Sei sulla pagina 1di 98

Henry expõe as questões importantes e oferece respostas

confiáveis para elas. Por essa razão, este livro está na pequena lista
de obras que recomendo aos que me perguntam por uma
introdução à filosofia e apologética cristãs.
— Vincent Cheung
Autor de Questões últimas

Erudito, lúcido, sábio e poderoso, este é Henry em sua melhor


forma.
— James I. Packer
Autor de O conhecimento de Deus

Uma exposição perspicaz e cativante da visão cristã a partir do


principal teólogo evangélico do século XX.
— Timothy George, Deão da Beeson Divinity School
Autor de Teologia dos reformadores

Vigor e visão são os selos de autenticidade dos escritos teológicos


de Carl Henry: o vigor da mente poderosa e resoluta, e a visão
que ultrapassa a superfície para discernir as correntes e direções
mais profundas do pensamento moderno.

— David F. Wright, Universidade de Edimburgo


Co-autor de Novo Dicionário de Teologia

O resgate da fé cristã é uma das melhores introduções concisas à


apologética. Claro e direto, trata-se do clássico Carl Henry.
— E. Calvin Beisner, Ph.D.
Porta-voz nacional
Cornwall Alliance for the Stewardship of Creation
Carl Henry é o mais qualificado defensor da doutrina evangélica
da segunda metade do século XX. Ele defende a fé bíblica e
evangélica com firmeza e ousadia.
— Kenneth Kantzer, Trinity Evangelical Divinity School

Carl Henry aponta com precisão as questões cruciais.


— L. Russ Bush, Southeastern Baptist Theological Seminary
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
E DITORA MONERGISMO
Caixa Postal 2416
Brasília, DF, Brasil - CEP 70.842-970
Telefone: (61) 8116-7481 - Sítio: www.editoramonergismo.com.br

1a edição, 2014

Tradução: Vanderson Moura da Silva


Revisão: Felipe Sabino e Rogério Portella
Capa: Luís Henrique P. de Paula

PROIBIDAA REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


versão Almeida Corrigida Fiel (ACF),
salvo indicação em contrário.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Henry, Carl F. H.

O Resgate da Fé Cristã / Carl F. H. Henry, tradução


Vanderson Moura da Silva – Brasília, DF: Editora Monergismo,
2014.

Título original: Toward a Recovery of Christian Belief


ISBN 978-85-62478-83-3
1. Apologética 2. Filosofia 3.
Revelação 4. Teísmo
5. Teoria do Conhecimento

CDD 230
O RESGATE DA FÉ CRISTÃ

Carl F. H. Henry
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

“ Um cristianismo sem uma paixão de virar o mundo de cabeça para baixo


não reflete o cristianismo apostólico.” ― Carl Henry
Embora não seja muito conhecido no Brasil, o autor deste
livro, Carl Henry, foi na opinião de diversos estudiosos a principal
figura intelectual do evangelicalismo americano do século XX. A
posição dele fica evidente no fato de ter sido o único evangélico
selecionado para uma análise aprofundada na série Makers of the
Modern Theological Mind [Formadores da mente teológica moderna].[1]
Ali, como destaca Carl Trueman, “ele tomou seu lugar ao lado de
luminares como Schleiermacher, Kierkegaard e Pannenberg como
homens que exerceram profunda influência sobre a forma de várias
tradições teológicas”.[2] Mas quem foi Carl Henry?
Biografia
Carl Ferdinand Howard Henry nasceu em 22 de janeiro de
1913, na cidade de Nova Iorque. Seus pais, Karl F. Heinrich e
Joanna Vathroder, ambos jovens imigrantes alemães, se
conheceram nos EUA e logo se casaram. O nome da família foi
mudado para Henry devido ao sentimento antigermânico
ocasionado pela Primeira Guerra Mundial.
A família Henry experimentou a vida de uma típica família
imigrante: poucos luxos e pais que trabalhavam muito. Embora a
mãe de Carl fosse católica romana e o pai luterano, ambos por
tradição familiar, há pouca evidência da influência da religião na
família de Henry.[3]
Carl cresceu em um ambiente espartano, mas não pobre;
sendo o mais velho de oito filhos, trabalhou em sucessivos
empregos de tempo parcial para completar a renda da família.
As primeiras experiências educacionais de Carl foram em
escolas públicas e já no ensino médio ele parecia destinado a seguir
carreira no jornalismo. Após graduar-se em jornalismo no meio da
Grande Depressão, Carl conseguiu um trabalho no The Islip Press,
em Long Island.[4] Rapidamente tornou-se um repórter e mais
tarde escritor para o New York Herald Tribune e o New York Daily
News. Três anos após o primeiro trabalho em um jornal, Henry
tornou-se o editor do The Smithtown Star, um grande jornal
semanal de Long Island. Mais tarde ele cobriria uma grande seção
de Long Island para o The New York Times.
Sua experiência com o jornal colocou-o em contato com uma
cristã devota e, por meio dela, com membros do Grupo Oxford.
Em 1933, aos vinte anos, com ambições e sucesso no jornalismo,
Henry foi confrontado com o evangelho e tornou-se crente em
Jesus Cristo.
Percebendo o chamado de Deus para uma vida de serviço
cristão vocacionado, Henry deixou a carreira promissora de
jornalista e entrou no Wheaton College em 1935.
Albert Mohler diz o seguinte sobre isso:
A experiência de Henry em Wheaton moldou o curso de
sua vida e pensamento. Ele foi levado ao Wheaton pela
reputação de “Harvard evangélica” e por ter ouvido seu
presidente, J. Oliver Buswell, falar na conferência Stony
Brook sobre a importância da dimensão racional da fé.
Em Wheaton, Henry encontrou-se no seio do movimento
evangélico ― em um momento decisivo para o
desenvolvimento do cristianismo conservador nos
EUA.[5]
Em Wheaton Henry encontrou diversos expoentes do
movimento evangélico e se tornou amigo deles. De singular
importância, contudo, foi aquele que o próprio Henry designa “um
dos mais brilhantes membros do corpo docente”.[6] Leiamos
Mohler mais uma vez:
Henry estabeleceria amizade em Wheaton com
indivíduos como Billy Graham e Harold Lindsell. Mais
importante, ele foi apresentado a Gordon Clark,
professor de Filosofia, que se tornaria talvez a influência
intelectual mais importante sobre o pensamento de
Henry. Clark era um presbiteriano conservador que
enfatizava a racionalidade inerente da teologia e da
crença em Deus.[7]
Paul R. House, no excelente artigo “Remaking the Modern
Mind: Revisiting Carl Henry’s Theological Vision” [“Reformulação
da mente moderna: reavaliação da visão teológica de Carl
Henry”],[8] assevera algo similar:
Enquanto estudante universitário, Henry ficou sob a
tutela do professor de Filosofia Gordon Clark, que havia
ensinado na Universidade da Pensilvânia, e que mais
tarde lecionou na Universidade de Butler por muitos
anos. Clark esposava o calvinismo, fundamentações
epistemológicas cuidadosas, e uma piedade cristã séria,
todas essas ênfases evidentes nos escritos de Henry.
Outro fato importante ocorreu em Wheaton: Carl Henry
conheceu a futura mulher, Helga Bender. Eles se casaram em 1940
e tiveram dois filhos: Paul Brentwood (1942) e Carol Jennifer
(1944). Ambos seguiram a carreira acadêmica dos pais. Carol
tornou-se musicista e Paul ensinou Ciências Políticas no Calvin
College por alguns anos; mais tarde foi eleito deputado,
assumindo a cadeira de Grand Rapids, a mesma ocupada por
Gerald R. Ford, bem antes de se tornar o 38º presidente dos EUA.
Além de se graduar no Wheaton College (B.A. 1938; M.A.
1941), Henry estudou no Northern Baptist Theological Seminary
(B.D. 1941; Th.D. 1942), ambas as instituições evangélicas eram
sérias na época.
Henry ensinou no Northern Baptist de 1942 a1947, e então
se tornou membro fundador do corpo docente do Seminário
Fuller, onde serviu de 1947 a 1956. Ainda no Fuller, ministrou
aulas de verão no Gordon College e completou o doutorado em
Filosofia na Universidade de Boston em 1950. Em 1956 Henry
tornou o primeiro editor de Christianity Today [Cristianismo Hoje],
uma alternativa ao jornal protestante mais liberal, The Christian
Century [O Século Cristão]; em 1966 atuou como presidente do
Congresso de Berlim sobre evangelismo, o primeiro grande
congresso internacional promovido pela Associação Evangelística
Billy Graham.
Após deixar a Christianity Today em 1968, Henry passou um
período sabático na Universidade de Cambridge,[9] e então
ensinou no Eastern Baptist Theological Seminary e no Trinity
Evangelical Divinity School de 1969 a 1974. Ele continuou ensinando
em tempo parcial no Trinity até 1997. De 1974 a 1986 Henry
proferiu palestras em nome da Visão Mundial e, durante a
“aposentadoria”, ensinou e discursou em diversas faculdades,
universidades e seminários.
Carl Henry foi eleito presidente da Evangelical Theological
Society [Sociedade Teológica Evangélica] e da American Theological
Society [Sociedade Teológica Americana]. Participou do Concílio
Internacional sobre Inerrância Bíblica e da conferência Evangelical
Affirmations [Declarações Evangélicas].[10]
Paul House resume bem o engajamento de Henry:
Ao longo de anos de serviço prestado, inúmeras milhas
percorridas, muitos livros escritos e diversas palestras
proferidas, Henry provou sua dedicação à vida e ao
pensamento evangélico.[11] Seu serviço merece ser
comparado favoravelmente ao de outros líderes
evangélicos americanos fundamentais, tais como Harold
Ockenga e Billy Graham, como bem a líderes evangélicos
britânicos como James I. Packer e John Stott.
Legado
Henry é mais bem conhecido pela obra magistral de seis
volumes God, Revelation, and Authority [Deus, revelação e autoridade],
publicada entre 1976 e 1983.[12] Ali, ele lida com os principais
desafios filosóficos e teológicos a respeito do teísmo cristão e do
cânon bíblico. Mas sua obra é extensa, e não poucos trabalhos
recebem elogios igualmente efusivos.
O seu primeiro livro, The Uneasy Conscience of Modern
Fundamentalism [A consciência inquieta do fundamentalismo
moderno], publicado em 1947, é considerado por alguns uma de
suas melhores obras. Na opinião de Russel Moore, talvez seja este
o livro evangélico mais importante do século XX: “É tão relevante
hoje quanto o era em 1947, e deveria ser lido novamente por todos
os comprometidos seriamente com a aplicação da visão do reino a
todos os aspectos da vida”.[13]
Remaking the Modern Mind e The Protestant Dilemma, ambos
publicados em 1948 e The Drift of Western Thought [O desvio do
pensamento ocidental], publicado em 1951, também merecem
atenção. Essas obras desafiaram a erudição da época e
demonstraram o motivo de os primeiros neoevangélicos terem
recebido a atenção e o respeito da cultura mais ampla, bem como
da academia religiosa.
A despeito do debate acerca de sua principal obra,
permanece o fato de que nelas se encontra o cristianismo ortodoxo:
de modo consistente reiteram-se os temas do teísmo bíblico, a
revelação objetiva em forma proposicional, a autoridade e
inerrância da Escritura e a defesa apologética racional do
cristianismo.
Embora o legado mais duradouro de Henry consistas em
seus escritos — dezenas de livros, artigos, editorais e obras
editadas — esse legado vai além disso. Para os que desejam saber
mais acerca de sua visão e sabedoria, recomendo com entusiasmo o
e x c e l e n t e Recovering Classic Evangelicalism [Recuperação do
evangelicalismo clássico], de Gregory Thorbury.[14]
Sobre este livro
Gregory Thorbury, no livro já mencionado, após dizer que
God, Revelation and Authority é uma obra densa e às vezes
inacessível, contendo análises filosóficas e teológicas sobre o
conceito de epistemologia a partir do ponto de vista teístico, relata
o seguinte episódio:
Millard Erickson, sabendo que eu estava em contato com
Carl, certa vez me perguntou como ele estava. Após lhe
contar sobre as lutas de Carl com a estenose espinhal ao
longo dos meses anteriores, Millard pediu que
transmitisse suas saudações a Carl na próxima vez que
conversássemos. Então seus olhos brilharam, e ele
brincou: ‘Você sabe que amo a obra de Carl Henry. Ela é
extremamente importante. Espero que um dia seja
traduzida para o inglês’.[15]
A brincadeira tem sentido. Alguns escritos de Henry são
realmente densos e difíceis de entender. Thorbury afirma que
“Henry foi um teólogo de língua inglesa cuja agenda era escrever
uma Wissenschaft[16] germânica para o evangelicalismo”.
Embora o livro[17] que o leitor tem em mãos não esteja
entre os mais complexos de Henry, trata-se de uma transcrição de
palestras extremamente técnicas. Assim se requer atenção durante
a leitura, mas o benefício é garantido.
O objetivo principal de Henry nessas palestras era chamar
os cristãos ao retorno à cosmovisão autenticamente cristã. Ao
longo do caminho, ele defende o pressuposicionalismo contra o
fideísmo, o racionalismo e principalmente o evidencialismo. Os que
já conhecem esse método apologético verão a influência de Gordon
Clark e Van Til no pensamento do autor, em especial no capítulo 2,
capítulo que sozinho vale o preço do livro.[18] Nos capítulos 3 e 4,
quando Henry fala acerca do papel da lógica e do axioma da fé
cristã, a influência do pressuposicionalismo de Clark, às vezes
chamado de dedutivo ou racional, fica mais clara. Henry reconhece
essa dependência em diversos lugares, como no trecho abaixo:
Sou profundamente devedor aos acadêmicos de várias
tradições, em especial aos filósofos competentes que
foram meus professores: Gordon Clark, W. Harry
Jellema e Edgar S. Brightman. Desde os primeiros dias,
quando Edward John Carnell e eu nos tornamos
seriamente interessados no engajamento literário
evangélico, tenho sido desafiado e enriquecido por
muitos teólogos e outros com os quais dialoguei e cujas
obras li… Contudo, a nenhum contemporâneo devo mais
que a Gordon Clark, como as inúmeras referências no
índice atestarão. Desde a década de 1930, quando ele me
ensinou Filosofia Medieval e Moderna no Wheaton, eu o
tenho considerado o mestre dos filósofos evangélicos em
identificar as inconsistências lógicas que assaltam as
alternativas não evangélicas e em demonstrar a
superioridade do teísmo cristão. Ele teceu comentários
úteis sobre muitos capítulos [desta obra].[19]
Os que não conhecem o pressuposicionalismo terão aqui
uma boa e competente introdução ao assunto. Henry demonstra a
inevitabilidade dos pressupostos e como é fútil tentar provar a
existência de Deus pelos métodos “tradicionais”.
A importância deste pequeno livro, pouco conhecido mesmo
entre os admiradores de Henry, está no que ele diz em 1999, ao
escrever o prefácio à série completa de sua obra-prima:
Se eu estivesse escrevendo God, Revelation, and Authority
hoje, adicionaria materiais para tratar dessas novas
preocupações.[20] Lidei com esses assuntos em Toward a
Recovery of Christian Belief (Crossway, 1990), que se baseou
nas Palestras Rutherford, que proferi em 1989.[21]
Diante dessa avaliação do próprio autor, resta-nos apenas
uma pequena palavra sobre esta edição brasileira.

Dedicatória desta edição

Dedico esta versão em português à memória de Carol


Henry Bates (1944-2010), filha do autor, Carl F. H. Henry (1913-
2003).
Toward a Recovery of Christian Belief foi publicado
originariamente pela editora Crossway em 1990. Tomei
conhecimento do livro somente em 2009, mediante a indicação de
um amigo. Já fora de catálogo havia muitos anos, precisei recorrer
à família do falecido autor, que então detinha os direitos autorais.
Qual não foi minha alegria quando a Drª. Carol respondeu
com extrema bondade ao meu pedido de autorização. Ela não só
expressou a alegria em me conceder a permissão, como também
disse que o seu pai muito se deleitaria em ver a tradução
publicada.
Um dos pedidos de Carol foi receber uma cópia do livro
publicado. No entanto, ela partiu para se encontrar com seu Senhor
antes disso, em 3 de agosto de 2010, a quem serviu durante toda a
vida, dando forte testemunho do Deus único e verdadeiro à sua
família, aos alunos e colegas. Que o desejo de Carol e Carl seja
também o nosso. Ver a verdade de Cristo proclamada e defendida,
sua igreja edificada e os seus inimigos envergonhados com o poder
do evangelho.

Em Cristo, a quem servimos,


Felipe Sabino de Araújo Neto
Brasília, 14 de fevereiro de 2014
Prólogo
A Casa Rutherford é um centro de publicação e pesquisa
evangélica localizado em Edimburgo, Escócia. Todo ano
convidamos um líder evangélico ilustre de fora da Escócia para
passar uma semana conosco. As Conferências Rutherford
anteriores incluíram o professor James I. Packer, o professor
Edmund P. Clowney e o professor Donald A. Carson. Por vários
anos havíamos esperado que o doutor Carl F. H. Henry pudesse se
juntar a nós, e fiquei encantado quando ele aceitou nosso convite
em 1989 e viajou à Escócia para proferir as palestras constituintes
deste importante livro. De sua posição no centro do mundo
evangélico por mais de meio século, ele está mais apto que
qualquer outro a nos convocar, a fim de que, realizando o resgate da
fé cristã, possamos agir com igual paixão e intelecto, não reduzidos
pela passagem dos anos — e no mundo constantemente mutável,
em que o resgate, em vez da mera defesa, está em questão.
O rigoroso programa do dr. Henry transportou-o para bem
fora da Escócia. Seu exigente itinerário levou-o primeiro ao
London Theological Seminary [Seminário Teológico de Londres] e
depois à Wales Evangelical School of Theology [Faculdade
Teológica Evangélica de Gales], em Cardiff. Após uma entrevista à
rádio BBC de Gales, ele proferiu a Conferência anual sobre
Cristianismo Contemporâneo patrocinada pelo Evangelical
Movement of Wales [Movimento Evangélico de Gales]. Em
seguida, em Edimburgo (Escócia), depois de pregar na Holyrood
Abbey Church [Igreja da Abadia de Holyrood], ele foi à
Faculdade Nova na Universidade de Edimburgo para ministrar um
seminário, e, na continuidade, à Casa Rutherford para as
Conferências Rutherford. Depois, o dr. Henry viajou a Glasgow,
onde dissertou ao grêmio estudantil do Bible Training Institute
[Instituto de Treinamento Bíblico] e à Faculdade de Teologia de
Glasgow, discursando mais tarde em um grande encontro na Igreja
St. George's-Tron. Em Abeerden seguiu-se uma mensagem na
Glicomston South Church [Igreja Glicomston Sul] e uma palestra
aos estudantes na Faculdade de Teologia King’s College, da
Universidade de Abeerden. A visita foi concluída com uma
conferência da Comunhão da Casa Rutherford e outros
compromissos na Casa Tyndale, em Cambridge, bem como um dia
final de pregação na Eden Baptist Church [Igreja Batista Éden], na
mesma cidade.
O parágrafo anterior apresenta de forma rápida o esqueleto
de uma visita de tirar o fôlego de dez dias. Nos capítulos que se
seguem, temos a oportunidade de refletir com mais tempo livre na
mensagem que o dr. Henry trouxe ao Reino Unido, e apresentá-la
agora por completo à igreja, explorando ao máximo o notável dom
desse autor de lançar luz sobre o nebuloso cenário contemporâneo,
capacitando-nos a conquistar novamente os rumos da fé.

Nigel M. de S. Cameron, custódio da


Rutherford House
Edimburgo, Escócia.
Introdução
Apresentar as Conferências Rutherford de 1989 na Escócia
foi um grande privilégio. O retorno a Edimburgo, uma cidade
querida, proporcionou horas memoráveis com docentes da New
College [Faculdade Nova] e da Free Church College [Faculdade da
Igreja Livre].
Neste livro eu me volto a questões controversas que
entendo serem muito importantes para o cristianismo evangélico a
partir da última década do século XX. Os inter-relacionamentos
conceituais são visíveis.
A primeira conferência observa que, a menos que o ponto
de vista cristão sobre o mundo e a vida seja promovido como uma
unidade completa, seu poder intelectual logo se perderá.
Continuamente, desde os tempos apostólicos, os postulados
cristãos têm sido repetidamente diluídos e diminuídos pelos
estudiosos que, sob a influência de teorias especulativas, tomam a
liberdade de preservar princípios cristãos apenas de forma
fragmentada. Tal processo levou ao gradual e contínuo sacrifício
das doutrinas cristãs básicas, até o neopaganismo deixar agora
muitas vezes sua marca sobre os centros de erudição ocidentais.
A segunda conferência diz respeito ao método teológico. Ela
preconiza a teologia dedutiva sobre a indutiva, indicando sua
especial importância para o século em que o empirismo e o
existencialismo penetraram com profundidade nas fileiras
evangélicas. Discute o inevitável papel dos pressupostos e encara o
problema de distinguir admissões de hipóteses válidas e inválidas.
Dá ênfase à consistência racional como teste da verdade, para que
a teologia pressuposicional não vire fideísmo. Além disso,
identifica o cânon bíblico como o princípio verificador cristão.
Enfatiza que, embora a crença não seja previamente necessária para
a compreensão das verdades cristãs, a apropriação pessoal dessas
verdades é indispensável para a participação nos benefícios da
redenção. Recusa-se a se decidir pela mera probabilidade. Não
obstante, em meio à busca por certeza, ela enfatiza que o Espírito
de Deus usa a verdade como meio de persuasão e confere a certeza
pessoal como dom divino.
A terceira conferência concentra-se de forma mais completa
nos axiomas distintivos que subjazem às crenças nucleares do
cristianismo e identifica a consistência lógica como teste negativo
da verdade. Apontando as dificuldades inevitáveis da teologia
meramente empírica, a palestra observa que até os empiristas
professos acolhem pressupostos não confessados. Ela aclama a
opinião dos reformadores protestantes de que a crença na
existência de Deus, do mundo e de outros egos é pré-filosófica.
A última conferência original tratava do recente resgate da
teologia canônica pelo professor Brevard Childs e por outros
acadêmicos que rejeitam o esforço de cem anos da alta crítica em
localizar as fontes mais primitivas e confiáveis por trás das
Escrituras, fontes que os escritores bíblicos supostamente
“mitologizaram” de modo a promover o ritual hebraico.
Conquanto eu saúde qualquer movimento em direção à teologia
canônica como o princípio verificador cristão, repudio as
concessões críticas desnecessárias do dr. Childs no que elas
enfraquecem a verdade objetiva e a veracidade histórica do ensino
da Escritura. Entretanto, devido à extensão dessa discussão, a
conferência particular aparecerá em separado em uma edição
antecipada de Scottish Bulletin of Evangelical Theology [Boletim escocês
de teologia evangélica], a ser publicada pela Casa Rutherford.
O breve capítulo final do livro contém reflexões anexadas
sobre o tema de minhas palestras e repara na sua especial
significação para o presente cenário evangélico. O fato é que de
meio século para cá nenhum aspecto da teologia dos EUA tem sido
tão proeminente quanto a volta da teologia sistemática séria por
parte de escritores evangélicos. Esse desenvolvimento é ainda mais
bem-vindo porque a recente ênfase na religião empírica tende a
impelir para o segundo plano a importância dos controles
doutrinários. É efetivamente um sinal propício que tanto os
estudantes evangélicos quanto os leigos tomem consciência da
necessidade e importância de uma maior profundidade teológica.
Sem diretrizes doutrinárias claras e críveis, a experiência cristã
definha em convicção, da mesma forma que o assentimento
doutrinal vazio de apropriação pessoal resulta no empobrecimento
espiritual.
Na minha visita à Grã-Bretanha, onde as conferências foram
transmitidas em outubro de 1989 na Casa Rutherford em
Edimburgo, uma ou outra foi igualmente dada às faculdades de
teologia das universidades de Aberdeen e Glasgow, bem como na
Casa Tyndale, em Cambridge, Inglaterra, e a membros do
Evangelical Movement of Wales [Movimento Evangélico de Gales],
em Cardiff. Discursos adicionais foram feitos no London
Theological Seminary [Seminário Teológico de Londres], fundado
pelo dr. D. Martyn Lloyd-Jones, no Bible Training Institute of
Glasgow [Instituto de Treinamento Bíblico de Glasgow] e na
Evangelical Theological College of Wales [Faculdade Teológica
Evangélica de Gales]. A primeira e a terceira conferências foram
apresentadas extempore no Southeastern Baptist Theological
Seminary [Seminário Teológico Batista do Sudeste] em Wake
Forest, na Carolina do Norte; semelhantemente, a terceira foi dada
na Universidade de Virgínia sob os auspícios do Centro de
Estudos Cristãos.
Por esses e outros preparativos, bem como pela graciosa
hospitalidade, expresso meu apreço ao rev. dr. Nigel M. de S.
Cameron, custódio da Casa Rutherford.

