. Isso palavra e tudo mais. Tudo porque nós somos in-
já é bom demais, porque ao poeta vestindo o teligentes, mas nós não temos sobre as nossas
que quer, comendo o que quer, viajando sem costas o peso de uma cultura formal. No nosso
problema como quer. Pronto! Pra ele já tá bom! caso quando uma editora nos contrata, ela nos
Não tem o interesse de amealhar fortuna. Pra contrata, como disse Olavo Bilac, “com a alma
que um poeta quer fortuna junta amealhada, se pura e o coração sem susto”, sabendo que nós
ele sabe que é uma ferramenta da natureza e sabemos fazer livro com qualidade, e não é pra
não elemento. Deixa para os economistas, para menos! Ela não vai pegar um texto desses e di-
os poetas não. Então no meu caso, eu graças zer: “e rapaz, vamos ver o que o Gonçalo fez.
a Deus, tenho três clientes, escrevo para três Caramba será que o Gonçalo não errou?”. Não!
editoras, uma dela em Fortaleza, a IMEP; faço A editora quando me contrata já sabe que eu
os meus folhetos ainda. Faço meus folhetos vou entregar tudo certo! Porque, por exemplo,
ainda, e muitos. Mas a arrecadação de dinheiro acabei de fazer essa coleção ciência “O siste-
está aqui [nos livros], editada aonde? IMEP, For- ma Solar”, olha como é que está o sistema solar
taleza, lá na Aldeota; lá a Lucinda, ela mesma porque eu acabei de escrever hoje, acabei de
tem equipe pra tudo, ela tem ilustrador, tem o fazer a redação hoje. Faço aqui nessa mesinha
Gonçalo, naturalmente, o autor do texto, então quando estou aqui no Rio. Faço aqui nessa me-
isso aqui, eu ganho 10% nas vendas; ela ven- sinha. Olha como é que está o Sistema solar em
de cinquenta mil dessas para uma prefeitura, aí rascunho. Mas o livro está todinho aqui já. Aí
eu vou ganhar 10% e cada livro desses custa você vê o sistema solar: “É em nome da cultura
vinte sete reais e oitenta centavos. Cinquenta todo trabalho que faço/O progresso da ciência
mil vezes vinte sete reais e oitenta centavos. É eu acompanho passo a passo/Principalmente
uma boa grana. Então dá pra gente viver com ao que se trata da conquista do espaço”. O edi-
tranqüilidade. Essa é uma editora, essa aqui já é tor está vendo que o camarada está falando com
outra, essa aqui já é a Editora Ensinamentos, de propriedade, está fazendo exatamente o que ele
Brasília. Ela faz os meus livros bilíngües. Esse não tem condição de fazer, é o que falta pra ele.
aqui [Gonçalo aponta para um de seus livros] “Quando nós observamos a noite o céu estrela-
está bilíngüe: português-espanhol. E detalhe: do/Todo o espaço celeste de estrelas povoado/
é pra ir para as escolas. Essa aqui é a minha Estamos embevecidos olhando para o passa-
editora no Rio de Janeiro. Editora Novele. A dis- do”. Quer dizer, essas estrelas que nós estamos
tribuidora dessa editora é em São Paulo, a Flo- vendo não existem mais, viveram á bilhões de
rescer. Foi essa editora, que vendeu os livros anos; não existem mais; nós estamos vendo a
dessa minha coleção Ciência em Cordel, que sua luz. “Viemos dos tempos príscos das eras
está saindo em doze volumes, para a Prefeitura primordiais/São os átomos encontrados nos
de São Paulo. Então eu posso lhe dizer que os corpos dos animais/Proveniente de estrelas que
poetas do nosso nível em diante não são ricos, já não vivem mais”. Então o editor lê, utiliza vá-
mas vivem sem problema. Tipo assim: vai fazer rias vezes a palavra “caramba!”, mas com ad-
uma palestra na UFRJ, quanto é? Mil reais. Me miração, não é: “caramba, poxa, será que deu
pegam aqui. Vou fazer a palestra e me trazem mole?” Não é? “Caramba”, de admiração. E aí
de volta aqui, sem problemas. Antigamente os vai vindo, vai vindo. Aliás quando eu terminei on-
poetas, mesmo como o Patativa do Assaré, nos- tem à noite tava muito ruim aqui, e eu terminei
so Patativa do Assaré, ele não tinha esse su- até aqui: “Fizemos breve relato sobre o sistema
porte todo. Primeiro ele não tinha sobre as cos- solar/ No qual encontra-se a terra, nosso querido
tas o peso de uma cultura formal. Ele era um lar/É uma gota diante do que nos falta estudar”.
homem que sempre escrevia certinho em uma É dizendo para o aluno, dizendo para o profes-
parte da memória e outra não. Assim somos nós sor, isso aqui vai pra mão do professor que vai
quando não sabemos. Somos nós quando não fazer uma análise para a sala e depois é que o
temos uma formação superior, somos assim; aluno vai tomar conhecimento; mas isso aqui eu
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estou realmente falando à todos dois, aluno e como um meio de comunicação de massa e po-
professor, ao final da aula: “Fizemos breve re- pular. Qual a sua opinião sobre isso?
lato sobre o sistema solar/No qual encontra-se
a terra, nosso querido lar/É uma gota diante do G. F. S.: Verdadeiramente, a literatura de cordel
que nos falta estudar”. Aí eu coloco as tabelas quando começou, ela realmente se propôs a ser
das viagens espaciais, das épocas, sistemas. E notícia, ser comunicação. É tanto que a literatu-
esse é o volume que completa aquela coleção ra de cordel ensinou o nordeste a ler. Nenhum
de doze volumes. E aqui termina dizendo: “Dez outro veículo, escola – se houvesse escola no
sextilhões de estrelas/Bilhões delas à distância/ tempo – foi tão eficiente para o aprendizado do
Sob as quais conservaremos obscura ignorân- homem do nordeste como o cordel; inclusive ele
cia/O número astronômico mostra/Nossa insig- é chamado como Livrinho de Athayde, porque
nificância”. A gente vê tudo grande aqui, mas na realmente ensinou o nordeste a ler. A literatura
verdade a Terra não é vista nem como um grão de cordel foi a responsável por isso… Milhares
de areia em relação ao Universo. Dez sextilhões de nordestinos, inclusive eu, aprenderam assim.
de estrelas, ou seja, você escrevendo o número, Foi um veículo de suma importância, depois a
daria uma volta nos campos só de algarismos, segunda grande importância da literatura de
números; só pra dizer o número de estrelas que cordel foi se transformar em jornal; porque foi o
existe no universo. Aqui a tabela que eu já fiz, veículo de maior entre os camponeses. Poderia
olha como o trabalho é criterioso, aqui é a Tabe- até sair [a notícia] no jornal da capital, e os cam-
la: Nome: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpi- poneses só acreditavam se saísse em cordel. “A
ter, Saturno, Urano e Netuno, Plutão não mais, morte do Getúlio Vargas”, “A morte do…”, enfim,
Plutão já caiu, virou “plutóide”, ou seja, planeta os grandes acontecimentos do Brasil e do mun-
anão. E aqui as distâncias. Distância média do do, quem ratificava a notícia, com segurança,
Sol: milhões de quilômetros, diâmetro equato- era o cordel. “Não, eu só acredito se sair em cor-
rial, quilômetros. Evolução: dias, rotação/dias; del. Isso é conversa de jornal, rapaz. Vocês tão
Temperatura: graus centígrados; Satélites, e aí com conversa e conversa de jornal. Eu só acre-
eu ainda digo em baixo: 1) desde o dia 24 de dito se sair em cordel!”. Pra você vê a importân-
agosto de 2006, Plutão passou a categoria de cia da literatura de cordel. Outro dia chegou aqui
planeta anão, e depois, 11 de junho de 2008, foi um grupo e perguntou: “Gonçalo o que é que
designado como plutóide; 2) a rotação de Vê- você acha da literatura de cordel na internet? Se
nus e Urano é reversa. Isso é que é um verda- você achar legal faça um martelo”. Você sabe o
deiro desafio que a natureza faz. Os planetas que é um martelo, né? O martelo é uma com-
giram em sentido horário, com o Sol no meio, posição, de uma estrofe com dez versos de dez
e eles girando em sentido horário. Vênus faz sílabas. Aí eu fiz o martelo, e dei pra eles. Fiz e
o contrário. Netuno faz o contrário. E o dia de gravei logo, porque eu podia fazer uma palestra
Vênus é mais longo do que o ano. Tudo isso e no momento eu… Aí eu disse: “Filho amado
a gente passa para o cordel. Nós temos ainda da mente nordestina/Sempre teve o cordel gran-
poetas escrevendo coisas muitos simples, que de sucesso/Cavalgando no dorso do progresso,
eu escrevo coisas muito simples, principalmente mas fiel a escola Leandrina/Muitas vezes saía
porque eu tinha exposição, e, quando você tem da oficina, como notícia de impacto social/Foi aí
exposição você tem que ter de tudo: humor, até que o cordel se fez jornal/Na linguagem padrão
mesmo o que nós não gostaríamos de escrever e não a culta/Sendo a paternidade absoluta/
e tudo mais, mas realmente eu alcanço a pleni- Pode mesmo o cordel ser virtual”. Então acaba
tude do meu estilo, quando falo de ciência. Eu com a charada. É claro que sou amigo do pro-
sou amante da ciência! Depois vem o Cangaço, gresso. Eu seria um maluco pra contrariar o pro-
por ser um tema brasileiro e que poeta algum gresso, ouviu? Aí você vê a importância da Lite-
consegue fugir a tentação de convergir para o ratura de Cordel como veículo de comunicação,
Cangaço, daí porque me convida para dá esse como jornal e como um instrumento de ensinar.
tipo de palestra. O povo aprendeu ler no nordeste um pouquinho
com a bíblia, mas basicamente com o cordel.
D. M.: A literatura de cordel foi caracterizada Hoje em dia ainda você vê os centros culturais
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dizer: “Puxa, mas o poeta não manda o cordel!”. leva a imagem e som ao mundo todo, e foi pra
O poeta não escreve pra mandar pra ninguém. televisão. Não é a toa que nos aqui temos no-
O poeta não vai se lembrar de escrever o cordel, venta e seis programas gravados, que começou
colocar no envelope pago e mandar para o cen- em videocassete e agora tá passando tudo pra
tro cultural, para a Casa de Rui Barbosa, para a DVD. Não foi à toa! Agora a internet, é muito
Biblioteca Nacional, não. Ele escreve o folheto cedo; o mundo inteiro toma conhecimento, por-
pra ele ler no fim de semana para os amigos, na que vai para o site da Academia, o site aponta o
feira do fim de semana. “Rapaz, veja aqui o que blog, o blog leva pra outros blogs que são cria-
eu acabei de escrever e tal”. Faz aquela roda e dos e agregados a ABLC, e o martelo ganha o
ler. Atualmente já tem aqueles que até se preo- mundo. “Ih, rapaz, a Academia é moderna mes-
cupam, porque pedem muito a questão da data, mo, é avançada; olha, está andando junto com
quando terminar de escrever o cordel colocar a a internet, né?” E há as pelejas virtuais; debates
data, o mês e o ano e tal; os poetas passaram a poéticos virtuais; as pelejas virtuais; peleja de
se preocupar um pouco. Aqui com a Academia, Cleverson Viana com outro poeta virtual. Um
agora, eles mandam cordel toda semana, mas é diz uma estrofe aqui no monitor, joga, e o outro
porque eles sentem que isto é uma coisa deles. responde aqui. Isto é a peleja virtual. Às vezes
Biblioteca Nacional, Casa de Rui Barbosa, eles fica até ali mesmo, e outras vezes eles tiram no
acham pompa demais para a modéstia do traba- papel e fazem o folheto. Quer dizer então que
lhinho que fazem. O trabalho que fazem é muito a Literatura de Cordel teve o trabalho… Não, o
importante, mas não é assim que eles pensam. trabalho não; o cuidado de aliar-se ao progres-
Escrevem para eles. É pra divertir. Isso mesmo! so e não tornar-se adversário dele. É lógico que
Pra divertir e aí aproveita e ensina, né? Porque depois do rádio de pilha; depois desses avanços
os folhetos da época do Athayde – porque foi o a gente caminha junto nesses avanços; só que
maior editor de literatura de cordel no nordeste a literatura de cordel alcançou, porque alcançou
– então no tempo dele é que se disseminou a com qualidade. A literatura de cordel não voou
literatura de cordel pelo nordeste. Porque a pro- do barbante para as salas das universidades pe-
dução dele abarcava os nove estados do nor- los seus belos olhos; voou por qualidade. E hoje
deste; as principais cidades dos nove estados a literatura de cordel está nos corredores acadê-
do nordeste. Ele tinha os revendedores que ele micos, nas salas universitárias; mas pela quali-
chamava de agentes. Aí um agente editava cin- dade. Você lê e você não tem como contestar
qüenta mil [cópias da história do ex-presidente isso. A história é muito clara: peguei aqui Corpos
da República] Getúlio Vargas. É um fato circuns- Celestes – em Corpos Celestes está Copérnico,
tancial, de grande impacto social. Aí os folhetei- o físico polonês – está aqui Galileu, físico italia-
ros iam lá e pegavam cem, duzentos e espalha- no; e aqui está Constelação que é o projeto da
va aquilo ali pelos estados do nordeste. NASA que foi criado para levar o homem de vol-
ta a Lua, a Marte e outros destinos no Sistema
D. M.: Qual a influência dos demais meios de Solar; Aí você lê Copérnico: “No tempo de Nico-
comunicação (TV, internet, etc) na utilização do lau/Apenas os suicidas/Sabendo que pagariam
cordel nos dias atuais? Favorece ou despresti- com suas próprias vidas/Questionariam normas/
gia o cordel? Antes estabelecidas”. O que estou dizendo é
exatamente uma coisa que era o pensamento
G. F. S.: Tudo tem uma questão de interpre- da igreja na época, e o aluno que está lendo diz:
tação, não é, Daniele? Porque se a Literatura “Caramba!”, e o professor diz: “Rapaz!”, “Pois
de Cordel tivesse os avanços como adversários a igreja/Temendo a humana evolução/Consi-
e não como aliados teria se dado mal. Mas a derava a ciência/Verdadeira maldição/Portanto
Literatura de Cordel, quando chegou o rádio, grande inimiga/Do pensamento Cristão/A con-
a literatura de cordel teve o rádio como aliado; clusão perigosa/A que Copérnico chegou/De
chegou o rádio de pilha, a Literatura de Cordel que o Sol/É o centro do sistema o fascinou/Pois
fez o mesmo, cavalgou sobre as ondas eletro- só pouco antes da morte/Por precaução publi-
magnéticas do rádio de pilha. Chegou a televi- cou”. Vocês que são estudantes já sabem mui-
são, ora! Vamos nos associar a um invento que to bem… E Galileu, mentiu, porque ele fez uma
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análise dele mesmo e viu que ainda tinha muita Holocausto dos homens nus, de Manoel Mon-
contribuição a dar para a ciência, portanto, não teiro que você tem que ter cuidado se não você
ia se entregar a fogueira desnecessariamen- passa do ponto do ônibus, porque o texto real-
te. Então é isso: a Literatura de Cordel chegou mente prende.
com qualidade, de maneira irrespondível. Não
há quem possa dizer: “Não, mas isso aqui, num D. M.: Atuamente quem é o público do cordel?
sei o que, não!”. É claro que ela começou ca-
pengando, como toda e qualquer manifestação G. F. S.: O público é muito variado. Esse públi-
do pensamento humano que começa capengan- co fica mais homogeneo, a partir do instante em
do. Um dia, há muitos anos, vocês ainda não que o cordel entra na escola. Essa coleção aqui
tinham nascido, um aluno perguntou pra mim: [aponta para uma coleção de LC para estundan-
“Mas Literatura de Cordel, não é aquilo que os tes de ensino fundamental] foi feita para o pú-
ceguinhos cantavam no pé dos vegetais, com blico infanto-juvenil, mas como vocês sabem a
feição de concha, implorando a caridade públi- Literatura de Cordel é muito gostosa de ler em
ca?” Ele disse assim, com o pensamento de me qualquer idade. Aí já é outra coisa. O texto foi
desestabilizar, agora imagine como ele é pobre destinado a uma linguagem… O texto foi des-
coitadinho, porque se eu vou para um salão que tinado ao público intanto-juvenil. É este público
está discutindo ciência, eu vou exatamente con- que eu estou dizendo que basicamente… En-
testar um cientista, no mínimo eu sou maluco. tão o público da Literatura de Cordel fica mais
Não é eu chegar num auditório, para fazer uma homogeneo quando o cordel entra na escola.
palestra sobre Literatura de Cordel, o aluno que- Fora da escola você é admiradora do Cangaço,
rer desestabilizar o orador. Não tem condição! Aí compra o Lampião; você ama a ciência, cole-
eu disse: “É sim, a literatura de cordel começou ção Ciência em Cordel, todos do Gonçalo, essa
assim, quando você começa você é nu, você só aqui é a pessoa que ama ciência. Têm pessoas
faz é chorar; depois é que você vai se desenvol- que amam a ciência de tal maneira que chega
ver até ficar o homem que você é, mas começa ali pega, vai pegando, vai pegando, vai pegan-
assim”. A Literatura de Cordel começou assim do, quando chega pergunta assim: “Não tem tal
também: começou engatinhando penosamente, [cordel]?” Eu digo assim: “Não tem ainda”. Por-
até porque ela chegou na mala dos nosso co- que se tivesse levaria. Estava levando um de
lonizadores portugueses na Bahia, sem nome. cada e se tivesse mais o que procurou, ainda
Tinha deixado na herança peninsular o nome de levaria. Esse é um público diferente; um público
folhas soltas; pliegos sueltos na Espanha, e fo- que ama ciência e associa esse amor ao texto
lhas soltas em Portugal. Mas se desfez dessa do cordel. Eu vou ler em cordel. Eu estava até
identificação e começou no Brasil tudo de novo; fazendo em uma ocasião uma palestra na Fa-
e caminhou sem nome, até a chegada de Gre- culdade de Letras da UFRJ, lá no prédio mesmo
gório de Matos [considerado o maior poeta bar- da Reitoria; nós estavamos fazendo essa par-
roco do Brasil e o mais importante poeta satírico te de ciência; chegamos em Arquimedes, aí eu
da literatura em língua portuguesa do final do disse: “Disse Arquimedes enquanto fazia em um
século XVII); naquele tempo ele deu à literatura traço/Com uma alavanca e um ponto de apoio
de cordel o nome de poesia popular erradamen- no espaço/Posso suspender o mundo/Em meus
te porque a Literatura de Cordel não tem o com- braços…”. Essa passagem de Arquimedes mui-
promisso de ser poesia; ela é uma manifestação ta gente conhece, mas é bem mais bonita em
cultural narrativa. Muito rica em sua narrativa. A cordel. Além de dizer uma verdade eterna, ainda
poesia aparece aqui e ali, nos momentos mais tem a beleza da literatura de cordel.
sublimes dos autores, mas ela não se propõe a
isso; ela é narrativa. Uma narrativa que escra- D. M.: Qual o público-alvo da ABLC?
viza, que você não tira os olhos do texto. É a
beleza do texto de cordel. Mas falando de bons G. F. S.: O público da ABLC é heterogeneo
poetas, não é, porque por aí você encontra coi- também, por causa disso, porque ela atende a
sa que não é bem assim ainda, mas eu quero muitos tipos de interesse. Quando uma pessoa
dizer de bons poetas. Duvido que você leia o faz uma festa de São João vem comprar cordel
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muitas vezes pra enfeitar com cordel. Vender Academia Brasileira de Letras. É tanto que eu já
e enfeitar, basicamente. É pra enfeitar mesmo. fui candidato lá. Sabia que ia perder porque não
Agora mesmo eu vou ser homenagedo na cida- queria ser candidato. Eu fui levado pelo colegia-
de de Ipú, na minha cidade, e eles pediram pra do, porque eu fui presidente, como ainda sou
eu mandar duzentos folhetos pra distribuir lá. Eu desta Academia. Eu fui presidente da Academia
fiz até uma edição em homenagem a cidade de cearense. O que acontece: os dois colegiados
Ipú e vou mandar pra eles. E assim eu acho que eram… Eram não! São ainda numerosos e for-
o público tanto da Academica quanto da Litera- tes, e mandaram o meu nome para a Academia
tura de Cordel, de maneira mais global, é mui- Brasileira de Letras e eu cumpri aquelas forma-
to heterogêneo, porque há muitas tendências. lidades todas de mandar livro editado acompa-
Chega aqui pessoas que amam o messianismo, nhado de currículo e tudo mais, mas eu sabia
a crendisse popular, vai pedir: Antônio Conse- que não ia ganhar do Paulinho; porque o Pau-
lheiro, Padre Cícero, O Grande exemplo de Je- linho já estava bem; já estava muito bem. É o
sus, Chico Xavier. Chega outro que quer sobre Paulo Coelho. Naquele tempo um grande amigo
o Cangaço; que vai querer tudo sobre Cangaço. meu, era diretor do Centro de Pesquisa da Casa
Quer dizer, é muito difícil determinar um público. Rui Barbosa, e, aí eu fui no dia 7 de setembro
Realmente a Literatura de Cordel atende a mui- de 1978. Fui à feira de São Cristovão, e quando
tos e muitos interesses. Tanto é diverso o públi- cheguei lá eu encontrei os artistas em situação
co como a diversidade na Literatura de Cordel é subumanas, cantando diante de caixas de som
proporcional de uma coisa a outra. estrategicamente colocadas para acabar com o
som da viola deles; o suor escorrendo no rosto
D. M.: O que fomentou a criação da ABLC? e o som das violas longe de vencer o barulho
das caixas de som gigantes que colocaram ali.
G. F. S.: A academia foi fundada no dia 7 de Os cordelistas vendendo nos tabuleiros, com
setembro de 1988. Está com vinte e três anos.É as grandes empresas chegando e com sacos
adulta, né?! Teve dez anos de gestação, porque empurrando a banca; a banca rangendo pra lá
a Academia foi fundada depois de um criterioso e pra cá; eles querendo espaço, e o pobre do
estudo para não haver qualquer dúvida sobre a cordelista querendo ficar com a banca dele ali.
questão de ser uma instituição vitoriosa. A aca- Eu achei aquilo criminoso. Voltei com essa ideia,
demia, é assim, pra fornecer informações mais já pensando em criar uma instituição. Daquele
completas; para ser mais consistentente. Eu, dia em diante começou o estado de gestação
sendo funcionário da rádio MEC, onde me apo- da Academia, que durou dez anos. Quando foi
sentei, e ali eu já lidava com pessoas importan- exatamente no dia 7 de setembro de 1988, dez
tissimas, fui colega de sala do Carlos Drumont de anos depois, fundei a ABLC. Fundamos porque
Andrade, Paulinho Aiala, Dinah Silveira de Quei- institui uma diretoria; redigimos o estatuto; leva-
roz, Raquel de Queiros, Maluh de Ouro Preto, e mos ao cartório de pessoa jurídica. Foi criado
outros gigantes da cultura. E aí na parte do te- um grupo pra isso, mas nós tivemos o cuidado
atro nós éramos colegas do Sadi Cabral, Mário de fazer uma analise criteriosa das coisas. Eu
Lago, Maria Pompeu, Celina Ferreira, Paulo Au- me reuni com tanta gente que eu nem me lem-
tran. Esse pessoal, né?! Na parte de música nós bro mais na Academia Brasileira de Letras. Falei
eramos muito amigos de maestros do porte do com vários contatos lá: Rachel de Queiros… A
Eleazar de Carvalho, cearense; de um maetro Rachel de Queiros era uma pessoa muito boa.
Isaac Karabtchevsky, Edino Krieger, Alceo Boc- Rachel, quando ela ficou velhinha, foi pra morrer
chino; Abigail Moura, das peças afro-brasileiras; logo porque enquanto ela estava na ativa na Re-
Isaac Karabtchevsky da orquestra sinfônica bra- vista Cruzeiro ela era uma pessoa muito dinâmi-
sileira. Esse tipo de gente com quem eu lidava. ca e o apartamento dela, o prédio tem o nome
Nós éramos amigos do Paulo Beth Campos, do dela, Edifico Rachel de Queiros. Eu fui lá fazer
Paulo Corrêa. Tudo gente daquela época, que documentário algumas vezes, e algumas vezes
já faz muito tempo. Quando pensei em fundar a gente ia pra conversar mesmo, pra bater papo.
a ABLC, eu consultei essa gente toda. Nós éra- Ela sozinha lá; eu quero dizer sem um escritor,
mos grandes amigos de figuras importantes da sem ninguém lá; só um quadro de funcionários
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pra servir a ela. Ali eu fui amadurecendo, ama- G. F. S.: Nós não escolhemos. Nós moráva-
durecendo até que vai fazer dez anos no dia 7 mos aqui. Se morasse em Brasília seguramente
de setembro, e eu vou aproveitar a data pra fun- a sede seria em Brasília; se morasse em São
dar a Academia. Nós nos reunimos. Um político Paulo, seguramente seria em São Paulo; se mo-
nos deu apoio nos emprestando um andar num rasse em Recife, seguramente seria em Reci-
prédio em frente à Central do Brasil, num banco. fe. Então a sede é onde eu estava. A sede da
Banco Itaú. Lá no terceiro andar arranjou uma Academia fica no rio de Janeiro, o coração fica
sala, fundamos nossa academia. no Ipú. Eu amo a minha cidade. Ipú no Ceará é
uma miniatura do Rio. Situada entre a serra e o
D. M.: Vocês encontraram alguma dificuldade mar como o Rio. O padroeiro é São Sebastião
para criação da ABLC? como o Rio. O monumento não é uma cruz, é
um Cristo como no Rio, só que com as propor-
G. F. S.: Muitas dificuldades. Dificuldades fi- ções necessárias. Mas é uma miniatura do Rio
nanceiras lógicas e dificuldades de se construir de Janeiro. Eu amo o Ipú de tal maneira que
um quadro [de pessoas], porque uma instituição uma vez eu fiz um discurso lá e disse para o pre-
só é instituição se tiver o seu colegiado; se não feito: “vocês são PMDB, aquele outro é PSDB, o
tiver [um quadro de pessoas] não será. Será um outro é PSD, eu sou Ipú. Eu sou o que for bom
botequim ou uma coisa qualquer que eu encon- pra minha cidade”.
tro com você aqui, com você ali e não sei o que,
mas não é uma instituição que tem reuniões re- D. M.: Quais são as atividades da ABLC como
gulares, que tem atas de registro enfim, muita instituição?
coisa pra ser uma instituição. O nome Academia
Brasileira de Literatura de Cordel foi também G. F. S.: Elas variam de ano para ano, por-
tomado com muita precaução, porque se fosse que essa questão de atividades está mais pre-
Academia Brasileira de Cordelistas teria fecha- sa aos projetos do governo. Nós agora fizemos
do; se fosse Academia Brasileira de Repentis- um projeto que se chama “Encontro dos Poetas
tas teria fechado; pra ser o que ela é hoje em Populares e de Roda de Cantoria” que envol-
dia, com o nome que tem no mundo todo, ela veu o mês passado. Alcançou o auge. Na quin-
teria que ser a Academia Brasileira de Literatu- ta, na sexta e no sábado fizemos a plenária de
ra de Cordel pra ter uma abrangência capaz de encerramento aqui encerrando as atividades do
atrair pessoas como você, como o grande po- Encontro dos Poetas Populares e de Roda de
eta, como o grande repentista, como o grande Cantoria. Aqui ainda tem as tardes festivas de
gravador, como o grande pesquisador interessa- sábado onde é servido baião de dois. Esse tipo
do no registro da Literatura de Cordel nos meios de coisa assim… Mas a academia nesse ponto
de comunicação e de preservação da Literatura guarda as características realmente do nordes-
de Cordel; porque se não fosse assim, não te- te. Não nega sua vertente mais forte que é o
ria sido a instituição que é. E isso eu preguei nordeste. Enquanto lá na Academia Brasileira
na Academia Cearense: “Vocês não podem ser de Letras é o chá, aqui é o baião de dois.
tão grandes quanto à Academia Brasileira de Li-
teratura de Cordel pela própria abrangência da D. M.: A ABLC possui um rico acervo de folhe-
ABLC ser de amplitude nacional. Vocês aqui [no tos e xilogravuras. Em relação a isto, como é o
Ceará] são uma academia estadual. A constitui- acesso?
ção de um prazo é mais difícil; os valores não
são os mesmos que a gente possa adquirir des- G. F. S.: No momento está assim, na catalo-
de o âmbito nacional para a estreiteza do âmbito gação… A sala de catalogação e o centro de
estadual. Todas essas limitações de uma insti- referência estão ocupados com esse trabalho.
tuição local… Pra você ter uma noção, a gente tem um prelo
de 1880 que passou um mês na televisão, nos
D. M.: Porque vocês escolheram o Rio de Ja- Detetives da História, porque eu afirmei que o
neiro como sede da ABLC? prelo foi utilizado por Leandro Gomes de Barros
[poeta de literatura de cordel do século XIX) e
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ele pra se certificar que eu não estava mentindo com a pesquisa. Então é isso: o trabalho aqui
veio aqui e disse: “Bom, Gonçalo, se você não de preservação é de cerca de treze mil títulos
estiver mentido é muito simples: nós vamos fa- de cordel. Lá o estoque está chegando a cerca
zer uma pesquisa pelo Brasil todo até certificar de duzentos mil folhetos de cordel. É o estoque
que isto é verdade e se esse prelo foi usado por que abastece as cordeltecas espalhadas pelo
Leandro Gomes de Barros em 1889”. Eu ajudei Brasil, que nós temos de avanço nesses quinze
ele ir ao nordeste. Falou com a diretora, uma anos de cordeltecas espalhadas pelo Brasil com
pesquisadora da Fundação Casa Rui Barbosa, o verso avançado aqui da ABLC.
e a pesquisadora disse: “Olha, eu acho muito
difícil, muito difícil esse prelo ter sido usado pelo D. M.: E qual o impacto que a ABLC causa na
Leandro”. E ele falou isso comigo aqui, mas eu sociedade ao proporcionar a preservação des-
falei: “Pois é, mas você escreveu isso e não foi ta tradição? Como vocês vêm a contribuição da
feliz, porque quem falou isso não foi Gonçalo, ABLC para garantir esta preservação?
quem falou isso foi uma instituição que fez essa
afirmação. Eu estava falando em nome da insti- G. F. S.: As notícias vão normalmente aqui e
tuição, não é uma brincadeira. Não é algo que a ali. Não é uma coisa contra a outra, como no
pessoa diga de forma aleatória e irresponsável, caso da novela das seis que muita gente me faz
foi em nome de uma instituição”. Ele voltou aqui a pergunta; a Academia não foi inspirada na no-
com a crista meio baixa. Voou pra Fortaleza. Em vela e sim a novela inspirada na Academia. É
Fortaleza foi à casa do Arievaldo, que tem um tanto que os profissionais da TV Globo vieram
grande acervo e é um grande admirador do Le- aqui colher tanto material humano, como ma-
andro; aí o Arievaldo disse: “Olha rapaz, eu não terial de ilustração, para aquelas vinhetas que
posso afirmar que foi, mas agora só tem uma você vê e foram feitas aqui, e tudo isso. Então
coisa, se o Gonçalo afirmou que foi é porque as a gente tem sim. A gente acompanha passo a
possibilidades são enormes de ser; porque ele passo a importância da Academia do ponto de
não é de falar uma coisa de maneira irrespon- vista da comunicação como um instrumento de
sável. Além do mais, ele é o presidente da Aca- cultura. E isso eu acredito que a academia ins-
demia”. Mas de qualquer maneira, ficaram res- talou. Nós estamos com representação fora do
quícios de impossibilidade. Mas se você busca a Brasil, em vários locais no Instituto Datilográfico
verdade, vai encontrar a verdade lá em Juazeiro de Nicho Otelo, na Suíça francesa; nós temos
do Norte, lá com Lourenço, que lida com esse uma exposição permanente, lá no Instituto Dati-
material do tempo do Leandro. Ele foi chegou lá lográfico. Nós temos a nossa assessora de im-
em Juazeiro, procurou a Lira Nordestina, a su- prensa Adriana Cordeiro. Ela tem uma pequena
cessora da Tipografia São Francisco. Aliás, eu exposição dentro da Universidade Autônoma de
tenho aqui uma foto, ele é um documento histó- Barcelona, onde ela está terminando o curso de
rico, uma testemunha da história. Ele chegou lá. doutorado, e nós temos uma estante, não uma
Procurou o Lourenço e o Lourenço disse: “Você cordelteca, uma estante só no Museu Nacional
vem do Rio? Porque o lugar onde sabem bem de Kyoto, no Japão. E eu acredito até que quan-
disso é na ABLC. É na Academia Brasileira de Li- do eu passar para o andar de cima, que não de-
teratura de Cordel”. Aí o detetive disse: “Rapaz, mora mais, tanto que estou até nos acréscimos,
mas nós já viemos de lá. O prelo é esse aqui de eu acredito que eu vou deixar o mundo impreg-
1880”. O Lourenço disse: “Rapaz, se você não nado de Literatura de Cordel. Do mais modesto
tiver mentindo, você tem aí algum tipo?”. O tipo município do Brasil ao Museu Nacional de Kyoto
que ele chama é a letrinha. E o Lourenço tirou o no Japão, vou deixar o mundo impregnado de
saquinho de conto do bolso, tirou um tipo do bol- Literatura de Cordel. Deus, na sua infinita mi-
so. “Tem um A maiúsculo?”. O Lourenço entre- sericórdia, me dê mais algum tempo. Também
gou um A maiúsculo e ele confrontou lá e disse: eu não estou aqui querendo fazer um questio-
“Sim, esse prelo foi usado por Leandro Gomes namento com ele, porque se for pra eu ir daqui
de Barros”. Ele voltou todo feliz aqui: “Caramba, a dez anos, a dez minutos também está de bom
Gonçalo, caramba! Utilizou a palavra “caramba” tamanho. É com ele mesmo.
umas dez vezes, porque eles saíram vitoriosos
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/ NA ÍNTEGRA

