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Introdução psicológica
Chama-se afetividade a capacidade de experimentar sentimentos e emo-ções. A afetividade
compreende o estado de ânimo ou humor, os sentimen-tos, as emoções e as paixões.
Jean Delay define o estado de ânimo ou humor como "a disposição afe-tiva fundamental, rica em
todas as instâncias emocionais e vitais, que dá a cada um dos nossos estados de ânimo uma
tonalidade entre dois pólos, um patético e outro apático. Na esfera tímica, que engloba todos os
afetos, o humor representa um papel similar ao que a consciência tem na esfera noéti-ca, que
engloba todas as representações; é, portanto, a mais elementar e ao mesmo tempo a mais geral".
Para Bleuler, o humor consiste na "soma total dos sentimentos presen-tes na consciência em dado
momento". É a tonalidade afetiva que acompa-nha os processos intelectuais (percepções,
representações, conceitos) em de-terminado momento e que varia de acordo com as circunstâncias.
Os esta-dos de consciência estão a todo instante impregnados por esta tonalidade afetiva
fundamental, pois todo ato intencional encerra desde a sua origem uma tonalidade afetiva, do
mesmo modo que nenhum estado afetivo é des-provido de significado. No estado de ânimo há a
confluência de uma vertente somática e de uma vertente psíquica, que se unem de maneira
indissolúvel para dar como conseqüência um colorido especial à vida psíquica momentânea.
Por último, os sentimentos espirituais. Esses sentimentos estão subordi-nados aos conteúdos das
vivências. Trata-se de sentimentos relativos ao nú-cleo da personalidade. "A atitude afetiva de uma
pessoa em determinada si-tuação deriva do núcleo de sua personalidade, o que se poderia chamar
o seu eu, e ocasiona, espontaneamente, as intelecções condicionadas sentimen-talmente, as quais,
por sua vez, podem funcionar depois de algum tempo co-mo núcleos de cristalização plenos de
sentido para seus sentimentos e ten-dências valorativas" (Störring). A beatitude, o desespero, o
remorso, a paz e a serenidade espiritual são exemplos desta suprema região da vida emocio-nal, na
qual o ser pessoal não está entregue a nada alheio, pois "são precisa-mente o ser e o valor por si
mesmo da própria pessoa que constituem o fun-damento da beatitude ou do desespero" (Scheler).
A emoção é um estado afetivo intenso e complexo, proveniente de uma reação ao mesmo tempo
psíquica e orgânica, do indivíduo inteiro contra cer-tas excitações internas ou externas (Lahr). A
emoção está na dependência dos centros diencefálicos e acompanha-se normalmente de reações
neuro-vegetativas do Sistema Nervoso Autônomo (motoras, secretoras, viscerais, vasomotoras) e
psíquicas, que se manifestam objetivamente pela expressão da emoção.
Hipertimia
Na exaltação patológica há não só euforia, mas, também, aumento da convicção do próprio valor e
das aspirações. Vai acompanhada de acelera-ção do curso do pensamento, que pode chegar à fuga
de idéias, desviabilida-de da atenção e certa facilidade para passar rapidamente do pensamento à
ação. A instabilidade afetiva desses enfermos se traduz pela extrema facili-dade com que eles
passam da euforia à tristeza ou à cólera. O estado de âni-mo é o da distimia expansiva. Nos estados
de exaltação patológica os enfermos dão a impressão de mais jovens, há aumento do turgor vitalis,
manifes-tações de apetite voraz e de excitação sexual, insônia, grande facilidade dos movimentos
expressivos e tendência irresistível à ação.
Hipotimia
Os sintomas somáticos são evidentes. As alterações vasomotoras se re-velam pelas mãos frias e
cianosadas, pela cianose dos lábios e pela hipoter-mia. São freqüentes os espasmos vasculares,
com elevação da pressão arte-rial, palidez da face e diminuição do turgor vitalis. Os doentes dão a
impres-são de mais velhos. As perturbações digestivas são constantes: língua sa-burrosa,
inapetência, prisão de ventre. As perturbações circulatórias ocasio-nam um sentimento subjetivo de
opressão na região cardíaca, determinando a chamada angústia precordial.
A depressão patológica é um dos sintomas fundamentais dos transtor-nos mentais afetivos, em sua
fase melancólica. Estados depressivos podem ser observados em todos os quadros psicóticos e
neuróticos. Mas, nos trans-tornos mentais afetivos a depressão tem uma origem endógena, está
ligada a fatores afetivos internos, que escapam à compreensão do doente. Nos qua-dros neuróticos,
ao contrário, a depressão é reativa, isto é, psicogênica, originando-se de situações compreensíveis
e de experiências desagradáveis. A sua anormalidade está apenas na intensidade e na duração do
estado de-pressivo, que não corresponde às causas que a determinaram. Além disso, costuma
desaparecer com relativa facilidade quando se modifica a situação externa desfavorável, enquanto
na melancolia a depressão é inacessível às influências exteriores.