Carl F. H. Henry
1. Vivendo no Fundo de um Poço
Não faz muito tempo que viajei à Purdue University
[Universidade de Purdue] para falar em uma reunião de almoço na
faculdade arranjado por mais ou menos uma dúzia de crentes
locais; pelo que se constatou, cerca de cem docentes
compareceram.
Antes, nessa manhã, eu havia voado de Washington a
Dayton (Ohio), onde então peguei um voo regional com escala
para Indianápolis. Lá fui encontrado por um professor de Purdue,
um especialista em engenharia; este, em um Cessna de quatro
lugares, transportou a mim e a seu pastor, outrora meu estudante,
no último trecho da viagem ao campus Lafayette. Mal havíamos
alcançado 4000 pés de altitude quando o professor-piloto observou
de forma lacônica que o spotter do avião acabara de deixar de
funcionar.
Não ficando em nada mais confortável, próximo da morte
aparentemente inesperada a quase mil e quinhentos metros no céu,
meu amigo clérigo perguntou: “O que isso significa?”. “Problema
nenhum”, respondeu o professor-piloto: “Apenas significa que
agora ninguém pode dizer onde estamos”.
Parece-me que esse diálogo sucinto descreve em certo
sentido, com pertinência, nossa presente condição. O Ocidente
perdeu o rumo da bússola moral e epistêmica. Ele não possui
nenhum critério comum para julgar se os seres humanos estão se
movendo para cima ou para baixo, se permanecem parados, ou se
apenas se movem sabe Deus para onde.
Por muitos séculos o mundo ocidental reconheceu uma
norma absoluta, a saber, a vontade do Deus autorrevelado,
publicada nas Escrituras inspiradas. A Bíblia podia nos contar
“onde estamos”, “de onde viemos”, e “aonde vamos”. Graças a
seu comprometimento com as Escrituras, o Ocidente deixou para
trás o passado pagão.
No entanto, a perspectiva atual do neopaganismo nos
confronta em todos os lugares. Não mais estão os pagãos
escalando os muros da vida moderna só aqui e ali; eles entraram
na corrente cultural predominante, dançam nas ruas e até
estabelecem uma agenda completa para o futuro.
Qualquer pessoa que conheça a história das ideias percebe
que as características singulares do ponto de vista ocidental sobre
a vida e o cosmo estão grandemente arraigadas nas Escrituras
hebraico-cristãs e, além disso, no Deus sobrenatural da Bíblia.
Separado dessas raízes, os distintivos não têm mais perspectiva
real de sobrevivência. Um recente aviso dessa conexão essencial
advém até do crítico social agnóstico Allan Bloom em The Closing of
American Mind [O fechamento da mente americana].[22] A Bíblia,
diz ele, forneceu o modelo do ponto de vista abrangente da ordem
cósmica. No entanto, a perda contemporânea de importância
pública das Escrituras nega a necessidade e a possibilidade da
interpretação bíblica do mundo. A busca de um modelo alternativo
está cercada de confusão, e a sociedade ocidental está indecisa e à
deriva em direção ao caos. Os acadêmicos ocidentais parecem
incapazes de nos dizer onde estamos.
“Eles viviam no fundo de um poço”, lê-se em uma fascinante
linha em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Arrisco-me a
sugerir que em termos da história das ideias o “eles” da frase pode
significar “nós” mesmos; para a nossa assediada geração, o poço
ficou seco. Outrora ele esteve cheio até a borda; outrora nutria a
vida de uma sociedade espiritual e moral inigualada na história da
humanidade. O teísmo hebraico, escreve Eric Voegelin, precipitou
“uma quebra no padrão do curso das civilizações”, “um novo
gênero de sociedade”; na verdade, a antiga nação de Israel
começou em um nível em que outras sociedades respeitáveis “têm
dificuldade ainda no término”.[23] Mas agora nos encolhemos no
fundo de um poço seco — um poço que oferece pouca perspectiva,
apenas estagnação e decadência.
Proponho o exame da custosa supressão de Deus, depois de
Jesus Cristo vir ao mundo e a igreja primitiva lançar a era cristã,
colocando o paganismo greco-romano na defensiva. A subsequente
sufocação de Deus por fim aliciou o pensamento ocidental para o
neopaganismo — para um naturalismo cru que sufoca tanto cada
vestígio de transcendência que quase toca as raias das antigas
ideias pré-cristãs de mudança e determinismo fatalista. Até o
paganismo dos tempos do Novo Testamento, disse C. S. Lewis em
sua palestra inaugural na Universidade de Cambridge, tinha mais
em comum com o cristianismo que o antigo paganismo tem com o
crasso neopaganismo emergente de nossos dias.
A geração mais jovem hoje mal se dá conta do tremendo
débito que o pensamento ocidental tem para com a herança bíblica
ou de quão longe a cultura moderna vagueia à deriva, para longe
das fundações das Escrituras, mesmo que muitos pais e avós ainda
se apeguem a fragmentos quebrados dessa herança. À visão
judaico-cristã devemos as seguintes crenças:
O universo é uma criação divina com propósito;
Toda vida humana é sagrada, e os seres humanos têm
igual dignidade;
A história é linear e se move rumo ao objetivo final;
A natureza é um sistema ordenado, e o homem é seu
mordomo responsável;
A justiça triunfará contra o mal na conquista decisiva
final;
A vida terrena não exaure a existência; apenas olha
para frente, para a ressurreição dos mortos e para o juízo
final e completo da humanidade e das nações.
Numerosas autoridades — tanto seculares quanto cristãs —
aquiescem e sublinham essas afirmações e muitas mais. Pensa-se de
imediato no historiador Frederick A. Foakes-Jackson, que traça a
origem de todos os movimentos humanitários do Ocidente na
teologia da Cruz; do cientista político John Hallowell, que afirma
que a perda da doutrina bíblica da criação do homem na imago Dei
nos deixa hoje sem nenhum argumento firme para a igualdade
humana; de Alfred North Whitehead e Stanley Jaki, que declaram
que a busca do comportamento detalhado da natureza pela ciência
moderna foi acalentada pela visão cristã de Deus como o Criador
metódico e Preservador soberano do cosmo; de Ernst Bloch e
Johannes Metz, que traçam a origem do anelo revolucionário
moderno por uma utopia política na ênfase bíblica no futuro reino
final de justiça, mesmo que (permita-me acrescentar) a teologia da
libertação dê a tal esperança uma forma reacionária.
Com certeza, não é só nos tempos modernos, ou apenas na
Idade Média, que o cristianismo tem de contender com a diluição
de sua mensagem. Não apenas por seus inimigos, mas igualmente
por alguns de seus amigos professos o conteúdo nuclear do
cristianismo tem sido muitas vezes anuviado. Os cristãos
primitivos enfrentaram delinquentes e deformadores espirituais,
bem como outros semelhantes a nós mesmos, como as cartas de
Paulo aos coríntios nos lembram. Por sua anterior desobediência,
os antigos hebreus foram mandados para o exílio babilônico.
No entanto, semelhante apostasia não invalidou no passado
e não invalida no presente o monoteísmo hebreu-cristão e a
revelação bíblica. A Bíblia não fica desacreditada, e o teísmo
bíblico não é minado, mesmo pelas frivolidades dos
televangelistas. As Escrituras declaram, sem pedir desculpas, e
com insistência, que só Jesus Cristo jamais pecou e que todos os
seres humanos são pecadores; os televangelistas populares com
certeza não constituem exceção à regra. Mas as Escrituras também
alertam que a difamação deliberada do testemunho cristão por
aqueles de nós que em seu papel devem ser modelos não é ofensa
leve.
Mesmo antes da Idade Média o cristianismo foi politizado e
a revelação bíblica posta em risco por meio da elevação da
autoridade eclesiástica. Os reformadores protestantes lutaram
contra:
A adição medieval de lendas e mitos ao cristianismo
bíblico;
A distorção da justificação pela compreensão
equivocada de “fé e obras” que abarcava a salvação
sacramental;
A contração do papel da revelação divina e das
consequências noéticas e volicionais do pecado, bem como a
promoção, em seu lugar, da teologia natural e da “prova”
empírica da existência de Deus.
Desde seus primórdios em 1600, com o filósofo jesuíta
Descartes, a filosofia moderna substituiu o teísmo bíblico da
revelação pelo teísmo especulativo. Ela separou o argumento em
prol da existência de Deus, encontrado na revelação divina
especial, da encarnação singular de Deus em Jesus Cristo e do
ensinamento profético-apostólico inspirado. Em lugar disso, a
filosofia moderna confiava na argumentação filosófica a partir do
não Deus, isto é, a partir da natureza, ou do padrão da história, ou
da humanidade — sobretudo a partir da mente e da consciência do
homem.
Sem dúvida, a filosofia moderna inicial reteve muitas
características notáveis do conceito do Deus revelado na Bíblia. Ela
falava de Deus como o Pai onipotente e de personalidade infinita,
em contraste com os filósofos gregos, para os quais a
personalidade de certa maneira restringe a infinitude,
considerando, portanto, a personalidade e a infinitude alternativas
incompatíveis. Ademais, os teístas filosóficos modernos tendiam a
falar de Deus desde o início como uma mente sobrenatural e uma
vontade ativa em vez de considerarem o sobrenatural
nomeadamente em termos de ideias ou formas eternas.
Como os pensadores clássicos gregos pré-cristãos, os
filósofos modernos enfatizaram a prioridade do mundo espiritual,
a singularidade da essência do homem e o caráter objetivo da
verdade e do bem. Entretanto, teístas e idealistas modernos —
Descartes, Leibniz, Hegel e outros — produziram opiniões sobre
Deus altamente conflitantes; o fantasma sobrenatural tornou-se
cada vez mais de difícil definição.
Ainda, em contraste com os gregos, em cuja direção
pendiam mais e mais, os pensadores modernos iniciais
preservaram de maneira inconsciente certas ênfases peculiares à
revelação judaico-cristã:
A matéria não mais era vista como eterna, mas de
algum modo (apesar de a criação ser por vezes concebida
em termos de emanação ou evolução);
A matéria e o corpo não mais eram considerados
maus. O conceito platônico do corpo mau deu lugar à
doutrina paulina da “carne”, que pressupunha o corpo e a
alma divinamente dotados que, devido a uma queda
humana voluntária no pecado, está ora a serviço de
disposições não regeneradas;
A era de ouro da história não mais estava associada só
com os primórdios humanos, mas estava situada no futuro
como um reino final consumador da justiça.
Por tudo isso, os filósofos modernos se distanciaram do
Deus da Bíblia, o qual se autorrevela, e não puderam resistir às
concessões ulteriores ao naturalismo. Lenta e seguramente, a
despeito de suas intenções teístas antigas, a filosofia moderna
passou a afirmar:
Só a natureza é a realidade definitiva;
O homem é em essência um animal complexo;
A verdade e o bem são relativos e mutáveis.
Sem dúvida, de início apenas a elite do século XIX subiu
nessa plataforma; esses pontos de vista não se haviam tornado
ainda, como no passado recente, a conceitualidade dissimulada que
subjaz ao aprendizado das artes liberais.
No entanto, a despeito da acelerada revolta contra a posição
cristã, mesmo o naturalismo do século XIX, como o teísmo
especulativo já repudiado, também reteve, inadvertidamente,
certos elementos da visão bíblica:
A natureza, por ele declarada a realidade definitiva,
era identificada como intrinsecamente racional, isto é, como
um sistema ordenado de maneira lógica;
A espécie humana reputada como ponto culminante e
o ápice do mundo natural e capaz de discernir o inerente
fundamento lógico da realidade cósmica;
A verdade e o bem, conquanto mutantes,
considerados relativamente duráveis.
O ponto de vista bíblico penetrou de maneira tão profunda
no pensamento ocidental que tanto o idealismo moderno quanto a
sua duplicata rebelde, o naturalismo, a despeito da desaprovação
da herança cristã, apegou-se a elementos significativos do teísmo
ortodoxo, embora de uma forma bastante contemporizada.
No começo do século XX, o naturalismo despojou-se mais
inteiramente dessas influências bíblicas sobreviventes. Os cientistas
falavam menos sobre a racionalidade objetiva da natureza e mais
sobre os modelos criativos mediante os quais o observador
representa a natureza e a história. A teoria existencial localizava a
distinção da espécie humana na capacidade de decisão, em vez da
capacidade conceitual de discernir o padrão objetivo na natureza.
Tão logo Deus é banido, Jesus Cristo e a Bíblia tornam-se órfãos
cognitivos. Não só a história e a natureza são tornadas irreligiosas,
de modo que podem ser prontamente assimiladas pelo
determinismo mecânico ou pelo caos; não apenas a humanidade é
tornada ateia, ficando livre para desempenhar o papel de
divindade ou passar a se considerar meras partículas de poeira
cósmica sem alma; também os mais básicos pontos referentes do
cristianismo tornam-se enigmas embaraçosos. A Bíblia é declarada
livro dissonante e carente de qualquer centro coesivo, de difícil
compreensão e portando um testemunho ambíguo; sua
textualidade está coordenada com uma pluralidade de significados
que seu caráter revelatório é esvaziado para a categoria da
literatura geral. Amanhece agora o século descrito por George R.
Beasley-Murray, em que prevalece pela primeira vez a aguda
“incerteza quanto a quem era Jesus” e até sobre o que Jesus
pensava de si próprio e de sua missão.[24]
Por volta da metade do século XX, o humanismo secular,
que repudiava todas as verdades reveladas e os mandamentos
divinos, tornara-se a metafísica moldadora das artes liberais do
Ocidente. Ela enfatizava que:
Toda a realidade é redutível a processos impessoais e
eventos de energia;
Toda a vida, incluindo-se a vida humana, é transitória,
e seu destino final é a morte;
A verdade e o bem são distinções condicionadas pela
cultura, projetadas pela raça humana sobre o cosmo e a
história.
A implicação é clara: a chegada da era da humanidade exige
a rejeição de toda a transcendentalidade definida e de toda a
autoridade final.
Paralelamente, até o humanismo secular foi incapaz de se
separar por completo da herança bíblica. Ele injetou em suas
crenças controladoras naturalísticas uma agenda de preocupações
sociais envolvendo a justiça universal, os direitos humanos, os
assuntos ecológicos e a compaixão aos pobres e fracos. Contudo,
preconizar dessa forma uma agenda de imperativos sociais
estabelecidos com clareza contradiz a suposição básica do
humanismo — os princípios morais são relativos à cultura e
inconstantes. Como assinalaram os críticos conservadores como
David Elton Trueblood, as preocupações sociais humanistas não se
originam da cosmovisão naturalista; foram antes tomadas de
empréstimo da herança judaico-cristã pela metafísica relutante em
reconhecer sua dívida. Ao mesmo tempo, os naturalistas mais
radicais admitiram que sua ênfase — a saber: de que a realidade se
reduz a elementos impessoais e elementos naturais e forças
inconstantes — não pode acomodar absolutos morais imutáveis.
Em uma ocasião, quando o presidente Frank Rhodes da
Universidade de Cornell disse a uma audiência de Harvard que os
campi precisavam assumir pelo menos alguma responsabilidade
pelo bem-estar moral e intelectual dos estudantes, foi confrontado
por ouvintes críticos querendo saber que tipo de moralidade seria,
ou deveria ser, ensinada.
O debate hoje focaliza a propriedade ou impropriedade do
papel da transcendência no universo concebido apenas em termos
de processos impessoais e eventos quânticos. O pretenso debate
cristão-marxista radicalmente secular, a cultura contemporânea da
droga e o surgimento da filosofia desconstrucionista refletem
todos, de três modos diferentes, a corrente luta contra os vestígios
desvanecidos do ensinamento bíblico.
No diálogo secular entre os supostos radicais cristãos e
marxistas, ambos os lados rejeitam o sobrenatural e aderem à
cosmovisão naturalista. O centro do debate é a tradicional
afirmação marxista do determinismo econômico e do inevitável
triunfo histórico do proletariado. O progressivo descumprimento
das promessas comunistas e das expectativas de utopia promoveu
o ceticismo sobre o determinismo e a inevitabilidade.
Os “cristãos seculares” radicais insistem no fator da
transcendência pessoal e na importância da ação e da práxis
humanas a fim de consumar a revolução comunista. Ao contrário
de muitos filósofos gregos e de Spinoza e Hegel, que consideram o
mundo uma realidade autossuficiente, esses radicais apoiam a
ênfase cristã de que o universo não está selado contra a
possibilidade de transformação e de uma nova criação. O destino
do homem está ligado, dizem eles, à decisão e ação humanas,
mesmo que o chamado debate cristão-marxista seja perversamente
travado no contexto da teoria de camada única da realidade, a
ontologia naturalista que exclui o Deus sobrenatural. Não obstante,
ao discutir sobre o homem os “cristãos seculares” invocam
categorias além da física e da biologia, bem como da psicologia e
da sociologia. No entanto, nas margens, onde o naturalismo se
torna místico e ambíguo, são privados das próprias realidades
teísticas que iluminam o finito. Ao excluir a presença e o propósito
sobrenaturais na natureza e na história, não podem resistir de
modo convincente ao antigo conceito de que a história humana é
um grande ciclo em que a realidade, como mecanismo eterno
autossustentador, não só carece de sentido definido mas também,
depois de uma série de eventos pré-determinados, regressa afinal
ao estado primitivo.
A onda contracultural da droga representa um esforço ainda
mais conspícuo para impulsionar a individualidade humana à
transcendência. Rejeitando o cientificismo tecnológico como chave
do sentido da vida, ela busca significação pessoal mediante a
experiência íntima que explode a consciência. Contornando os
baluartes do empirismo científico, promove o que considera o
sacramento recreador “fora do corpo” do acontecimento
intensamente pessoal, semirreligioso, da espécie antimaterialista.
Alguns viciados descrevem a experiência nos termos do
renascimento interno. O número estimado de americanos que usam
drogas ilegalmente, de forma casual e como vício, é de
aproximadamente 60 milhões; alguns observadores acreditam que
uns 40 milhões continuam envolvidos, estando mais de um milhão
viciados em cocaína ou crack.
Pensa-se que os cristãos evangélicos nos EUA que alegam
ter “nascido de novo” espiritualmente ora atinjam o número
superior a 60 milhões. Muito antes do recente movimento
contracultural, os evangélicos enfatizavam que a experiência
consciente de todo dia da espécie humana é, em certos aspectos,
anormal; que a individualidade presente da humanidade está
enviesada e requer um novo tipo de vida; e que nenhuma
alternativa gratificante existe à parte do elo vital com o reino
transcendente por meio da experiência interna dinâmica da
regeneração espiritual.
A ênfase no novo nascimento espiritual e na vida eterna é
um elemento essencial no ensino de Jesus e nos escritos do Novo
Testamento. Contudo, as modernas denominações centradas na
experiência, mais notavelmente o movimento pentecostal, tendem
a isolar essa ênfase da herança orientada de forma confessional e
são teologicamente menos precisas que as igrejas do tronco
histórico principal. Mesmo que o pentecostalismo esteja, com
certeza, afastado de qualquer busca de uma “vida melhor” por
meio da química, certos aspectos do pentecostalismo são muito
similares aos fenômenos psicodélicos, visto que a ênfase recai
sobre a experiência pessoal intensa, independente da comunidade
orientada em sentido confessional, ocorrendo em um contexto
teologicamente impreciso. As características experimentais do
pentecostalismo, além disso, são usufruídas para destroçar a
linguística universal e os limites conceituais.
No entanto, uma diferença admirável distancia a experiência
pentecostal dos eventos “semirreligiosos” da cultura da droga; do
corrente movimento desconstrucionista na filosofia, que rejeita de
modo deliberado o teísmo metafísico e toda existência estruturada
n o logos; e dos pretensos marxistas cristãos que abandonam o
sobrenatural. Ainda que ao pentecostalismo falte uma teologia
sistemática e suas crenças não estejam estruturadas de modo
confessional, ele insiste, porém, na existência objetiva do Deus
trino, no senhorio de Jesus Cristo, o Deus-homem, na realidade
pessoal do Espírito Santo e na autoridade da Bíblia. Em suma, a
oferta pentecostal do modo alternativo de vida promove um
contra-argumento à cultura secular da droga. O
desconstrucionismo, entrementes, na rejeição do logos e da
racionalidade, bem como do Deus de existência objetiva,
ontologicamente estende, por assim dizer, implicações
extrarracionais específicas ao fenômeno psicodélico.
Em contraste com a precisão confessional do
sobrenaturalismo cristão histórico, a exploração psicodélica
envolve o relacionamento cognitivamente amorfo com o
transcendente; ela produz o misticismo induzido pelas drogas em
que a autotranscendência com certeza não está em contato com a
realidade além da própria individualidade de alguém. O mundo
supostamente mais elevado, em que o eu está imerso, não tem
caráter e é indefinível; é transracional ou super-racional, fora do
domínio da formulação propositiva. O que constitui a
autorrealização de quem passa pela experiência é tão obscuro
quanto o que constitui a autotranscendência. Por conseguinte,
defrontamo-nos com abordagens diametralmente opostas à
transcendência: seja a experiência psicodélica expandidora da
consciência ou a revelação divina propositiva.
Muitos, como alguns praticantes, retratam o prazer das
drogas alucinógenas como uma espécie de experiência religiosa,
pervertendo, na verdade, a psiquê humana e fazendo pouco caso
da imagem de Deus à qual os seres humanos são criados. A
experiência é separada não só dos critérios racionais, mas também
das preocupações morais pelo relaxamento dos imperativos éticos
universais há muito reverenciados. Ela não manifesta ao
Transcendente nenhuma resposta inteligivelmente fundada e é
destituída de sentido, virtude e dever compartilháveis com o
público. O êxtase induzido por meio da química é a volta à mágica;
as vibrações substituem os silogismos e a farmacologia substitui a
teologia como contexto. Dizer que a experiência psicodélica é
análoga ao sacramento espiritual apenas aumenta a ambiguidade
contemporânea concernente à definição da religião e da
experiência religiosa.
O atual enaltecimento da experiência interna como dimensão
definitiva não se dá sem estar relacionada à ignorância cultural e
teológica dos dias atuais. No ponto em que vai de encontro à
cultura da droga, o cristianismo subteológico, todavia, na maior
parte oferece uma contraexperiência elementar demais para
registrar consequências profundas na sociedade. Há o risco
adicional de que a geração de viciados em drogas repute a
conversão ao cristianismo apenas como uma troca de um conjunto
de sentimentos por outro. Uma quantidade demasiadamente
grande de americanos crê, como observa Russell Hittinger, “que a
experiência religiosa a contento pode ser tida sem se preocupar
com verdades proposicionais”.[25] Esse contraste ampliador entre
a experiência espiritual privada e a verdade compartilhável em
público, ampliador até o ponto de ambiguidade quando diz
respeito a um objeto religioso transcendente, junto com a ênfase na
criatividade pessoal em relação à metafísica, tem implicações de
longo alcance. O conhecimento revelacional mediado é
desvalorizado; além disso, o termo revelação é aproveitado no caso
de alguém, pela mera ingestão de algum composto químico em
particular, buscar por relacionamentos internos imediatos com o
mundo supremo e por alguma coisa sentida de forma direta e
divina (em sentido místico). Semelhante procedimento não é
diferente do empenho de mergulhar a si mesmo em um mundo
novo e diferente mudando para os canais de televisão eróticos em
busca de orgasmo psíquico. Na ausência de controles epistêmicos e
éticos fixados, a geração delirante e dependente de drogas está
fadada à existência sem direção. Desprendida da racionalidade e
da moralidade, sua chamada experiência religiosa logo desmorona
para o sub-racional e subético. Submergir Deus em dados
inexprimíveis é o primeiro passo para levar a deidade à morte. Tão
logo Deus é empurrado para a beira da linguagem, o cristianismo
será criticado, e não surpreendentemente, por tentar defini-lo.[26]
O que está em jogo aqui não é só o valor e o sentido individuais,
bem como o propósito do universo, mas também alguma
compreensão da existência de Deus, o Criador e Preservador
transcendental da vida, da própria natureza e do destino da
humanidade.
Por repudiarem de forma deliberada os últimos traços de
transcendência compostos mesmo que em termos subcristãos, os
filósofos desconstrucionistas nos fazem mergulhar em direção ao
fundo do poço teológico. Ao passo que a experiência psicodélica
sonda a perspectiva da realidade sobrerracional transcendente, a
perspectiva que desvaloriza o cognitivo universal e as categorias
éticas, e ao passo que o diálogo cristão-marxista radical pressupõe
uma ontologia de um nível só e, dentro dela, explora
possibilidades de transcendência histórica além do determinismo
cósmico, o ateísmo pós-teísta, ou desconstrucionismo, tenta
subverter toda a história do pensamento ocidental tornando-o
desatado de Deus e da lógica, de critérios verificadores e de
significação verbal partilhada. O desconstrucionismo rejeita
qualquer resto de transcendência que se derive genética e
logicamente da herança judaico-cristã. Ao expressar o desejo de
uma era pós-metafísica, ele luta pelo fim do teísmo e da metafísica.
Os desconstrucionistas querem eliminar do pensamento ocidental
qualquer ênfase em uma deidade existente de modo objetivo. Um
comentarista descreve o movimento como a “dança da morte sobre
a tumba de Deus”.
O ateísmo pós-teísta sem dúvida tem uma queixa legítima
contra a longa sucessão de concepções de deidade conflitantes e
rivais que abarrotaram o pensamento ocidental do tempo de Platão
