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Polícia Militar e cotidiano violento em São Mateus

Mateus Zangali1

Resumo:
O texto tem por objetivo analisar como o grupo de rap “Consciência Humana” registrou a
violência policial cometida contra os moradores da região de São Mateus na década de 1990 no
álbum do grupo gravado em 1997, “Entre a Adolescência e o Crime”. Para tanto, utilizarei como
marco conceitual as reflexões desenvolvidas pela filósofa húngara Agnes Heller na sua obra “O
quotidiano e a História”.

Palavras chaves: Polícia Militar, violência, São Mateus, Zona Leste, cotidiano.

Introdução

Heller nos demonstra que é na vida cotidiana que podemos apreender o


desenvolvimento do curso histórico e sua “substância” social e histórica, que é um “complexo
determinado, com um método de produção determinado, apresentando ainda classes,
camadas, formas mentais e alternativas igualmente determinadas”, sendo o ser humano o
sujeito dessa substância que a realiza.2 Todos vivem a vida cotidiana e ninguém está imune à
sua dinâmica, pontua a filósofa, sendo o cotidiano uma produção social e histórica que
carrega em si determinadas condições materiais e organizações institucionais com diversas
finalidades, formando as visões de mundo das pessoas que vão se constituírem em referências
para a construção de respostas e ações frente aos desafios dos quais elas se deparam; logo,
para compreendermos como o grupo de rap Consciência Humana apreendeu, elaborou e agiu
frente ao problema da violência urbana, é mister contextualizarmos , mesmo que brevemente,
a região de São Mateus em seus aspectos sociais e econômicos na década de 1990, traçando
um breve histórico de formação da região.
São Mateus foi o resultado de uma série de loteamento de uma antiga fazenda que,
desde o fim do século XIX, passou por vários donos, até ser adquirida por uma família de
descentes italianos, zoneando e vendendo a propriedade em pequenos lotes para a formação
do que hoje conhecemos como “Cidade de São Mateus”. A partir da década de 1950 a região
começa a ser ocupada por um grande contingente de migrantes provindos de diversas regiões

1
Aluno do programa de pós graduação Lato Sensu “História, Sociedade e Cultura”, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
2
HELLER, Agnes. O quotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1972. p. 12
do país, sobretudo da região Nordeste, estimulados pelo desenvolvimento industrial da região
do grande ABC que gerou inúmeros postos de empregos3. Ao longo das quatro décadas
seguintes a região passa por um adensamento populacional e muitas áreas sofrem com o
crescimento demográfico desenfreado e não planejado pela administração pública com
ocupações de terrenos particulares e públicos por uma massa de pessoas desprovidas de
habitação própria, ou impossibilitadas de pagarem aluguel e que foram, em não raros casos,
desalojadas de suas habitações localizadas em pontos mais próximos do centro da cidade e
perto dos seus postos de trabalhos, por planos urbanos gentrificadores nas décadas de 1980 e
1990 perpetrados por prefeitos como Jânio Quadros e Paulo Maluf.4

Periferia paulistana

Como todas as periferias e favelas5 da cidade de São Paulo, São Mateus sofre com
inúmeros problemas estruturais e sociais, como a falta de equipamentos públicos, gratuitos e
acessíveis de lazer; de produção artística e que possibilite várias formas de sociabilidade. A
carência de equipamentos que sanem as demandas de saúde e ofereçam uma educação
alinhada com a realidade e os problemas vivenciados pela população discente também
configuram e caracterizam a região, compondo esse quadro a falta de emprego e/ou empregos
com remunerações que possibilitem a pessoa viver para além do mero subsistir, e que permita
ela ter acesso a uma gama variável de bens e serviços; fenômeno que poderíamos associar sua
intensificação em conjunturas de crise financeira global e nacional, como a que o país
perpassou na década de 1980 e adentrou a década seguinte com altos índices de desemprego e
inflação, tendo sua superação em governos posteriores com políticas de distribuição de renda
e de acesso ao consumo, paralelamente seguindo os ditames de um receituário neoliberal em