Antônio Carlos Oliveira


“A Biblioteca Solano Trindade tem feito um papel
de pressionar o poder público a reconhecer suas ações”

Por Chico de Paula

RIO e DUQUE DE CAXIAS, RJ – Antônio Carlos Oliveira,


coordenador da Biblioteca Comunitária Solano Trindade, fala
sobre a criação da Rede Estadual de Bibliotecas Comunitárias
do Rio de Janeiro.

Chico de Paula: Como têm sido desenvolvidas as atividades


das bibliotecas comunitárias aqui na Baixada Fluminense?

Antônio Carlos: Já existia uma necessidade muito grande


de articulação de bibliotecas comunitárias aqui em Duque de
Caxias, não só visando angariar recursos, mas de articular os
movimentos. A Biblioteca Solano Trindade, que hoje é ponto
de leitura, tinha mais informações relacionadas ao Plano Na-
cional do Livro e da Leitura. Trouxemos essa discussão pra
cidade pra construção do Plano Municipal do Livro e da Lei-
tura. Assim, houve a necessidade de articular as bibliotecas
para definirmos um plano de ação para a construção do Plano
Municipal. Nessa articulação conseguimos convidar mais de
uma dezena de BCs, não só de [Duque de] Caxias, mas como
da Baixada [Fluminense] e do Estado, que deu fruto a recém
criada Rede Estadual de Bibliotecas Comunitárias do Rio de
Janeiro. Isso significa pra gente um marco na luta pelas BCs,
bem como pelo reconhecimento, não só como movimento po-
pular, mas como movimento educacional, de fomento à cultu-
ra e valorização da leitura, não só como um hábito, mas como
um prazer.

C. P.: Como é a relação do poder público com as BCs nessa


região?
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A. C.: A Biblioteca Solano Trindade tem feito um papel de
pressionar o poder público a reconhecer suas ações, o que,
até então, era feito de forma individualizada como Biblioteca
Solano Trindade. A partir da organização e articulação, nós
temos feito em bloco, fazendo com que os benefícios que
estavam na Biblioteca Solano Trindade, fossem socializados
com todas as bibliotecas da Rede. Até então era praticamente
ignorada, tanto que a Biblioteca Solano Trindade conseguiu
reconhecimento primeiro do Ministério da Cultura e da pre-
feitura só agora, depois de seis anos. De tanto a gente andar
pelo Brasil, pelo estado, pela Baixada falando que não tinha
o apoio da prefeitura, isso surtiu um efeito e fez com que a
prefeitura passasse a nos procurar como parceiro e como ele-
mento aglutinador, não só das BCs, mas de outros movimen-
tos populares ligados a livro e leitura.

C. P.: O Plano Municipal do Livro e Leitura está prestes a ser


implantado, que reivindicações vocês irão levar?

A. C.: No dia 02 de julho vai acontecer o primeiro Encontro


do Plano Municipal do Livro e Leitura e uma das questões
das BCs é, primeiro o reconhecimento do poder público como
agente transformador da comunidade; que contribui pra trans-
formação da comunidade. Questões práticas: está em pauta
a criação da Secretaria Especial do Livro e da Leitura e a in-
tegração dessas bibliotecas comunitárias na Rede de biblio-
tecas do município de Duque de Caxias. E um debate mais
aprofundado é a questão da dotação orçamentária da cidade
de Duque de Caxias pra projetos de incentivo à leitura, inde-
pendente de ser BC ou não, como temos vários outros movi-
mentos ligados a livro e leitura em Caxias. Eu acho que é uma
questão importante, nova: que é de vanguarda aqui na cidade.

C. P.: Vocês acreditam que o poder público de um modo em


geral vai receber bem essas propostas ou pode haver alguma
resistência?