até o dos filósofos do processo de hoje. Propostos como
alternativas ao Deus autorrevelador da Bíblia, tal panorama de
deuses conjecturais há muito apresenta uma desanimadora crise de
identidade. Logo, não surpreende que a filosofia do século XX
feche o segundo milênio cristão culminando na admissão de que a
alternativa durável não é o Deus de Platão, de Aristóteles, dos
estoicos, de Descartes, de Leibniz, de Kant, de Hegel, de
Whitehead ou de uma centena de outros.
Embora os desconstrucionistas filosóficos juntem-se na
tentativa de tirar tais divindades doentes da miséria, ao mesmo
tempo são em especial hostis para com o ponto de vista da
revelação judaico-cristã, considerando-o irretratável ou
irrecuperável. Sua intensa animosidade para com o teísmo bíblico,
entretanto, inconscientemente reconhece o incomparável domínio
da ortodoxia cristã sobre as massas.
A redução desconstrucionista do cristianismo é ousada no
interesse da reconstrução filosófica com ênfase na contribuição
criativa[27] do conhecedor humano para o conteúdo de
conhecimento, e propõe o regresso aos antigos filósofos cósmicos
gregos para um novo começo na história das ideias. Os marxistas
aplaudem essa desconstrução da filosofia ocidental com o objetivo
de promover sua teoria socialista que liga o naturalismo
contemporâneo ao materialismo pré-cristão, pré-socrático e
rebaixador do teísmo a mito.
Por essa colossal inversão os modernos eruditos têm que
culpar a si mesmos. A progressiva diluição dos pontos essenciais
do teísmo bíblico, mediante concessões a uma e depois outra
neotérica teoria especulativa, prejudicou com seriedade as crenças
nucleares judaico-cristãs. Os acadêmicos da universidade
avidamente truncaram o Deus vivo da Bíblia, separando-o da
natureza e da história e dando só tributo temporário e de má
vontade a esse ou aquele bocado sobrevivente da herança cristã
ocidental. Repetida deferência às novidades, às quais os conceitos
escriturísticos eram rotineiramente ajustados, fizeram a iniciativa
cognitiva perder seu direito para as contemporâneas alternativas
conjecturais à visão bíblica.
Durante a primeira metade do século XX, o anti-
intelectualismo inundou a teologia que se professava cristã, de
maneira mais notável nas concepções religiosas de Rudolf
Bultmann e de Karl Barth no início. Mesmo que Barth por fim
rejeitasse a redução existencial das crenças cristãs por Bultmann, os
desconstrucionistas acolheram de Barth a elevação da realidade de
Deus acima da lei lógica da contradição; eles a veem como uma
contribuição inconsciente à afirmação deles de que o Deus
objetivamente existente é apenas um subproduto da imaginação
humana.
Em particular nas universidades seculares do Ocidente
pouca atenção foi prestada às concepções religiosas mediadoras.
Os meio-deuses de uma geração logo passam a ser o objeto do
ridículo da geração seguinte. O Logos miniaturizado cedeu ao
humanismo secular como a metafísica mascarada da modernidade.
Agora a maré está mudando para o paganismo puro. O termo deus
está despido de significação metafísica; não se reconhece nenhum
critério objetivo para distinguir o certo do errado ou a verdade do
erro. No fundo do poço os últimos lampejos de luz estão
diminuindo.
Todavia, até os conhecedores intelectualmente inventivos da
modernidade, obsedados com o mito da ilimitada criatividade,
hesitam em ver a si próprios como meros eventos quânticos e como
dentes de engrenagem em uma rede de processos impessoais. A
consciência continua a aclamar seus objetos diante da realidade
transcendental e nutre a inquieta suspeita de que no final de seu
limite filosófico o Cão do Céu[28] a quem negaram pode, em vez
disso, ter nos encurralado no próprio fundo do poço. Uma
Presença invisível de modo esporádico rompe o silêncio; uma voz
desconcertantemente reconhecível faz a mesma pergunta
embaraçosa — que primeiro ressoou no Éden depois da queda:
“Adão, onde tu estás?”. Alguém parece, afinal, conhecer onde
estamos. Pelas profundezas acres da cadente cultura ecoa um
lamento outrora ouvido por Jeremias: “Porque o meu povo
cometeu dois delitos: eles me abandonaram, a fonte de águas
vivas, e cavaram para si cisternas, cisternas furadas, que não retêm
água” (Jr 2.13).
2. Pressupostos e Método Teológico
O empirismo está muito em voga na teologia evangélica
recente. Embora não se force ao ponto de fazer da observação
sensorial e da verificação em laboratório os únicos meios confiáveis
de conhecimento, ele incentiva o apelo teológico aos detalhes na
busca de um universal, em vez de postular um princípio
explanatório universal sujeito a teste. Por conseguinte, qualquer
exposição dedutiva do cristianismo é desacreditada.
A moderna perda de interesse na história da doutrina tem
parte no descrédito da teologia dedutiva. Muitos seminários
evangélicos, na verdade, sequer oferecem o curso de teologia
histórica. Logo, a maioria dos cristãos conservadores não tem
ciência de que a teologia sistemática mais antiga da cristandade
começava com Deus como axioma básico e derivava desse princípio
explanatório o conteúdo da religião cristã. Foi Orígenes (250 d.C.)
que, no Peri archon (traduzido para o latim como De principiis),
expôs as implicações da inteligência e simplicidade divinas — em
oposição à projeção neoplatonista da transcendência radical — e
deduziu o conhecimento teológico da criação e da salvação.
Desde o começo da era cristã, a metodologia da teologia
sistemática tem sido principalmente dedutiva. Agostinho e
Anselmo advogaram a dedução teológica. Até Tomás de Aquino
propor uma alternativa empírica no século XII, o método dedutivo
não foi seriamente posto em dúvida; em alguns aspectos ele
prevaleceu até o século XIX, quando Schleiermacher o desafiou de
modo decisivo. Os reformadores protestantes empregaram a
dedução, apesar de os evidencialistas tornarem isso problemático
ao misturarem a ênfase dos reformadores na revelação geral com
uma abordagem empírica.
Em contraste com a afirmação de seus ancestrais sobre a
dedução, os evidencialistas advogam a indução; isto é, procedem
da natureza e do homem enquanto efeitos para a existência da
Causa Primeira inteligível e moral do universo. As supostas provas
ou evidências são declaradas esteios lógicos que promovem e
apoiam o teísmo.
Os teólogos que começam a priori com Deus como axioma ou
princípio explanatório abrangente do qual deduzem tudo o mais
são ridicularizados pelos evidencialistas como pressuposicionalistas
que apenas brincam com pressupostos mentais. Os evidencialistas
subestimam os pressuposicionalistas como simples fideístas que
apelam só à fé e se desvencilham de forma deliberada da razão e
da evidência, por eles depreciadas, supondo de antemão o que
qualquer acadêmico responsável se sentiria obrigado a “provar”.
Os fideístas meramente anunciam uma conclusão — a reclamação
feita é assim — sem primeiro chegarem a ela de modo racional;
ademais, rejeitam de propósito a necessidade subsequente de
algum teste racional objetivo.
É fácil e, no entanto, intelectualmente irresponsável,
desprezar todos os pressuposicionalistas evangélicos como meros
fideístas. A alguns a queixa pode se ajustar, mas qualquer crítica
radical apenas acalenta a falsa opinião que desprende a fé da razão
e a liga à presunção. Uma vez que essa concepção errônea é
firmada, qualquer pessoa reflexiva retrocederia diante da fé; em
seu lugar, intelectuais sutis prefeririam a razão como antídoto
bem-vindo.
O conceito de que a verdade na religião repousa “sobre a fé
em vez do raciocínio ou da evidência”, o filósofo Richard H. Poplin
imputa ao apóstolo Paulo.[29] Paulo indubitavelmente rejeita o
raciocínio filosófico ou a sabedoria mundana como o maneira cristã
de conhecer e — ao contrário dos evidencialistas — não confirma a
existência de Deus sobre bases empíricas. O que Poplin não
consegue notar, entretanto, é que o apelo de Paulo à fé de jeito
algum repudia a razão pública ou a lógica.
Mais propriamente rotulados de fideístas são Søren
Kierkegaard e certos teólogos neo-ortodoxos que descartam a
razão pública e os testes racionais por serem irrelevantes aos
anúncios de verdade religiosa. Ao reafirmar a Bíblia no lugar do
Alcorão, do Bhagavad gita ou de O capital como ponto de partida,
Karl Barth, como reclama Peter Berger, concomitantemente rejeita
o alcance da razão universal como teste externo de verdade.[30]
Os escritos primitivos de Barth — se não também seus últimos —
dão crédito à queixa de Berger.
Tais teses não devem ser confundidas, no entanto, com a
ortodoxia evangélica. Os teístas evangélicos consideram inaceitável
qualquer afirmação irracionalista de que o absurdo intelectual
torne crenças religiosas dignas ou de que a obediência espiritual
demande um “salto de fé” indiferente às considerações racionais.
Da mesma forma, rebaixar alguns teístas evangélicos a
fideístas apenas pela rejeição da validade das provas empíricas
padrões favoráveis à existência de Deus é patentemente
injustificado. Tal depreciação, sustento eu, tira o teísmo bíblico de
modo indesculpável do compromisso com a mais competente
argumentação que a ortodoxia evangélica pode montar.
Minha premissa é a legitimidade da teologia dedutiva e a
invalidade da alternativa evidencialista. As pretensas provas
teístas, assevero, não fornecem nenhuma demonstração conclusiva
da existência do Deus autorrevelador da Bíblia. Falar com mais
modéstia sobre “evidências” em vez de “provas” requer o recuo às
probabilidades. Se o argumento evidencialista “estabelece” a
probabilidade de alguma realidade divina, ele mais fantasia uma
deidade não baseada na Escritura que reforça o teísmo bíblico.
Os evidencialistas que menosprezam a primazia da fé não
prestam à teologia evangélica nenhum serviço especial. Declarar a
prioridade da fé não precisa significar, como rotineiramente
acusam os evidencialistas, que todos os pressuposicionalistas
aderem à fé sozinha à parte de, em vez de ou contrário à razão.
Sustentar que a fé precede o raciocínio especulativo no
estabelecimento de certas verdades básicas não exige em absoluto
o descarte da razão e da evidência como irrelevantes à fé
autêntica.
Deve-se contrastar a fórmula agostiniana credo ut intellegam
(“creio a fim de entender”) não só com a fórmula de Tomás de
Aquino (“entendo a fim de crer”), mas igualmente com a chamada
fórmula tertuliana credo quia absurdum (“creio por [ser] absurdo”).
O moderno avivamento neo-ortodoxo do lema de Tertuliano não
se deu sem estar relacionado com a insistência existencialista no
absurdo supremo do mundo, ideia não bíblica nem evangélica.
Os pressuposicionalistas evangélicos — como os empiristas
ou evidencialistas evangélicos agora os rotulam de modo
pejorativo, com frequência — repudiam a concepção católica
romana oficial formulada por Tomás de Aquino e aprovada pelo
Concílio de Trento. O parecer tomista afirma que a existência de
Deus e a existência e imortalidade da alma têm de ser confirmados
pela evidência empírica e pela razão desajudada, não pela primazia
da revelação ou da fé.
Ao se oporem ao pressuposicionalismo, os empiristas
evangélicos inclinam-se pesadamente à “prova quíntupla” de
Tomás. Eles ignoram o fato de que o próprio Tomás adota a
abordagem pressuposicional ou dedutiva em relação às doutrinas
reconhecidamente reveladas como a da Trindade e da ressurreição
corporal:
As outras ciências não argumentam em vista de demonstrar seus
princípios, mas para demonstrar a partir deles outras verdades de
seu campo. Assim também a doutrina sagrada não se vale da
argumentação para provar seus próprios princípios, as verdades da
fé; mas parte deles para manifestar alguma outra verdade, como o
Apóstolo, na primeira Carta aos Coríntios, se apoia na ressurreição
de Cristo para provar a ressurreição geral.
Contudo, é preciso considerar que nas ciências filosóficas, as
ciências inferiores não somente não provam seus princípios, como
também não disputam contra aqueles que os negam, deixando esse
cuidado a uma ciência mais elevada. Pelo contrário, a metafísica, a
mais elevada de todas, disputa com quem nega seus princípios,
desde que este conceda algo; e se não concede nada, ela não pode
discutir com ele, mas pode refutar seus argumentos. A Sagrada
Escritura, por conseguinte, não tendo outra que lhe seja superior,
terá de disputar com quem nega seus princípios. Ela o fará valendo-
se da argumentação, se o adversário concede algo da revelação
divina; como quando invocando as “autoridades” da doutrina
sagrada disputamos contra os hereges, e artigos de fé para
combater os que negam outro artigo. Mas se o adversário não
acredita em nada das verdades reveladas, não resta nenhum modo
de provar com argumentos os artigos da fé: pode-se apenas refutar
os argumentos que oporia à fé. Como a fé se apoia na verdade
infalível, e é impossível demonstrar o contrário do verdadeiro, fica
claro que as provas trazidas contra a fé não são verdadeiras
demonstrações, mas argumentos que se podem refutar. (“A
Doutrina Sagrada”, Suma Teológica, Artigo 8, “Esta doutrina se vale
de argumentos?”)[31]
Se o pressuposicionalismo indica que quem pensa faz
pressuposições, então eu sou, assumidamente, um
pressuposicionalista evangélico. Na verdade, até um empirista ou
evidencialista que professe estar livre de pressuposições as nutre,
por mais encoberta ou inconscientemente que seja.
Além disso, acho o fideísmo não mais convidativo ou
consolador que o empirismo. O cristianismo evangélico tem tão
pouco a ganhar da teoria que — repudiando a razão pública e os
critérios lógicos (incluindo a lei da contradição) — simplesmente
aceita o fato de Deus existir como verdade, quanto o tem da
concepção que presume derivar Deus do não Deus (sejam quais
forem os aspectos do mundo finito que ela proponha invocar).
Principiar a apresentação das ideias de alguém com
afirmações apriorísticas e o apelo à fé não é mais irracional ou
intelectualmente desacreditado em teologia do que o é na filosofia
ou na ciência natural.
A experimentação e a observação não vão a lugar algum
deixando de lado pressuposições tácitas. A ciência empírica deve
rotineiramente tomar como certo o que não pode provar, incluindo
princípios como os da completa unidade, harmonia e
inteligibilidade do universo, da prevalência de alguma espécie de
continuidade causal na natureza e da necessidade de honestidade
na experimentação e na pesquisa científica. Sem previamente supor
semelhantes postulados, a ciência empírica nem mesmo pode se
iniciar. Nenhum físico pode provar a existência de real afinidade
entre suas teorias e a condição objetiva da natureza. A explicação
científica do que ocorreu no primeiro momento do tempo depende
de um ato de fé, a saber, a confiança no princípio da uniformidade.
A retrogradação crítica da teologia cristã de seu status
anterior como ciência foi por muito tempo fundada no falso
conceito de que a genuína ciência evita pressupostos. Os cientistas
empíricos modernos de início professavam com ousadia estarem
livres de suposições. Mas, tão logo ficou óbvio que ciência alguma
pode existir sem pressupostos, os críticos modernistas advogaram
que, em vez de simplesmente herdarem suas pressuposições como
sacrossantas, a ciência pelo menos as questiona e se mantém pronta
para seu teste e revisão. Os cristãos ortodoxos simplesmente
acomodam a tradição encanecida como verdade, insinuaram os
críticos, ao passo que só o método empírico de observação e
verificação em laboratório pode validar alegações da verdade;
assim, a ciência moderna não proporciona ao sobrenaturalismo
cristão nenhum conforto.
Os evidencialistas teológicos, e de igual forma outros
teólogos, começam com admissões apriorísticas de hipótese. O
evidencialista pode estar menos disposto que seus colegas teólogos
a admitir que a mente abriga pressuposições, porém, até a errada
pressuposição de que idealmente os argumentos em favor de Deus
são expostos sem pressupostos invalida seu repúdio a suposições
operativas. O fato é: nada deixará a mente sem rumo ficar mais
infrutífera que a ausência de todos os postulados; de fato,
semelhante ausência leva à inanidade em menos tempo que leva
para pensar. Resumindo: sem fé a ciência, a filosofia e a teologia
não podem progredir.
Para se empenhar na verdade autêntica o cristianismo não
precisa subscrever afirmações seculares de como deve conduzir a
perquirição teológica de forma ideal. A religião cristã não é
obrigada a, com antecedência, aceitar teorias da verdade alheias
ou acomodá-las como alternativa própria — como o preço da
elaboração e discussão metafísicas sérias. Os cristãos não
necessitam vindicar os dogmas cristãos e os remover da suspeita
secular submetendo-os a critérios restritivos e enquadrando-os nas
concepções rivais imperiosamente asseveradas por neokantianos,
positivistas lógicos, existencialistas ou outros. Sancionar a
“credibilidade” da investigação cristã, exibindo em primeiro lugar
sua compatibilidade com teorias estranhas, significa apenas
mercadejar a singularidade do cristianismo. Damos a kantianos e
positivistas liberdade para a enunciação de suas suposições; de
fato, estamos ávidos para ouvir o que dizem. De modo similar, os
cristãos devem apresentar sua distintiva maneira de ver a verdade,
que engloba o Deus que cria e ilumina nossos mecanismos
formadores de crença. Os cristãos não devem sentir compulsão
alguma para afinar sua epistemologia teística transcendente para
coincidir com as preferências de filósofos hostis.
O intelectual estará totalmente nos limites da legitimidade
filosófica e teológica caso creia na existência de Deus e assevere
sua existência mesmo na ausência de prova empírica. Não existe
base racional para restringir as proposições críveis só às que
envolvem evidências do tipo que impressionam em especial os
físicos ou antropólogos. A propriedade epistêmica da crença em
Deus independe de considerações empíricas ou comprobatórias de
suporte.
Por toda a sua longa história, a filosofia sempre reconheceu
a legitimidade de, sem prova, admitir a hipótese de um axioma
filosófico ou princípio postulatório como base inicial de raciocínio.
Demócrito jamais demonstrou que a substância consiste em
partículas indivisíveis e imperceptivelmente pequenas; ele postulou
a premissa e tentou explicar toda a existência de modo consistente
em seus termos. Platão nunca demonstrou a existência
independente do mundo invisível das Ideias Eternas; ele arrazoou
que a existência inferior nelas participa ou as espelha. Ademais, é
provável que ele teria rejeitado como sofista e não merecedor de
atenção quem, na ausência de provas empíricas da existência das
Ideias Eternas, privasse-o de ser ouvido.
Ao tentar explanar o todo da realidade e da vida, a história
da filosofia em grande medida gira em torno de princípios
explanatórios abrangentes postulados por uma sucessão de
filósofos. As teorias seculares que emulam o teísmo cristão são
divergentes e instáveis. Muitas são incoerentes em sentido
autorreferencial. Sequer conseguem satisfazer aos padrões ou
testes epistêmicos propostos pelos promotores para distinguir a
verdade da falsidade; ou seja, nem mesmo podem justificar os
próprios princípios básicos pelos critérios especificados. Suas
especulações acerca da verdade e sua verificação não devem ser
consideradas autorizadas de forma autoevidente; elas apenas
gozam de aceitação convencional.
Kant, por exemplo, não inferiu suas formas de pensamento
transcendentais da teoria epistêmica, que identificava todo o
conhecimento como coproduto de conteúdo sensorial e formas
apriorísticas. Pelo fato de as formas apriorísticas não serem
perceptíveis aos sentidos, Kant deve tê-las postulado de maneira
independente da teoria.
Não há como o naturalista filosófico “provar” a verdade
declarada de sua cosmovisão cientística senão confiando nas
próprias suposições da teoria. A evidência há muito citada — a
saber, que a teoria “funciona” — é largamente disputada por quem
observa na verdade o desapontamento causado pelo cientificismo,
já que não oferece nenhum ponto de vista significativo do futuro,
da moralidade ou do propósito.
Por fim, a própria ciência moderna reconhece a importância
precedente de modelos teóricos para interpretar dados empíricos.
Nesse sentido Frederick Suppe fornece um profícuo panorama de
como aconteceram mudanças no pensamento científico moderno
recente.[32] De 1920 a 1950 a teoria científica foi dominada em
grande escala pelo positivismo lógico e pela análise empírica, que
repudiava os anúncios em prol de verdadeira teoria científica;
hipóteses científicas eram vistas como aproveitáveis apenas para
predizer fenômenos observáveis. Então, entre 1950 e 1970, quando
a teoria científica ainda não fora declarada explanatória e
definitiva, apenas histórica e relativa em sentido cultural, as
cosmovisões científicas abrangentes emergiram por meio das
cosmologias de filósofos da ciência influentes como Thomas Kuhn,
Paul Feyerabend e Stephen Toulmin. Foi entre 1970 e 1977, no
entanto, na chamada era do “realismo crítico-histórico”, que as
alegações científicas tornaram-se mais dogmáticas. Os cosmólogos
falaram com mais confiança sobre entidades transcendentes não
observáveis; além disso, alegaram maiores poderes explanatórios,
e perseguiram possibilidades de reafirmar a verdadeira teoria
científica. Na presente década, entretanto, as perspectivas de
cosmovisão mais uma vez se tornam sociológica e historicamente
orientadas. A teoria científica agora emprega modelos conjecturais
e invoca com generosidade a analogia e a metáfora, embora a
possibilidade de falsificação empírica seja admitida e aceita como
característica da autêntica ciência empírica.
Ao lado dessas perspectivas científicas mutantes, William A.
Rottschaefer monitora um movimento paralelo de pontos de vista
religiosos.[33] Ele relaciona a investigação empírica com o realismo
crítico, isto é, com a tese de que a experimentação — seja
naturalista ou teísta — produz entendimentos cognitivos e
crescente poder explanatório. Concentrando-se na experiência
religiosa, ele conclui que a ciência e a religião possuem um caráter
epistêmico similar.
Essa opinião é desafiada pelos naturalistas científicos de
forma contínua; para eles a mutável teoria científica é muitas vezes
mais instrumental que objetivamente cognitiva e explanatória.
Contudo, dizem os teístas religiosos, seja o que for que possamos
deduzir a mais da experiência religiosa, permanece o fato de que
os artigos do Credo apostólico não foram destilados da experiência
universal. Além disso, acrescentam que a experiência progressiva e
ampliadora não pode acomodar nenhuma finalidade não passível
de revisão. Em contraste, os teístas cristãos afirmam que a
realidade cristológica é a mesma “ontem, hoje e para sempre”, uma
fé “de uma vez por todas confiada” [NVI].
Fundado por Schleiermacher, o modernismo teológico
considerava o empirismo científico a via confiável do conhecimento
e como consequência depreciava os milagres como não científicos e
pré-científicos. Ele ancorava a argumentação a favor de Deus na
experiência religiosa universal. Conquanto afirmasse a existência
de Deus, um dos resultados foi a desaprovação modernista da
finalidade na definição da natureza divina. Substituir a atestação
das doutrinas nucleares cristãs por considerações empíricas, como
fazem os evidencialistas, traz altos riscos. Além do que, faz-se uma
asserção impossível de cumprir se, na busca pela certeza
demonstrável, espera-se de sua metodologia mais que elevada
probabilidade. O ponto de vista cristão sobre Deus e o mundo fica
bem servido pela metodologia que, quando muito, pode afirmar
com 95 por cento de probabilidade que Jesus morreu pelos
pecadores ou 90 por cento de probabilidade de que ele ressurgiu
corporalmente da tumba?
Dissemos que o metafísico especulativo que postule um
princípio primordial explanatório bem pode descartar como
bastante arbitrária qualquer exigência de que ele primeiro proveja
alguma legitimidade empírica externa para seu princípio como o
preço a ser pago antecipadamente pelo direito de projetar seu
axioma controlador. Mesmo na ciência do século XX, importantes
desenvolvimentos emergiram por meio de projeções criativas
quando os eruditos, em vez de extrapolarem seus postulados
explanatórios da observação empírica, apenas aplicaram postulados
criativos aos dados à mão. Alguns dos progressos mais dramáticos
ocorrem quando novas suposições cognitivas destituem teorias há
muito entrincheiradas. É irrelevante para o poder explanatório de
um axioma se o seu promotor chegou ou não a ele por observação
empírica, conjectura filosófica, meditação religiosa, revelação
privada ou mesmo pelo que ele ou ela considera simplesmente um
pressentimento.
O axioma ontológico primário do cristão é o único Deus
vivente, e seu axioma epistemológico primário é a revelação
divina. Desses axiomas básicos dependem todas as crenças
nucleares do teísmo bíblico, incluindo a criação divina, o pecado e
a queda, a promessa e a provisão de redenção, a encarnação de
Deus em Jesus de Nazaré, a igreja regenerada como uma nova
sociedade e também uma escatologia abrangente.
Todavia, a visão metafísica que professe decifrar toda a
realidade e a vida e envolva a vindicação da verdade universal
deve aduzir alguma justificação epistemológica caso tenha de
evitar ser rejeitada como fideísmo ou fé pura que derroga a razão.
A discussão de Agostinho sobre a verdade apoiada pela fé é
precedida pela investigação intelectual da verdade; a inquirição
racional expõe a necessidade de aceitar certas crenças ou princípios
básicos mediante a fé. Além disso, ele reconhece a necessidade de
demonstrar que seus compromissos não são ilógicos. Para
Agostinho, a fé é o modo de conhecer da mente. Trata-se de
pensar em vista de uma autoridade revelatória divina mais alta