3
Disponível em: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/sao_mateus/historico Acesso
em: 18/04/2019
4
KOWARICK, Lúcio. Viver em Risco. Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34. 2009
5
O termo “favela” é utilizado aqui como a produção de um espaço da cidade a margem dos critérios legais de
ocupação planejada do solo e alvo de políticas públicas diversas pelo poder do Estado. “Periferia” é
empregado nesse texto no seu sentido histórica e socialmente construído, e não geográfico/espacial,
significando uma região sócioeconômica marginalizada e detentora de piores índices de desenvolvimento
humano em comparação com regiões de classe média e classe alta. Por exemplo, o bairro do Tatuapé está
situado na mesma região de São Mateus - Zona Leste, mas não é considerado um bairro de periferia pelo seu
nível de desenvolvimento social e econômico. Isso se dá também com outros bairros de outras regiões, como
por exemplo, Perdizes x Perus na Zona Oeste, Morumbi x Capão Redondo na Zuna Sul e etc. Nesse sentido, ver:
CARLOS, Ana F. A. A natureza do espaço fragmentado in: SANTOS, Milton et. ali. Território. Globalização e
Fragmentação. São Paulo: HUCITEC. 4. ed. 1994; TANAKA, Giselle M. M. Perifeira. Conceitos, práticas e
discursos. Práticas sociais e processos urbanos na metrópole de São Paulo. São Paulo, 2006. Dissertação de
Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU - USP. TASCHNER,
Suzana Pasternak. Favelas em São Paulo. Censos, consensos e contra sensos. São Paulo: EDUC. Cadernos
Metrópoles, n. 5, 2001
sua política econômica que privilegiasse o capital financeiro e vários setores da burguesia,
lançando mão de uma estratégia política de conciliação de classes6 que não trouxe a resolução
de problemas que assolam a região há décadas, como a violência urbana, de modo geral, e a
violência policial, especificamente7. Violências registradas na década de 1990 por um grupo
de rap formado na região de São Mateus, trazendo a tona e divulgando a agressividade dos
soldados da Polícia Militar paulista contra as e os habitantes da região no dia a dia que
anunciavam a continuidade de um dos aspectos (a violência do Estado representada na
instituição da Polícia Militar) do então recém período encerrado da ditadura militar - ainda
presente no nosso tempo8, praticando atos de violência física e moral que perpassavam desde
xingamentos e chutes nas canelas das pessoas nas abordagens, até invasões de casas e
assassinatos aleatórios de jovens, sobretudo negros.
Kowaric constata que houve uma melhora nos padrões de vida de pessoas residentes
em favelas paulistanas na década de 1990 comparadas à década de 1970, porém, essa melhora
não expressou um aumento significativo na qualidade de vida dos seus habitantes. “Nesse
sentido, em meados dos anos 1990, quase 60% dos aglomerados localizavam-se em margens
de córregos e 12% sobre lixões, sem falar de vastas áreas que, pelo menos em parte do seu
território, situam-se em terrenos de erosão ou de grande declividade”. 9 Sob uma condição
social aviltante, soma-se a pecha de um território violento e de “lugar de bandido”,
imprimidos por habitantes de outras áreas com melhores condições de infraestrutura e de
maior renda que vão caracterizar, já naquela década, as pessoas que habitam regiões
periféricas e as favelas, produzindo um estigma social para as e os residentes desses espaços;
violência que marcou (e ainda marca) a região de São Mateus da década de 1990, como foi
apontado acima, porém, a experiência empírica de moradores da periferia revelam o que
cientistas sociais relataram em suas pesquisas quanto aos componentes da violência que
atinge as periferias e as favelas de São Paulo não se restringirem apenas aos atos praticados
por criminosos, mas também (e sobretudo) figura no rol dos agentes sociais que abusam do
poder, soldados, sub oficiais e oficiais da Polícia Militar paulista, perpetuando e praticando a
violência para atingir diversos fins, como nos aponta o grupo Consciência Humana, na música
“Tá na Hora”:

6
MARINGONI, Gilberto; SICSÚ, João. De onde viemos, onde estamos? Avaliando o desempenho do PT e do
Governo Lula. In: SCHULTE, Christinane; HILDBRANDT, Cornelia. Partidos de la Izquierda y Movimientos Sociales
em América Latina (orgs.) São Paulo: Expressão Popular. 2006 pp. 121-138
7
WAISELFISZ, Julio Jacob. Mapa da Violência. São Paulo, 2011. Ministério da Justiça & Instituto Sangari.
8
Cf: TELLES, Edson; SAFLATE, Vladimir. (orgs.). O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo. 2010
9
KOWARIC, Lúcio. op. cit. p 233
Somos da periferia da Zona Leste de São Paulo
E estamos acostumados a conviver com má notícia
Assassinatos causados por gangues de polícia
Na avenida São Miguel três corpos foram encontrados fuzilados
RDS MOL e CGP, que aparentam menores de 18 anos
Todos de cor parda
E foi mais um fato que com certeza por muitos foi esquecido
Talvez menos por nós por termos sido criados no meio da maldade.