A. C.: Resistência sempre vai ter. Não conta com o poder


público que sempre vai ter. Mas, nos mostrando, de forma or-
ganizada, articulada, forte, eles verão que rechaçar isso é ir de
contra o próprio objetivo do governo, que é trazer a população
para participar. Nós estamos formulando políticas públicas na
área do livro e leitura, coisa que já era para estar sendo feito
e não está. Nós vamos pegar nossa experiência; pegar nossa
articulação; nosso movimento e colocar a serviço do poder
público, pra que isso seja implementado na cidade de Duque
de Caxias. Trabalhar com a Secretaria de Educação; trabalhar
com a secretaria de cultura. E agora com a REBCRJ.

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/ NA ÍNTEGRA

Mariana
Corrêa
“Acreditamos que
a mulher é o pilar
da família, a base”
Por Rodolfo Targino
RIO - Mariana Corrêa, gerente da ONG Entre nino e sabemos que a organização se deu com
Amigas, fala sobre a instituição dedicada a tra- a parceria da ONG Esquina do Livro. Como foi
balhar a autoestima da mulher. essa parceria, a aceitação do público com essa
biblioteca, como é esse contato?
Rodolfo Targino: Mariana, como surgiu a ideia
da criação da ONG entre amigas? M. C.: A ONG Esquina do Livro, localiza-se no
Campinho [bairro da Zona Oeste do Rio] é vol-
Mariana Corrêa: A ONG foi fundada pela jorna- tada para o público infantil. Só que a diretora, a
lista Márcia Peltier. Ela tinha um programa que Titi de Lamare, recebia muita doação de livros
se chamava Clube das Mulheres. Ela percebeu adultos, livros diversos que não se encaixariam
nesse programa que ela ajudava uma mulher no programa. Ela é amiga da Márcia e quando
em cada exibição. Ela percebeu que existiam a Márcia comentou que havia uma ONG voltada
muitas mulheres que se inscreviam e ela não pra mulher foi a deixa pra pegar um espacinho
podia ajudar. Daí surgiu essa vontade de ter um e botar esses livros que ela não podia utilizar
projeto voltado para mulher. Daí começamos a lá com as crianças. A aceitação no começo, eu
trabalhar com cursos porque acreditamos que a sinceramente achei que não teria muita procura,
mulher é o pilar da família, a base. Então a gen- porque o público que atendemos aqui não tem
te teria que colocar cursos profissionalizantes. muita essa cultura, essa vontade de ler. Eu esta-
Começamos com parcerias com o Copacabana va totalmente enganada, porque por semana te-
Palace; com o Werner [Coiffeur], com curso de mos mais ou menos uns cinquenta empréstimos
cabeleireiro; atendimento psicológico; ioga e e isso só aumenta e inclusive de homens porque
tudo voltado para o bem-estar da mulher. eles podem pegar livros aqui. Tem muitos ho-
mens buscando, dando sugestões de livros. Fa-
R. T.: Além de trabalhar em prol do resgate da lam qual livro que mais gostaram. É uma aceita-
autoestima da mulher, quais são as outras ativi- ção bacana. Me surpreendendo até mais do que
dades desenvolvidas pela ONG? eu esperava.

M. C.: Além dos cursos profissionalizantes, R. T.: Em relação ao público de vocês, as mu-
nós estamos sempre buscando palestras sobre lheres são oriundas somente da cidade do Rio
saúde da mulher, sobre comportamento, temos de Janeiro ou tem de outros municípios?
a ioga, atendimento psicológico e estamos sem-
pre buscando algo que possa melhorar a vida M. C.: Não, no começo quando fizemos a inau-
da mulher. guração da ONG era só voltada para funcioná-
rios do Metrô Rio que é o nosso maior parceiro
R. T.: Vocês possuem uma biblioteca aqui na e parentes dos funcionários. Só que vimos que
ONG com o acervo voltado para o público femi- podíamos expandir. Aí colocamos na internet e
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agora tem gente de São Gonçalo, Niterói, Bar- ver o que é; é ligada a mulher”. Então eu achei
ra de Guaratiba, Cachoeira de Macacu. Então é interessante. Falei: “vamos ver o que vai dar”.
bem amplo. Atendemos a muitas comunidades Ai eu percebi que era importante eu ter feito Le-
e tem bastante mulher aqui [risos]. tras, porque todos os projetos que nós fazemos,
tem que ser muito bem escrito. Isso me ajudou
R. T.: Você falou das parcerias. Como é manti- muito. Acho que sou privilegiada por trabalhar
da a instituição Entre Amigas? num projeto social e poder ajudar outras pesso-
as. Dessas novecentas mulheres que passaram
M. C. : A gente tem as parcerias e essas par- por aqui, oitocentas e noventa e nove me conta-
cerias cedem seus profissionais pra dar os cur- ram todos os seus dramas, sua vida; das suas
sos aqui. É o caso do Werner e do Copacabana alegrias. Então eu já faço parte um pouco das
Palace. Nós temos o Metrô que é o nosso maior suas vidas. Marcante, teve uma mulher que veio
patrocinador que cede todo o espaço, toda in- fazer um curso de cabelereiro e ela já tinha fei-
fraestrutura. Outros professores de ioga, artesa- to seis cirurgias cardíacas. Um problema super
nato são voluntários e temos algumas doadoras difícil. Ela terminou o curso e uma filha, ela tem
que colaboram. A gente tem umas trinta mulhe- gêmeas, tem o mesmo problema que ela. Ela
res que fazem doações, mas o maior patrocina- chegava aqui às vezes e ela não tinha dinheiro
dor é o Metrô. da passagem. Ela vinha andando do São Carlos
[comunidade da região Central do Rio] até aqui
R. T.: E nesses poucos mais de dois anos de pra fazer o curso com a menina doente. Essa
existência da ONG quais os resultados que vo- força de vontade dela de estar aqui, de fazer o
cês podem nos apresentar? curso foi bem marcante. No dia da formatura, no
final de cada curso nós fazemos uma cerimô-
M. C.: Em dois anos... Eu fiz o balanço no co- nia, quando ela recebeu o diploma, ela me abra-
meço agora de janeiro. Até dezembro de 2010 çou. Eu fico até emocionada. Ela disse: “metade
a gente tinha ajudado, capacitado, com ajuda desse diploma é seu!”. Porque ela vinha sem-
psicológica mais ou menos 900 mulheres que pre chorando, passando mal. Esse é um dos
passaram por aqui que concluíram cursos, que milhões de casos, mas esse é foi marcante. E
ficaram na terapia, que fizeram ioga. E agora hoje ela trabalha num salão na casa dela. Tá
esse ano temos a pretensão de aumentar muito ganhando dinheiro.
mais. Como tem a cozinha industrial, que nós
estamos montando, vamos ter mais ou menos R. T.: Das mulheres que passam por aqui, vo-
uns dez cursos de culinária. Então acredito que cês fazem algum tipo de mapeamento?
tenha um público ai bem grande na metade do
ano. Até ao fim do ano acho que a gente con- M. C.: Geralmente. Nosso propósito aqui...
segue capacitar mais umas trezentas mulheres. Porque quando nossos parceiros se dispõe a
mandar seus funcionários pra cá, eles querem
R. T.: Você está na ONG desde o início? formar os profissionais pra eles. Isso já é uma
forma de nós sabermos... O Copacabana Pala-
M. C.: Desde quando ela era uma criança; ce já contratou seis meninas da governança. O
desde quando ela estava nascendo. Werner já tem umas três trabalhando com ele.
Isso a gente já sabe, mas sempre a cada quatro
R. T.: Você por estar trabalhando desde o iní- meses eu ligo para as turmas que se formaram
cio do projeto, o que representa esse projeto pra saber o que elas estão fazendo. A maioria
para você? Qual a lição de vida você tira dessa trabalha por conta própria, mas tá ganhando;
experiência? Você tem uma história marcante tem sua renda por conta de um curso que elas
para contar? fizeram aqui. Tem muita menina que faz artesa-
nato e vende e faz em feirinha. Elas conseguem
M. C.: Histórias eu tenho mil [risos]. Quando ter um lucro que elas nem imaginariam que iam
eu vim pra cá, minha formação é em Letras, eu ter. Tem uma certa independência financeira.
achei que tinha muito a ver. Disse assim: “vou lá,
18
/ REPORTAGENS

Baixada
Leitora
Baixada Fluminense
rumo à democratização
do livro e das bibliotecas

Por Chico de Paula

DUQUE DE CAXIAS, RJ - Duas atividades realizadas no


último mês no município de Duque de Caxias, na Baixada
Fluminense, Região Metropolitana do Rio, marcaram, ao que
tudo indica, o início do processo de democratização da lei-
tura e das bibliotecas na região. O primeiro foi a criação da
Rede Estadual de Bibliotecas Comunitárias do Rio de Janei-
ro – REBCRJ – por iniciativa das próprias bibliotecas comu-
nitárias. A outra foi a implantação do Plano Municipal do Livro
e da Leitura (PMLL), no qual a união do poder público local e
dos movimentos populares foi fundamental.

Rede Estadual de Bibliotecas Comunitárias do Rio de Ja-


neiro

Para Antônio Carlos Oliveira, coordenador da Biblioteca


Comunitária Solano Trindade, a REBCRJ nasceu de uma de-
manda das bibliotecas comunitárias da região que visavam,
além de angariar recursos, articular o movimento em trono
de um propósito comum que é o de promover o incentivo à
leitura, democratizando o acesso ao conhecimento. Carla
Alves do Centro Comunitário São Sebastião (CECOM) de
Nova Iguaçu, que também participou da fundação da Rede,
destaca que as BCs preenchem os espaço renegados pelo
Estado: “com o atendimento das bibliotecas comunitárias, a
gente atende uma demanda que o poder público não alcan-
ça”, destaca. Waldir do Amor Divino coordenador da BC de
Vila Araci destaca que a fundação da Rede tende a contornar
19
um problema que atinge todas as BCs, levando muitas a se-
rem fechadas, que é o isolamento.

Plano Municipal do Livro e da Leitura

Na ocasião do lançamento do PMLL, estavam presentes,


além de representantes de vinte e cinco instituições voltadas
ao incentivo à leitura, os secretários municipais de educação,
Roseli Duarte, e de cultura e turismo, Gutemberg Cardoso,
a coordenadora do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas
(SNBP), Elisa Machado e o representante das BCs, Antônio
Carlos Oliveira. Roseli destacou a importância do hábito da
leitura para o desenvolvimento educacional dos estudantes.
Gutemberg, por sua vez enfatizou que o município vive um
momento singular em sua história, ressaltando que o mérito
da iniciativa não é só da secretaria de cultura do município,
mas do professor Antônio Carlos de Oliveira que encabeçou
a empreitada. O secretário aproveitou a ocasião para anun-
ciar duas novidades relacionadas diretamente à questão da
leitura. A primeira é a realização da primeira feira literária do
município, prevista para este ano; a segunda é a construção
do Palácio das Artes, cujo projeto já foi entregue ao arquiteto
Oscar Niemeyer e que contará com mais uma biblioteca pú-
blica. A coordenadora do SNBP, por sua vez, explicou como
se desenvolve o programa, no qual a Fundação Biblioteca
nacional (FBN) entra com o acervo e os equipamentos e as
prefeituras com o espaço e o pessoal. Elisa parabenizou o
município pela iniciativa, pois “a gente tem a presença do
Governo Federal, representado pelo Sistema Nacional de Bi-
bliotecas Públicas e a Fundação Biblioteca Nacional, o pes-
soal do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas e o pessoal
do Sistema Municipal de Bibliotecas Públicas, então, juntar
todas essas três esferas, e, tendo as bibliotecas como o
grande veículo, o grande impulsionador desses projetos está
sendo um grande avanço”. O objetivo do SNBP é o de zerar
o número de municípios brasileiros sem bibliotecas, fazen-
do com que a democratização da leitura seja algo efetivo.
Só para se ter uma ideia da carência de acervos, hoje es-
tão registradas no Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas
em torno de vinte e seis bibliotecas públicas na região da
Baixada. Duque de Caxias conta atualmente com cinco bi-
bliotecas públicas, o que, na avaliação de Cardoso ainda é
muito pouco. Não por menos a importância da parceria entre
poder público e movimentos sociais. “A partir desse enfoque,
a parceria do Poder Público com os Movimentos Populares
organizados que pautam por esse caminho, da necessidade
de que através das bibliotecas públicas, sejam elas comu-
nitárias ou não, que iremos contribuir muitíssimo para liber-
tação do homem; eu digo libertação do homem no seguinte
sentido: quem é informado dificilmente é enganado”, destaca
o secretário.
20
/ NA ÍNTEGRA

Gutemberg Cardoso
“Eu defendo um princípio de que é
necessário que tenhamos o maior
quantitativo de bibliotecas”
Por Chico de Paula

DUQUE DE CAXIAS, RJ – O secretário muni- de Moura Brizola. Também termos sobre nossa
cipal de cultura e turismo de Duque de Caxias, responsabilidade três outras bibliotecas: uma
professor Gutemberg Cardoso, fala sobre a im- em Jardim Primavera, outra em Xerém e a outra
plantação do Plano Municipal do Livro e da Lei- em Imbariê. O destaque é essa Biblioteca Le-
tura daquela cidade. onel de Moura Brizola que recebe diariamente
mais de 500 jovens e a nossa Biblioteca Infan-
Chico de Paula: Professor Gutemberg, qual a til, que hoje trabalha com projeto de incentivo a
importância da implantação do Plano Municipal visitação dos nossos pequeninos. Para tanto, a
do Livro e Leitura aqui em Duque de Caxias? Secretaria Municipal de Cultura disponibiliza um
ônibus, contacta uma escola, e esse ônibus se
Gutemberg Cardoso: É, primeiramente, para- desloca até a escola e trás as crianças. Essas
benizar o professor Antonio e sua equipe, né, crianças são recebidas pelas nossas contadoras
que são responsáveis diretos pela Biblioteca de história e ali a criança vivencia o seu mundo
Solano Trindade e pra mim foi muito gratificante infantil. Então isso, foi muito significativo. Tem
quando na Secretaria Municipal de Cultura, re- muito significado e o complemento disso tudo foi
cebi a visita do professor Antonio e ali ele com quando recebendo a visita do professor Antonio,
muito entusiasmo falava da necessidade da im- volto a enfatizar, e temos que reconhecer isso,
plantação desse projeto do livro e da leitura aqui ele levava ali a proposta para que, junto com o
na nossa cidade. Nós na Secretaria Municipal Poder Público Municipal, nós pudéssemos estar
de Cultura temos realizado um trabalho muito realizando esse primeiro Encontro do Livro e da
significativo. Isto pelo fato de termos implanta- Leitura em Duque de Caxias, para que juntos, a
do aqui na nossa cidade duas modernas biblio- sociedade civil e o poder público, pudessem re-
tecas: a Biblioteca de Jovens e Adultos Leonel alizar e criar políticas públicas de incentivo à lei-
de Moura Brizola e a Biblioteca Infantil Leonel tura. Isso foi fundamental. Depois de um mês e
21
meio desse primeiro Encontro, nós estamos aqui que marcou a minha vida como estudante, isso
nesse momento histórico, vendo esse encontro lá atrás nos primeiros seis anos, foi um profes-
ser realizado com representantes do Poder Pú- sor: Honésimo Vila Nova. Foi ele quem, nos pri-
blico Estadual, no caso a nossa professora Eli- meiros momentos, dizia pra turma dele que era
sa, que proferiu uma palestra muito significativa necessário ler, e ele foi justamente na literatu-
pra nós. Eu acredito que a partir desse primeiro ra do mundo infantil; da criança. Ele passou as
Encontro, nós estaremos dando um passo mui- Aventuras de Tom Sawyer, Aventuras de Huck
to importante para que Duque de Caxias venha Pit, Moby Dicky, A Ilha de Coral, A Ilha Perdi-
efetivamente a concretizar um projeto de políti- da. Esses livros me marcaram muito, e pra ter
cas públicas de incentivo à leitura e não somen- uma ideia como esses livros me marcaram, eu
te isto, mas também que incentive a criação de tenho uma filha com vinte e dois anos, e esses
novas bibliotecas. livros que o professor Honésimo Vila Nova havia
passado pra mim há mais de trinta anos atrás,
C. P.: Professor, do ponto de vista da educa- foram os livros que eu presenteei a minha filha
ção, o senhor que é professor, como é que o também. A minha filha é uma leitora fantástica.
senhor enxerga a perspectiva da inserção da lei- Hoje com vinte e dois anos, está indo para o
tura no cotidiano das pessoas, dos jovens, das sexto ano de Medicina. O meu maior orgulho é
crianças, de um modo em geral, projetando uma ver minha filha lendo. Então se você me pergun-
possibilidade de um futuro melhor pra essas ta: “Guttemberg, o que você indicaria para os
pessoas, não só aqui em Duque de Caxias, mas jovens, ler, seja literatura, seja contos infantis,
em toda região, Baixada Fluminense, no Estado seja livros de história, de política, é aquilo que
do Rio de Janeiro? o jovem mais se interessa? Se ele se interessa
por uma determinada área, ele deve focar pra
G. C.: Eu acho fundamental. Eu defendo um essa área e ler. A partir do momento que ele ler,
princípio de que é necessário que tenhamos o ele descobre coisas, na medida que ele desco-
maior quantitativo de bibliotecas. Eu acho que bre, ele vai focando para outras áreas e aí ele
o Poder Público tem uma responsabilidade mui- tem um mundo promissor pela frente.
to grande em relação a isto. Claro que nós es-
tamos muito atrasados. O município de Duque C. P.: Professor, só pra finalizar, o senhor des-
de Caxias, apesar de ter hoje cinco bibliotecas tacaria o uso das novas tecnologias como im-
públicas sob nossa responsabilidade, ainda é portantes para o incentivo à leitura?
muito pouco. É um quantitativo muito, muito pe-
queno, e aquele velho, velho, velho: “quem ler G. C.: Com certeza, com certeza! A multimí-
pouco, sabe pouco, quem ler mais, sabe mui- dia ela é fundamental. Não adianta a gente afir-
to mais ainda”. Então a partir desse enfoque, a mar ou dizer, de que ela não tem importância.
parceria do Poder Público com os Movimentos Se não você fica desfocado do mundo. Mesmo
Populares organizados que pautam por esse assim, não tem nada que substitua o livro, nada,
caminho, da necessidade de que através das nada, nada, nada. Por exemplo, quando eu che-
bibliotecas públicas, sejam elas comunitárias ou go em casa, muitas das vezes eu olho e vou ali e
não, que iremos contribuir muitíssimo para liber- tiro uma literatura e a minha filha olha: “pai você
tação do homem; eu digo libertação do homem está lendo o que?”. Olha a curiosidade que des-
no seguinte sentido: quem é informado dificil- perta o fato de você enquanto pai ou que você
mente é enganado. tenha um irmão mais jovem do que você, quan-
do você apanha uma literatura; a curiosidade do
C. P.: Professor, o senhor destacou na sua fala jovem ou da criança: “o que você está lendo?”. É
que é um leitor assíduo, o que o senhor destaca- porque você despertou a curiosidade dele, não
ria na sua biblioteca de especial, o que o senhor é? Então o que substitui o livro? Nada, mas tam-
indicaria para esses jovens que estão se inserin- bém não dá para afirmar de que nós podemos
do no mundo da leitura? estar desfocado de toda essa gama tecnológica
que está sendo colocada à nossa disposição.
G. C.: Olha só, eu focava agora pouco que o
22
Elisa Machado
“Os governantes não têm a
dimensão da importância e do
potencial transformador
que tem a leitura”