Bleuler salienta com muita razão que a apatia, no sentido de que a afetividade esteja
completamente abolida, não se observa nunca em nenhum trans-torno psicótico. Entretanto, a
diminuição dos móveis afetivos é um sintoma constante em várias enfermidades mentais. Na
esquizofrenia, por exemplo, os autores antigos admitiam a existência de um "embotamento afetivo",
no sentido de uma derrocada completa da afetividade. Observações posteriores revelaram que
nesta enfermidade não existe, "embotamento afetivo"; ao con-trário, as alterações afetivas são
devidas aqui a um "transtorno da coordena-ção" entre os sentimentos e o pensamento. O que se
verifica, na realidade, é uma alteração qualitativa dos processos afetivos, tornando os sentimentos
dos esquizofrênicos inadequados e inteiramente incompreensíveis para as pes-soas normais. Os
enfermos se conservam apáticos e indiferentes diante de situações emocionais ou se manifestam
alegres ante acontecimentos que, nor-malmente, provocam tristeza.
Indiferença afetiva e uma completa ausência de "sensibilidade moral" são observadas em certas
personalidades anormais (os psicopatas), especialmente naqueles indivíduos os quais Kurt
Schneider chama "insensíveis". Diz Schneider: "São indivíduos destituídos de compaixão, de
vergonha, de sentimento de honra, de remorso e de consciência". Muitos assassinos são
personalidades anor-mais insensíveis. A indiferença afetiva revelada por certos criminosos
habi-tuais pode conduzir ao erro de considerá-Ios como esquizofrênicos. Bonhoef-fer deixou uma
descrição muito viva das alterações afetivas reveladas por es-tes delinqüentes: "O sintoma se
manifesta sob a aparência de estoicismo dian-te de situações que se tornariam desagradáveis e até
insuportáveis para um indivíduo são. Em primeiro lugar, a simples inação (não fazer nada), que se
torna tão desagradável - quando muito prolongada - às pessoas normais, persiste e se observa
nesses pacientes durante meses seguidos, inclusive no mais absoluto isolamento, sem que nem por
um instante sequer revelem al-guma iniciativa ou manifestem verdadeiro desejo de trabalhar. Muitas
vezes contrasta com esta indiferença uma rápida e quase impulsiva compreensão da situação, por
exemplo, diante da impossibilidade de evasão". Esse estado de apatia, de indiferença emocional,
assemelha-se a certos casos de inafeti-vidade dos hebefrênicos. Mas uma indiferença afetiva real,
no sentido de uma incapacidade para sentir emoções delicadas, só é observada nas
personali-dades psicopáticas insensíveis. Kurt Schneider chama a atenção para a parti-cularidade
de que nem todos os "psicopatas insensíveis" são obrigatoriamente anti-sociais, pois existem as
naturezas de aço, os "indivíduos capazes de mar-char sobre cadáveres".
Admitia-se antigamente que nos estados demenciais e na deficiência men-tal existe uma obrigatória
deficiência da afetividade. Entretanto, Bleuler mos-trou que, nesses casos, o transtorno se concentra
na capacidade de raciocí-nio e não no campo da afetividade. "Os pacientes perderam o conceito do
que é permitido, do que é bom e do que é belo (moralmente falando), e, por conseguinte não podem
por isso revelar sentimento algum. Quando se con-segue, por qualquer artifício, fazê-Ios
compreender uma situação, a reação afetiva correspondente aparece sem deficiência,
manifestando-se, ao con-trário, muitas vezes mais intensa e mais fácil pela diminuição das funções
ini-bidoras. A idéia de que o déficit intelectual congênito se acompanha, como regra geral, de um
déficit afetivo deve também sofrer limitações" (Bumke).
Exemplo - "A minha condição espiritual, a situação dos meus sentimen-tos é incompreensível, é um
estado de impossibilidade de sentir emoções. Não posso, mesmo que queira, experimentar amor ou
ódio; não tenho nenhu-ma espécie de emoções, não consigo sentir alegria, por exemplo, nem muito
menos tristeza; não tenho medo de nada, nem de ninguém, nem de nenhum perigo. Quando houve
o tremor de terra na semana passada, eu me encon-trava no salão de bilhar e todos saíram
Sentimento de insuficiência
Sentimentos inadequados
Exemplo - "A paciente, com 18 anos de idade, não apresentou altera-ções durante os anos
escolares. Ao término do curso primário fez a aprendi-zagem de costureira, realizando durante os
dois primeiros anos excelentes progressos na profissão. No terceiro ano, inesperadamente,
adoeceu. Não po-dia trabalhar nem se alimentar, perdeu a capacidade de concentração e so-mente
após grande esforço conseguia tomar alguma decisão. Tinha a impres-são de que o mundo se
tornara pardacento. No primeiro surto, pobre de sin-tomas, houve remissão com o tratamento
insulínico. Nove meses depois apre-sentou o segundo surto, acompanhado desta vez de excitação,
que motivou a sua internação. Aparentemente, não presta atenção ao que acontece em torno de
sua pessoa, porém conhece pelos nomes o médico e a enfermeira e sabe perfeitamente que se
encontra internada numa clínica. O comporta-mento é alternante: ora está tranqüila no leito, ora
começa a andar de um lado para outro, desfaz a cama, dirige cumprimentos amistosos às pessoas
e, subitamente, começa a gritar e a cuspir em todas as direções, sem levar em conta as pessoas
que se encontrem em sua frente. De vez em quando grita como uma desesperada. Ao ser levada ao
refeitório, experimenta a co-mida, joga o prato para longe e grita para a enfermeira que estão lhe
dando veneno. Em seguida ri de maneira descontrolada, dá gargalhadas. Depois de algum tempo,
durante o qual se manteve tranqüila e abordável, começa a in-sultar as pessoas presentes e entre a
torrente de insultos intercala gargalha-das, corre de um lado para outro, grita, lançando impropérios.