reforçada pelo assentimento da vontade. A fé é a certeza de que, à
luz da autoridade mais elevada, sonda e analisa o que é crido e
estipula seu conteúdo.
Só com atenção cuidadosa para com o papel dos
pressupostos o desastre de suspender a verdade cristã em
considerações empíricas será evitado. Todo esforço de falar em
sentido dogmático a respeito de Deus apenas com base na
percepção sensorial ou na experiência humana é vulnerável e
malfadado. Schleiermacher defendia a realidade de Deus baseado
no senso do homem de absoluta dependência, mas os críticos com
rapidez mostraram que a experiência humana não é um comentário
sobre a teologia, mas sim sobre a antropologia. O método empírico
lida com a realidade fenomenal, não com a numenal; ele não pode
adjudicar a existência e a natureza do sobrenatural. Pior ainda,
apenas produz conclusões experimentais e revisáveis; ele não pode
apresentar um veredicto irreversível sobre coisa alguma. Assentar
o argumento pró-cristianismo em um apelo empírico não só não é
promissor como metodologia, mas é também de caráter teológico
arriscado.
Todavia, o pressuposicionalista evangélico não aceita a
caracterização do axioma como arbitrário. O fiel cristão conhece
com segurança que seus postulados e crenças controladoras não
estão fundados em conjectura, mas ancorados na autoexistência e
na autorrevelação do Deus trino. O cristão sabe ser Deus a fonte
de toda a verdade; a verdade é o que Deus pensa e diz. O
cristianismo nunca ficou desconcertado com a centralidade do
Logos na Trindade; o Logos e a sabedoria são intrínsecos à
Divindade. O cristão reafirma que seus axiomas são pressupostos
fundamentais de todo pensamento e ser; eles são básicos à
estrutura noética humana. Todo ser humano deve supor tais
axiomas, sustenta ele, a fim de explicar a realidade e a
inteligibilidade da existência. Ele insiste que seus princípios
explanatórios estão, em última análise, alicerçados na eternidade
no Logos de Deus. Destaca ainda que a doutrina cristã da criação
oferece uma garantia transcendente da unidade, ordem,
inteligibilidade e estabilidade dos processos naturais; provê
igualmente uma base para a crença na existência de alguma
imbricação racional entre as imagens explanatórias e os objetos da
experimentação.
Além disso, o cristão conhece que é apenas pela graça divina
que ele, com fé, participa das realidades epistêmicas e ônticas
declaradas pela herança bíblica.
Entretanto, ele não afirma que a verdade do cristianismo só
pode ser conhecida pelos convertidos. Ateus, agnósticos,
panteístas ou deístas — se atentos aos dados — podem apreender
as doutrinas cristãs essenciais apenas por meio da leitura da Bíblia.
A expiação substitutiva e a ressurreição corporal de Jesus, o
perdão divino dos pecados e a necessidade que a humanidade tem
do novo nascimento para lograr participação no Reino de Deus são
afirmações confessionais solenes que mesmo escolares podem
compreender. A ortodoxia evangélica não defende que se deva
primeiro apropriar-se da verdade bíblica para entendê-la. Fosse
esse o caso, a distribuição de Bíblias, o evangelismo e a apologética
fariam pouco sentido. Bem ao contrário, a Bíblia avisa do castigo
divino que se aproxima por causa da deliberada negligência da
verdade da qual os humanos sabem até mesmo no estado não
regenerado.
Com certeza, muitas escolas de pensamento não bíblicas
opõem-se com vigor à ideia cristã de Deus e do mundo. A história
da filosofia oferece muitos princípios primordiais rivais — dos
átomos democríticos às mônadas leibnizianas e o Absoluto
Hegeliano, da evolução terrestre darwiniana por meio da mutação
lenta, gradual, quase imperceptível, aos genes primitivos de Hoyle
que emergem de uma sopa estelar e montam nas caudas dos
cometas para invadirem nosso cosmo. De modo semelhante, a
história das religiões oferece muitas alternativas globais, do Brama
mundo-alma impessoal do hinduísmo ao fundamentalismo xiita
iraniano, dos princípios Soka Gakkai no Japão ao êxtase
(enthusiasm) da Nova Era nos EUA, e muito mais.
Muitas dessas opções de fé sequer se interessam pela
verdade objetiva e eterna. Não é verdade que todas as religiões ou
filosofias exerçam de fato a pretensão de verdade universal. Os
que apelam apenas à decisão subjetiva ou consideram a verdade
culturalmente relativa, ou os que em sentido místico transcendem a
distinção entre verdade e falsidade, não podem mesmo, com
legitimidade, fazer alegações de verdade.
A inconsistência lógica embaraça as alegações de qualquer
sistema especulativo, e o faz do modo mais destrutivo quando os
princípios básicos parecem instáveis. Os positivistas lógicos
postulam que apenas premissas verificáveis pelos dados sensoriais
podem ser significativas ou verdadeiras. Neste caso, porém, a
própria premissa — em si mesma não verificável empiricamente —
não pode ser julgada significativa ou verdadeira. Os proponentes
da “teologia da revolução” olham para o êxodo hebreu da
opressão egípcia como paradigma e legitimação bíblica da
utilização de violência para promover a transformação social. No
entanto, já que os proponentes da revolução abraçam opiniões
críticas da Escritura, com que base podem eles, de forma
peremptória, invocar o registro do Êxodo? E mais, os hebreus
nunca subverteram o governo egípcio; a força deles não jazia na
violência, mas na obediência espiritual a Yahweh.
Embora seja corrente nos círculos interconfessionais
ecumênicos o conceito de que a revelação é encontrada em todas as
religiões, o fato é que a doutrina da revelação divina racional é
muito incomum entre as religiões e as filosofias do mundo, muito
mais incomum que os eruditos da Religionsgeschichte nos querem
fazer crer. É digno de nota que entre todas as grandes religiões
mundiais, apenas o judaísmo, o cristianismo e o islã assegurem “o
Deus que fala”; além disso, até onde o islã o assevere, sua
dependência da herança prévia judaico-cristã, bíblica, é
indiscutível.
Não pode haver escolha decisiva entre opções se negamos
qualquer referente externo para julgar as afirmações de verdade. A
questão crucial não é se um estudioso deve iniciar com a fé; antes,
a questão crítica é se essa fé se trata de uma crença não racional. A
razão e a evidência públicas são em absoluto relevantes às
alegações de verdade teológica e, no caso afirmativo, qual é
exatamente o papel das duas?
Ao apelar à revelação transcendental como axioma
epistêmico básico, o cristianismo lança sua vindicação de verdade
de maneira abrangente sobre todas as áreas da vida humana. O
fato de o cristianismo postular princípios primordiais e afirmar
crenças nucleares fixas não exclui a propriedade dos testes
racionais. Nem a adequabilidade do teste racional implica que o
cristianismo deva ser reputado apenas como hipótese.
Um teste externo eficaz de validade universal e de verdade
é a consistência lógica. A inconsistência lógica sacrifica a
plausibilidade; um sistema logicamente inconsistente não pode ser
válido ou verdadeiro. A consistência lógica não pode comprovar
de forma decisiva a verdade das alegações intelectuais; entretanto,
é um potente teste negativo.
A autorrevelação de Deus é desvelamento inteligível; a
revelação divina é uma atividade mental. O Deus que fala — que
torna sua natureza e vontade conhecidas por meio de enunciados
proposicionais inteligíveis — articula de maneira verbal a verdade.
A consistência é uma perfeição divina. Ao convencer os seres
humanos de sua pecaminosidade, o Espírito Santo usa a verdade
como meio de persuasão. Por fim, a humanidade regenerada será
plenamente conformada à mente e santidade de Cristo.
Portanto, a ortodoxia evangélica não tem motivo algum para
evitar a lógica; tem ela toda a razão para de forma aberta exibir
premissas que se derivem com consistência de seus axiomas básicos
— a saber, a criação divina do mundo e dos seres humanos à
imagem de Deus; o domínio da humanidade sobre o cosmo, bem
como a mordomia desse; a queda de Adão e de sua posteridade na
revolta moral; a oferta divina de redenção a pecadores penitentes;
o pacto de Yahweh com Israel e o exílio punitivo dos hebreus; o
misericordioso dom da salvação mediante Jesus Cristo, que, como
o crucificado-ressurreto, encabeça uma nova sociedade
regenerada; a missão global de evangelismo e a promoção da
justiça social por parte da igreja; o iminente retorno de Cristo para
julgar a humanidade e as nações; a vindicação de retidão e a
completa derrota do mal; e o destino dual da humanidade baseado
na reação espiritual e moral do indivíduo.
Uma rotineira queixa evidencialista contra os
pressuposicionalistas é a de que eles estão trancados em suas
admissões de hipótese, ao passo que os evidencialistas estão
preocupados com evidência externa. Contudo, essa reclamação é
tão falaciosa quanto a insistência evidencialista de que os
evidencialistas estão livres de suposições. De modo algum todos os
pressuposicionalistas consideram as evidências irrelevantes às
asserções da fé, nem todos os pressuposicionalistas reputam a fé
hostil à razão. Os pressuposicionalistas insistem que a evidência
objetiva relevante existe externamente aos axiomas cristãos básicos
e suas implicações. Tal evidência com certeza não se baseia em
dados empíricos da espécie em que os evidencialistas confiam na
tentativa de demonstrar a existência de Deus a partir do não Deus.
Antes, a evidência decisiva é inspirada na Escritura; a Bíblia é o
princípio verificador acreditado da teologia cristã.
Por meio da observação sensorial é impossível provar que
Deus criou o universo ex nihilo; que todos os seres humanos
portam a imagem divina; que toda a humanidade é culpada em
Adão; que Jesus nasceu de uma virgem e viveu sem pecado nos
dias de sua carne; que ele morreu pelos pecados da humanidade;
que após a crucificação ele ressurgiu corporalmente, para nunca
mais morrer — as primícias da ressurreição geral vindoura; e que
os seres humanos estão destinados à vida futura que envolve um
impressionante destino dual na eternidade. Tais doutrinas não são
empiricamente dedutíveis; elas são corroboradas pelo ensino
escriturístico inspirado.
A mais notável confiança em fatores empíricos por parte dos
teólogos de mentalidade evidencialista jaz na promoção de
“provas” — alguns prefeririam dizer com mais modéstia
“evidências” — da existência de Deus. Malgrado tais argumentos
partilharem muita coisa em comum com a chamada prova
quíntupla de Tomás de Aquino, os círculos protestantes
habitualmente as identificam como os argumentos cosmológico,
teleológico e antropológico. Essas formulações começam com o
universo — ou seja, o cosmo e o homem — e prosseguem de forma
indutiva até Deus como a causa pessoal, inteligível e moral de toda
a existência finita. Inversamente a Tomás, mesmo os evangélicos
de maior orientação empírica anuem ao fato de que as “provas”
não são demonstráveis pela lógica; antes, defendem que as
“evidências” indicam a alta probabilidade da existência de Deus,
uma probabilidade tão irresistível que torna a incredulidade da
humanidade imoral.
Não repetirei aqui as críticas a essa tese, já detalhadas em
God, Revelation and Authority [Deus, revelação e autoridade], volume
I.[34] O esforço evidencialista é uma variante da teologia natural.
Mas, se as provas são conclusivamente demonstrativas, elas
conduzem a uma realidade divina que é inferior a ou mesmo outra
que não o Deus da Bíblia. Não se pode elaborar um argumento
decisivo em prol da infinita deidade apenas por extensão do não
Deus; por principiar com a existência finita e prestar estrita atenção
a procedimentos lógicos chegar-se-á ao infinito só por meio de um
salto de fé não racional. Assim, por mais que o evidencialismo
invista suas provas da aura de razão, inconscientemente cai sob o
mesmo juízo que ele gratuitamente emite sobre o
pressuposicionalismo — a saber, o de promover a fé sem a razão.
Como o tomismo, o evidencialismo introduz a revelação divina na
discussão tarde demais para ser aproveitável. Isso não é descartar
a ordem cósmica e a razão e consciência humanas como de nenhum
significado para o teísmo; a ênfase sobre o design, bem como sobre
a racionalidade e a moralidade, podem ter utilidade bem outra do
que demonstrar a existência de Deus.
Pior ainda, muitos empiristas evangélicos agora confundem
a revelação geral com a teologia natural. Eles direcionam textos
que trazem a revelação universal de Deus na natureza, na história
e na consciência para apoiar a tese bastante contestável de que, a
despeito da queda, sobrevive em toda a humanidade um conjunto
compartilhado de doutrinas teológicas e moral. Essa teoria não só
disfarça as divergências cognitivas, mas pressupõe da mesma
forma uma ideia por demais otimista da condição da humanidade
depois da queda.
Que o Deus vivo continua a se revelar em todo o universo
na natureza e na história, na e à mente e consciência do homem,
não se debate aqui. Nem se põe em dúvida a lucidez da revelação
universal, tampouco sua potência em verdadeiramente, em todos
os lugares, penetrar a razão e a consciência humanas. Não
devemos culpar a revelação divina universal como defeituosa em
sentido epistêmico. Não há na revelação divina nenhuma
necessidade inerente dessa distorção epistêmica.
Antes, a falta se localiza na humanidade. A frustração da
revelação divina geral se deve à obstinada e instável volição
humana. Na própria recepção da revelação de Deus, os seres
humanos caídos e rebeldes querem “deitar por terra” e suprimir a
revelação; eles a distorcem, pervertem e afinam ao que é mais
compatível e agradável à vontade alienada. Essa reação intelectual
revoltosa é atestada entre os intelectuais pela multiforme história
da filosofia e, ainda de modo mais genérico, pelas múltiplas
religiões mundiais e suas muitas crenças particulares.
Todavia, por meio da imago Dei, dada na criação, todo ser
humano recebe o conhecimento inerradicável da existência de
Deus, de outros egos e do mundo interior também. Para início de
conversa, todo ego humano sabe ser genuína e inescapável a
distinção entre Deus e o não Deus, a distinção entre o bem e o mal,
e a distinção entre a verdade e a falsidade. Além disso, todo ser
humano está a par de que conhecer a verdade e o bem coloca
alguém em contato com a humanidade. No entanto, não só os seres
humanos todos compartilham sim esses aspectos formais da imago,
mas também conhecem instintiva e intuitivamente que Deus sem
dúvida existe, que o mundo existe de fato, e que na verdade
existem outros egos. O teísta cristão não carece de argumentos
indutivos para saber que Deus existe, ou que ele mesmo existe, ou
que o cosmo e outros egos existem.
Ademais, no pensamento e na consciência, todo ser humano
mantém-se de forma inevitável e perpétua nos relacionamentos
divino-humanos que carregam alguma consciência da natureza de
Deus e da bondade e verdade essenciais. A imago Dei não apenas
possui conteúdo formal; ela igualmente possui conteúdo material.
Ninguém se encontra de todo sem luz, e todo ego humano é
culpável de revolta contra a luz.
Dada a rebelião volicional do ego humano, a luz da
revelação geral pode sobreviver em distintos contextos e em
diferentes padrões e intensidades, dependendo do grau e da
profundidade da animosidade humana. Entretanto, a revelação
tem uma presença inextinguível, uma presença que torna a espécie
humana culpável de revolta contra a deidade em sentido moral e
espiritual.
Por causa das relações espirituais flutuantes e fugazes da
humanidade caída, a busca da certeza não é promissora. Alguém
está duplamente mal-orientado quando se volta às considerações
empíricas e experimentais como o fundamento da fé ou como
prova demonstrável. Quase todas as preocupações humanas do
cotidiano estão classificadas no domínio das probabilidades; a
probabilidade é a regra da vida. Mesmo nosso sistema legal no
julgamento dos criminosos fia-se em evidências circunstanciais.
Não obstante, temos sede de mais do que a mera
probabilidade respeitante ao destino humano. A teologia cristã
satisfaz a demanda por certeza com o lembrete de que a certeza
não tem conexão necessária com a verdade; ela pode ser mais
emocional ou volitiva que cognitiva. Algumas pessoas têm certeza
sobre a data precisa do regresso do Senhor; outras estão certas de
que comer toranja alivia enxaqueca, ou de que vinagre cura
verrugas. A fé cristã não oferece certeza matemática ou
especulativa, e sim convicção espiritual. A autoridade divina
elimina a lacuna racional entre a probabilidade e a certeza.
Semelhante segurança está baseada, não em probabilidades
empíricas, mas no testemunho sobrenatural do Espírito Santo que
aviva a Escritura objetivamente inspirada de forma individual. O
Espírito emprega a verdade como instrumento de persuasão, a
verdade atestada pela Escritura e que pode ser provada pela
consistência lógica.
Portanto, o cristianismo em nada receia a razão pública; ele
não é fideísta nem empirista, tampouco racionalista. O cristianismo
não tem menos direito de afirmar seus princípios explanatórios
definitivos que as outras visões do mundo e da vida. Alguém
persuadido com base em outros fundamentos não precisa dos
argumentos empíricos nem dos existenciais e especulativos para
expor sua argumentação. Sugerir que alguém é irracional caso
defenda o teísmo sem primeiro subscrever às demandas do
empirismo ou de algum outro “ismo” é dar-se à propaganda em
vez de ao exercício lógico.
Enquanto fé alicerçada na revelação e inteligível, o
cristianismo parte da prioridade ontológica do Deus vivo e da
prioridade epistemológica da revelação divina. Desses postulados
básicos ele infere e desenvolve todas as doutrinas nucleares da
religião cristã. Entre essas está o dom divino da fé salvadora que
atrai o ego inteiro no amor, na adoração e no serviço obediente do
Criador e Juiz infinito da humanidade e das nações. A teologia
dedutiva chama a atenção dos incrédulos à consistência lógica
como teste negativo da verdade e à verificação das Escrituras. As
asserções da teologia dedutiva são inteligíveis a qualquer pessoa
que dê atenção à lógica, seja crente ou não. Contudo, como uma de
suas doutrinas, o cristianismo afirma o Espírito de Verdade como a
realidade dinâmica pela qual o Deus vivo nutre de modo soberano
a fé salvadora na vida do penitente. O cristão pode conservar
elevados a cabeça e o coração se, sobre o próprio fundamento — e
de maneira bem independente de Platão, Aristóteles, Hume ou
Hegel — ele diz com Paulo: “Eu sei em quem tenho crido e estou
certo…” (2Tm 1.12).
3. Os Axiomas do Teísmo Bíblico
Toda teologia ou filosofia ou ciência tem um ponto inicial
que a habilita a começar.
A clássica obra de Euclides sobre Os Elementos, escrita por
volta de 300 a.C., enunciou os cinco postulados ou princípios não
provados concernentes a linhas, ângulos e figuras das quais ele
deduziu a geometria. Ele postulou, por exemplo, que entre dois
pontos quaisquer pode-se traçar uma linha reta, e que todos os
ângulos retos são iguais. Além dos cinco postulados, ele aduziu
cinco outros princípios não provados, denominados axiomas. Os
postulados tratam de modo específico de assuntos geométricos,
enquanto os axiomas lidam mais genericamente com grandeza. Os
matemáticos e lógicos modernos agora usam os termos axioma e
postulado de forma intercambiável.
A partir de seus postulados, axiomas e definições, Euclides
deduziu os teoremas que enunciam o conteúdo do plano e da
geometria sólida. Mais tarde os geômetras contestaram certos
teoremas dele e debateram se a geometria euclidiana é baseada em
verdades necessárias ou hipóteses empíricas. Todavia, até as
geometrias de Nikolai I. Lobachevsky e de Georg F. B. Riemann
são formalmente consistentes com aquela, a elas se podendo dar
um modelo euclidiano. “Qualquer hipótese, predição ou
explanação que pode ser expresso em um desses esquemas
descritivos”, comenta Stephen F. Barker, “pode ser expresso com a
mesma precisão no outro”.[35]
Philip Kitcher sustenta que o conhecimento matemático é em
essência empírico; isto é, suas verdades e provas estão fundadas na
experiência.[36] No entanto, seus argumentos não são persuasivos.
Como Joseph W. Dauben observa, Kitcher apenas salta sobre as
dificuldades das abordagens empiristas da matemática: ele ignora
muitos trabalhos recentes (e.g., os de Bos, Barn, Grabiner,
Fleckenstein, Hofmann, Manning, Scriba, Westfall, Whiteside)
simplesmente ao avaliá-los como “tendenciosos” em sentido a
priori.[37]
Exatamente como a geometria possui axiomas básicos dos
quais fluem seus teoremas, também os sistemas teológicos e
filosóficos têm axiomas governantes. Axiomas são os princípios
regentes com os quais qualquer sistema de pensamento começa.
Eles jamais são deduzidos ou inferidos de outros princípios,
apenas pressupostos. A nenhum axioma se chega por raciocínio;
como ponto inicial, portanto, o axioma, na natureza da
argumentação, está fora do alcance de prova.
A lógica em si mesma repousa sobre o princípio
empiricamente não provado de que, em todo esforço para
comunicar de modo inteligível, deve-se presumir ― e.g., o
princípio da não contradição.
Desses axiomas controladores os teoremas de todo sistema
são deduzidos de forma subsequente. Mesmo que os empiristas o
possam negar, e de fato o neguem, todos os sistemas estão
baseados em axiomas; sem axiomas iniciais nada se pode
demonstrar. A ciência natural é impossível se não se tiver por certa
a correspondência entre as leis do pensamento e a ordem do
mundo exterior.
Na filosofia, o axioma que subjaz ao ateísmo naturalista é o
de que o processo e os eventos físicos constituem o todo da
realidade. O empirismo repousa sobre o axioma de que todo o
conhecimento tem sua fonte apenas na sensação. O axioma
governante de Kant é que o conhecimento constitui-se no produto
conjunto de formas inatas e conteúdo sensorial. O positivismo
lógico parte do axioma de que só proposições verificáveis pela
experiência sensorial podem ser verdadeiras ou significativas.
O empirismo não pode justificar empiricamente sua premissa
governante. Da experiência sensorial, à qual ele ensinava limitar o
conteúdo de todo o conhecimento, Kant não pôde deduzir
informação sobre as formas de pensamento inatas. Pelo fato de o
positivismo lógico não poder verificar de forma sensitiva a própria
tese de verificação, ele não consegue se isentar da falta de sentido.
Cada cosmovisão tem um ponto inicial distintivo ou tese de
critério para tentar unificar e explanar a experiência humana. O
filósofo cristão, portanto, não está sob nenhuma compulsão
intelectual para aceitar premissas rivais, por mais que sejam da
moda, como o ponto inicial para desenvolver sua cosmovisão
teísta. E o incrédulo não pode objetar que os axiomas do teísmo
cristão são deduzidos de outra fonte que não a experiência
sensorial, a intuição mística ou a conjectura filosófica. A confiança
do evangélico na capacidade abrangente de explicação do teísmo
bíblico é tão legítima como a admissão pré-filosófica da hipótese
para formular sua asserção quanto o é o conceito do positivismo
lógico de que apenas a confirmabilidade empírica salva o termo
Deus da falta de sentido.
O que distingue os axiomas cristãos dos axiomas rivais não é
que os primeiros sejam a priori; todos os axiomas o são. “Ninguém
pode objetar com consistência”, escreve Gordon H. Clark, “ao fato
de o cristianismo estar baseado em um axioma não demonstrável.
Se os secularistas exercem seu privilégio de fundamentar seus
teoremas sobre axiomas, então também o podem os cristãos. Caso
os primeiros recusem-se a aceitar nossos axiomas, então eles não
têm nenhuma objeção lógica à nossa rejeição dos deles”.[38]
Os filósofos cristãos estão mal aconselhados se, para
tornarem o teísmo bíblico tão palatável quanto possível aos
filósofos seculares, conformam as afirmações cristãs aos princípios
alheios e amiúde hostis dos pensadores não bíblicos. A validade
do teísmo cristão não depende de os incrédulos acharem aceitáveis
seus pressupostos, ou de esposarem só as crenças que os filósofos
dissidentes aprovam. Como Alvin Plantinga expressa: “[o] filósofo
cristão está inteiramente dentro de seus direitos ao principiar
partindo da crença em Deus… Ele tem o direito de aceitar como
verdadeira a existência de Deus e daí prosseguir em sua obra
filosófica exatamente como os outros filósofos tomam por certo a
existência do passado, da fala ou das outras pessoas, ou as
asserções básicas da física contemporânea”.[39]
Plantinga rejeita até a concepção de alguns filósofos cristãos
de que eles devem se envolver com os filósofos ateus ou
agnósticos “na busca comum pelas posições filosóficas corretas em
face da questão de haver um ser como Deus”, como se o filósofo
cristão devesse mostrar por suas premissas que sua opinião é
provável ou justificada.[40]
O filósofo secular contemporâneo com frequência insiste em
que a busca do conhecimento científico ou histórico exige que os
acadêmicos avaliem de forma crítica todas as crenças, mas em
seguida continua aceitando os próprios pressupostos como
verdadeiros e exigindo que os outros revisem suas suposições para
se conformarem com as dele.
Mas o filósofo cristão não precisa afinar suas convicções
para se ajustarem às do antagonista como o preço do engajamento
filosófico. Nas palavras de Plantinga: “O filósofo cristão, bem
propriamente, começa da existência de Deus, e a pressupõe no
trabalho filosófico, possa ou não demonstrá-la provável ou
plausível em relação às premissas aceitas por todos ou pela maioria
dos filósofos nos grandes centros contemporâneos de
filosofia”.[41] Ele tem o direito e mesmo a obrigação de enunciar
sua argumentação sobre o próprio fundamento, quer os
contemporâneos céticos creiam ou não nela. Se não agir assim, ele
simplesmente joga fora seus argumentos. Em vez de ficar
intimidado pelas exigências inconsequentes de quem não concede