Por Chico de Paula


Foto: www.monitoriafabci.blogspot.com.br

DUQUE DE CAXIAS, RJ - Elisa Machado, co- do. Temos aqui a presença do Governo Federal,
ordenadora do Sistema Nacional de Bibliotecas representado pelo Sistema Nacional de Bibliote-
Públicas da Fundação Biblioteca Nacional, fala cas Públicas e a Fundação Biblioteca Nacional;
sobre a implantação do Plano Municipal do Livro o pessoal do Sistema Estadual de Bibliotecas
e da Leitura do Município de Duque de Caxias, Públicas e o pessoal do Sistema Municipal de
na Baixada Fluminense. Bibliotecas Públicas. Trabalhar em conjunto, as
três esferas de governo e a sociedade civil, re-
Chico de Paula: Professora Elisa, o que re- presentada pelas bibliotecas comunitárias é um
presenta a implantação desse programa aqui grande avanço para a valorização da leitura, do
no Município de Duque de Caxias, do ponto de acesso à informação e ao livro.
vista prático e do ponto de vista simbólico tam-
bém? C. P.: Quais as dificuldades que vocês estão
encontrando, tendo em vista que há ainda mui-
Elisa Machado: A presença das bibliotecas co- tos municípios brasileiros, que ainda não atin-
munitárias e públicas na construção do PMLL de giram a meta de ter pelo menos uma biblioteca
Duque de Caxias é muito importante, visto que pública?
as bibliotecas de modo geral, por muitos anos
ficaram apagadas na memória da sociedade e E. M.: A dificuldade está mais na conscienti-
hoje estão liderando o processo de constitui- zação dos Poderes Públicos locais em relação
ção de políticas públicas municipais na área da à importância da biblioteca pública, do que efe-
leitura, da literatura e do livro. Eu defendo que tivamente nos recursos para implantação de
esses planos tenham o nome da biblioteca, Pla- bibliotecas. Muitas vezes, os governantes não
no Municipal do Livro da Leitura e da Biblioteca têm a dimensão da importância e do potencial
(PNLLB) ou Plano Estadual do Livro da Leitura transformador que tem a leitura, o acesso ao
e da Biblioteca (PELLB) porque o B de Bibliote- livro e à informação para população; o quan-
ca, valoriza o espaço de cultura e sociabilidade to que o acesso ao conhecimento pode trans-
que é a biblioteca, dá maior reconhecimento e formar aquele local. Estamos trabalhando na
resgata um espaço que é tão importante para a conscientização das instituições públicas e da
nossa sociedade. Aqui, em Duque de Caxias, a sociedade em geral. Exemplos como esse, que
gente tem um diferencial, pois são as bibliote- acabamos de vivenciar hoje, impulsionam ou-
cas que estão chamando o poder público para tros municípios. Tenho certeza que outros Muni-
a ação. Está acontecendo uma coisa que é ex- cípios aqui da Baixada vão começar a seguir o
traordinária. Eu acho que é um novo momento, mesmo caminho.
dentro de um novo contexto que estamos viven-
23
/ REPORTAGENS

Entre Amigas
Projeto se dedica a recuperar
a autoestima da mulher
Por Rodolfo Targino e Chico de Paula

RIO - Quem passa diariamente pela Avenida Pre-


sidente Vargas no Centro do Rio dificilmente repara
em um prédio que abriga uma instituição dedicada
a, entre outras coisas, resgatar a autoestima da mu-
lher. A ONG (organização não governamental) Entre
Amigas foi fundada em 2009 pela jornalista Márcia
Peltier. A sede da instituição fica no Centro Admi-
nistrativo do Metrô Rio, e é exclusivamente volta-
da para mulheres maiores de 18 anos. “A jornalista
Márcia Peltier tinha um programa que se chamava:
Clube das Mulheres. Ela percebeu que ajudava uma
mulher em cada exibição desse programa. Ela per-
cebeu que existiam muitas mulheres que se inscre-
viam e ela não podia ajudar. Daí surgiu essa vonta-
de de ter um projeto voltado pra mulher”, destaca
Mariana Corrêa, responsável pelo espaço.
O espaço amplo e moderno abriga uma série de
atividades voltadas à capacitação das mulheres
atendidas. Em parceria com algumas empresas,
a instituição desenvolve cursos de capacitação,
dentre os quais se destacam os de governança e
auxiliar de cabelereiro. Mariana ressalta que, além
dos cursos profissionalizantes, a ONG está sempre
buscando palestras sobre saúde da mulher, sobre
comportamento etc. Ou seja, algo que possa de al-
guma forma melhorar a vida da clientela. Um dos
destaques no atendimento ao público feminino é a
biblioteca, onde se encontra um acervo voltado es-
pecialmente para este gênero. Mariana explica que
a ideia da biblioteca se desenvolveu a partir de uma
parceria com a ONG Esquina do Livro, que montou
a biblioteca com livros que não eram aproveitados
em seus projetos, pois o seu foco é o público infantil.
“Titi de Lamare [diretora da Esquina do Livro], rece-
bia muita doação de livros adultos, livros diversos
que não se encaixariam no programa. Ela é amiga
da Márcia e quando a Márcia comentou que tinha
criado uma ONG voltada pra mulher foi a deixa pra
24
pegar um espacinho e botar esses livros que ela
não podia utilizar lá com as crianças. A aceitação no
começo, eu sinceramente achei que não teria muita
procura, porque o público que atendemos aqui não
tem muita essa cultura, essa vontade de ler. Eu es-
tava totalmente enganada, porque por semana te-
mos mais ou menos uns cinquenta empréstimos e
isso só aumenta e inclusive de homens porque eles
podem pegar livros aqui”.
No começo quando a ONG foi inaugurada o foco
eram os funcionários do Metrô Rio (que é o maior
parceiro da instituição) e seus familiares. Só que a
instituição viu que podia se expandir. Atualmente são
atendidas pessoas dos municípios de São Gonçalo,
Niterói, Barra de Guaratiba, Cachoeira de Macacu
entre outras cidades. O trabalho é árduo, mas os re-
sultados já são visíveis. No começo do ano foi feito
um balanço que mostra que até dezembro de 2010
a instituição tinha ajudado e capacitado, inclusive
com ajuda psicológica, mais ou menos novecentas
mulheres. “E agora esse ano temos a pretensão de
aumentar muito mais. Como tem a cozinha indus-
trial, que nós estamos montando, vamos ter mais ou
menos uns dez cursos de culinária. Então acredito
que tenha um público ai bem grande na metade do
ano. Até ao fim do ano, acho que a gente consegue
capacitar mais umas trezentas mulheres”.
Dados do site da instituição dão conta de que
quase três milhões de mulheres lideram os lares do
país, sendo que 30% delas elas já são responsáveis
pelos domicílios no Brasil. O site ainda informa que
entre 1995 e 2005 o número de famílias chefiadas
por mulheres cresceu 35%. Isso reforça a neces-
sidade de iniciativas desse tipo, sobretudo por se
tratar de uma grande parcela da população que mui-
tas vezes tem que dar conta de uma série de ativi-
dades, as quais nem sempre são reconhecidas. A
ONG é marcada por histórias de superação, como,
por exemplo, da mulher com problemas cardíacos
que vinha da comunidade de São Carlos caminhan-
do para fazer um curso de cabelereiro trazendo uma
filha no colo. “Essa força de vontade dela de estar
aqui, de fazer o curso foi bem marcante. No dia da
formatura, no final de cada curso nós fazemos uma
cerimônia, quando ela recebeu o diploma, ela me
abraçou. Eu fico até emocionada. Ela disse: “meta-
de desse diploma é seu!”.
A partir de hoje, caso você esteja passando pela
Central do Brasil, não se iniba e pare para uma visi-
ta a Entre Amigas, certamente você será muito bem
recebida.
25
/ ENTREVISTAS