Pouco a pouco vai ficando tranqüila e depois de algum tempo se mostra tão atenciosa como em
seus tempos de normalidade. Um tio materno é alcoolista crônico. Uma irmã e dois irmãos sofrem
de esquizofrenia" (Bash).
Nos quadros de estado de defeito da esquizofrenia é muito comum verificar-se que o enfermo revela
sentimentos e esta-dos de ânimo qualitativamente novos, na maioria das vezes indefinidos e
incompreensíveis. Os pacientes fazem referência a senti-mentos de pavor, desespero, de solidão,
de desprezo social, ou a senti-mentos de beatitude e de iluminação divina.
Diz Nágera que a indeterminação dos sentimentos, unida à mudança de qualidade, determina o
aparecimento de inexplicáveis sentimentos de solidão, de inadaptação ao ambiente, de encontrar-se
fora do mundo, "de não estar de acordo consigo mesmo", de revelar contradições em seus mais
íntimos sentimentos.
Pânico
O pânico consiste numa vivência de extraordinária repercussão psí-quica, tão intensa em certos
casos que se tem tentado denomi-ná-Ia de reação neurótica de pânico. Trata-se de uma síndrome
fugaz obser-vada em raras ocasiões, principalmente na guerra, nas grandes catástrofes e nos
Honório Delgado descreveu um quadro clínico denominado de "reação neurótica de pânico", como
uma reação aguda provocada por situações in-tempestivas de grande perigo, o que causa profunda
impressão. A resposta emocional é de terror pânico, com alterações momentâneas da consciência.
É observada nas situações de catástrofes, especialmente em pessoas predis-postas
emocionalmente. Os sintomas vinculados ao estado emocional, com violenta repercussão somática,
são os seguintes: estupor, estupor emocio-nal, vertigens, lipotimias, relaxamento muscular, vômitos
e incontinência vesi-cal e intestinal, ou, ao contrário, tempestade motora, excitação intensa
acom-panhada de gritos. Em uma ou outra forma costumam apresentar-se vários graus de
perturbação da consciência, algumas vezes idéias deliriformes, ou sim-ples desorientação, com ou
sem amnésia subseqüente. Passada a causa ime-diata, a crise desaparece por completo, ainda que
nem sempre de imediato: este é o traço distintivo das reações histéricas, cujas reações persistem
du-rante longo tempo. Por sua vez, tem sido observado em grandes catástrofes que indivíduos
propensos a manifestações histéricas se comportam de ma-neira normal, ou vêm a apresentar
fenômenos histéricos reativos depois de passado o perigo. O prognóstico nem sempre é bom: as
pessoas frágeis que tenham apresentado em alguma ocasião uma reação de pânico, em situações
de real perigo, por exemplo, as de trabalho em minas ou na aviação, podem apresentá-Ia de novo
sem que exista maior risco de volta a suas ocupações habituais. Nesses casos, impõe-se a
mudança de ambiente.
No Transtorno do Pânico é importante a identificação do, assim chamado, ataque de pânico. Neste
momento, o sentimento de abandono do indivíduo é tão intenso que impede nossa comunicação ou
qualquer outra abordagem consigo.
O pânico vem acompanhado de uma revolução autonômica: taquicardia, sudorese, tremores, falta
de ar, dor no peito, náusea, ondas de calor e arrepios, despersonalização e por aí vai. No homem o
mais comum é a sensação de morte iminente, em geral, por infarto do miocárdio; nas mulheres, a
mais temida é a sensação de estar enlouquecendo.
Confesso que tenho certa resistência em usar a expressão Doença do Pânico, ou mesmo, Síndrome
ou Transtorno do Pânico, como se tem insistido há mais de duas décadas. Para mim este quadro
sempre existiu, isto é, nada tem de novo. Virou modismo, da mesma forma que a Doença de
Alzheimer, que é muito rara. Preferimos chamar às crises de angústia pânica que se repetem de