nenhuma plausibilidade aos princípios cristãos e insiste no aplauso
apenas das proposições passíveis de tratamento por um sistema
filosófico não cristão entrincheirado, é de todo legítimo ao filósofo
cristão iniciar com o que ele sabe como cristão.
O cristão deve sistematizar, aprofundar-se e aplicar suas
convicções pré-filosóficas a fim de testá-las para obter poder
explanatório e congruência lógica. Até os cientistas empíricos
postulam modelos conceituais nos esforços para explicar o cosmo.
Por muito tempo eles falaram de “leis” da natureza, mas se as suas
numerosas fórmulas estivessem fundadas de fato na natureza, os
cientistas não teriam a necessidade de revisá-las com constância.
Por muito tempo eles falaram de causalidade, mas as causas estão
além da verificabilidade empírica; em consequência, agora os
cientistas falam com mais cautela das consequências preditivas.
Segundo Huston Smith, a suposição básica da cosmovisão
contemporânea é a de que “a realidade é desordenada em todos os
sentidos objetivos que a mente do homem pode discernir”.[42]
Muitos comentários correntes presumem que o mundo exterior ou
transcendente é intrinsecamente não estruturado, ou que o homem
contribui de maneira criativa e decisiva para o nosso conhecimento
a respeito dele. Baseados nessa abordagem, os princípios
definitivos são pleiteados pela utilidade ou proveito em vez da
verdade objetiva.
Teoricamente é tão legítimo para o teísta considerar Deus a
causa (quiçá a causa final) do universo quanto para o ateísta
considerar a natureza um caos que o homem “ordena”.
Os axiomas básicos da religião cristã são dois. O axioma
ontológico básico é o Deus vivo; o axioma epistemológico básico é a
revelação divina. Esses axiomas podem ser afirmados de modo mais
completo e preciso quando se diz que o Deus trino é o axioma
básico e se declara que as verdades da revelação constituem o
axioma epistemológico básico. Tais axiomas implicam um ao outro.
Sem o Deus vivo não haveria revelação divina. Sem
autodesvelamento inteligível não saberíamos que Deus existe.
Construindo sobre as teses de Barbour, Avery Dulles fala
de modelos teológicos de maneira muito semelhante à dos
filósofos da ciência quando falam de modelos científico-
teóricos.[43] Ian G. Barbour contrasta modelos científico-teóricos
imaginativamente projetados com modelos científico-experimentais
usados em laboratórios; os primeiros, nota ele, são modelos
interpretativos criativos para tratar do que não é observável.[44]
Os modelos teóricos, enfatiza Barbour, não conseguem representar
a realidade com literalidade. Todavia, essa distinção é artificial. Eis
o fato: a física também é operacional; nenhuma das leis da física
constitui uma verdade assentada. Em geral, toda ciência opera de
forma análoga, pois as conclusões e afirmações científicas sobre o
mundo físico são apenas empíricas e revisáveis.
Se os modelos teológicos apenas recaem nessa mesma classe,
então a verdade das afirmações teológicas permanece em dúvida.
Norman Malcolm observa que “os filósofos acadêmicos dos dias
correntes estão muitíssimo mais propensos a desafiar as
credenciais da religião que as da ciência”.[45] Muito do
pensamento religioso recente reputa a interpretação teológica
intrinsecamente experimental e vê a teologia como um
empreendimento fadado à perpétua revisão. Ele pressupõe que em
teologia nenhum modelo explanatório decisivo pode ser oferecido
ou deve ser esperado.
Postular o teísmo cristão como modelo teórico junto com
outros modelos teóricos não precisa sugerir, entretanto, que o
cristianismo seja apenas um construto especulativo projetado para
explicar o homem e o mundo. Sem dúvida, muitos não cristãos
consideram o teísmo bíblico um modo conjectural de pensar acerca
da vida e da existência. Todos os pensadores especulativos tendem
a reputar as opiniões rivais em termos pejorativos, enquanto
aplaudem a própria opção. Todavia, o cristianismo não reafirma
seus axiomas só como uma abordagem teórica improvisada sobre o
mundo exterior intrinsecamente sem sentido ou os postula apenas
por sua utilidade; ele defende que os axiomas iluminam a
realidade de maneira literal e factual.
O cristão insiste que a doutrina bíblica da revelação não é
uma conquista do raciocínio filosófico. “Se a revelação não fosse
necessária para conhecer a revelação”, observa com competência
Dulles, “daria a impressão de que ela não seria em absoluto
necessária”.[46] C. S. Lewis afirma de outra maneira: o
cristianismo é “a religião que ninguém poderia ter
adivinhado”.[47] O cristão sabe que os axiomas de sua fé estão
fundados em realidades transcendentes e não em fabricação
especulativa. A concepção bíblica é a de que a razão humana não
tem nenhum papel normativo e criador no tocante à verdade. Deus
é a verdade e a fonte de toda a verdade. No entendimento cristão,
a mente e a vontade de Deus são a fonte de toda a verdade, da
matemática, da lógica, da lei e da ordem cósmica.
O impulso negativo do iluminismo tinha em vista promover
a razão humana suprimindo a revelação sobrenatural. Como
observa Reinhold Niebuhr: “o racionalismo humanístico,
esquecendo-se de que tanto a razão humana quanto a existência
física humana são uma realidade derivada, dependente/criada e
finita, transforma-a em um princípio de interpretação do sentido
da vida”.[48] No entanto, o iluminismo conseguiu sufocar a razão e
a revelação, em vez de reconhecer que a razão é a aliada, não a
inimiga, da revelação divina. Essa firme característica da filosofia
moderna é ora considerada com crescente suspeita e, como
Nicholas Wolterstorff intui, os acadêmicos “estão desejosos de
perguntar outra vez sobre a relação entre razão e revelação”.[49]
Conquanto os termos postulado e axioma sejam bastante
usados de maneira intercambiável, o primeiro é por vezes aplicado
com imprecisão aos dogmas ou doutrinas essenciais que fluem dos
axiomas básicos. Assim, em The Christian View of God and the World
[A visão cristã de Deus e do mundo] James Orr, delineando as
doutrinas bíblicas principais, escreveu sobre os postulados da fé
cristã tais como Deus, a natureza e o homem, e o pecado.[50] Sobre
o fundamento da revelação divina especial, o cristianismo
promulgou suas doutrinas da existência do Soberano sobrenatural,
da criação ex nihilo, da imagem divina do homem e da mordomia
da terra por esse, do relacionamento do homem com o Criador
que foi violado pelo homem, da salvação das criaturas caídas
provida por Deus, da inspiração especial dos profetas e apóstolos,
da encarnação em Jesus de Nazaré, do papel da igreja no mundo,
bem como do destino dual da humanidade na eternidade.
Em oposição à atestação cristã da revelação como o axioma
epistemológico básico, os filósofos seculares apresentam princípios
explanatórios rivais. Os empiristas exaltam a observação e a
experiência acima do raciocínio filosófico como meio de
conhecimento; todavia, mesmo os empiristas divergem entre si.
Muitos saúdam o moderno método científico — observação e
verificação sensorial — como o mais fidedigno sobre a realidade.
Os empiristas estritos questionam a realidade do sobrenatural,
porquanto as preocupações metafísicas e morais caem fora do
campo de ação empírico. Outros dilatam o sentido da experiência
além do conhecimento perceptível para abarcar relacionamentos
diretos com outros egos e com Deus. Uma teologia do “encontro”
funda a crença na realidade de Deus em confrontação íntima
divino-humana. Os místicos apelam à experiência imediata a favor
de um deus além do bem e do mal, além da verdade e do erro, e
fora do tempo e do espaço. Sem dúvida a experiência não
interpreta a si mesma; não raro, a interpretação torna-se colorida
pela perspectiva religiosa, filosófica e cultural dominante. E as
experiências não autenticam a si mesmas nem são infalíveis.
Descartaremos então todas as crenças religiosas e filosóficas por
seu relativismo cultural?
Alguns dizem que a experiência religiosa é inexprimível na
linguagem. Mas nesse caso não se pode instar mais ninguém a ter a
mesma experiência. Se a experiência é indefinível, realmente se
conhece o que ela é? O caráter expressivo da proposição é, com
certeza, uma pré-condição para a avaliação de qualquer sistema. O
sistema que não se expressa por meio de proposições torna
desnecessárias afirmações de verdade compartilháveis e de modo
algum pode ser testado. De qualquer forma, pode-se mesmo ter a
experiência de outra pessoa? Ou essa interrogação apenas se oculta
atrás do predicamento egocêntrico e faz supor que uma experiência
deve ser minha se tenho de tê-la? Seja como for, a experiência é
incompleta e vulnerável à contínua suplementação e correção.
Além disso, algumas religiões — em especial o judaísmo e o
cristianismo — insistem que Deus não se relaciona com o universo
ou mesmo com todos os seres humanos de maneiras totalmente
uniformes. Pode alguém então realmente relatar a verdade não
qualificada acerca de Deus falando só com base na experiência
pessoal?
Em gerações anteriores, os empiristas alegavam que as
hipóteses explanatórias surgem dos dados experimentais
acumulados e princípios indutivos, as quais a experiência ulterior
pode então, na sequência, verificar. Contudo, não se experimenta
nem se pode experimentar o mundo físico de forma direta; nossos
dados experimentais consistem em sensações e impulsos
neurológicos. Alega-se, entretanto, que o mundo físico seja a causa
dessas sensações. A argumentação em prol da existência de outros
egos — humano e divino — estava semelhantemente baseada em
inferências oriundas das experiências conscientes.
Muitas vezes o argumento empírico passa dos dados da
experiência para realidades ou fatos além da experiência; do
mesmo modo, ele atribui a essas entidades transcendentes
qualidades não observadas por meio de experiências. O físico
raciocina partindo de leituras métricas nas câmaras das nuvens até
partículas subatômicas, ou partindo do projeto da natureza e indo
em direção a um Arquiteto divino onipotente. No entanto, ele tem
tão pouca experiência empírica imediata dos átomos quanto o tem
de Deus.
As “provas” da existência de Deus procediam da ordem da
natureza, ou de um padrão percebido de acontecimentos históricos
(sejam excepcionais ou recorrentes). Tal linha de argumentação foi
cada vez mais solapada, com a maior eficácia, por David Hume.
Hume advogou que os dados empíricos não podem verificar a
existência de Deus, a existência das causas, a existência do mundo
físico, até mesmo a existência a individualidade de alguém.
Pior ainda, como notou Hume, a argumentação empírica a
respeito de um Projetista onipotente parte de modo encoberto do
princípio de que o universo originou-se por meio da criação. Mas a
exclusão de outras possibilidades sobre a origem só se justifica
caso se tenha a experiência prévia da origem dos mundos.
Ademais, a existência do mal no mundo pode indicar um Deus
finito em vez de infinito. O projeto da natureza pode também ser a
obra de múltiplos poderes espirituais. (Mais tarde Darwin sugeriu
a variação por acaso e a seleção natural.)
Embora não haja consenso filosófico sobre como se deve
definir a experiência, os limites do empirismo científico (ou da
observação laboratorial) estão agora tão amplamente reconhecidos
que os empiristas estritos admitem que o método não pode
fornecer veredicto algum sobre entidades teológicas e imperativos
morais. A observação empírica lida com o fenomenal, com nossas
percepções sensoriais da realidade. As técnicas indutivas padrões
não nos permitem ir além dos dados percebidos.
No entanto, o que ocasiona as percepções sensoriais? A
escrivaninha assemelha-se a um objeto sólido, todavia, os físicos
dizem que ela é composta de eventos imperceptíveis. Bertrand
Russell observou: se “não podemos estar seguros da existência
independente de outros corpos humanos e, por conseguinte,
menos ainda da mente deles […] a totalidade do mundo exterior
não seria mais que um sonho, e só nós existimos”.[51]
Ao exame de “provas” empíricas a favor da existência de
Deus, muitos mestres nos cursos de filosofia da religião declaram
que ele não existe ou, caso exista, difere muito do Deus da Bíblia.
Nenhum teísta deve ficar aturdido pelas modernas declarações da
invalidade das supostas provas teístas. A importância dos
argumentos filosóficos empíricos, até o ponto em que são
construtivos, não é a capacidade de provar com demonstrações a
existência de Deus, mas sim que podem remover obstáculos à
incredulidade. Nenhuma das pretensas provas da existência de
Deus gera fé. Nem a experiência nem a história fornecem uma
concepção da realidade verdadeiramente completa; ambas
permanecem abertas ao amanhã. Um sistema explanatório
consistente não pode ser alcançado por método empírico algum.
As crenças básicas não são inferidas de forma empírica.
Dados experimentais são filtrados através das lentes cognitivas;
não se captam dados sensoriais vazios ou neutros. Compreende-se
a experiência no contexto de um arcabouço interpretativo de
crenças, de princípios em estrutura, ou de um mundo-figura basilar
que trazemos à experiência e dentro do qual, como um Weltbild ou
sistema de último plano, para citar Ludwig Wittgenstein, “todo
teste, toda confirmação e não confirmação de uma hipótese
acontece”.[52]
O papel decisivo dos pressupostos está cada vez mais
evidente à erudição científica do século XX. Os grandes avanços na
teoria científica moderna recente surgiram por intermédio de
postulação criativa em vez de observação indutiva. Como diz
Leslie Newbigin: “a fórmula credo ut intelligam é fundamental à
ciência”.[53] A física contemporânea fala de construtos teóricos
como Big Bang, partículas subatômicas e campo magnético não com
base na indução experimental, mas na intuição e imaginação. “Os
métodos de um cientista podem ser completamente empíricos”,
escreve Stephen Toulmin, “todavia, suas investigações não terão
direção nenhuma sem a orientação de um corpo de ideias
preexistentes”.[54] As deduções tiradas de hipóteses criativas
passam por testes laboratoriais subsequentes, e sua credibilidade
depende de uma série de confirmação ou não confirmação.
As teorias empíricas são sempre aceitas na ausência de prova
empírica. Não raro, elas ganham curso antes mesmo de verificação
empírica estar disponível. Algumas vezes os cientistas até
corroboram a existência de coisas antes que haja qualquer
observação delas (e.g., a lista estendida de partículas subatômicas;
buracos negros).
É comum os físicos mencionarem de forma rotineira a
“visão” de partículas subatômicas. Mas, como comenta Richard
Morris, o que eles observam de fato são bolhas de hidrogênio. A
estas eles igualam partículas “pequenas demais para serem
observadas diretamente, mesmo pelos mais poderosos
microscópios de elétron. Prótons e nêutrons, léptons, fótons e
quarks” são inferidos: “os físicos creem nelas porque podem ser
usadas para explanar muitíssimas coisas observadas em
laboratório… São conceitos que podem ser usados para codificar
uma enorme quantidade de dados sobre fenômenos naturais”.[55]
Niels Bohr observou uma geração atrás, que, embora leituras
laboratoriais em ponteiros e mostradores sejam “reais”, elétrons e
partículas subatômicas são modelos úteis.[56]
Em 1985, cientistas desenvolveram em Zurique um novo
tipo de microscópio capaz de aumentar um objeto 300 milhões de
vezes e de proporcionar retratos de átomos individuais que
compõem a superfície de objetos ordinários. Os átomos aparecem
como bolas indistintas ou protuberanciazinhas tão minúsculas que
4 bilhões deles enfileirados mediriam uma polegada. Mesmo assim,
o estudo dos componentes internos postulados pelos físicos — um
núcleo de prótons e nêutrons com uma nuvem de elétrons
orbitando — ainda continua a ser feito. Na verdade, muitos físicos
afirmam que os elétrons existem apenas como abstrações, como
construtos pragmáticos úteis que permitem aos cientistas
apresentar suas concepções da natureza de maneira sistemática.
Em suma, os elétrons são apenas postulados ou modelos teóricos
que facilitam a interpretação dos dados pelo experimentador.
A reflexão lógica e a imaginação criativa — alguns escritores
a chamam de “um salto no escuro” ou “conjetura inspirada” — se
encontram de forma plena, e até mais do que isso, na base das
ousadas novas teorias da ciência que a observação e a análise
experimentais. Com certeza Stephen Toulmin rejeita a ilação de
Arthur Koestler de que os cientistas tropeçam nas explanações
como sonâmbulos e, à parte do cálculo lógico e dos procedimentos
formais, “fazem descobertas teóricas por intuição cega e não
racional”.[57] O fato é que as teorias científicas são agora vistas
com menos frequência no contexto da verdade e consideradas mais
vezes construtos estéticos provenientes da contemplação mística
imaginativa mediante a qual os acadêmicos abordam a natureza e,
com criatividade, organizam os dados experimentais em um
padrão ordenado. Richard Morris sugere que a ciência teórica não
é diferente da arte; trata-se da “atividade que impõe ordem a toda
a miríade de aspectos da experiência humana”.[58] A essas
postulações teóricas não raro se confere peso maior que os dados
de laboratório, já que as teorias explicam fenômenos relevantes e
são capazes de aduzir algum apoio experimental.
Não mais os cientistas alegam identificar as próprias “leis da
natureza”. Muitos só falam sobre aproximações de leis semelhantes
e alguns, em vista de modelos que mudam com constância,
perguntam-se até que ponto a própria mente humana impõe à
natureza a ordem que professamos descobrir com criatividade.
Morris observa: “Há um sentido em que mésons, quarks e glúons
são sonhos… Eles existem ‘de verdade’? Com quase certeza
absoluta não”. Não obstante, “eles são reais no sentido de que nos
fornecem um quadro vívido e frutífero desse mundo… A ciência
busca criar retratos da ordem na natureza… tão logicamente
elegantes que não podemos duvidar que sejam verdadeiros”.[59]
Alguns acadêmicos cristãos usam essa abordagem da
postulação para promover a verdade provável do cristianismo.
David Elton Trueblood defende que o teísmo cristão enquanto
princípio cognitivo é o que melhor explica a experiência científica,
ética, estética, histórica e religiosa do homem.[60] Ele acredita que
o teísmo bíblico emprega uma asserção de verdade de alta
probabilidade por apresentar o cosmo ordenado (que pode ser
investigado pela ciência) e a ordem moral objetiva. Edward John
Carnell afirmou que o teísmo cristão comporta uma alegação
superior de verdade por explicar com lógica o mundo da existência
e da experiência com consistência e coerência maiores que a dos
rivais intelectuais.[61]
No entanto, David Wolfe alerta que o teísmo cristão torna-
se muito vulnerável se, como os postulados científicos, condiciona-
se a fatores que o tornam “mais provável ou menos provável”
baseado na verificação progressiva. Os credos da cristandade não
afirmam a encarnação divina com 60 por cento de probabilidade,
ou mesmo uma cosmovisão mais provável que qualquer
alternativa. Wolfe insiste, com correção, que a fé cristã encontra a
própria autoridade em outro lugar.[62]
Pelo lado negativo, Wolfe admite a impossibilidade da
verificação completa. Contudo, ele também insiste na
argumentação de Karl Popper sobre a igual impossibilidade da
prova decisiva de não validade, de sorte que qualquer discurso
sobre “grau de verificação” ou de probabilidade é
problemático.[63] Na pesquisa de dados naturais e históricos, o
que constitui um fato ou acontecimento e sua probabilidade de
ocorrência (e.g., a de um milagre) não é determinado à parte da
perspectiva teórica do intérprete.
As crenças explanatórias de alguém, nós dissemos, não estão
destiladas de dados não interpretados. Antes, nossa experiência se
torna possível por meio de um aparato conceitual através do que
interpretamos toda a existência e a vida. Em resumo, esse
arcabouço interpretativo é o que torna a experiência possível; de
resto, situamos alegações de dados nebulosos em um mapa
metafísico.
A crença em Deus é básica à tese cristã, e nenhum
argumento dedutivo partindo do não Deus é necessário para
justificá-la. Um intelectual pode estar correto, dentro dos limites
da propriedade epistêmica, caso subscreva à existência de Deus
mesmo na ausência de qualquer evidência empírica. Em contraste
com os esforços medievais para justificar a fé na existência de Deus
com base na teologia natural, os reformadores protestantes
sustentavam, sem qualquer argumentação racional, que a crença na
existência de Deus é racional e admissível. Nem por isso eram
fideístas: eles não defendiam a existência de Deus como uma
matéria de fé pura e contrária à razão.
Plantinga está certo quando insiste que a crença dos
reformadores não era sem fundamento, tampouco gratuita ou
arbitrária em sentido epistêmico, mas racionalmente justificável. Os
reformadores davam ênfase à autorrevelação inteligível de Deus e
ao fato da inescapável consciência humana. Eles sustentavam que,
por ser um aspecto da revelação divina geral, a verdade da
existência de Deus foi concedida na constituição da natureza
humana. Reafirmavam que ninguém escapa da convicção da
existência do Deus que se autorrevela. O cético pode dissentir
dessa ênfase. No entanto, o repúdio não altera a insistência dos
reformadores de que a crença em Deus é epistemicamente fundada
e justificável e, ademais, básica a todas as outras asserções de
verdade. E os reformadores não julgavam necessário “provar” a
existência de outros egos ou do cosmo. Não só o argumento
empírico é desnecessário para provar a existência deles, como
também nenhum argumento do tipo é válido.
A questão crucial relativa ao teísmo bíblico não se encontra
na correção e razoabilidade da crença aposta à evidência. É antes a
questão da evidência apropriada para confirmar com exatidão a
existência de Deus. Apenas os escritos dos ateístas devem ser
lidos? Ou a restrição deve abranger a leitura das obras dos
filósofos? Ou deve-se ler também a Bíblia e estudar a vida de
Jesus? A Bíblia, de modo notório, começa com o Deus vivo; ela não
o introduz tardiamente como conclusão de um silogismo
estabelecido sobre a observação meticulosa do não Deus.
Com certeza os ateus dizem que a fé na existência de Deus é
ilógica, e alguns teístas pusilânimes consideram a crença na
deidade judaico-cristã incompatível com a natureza do homem e
do cosmo. No entanto, acadêmicos esclarecidos não serão abatidos
por afirmações semelhantes.
No debate sobre o status ontológico de entidades não
observáveis de maneira científica, o positivismo lógico insistia que
os enunciados teóricos sobre as coisas não observáveis postuladas
devem ser definidos ou explicados nos termos das que se podem
observar. A alegação de que a expressão “Deus existe” é vazia em
termos cognitivos por não ser verificada pelos sentidos era
destrutiva como autorreferência; afinal, ela produziu a percepção
de que o princípio de verificação do positivismo desacreditava o
positivismo, não o teísmo. Alguns cientistas justificavam as coisas
não observáveis, não nos termos das regras lógicas, mas do
comportamento antecipado ou da estética. Outros esforços para
demonstrar o disparate lógico do teísmo cristão, como o
argumento de que, se Deus é um espírito incorpóreo, ele não pode
agir no mundo, repousam sobre a superficialidade filosófica.
Alguns filósofos analíticos, de forma mais destacada Alvin
Plantinga nos EUA e Peter Geach e Richard Swinburne na Grã-
Bretanha, insistem que as afirmações centrais do cristianismo são
coerentes segundo a lógica e racionalmente defensáveis. Stephen T.
Davis segue a ênfase de Plantinga de que os atributos de Deus
afirmados pela Bíblia não tornam a tese judaico-cristã
incoerente.[64]
Toda cosmovisão objetiva assegura que podemos conhecer
algo que todos os outros podem conhecer e no qual têm que crer.
E se professamos ter conhecimento compartilhável, essa crença nos
envolve em relacionamentos ulteriores às leis do pensamento, em
especial com as leis de identidade, de não contradição e do meio
excluído. O cristianismo não desdenha dos cânones da
racionalidade. Ele oferece uma rede lógica e completa de crenças.
Testes legítimos podem ser aplicados às alegações de
verdade dos divergentes modelos metafísicos que propõem
explicar toda a existência e a vida. Os axiomas de qualquer sistema
são passíveis de teste de consistência ou inconsistência com que
explicam os dados relevantes. Os axiomas perdem poder de
explicação caso se demonstre que os teoremas deles deduzidos são
logicamente inconsistentes.
A contradição e a inconsistência lógica expõem a invalidade
de muitas alegações de crenças. Visto que a segunda invalida
qualquer silogismo, a consistência lógica é um teste de verdade
negativo.
Contra essa ênfase na consistência lógica precisamente como
teste negativo da verdade teológica, John Warwick Montgomery
advoga a verificação empírica. No universo contingente,
argumenta Montgomery, um sistema até então não detectado pode
se provar mais consistente que a alegação cristã de revelação. Uma
demonstração da incoerência lógica de todos os sistemas não
cristãos existentes não ajuda muito, insiste ele, posto que “sempre
pode haver, no universo contingente, um sistema x + 1 contra o
qual contender”, de maneira que o teólogo pressuposicionalista se
defronta com um empreendimento infindável.[65]
Mas podemos nos agarrar apenas a sistemas conhecidos; não
somos convocados a inventar alternativas hipotéticas e consistentes
que ninguém até então postulou. Se Montgomery conhece um
sistema mais consistente que o teísmo bíblico, deve aduzi-lo. A
verdade do sistema cristão não é forçada a receber um status
empírico por um malogro no exame de todos os tipos de
possibilidades imaginárias inexistentes como possíveis opções. Isso
sem dúvida seria uma tarefa sem fim e de todo ilegítima.