Moreno Barros e Fabrícia Sobral


Como a relação entre bibliotecários
e profissionais de TI tem se estreitado

Por Chico de Paula

RIO - Não é de hoje que a Biblioteconomia Chico de Paula: Gostaria de pedir que vocês
anda de mãos dadas com as Novas Tecnolo- começassem se apresentando, falando seus
gias. Isso porque as bibliotecas têm, mesmo nomes, experiência profissional.
que a passos lentos, se sofisticado de modo a
melhor atender ao usuário. Com isso, a relação Fabrícia Sobral: Bom, meu nome é Fabrícia,
entre bibliotecários e profissionais de Tecnologia sou da área de tecnologia da informação. Sem-
da Informação tem se estreitado. Tanto é assim pre trabalhei com suporte ao usuário. Passei
que não é difícil ver um transitando, mesmo que oito anos na marinha, na Emgepron (Empresa
de forma modesta, na seara do outro. Um exem- Gerencial de projetos navais), sempre com su-
plo disso é este Diálogos realizado entre Moreno porte ao usuário. Respondia por uma sessão,
Barros, bibliotecário da Universidade Federal do chefe de sessão se suporte, suporte técnico.
Rio de Janeiro (UFRJ), há algum tempo pesqui- Ai de lá fui para a Unirio, querendo mudar um
sando as redes sociais aplicadas às bibliotecas pouco para a área de desenvolvimento. Fiquei
e Fabrícia Sobral, gerente de sistema da base na Unirio três meses, trabalhando na área de
minerva da mesma universidade. programação, e conheci um pouco da universi-
26
dade Pública, lá na Unirio, e da Unirio, vim para mo...
a UFRJ, em 2005, onde estou até hoje. Também
vim para a área de suporte técnico, mas por algo F. S.: É, eu entrei em 2005 e você entrou em
do destino, cai no suporte de biblioteca [risos]. 2007.
Comecei a trabalhar com suporte de bibliotecas,
onde eu conheci a Maria Irene Sá, que era ge- M. B.: Foi, um pouquinho depois, então. E eu
rente do projeto de informatização e suporte de sou bibliotecário. Bibliotecário quase de fichinha
biblioteca. Fiquei apoiando ela na parte de admi- mesmo, e não trabalho com catalogação porque
nistração de servidor, e fui gostando do trabalho, não é o meu forte, mas eu sou um bibliotecário
fui me envolvendo com as pessoas, aprendendo bem tradicional, até certo ponto, embora eu es-
uma biblioteca aqui, uma ali, conhecendo o tra- teja mais seguindo uma tendência de tecnologia
balho, gostei, e até que ela passou para o con- também, por que eu acho que tem um viés mais
curso de docente da UFRJ, se aposentou, e eu é forte de poder transformado... É tudo tradicional
que fiquei no lugar dela. Então mudou meu perfil demais. Algumas coisas, você vê que, quantos
completamente, de suporte técnico a gerente anos tem Dewey, quantos anos tem CDD, e a
de sistema, uma coisa que estou aprendendo gente tá lidando com isso há 100 anos, e talvez a
até hoje; já estou há dois anos lá a frente disso, possibilidade de você mudar alguma coisa para
ainda engatinhando muito. Ainda tem muita coi- melhor, seria seguir algumas tendências de tec-
sa pra aprender, ainda não tenho a experiência nologia que é o que eu venho acompanhando.
que ela tem, mas eu tenho uma visão de pla- Mas a minha visão de bibliotecário ainda é mais
nejamento, de gerenciamento e de coletividade. sobre a visão do usuário; eu me coloco muito
Acho que o meu forte é trabalhar em equipe, co- mais como usuário do que como bibliotecário, e
laboração, e uma coisa que eu aposto muito, é eu mesmo nem sei por que o sistema funciona
uma plataforma de trabalho colaborativa. E esse da forma que funciona, mas na visão de usuá-
ano ingressei no mestrado [em Ciência da Infor- rio eu fico tentando entender para poder ajudar
mação], onde estou apostando nessa ideia. Meu no meu próprio trabalho. Também calhou de eu
projeto para minha dissertação é baseada em acabar seguindo uma linha acadêmica, que ao
colaboração, mas para preservar o conhecimen- mesmo tempo que eu sou bibliotecário eu tam-
to corporativo, que a gente vê que é uma coisa bém sou estudante, eu estou no doutorado [em
que não existe, em certas instituições, que eu História da Ciência e Técnicas e Epistemolo-
acho que não dá para “tocar” um setor, um de- gias]. Então eu também tenho essa necessida-
partamento, uma instituição que você não com- de de pesquisa que é muito similar do que as
partilha o que você sabe com outra pessoa... pessoas da comunidade de pesquisa tem; aqui,
fica muito difícil. Aqui a gente percebe que o co- no caso, como sendo uma biblioteca universitá-
nhecimento vai se perdendo, porque as pessoas ria, o usuário final seria esse grupo de pesquisa,
entram, saem e levam aquilo com elas. Se você pesquisadores de desempenho de alto consu-
não tem aquilo registrado em nenhum lugar, às mo.. Não tem essa coisa do funcionalismo públi-
vezes... A minha área, que é tecnologia, é mais co, de uma instituição pública grande, e a gente
complicado porque eu lido com desenvolvedo- descobre que tem vários predicados e proprie-
res, programadores de sistemas, e eles acham dades que só tem aqui. É interessante por que
que a coisa é sentar e programar, não tem tem- isso vai ficar no nosso portfólio, e essa coisa
po para fazer documentação. Documentação é que a Fabrícia falou, que eu acho importante
uma coisa irrelevante, imprecisa, então quando também, por que fica parecendo que a gente tá
ele vai embora, a pessoa que fica no lugar dele, perdendo um tempo muito precioso para desen-
vai começar do zero, e isso é perda de produtivi- volver coisas, embora, que tenham um capital
dade, tempo. Então minha plataforma de traba- intelectual muito forte, você vê que tem muita
lho é essa, é compartilhamento de informação. gente boa. A gente tá tentando sempre, assim:
vamos fazer acontecer, né? Foi assim que se
Moreno Barros: Bom, eu sou o Moreno, tam- deu o meu encontro com ela mesmo, pois assim
bém sou da UFRJ. Acho que entramos na mes- que eu cheguei eu fui querer saber, aquela coisa
ma época, né?! A gente deve ter entrado próxi- assim de me localizar, me situar, por que a Ma-
27
ria Irene eu já conhecia, eu era do mestrado e “ah, a gente não entende!”. Eu também não en-
ela do doutorado, a gente tinha feito disciplinas tendo o que o bibliotecário fala, não vou enten-
juntos, e ela acabou sendo uma das “boas cães” der.
de briga. Como a Fabrícia trabalhava com ela, a
gente acabou fazendo coisas juntos e a Fabrí- C. P.: Não pode haver uma pretensão, em
cia tava na mesma vibe que eu de, “vamos lá, querer que uma área conheça profundamente a
vamos pegar essa galera nova ai, vamos fazer”. outra área.
E a gente acabou fazendo coisas que embora
pareçam coisas muito pequenas, mas como eu F. S.: Ou você tem que ter um intérprete, no
falei, na nossa escala essas coisas pequenas meio do caminho que faça essa ponte, ou você
são difíceis de serem feitas, então quando você tem que passar um tempo ali convivendo com
faz você vê que causa um impacto assim, um aquela pessoa e trocando as informações, e ai
impacto positivo. um vai aprender com o outro. Eu acho que é
assim que funciona.
C. P.: A nossa geração conhece a prática bi-
blioteconômica, a nossa geração de bibliotecá- C. P.: E essa questão das redes sociais, será
rios, e os profissionais de um modo em geral, que elas vieram para ficar mesmo, ou é modis-
conhecem a prática biblioteconômica, com o mo?
aporte das novas tecnologias, mas mesmo as-
sim os bibliotecários reclamam muito do pessoal F. S.: A rede social quem pode falar com pro-
dos sistemas de informação, dizendo que às ve- priedade é o moreno, que pode falar...
zes não conseguem entender a lógica, a busca
da informação. O que vocês acham disso? M. B.: Ah, se fosse modismo... Eu ontem até
escrevi lá, que o oportunismo só vem com opor-
F. S.: Olha, eu já tenho uma visão bem parti- tunidade. Então mesmo que fosse oportunismo:
cular, que é a seguinte: eu acho que o bibliote- “ah, vamos pegar isso ai para ver lá, sei lá, va-
cário, e o pessoal de sistema e tecnologia, tem mos criar novos cargos de trabalho, com base
que se falar, e para isso eles tem que trabalhar nisso”. Mas isso mesmo que fosse uma coisa
juntos; isso foi uma coisa que eu sempre bati de oportunismo ou mau oportunismo, só acon-
nessa tecla depois que eu vim para esse projeto teceria por que tem essa oportunidade de você
de informatização e suporte, por que não tinha fazer isso, com esse aporte. Nem que seja um
bibliotecário, a gente não tem bibliotecário lá, e modismo, mas eu acho que é mais uma possi-
até hoje não tem bibliotecário. O que eu tentei bilidade, de como eu falei... É mais uma... A tec-
fazer foi montar uma equipe com bibliotecário, nologia permite que você tente fazer coisas para
mas ultrapassando as paredes, as barreiras físi- aprimorar o serviço. É como ela falou. A gente tá
cas. Eu não entendo a linguagem do Moreno, de ali o tempo inteiro tentando atingir... trabalhar os
biblioteconomia, e ele também não vai entender meios para atingir um determinado fim... Então
muita coisa que eu falo. Mas a gente passa um assim pode ser que seja um modismo, eu tam-
tempo convivendo e conversando; a gente vai bém acho, eu nunca fui um defensor dessas fer-
conseguir. No meu caso lá, o bibliotecário tem a ramentas, dessas assim particulares, você pega
visão do negócio, e o negócio é de vocês, não é o orkut que há dois anos era demais e hoje o
meu, eu só dou o suporte tecnológico. Agora ele facebook é super demais; daqui a dois anos tal-
me diz: “oh, tem que ser feito isso, dessa forma”, vez não seja mais. Mas enfim, eu acho que é só
e eu vou dizer: “então vamos fazer desse jeito um aporte; que é mais ou menos a mesma coi-
aqui, com a tecnologia tal”. Então eu acho que sa, dessa discussão, dessa conversa, por que
a equipe tem que ser multidisciplinar. Mas para o que a gente tem hoje é exatamente o que ela
uma equipe obter o sucesso, obter o resultado falou, por que a gente tem dois grupos que são
legal, tem que formar uma equipe com bibliote- muito separados até mesmo por uma questão
cários, e analistas de sistemas, gente e tecnolo- de formação. Na escola de biblioteconomia, a
gia. Você tem que misturar esse conhecimento. gente aprende muita coisa de TI, da parte es-
Para poder dar certo. Agora quando alguém diz: trutural, e os desenvolvedores da parte de TI
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não lidam com as questões de biblioteca espe-
cificamente, a não ser que o cara vá trabalhar C. P.: Mas não fica parecendo que, você fa-
com esse ramo na indústria. O que a gente tem lou um pouco das novas gerações, eu também
hoje é esse distanciamento, e aí claro, quando falei um pouco das novas gerações, não fica
as duas frentes se juntam tem ai esses embates parecendo que pessoal tá meio deslumbrado,
naturais. O que eu acho que tem são pequenos achando que tudo vai ser resolvido por conta
grupos de bibliotecários, poucas pessoas que das tecnologias? Eu tenho essa impressão às
sabem transitar bem, e no outro lado a mesma vezes...
coisa, pois da mesma forma que tem uma nova
geração de bibliotecários, eu sei que tem uma F. S.: Olha, eu sou de tecnologia e o meu pen-
nova geração de pessoal de TI que tem mais samento é totalmente o contrário disso. Eu acho
essa visão de intercâmbio mesmo, que é impor- que tudo se resolve com pessoas. A tecnologia
tante para o que a gente precisa hoje. Agora, ela vem para apoiar, o computador como se fos-
por que os problemas tão sendo resolvidos por se uma ferramenta, um instrumento, algo assim,
essa geração que tá nesse entrave. Agora isso agora, dizer que isso tudo vai ser resolvido com
tudo seria fácil de resolver. Você instituindo na as tecnologias, não vai, por que se as pessoas
própria escola de biblioteconomia, essa frente não interagem, a tecnologia não vai, porque...
de tecnologia. Claro que o bibliotecário não será Se as pessoas não interagirem, as tecnologias
um bibliotecário desenvolvedor, mas ai você vai não vão fazer isso, porque dependendo da men-
ter um bibliotecário com uma noção muito maior talidade, o que ele falou, derrubar essa mentali-
da aplicação estrutural do sistema, por que a dade hoje é muito difícil. Existe uma resistência
gente trabalha na frente de um computador o dia muito grande com a tecnologia, até por conta
inteiro, e tem gente que não sabe ligar o com- de, tem gente que acha que as tecnologias afas-
putador, tam as pessoas uma das outras, mas ela não
afasta, por que ao mesmo tempo que ela afasta
F. S.: É verdade [risos]. Tem gente que não ela promove também uma aproximação, que é o
sabe copiar uma pasta. caso das redes sociais, é o twitter... Quantas ve-
zes eu olho uma coisa que ele postou lá e “olha
M. B.: Claro, não sabe, e isso é algo muito crí- lá, é o fulano que faz aquilo ali”. Daí você vai lá
tico. Fica parecendo uma coisa assim, os velhos e tenta o contato com aquele fulano. Então ela
contra os novos, e não é. É uma coisa muito la- também aproxima. Agora o que afasta é a men-
tente. Mas ai é um problema, como eu falei, de talidade das pessoas.
formação, que vem lá do maternal. Isso não se
ensina de um dia para o outro. Acho que o que C. P.: Eu particularmente fico muito feliz em
tá vindo para o futuro, é essa geração de pes- ouvir isso de você que é da área de tecnologia.
soas que já estão nascidas nesse meio, nessa Essa provocação, talvez os bibliotecários sintam
ubiquidade ai. Todo mundo tem um telefone, vai mais. Né, Moreno? Que no meio bibliotecário
ter um Ipad. Então o cara vai ter que ter essa de- você vê as pessoas sem refletir muito sobre o
senvoltura, ai, e os sistemas também vão acom- que tá acontecendo no momento, e dizendo “tá
panhando isso, acho que a tendência é você ter bom, tudo vai ficar legal, vai ser resolvido num
(o pessoal até chama de os híbridos) você ter piscar de olhos”.
um bibliotecário que é um bom analista e um
bom analista que pode ser um bom bibliotecá- F. S.: Aqui mesmo na UFRJ, como eu trabalho
rio. E hoje a gente tem bons exemplos disso. no NCE, núcleo de computação eletrônica, e lá
Michelangelo mesmo, lá do sul. O cara é fera tem vários sistemas corporativos da universida-
demais e ele transitou bem nas duas áreas. O de, então a gente tá num movimento mais de
cara era analista e depois virou bibliotecário, e integrar os sistemas, fazer com que os sistemas
ele que faz, milagre lá, e fica parecendo uma se falem. Porque isso vai ser bom para o usuário.
coisa assim muito absurda e não é, por que é O cara não vai precisar correr em diversos luga-
um cara assim que conseguiu transitar bem, nas res para pegar uma informação. Mas eu coloco
duas áreas. o seguinte, olha, se a gente trabalha no mesmo
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local, físico, num corredor, cada um na sua sa- C. P.: Você está falando dos dilemas, e um
linha, se um não é capaz de entrar na sala do dos grandes dilemas, que eu acho, da bibliote-
outro para saber o que o outro tá fazendo; se a conomia, na atualidade, é a questão dos livros,
gente não se fala, os sistemas não vão se falar. de como você vai continuar tendo acesso aos
Primeiro as pessoas tem que se falar. Eu como livros, sendo que eles vão se deteriorar. Parti-
gerente da base minerva, o outro como geren- cularmente, hoje a gente está numa biblioteca
te de outro sistema, a gente tem que conversar de obras raras [do Centro de Tecnologia da Uni-
pra saber o que tá acontecendo. Não adianta a versidade Federal do Rio de Janeiro, onde a
gente não conversar; os sistemas não vão se conversa foi gravada], e a gente pode até refletir
integrar nunca. Existe essa ilusão: “ah, vamos um pouco mais sobre isso. O que vocês acham
integrar os sistemas!” Como se as pessoas não desta questão?
são integradas?!
M. B.: Do livro digital contra o impresso?
M. B.: Bom, isso ai é pra tu ver como as duas
áreas são parecidas. Isso casa com a essência C. P.: Sim.
do trabalho bibliotecário, que é cooperativo. A
gente não vive sem outro bibliotecário ou outra M. B.: A minha visão, enquanto bibliotecário, é
biblioteca; a gente depende muito de outros es- muito simples. Primeiro que os livros impressos
paços físicos mesmo. Às vezes você sabe que não vão acabar, até por uma questão de fetiche,
tem a possibilidade de pegar um livro em outra ou talvez a nossa geração seja a ultima que ain-
biblioteca, mas como o sistema não é integrado da queira ter o impresso, até mesmo para deco-
ai o usuário perde. Para você ver como a inten- rar a estante. Eu mesmo, ainda compro muitos
ção é a mesma. Mas ai naquela questão lá da livros de papel. Vai demorar muito para acabar,
tecnologia, apenas para ser um pouco advoga- mas eu acho que a tendência, é mais para uma
do do diabo, eu concordo com o que ela falou.E questão mercadológica, de consumo, de capital,
também sou um cara das pessoas, mas tem um de que os livros eletrônicos vão substituir mes-
ranço em relação as tecnologias sim; da absor- mo. E para nós bibliotecários, não faz diferença,
ção das tecnologias, da abundância, tudo muito por que o objeto é o mesmo, a gente vai continu-
catastrófico; as pessoas acham que a tecnolo- ar catalogando, classificando que é uma tarefa
gia veio para ser maligna, mas ai as pessoas necessária, e a gente não precisa ficar preocu-
tem que fazer um exercício de pensar como o pado com a mudança do suporte. Aquela velha
mundo era há vinte anos atrás e como que ele história, que discutiremos na história infinitamen-
pode ser daqui a vinte anos, e o que que mudou te. Minha visão particular, é que eu acho que ha-
de fato? Mudou a internet. O que mudou muito verá uma migração grande. O papel não acaba.
de vinte anos para cá, sei lá, telefonia; os pro- A biblioteca tem tudo para se tornar, como se
cessos tecnológicos mesmo. Tudo com base... fosse um museu da produção do conhecimento
Os grandes avanços da humanidade são com humano. As bibliotecas vão ser onde as pesso-
base em tecnologia. Seja um avanço na área as irão contemplar a produção intelectual do ser
de saúde, na pesquisa, no genoma, é tudo com humano, mas no dia a dia, em seu Ipad, no seu
base em tecnologia. Então ao mesmo tempo telefone, que vai ter dez milhões de gigas de ca-
que você tem que ter uma certa visão crítica em pacidade, você vai ter todos os livros que você
relação a isso. Mas tem que saber que também quiser ali, num toque, mesmo que tenha que pa-
vem para o benefício, tem o lado ruim, como a gar. Mas não é muito mais simples? Não dá para
pedofilia, mas tem o tudo de bom que a internet impedir isso. Então eu acho que vai ter essa mi-
trouxe; e daqui a vinte anos o que que está dire- gração e já está acontecendo. É mais dirigida
cionando o caminho da humanidade, será que é pelo mercado, pelo interesse do consumo, mas
a ideologia chinesa? Será que a ideologia chine- do que uma proposta conceitual, ideológica, de
sa não vai abraçar a internet de alguma forma? ter umas bibliotecas digitais, ou físicas. Eu acho
Só para dar um exemplo palpável, mas eu acho que tem muita gente que não está preparada,
que é isso, mas eu acho que não vai mudar nada, a gente
pode até mudar a abordagem de tratamento ao
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usuário, mas em relação ao documento, a obra, aprender essas coisas na marra. Mas é assim
não vai mudar muita coisa. mesmo. É aquela coisa da área do direito: a ju-
risdição acompanha a tecnologia, pois esta tec-
C. P.: Em off, eu estava conversando com a nologia vem sempre na frente. Você nunca tem
Fabrícia, exatamente sobre essa questão, que normas para definir; não existem políticas. Acho
a maioria das pessoas ficam imaginando que ter que a dificuldade é que os bibliotecários não sa-
o livro digital, simplesmente é entrar na digital, e bem trabalhar quando não tem política. Ai, não
aquele livro lá apareceu como em um passe de sabendo o que fazer, eles até evitam, dizendo
mágica. Ninguém pensa no aparato, no trabalho que é melhor nem ter, é melhor nem ter essa
que houve para ter aquele material disponível assinatura. Mas acho que essa geração, que é
com aquela facilidade. Uma coisa que é muito a primeira, serão os caras que vão definir as po-
comum na área de biblioteconomia, na área de líticas. Isso tudo é questão de gestão mesmo,
tecnologia da informação, acho que existe esse de políticas de desenvolvimento de coleções.
deslumbramento mesmo. Duas coisas estão acontecendo. Uma de forma
meio desleixada, por que não se abe o que fa-
F. S.: É, da minha área, o que eu posso dizer é zer, e a outra é experimentalismo. Não se sabe
o seguinte: primeira coisa que me chamou aten- essas questões contratuais, como é que ficam,
ção é o custo envolvido para isso. Qual o custo se vai comprar um servidor, quanto tempo fica.
para você digitalizar as obras, dado que o livro, Sobre aquela discussão que teve nos EUA, os
nasceu num suporte físico. Quando ele nasce bibliotecários não compactuaram com as pro-
eletronicamente, já é outra história. O custo já postas das editoras, que era fazer um contrato
cai um pouco, já nasceu eletrônico. É o caso do em cima de número de uso, ou seja, o livro era
periódico digital, que a gente adquiriu, coloca emprestado dez vezes no kindle, e depois disso
um link lá, e a pessoa começa a ler aquele pe- a editora tinha o aval de deletar o arquivo, e os
riódico, e beleza, agora, um livro de trezentos bibliotecários alegaram que não, pois foi pago
anos? Como é que a gente faz para preservar um valor pela obra, e temos uso ilimitado como
aquilo ali, digitalmente, eletronicamente? Quan- era na estante. Acho que estes embates estão
tos especialistas vai ter que alocar para poder acontecendo, pois é a primeira vez que isso
manusear aquele material; que equipamentos está acontecendo. Teremos que ser sagazes
você vai comprar para armazenar aquilo? Vai para definir as políticas, ou então com o cliente,
ser num servidor, numa maquininha, num pen se não mais uma boa oportunidade de atender
drive, num CD? Então, o que me chama atenção bem as pessoas, pois as pessoas querem livro
de cara, é como a gente vai viabilizar isso, em eletrônico, então vamos dar livro eletrônico para
termos de custo; porque numa instituição públi- elas. O problema é nosso de definir como a gen-
ca, universidade pública, não sei até que ponto te vai oferecer isso, mas se é o que as pessoas
a gente caminha nessa direção. Se fosse uma querem, se é algo relevante...
empresa como uma Petrobras da vida, é outra
história, mas nas universidades públicas, ou bi- C. P.: Haja pancada que a gente vai levar, né?
bliotecas públicas. Eu não sei. Acho que é um [risos] Eu estava dando um exemplo para a Fa-
pouco difícil. brícia, que eu estou com um livro ali, por exem-
plo, da editora Saraiva, e o livro é meu, ninguém
C. P.: Quando falamos de deslumbramento, tasca, ninguém toma, a não ser que ele pegue
eu fico imaginando que é exatamente sobre fogo, molhe, ou roubem, se não ele é meu, e
isso que os profissionais não param para refletir. num servidor em uma instituição, há muito o que
Por exemplo: hoje, bibliotecas já estão fazendo se refletir de como esse processo vai se dar ain-
aquisição de livros digitais. Onde é que esses da.
livros vão ficar? No servidor da editora? Da ins-
tituição? Como é que fica isso? F. S.: Eu conheço pessoas que dizem que vão
comprar livro a vida inteira, pois querem ter o li-
M. B.: Eu acho que é aquela coisa da gera- vro na cabeceira da cama, quando acordar, quer
ção. Eu acho que essa geração vai apanhar. Vai olhar o livro ali, e não é o caso de um livro digital,
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que você vai ter que levantar e ligar o computa- tá fazendo agora, o que as bibliotecas deveriam
dor para olhar o livro [risos]. Então existe essa ter feito há vinte anos atrás, que é propor uma
questão cultural. Mas um negócio que você co- biblioteca mundial. Junta todas as bibliotecas do
mentou, é essa coisa da posse. A posse daquele mundo, da França, Library of Congress, faz uma
material, como é que fica isso? De quem é a biblioteca única que é o que o google faz. Os
posse de uma informação, que digamos, está bibliotecários não fizeram, e agora estão recla-
na nuvem, na internet? Você compra um livro mando que o google tá fazendo, e os usuários
digital, e você não tem a cópia eletrônica no seu estão adorando. Eu não consigo imaginar sem
computador, mas sim o acesso àquilo. Tem que o google. Aquela velha história que falei, pensa
se ver como as pessoas vão encarar isso. Até no mundo há vinte anos. É claro que a gente
mesmo para a instituição, de quem é a posse vivia sem o google, sem máquina, sem tecnolo-
disso? Digamos que comprou, e digamos, “com- gia avançada, mas era muito mais difícil. O meu
pramos aqui não sei quantos exemplares digi- pai tinha muito menos recursos, possibilidade
tais”, e coloca ai no servidor, cem arquivos di- de consumo, do que eu tenho. Então acho que
gitais em PDF, mas não é o caso. Você tem um essa coisa, responde aquela história da questão
link lá, mas não sei para onde tá indo aquilo. da posse digital. Da mesma forma que meu pai,
de uma geração anterior, tinha um sentimento
C. P.: E se a editora falir? Se pegar fogo? [ri- de posse que já é diferente do que eu tenho, e
sos] as pessoas da frente vão ter menos ainda, por
que isso vai se diluindo. Parece uma coisa até
F. S.: Não nem onde tá editora, eu nem sei meio pós-moderna, Deleuziana, mas é o que a
nem aonde tá aquela informação lá. Você está gente tem; o negócio se dilui. As crianças não
acessando um serviço que pode estar em qual- tem mais essa noção do que é posse, elas não
quer lugar. tão mais interessadas... O mp3 é o que eu com-
partilho com você a minha música. Então isso
C. P.: Recentemente, o presidente da biblio- na cabeça da geração futura, vai tá se diluindo.
teca nacional francesa, ou ex-presidente da É como eu falei. Isso é uma questão de políti-
biblioteca nacional francesa, numa entrevista, cas. Vão ter pessoas que serão os positivistas
se posicionou contra a possibilidade do google que irão definir as regras do jogo e as regras
ter uma biblioteca mundial, porque do ponto de vão ser feitas. O ideal é que, por exemplo, nes-
vista dele, esse é um monopólio perigosíssi- se caso, o bibliotecário seja um desses que vão
mo. Você tem em uma multinacional, que tem definir certas regras.
em seus servidores, toda produção bibliográfica
do mundo. E que poder essa instituição vai ter, C. P.: E fica parecendo também que a internet,
sobretudo por se tratar de uma instituição com não sei se isso é verdade, também tem fugido
finalidades lucrativas. Então, imaginamos que do controle dessa sociedade do controle. Talvez
num determinado momento, aquela coisa não ela foi imaginada exatamente para gerar lucro,
dá mais lucro para ela. Ela vai simplesmente fa- recursos para as multinacionais, só que hoje ela
zer ou deixar de fazer com uma coisa que é um está sendo utilizada por uma gama de indivíduos
bem público, por conta de suas finalidades pri- pelo mundo afora, contrariando tudo aquilo que
vadas. Acho que é meio perigoso essa questão. foi pensado inicialmente. Por exemplo: você vê
o wikileaks, onde os caras pegam documentos
M. B.: Eu até sou suspeito para falar, pois sou oficiais do governo americano e colocam para
um defensor do google, até que se prove o con- todo mundo ver. É complicado, pois o cara está
trário. Mas o que eu acho é que esse discurso se utilizando daquela ferramenta que a princípio
é um discurso importante, pois vem na contra- foi utilizada para subjugar, ele, a geração dele, o
mão. Claro que se é uma instituição que tem país dele, a sociedade dele, e ele utiliza aquela
interesses estritamente mercadológicos, ai é ferramenta no sentido contrário. Tem essa coisa
escuso. Mas acho que grosso modo, na visão também. O ser humano não está só passivo. Ele
do usuário, o que o usuário se beneficia. Acho vai lá e se apodera disso.
que as bibliotecas deram mole, porque o google
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M. B.: Só para fechar, é um papel que as bi- net.
bliotecas poderiam exercer muito bem. A gente
sempre falou das bibliotecas como imparcial, de C. P.: Mas ele tem problemas técnicos de bus-
você ter uma biblioteca, e de ser a coisa mais ca ainda a serem solucionados.
normal do mundo, e você não vai ficar fiscalizan-
do o cara que está consultando o livro nazista, F. S.: Não sei se eu diria técnicos. Você diria
por que até certo ponto isso entra dentro de uma técnicos?
democracia intelectual. Mas isso na internet fica
muito mais evidente. Essas coisas que vão até M. B.: É, pode ser técnicos, mas eles usam um
parecendo disparate, wikileaks, um partido pi- sistema próprio deles. Eles definiram. Mais uma
rata, um “Pirate bay”. Mas, eu acho que talvez, coisa que os bibliotecários poderiam ter feito, e
a proposta inicial tenha sido essa mesma, por os caras fizeram diferente, de vocês quererem
que a internet foi dos caras lá da Califórnia, do um sistema de recuperação por relevância.
movimento hippie, foi proposto por uma questão
militarista, mas acho que culturalmente, naquela F. S.: É, eu acho que isso depois... é uma coi-
época, era essa ideia mesmo, de vamos liberar sa que tá em evolução, tá evoluindo.
e “tals”. Olha, tem uma coisa muito boa que é o
google liberar tudo assim. O google dá tudo de M. B.: Os próprios catálogos de bibliotecas,
graça. O google não exige nada em troca, esse hoje, são feitos nos moldes do sistema que é de
é o grande lance. O google pode ser mercado, busca pro relevância, igual no google, que faz
mas ele não te pede nada em troca. Ele nunca uma varredura por caracteres e não uma varre-
me pediu um centavo. Eu que vou lá por que dura por descritores, por códigos de cataloga-
eu quero, nunca fizeram uma lavagem cerebral ção e de classificação. Mas por que para o usu-
pra dizer que eu tenho que ir lá; eu vou porque ário final é muito mais simples, mais objetivo. E
eu quero e eles não cobram nada em troca. Se os caras com o tempo vão ficando bons naquilo.
eu faço uma conta do gmail é porque eu quero, A ferramenta vai se moldando, diferente de uns
e não porque os caras vão lá e tão vendo que sistemas de biblioteca que geralmente são de-
eu tenho no meu e-mail. As minhas trocas super senhados pra muito específicos, e de repente
íntimas. Eu simplesmente quis ter uma conta no você vai ter aquele mesmo sistema trabalhando
gmail pois o serviço é bom. Não foi eles que me da mesma forma, pra sempre, e o google não,
mandaram ter uma conta no gmail. o sistema tá sempre mudando, aquela coisa do
beta, conforme os usuários vão definindo as mo-
F. S.: O google atende as necessidades do dalidades de uso, o sistema vai se moldando pra
usuário, hoje, atuais, contemporâneos. Inclui os entender melhor aquilo que é o que os sistemas
nativos digitais. de biblioteca poderiam fazer, e podem fazer,
mas que não fazem por inúmeras razões.
C. P.: A gente que pesquisa, fica imaginando
como era fazer uma pós-graduação sem se utili- F. S.: Isso ai converge totalmente para o sof-
zar desta ferramenta. Era muito complicado, até tware livre. A ideia, a filosofia do software livre.
porque hoje você tem livros inteirinhos, busca- É a liberdade do usuário. O usuário tem que ter
dos com muita facilidade nesta ferramenta. liberdade de buscar o que ele quer, aprimorar,
redistribuir, fazer cópia.
F. S.: E assim, o legal é que o google, parti-
cularmente, como um buscador, ele responde a C. P.: Utilizar a ferramenta e deixar mais inte-
questões que atende a demanda de uma crian- ressante...
ça do ensino fundamental, até um pesquisador.
Você coloca lá “cinderela” e vem um monte de F. S.: Filosofia do software livre é essa, e o
coisa de cinderela. Vem até o que não deve. E google, não só o google, outras ferramentas
você vai pesquisar alguma coisa acadêmica, também contemplam tudo isso. O software livre
científica, e você acha também. Então ele con- contempla também o compartilhamento da infor-
centra essa gama de tipos de usuários de inter- mação. Você tem que compartilhar o que você
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sabe e o google faz isso muito bem. Compartilha mas tem toda chance de chegar ao topo, por
o que todo mundo sabe, com todo mundo. que basta você fazer pouquíssimas coisas para
deixar tudo visível. É como eu falei: parece que
M. B.: Ontem eu recebi lá o convite do google as bibliotecas estão sempre perdendo. As possi-
plus, que vai ser uma rede social, mais uma ten- bilidades sempre vem, e tá sempre se deixando
tativa. Mas se já tá todo mundo empolvoroso, passar, deixando, mas é mais uma oportunidade
para saber como é que... Mas ai uma outra coi- de você ter tudo que a gente tem visível lá no
sa que eu estava conversando com ela antes, é topo. Jogar o jogo conforme o jogo está sendo
que, para você ver como é que a coisa é muito apresentado, e não ficar se remoendo por uma
mais forte, por que o google está definindo como questão cultural, o que é relevante ou o que não
os catálogos devem ser. Eu falei com ela que eu é relevante para os usuários. Às vezes se perde
estou escrevendo sobre os problemas de você muito tempo nessas questões. Os bibliotecários
não ter as URL’s dos catálogos, estáticos. Por- não sabem trabalhar com a ausência de polí-
que isso para o google é ruim, mas por que que tica, ai perde-se muito tempo na definição das
se chegou a essa conclusão? Porque os usu- políticas, quando já podia fazer uma coisa ex-
ários todos são do google. 90% dos usuários, perimental. Vamos ver se isso funciona por um
sei lá, mesmo que sendo uma estimativa muito longo período, se não der a gente parte para ou-
alta. O cara faz uma pesquisa na internet com tra. Se der certo, ótimo, a gente faz outro proje-
base no google, então se nos nossos catálogos, to. Mas não, fica-se perdendo muito tempo com
o que a gente tem, não tá ali, no sistema, a gen- “ah, o google é o cara mal, e não sei o que, o
te tá deixando de atingir um usuário, ali onde Marc 21, o RDA...”.
o usuário está, que ao invés de fazer o que a
gente faz, que é obrigar o cara a entrar no nos- F. S.: Mas você não acha também que falta di-
so catálogo, o cara saber o que a gente tem de zer o que é a biblioteca, que eu, ao contrário de
bom. A gente podia tá indo onde o cara tá e não você, o meu contato com biblioteca é recente,
exigir que o cara fizesse o contrário. Foi o que na vida acadêmica.
eu falei: o google nunca pediu que eu fosse até
lá. Eu vou por que o sistema é bom, que é mais C. P.: Até por conta da nossa própria cultura,
ou menos a postura da biblioteca. Só que a qua- de não biblioteca, de não existência da bibliote-
lidade do serviço é o que diferencia. A biblioteca ca.
não me obriga a ir até lá, necessariamente, mas
eu tenho que ir e tenho que me virar dentro da- F. S.: Eu acho que o que tá faltando hoje...Não
quele sistema que às vezes é um sistema maio acho que o google é o vilão não. O google não é
robusto, duro, a recuperação não é boa, a clas- o vilão. Eu acho que o que tá faltando na biblio-
sificação não é boa, e no google não, eu tenho teca é dizer quem é ela, por que a cultura dela
mais facilidade de entender a apresentação dos se mostrar pra quem já conhece, é óbvio. Você
resultados. dizer quem você é pra quem te conhece... Agora
e quem não te conhece? Como é que eu conhe-
C. P.: Então a biblioteca parece estar naquela ço uma biblioteca? Como é que eu sei o que ela
parte intermediária do iceberg, que representa a faz e o que ela pode me oferecer de recursos,
internet, aquela ponta que é completamente vi- de serviços? Eu acho que falta isso. E o google
sível, aquela parte de baixo que é invisível, que faz isso, pra você saber o que é biblioteca. Você
as pessoas não tem acesso. Eu fico imaginando joga lá e ele já diz. Vai no local tal, no catálogo
que existe uma parte no meio, onde as pessoas tal. O google tá fazendo isso pela biblioteca e o
tem acesso, mas elas só vão, se existir uma for- usuário, tanto iniciantes como já conhecedores.
ma de estimular as pessoas a irem lá, ou então A melhor ferramenta é o google. Melhor do que
se você puder utilizar de outros recursos de bus- você chegar, digamos aqui na base, no catálo-
ca que levem você até lá. Seria isso? go da UFRJ e procurar uma coisa que você não
sabe nem com que você tá falando, aonde você
M. B.: É, exatamente isso, mas o mais impor- tá procurando. Eu acho que o que falta a biblio-
tante, é que as bibliotecas estão nesse meio, teca é dizer: “olha, eu sou isso aqui, eu faço
34
isso, e posso te oferecer isso”. Eu não vejo isso. ta um pouquinho da forma pra fazer o negócio
deslanchar.
C. P.: E para a gente finalizar a nossa con-
versa, que por sinal foi muito proveitosa, existe C. P.: Até por que não adianta forma sem con-
perspectiva dessa continuidade da interação en- teúdo.
tre biblioteca e sistemas de informação, a tecno-
logia da informação? M. B.: É claro, mas parece que a gente investe
muito na forma, e esquece o conteúdo. Inves-
F. S.: Sim. Com certeza. te muito em catalogação, e não justifica você
ter uma frente de catalogação muito forte, e...
M. B.: Tem que ter, né? A gente tá aqui próxi- As duas coisas tem que andar juntas. O aten-
mo, mas de modo geral, vai ter que ter. Como dimento e a referência tem que andar juntos.
eu falei, são oportunidades que surgem diver- Mas parece que a gente investe muito de um
sas vezes, e as bibliotecas tão se dando ao luxo lado e esquece o outro. Eu até brinquei uma
de sempre desperdiçar, e por uma boa razão vez, basta você pegar uma disposição clássica
ou sorte do destino, tá tendo a oportunidade de dos funcionários de uma biblioteca. Eu tenho
novo. Mas vai ter que ser feito, pois se a gen- dez funcionários. Sete são da catalogação e da
te não fizer, vamos continuar nos mesmos pro- classificação, e dois da indexação, e um da re-
blemas centenários, que é o mesmo problema ferência que é aquele lugar que ninguém que ir,
da biblioteca se fazer e se tornar visível, que é que é justamente aquele lugar do atendimento,
uma discussão, para os bibliotecários, tão anti- em que você tem contato com o usuário, face
ga, mas que a gente não consegue resolver. En- to face, pessoas e não máquinas. Mas você in-
tão isso só vai ser resolvido, de a biblioteca se veste 70% do teu capital intelectual na forma,
mostrar, de representar uma função social, que de como você vai organizar para a recuperação,
seja, ou mesmo com objetivo estritamente aca- mas se a recuperação não diz nada pro usuário,
dêmico, mas de ela melhorar, de ela ser melhor ai não justifica você investir tanto na recupera-
do que ela já é. Ela é boa pra quem já está lá ção.
dentro, mas pra quem não tá lá dentro, não sabe
o que tá perdendo, e a biblioteca não consegue F. S.: Se não tem usuário, por que catalogar,
mostrar isso pro pessoal que tá lá fora. E tem né?!
que fazer; tem que se correr atrás do prejuízo.
A gente sempre teve a faca e o queijo na mão. M. B.: O negócio tem que ser nivelado. Tá um
Depende dos bibliotecários. A gente tem todo o desnível. Tá um investimento muito forte nos
conteúdo, que é isso que é o grande lance; Bas- processos técnicos, e menos nas pessoas.

35
/ OPINIÃO

Sobre democracia e wikileaks


O porque desse artigo estar relacionado com a sua vida
Por Agulha

Todo mundo acredita em papai Noel! EU


ACREDITO EM PAPAI NOEL!
Não fique assustado se você acha que a afir-
mação acima soa ridícula. Se você pensou isso,
é sinal que é alguém inteligente e gostaria que
me permitisse tomar alguns minutos do seu pre-
cioso tempo, mesmo quando afirmo algo no qual
deixou de acreditar a muitos anos...
Hoje em dia afirmar e divulgar a crença pesso-
al em papai Noel soa ridículo e infantil, pois con-
forme crescemos vamos abandonando algumas
crenças e adquirindo outras, assim o que faze-
mos e na verdade trocar o nome do “nosso pa-
pai Noel” por outros e um desses papais-noéis
se chama democracia.
A ideia de democracia é fabulosa. Até o pre-
sente momento não inventamos nada melhor.
Contudo, o Estado democrático de direito é feito
por pessoas, e como diria Doctor House: “Todo
mundo mente”. Eu minto, sua mãe mente, seu
companheiro(a) mente, seu representante eleito
por voto direto também. Se você não confia a
senha do seu cartão de crédito e do seu e-mail
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a pessoas próximas com medo de ser roubado Para saber mais: http://en.wikipedia.org/wiki/
ou coisa pior, compreende o quando é frágil um Anonymous_(group) (em inglês)
sistema onde poucos decidem sobre o que seria http://www.gizmodo.com.br/conteudo/entenda
melhor para a maioria (eu realmente conheço -o-funcionamento-do-anonymous-grupo-hacke-
quem dá a senha do cartão. Se você faz isso e r-pro-wikileaks/
tem alguém de confiança, parabéns! Agora tente http://www.appio.org/OnuOtan.htm
ampliar isso a mais alguém e perceba a ago- E como não poderia deixar de ser, o coletivo
nia... Sentiu? Então me entendeu?). Anonymous respondeu:
Nossos representantes mentem e é possível “Saudações, amigos da Otan. Nós somos a
que escondam informações relevante para a po- Anonymous *
pulação em geral Em uma recente publicação, vocês destaca-
Para saber mais: http://duartenuno.wordpress. ram o Anonymous como ameaça ao ‘governo e
com/1998/09/08/quando-os-politicos-mentem/ ao povo’. Vocês também alegaram que sigilo é
O Wikileaks é uma organização transnacional ‘um mal necessário’ e que transparência nem
sem fins lucrativos sediada na Suécia que existe sempre é o caminho certo a seguir.
desde o final de 2006. Publicando em seu site, “O Anonymous gostaria de lembrá-los que o
posts de fontes anônimas: documentos, fotos e governo e o povo são, ao contrário do que di-
informações confidenciais, vazadas de gover- zem os supostos fundamentos da ‘democracia’,
nos e empresas. Sobre assuntos sensíveis. entidades distintas com objetivos e desejos con-
Os caras são os x-9 da web e jogam o que flitantes, às vezes. A posição do Anonymous é
conseguem no ventilador a de que, quando há um conflito de interesses
Para saber mais: http://www.midiatismo.com. entre o governo e as pessoas, é a vontade do
br/comunicacao-digital/o-que-e-o-wikileaks-e povo que deve prevalecer. A única ameaça que
-por-que-ele-incomoda-tanta-gente a transparência oferece aos governos é a ame-
Juntem esses dois pontos e a tendência a aça da capacidade de os governos agirem de
quem estar no poder de não abdicar dele e te- uma forma que as pessoas discordariam, sem
mos ingredientes para uma tragicomédia. ter que arcar com as consequências democráti-
Como democraticamente não tinham base le- cas e a responsabilização por tal comportamen-
gal para prender o responsável pela wikileaks, to.
pelo que ele fazia, o prenderam por outra acu- “Seu próprio relatório cita um perfeito exem-
sação e as empresas que repassavam grana plo disso, o ataque do Anonymous à HBGary
começaram a tirar o corpo fora, a partir dai é (empresa de tecnologia ligada ao governo nor-
que começa a ficar interessante, pois o coletivo te-americano). Se a HBGary estava agindo em
Anonymous começou a fazer ataques ciberné- nome da segurança ou do ganho militar é irrele-
ticos as empresas que estavam ajudando deto- vante – suas ações foram ilegais e moralmente
nar as financiadoras da wikileaks (vivemos num repreensíveis. O Anonymous não aceita que o
capitalismo selvagem e sem grana você não é governo e/ou os militares tenham o direito de
ninguém!). estar acima da lei e de usar o falso clichê da
Para saber mais: http://www.esquerda.net/arti- ‘segurança nacional’ para justificar atividades
go/ataques-ao-wikileaks-n%C3%A3o-t%C3%A- ilegais e enganosas. Se o governo deve quebrar
Am-cobertura-legal as leis, ele deve também estar disposto a acei-
A OTAN (Organização do Tratado do Atlânti- tar as consequências democráticas disso nas
co Norte) comprou a briga, e condenou em um urnas. Nós não aceitamos o atual status quo em
recente relatório as atividades do grupo Anony- que um governo pode contar uma história para
mous, fazendo referência aos ataques a Master- o povo e outra em particular. Desonestidade e
Card, Visa, PayPal, Amazon e outros. A OTAN sigilo comprometem completamente o conceito
também disse que o grupo se tornou mais sofis- de auto governo. Como as pessoas podem jul-
ticado, advertindo que esses hackers poderiam gar em quem votar se elas não estiverem com-
alcançar áreas sensíveis do governo, o ramo mi- pletamente conscientes de quais políticas os
litar ou obter informações corporativas, sugerin- políticos estão realmente seguindo?
do uma forte resposta por partes dos governos. “Quando um governo é eleito, ele se diz ‘repre-
37
sentante’ da nação que governa. Isso significa, frentarão por causa disso.
essencialmente, que as ações de um governo Não tentem consertar suas duas caras escon-
não são as ações das pessoas do governo, mas dendo uma delas. Em vez disso, tentem ter só
que são ações tomadas em nome de cada ci- um rosto – um honesto, aberto e democrático.
dadão daquele país. É inaceitável uma situação “Vocês sabem que vocês não nos temem por-
em que as pessoas estão, em muitos casos, to- que somos uma ameaça para a sociedade. Vo-
talmente não cientes do que está sendo dito e cês nos temem porque nós somos uma ameaça
feito em seu nome – por trás de portas fechadas. à hierarquia estabelecida. O Anonymous vem
“Anonymous e Wikileaks são entidades distin- provando nos últimos que uma hierarquia não é
tas. As ações do Anonymous não tiveram aju- necessária para se atingir o progresso – talvez o
da nem foram requisitadas pelo WikiLeaks. No que vocês realmente temam em nós seja a per-
entanto, Anonymous e WikiLeaks compartilham cepção de sua própria irrelevância em uma era
um atributo comum: eles não são uma ameaça em que a dependência em vocês foi superada.
a organização alguma – a menos que tal orga- Seu verdadeiro terror não está em um coletivo
nização esteja fazendo alguma coisa errada e de ativistas, mas no fato de que vocês e tudo
tentando fugir dela. aquilo que vocês defendem, pelas mudanças e
Nós não desejamos ameaçar o jeito de viver pelo avanço da tecnologia, são, agora, necessi-
de ninguém. Nós não desejamos ditar nada a dades excedentes.
ninguém. Nós não desejamos aterrorizar qual- “Finalmente, não cometam o erro de desafiar
quer nação. o Anonymous. Não cometam o erro de acreditar
“Nós apenas queremos tirar o poder investido que vocês podem cortar a cabeça de uma cobra
e dá-lo de volta ao povo – que, em uma demo- decapitada. Se você corta uma cabeça da Hidra,
cracia, nunca deveria ter perdido isso, em pri- dez outras cabeças irão crescer em seu lugar.
meiro lugar. Se você cortar um Anon, dez outros irão se jun-
“O governo faz a lei. Isso não dá a eles o direi- tar a nós por pura raiva de vocês atropelarem
to de violá-las. Se o governo não estava fazen- que se coloca contra vocês.
do nada clandestinamente ou ilegal, não haveria “Sua única chance de enfrentar o movimento
nada ‘embaraçoso’ sobre as revelações do Wi- que une todos nós é aceitá-lo. Esse não é mais o
kiLeaks, nem deveria haver um escândalo vin- seu mundo. É nosso mundo – o mundo do povo.
do da HBGary. Os escândalos resultantes não Somos o Anonymous.
foram um resultado das revelações do Anony- Somos uma legião.
mous ou do WikiLeaks, eles foram um resultado Não perdoamos.
do conteúdo dessas revelações. E a responsa- Não esquecemos.
bilidade pelo conteúdo deve recair somente na Esperem por nós…
porta dos políticos que, como qualquer entidade Isso tudo tem a ver comigo e com você! To-
corrupta, ingenuinamente acreditam que estão dos os dias em redes sociais face, orkut, las-
acima da lei e que não seriam pegos. tfm, skoob, twitter, colocamos fotos, avaliamos
“Muitos comentários do governo e das empre- produtos, conversamos e deixamos rastros de
sas estão sendo dedicados a “como eles podem dos nossos passos e gostos... Você não pode
evitar tais vazamentos no futuro”. Tais recomen- esquecer a WEB jamais! Assim vou repensar o
dações vão desde melhorar a segurança, até meu papel como articulador e produtor de infor-
baixar os níveis de autorização de acesso a in- mações e como tenho agido tão bovinamente,
formações; desde de penas mais duras para os sendo tão displicente com minhas informações
denunciantes, até a censura à imprensa. pessoais. E você o que acha que vai fazer?
“Nossa mensagem é simples: não mintam Pense e compartilhe conosco!
para o povo e vocês não terão que se preocu- Para saber mais: http://www.iotecnologia.com.
par sobre suas mentiras serem expostas. Não br/voc-se-preocupa-com-a-segurana-dos-seus-
façam acordos corruptos que vocês não terão computadores-e-com-a-do-seu-filho
que se preocupar sobre sua corrupção sendo
desnudada. Não violem as regras e vocês não *Nota do editor: aqui há um trocadilho com
terão que se preocupar com os apuros que en- “nós somos anônimos”.
38
Check-in para o amor
E a grande verdade é que desilusão é voar de avião e
confirmar que nuvem não é de algodão
Por Ronny Laeber