É demais esperar que cada um de nós avalie exatamente
todas as posições metafísicas com igual meticulosidade. Todavia,
devemos pelo menos investigar opções cativantes que atraem as
massas humanas de forma perene. Não devemos, como propõe
Wolfe, investigar a autoridade de qualquer esquema que ofereça
“a visão mais rica, a esperança maior e os valores mais
poderosos”?[66]
Se as afirmações das revelações cristãs são verdadeiras,
nenhum sistema será, ou poderá ser, de algum modo mais
consistente. Outros podem existir, bem como vários subsistemas
consistentes (e.g., geometria), porém, esses são todos parciais.
Alguns campos, em especial a história, oferecem pouco acesso a um
sistema consistente. Enquanto a lógica prevalece, um sistema
consistente não pode estar falsificado.
Contra a abordagem pressuposicional, os teístas empíricos
professam construir sua argumentação apelando a “fatos”, não a
“opiniões”. Seu apelo deles ao universo ordenado ou à
ressurreição corporal de Jesus dentre os mortos como
demonstrações da existência de Deus excita, em reação, um acorde
no coração do fiel.
Contudo, pode um apelo aos “dados” da natureza ou da
história, à parte de qualquer invocação de revelação divina,
fornecer uma demonstração lógica da existência do Deus cristão ou
da factualidade da ressurreição corporal de Jesus? O raciocínio
histórico pode concluir que Jesus de Nazaré se revelou
indubitavelmente vivo depois da crucificação. No entanto, sem o
apelo adicional a uma Escritura acreditada ou a Deus em sua
revelação, pode o raciocínio histórico demonstrar que a deidade
transcendente ressuscitara a Jesus da morte para nunca mais
morrer, e que, além disso, o ressuscitou como as primícias da
ressurreição geral no fim?
Montgomery sustenta que a ressurreição de Jesus valida a
predição de Jesus sobre o acontecimento e o acontecimento por si
próprio como provas da divindade de Jesus. Mas os cientistas
dedicados à observação não raro descobrem que a validação
empírica do vaticínio, de per si, não valida a interpretação
particular. Há, sem dúvida, uma conexão entre a divindade dele e
a sua ressurreição, porém, a conexão não é percebida da forma
apropriada pela teoria de que a ressurreição, como acontecimento
histórico isolado, comprova a divindade de Jesus.
A crítica empirista à abordagem pressuposicional perde
força uma vez que se torna patente que os empiristas estão
carregados de pressupostos. Os cientistas empíricos supõem, por
exemplo, a linearidade do tempo, que os sentidos proveem
informação fiável, que se deve confiar na lógica, que teorias
válidas não devem se contradizer, que as leis atuantes em um lugar
e tempo no universo aplicam-se em todos os lugares e sempre, e
que o comportamento do universo é previsível. Tais suposições
não são empiricamente demonstráveis; na verdade, algumas são
parasitárias da herança judaico-cristã.
Robert C. Sproul, John H. Gerstner e Arthur Lindsley
criticam de maneira aberta o pressuposicionalismo e o retratam
como necessariamente fideístico — isto é, ele apela para a
confiança antes da evidência, e de modo independente dela. Eles
não distinguem tipos de evidência nem fazem justiça aos
pressuposicionalistas que insistem no princípio de verificação e no
teste de verdade. No entanto, mais deletério à mesma tese é o fato
de que eles evitam falar — ou falam pouco — sobre os próprios
pressupostos — a saber, a lei da não contradição, a validade da lei
da causalidade, bem com a confiabilidade básica da percepção
sensorial.[67] A atenção mais estrita ao primeiro desses princípios
— o da não contradição — teria suscitado sérias questões sobre os
outros, pois a causalidade pode ser compreendida de várias
maneiras. A insistência nas relações causa e efeito na natureza, que,
segundo parece, os autores têm em mente, há muito foram
abandonadas por diversos filósofos e cientistas no interesse apenas
de sequências previsíveis. Afirmar que a percepção sensorial é
confiável torna-se inútil a menos que os autores forneçam um
critério para distinguir as sensações confiáveis das não confiáveis.
Os pressupostos influenciam de maneira decisiva a
interpretação dos “dados”; a mesmíssima experiência convida a
divergentes interpretações em conformidade com os pressupostos
básicos do conhecedor. Darwin recordava que muito tempo antes,
quando acreditava na criação divina em lugar da seleção natural, a
magnificência da floresta brasileira reforçava sua “firme convicção
na existência de Deus… Mas agora as vistas mais grandiosas não
mais fazem com que quaisquer convicções e sentimentos do tipo
surjam em minha mente. É possível dizer de verdade que sou
como o homem que se tornou daltônico… Parece haver tanto
desígnio na variabilidade dos seres orgânicos e na ação da seleção
natural quanto no curso em que o vento sopra”.[68]
O importante apoio dos pressupostos na interpretação dos
dados empíricos é visto nas diferentes maneiras com que os
cientistas entendem a interação entre a atmosfera do nosso planeta
e a vida que ele sustém e, além disso, na adequação dos
organismos aos diversos ambientes. Owen Gingerich comenta: “A
perfeita sincronização dessa complexa configuração de
circunstâncias é bastante para aturdir e desnortear muitos de meus
amigos que olham para tudo isso em termos apenas mecanicistas —
a sobrevivência da vida na terra parece estar de tal forma por um
triz que chega às raias do milagroso. Não se pode ver aqui a mão
do projetista em operação?”.[69] Mesmo o ateísta sir Frederick
Hoyle agora considera a obra de “algum intelecto supercalculador”
a estrutura de ressonância nuclear de carbono e oxigênio e a
relativa escassez de carbono, sem o qual a vida humana seria
impossível.[70] “Mediante os olhos da fé”, diz Gingerich, “podem-
se ver numerosos vestígios da mão do projetista […] circunstâncias
da natureza impossíveis de compreender na ausência de design
sobrenatural… [Porém] tenho dúvidas de que alguém possa
converter um cético com o argumento do design…[71] Gingerich
afirma que Deus, Criador e Projetista do universo, “deu-nos […]
uma demonstração de seu amor de sacrifício na vida e morte de
Jesus” e chama os seres humanos ao amor sacrificial: “Confesso
que essa não é a conclusão lógica de minha linha de argumentação;
com efeito, é o início, o ponto de partida para um modo de
perceber a ciência e o universo”.[72]
Quem rejeita o sobrenatural inverte a argumentação e
reafirma o princípio antrópico; a existência, assevera, revela que o
universo nos sustenta. Os “fatos” aos quais os teístas empíricos
evangélicos apelam não são obviamente os “fatos” que um
naturalista empírico ou um filósofo do processo enxerga, visto que
os “fatos” nunca são neutros ou não interpretados. As premissas
subjacentes à explanação empírica das regularidades da existência e
da vida são mais o postulado criativo ou a afirmação da revelação
em busca da confirmação ou verificação que o produto da indução.
O esquema de interpretação pode ter raízes na intuição,
imaginação, tradição ou carga cultural, ou pode estar fundado na
mistura de todos esses fatores. Ele pode ser nebuloso e não
articulado, ou estruturado e articulado. Mas, como Wolfe observa:
“as asserções de verdade envolvem no mínimo suposições
metafísicas implícitas, mesmo quando quem as faz nega de forma
explícita a possibilidade metafísica. A alternativa à metafísica
explícita não é a neutralidade ou a não metafísica, mas sim a
metafísica ingênua e não examinada”.[73]
Os pressupostos interpretativos são agora bastante
reputados como apenas subjetivos ou condicionados pela cultura.
Se as crenças todas de alguém fluem apenas de predisposições,
então o relativismo se torna inelutável, se não inevitável. Além
disso, o relativista dogmático é logicamente incongruente quando
tenta excluir as próprias premissas da rede do relativismo. Se nada
é verdadeiro em sentido objetivo, então o relativismo mal pode
aventar a possibilidade de que os seus preconceitos sejam
verdadeiros.
A presença de cosmovisões rivais não implica a verdade de
nenhuma delas. Pode-se demonstrar que quase todas as
cosmovisões são contraditórias ou reducionistas ou culturalmente
relativas sem justificar a conclusão de que nenhuma cosmovisão é
verdadeira.
A justificação intelectual do que afirmamos é uma matéria
muito importante. O fideísmo afirma suas posições de maneira
peremptória: ele não aduz nenhum apoio racional, não pondera
nenhuma alternativa, nem avalia a consistência lógica de suas
alegações.
Sobre que base então se deve decidir o valor verdade de
arcabouços interpretativos divergentes que alegam mostrar o
sentido das variadas experiências díspares e não integradas? Por
quais autoridades avaliaremos as alegações rivais? A menos que
forneçamos alguma autoridade para nossas afirmações de
conhecimento, comenta Wolfe, “nossa crença não fundamentada é
sacudida com facilidade, mesmo que esteja correta”.[74] Apenas a
garantia suficiente para as nossas crenças pode nos proteger de
“mudar irracionalmente de ideia ou crer de forma irresponsável”.
A validade na lógica não envolve em absoluto conclusões
verdadeiras, mas saber se as conclusões são verdadeiras depende
de validade formal, e nenhum grupo de proposições internamente
inconsistentes pode ser verdadeiro na totalidade. Quando
explanações que presumem entender o sentido da existência e da
vida são se contradizem, a verdade das explicações fica
desacreditada. A maioria das pessoas, segundo Frederick
Copleston observa, são “preparadas para aceitar a suposição de
que […] podemos excluir qualquer teoria na exata medida de sua
autocontradição”.[75]
A consistência lógica é, não obstante, apenas um teste
negativo de verdade. Premissas autocontraditórias não podem ser
verdadeiras. Ao expor a inconsistência lógica de um esquema
interpretativo, questiona-se sua alegação de ser a verdade. No
entanto, embora a inconsistência lógica invalide qualquer alegação
de verdade, a consistência lógica de si mesma não comprova a
verdade de uma afirmação particular. É necessário muito mais que
apenas não abrigar uma contradição para um sistema ser
verdadeiro. Sistemas consistentes podem ser elaborados com base
em hipóteses apriorísticas rivais e mutuamente excludentes. As
premissas básicas podem ser aplicadas sem variação, como, por
exemplo, pela teoria da evolução naturalista e, no entanto, não
serem objetivamente verdadeiras. Ainda que uma variedade de
sistemas possa ser consistente, de maneira alguma se pode chegar
a um sistema consistente de modo empírico. Nosso malogro em
descobrir contradições em um sistema não assegura sua verdade; o
sistema pode ainda não estar plenamente desenvolvido para tornar
suas contradições óbvias. Podem-se deduzir muitos teoremas de
um conjunto de axiomas sem descobrir uma contradição inerente,
todavia, a contradição ainda pode surgir vários teoremas à frente.
Uma cosmovisão pode até conter alguns detalhes menores
que sejam falsos sem suas alegações maiores ficarem invalidadas.
Conter uma contradição identificável não necessariamente significa
que uma teoria seja falsa em sua inteireza. Da mesma forma, uma
teoria inválida pode ser suscetível de revisão e conservar seus
pontos capitais, eliminar todos os pontos secundários que
ocasionaram a contradição e surgir daí uma teoria nova e
totalmente consistente. No entanto, até — e a menos — que ela
seja assim revisada, a teoria não pode ser tida por falsa. Na
monumental história da filosofia De Tales a Dewey, há muito tempo
um texto acadêmico padrão, Gordon H. Clark destaca as
inconsistências até dos pensadores seculares mais prestigiosos; seu
estudo contém centenas de referências à lógica.[76]
O fato de que os axiomas seculares mais cedo ou mais tarde
denunciem sua incapacidade de explicar dados relevantes com
consistência não prova em e de si mesmo que a revelação cristã é
verdadeira. A verificação final ou prova da verdade de qualquer
esboço metafísico é impossível no presente. Contudo, as crenças
são filosoficamente significativas apenas caso se mostrem
verdadeiras para todas as pessoas, e se a autoridade para dizer
isso for aduzida. Em Uma visão cristã dos homens e do mundo, Clark
examinou com paciência as declarações dos movimentos filosóficos
contemporâneos e exibiu suas deficiências lógicas ao lado de uma
apresentação dos postulados cristãos.[77]
Só pode haver um sistema de verdade completo. Se o
sistema verdadeiro é completo, todo sistema falso deve conter
contradições.
Alguns acadêmicos insistem na coerência, isto é, na
afinidade interna de todos os enunciados em um único sistema de
asserções,[78] seja como uma alternativa à consistência, seja como o
teste de verdade, seja como um teste adicional de verdade. Da
mesma forma, Wolfe enfatiza a necessidade de um mapa conceitual
constituir um “sistema de asserções consistente e coerente”;[79] à
consistência e coerência ele acrescenta os fatores de abrangência
(aplicabilidade do esquema interpretativo a toda experiência) e
congruidade (adequabilidade do esquema interpretativo às
experiências cobertas).[80] Todavia, há de longe menos dificuldade
na identificação de um silogismo válido que na definição de
coerência.
Jerry H. Gill propõe três diretrizes para evitar sistemas de
crença errôneos: completa coerência, consistência interna e
fecundidade ética. A segunda diretriz — que demanda a exclusão
dos enunciados contraditórios e dos que contradizem as crenças
um do outro — é a mais importante, uma vez que sem consistência
interna as outras diretrizes entram em colapso. Não obstante, Gill
declara ser a consistência absoluta “impossível e desnecessária” e,
além disso, adota modos de falar inerentemente paradoxais que
“dão testemunho de mistérios profundos que revelam a
verdade”.[81] Essas concessões parecem roubar a importância
decisiva da consistência.
Lesslie Newbigin levanta questões quando identifica a
opção superior não por meio da “argumentação lógica”, e sim ao se
valer da “mais ampla racionalidade, da capacidade maior de dar
significado ao todo da experiência”, incluindo “esforços fiéis e
obediência custosa”.[82] Sem dúvida Newbigin reconhece que
“nenhum sistema de crença pode ser culpado pelo fato de repousar
sobre admissões de hipótese não provadas”,[83] e ele insiste que
nenhuma “‘prova’ racionalmente conclusiva” está em estudo. Mas
pode “a mais ampla racionalidade” recomendar uma opção se ela é
ampla o bastante para abarcar a contradição lógica?
“Uma cosmovisão livre de contradições internas é, nesse
sentido, intelectualmente superior”, observa Frederick Copleston,
“a outra em que são detectadas contradições internas”.[84] “É
improvável que alguém sustente com seriedade que uma teoria
incoerente seja superior à teoria logicamente coerente”.[85] “Uma
concepção autocontraditória é inaceitável, a menos que estejamos
preparados para depositar o ideal de coerência na lata de lixo;
nesse caso teria sido melhor procurar evitar a filosofia”.[86] Uma
cosmovisão dever ser completamente lógica para deter um amplo
poder de explicação. Copleston diz que “o uso primário do critério
da coerência lógica é excluir teorias em vez de provar a verdade
de qualquer teoria particular”.
Todavia, a coerência pouco significado tem, a menos que
pressuponha consistência; a coerência inconsistente mal pode servir
como teste negativo de verdade. O que um estudioso considera
coerente muitas vezes não é tomado assim por outro, mas é difícil
para ambos disputar a invalidade de um silogismo e mais ainda
comprovar a coerência de princípios logicamente inconsistentes.
Um sistema com ampla consistência abarcará todos os outros
critérios de verdade. A coerência é arriscada a ponto de
vulnerabilidade se tiver de acomodar a ilogicidade. A unidade da
verdade e a insistência na compatibilidade da teoria explanatória
com axiomas subjacentes e todos os dados relevantes não possui
chão mais firme que a consistência lógica.
O argumento de que o sistema cristão é circular porque
parte do que necessita ser provado aplica-se em primeiro lugar a
todos os sistemas, pois nenhum sistema existe sem axiomas
básicos. O fato é que todos os argumentos envolvem a
circularidade. A circularidade não é uma obrigação; não pode ser
um trunfo, se todas as premissas se enredarem na unidade
completa do discurso. Em um sistema logicamente consistente,
todas as proposições compreendem uma unidade abrangente em
que os elementos componentes encontram validade lógica. Inter-
relacionados em uma estrutura conceitual, os vários aspectos se
interpenetram para constituir um esquema categórico complexo.
Todo sistema consistente torna-se completo em si mesmo e
autossuficiente dessa forma, à parte de possíveis afastamentos
ilógicos do ponto inicial.
Entretanto, a verdade do sistema cristão, em muitos
aspectos importantes, é patente até aos profanos. Tal ciência se dá
devido à imago Dei, a qual, conquanto maculada, sobrevive de
forma universal na humanidade caída. Em virtude da presença da
imago Dei na espécie humana, não há duas pessoas com conjuntos
de crenças globalmente diferentes. Em outras palavras, a
cosmovisão cristã não envolve só a exposição teórica opcional da
totalidade das coisas, mas também a compreensão pré-científica
universalmente compartilhada da realidade, o entendimento que
inclui uma consciência cognitiva de Deus, de outros egos e do
mundo como uma unidade correlacionada no intelecto. Ainda que
algum conteúdo desse sistema de crença seja sempre partilhado
com outro, isso não significa que todos os sistemas de crença
contenham idênticos componentes de verdade. O arcabouço
interpretativo global em que as crenças são conservadas empresta
decisivo sentido a todos os componentes particulares.
O que invalida as concepções seculares é sua incapacidade
de explicar a existência e o sentido com consistência. O
darwinismo, por exemplo, considera as regras da lógica um
subproduto evolucionário e, desse modo, vê a verdade como
mutável. No entanto, nesse caso, o darwinismo não pode sustentar
a validade permanente das próprias afirmações. O naturalismo
declara que o universo é um sistema de realidade fechado, porém,
é inconsistente em demasia quando afirma que os seres humanos
podem de forma criativa introduzir seus valores preferidos na
natureza e na história. O humanismo insiste que a personalidade
não possui status supremo no universo, mas é inconsistente em
sentido lógico quando reafirma uma agenda social eticamente
imperativa congruente com os direitos humanos e a dignidade
universais. O behaviorismo insiste que todo pensamento e conduta
humanos são objetos de determinação psíquico-química; apresentar
suas posições como transcendentemente explanatórias é ilógico. O
existencialismo afirma que o compromisso pessoal autentica o
homem como agente criador de valor; sendo assim, ele não pode
pretender extrair a significação transcendente das distinções éticas
ou confirmar um universo existente de forma objetiva. Por mais
satisfação pessoal que possa dar, qualquer cosmovisão que
requeira a resignação a um sistema conceitual infectado pela
inconsistência lógica é indigno da alma de alguém.
Todos os sistemas que não a revelação judaico-cristã são
apenas parciais ou segmentados; geometria não é botânica, física
não é história. Só a revelação cristã abarca toda a realidade e pode
vindicar para as suas posições validade e verdade. Os cristãos
refutam a tese de que não há domínio de verdade epistêmica já
pronto ao qual todos os seres humanos estejam relacionados. Eles
repudiam a teoria de que a experiência primal é desestruturada e
sem significação e que não existe base para a validade e a verdade
objetivas. Eles rejeitam o relativismo pluralístico que descarta
todos os arcabouços religiosos por serem apenas imposições
pessoais com base na experiência ou formas prediletas e pessoais
de estruturar a realidade.
Pelo uso de axiomas e teoremas, o Espírito Santo aguilhoa e
persuade a mente a entender a natureza das coisas e curva a
vontade para crer nas proposições que a agência divina nos
capacitou a compreender. A cosmovisão cristã não envolve só
axiomas teóricos e princípios postulados — ou seja, um complexo
de convicção preferido que molde a perspectiva de alguém sobre a
realidade e a vida. No lugar disso, ela oferece verdades basilares a
todas as asserções significativas sobre a existência e o destino. As
abordagens alternativas estabelecidas sobre um falso ponto inicial
não conseguem justificar suas asserções com racionalidade.
A recente teologia dialética renega com ousadia as verdades
doutrinais reveladas. Mesmo em certos círculos reformados alguns
acadêmicos agora falam de doutrinas reveladas com grande
acanhamento e até combinam o autêntico compromisso cristão com
crenças errôneas. Nicholas Wolterstorff, por exemplo, nota que
“alguém pode insistir que […] certas proposições […] pertencem à
crença-conteúdo de todo compromisso cristão autêntico…
Provavelmente sim, mas com certeza são poucas e simples”.[87] Em
uma nota de rodapé ele acrescenta: “Pode até ser que a crença-
conteúdo de meu compromisso cristão autêntico contenha certas
falsidades. Não raro, no ensino de crianças, conta-se-lhes o que é,
em sentido estrito, falso. Assim também pode ser que algo do que
Deus diz para nós esteja, estritamente falando, acomodado à nossa
fragilidade. Todavia, pode ser que sejamos obrigados a acreditar
nisso”.[88] Sem dúvida, sugerir que a revelação divina possa
comunicar falsidades em que somos obrigados a acreditar, e que a
fé autêntica possa repousar em inverdades está em total desacordo
com o teísmo bíblico ortodoxo.
De acordo com Max L. Stackhouse, alguns céticos da razão
agora até “relativizam a razão sugerindo que a lógica da Ásia ou
da África, ou seja lá de onde for, é inteiramente diferente da nossa
lógica ocidental masculina… Alguns creem com tanta imensidade
nisso que rechaçam a ideia de qualquer evidência em contrário —
incluindo a muito bem-documentada tese de que a negação da
razão universal foi uma das mais importantes fundamentações do
facismo”.[89] Pode-se esperar que em religião, como em outros
lugares, a fuga da lógica seria deplorada em vez de emulada.
Resta a questão se os axiomas de explicações abrangentes e
as deduções feitas a partir deles de fato constituiriam a metafísica
da realidade ou seriam um sistema de lógica formal. Pode o
sistema logicamente consistente de proposições deduzidas de Deus
como ponto de partida desvendar a estrutura fundamental da
realidade?
Na atualidade, a objeção à lógica correlativa e à realidade
metafísica deriva-se muitas vezes da suposição de que a estrutura
ontológica básica do universo está em mudança evolucionária. No
entanto, semelhante teoria faz a lógica naufragar e reduz a
disparate qualquer asserção fixa e final que possa ser feita de
maneira inteligível sobre qualquer coisa.
Tomás de Aquino cria que Deus se encontra no primeiro
lugar da ordem ontológica, mas não da epistemológica, e que a
existência dele não pode constituir o ponto inicial do processo de
raciocínio dedutivo. No entanto, sua tentativa de arrazoar
partindo do não Deus para a existência de Deus com base,
também, na observação e no método empírico obscureceu a
própria realidade metafísica que ele esperava defender.
Outros argumentam que começar pela existência de Deus e
deduzir a partir dela a realidade do mundo equivale a dizer que a
criação divina é um princípio necessário; nesse caso, o mundo
emanaria em sentido panteísta de Deus como a conclusão resulta
das premissas. Portanto, os metafísicos não devem principiar com a
existência de Deus, dizem os críticos, caso se deva evitar a
identificação feita por Spinoza da ordem e conexão das coisas com
a ordem e conexão das ideias.
Tais objeções convencem com muita dificuldade.
Argumentar que não há jeito de ser bem-sucedido partindo da
lógica para a estrutura metafísica a não ser com base na
epistemologia panteísta ou idealista não convence. Se Deus é
soberano, qualquer universo derivado dele não precisa ser outra
coisa que não algo criado de forma voluntária. De fato, algum tipo
de emanação irresistível do universo macularia a divindade
intrínseca de Deus. A menos que se fale sobre o universo cuja
substância é não mental, não há razão para que um sistema lógico
não possa da mesma forma constituir e expressar a própria
natureza da realidade. No universo em que o Logos é a fonte e o
esteio da existência criada, a lógica é a forma da realidade.
4. Beber das Fontes Eternas
Raras vezes nas décadas recentes os apologistas cristãos
puseram o melhor do seu pensamento em evidência. A
argumentação a favor do teísmo bíblico não raro tem sido
enunciada de maneiras que de pronto apelam a auditórios
populares, mas acríticos, enquanto acadêmicos disciplinados
continuam não persuadidos.
Os crentes comuns — a espécie que teria ficado muito à
vontade nas igrejas cristãs mais primitivas — estão confiantes de
que o cristianismo tem credenciais superlativas, mesmo que eles
próprios não sejam capazes de articulá-las bem. Talvez possam ser
perdoados se, na busca de vindicação intelectual da ortodoxia
evangélica, saúdem de forma apressada pressupostos que
prometem a vitória imediata para seu mundo pessoal e seus
compromissos de vida.
Infelizmente, alguns são estimulados a pensar que precisam
“apenas crer” — não apenas crer que Deus pode fazer de forma
genuína o que os seres humanos não podem, mas também crer que
a procura de justificação racional para a esperança cristã é algo
ímpio. O fato é: “apenas crer” consiste na máxima que os
seguidores de religiões não cristãs também podem invocar. Um
apelo semelhante deixa as pessoas sem justificativas para escolher
entre muitas opções.
Com igual infelicidade, outros são incentivados à confiança
em argumentos infundados a favor da existência de Deus. Muitas
vezes argumentos semelhantes envolvem saltos lógicos que