Diga-se de passagem, que na vida, nos pega- do.


mos, muitas vezes, todos nos ares. E flutuando, Fazendo de nós, boêmios ou até mesmo, de-
estamos entre um “fica mais um pouco” e um pressivos.
“até logo”. Em um enorme aeroporto com um Por isso, prefiro escrever, pois escrever é so-
check-in aberto e um imenso saguão por onde mente copiar algo que já está escrito em algum
passam muitas pessoas. Uma contagem para lugar. Como estas baboseiras escritas para
os últimos dez minutos e um imenso quadro de você, leitor, ler, e saber, que sofrer nem sempre
voos piscando, piscando, piscando, de certo, é lucro nosso. Que vale mais, se apaixonar e se
um coração que pulsa demasiadamente. 109, aventurar, e correr os riscos dos maus tempos
145,150,290... Imagine! Impossível não embar- dos voos comuns e sem escalas. Que não é ver-
car e querer ser levado para as nuvens, para gonha sentir a falta da falta de alguém e que a
longe do mar, para o lado do sol, para perto das sobra de uma imagem, nos convence que a me-
estrelas, ou simplesmente, cair. mória não passa de uma estória sem endereço,
E assim de fato, perceber que o mundo, visto endereços que fazemos questão de guardar por
lá de cima, é mesmo muito grande e que nós, achar que nunca teremos coragem de irmos até
somos muito mais que pequenos. Minúsculos lá. Então, nos silenciamos.
até, eu diria. Posto que, se formos observar, Pois saiba, caro leitor, que não me silencio,
para quem mora nas estrelas, as cidades, são que apesar do sofrer, digo a desilusão: te ofere-
o céu. E a grande verdade é que desilusão é ço meu vazio, meu seco, inerte, com o que res-
voar de avião e confirmar que nuvem não é de tou do meu amor. Posto que além dele, só vivem
algodão. na minha alma, o temor e a certeza fria de que
Não sei se é a névoa lá fora, ou o tardio da chagará o dia em que eu serei uma tela apaga-
hora esvaindo-se, mas nunca, eu sinto tanto a da para a tristeza, tela muda e que embeleza o
perda do tempo quando estou sentado em uma amor plástico artístico e prático de nosso tempo.
plateia, e finamente disposto e receptivo a as- Porque nesse aeroporto, não há tempo ruim,
sistir alguma coisa e logo, me ocupam com uma nem check-in fechado. E que o quadro de voos
cena que não me diz nada, absolutamente nada. piscando, continuará piscando, especificando
Entende-se que na vida real todos estão nessa as diversas rotas de um coração sedento por
peça, e aguardam ser surpreendidos de manei- amor. E que, com a certeza de que uma hora
ra romântica e alegre ao abrir das cortinas, en- dessas, qualquer hora dessas, alguém vai en-
tretanto, muitas vezes, é o drama da desilusão trar pelo terminal de embarque com o mesmo
que nos congela na primeira fila. E na angústia, destino que nós, para fazer então, a viagem
sentimos esse tempo esvair-se. mais linda e longa, sem escalas, para um amor
Agora desperdiçado. Pensamos. Outrora tam- radiante e platônico, esquecendo de vez a desi-
bém. Numa onda constante de calmaria onde lusão, que será apenas uma paisagem vista da
nada acontece e então, nos decepcionamos. janela. Uma simples paisagem vista da janela.
Pensamos no amor como ingrato e enclausura-
39
/ ARTIGOS

A esquizofrenia do escritor
Uma poética da obra de Godofredo de Oliveira Neto
Por Carina Lessa

Para ler a obra de Godofredo de Oliveira Neto, como a


de qualquer grande escritor, podemos imaginar certo nú-
mero de possibilidades. Em A esquizofrenia do escritor,
mais precisamente, para dar luz à jornada de trabalho
escolhida, imaginei tornar visíveis diversas característi-
cas dos romances do autor, mostrando o quanto a en-
cenação narrativa como um todo pode estar a favor do
principal argumento deste trabalho. Pretendeu-se, e se
fez necessário, trazer à frente de combate (sem vence-
dores) diversas linhas de pesquisa para desvelar alguns
aspectos da obra que confluem para a questão mestra
de Menino oculto: a esquizofrenia do escritor.
Na obra em análise, a escrita mostra-se sempre por
uma realidade ambígua: por um lado, estamos diante de
um encontro com fundamentos históricos e sociais, não
como um engajamento, mas no intuito de trazer a relação
do homem com determinadas marcas psicológicas do
mundo. Por outro lado, há um encontro do autor ficcional
com o ato de narrar, que lhe traz o conflito da linguagem.
Ele não pode transcrever os próprios pensamentos, me-
nos ainda refazer a realidade tal qual ela foi. Sua escrita
reflete sobre a Literatura. Nesse jogo, a multiplicidade de
vozes parece ser a medida ideal para caracterizar o au-
tor em conflito com o texto. O duelo entre escritor e leitor
será constante, estamos diante da crise do narrador.
Para melhor desvendar o modo narrativo godofredia-
no e, principalmente, a escrita de Menino oculto, iniciei
a análise desde Faina de Jurema (o primeiro romance
do autor). O conceito de esquizofrenia, de forma ampla,
pode ser emblemático da obra produzida por Godofre-
do - até a escrita deste trabalho - porque carrega três
inquietações do romancista imprescindíveis, e que tam-
bém estão em Menino Oculto: a ficção na realidade, o
diálogo escritor-leitor e a autoria. A partir disso, inicial-
mente, foram apontados aspectos relevantes dentro de
cada livro.
Estamos entendendo aqui o autor sob a ótica objetiva-
da, segundo a qual Bakhtin afirma que se constrói uma
contemplação artística capaz de dar conta de uma ima-
40
gem individual sobre o autor no mundo ficcional por ele
criado. Neste sentido, quando estamos falando de um fio
condutor de toda a ficção godofrediana, almejamos revi-
gorar a presença do escritor na obra – que será um dos
principais pontos de articulação em Menino oculto, com
o tema central sobre a autoria.
Quis-se evidenciar que o autor permanece capaz,
mesmo que por muitas vozes, de levar o leitor aos fins
que ele deseja. A estética da esquizofrenia do escritor na
obra de Godofredo é entendida sob o aspecto da apro-
priação de fragmentos – como poderemos ver também
em O bruxo do Contestado –, da tensão entre ficção e
realidade (para Oliveira Neto, tudo é construção) e do
dialogismo entre escritor e leitor, como podemos obser-
var em Pedaço de Santo: “O criador divide a criação com
ele mesmo mas a criatura, para existir, precisa do resto
do grupo. Daí a esquizofrenia do artista, ser social.”.
Em Menino Oculto essa tipologia, que caracteriza to-
dos os romances, ganha mais força. A autoria se torna
o tema central. A barreira entre o falso e o verdadeiro
também será rompida e a autoria aparece sob novos
sentidos. Godofredo constrói uma história da contempo-
raneidade por meio de um texto que se configura por
uma linguagem esquizofrênica.
A realidade contemporânea desnuda-se por uma es-
tética do excesso de presente (aqui e agora). Não no
sentido em que Beatriz Resende emprega em seu Con-
temporâneos, no qual ressalta uma ansiedade de apre-
ensão da realidade trágica, mas no sentido que o próprio
escritor ficcional Aimoré chama de narrativa de “eventos
simultâneos”. Muitos chegaram a considerar essa narra-
tiva – criada por Godofredo – como própria do fluxo de
consciência: pela não linearidade e pela confusão espa-
ço-temporal. Mas, como poderá ser visto em A esquizo-
frenia do escritor, tal conceito não pode ser aplicado.
No que diz respeito à relação escritor-leitor, analisei a
função de três personagens-entrevistadores que atuam
como leitores do discurso de Aimoré – formado em Belas
Artes, falsário, professor de literatura e escritor ficcional,
também, do romance que temos em mãos.
Assim sendo, cabe dizer que o estudo teve como ob-
jetivo mostrar a originalidade estética de Godofredo de
Oliveira Neto, na escritura de Menino oculto, ao montar
o cenário artístico brasileiro contemporâneo, diante dos
impasses e polêmicas em torno da autoria. Mais ainda,
a originalidade ao trazer a figura do leitor para dentro da
narrativa como personagem em diálogo com o escritor,
desvendando algumas de suas funções e tornando evi-
dente o poder de manipulação do autor dentro da obra.

41
Quanto você precisa pra sobreviver?
A revolta dos Bombeiros e a questão salarial
das demais categorias
Por Luan Yannick

Nas últimas semanas pude acompanhar na


página de Facebook de alguns camaradas a se-
guinte mensagem:
BOPE: R$ 2.260,00 para arriscar a VIDA;
Médicos: R$ 1.260,00 para manter a VIDA;
Bombeiros: R$ 960,00 Para salvar VIDAS;
Professor: R$ 728,00 para preparar para a
VIDA;
E o Sérgio Cabral? Ganha quanto para f%@#!
a VIDA dos outros?
Clara mensagem de apoio aos Bombeiros Mi-
litares do Rio de Janeiro, que depois de muitas
manifestações praticamente ignorados pelo go-
vernador Sérgio Cabral desde abril, finalmente
conseguiram iniciar uma negociação real após

42
atitudes mais drásticas. Atualmente o salário de-
les é de cerca de R$ 1.100.
Em 30 de março desse ano, algumas cate-
gorias profissionais de nível superior, inclusive
bibliotecários, conseguiram que fosse aprovado
junto à ALERJ o piso salarial de R$ 1.630,99. É
uma vitória que não pode em hipótese alguma
ser minimizada, já que em diversas situações vi-
mos salários menores que esses sendo ofereci-
dos sem que as entidades de classe (sindicatos
e conselhos) nada pudessem fazer com relação
a isso a não ser emitir uma ou outra nota de re-
púdio.
O DIEESE (Departamento Intersindical de Es-
tatísticas e Estudos Socioeconômicos), calcula
mensalmente o Salário Mínimo Necessário, que
nada mais é que um cálculo do que deveria ser
o salário mínimo se seguíssemos o que cons-
ta na nossa Constituição, capítulo II, artigo 7º,
inciso IV: “salário mínimo fixado em lei, nacio-
nalmente unificado, capaz de atender às suas
necessidades vitais básicas e às de sua família,
como moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdên-
cia social, reajustado periodicamente, de modo
a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vin-
culação para qualquer fim”. Para os fins desse
cálculo, considera-se mensalmente o maior va-
lor da cesta básica das localidades pesquisa-
das, considerando como “família”, dois adultos
e duas crianças.
Segundo o DIEESE, o Salário Mínimo Neces-
sário em maio de 2011 é de R$ 2.293,31.
O salário mínimo nacional instituído por lei é
de R$ 545,00. O salário inicial de um bombei-
ro, assim como o piso salarial de professores
no Estado do Rio de Janeiro não chega a R$
1.200,00. O piso salarial de bibliotecários, ad-
ministradores, advogados e alguns outros pro-
fissionais de nível superior no mesmo Estado
é de R$ 1.630,99. Todos menores que o valor
definido como SALÁRIO MÍNIMO pelo DIEESE.
Segundo o portal R7, desde janeiro de 2010 o
salário (e apenas o salário, sem contar com ne-
nhum benefício recebido) do Governador Sérgio
Cabral Filho é de R$ 17.200,00.
O Governador recebe mais que 7 vezes (7,5
pra ser mais preciso) o valor definido como SA-
LÁRIO MÍNIMO pelo DIEESE.
Tirem suas próprias conclusões.

43
A escolha de Sofia
Suporte eletrônico ou em papel?
Por Albert Vaz

Estamos no segundo número da revista Bi-


blioo, que foi lançada exclusivamente no forma-
to digital (suporte eletrônico), justamente num
momento em que o mercado editorial de perió-
dicos tende a priorizar mais investimentos finan-
ceiros e logísticos no acesso on line. Com isso,
são recorrentes debates sobre o melhor suporte
(eletrônico e em papel) para uso e o possível
encerramento das publicações impressas.
As novas tecnologias de informação e comu-
nicação estão inseridas intrínseca e extrinse-
camente na sociedade atual e sua serventia é
aprimorada a todo instante, alicerçando-se cada
vez mais os hábitos e costumes em dispositivos
high-tech pessoais, como os e-books readers
(aparelhos eletrônicos portáteis de leitura). Os
44
atributos interativos agregados a estes disposi- ao desmatamento desenfreado das florestas. É
tivos e as características hipertextuais próprias inegável que a produção industrial de papel cau-
do formato digital contribuem para uma adoção sa conseqüências negativas ao meio-ambiente,
entusiasmada por parte dos usuários-leitores, mas isso não quer dizer, necessariamente, que
que, quando contrapõem essas propriedades em contrapartida o suporte eletrônico não tenha
à leitura estática, relegam o formato analógico também nenhum malefício ambiental, pois este
(suporte em papel) a segundo plano. gera um lixo tecnológico que precisa ser cuida-
dosamente tratado e reciclado.
Vantagens e desvantagens A questão é que iniciativas ecológicas pode-
riam ter uma utilidade pública maior, mas o pro-
Preferências à parte, o fato é que o suporte blema é que isso às vezes acaba sendo usado
eletrônico possui singularidades tanto quanto o de forma oportunista, tornando-se uma faceta do
suporte em papel e, como quase tudo na vida, capitalismo, denominado em inglês de greenwa-
contém pontos positivos e negativos. O eletrô- shing – propaganda publicitária enganosa que
nico tem dentre suas principais vantagens a visa a associar uma imagem ecológica sustentá-
mobilidade – possibilidade de ter uma coleção vel ao produto da empresa para ludibriar e, com
completa de textos em um único aparelho e isso, fidelizar o consumidor. Logo, é importan-
acessar, em qualquer lugar, outros textos instan- te frisar que não adianta simplesmente elencar
taneamente pela Internet – e o baixo custo – por os malefícios desse ou daquele material, mas
reduzir custos operacionais comuns à edição sim procurar alternativas que possibilitem o uso
física, como impressão, distribuidor e livrarias/ sensato e consciente perante o meio-ambiente,
terceiros, o preço final do texto digital diminui – , destacando-se iniciativas proveitosas, como as
e as desvantagens ficam por conta da baixa lon- certificações florestais emitidas pela FSC – Fo-
gevidade das mídias eletrônicas – embora haja rest Stewardship Council / Conselho de Manejo
constantes avanços tecnológicos, são ainda Florestal –, que atestam, por exemplo, que um
muito instáveis e efêmeras, pois também a in- papel certificado é proveniente de um processo
dústria investe mais na capacidade de armaze- produtivo responsável sob os aspectos ecológi-
namento do que na estabilidade da mídia – e da cos, econômicos e sociais, bem como a produ-
dependência de energia elétrica – necessidade ção de baterias ecotecnologicas que visam ser
de sempre estar atento ao nível de consumo da mais eficientes tecnicamente e menos agressi-
bateria para uma possível recarga. Já o papel vas ecologicamente.
possui como principais vantagens a durabilida-
de – pode durar mais de 100 anos, dependendo Leitura prazeroza para além do suporte
do acondicionamento físico e da qualidade da
matéria-prima – e a dispensabilidade energéti- O suporte eletrônico veio para facilitar e não
ca – praticidade de ler sem a necessidade de para dificultar e é natural que não seja unânime,
recarga elétrica – , tendo o impacto ambiental em que algumas pessoas se deliciam exploran-
– as conseqüências negativas causadas pelo do os seus recursos interativos e outras não se
desmatamento florestal da produção de papel – sentem confortadas e nem adaptadas lendo di-
como principal desvantagem. retamente da tela, e é por isso que o suporte em
papel não se encerrará tão cedo por contemplar
Implicações ambientais as necessidades institucionais e individuais da
sociedade. Sendo assim, independentemente
Na atual conjuntura contemporânea, afloram de ser um entusiasta ou refratário em relação
programas de cunho ecologicamente correto, à tecnologia, o importante é que o usuário-leitor
que são suplantadas pelas novas tecnologias, desfrute de uma leitura prazerosa à sua manei-
e a necessidade de instituições e sociedade se ra, seja com um livro de cabeceira ou um tablet
enquadrarem nisso, atribuindo, pelo aspecto arrojado.
comportamental, a consciência ambiental a uma
convenção social. Assim, o papel vem sendo mui-
tas vezes satanizado por ter uma imagem ligada
45
/ OPINIÃO