isentam as pessoas da análise crítica cuidadosa. Os porta-vozes
evangélicos que se aventuram a “provar” Deus a partir do
universo, por exemplo, raras vezes são encontrados nas sociedades
de especialistas cujos membros estão aguardando para serem
convencidos. No lugar disso, os popularizadores da religião
alternam entre ouvintes ávidos pelo reforço da própria fé
mediante meras possibilidades ou probabilidades, em vez de por
meio da validade lógica.
Muita confusão existe entre os que apontam para a
experiência com ansiedade a fim de validar suas crenças. Na
verdade, só os menos disciplinados em filosofia afirmariam que a
fé cristã é inferida em sentido empírico ou experimental. O Deus da
Bíblia não é perceptível aos sentidos, e um método estritamente
empírico não tem competência para decidir a realidade do
sobrenatural. Alguns querem insistir que a fé cristã é verificável em
sentido empírico, seja de modo direto mediante a experiência do
novo nascimento, seja, pelo menos em parte, por intermédio da
confirmação experimental das asserções bíblicas. No entanto, a
experiência subjetiva não pode lidar de forma decisiva com o que
transcende à experiência e, em todo o caso, suas conclusões são
empíricas e revisáveis. Ademais, a experiência pessoal de alguém,
não importa quão intensa seja, não se pode tornar o fundamento
da confirmação religiosa de outra pessoa, ou então nos
depararemos com uma hoste de alegações rivais e imprestáveis
para distinguir a verdadeira religião da falsa. Se professamos ser
cristãos, nem a nossa experiência nem a de ninguém mais pode
constituir a base de nossas afirmações religiosas.
Mais perturbadora é a tese de que, pelo fato da fé cristã
possuir crenças nucleares não dedutíveis nem verificáveis de modo
empírico, não as devemos apresentar a outros a menos que em
primeiro lugar as tornemos críveis sobre o fundamento da
epistemologia não baseada na revelação. Em resumo, a
argumentação a favor do teísmo não deve ser apresentada com
base em seus próprios méritos, reafirmando-se “Deus em sua
revelação” como a base da experiência, mas deve ser antes
legitimada pelo apelo ao não Deus. Essa abordagem, segundo
minha avaliação, adia de forma desnecessária o apelo a “Deus em
sua revelação”, priva-se da Escritura inspirada como princípio
verificador e carece de validade lógica.
A questão em jogo aqui envolve a escolha entre os
chamados fideístas, evidencialistas e pressuposicionalistas
racionais. Em muitas igrejas fundamentalistas e instituições
acadêmicas evangélicas, prevalece o conceito evidencialista — que
é notavelmente ingênuo a respeito dos pressupostos ocultos sobre
“fatos” e “prova”. Ao pular qualquer discussão a respeito das
próprias suposições encobertas, esse evidencialismo torna obscuro
qualquer consenso amplo sobre justamente a evidência que se
supõe “provar”. Pior ainda, alguns evidencialistas alegam até o
apoio dos reformadores protestantes a favor do escolasticismo
tomista, como se Lutero e Calvino fossem afeitos à teologia natural
e à lei natural. Os reformadores, sugerem, ensinavam que, a
despeito da queda de Adão, sobrevive em caráter universal ali —
na espécie humana — um conjunto compartilhado de verdades
doutrinárias e princípios morais, conhecidos de modo
independente da revelação. No entanto, se alguma coisa deve ficar
clara a partir da leitura dos reformadores, com certeza é a de que
eles não eram tomistas — de forma consciente ou inconsciente.
Calvino afirma: em que pese o detrimento obrado pelo
pecado, em toda a parte os seres humanos já creem na existência
do Deus a quem devemos todos adorar e obedecer. Não fosse por
causa do pecado, ensinava ele, todos os humanos creriam em Deus
de forma natural. “Deus mesmo”, escreve, “implantou em todos os
homens certo entendimento de sua majestade divina” (Institutas, I,
iii, 1). “Alguma ideia de Deus está sempre viva nas mentes de
todos os homens” (III, ix, 3). Calvino escreve sobre as centelhas de
luz que ainda clareiam de modo universal a humanidade no
presente. Os seres humanos caídos não se encontram sem “algumas
noções” de justiça e retidão, nem desprovidos da percepção da
glória e majestade de Deus e mesmo de sua onipotência e justiça.
Contudo, em lugar nenhum Calvino converte essa percepção em
um conjunto de doutrina partilhado com todos e, como se supõe,
mantido pela humanidade caída, de modo independente da
revelação divina e com mera base na inferência retirada da
observação empírica.
Por vezes se levanta a questão do motivo de devermos nos
dar ao trabalho todo de procurar vindicar a credibilidade racional
da crença na existência de Deus já que todas as pessoas sabem
dela. No entanto, o teísmo é desafiado por muitas racionalizações
que precisam ser expostas pelo que são. As razões falsas da
incredulidade não raro se revelam desculpas que exprimem meros
desejos revoltosos.
No outro extremo, uns poucos fideístas influentes
(sustentadores de que nenhum teste racional é apropriado à
revelação divina) promovem de forma desnecessária a impressão
enganosa de que todos os pressuposicionalistas são subjetivistas,
perigosamente irracionais e desprovidos na integralidade de
conexão com a vida real. Eles incentivam o entendimento errôneo
de que o pressuposicionalismo evangélico é arbitrário — que ele
rejeita e rebaixa a racionalidade e desafia a razão.
Uma consequência inevitável dessas posições extremas,
evidencialistas ou fideístas, é a compreensão imprópria do
relacionamento entre os pressupostos, a fé, a razão e os “fatos”. O
resultado só pode ser uma forma defeituosa de crença e prática
cristãs.
Entre as fraquezas de grande parte da erudição evangélica
hoje está a negligência das fontes primárias que ajudaram a moldar
a história do pensamento. Como consequência, há a falta de
conhecimento generalizada com o grande debate sobre a relação
entre revelação e razão.
Nos sucessivos séculos do desenvolvimento do pensamento
cristão, a revelação e a razão têm sido retratadas em três
relacionamentos bastante diferentes: a via tertuliana, a via
agostiniana e a via tomística.[90] De maneira divergente, essas
contrastantes formas de descrever caracterizam as relações
“revelação e razão” em termos de antítese e síntese.
A chamada concepção tertuliana (baseada em alguns dos
comentários de Tertuliano) exclui os testes racionais como
inapropriados à revelação; de fato, diz-se que ela considera a razão
humana um absurdo ou paradoxo, devendo ser aceita só com base
em seu fundamento intrínseco. De acordo com essa abordagem
fideísta, procurar de alguma maneira justificar a fé na revelação
com base na razão é formar uma opinião errônea da natureza
daquela; a revelação divina exige fé pura, com isso forçosamente
encarando a razão humana como paradoxo. O cristianismo exige a
crença naquilo que se apresenta à mente não regenerada como
essencialmente absurdo, assim afirmam os fideístas. Na opinião
fideísta, a revelação divina não pode e não deve ser testada em
sentido racional para determinar sua validade e verdade.
Nenhuma validação preliminar que admita ou permita a revelação
apenas sobre fundamentos racionais ou lógicos é apropriada.
A ligação primária de Barth com o fideísmo jaz na
insistência inicial de que a revelação é não proposicional, uma
premissa que erode a validade universal do conteúdo da
revelação. Barth rejeita todas as cosmovisões filosóficas como
barbarismo intelectual e alheias à Palavra de Deus. Sua negação de
que a revelação contenha verdades válidas, como sua alegação de
que a Palavra de Deus é conhecida somente em decisão e
obediência íntimas, priva a inteligibilidade da revelação divina e
de qualquer critério universal de sentido e verdade teológicos.
Barth defendia que a revelação divina não é julgada com
propriedade pela razão finita e pecaminosa, mas transcende as
categorias humanas de pensamento e experiência; além disso, seu
corolário é a fé, definida como dom divino de resposta obediente,
sem envolver o assentimento intelectual a qualquer proposição. No
entanto, Cristo e os apóstolos não introduziram novas técnicas de
entendimento ou novos testes de verdade. Eles esperavam que os
seres humanos aplicassem as leis lógicas indispensáveis ao
pensamento significativo em caráter universal.[91]
Em contraste com o fideísmo, os conceitos agostinianos e
tomistas rejeitam qualquer exposição da revelação e da razão em
termos de todo antitéticos. Elas insistem que a revelação
transcendente divina é racional e que o cristianismo é
intelectualmente coesivo. Todavia, Agostinho e Tomás divergiam
sobre se a epistemologia cristã começava com a revelação/fé ou
com a observação empírica.
A via agostiniana era a via seguida não só por Agostinho,
mas também em caráter mais amplo por Anselmo e pelos
reformadores protestantes. De fato, o segundo buscava
demonstrar a necessidade da encarnação e da expiação divinas sem
invocar a revelação bíblica, e Lutero afirmava ser um nominalista
em filosofia, malgrado seu agostinianismo. Entretanto, eles
compartilhavam em grande parte a convicção de que a
revelação/fé tende à compreensão racional.
Portanto, enquanto a via agostiniana principia com a fé,
como a tertuliana, não obstante, diverge muito do fideísmo. Dado
que o termo pressuposicionalista é agora aplicado livremente a
qualquer um que comece pela fé/revelação, os
pressuposicionalistas racionais são confundidos com muita
facilidade com os fideístas, que desaprovam qualquer teste
racional das crenças doutrinárias. No entanto, a via agostiniana
insiste na justificação intelectual.
O pressuposicionalismo racional difere do fideísmo no fato
de o primeiro saudar a aplicação de quaisquer testes de
consistência e validade racionais à revelação, ao passo que o
segundo os rejeita. Ele se separa da ênfase comum atribuída a
Tertuliano — nem sempre com justiça[92] — de que a revelação
divina encara a razão humana como paradoxal. Ele resiste com
tenacidade à posição dos teólogos dialéticos e existenciais do
presente século sobre a existência de uma antítese necessária entre
a verdade revelação e o conhecimento metafísico, bem como de
reputar a teologia e a filosofia como inimigas implacáveis.
O pressuposicionalismo racional, em contraste com o
fideísmo, não apoia a disjunção entre fé e razão. Ele insiste que
toda a humanidade pode compreender a revelação de Deus e,
ainda por cima, assimilá-la antes da regeneração ou da iluminação
especial pelo Espírito Santo. A humanidade, na presente condição,
é capaz de analisar com o intelecto a evidência racional a favor do
valor verdade das asserções a respeito de Deus.
Em oposição à adoção tomista da teologia natural, o
pressuposicionalismo racional agostiniano e o fideísmo tertuliano
insistem que a revelação divina é o único caminho do
conhecimento da realidade religiosa transcendente. Em contraste,
a via tomista é evidencialista. Ela afirma que o entendimento
especulativo deve preceder a fé/revelação. Tomás de Aquino
presumia, portanto, fornecer provas lógicas ou demonstrações da
existência de Deus, da alma e sua imortalidade apenas ao se basear
nas observações empíricas do universo, sem apelo algum à
revelação.
Em oposição ao fideísmo, o pressuposicionalismo racional se
junta ao evidencialismo ao insistir na racionalidade intrínseca de
Deus e do universo criado. A objeção à via tomista não diz
respeito à defesa do papel teológico legítimo da razão nem à
insistência na revelação divina inteligível; em ambos os aspectos, o
pressuposicionalismo racional e o tomismo se mantêm opostos ao
fideísmo. Entretanto, surgem nítidas diferenças sobre a pretensão
tomista de inferir uma prova supostamente demonstrativa da
existência de Deus partindo apenas da observação empírica, sem
recorrer à revelação.
O pressuposicionalismo racional cristão não parte do
princípio de que o raciocínio filosófico é a única fonte de
conhecimento confiável. A mente do homem não está vendada à
divindade. A revelação divina transcendente, não o raciocínio
humano, é a fonte da verdade; a razão partilhada com todos é o
instrumento outorgado por Deus para reconhecer a verdade. Em
contraste com os empiristas, o epistemologista verdadeiramente
cristão não considerará apenas a sensação como fonte de
conhecimento imutável, mas reputará os vereditos do empirismo
inadequados e instáveis.
A razão humana não tem capacidade inerente de criar
significado duradouro. O que nós humanos projetamos sempre
possui relações incertas com a realidade. A questão decisiva acerca
da inter-relação entre revelação e razão é a dedução do conteúdo
governante do raciocínio filosófico da revelação transcendente, ou
a elevação do raciocínio humano como instrumento supremo ou
secundário de revelação, vendo-o, portanto, como autoridade final
ao lado da Palavra de Deus, ou em lugar dela. O teísmo cristão
resiste à intrusão de princípios conjecturais no sentido constitutivo
da verdade da revelação.
A Bíblia, sem dúvida, não nos apresenta uma epistemologia
elaborada de forma abrangente. Entretanto, seu conteúdo implica
uma teoria do conhecimento e até provê importantes esteios para
ela. A Escritura, por exemplo, não considera a razão um emergente
evolucionário tardio que pode mais cedo ou mais tarde envolver
leis da lógica novas e alternativas. Sem receio, ela declara o caráter
central do Logos à divindade. Com efeito, a Escritura afirma com
toda a solenidade que Deus é a fonte e o fundamento da razão e
da verdade, e que a imago Dei em que ele criou e preserva a
humanidade inclui as faculdades racionais e morais. A Bíblia nos
exorta a que nos apresentemos a Deus, denominando a isso culto
racional (Rm 12.1).
É particularmente necessário enfocar o papel dos
pressupostos contrastantes em sistemas de crença divergentes. As
pressuposições são absolutamente cruciais para a maneira como
alguém relaciona sua experiência com a realidade.
O cristianismo não difere de outros sistemas de crença pelo
fato de ter suposições distintivas; todos os sistemas de crença as
têm. O sistema de crença sem pressupostos é como um edifício que
se ergue sem um plano arquitetônico e fundações seguras.
Há boa razão para a existência do ceticismo saudável a
respeito dos pressupostos, visto que os seres humanos se entregam
a tantos deles. Não obstante, essa manifesta divergência de
maneira nenhuma justifica o preconceito a respeito da validade da
admissão de hipótese. Todavia, nesta era de vadiagem espiritual,
não só os incrédulos, mas até muitos cristãos professos estão
estorvados com pressuposições que não apenas divergem entre si,
mas também das dos escritores bíblicos. O mais importante de
tudo é a questão do fundamento legitimador. Pressuposições
significativas não existem sem compromisso lógico. Esse
fundamento não fará apenas alçar ao status preferido todas e
quaisquer suposições congeniais aos preconceitos próprios de
alguém. Se professamos tratar de mais do que opinião subjetiva e
esposar a verdade transcultural, então a legitimidade ou
ilegitimidade dos pressupostos particulares é de importância
crucial.
Faz-se necessário algum comentário a respeito da
formulação a favor de “modos de pensar não ocidentais”. Com
certeza, há muitas formas de pensamento ocidental que não têm
validade maior que muitos pensamentos asiáticos ou africanos. Em
nossa era “espaço e mídia”, pontos de vista rivais e conflitantes
encontram-se dispersos em todo o globo.
Todavia, alguns ecumenistas rotulam com menosprezo a
ortodoxia evangélica como “ocidental”, enquanto promovem a
teologia neo-ortodoxa ou a filosofia social de orientação marxista
como se essas opções estivessem livres de causas geográficas,
presumindo serem elas de significado universal. Alguns teólogos
da libertação latino-americanos, por exemplo, depreciam o
capitalismo por ser “dos EUA”, enquanto promovem o socialismo
como se esse fosse nativo.
No entanto, a real queixa ouvida com frequência a respeito
do pensamento ocidental surge da suposição de que as mentes
orientais e ocidentais de alguma maneira funcionam com formas de
raciocinar em essência diferentes. O pensamento ocidental, dizem-
nos, é idealmente lógico, ao passo que o oriental é intuitivo ou, em
qualquer circunstância, não muito preocupado com antítese lógica.
Subjacentes a tal contraste estão, naturalmente, duas
diferentes concepções de realidade. Os hindus e alguns budistas
sustentam que a realidade suprema é o Tudo divino e os seres
humanos são manifestações finitas da divindade. Todos os
contrastes estão engolfados pelo inclusivismo infinito; o Brama-
tudo ou o Buda-tudo abarca todas as coisas existentes. O chamado
pecado é apenas finitude ou incompletude. Pelo fato de o finito
ser, em essência, parte do “todo”, qualquer juízo divino adverso
da parte envolveria o repúdio divino dos elementos de sua
natureza.
Em contraste, o cristianismo confirma ser Deus o Outro
transcendente, o Criador do universo espaço-tempo em sentido
ontológico não Deus. A humanidade, é preciso admitir, porta a
imago Dei por criação, mas esse relacionamento é muito diferente
do da parte para o todo. Da mesma forma, a humanidade até porta
a imagem divina, mas só em alguns aspectos, e de modo mais
notável as faculdades racional e moral e o domínio do cosmo
debaixo de Deus. Não menos importante, a raça humana, caída na
rebelião espiritual, jaz sob a ira divina, sem perspectiva alguma de
redenção e restauração à parte da graça imerecida de Deus
prometida e cumprida em Jesus Cristo, o único Mediador
encarnado e divino.
Tais teses conflitantes sobre a natureza humana essencial são
mais fundamentais do que as diferenças raciais ou culturais.
Entretanto, nem mesmo a mentalidade oriental é redutível a
uma concepção da realidade em termos de “parte e todo” em vez
de “criatura e Criador”. A suposta forma asiática de pensamento é
diferente até mesmo entre os asiáticos. Em realidade, não há
nenhuma perspectiva, oriental ou ocidental, que não seria assistida
por um bom curso de lógica, ou que não sacrificaria logo a
validade universal se negligenciasse a lei da contradição. As leis da
lógica não são um preconceito especulativo imposto em dado
momento da história como desenvolvimento filosófico transitório.
Nem elas envolvem uma forma ocidental de pensar, mesmo que
Aristóteles as possa ter afirmado de um modo organizado. As leis
da inferência válida são universais; elas são elementos da imago
Dei. Na Bíblia, a razão possui significado ontológico. Deus mesmo
é a verdade e a fonte da verdade. O cristianismo bíblico honra o
Logos de Deus como a fonte de todo o sentido e considera as leis
do pensamento um aspecto da imago.
Nem mesmo a queda da humanidade no pecado anulou a lei
da contradição. O efeito noético do pecado é sério, pois impede a
disposição do homem de meditar no conteúdo próprio do
pensamento humano. Mas ele não deforma nem destrói os
componentes da lógica e da razão. As proposições verdadeiras em
sentido universal antes da queda, e que fazem parte da revelação
proposicional de Deus permanecem existindo assim, malgrado a
queda.
A abordagem pluralística para com as religiões do mundo,
agora frequente, promove a necessidade de relançar o evangelho
de outras formas que não a do “pensamento ocidental”, e em
“lógica” outra, não ocidental, como se a lógica fosse uma invenção
aristotélica. Semelhante ênfase amiúde relativiza a teologia cristã e
a substitui por filosofia não bíblica, sob o disfarce de missão cristã.
As suposições filosóficas arbitrárias da destrutiva Alta
Crítica repetidas vezes se esfacelam sob o peso esmagador das
asserções inconsistentes em sentido intelectual e sem apoio
escriturístico. Não precisamos aceitar de pronto os pressupostos
que com tanta pressa tendem a levar os críticos céticos a atribuírem
os livros da Bíblia a escritores alheios, a conferir-lhes datas
posteriores aos dias dos profetas ou aos dos apóstolos e a traçar o
ensino dos segundos a partir de tradições estrangeiras. Repetidas
vezes o que foi proclamado como conquista da erudição objetiva
por partidários do naturalismo mais cedo ou mais tarde foi visto
apenas como um reflexo de premissas epistemológicas
questionáveis. O que um escritor quis dizer pode ser subvertido
com rapidez por admissões de hipótese arbitrárias concernentes ao
propósito da narrativa; as pressuposições de um intérprete muitas
vezes desviam o sentido textual da intenção do autor. As correntes
suposições acerca da historicidade do entendimento dissolvem a
objetividade das alegações de verdade — exceto (devemos supor)
a da historicidade do entendimento! Contudo, se sábios modernos
como Heidegger e Bultmann podem, sem revelação divina,
alcançar informação de validade abrangente de alguma espécie, em
princípio nenhuma objeção pode ser levantada contra profetas e
apóstolos que retransmitem a revelação transcendente com base na
iniciativa divina. O dogma da historicidade do entendimento não
só destrói a normatividade de toda e qualquer comunicação, como
é também autodestrutivo.
O sistema de crença cristão é mais completo que as
alternativas que reduzem e distorcem a realidade última. No
entanto, essa não é a única coisa importante a se dizer sobre o
cristianismo. Nenhuma alegação com inconsistência lógica pode ser
válida. Dado que o cristianismo suporta o teste de consistência
racional, suas crenças controladoras não ficam desqualificadas pelo
teste negativo da inconsistência cognitiva. Além disso, o
cristianismo já passou pela revolução científica; as religiões não
bíblicas ainda têm de fazê-lo.
Outra coisa, a fé cristã não está desprovida de confirmação a
partir das evidências. Os evidencialistas apontam com presteza
para o mundo e o homem como evidência a favor de Deus. Em vez
disso, o pressuposicionalismo racional aponta para a Escritura.
Enquanto os evidencialistas procuram erigir uma argumentação a
favor do infinito fundada no finito, e professam deduzir Deus
como conclusão partindo da natureza, os pressuposicionalistas
racionais inferem o cosmo a partir de Deus, como fez o escritor do
relato da criação no Gênesis. Assim agiu o apóstolo Paulo quando
se dirigiu aos mestres filósofos reunidos na colina de Marte
(At 17.24ss). Mesmo na grande passagem de Romanos 1.18, em que
Paulo enfatiza a revelação universal e contínua de Deus, do seu
eterno poder e divindade por meio da natureza a penetrar no
âmago do ser humano, o apóstolo põe a declaração no contexto da
iniciativa divina: “Deus lho revelou” (1.19, BJ) é a premissa
governante.
O que então invalidaria a criação divina? Só se a Escritura
inspirada ensinasse que Deus não criou o universo! Os
evidencialistas podem apontar para a ordem ou harmonia da
natureza como evidência incontestável ou “prova” de que ele
existe. Mas seguramente a desordem da natureza — e não apenas
sua ordem — pode também ser compatível com a existência de
Deus. O fato é que a realidade ou existência da natureza não é em
absoluto decisiva a favor da existência divina.
Dada a teologia pressuposicional, inevitavelmente se levanta
a questão sobre o papel da apologética na enciclopédia teológica.
Ela pode, de modo natural, atender às funções de esclarecer
crenças, de desafiar outras cosmovisões e religiões, bem como
implementar a persuasão evangelística. Mas não pretende defender
o cristianismo em termos de sua subscrição de ideias alheias ou da
compatibilidade com elas. A revelação racional é sua melhor
defesa; toda tentativa de escorá-la por meio de apelos a
argumentos empíricos, evidências ou provas vulneráveis só pode
realizar um desserviço a ela.
Toda verdade é, em última instância, verdade de Deus, e a
mente humana é o instrumento divinamente dotado para
reconhecê-la. O Espírito Santo utiliza a verdade como meio de
persuasão. Mas a fé cristã envolve mais que assentimento
intelectual; é, na verdade, um completo compromisso corpo-alma.
A fé é dom de Deus. O Espírito Santo vincula a validade das
afirmações cristãs ao poder regenerador.
O sistema de crença cristão, que o cristão sabe estar
alicerçado na revelação divina, é relevante a tudo na vida. Para as
multidões incrédulas de nosso tempo, a recente abjuração moderna
do Deus conhecido em sua autorrevelação torna a totalidade da
vida em um pandemônio. Nossa sociedade é a primeira na história
moderna a se aventurar a erigir uma civilização sobre fundamentos
irreligiosos; bem pode ser a última.
O naturalismo mitigado (chamado na maioria das vezes de
“humanismo secular”) está perdendo o sorriso à medida que se
deteriora em lúgubre paganismo. Os notavelmente poucos
princípios fixos sobre os quais o humanismo insistia estão em
desavença nítida com um dossel conceitual debaixo do qual todas
as alegações são consideradas relativas em sentido cultural e
engolfadas pela temporalidade. A insistência humanista na
dignidade, nos direitos humanos universais e nas prioridades
ecológicas foi uma tentativa de salvar as aparências, enxertando
uma agenda moral em uma metafísica de processos e eventos
essenciais, na qual somente a significância transitória se liga a todo
e qualquer imperativo cognitivo e ético. O naturalismo não pode
prover razão conclusiva alguma porque o autointeresse radical não
deve ser o altar-mor sobre o qual todos os princípios podem ser
sacrificados com proveito. De fato, o naturalismo não pode dar
motivo algum para levar a sério a razão ou a si mesmo.
Embora pagãos, até os antigos filósofos gregos clássicos
avisam-nos por meio de seus escritos que nenhuma sociedade
estável pode ser construída à parte da verdade e do bem perenes e
que qualquer eclipse dessas realidades rouba a sobrevivência
humana de sentido e valor. Os escritos deles, entretanto, não são a
última palavra. Ecoando desde a criação até o Calvário e a
consumação, a Palavra eterna de Deus convida a humanidade
sedenta à fonte que nunca se seca, à Água da Vida que, sozinha,
sacia a sede dos peregrinos afligidos verdadeira e plenamente.

[1] Bob E. Patterson, Carl F.H. Henry (Peabody, MA: Hendrickson, 1983).
[2] Admiring the Sistine Chapel: Reflections on Carl F.H. Henry's God,
Revelation and Authority. Themelios 25.2 (2000): 48-58.
[3] Na excelente autobiografia, Henry diz o seguinte: “Não havia orações com
a família, nenhum agradecimento à mesa e nenhuma Bíblia em nossa casa”. V.
Carl F. H. Henry, Confessions of a Theologian: An Autobiography (Waco: Word
books, 1986), p. 17-8.
[4] A família Henry havia se mudado para Long Island em 1920, adquirindo
uma pequena fazenda ali.
[5] Timothy George e David S. Dockery (eds.), Theologians of the Baptist
Tradition. Nashville: B&H Publishing, 2001, p. 280.
[6] Confessions of a Theologian, p. 66.
[7] Timothy George e David S. Dockery (eds.), Theologians of the Baptist
Tradition. Nashville: B&H Publishing, 2001, p. 280-1.
[8] Southern Baptist Journal of Theology 8, no. 4 (2004).
[9] Henry foi para Universidade de Cambridge em setembro de 1968,
dedicando meio ano de pesquisa ao livro sobre epistemologia que escreveria e
outra metade do ano ao livro sobre ontologia.
[10] As diversas palestras, proferidas em 1989, foram publicadas com o
formato de livro pela Zondervan em 1990 intitulado: Evangelical Affirmations. A
palestra de Henry foi publicada com o título “Who are the Evangelicals?”.
Entre outros autores, destacam-se James I. Packer, David F. Wells, Donald A.
Carson e Os Guinness.
[11] House, Remaking the Modern Mind.
[12] A obra apareceu em três séries de 2 volumes entre 1976 e 1983. Em 1999 a
Crossway Books reimprimiu os volumes e esses foram pela primeira vez
vendidos como coleção.
[13] “Happy 100th Birthday Carl F.H. Henry”, publicado em 20/1/2013, no
site http://www.russellmoore.com/.
[14] Recovering Classic Evangelicalism: Applying the Wisdom and Vision of Carl F. H.
Henry (Wheaton, IL: Crossway Books, 2013).
[15] Recovering Classic Evangelicalism, p. 24.
[16] Wissenschaft é uma palavra alemã que designa o estudo ou a ciência que
envolve a pesquisa e o estudo sistemáticos, incorporando ciência, aprendizado,
conhecimento e erudição. [N. do R.]
[17] De acordo com Thornbury, Toward a Recovery of Christian Belief se encontra
entre as obras menos conhecidas de Henry (p. 41).
[18] Carl Henry dedicou o livro Remaking the Modern Mind ao que chamou “Os
três homens de Atenas”: Gordon Haddon Clark, Cornelius Van Til e William
Harry Jellema. V. Carl F. H. Henry, Confessions of a Theologian, p. 111.
[19] God, Revelation and Authority, Volume 1. Wheaton, IL: Crossway Books,
1999, p. 10.
[20] Problemas nas teologias sistemáticas surgidas após a publicação dos seis
volumes, como concessão de essenciais evangélicos mediante o recurso à
teologia narrativa e ao pós-modernismo.
[21] Ibid., p. 8.
[22] The Closing of the American Mind: How Higher Education Has Failed Democracy
and Impoverished the Souls of Today's Students (New York: Simon and Schuster,
1987).
[23] Israel and Revelation, Volume 1 de Order and History. Baton Rouge, LA:
Louisiana State University Press, 1956, p. 316.
[24] Jesus and the Kingdom of God (Grand Rapids: Eerdmans/Paternoster), 1986.
[25] “Psychodelia and American Religion”, The World & I, August 1988, p. 588.
[26] Cf. Paul Van Buren, The Edges of Language: An Essay in the Logic of a Religion
(New York: Macmillan, 1972).
[27] O impacto desconstrucionista está agora evidente também na esfera da
literatura. A seita francesa da crítica literária, regulada por Roland Barthes,
promove de maneira enérgica a ideia de que o autor de um poema ou romance
é apenas o instante iniciador a ser movido pela postura criativa do leitor (S/Z,
Paris, 1970). Tal desenvolvimento, como observa David L. Jeffrey, envolve a
“destruição” do autor, a obliteração do texto real e por fim a liquidação da
literatura (“Caveat lector: Structuralism, Deconstructionism, and Ideology”,
Christian Scholar's Review, XVII:4 [June 1988], p. 436-48, p. 437). A linguagem
desarticula-se do sentido, com sua redução a um “livre jogo de explicadores”,
tornando-se o embasamento para, nas palavras de Jeffrey, “um movimento-
c r í t i c o inerentemente comprometido com a destruição da valoração
transcendente ou referencial na literatura — e, desse modo, com eficácia,
erradicar a iniciativa acumulada de 2000 anos de investigação na hermenêutica
ocidental” (ibid., p. 443). A retórica e ideologia monológicas substituem o
discurso inteligível e a verdade compartilhável. Assim, Jacques Derrida
tornou-se o controverso precursor de um grupo de críticos literários, incluindo
Jonathan Culler, Paul deMan, Michael Riffaterre e Barbara Johnson.
Um movimento afim, conhecido como desconstrutivismo, surgiu entre
arquitetos que rejeitam a forma e a simetria clássicas. Herbert I. London nota
que eles deliberadamente desenham prédios “que parecem fragmentados e
acidentais” — paredes inclinadas, chãos em declive e mesmo paredes e soalhos
que não se tocam. “O edifício justifica a meta do criador quando parece estar à
beira do colapso”. (“Architectural Anarchy”, American Arts Quarterly, verão de
1988, p. 16s.).
[28] O “Cão do Céu” (Hound of Heaven) é um poema religioso de 182 linhas
escrito pelo poeta inglês Francis Thompson. De início, choca o título — Cão do
Céu — dado ao Onipotente, pois o autor associa a perseguição incessante de
um cão de caça à presa com a busca sem cessar empreendida pelo Deus
gracioso atrás da alma perdida. [N. do T.]
[29] “Fideism”, em The Encyclopedia of Philosophy, Paul Edwards (ed.). New
York: Macmillan, 1967, vol. 3, p. 201.
[30] The Heretical Imperative: Contemporary Possibilities of Religious Affirmation
(Garden City, NY: Doubleday/Anchor Press, 1979).
[31] Trecho extraído da edição brasileira publicada pela Edições Loyola,
Volume 1, 2ª edição, janeiro de 2003. [N. do R.]
[32] The Structure of Scientific Theories (East Lansing, MI: Michigan State
University Press, 1977).
[33] “The New Interactionism Between Science and Religion”, Religious Studies
Review, Vol. 14, # 3 (July 1988), p. 218-24.
[34] Carl F. H. Henry, God, Revelation and Authority, 6 Volumes (Waco, TX:
Word Books, 1976-1984). Volume 1: God Who Speaks and Shows: Preliminary
Considerations.
[35] “Geometry”, in The Encyclopedia of Philosophy, 8 volumes, ed. Paul Edwards
(New York: Macmillan, 1967), volume 3, p. 285-90, p. 290.
[36] The Nature of Mathematical Knowledge (New York: Oxford University Press),
1983.
[37] “Mathematics as Empirical”, Science, volume 225, Number 4664 (August
24, 1984), p. 825ss. (Revisão de Kitcher, The Nature of Mathematical Knowledge).
[38] “Atheism”, The Trinity Review, July/August 1983, p. 1-4, p. 4.
[39] “Advice to Christian Philosophers”, Faith and Philosophy, Volume 1,
Number 3 (July 1984), p. 253-71, p. 260.
[40] “Advice to Christian Philosophers”, p. 260.
[41] Ibid., p. 261.
[42] Beyond the Post-Modern Mind (New York: Crossroad), 1982.
[43] Models of Revelation (Garden City, NY: Doubleday), 1983, p. 30ss.
[44] Myths, Models and Paradigms (New York: Harper & Row, 1974), p. 30ss.
[45] Thought and Knowledge: Essays. Ithaca, NY & London: Cornell University
Press, 1977, p. 212.
[46] Models of Revelation, p. 14.
[47] Mere Christianity. New York: Macmillan, 1945, p. 33. [Publicado no Brasil
com o título Cristianismo puro e simples (São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009)].
[48] Christianity and Power Politics (Hamden, CT: Shoestring Press/Archon
Books, 1969), p. 207.
[49] Rationality in the Calvinian Tradition, eds. Hendrik Hart, Johan Van der
Hoeven & Nicholas Wolterstorff. Lanham, MD: University Press of America,
1983, p. 67.
[50] Edinburgh: Andrew Elliot, 1970; reimpr., Grand Rapids, MI: Eerdmans).
[51] The Problems of Philosophy. New York: Oxford University Press, 1912, p. 17.
[52] On Certainty, G. E. M. Anscombe & G. H. von Wright (eds.), transl. D. Paul
& G. E. M. Anscombe (New York: Oxford University Press, 1969), par. 105.
[53] Foolishness to the Greeks: The Gospel and Western Culture. Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1986, p. 71.
[54] The Return to Cosmology: Postmodern Science and the Theology of Nature.
Berkeley, CA: University of California Press, 1982, p. 25ss.
[55] Dismantling the Universe. New York: Simon and Schuster, 1983, p. 203.
[56] Atomic Theory and the Description of Nature. New York: Macmillan, 1934.
[57] The Return to Cosmology, p. 132. Cf. Arthur Koestler, The Sleepwalkers (New
York: Macmillan, 1959).
[58] Dismantling the Universe, p. 206.
[59] Ibid., p. 207.
[60] Philosophy of Religion (New York: Harper and Brothers, 1957), p. 74ss.
[61] An Introduction to Christian Apologetics (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1956),
p. 89ss.
[62] Epistemology: The Justification of Belief (Downers Grove, IL: InterVarsity
Press, 1982), p. 35ss.
[63] Conjectures and Refutations: The Growth of Scientific Knowledge (New York:
Harper & Row, 1968), p. 33ss.
[64] Logic and the Nature of God (Grand Rapids, MI: Eerdmans), 1983.
[65] Where is History Going? A Christian Answer to Secular Philosophies of History.
Grand Rapids, MI: Zondervan, 1969, p. 177.
[66] Epistemology, p. 68.
[67] Classical Apologetics: A Rational Defense of the Christian Faith and a Critique of
Pressupositional Apologetics. Grand Rapids, MI: Zondervan, 1984, p. 72ss.
[68] Citado em Daniel J. Boorstin, The Discoverers (New York: Random House,
1983), p. 471ss.
[69] “Let There Be Light: Modern Cosmogony and Biblical Creation”, em Is
God a Creationist? The Religious Case Against Creation Science, ed. R. M. Frye. New
York: Scribner, 1983, p. 133.
[70] “The Universe: Past and Present Reflections”, Engineering Science,
novembro de 1981, p. 8-12.
[71] “Let There Be Light”, p. 132, 135.
[72] Ibid., p. 136.
[73] Epistemology, p. 57.
[74] Ibid., p.15.
[75] Religion and the One: Philosophers East and West. New York: Crossroad, 1982,
p. 38.
[76] São Paulo: Cultura Cristã, 2012.
[77] Brasília: Editora Monergismo, 2013.
[78] Dorothy Emmet, The Nature of Metaphysical Reality (New York: Macmillan,
1967).
[79] Epistemology, p. 53ss.
[80] Ibid., p. 55.
[81] On Knowing God: Directions for the Future of Theology. Philadelphia:
Westminster, 1981, p. 144.
[82] Foolishness to the Greeks, p. 64
[83] Ibid., p. 148.
[84] Religion and the One, p. 252.
[85] Ibid., p. 254.
[86] Ibid., p. 255.
[87] Reason With the Bounds of Religion. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1976, p. 71.
[88] Ibid., p. 113, n. 38.
[89] An Ecumenist's Plea for a Public Theology, This World, 8 (Spring/Summer
1984): 47-79, p. 75.
[90] Carl F. H. Henry, “Theology and Philosophy”, em Henry, God, Revelation,
and Authority, 6 volumes (Waco, TX: Word, 1976-1984), Volume 1: God Who
Speaks and Shows: Preliminary Considerations, p. 181-201.
[91] Carl F. H. Henry, “The Method and Criteria of Theology” em ibid., p. 213-
44.
[92] Em réplica a Marcião, Tertuliano escreve sobre as doutrinas cristãs como
ofensivas à razão: “Pois o que é mais indigno de Deus, o que mais
provavelmente causaria rubor de vergonha, que ele devesse nascer, ou que
devesse morrer? Que ele devesse levar a carne, ou a cruz? Ser circuncidado ou
ser crucificado? Estar no berço ou estar no ataúde? Ser posto em uma
manjedoura, ou em uma tumba? […] Tu não serás ‘sábio’ a menos que te tornes
um ‘tolo’ para o mundo, crendo nas ‘coisas estultas de Deus’… O Filho de Deus
foi crucificado; eu não fico envergonhado disso. E o Filho de Deus morreu;
nisto se deve crer absolutamente, porque é absurdo. E ele foi enterrado, e
ressurgiu; o fato é certo, pois que é impossível” (De Came Christi, 6.1, 4 [Corpus
Christianorum, Series Latina, Turnhout, 1953ss., Vol. I, p. 800, linhas 2-9, p. 881,
linhas 26-29]). Oskar Skarsaune repara que a citação é muitas vezes abreviada
para credo quia absurdum “causando o mal-entendido de que Tertuliano foi um
racionalista só no início. Nada disso. Seu argumento era bem racional. O
caráter inverossímil da doutrina cristã da encarnação revela que ela não foi
resultado de cuidadosa consideração [a dupla negativa é intencional]; em
outras palavras, deve ser verdadeira”. (Incarnation — Myth or Fact?, trad.
inglesa do norueguês por Trygve R. Skarsten [St. Louis: Concordia, 1990],
Capítulo 1, n. 16)

Potrebbero piacerti anche