História, jornalismo e ficção


Um novo jeito de narrar os fatos
Por Cláudio Rodrigues

Virou moda nos últimos anos. Um jornalista, toda concepção do tempo vêm nos dizer que o
esse sujeito que sabe um pouco de tudo e não passado é uma tênue presença, e qualquer dis-
se apega teoricamente a nada, faz uma série de curso sobre ele é apenas discurso no presente
pesquisas, revira o baú da velha e oficiosa His- de um tempo indicativo; não é passado, mas re-
tória, descobre picuinhas que foram deixadas de criação. Daí que o discurso historiográfico está a
lado pelos historiadores que buscavam preten- um passo do discurso ficcional, se é que ambos
siosamente a imparcialidade sobre o fato... É só não andaram sempre lado a lado, de mãos da-
pegar uma pitadinha de intrigas, outra de fofo- das ou não. Os historiadores que me perdoem,
cas, outra de opiniões contrárias e pronto: tere- mas a fronteira entre Literatura e História já foi
mos um fato antigo vestido numa roupa nova, quebrada há muito tempo. Aliás, o posto alfan-
como se o passado estivesse sempre original degário nunca esteve cerrado, e as trocas e ins-
diante de nossos olhos. peções sempre ocorreram de um lado e do outro
Virou moda recolher os destroços do passado da fronteira.
e, com eles, montar um novo objeto, bem pala-
tável ao gosto do presente. Walter Benjamin, Mi- Horror e cartase
chel Foucault e, atualmente, Giorgio Agamben,
discutem o valor histórico do passado como um Sabemos que a literatura, o cinema e a TV
não-valor, ou seja, no âmbito do discurso do que sempre tomaram eventos históricos como su-
é pretérito, a verdadeira imagem desse passado porte para suas produções. Basta pensar um
é um relâmpago: “articular historicamente o pas- pouco e uma lista de produções baseadas em
sado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato “fatos reais” enchem qualquer folha. Temas
foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscên- como guerras, revoltas populares, pestes, mu-
cia”, diz Benjamin, no artigo “Sobre o conceito danças políticas, catástrofes naturais enchem
da História”. É dele ainda a famosa expressão qualquer sala de cinema e dão um bom enredo
de que é preciso “escovar a história a contrape- para um romance. A História vira diversão facil-
lo”. Resistir contra a palavra que reprime e que mente, ainda que sua narrativa seja do horror
foi usada para enaltecer o repressor constitui (o que é, quase sempre). O horror vira prazer,
essa escovação. Foucault, por sua vez, mostra numa espécie de catarse. Parece que a arte fun-
a necessidade de percebermos outros espaços ciona como uma válvula de escape semelhante
que estão inseridos em nossos espaços, uma às apresentações das tragédias gregas, no pas-
heterotopia; esse espaço fora de nós é que pro- sado. Suscitando o terror e a piedade na plateia,
move “a erosão de nossa vida, de nosso tempo, essas apresentações promovem uma cura.
de nossa história...” (no artigo “Outros espaços, Enquanto isso, nas escolas, públicas ou parti-
1967). Um espaço heterogêneo. Em Infância e culares, o velho método historiográfico continua
História (2008), Agamben traça uma arqueolo- prevalecendo, e os alunos precisam pensar nos
gia da linguagem cuja experiência pura só pode fatos históricos seguindo à risca a linha crono-
ocorrer na dimensão da infância, ou seja, o ho- lógica, como se estivessem num picadeiro, pre-
mem é sempre um infante para a linguagem. cisamente se equilibrando na corda bamba do
Desse modo, todo discurso, toda linguagem e tempo, prestes a cair. Aulas monótonas cujos
46
assuntos ainda permeiam a veracidade dos fa- sar nessa avenida, uma banda verde-amarelo
tos, as datas, os heróis, os conflitos, as suces- que poderia se chamar de “Unidos do Pau-Bra-
sões. Quem é que vai dizer que minha descrição sil”. Com direito a papagaio, banana, feijoada,
está ultrapassada? Que o ensino de História mu- os personagens parecem posar para uma foto
dou? Abra qualquer livro atual e verá a sucessão oficial em plena selva brasileira. E é a orelha do
de eventos, os mesmos de antes, contados do livro que nos grita em letras garrafais: “Zumbi
mesmo modo. Só de falar nisso, já estou quase tinha escravos. Santos Dumont não inventou
bocejando e admito que sinto prazer em estar o avião. João Goulart favorecia empreiteiras.
longe de qualquer dessas aulas. A origem da feijoada é européia. Aleijadinho é
Mas devo retomar meu raciocínio e dizer que, um personagem literário. Quem mais matou os
nos últimos anos, uma moda tem revirado o dis- índios foram os índios”. Os capítulos são intro-
curso da História. É verdade que essa moda não duzidos em páginas pretas, com ilustrações das
chegou à escola, ainda. Estava falando de livros personalidades e com o título invertido ou que-
que fazem questão de tratar a História como um brado, aliás, muito sugestiva esse projeto gráfi-
caso jornalístico (ou seria caso de polícia?). Não co. Ao final de cada capítulo, o autor apresenta
sei o que pensam os historiadores sobre auto- referências, como um texto acadêmico. Quer
res como Eduardo Bueno, Laurentino Gomes dizer: uma linguagem nada acadêmica é emba-
e, mais recentemente, Leandro Narloch, todos sada academicamente.
best-selers com temas sobre a História do Brasil.
Livros como A viagem do descobrimento (1998), A pesquisa em tempos de Google
1808 (2006) e Guia politicamente incorreto da
História do Brasil (2011), respectivamente dos É claro que ao nos depararmos com tanta
autores mencionados, representam esse novo informação e trivialidades nos perguntamos:
jeito de resgatar o passado: com ironia, humor e “como um autor tão jovem escreve uma obra
uma linguagem própria do jornalismo. com tantos dados catalogados?” Em tempos
de Google, fica mais fácil fazer pesquisa, juntar
Interesse pela história dados e depois buscar as fontes. Isso não quer
dizer, absolutamente, que o autor não é rigoroso
É justamente o Guia politicamente incorreto da na sua pesquisa. Estou apenas dizendo que a
História do Brasil o objeto desta resenha. A fór- internet facilita a descoberta de textos antes res-
mula pode não ser tão nova, mas funciona que tritos a uma biblioteca ou universidade.
é uma beleza. Na lista dos livros de não-ficção O livro destrona do pedestal da História inúme-
mais vendidos em 2011, segundo o site www. ros fatos tidos como incontestáveis. Além disso,
publishnews.com.br, os 1º, 2º e 4º lugares são conduz o leitor a pensar nas intenções do dis-
para os livros 1822, 1808 (do André Laurentino) curso histórico, nas construções com finalidade
e o Guia politicamente incorreto. Isso mostra, outra, menos a de expor o fato tal acontecido. É
entre outras coisas, que as pessoas têm interes- como se alguém chegasse para você e disses-
se, sim, pela História; ela só precisa ser contada se: “Escuta, a História é outra. Enganaram você,
sem subterfúgios e com linguagem dita séria. mas tudo tinha um porquê e agora eu quero te
Pois foi isso o que fez o autor do guia. Selecio- abrir os olhos para isso. Não foi bem assim que
nou temas caros e quase tabus da nossa Histó- a banda tocou. A música também é outra”. Logo
ria, pesquisou artigos recentes, teses, disserta- no início do livro, o autor apresenta um texto
ções, matérias jornalísticas, livros. Foi juntando cheio de lacunas e propõe que o leitor preencha
uma curiosidade aqui, uma contradição ali, um com nomes entre parênteses ou outros de sua
mentira acolá e nasceu o guia, numa espécie de preferência. O resultado é que teremos um tex-
almanaque de personalidades históricas, vinte e to pré-moldado que serve como esquema para
quatro na nova versão ampliada do livro. Índios, se contar qualquer história. Bingo. O autor toca
bandeirantes, escravos, imperadores, canga- a ferida do ensino de História. E convida o lei-
ceiros, escritores, líderes políticos, entre outros, tor a ler os demais capítulos com outros olhos.
desfilam na passarela barroco-tropical do livro. A Concordando ou não com esse jeito jornalístico
própria capa já nos diz que uma banda vai pas- de apresentar o passado, o importante é discu-
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tir, é não se fixar no texto como verdade única.
Mais importante é o debate que isso suscita. A
deliciosa leitura propõe o tempo todo um des-
tronamento da verdade histórica. Que história é
essa de que os índios já desmatavam a floresta
antes da chegada dos portugueses? Que histó-
ria é essa de que os portugueses aprenderam
a comprar escravos com os próprios africanos?
Que história é essa de José de Alencar ter sido
contra o fim da escravidão? Que história é essa
de que os desfiles das escolas de samba têm
um apelo fascista? Que história é essa de que
Santos Dumont não inventou o avião e muito
menos o relógio de pulso? Que história é essa?
Uma leitura que dá prazer justamente passan-
do na cara que nós não sabemos muito de nós
mesmos, e o que a escola nos ensinou não tem
valor crítico algum. Ensinaram-nos a receber
tudo passivamente e a acreditar piamente no
discurso histórico.
Para encerrar meu texto, lembro de uma frase
de minha mãe, quando ela ainda estava estu-
dando supletivo, já adulta: “Meu filho, não seja
bobo: papel recebe tudo o que se escreve nele
sem reclamar.” É assim que a História foi escrita
em inúmeros compêndios. Nenhum deles recla-
mou verdade verdadeira. Nenhum deles esbra-
vejou porque estavam cobrindo-o com mentiras.
Nenhum deles se recusou a receber os discur-
sos tão parciais da História.
Nosso tempo fragmentado é também tempo
de mostrar que o rei (aquele da História) está
nu; está nu e caminha ao nosso lado com toda
pose. É assim que a banda toca. Viva a Unidos
do Pau-Brasil!

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/ REPORTAGENS

Acervos valiosos em destaque na TV


Brasiliana Guita e Mindlin e acervo do casal Otávio
Tarquínio de Souza e Lúcia Miguel Pereira são temas de
programa da Globo News
Por Chico de Paula

RIO – O programa Espaço Aberto Literatura biblioteca não é financeira, mas cultural.
da Globo News do dia 17 deste mês foi dedica- O programa mostra o laboratório onde está
do a apresentação de dois acervos valiosos que sendo feita a digitalização do acervo da Brasi-
em breve estarão disponíveis ao público: o do liana. O coordenador do projeto destaca que
casal Otávio Tarquínio de Souza e Lúcia Miguel são pelo menos quarenta pessoas envolvidas
Pereira, que foi doado a Procuradoria Geral do no projeto, a maioria bolsistas. O apresentador
Estado do Rio de Janeiro; e de José Mindlin, o do programa Claufe Rodrigues também conver-
qual terá um prédio construído especialmente sa com Victor Hitosh, coordenador de proces-
para abrigá-lo na Universidade de São Paulo. samento de imagens, que ressalta que com a
Pedro Puntoni, coordenador do projeto da bi- chegada de mais cinco robôs digitalizadores,
blioteca Brasiliana Guitta e Mindlin, conta que previsto para breve, o processo de digitalização
já está prevista a compra de um conjunto de deverá sofrer uma aceleração.
tablets para as pessoas que não queiram ou No segundo bloco o programa mostra a histó-
não possam ter acesso aos originais possam ria de amor pelos livros do casal Otávio Tarquí-
se sentar no sofá com o aparelho e ficar lendo nio de Souza e Lúcia Miguel Pereira, ele jurista
os livros, consultando a coleção etc. A biblioteca e historiador e ela ensaísta e crítica literária. A
Brasiliana será mais que uma biblioteca, desta- biblioteca foi doada pela família do casal à Pro-
ca Puntoni: “a gente pensa em criar esse espa- curadoria Geral do Estado do Rio de Janeiro e fi-
ço de biblioteca ou de bibliotecas, num espaço cará aberta ao grande público. Quem apresenta
cultural, de intervenção, de eventos, seminários, o acero é o neto do casal, Gabriel Fonseca, que
leituras dramáticas, leituras pras crianças”, res- fala com carinho dos avós e da responsabilida-
salta. São 17 mil títulos em 40 mil volumes dis- de que herdou em relação à coleção quando es-
tribuídos em um espaço de aproximadamente tes faleceram. Vale a pena conferir o programa.
20 mil m². Puntoni destaca que o maior valor da
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Cordel, a palavra A Academia Brasileira de Literatura
de Cordel entre Cultura e Informação
encantada Por Dani Maciel

RIO e FORTALEZA pendurados em cordões. Chegando às univer-


Todo cordelista é sidades, o cordel ganhou status de arte e fonte
Um repórter cavador de cultura. Gonçalo nos confidenciou que “a lite-
Que busca a melhor notícia ratura de cordel não voou do barbante para as
Em um ou outro setor salas das universidades pelos seus belos olhos,
Pra depois versificar voou por qualidade, e hoje a literatura de cordel
E muito bem informar está nos corredores acadêmicos, nas salas uni-
A seu bom público leitor… versitárias, mas pela qualidade”, isto porque “a
Os versos do cordelista baiano João Crispim literatura de cordel alcançou perfeição ao que
Ramos são uma inspiração para falar do cordel: se propõe, mas a literatura de cordel não pode
uma arte que virou fonte de informação. Mas dizer que é uma arte pronta, do ponto de vista
para isso acontecer foi necessário uma viagem das regras gramaticais, mas é uma arte”.
até o Rio de Janeiro, onde tivemos a honra de Os folhetos ganharam fama e espaço na cul-
conversar com Gonçalo Ferreira da Silva, pre- tura brasileira. Durante anos estes foram utili-
sidente da Academia Brasileira de Literatura de zados como jornais, onde os poetas cordelistas
Cordel (ABLC) um dos maiores nomes da lite- eram os encarregados por expressar as infor-
ratura de cordel do Brasil. Vou contar pra vocês mações transmitidas nos jornais, e, muitas ve-
como tudo começou, quando o cordel aqui che- zes a opinião deles era mais aceita do que as
gou, sem nome e sem documento, “pegando ca- noticias publicadas nos jornais oficiais. Sobre
rona” nas caravelas de Portugal que dominaram isso, o presidente da ABLC afirma que “verda-
o nosso litoral no ano de 1500; ao chegar ao deiramente, a literatura de cordel quando come-
nordeste fez ali sua moradia, se transformou em çou, ela realmente se propôs a ser notícia, ser
meio de comunicação e disseminou informação comunicação, é tanto, que a literatura de cordel
pra todo mundo da região. ensinou o nordeste a ler. Nenhum outro veícu-
lo, escola – se houvesse escola – no tempo foi
No principio era o verbo tão eficiente para o aprendizado do homem do
nordeste como o cordel; inclusive ele é chama-
Herdeira da oralidade, esta literatura contou do como Livrinho de Athayde, porque realmente
as mais diversas histórias e informou a popula- ensinou o nordeste a ler. A literatura de cordel foi
ção nordestina. Através das cantorias, dos de- a responsável por isso [alfabetização]. Milhares
safios entre os repentistas, as pessoas tinham de nordestinos –inclusive eu – aprendeu assim”.
acesso ao saber. Os contadores de histórias, O cordel informa, e isto lhe confere um papel
os cantadores de cordel eram como os heróis de grande importância na sociedade contempo-
do povo, responsáveis por iluminar as idéias rânea. Também denominada sociedade da infor-
daqueles que nem sequer sabiam ler e através mação, a sociedade atual gira em torno do de-
da cantoria do cordel podiam ter acesso ao co- senvolvimento cientifico, do crescimento social
nhecimento e a informação. Com o passar dos a partir da troca de informações. A literatura de
anos o cordel conquistou muito mais espaço cordel pode ser utilizada para enriquecer cultural
como cultura escrita. Na década de 70 ainda era e intelectualmente a população brasileira atra-
conhecida como literatura de folhetos. O nome vés do compartilhamento informacional iniciado
cordel veio a partir da maneira na qual os fo- nas escolas. “O caminho é as escolas; o cami-
lhetos eram vendidos, nas feiras e praças, de- nho de toda e qualquer manifestação humana
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é chegar às escolas. Chegando às escolas o Ao chegar à sede da ABLC em Santa Tereza,
progresso se faz naturalmente, porque com o bairro da região central do Rio, conhecida pelas
livro é assim”, ressalta Gonçalo. Nesta literatura construções históricas e pelos bondes que circu-
de folhetos desenvolve-se um ciclo cultural de lam em suas ruas, fomos muito bem recebidos
informações onde o poeta dissemina a sua opi- em um prédio simples e aconchegante, reche-
nião sobre determinados assuntos ao seu públi- ado de cordéis e cultura. Quem estava lá para
co, que por sua vez assimilará e interpretará de nos receber era o próprio Gonçalo, presidente
acordo com suas experiências. Nesse sentido, da Academia, que ofereceu-nos toda atenção,
o presidente da ABLC informa que “antigamente compartilhando um pouco de suas lembranças e
existia a literatura de cordel caracterizada pelo experiências. A ABLC foi fundada em 1988, exa-
humor, caracterizada pela jocosidade, e a sátira tamente no dia 7 de setembro. Seguindo o lema
política e social, mas hoje a literatura de cordel “Cordel é Cultura”, a instituição se caracteriza
aborda desde a Grécia de Homero, 900 anos como uma sociedade civil de natureza cultural
antes de Cristo, até o episódio da morte dos es- sem fins lucrativos e corpo acadêmico composto
tudantes em Realengo no Rio de Janeiro. Acon- por 40 cadeiras de membros efetivos, brasilei-
teceu virou cordel!”. ros natos ou naturalizados, de ambos os sexos,
A literatura folclórica do nordeste brasileiro maiores de 16 anos.
trabalha com a linguagem escrita través dos Atendendo uma camada heterogênea de usu-
versos. É um exemplo da troca de informações ários, a ABLC reúne a maior coleção de folhetos
entre os homens. Tem a função de comunicar às do Brasil, com cerca de 13 mil exemplares, além
massas e está arraigada de processos e fluxos de contar com um rico acervo de xilogravuras ori-
informacionais caracterizados pela interação e ginais, incluindo matrizes talhadas em madeira.
comunicação entre quem emite e quem recebe “O público da ABLC é heterogêneo também, por
algum dado informacional. O cordel resiste e é causa disso, porque ela atende a muitos tipos
bastante aceito por todas as camadas sociais. de interesse; quando uma pessoa faz uma festa
Sobre isto Gonçalo afirma que “se a Literatura de São João vem comprar cordel, muitas vezes
de Cordel tivesse os avanços como adversários pra enfeitar com cordel, vender e enfeitar”, des-
e não como aliados teria se dado mal. Mas a taca Gonçalo. Esta academia é responsável por
literatura de cordel, quando chegou o rádio, a gerir e orientar as movimentações no contexto
literatura de cordel teve o rádio como aliado. do cordel, trabalhando na promoção de eventos,
Chegou o rádio de pilha, a literatura de cordel criação de coleções especiais e divulgação dos
fez o mesmo: cavalgou sobre as ondas eletro- folhetos como grande bem da cultura brasileira.
magnéticas do rádio de pilha. Chegou a televi- Segundo Gonçalo, as atividades instituicionais
são, ora, vamos nos associar a um invento que da ABLC “variam de ano para ano, porque essa
leva a imagem e som ao mundo todo, e foi pra questão de atividades está mais presa aos pro-
televisão […] e com a internet, o mundo intei- jetos do governo”.
ro toma conhecimento, porque vai para o site A ABLC se destaca por ser uma instituição de
da Academia. O site aponta o blog, o blog leva grande valor cultural para a sociedade brasilei-
pra outros blogs que são criados e agregados ra, até mesmo exercendo representação inter-
a ABLC”. E sobre a interação cordel e internet nacional. “Na Suíça francesa, nós temos uma
o cordelista informa em verso que “filho amado exposição permanente [...]. Nós temos uma pe-
da mente nordestina/Sempre teve o cordel gran- quena exposição dentro da Universidade Autô-
de sucesso/Cavalgando no dorso do progresso/ noma de Barcelona, e nós temos uma estante,
Mas fiel a escola Leandrina/Muitas vezes saía não uma cordelteca, uma estante só no Museu
da oficina/Como notícia de impacto social/Foi aí Nacional de Kyoto, no Japão”, destaca Gonçalo
que o cordel se fez jornal/Na linguagem padrão com orgulho.
e não a culta/Sendo a paternidade absoluta/ E é assim, de verso em verso, de rima em
Pode mesmo o cordel ser virtual”. rima, de folheto a folheto que esta literatura vai
crescendo e ganhando adeptos. São muitos
A academia anos de história e se depeder do folego dessa
cultura, muitos ainda estarão por vir.
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