A “Consciência Humana” sobre a violência desumana dos agentes militares

O grupo de rap “Consciência Humana” foi formado em 1990 em São Mateus, Zona
Leste da capital paulista. Exceto o DJ DEF, os outros integrantes da composição inicial ainda
fazem parte do grupo: Preto Aplik e W.G.I, com LuizDRR como novo dj. O grupo começou a
ganhar destaque a partir de 1992 quando participou da gravação de uma coletânea chamada
“Projeto Rap Brasil”, que contou com vários outros grupos e cantores solos de rap nacional.
Com as músicas “Cidade sem Lei” e “Navio Negreiro”, “Consciência Humana” alcançou uma
boa audiência nas rádios do país e, em 1994 os artistas lançaram seu primeiro álbum:
“Enxergue seus Próprios Erros”. Em 1997 o grupo lança seu segundo álbum, “Entre a
Adolescência e o Crime”, que contém, dentre outras músicas, a “Tá na Hora”, registrada
acima.10 A música alude, sem rodeios e entremeios, a ação truculenta da corporação militar
paulista, mas, muito além de casos isolados, os artistas denunciam a formação de grupos de
extermínios compostos por agentes da força militar de segurança pública do Estado de São
Paulo. Caldeira constata que os abusos cometidos por agentes de segurança pública advém de
uma longa data na história do Brasil republicano: “durante toda a história republicana, o
Estado encontrou maneiras tanto de legalizar formas de abuso e violações de direitos, como
de desenvolver atividades extralegais sem punição”, comenta autora, relatando as ações
truculentas dos agentes militares, enfocando a Polícia Militar e os esforços dos representantes
políticos, sejam eles governadores e/ou presidentes, em atenuar, legitimar e até mesmo
legalizar as ações ilegais de policiais militares que recaem, em grande parte, contra a
população mais pobre e negra, perpassando por “várias formas de violência policial e injustiça
legal”, ocasionando tanto um descrédito ao sistema judiciário em promover e garantir a justiça
como um medo à instituição da Polícia Militar11. “Na verdade, toda a história da Polícia

10
Disponível em: https://som13.com.br/consciencia-humana/biografia. Acesso em: 01/05/19
11
CALDEIRA, Teresa Pires. Cidade de Muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora
34. 3 ed. 2011, pp 135-136
Militar brasileira indica claramente que a violência é a norma institucional. [...] A polícia
brasileira tem usado a violência como seu padrão regular e cotidiano de controle da
população, não como uma exceção, e frequentemente o tem feito sob a proteção da lei.”
12

No final do trecho da música “Tá na Hora” o grupo traz a tona uma prática social
constante manifestada na indiferença e seletividade sobre a importância de determinadas vidas
pertencentes a grupos racializados historicamente: a população negra. Retomando as duas
últimas linhas da música - E foi mais um fato que com certeza por muitos foi esquecido/
Talvez menos por nós por termos sido criados no meio da maldade - fica evidente tanto o
esquecimento social da morte de duas pessoas não brancas, como a preservação dessa
memória pelo grupo, “acostumados” com a grande frequência de casos de homicídio
cometidos por policiais.
Nesse sentido, o “Consciência Humana” se coloca como portadores da voz da
periferia e assumem uma posição de luta contra a violência policial, alertando e prevenindo os
jovens contra as ações agressivas dos agentes:

Na periferia Consciência Humana é o porta voz;


Para acabar com as patifarias...
Alertamos os jovens da periferia,

A música “Rato Cinza Canalha” - da qual faz parte o trecho acima - contém uma
forte delação da hostilidade dos policiais militares contra os moradores de São Mateus,
destacando o racismo contido nas agressões e nos abusos dos agentes em suas abordagens
contra os jovens negros da região:

Alertamos os jovens da periferia;


Subúrbio contra suas chacinas rotineiras;
Dizendo mão na cabeça preto filho da puta;
É foda vocês abusam e como abusam;
Esse é o poder além da sua capacidade,
Rato cinza do caralho sem nível de faculdade.

havendo, na música, além da percepção sobre o respaldo dos poderes públicos aos atos ilegais
cometidos pelos policiais militares13, uma brilhante combinação entre uma denúncia dos atos

12
Id. Ibid. p. 139 (destaque meu)
13
Nesse ano houve um aumento de 46% de mortes causadas por policiais militares do Estado de São Paulo no
mês de março em comparação com 2018. Diversos especialistas atribuem o aumento aos pronunciamentos do
violentos física e simbolicamente com a demonstração dos policiais reduzidos em todas as
suas capacidades humanas (sobretudo intelectuais, ao aludir a ausência de formação superior
dos agentes) à agressividade e nada mais, assemelhando-se a bestas, feras, bichos ou qualquer
outra coisa que não humanos dotados de inteligências e outras habilidades cognitivas e
sociais:

Vocês abusam do poder por que o sistema está do seu lado;


Mas não estamos enganados;
Se os verdadeiros animais circulam no nosso meio;
De armamentos pesados e de fardamentos apertados;
Racionais ou irracionais eu não sei;
Só sei que não se dão respeitos, e querem ser respeitados;
Espécie de animais que deveriam estar enjaulados;

Violência policial e cotidiano

Não dispomos de dados sobre indicadores das mortes causados por policiais militares
na região de São Mateus na década de 1990 e nem na capital paulista, mas, como apontam
vários estudos14, a taxa de homicídios causados por policiais no início dos anos 2000 na
cidade de São Paulo esteve em torno de 52,8 por 100 mil habitantes, enquanto em outras
cidades, como Nova York, por exemplo, girava em torno de 4,2 por 100 mil hab., com maior
incidência sobre a população jovem e negra, como já destacado e demonstrado acima, fruto de
uma formação histórica nacional racista pautada nas várias táticas de controle e exploração da
força de trabalho pelo uso indiscriminado da violência contra as pessoas negras. 15 Esses leva a

governador João Dória e do presidente Jair Messias Bolsonaro, que estimulam a letalidade e encorajam a
prática de abusos cometidos por agentes da corporação nos seus discursos em público. Nesse sentido, ver:
www.brasildefato.com.br/2019/04/06/banalizacao-da-violencia-gerou-massacre-da-rota-em-guararema-e-
abuso-em-guarulhos. Acesso em: 02/05/19
14
PERES, Maria F. T. et ali. Homicídios, desenvolvimento socioeconômico e violência policial no município de São
Paulo, Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica, 2008, n. 23. pp 268-73. LIMA, Renato Sérgio de; RATTON,
José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de (orgs.) Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto. 2014.
CERQUEIRA, Daniel et. ali. Atlas da violência. Rio de Janeiro, IPEA. 2017. BUENO, Samira. Quando a polícia
mata. Refletindo sobre a permanência de prática violentas no cotidiano da Polícia Militar do Estado de São
Paulo. XXXVIII Encontro da ANPAD. Rio de Janeiro, 13 a 17 de setembro de 2014. A autora desse estudo
destaca um dado alarmante logo no início do texto: “Estima-se que ao menos 15 mil pessoas tenham sido
mortas pela ação policial entre 1983, ano do primeiro governo eleito democraticamente depois do golpe
militar, e 2012” (p.2)
15
O “Atlas da Violência” do ano de 2018 aponta que, enquanto os homicídios causados por policiais contra
jovens negros e periféricos cresceram 28%, para jovens brancos decaíram em 6,8%. Por mais que esse dado
seja recente, constata-se facilmente que a população negra no Brasil foi e é o principal alvo de ações violentas
tanto da polícia quanto da população em geral. Nesse sentido, consultar: NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio
do negro brasileiro. Processos de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectivas. 2016
situação hipotética de altos níveis de violência policial na última década do século XX na
cidade de São Paulo.
Voltando às reflexões de Agnes Heller expostas no início do texto sobre a vinculação
da formação do ser humano com o seu meio histórico e social que formam problemas e
soluções invariavelmente determinadas por aquele meio, fica nítido como as ações truculentas
e ilegais perpetuadas por policiais militares em São Mateus foram apreendidas e denunciadas
pelo grupo Consciência Humana através das músicas até agora analisadas, uma vez que, na
vida cotidiana, o ser humano coloca “’em funcionamento’ todos os seus sentidos, todas as
suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões,
ideias, ideologias16”, explicitadas pelo teor de revolta, medo e pelo sentimento de injustiça
sentidos por toda uma população (ou grande parte dela) da região de São Mateus para além da
última década do século XX. De uma forma acurada, o grupo de rap, na música “Lei da
Periferia”, conta uma história de um jovem residente em São Mateus que se viu obrigado a
aderir à criminalidade para ajudar a compor o baixo orçamento familiar sustentando apenas
pelo pai que, exercendo trabalhos temporários (“bicos”), de pouca remuneração e sem
garantias de direitos trabalhistas, esse jovem, ao não conseguir um emprego fixo, vislumbra
nos atos criminosos uma saída para a manutenção da subsistência de sua família vivenciando,
dentre outras dificuldades, o pagamento de taxas a policiais corruptos que era uma forma de
garantir sua ação e sua vida, retirada em “outra quebrada” por policiais que não aceitaram o
valor negociado para a personagem da história continuar com suas ações:

Já é um ladrão bem sucedido, infelizmente


A polícia cresce os olhos pois estão na sua cola
Um pedágio por dia pra também não ir embora
Mas infelizmente é trombado em outra quebrada
Sem acerto foi derrubado com o rosto afundado na bala;

um fato corriqueiro no dia a dia da região que teve um dos aspectos dos mecanismos
explicadas pela desigualdade social, concentração e exploração da mão de obra de setores da
burguesia contra a massa de trabalhadores impedindo sua ascensão socioeconômica e a
equiparação de qualidade de vida de toda a sociedade; ocasionando na manutenção de
privilégios da burguesia e na pobreza de um grande contingente social, elucidado pelo aspecto
da “intelectualidade” e “ideologia” citadas por Heller, posta em funcionamento na vida

16
HELLER, Agnes. op. cit. p.17. destaque da autora.
cotidiana pelos artistas do Consciência Humana para tornar inteligível de forma mais
aprofundada sua realidade permeada pela violência policial:

É com você otário parte da burguesia;


Vocês produzem a miséria e nos impedem de chegar à nível social;
A burguesia fede;

A “Consciência” engajada

Imersos em um ambiente carregado de agressividade do Estado representado pela


Polícia Militar, o grupo “Consciência Humana” optou por fazer uma escolha consciente de
denúncia à instituição de segurança pública em um período que os ecos da ditadura militar
ainda estavam ressoando fortemente (hoje, atenuaram um pouco?) na sociedade brasileira,
encorajando e motivando a continuação de práticas abusivas e homicidas efetuadas pelos
agentes da Polícia Militar paulista na Zona Leste paulistana, demonstrando um compromisso
político dos artistas não apenas com a população de São Mateus, mas, de forma geral, do
Brasil, denunciando uma das reminiscências da ditadura militar - a violência estatal
incorporada na PM. Para tanto, Agnes Heller constata que essa atitude só é possível ser
concretizada quando a pessoa possui um motivo moral para a ação que exceda seus interesses
particulares e a satisfação de seus desejos egoístas, elevando os motivos dessas escolhas ao
humano genérico fundado em suas potencialidades que o formam enquanto humano - animal
distinto de outras espécies: “A vida cotidiana está carregada de alternativas, de
escolhas...Quanto mais intensa é a motivação do homem pela moral, isto é, pelo humano
genérico, tanto mais facilmente sua particularidade se elevará (através da moral) à esfera da
genericidade (sic)”.17 Moral entendida por Heller como um sistema de valores relacionado aos
aspectos próprios do processo de humanização do ser humano que o leva ao convívio fraterno
em comunidade, distinto da atual organização capitalista da sociedade global que forma
humanos extremamente individualistas e competidores. Como já descrito acima, em uma das
músicas os rappers demonstram seu caráter moral, no sentido apontado por Heller, quando
optam por serem “portadores da voz da periferia” e militarem contra as injustiças sociais por
meio da música, porém, é possível generalizar essa escolha moral para toda a produção do
gênero musical do “Consciência Humana”, desde o álbum aqui analisado - “Entre a
Adolescência e o Crime” - até a produção mais recente, “Firma Forte”, de 2014 (com o
conteúdo um pouco menos de protesto, se comparado com os dois álbuns da década de 1990).

17
id. ibid. p. 24
As motivações do grupo que geraram seus comportamentos de denúncia contra a
violência policial foi uma escolha que, segundo Heller, se dá de forma consciente pelos seus
sujeitos quanto às consequências de suas escolhas, e uma dessas consequências produzidas
pela denúncia dos abusos cometidos por policiais militares em São Mateus nos anos 1990 foi
a perseguição e a ameaça de morte por policiais de tropas de elite da corporação, como as
Rondas Ostensivas Tobias de Aguira - ROTA, conforme relata o músico do grupo Preto Aplik
em entrevista ao jornal “Brasil de Fato”:
“Nós vivíamos correndo deles. Aí escrevi a
primeira música que se chama Terror em São
Paulo. A partir dessa daí já tava trazendo as ideias
de quem convivia com esses caras na madrugada.
Passei parte da minha vida na rua. Então eu bati
de frente com eles. Então viemos escrevendo
essa história. No meio dessa música pra lá, eu
encontrei o Conte Lopes. Ele invadia os barracos,
deu tiro na boca do meu tio. Foi aí que veio essa
música Tá na hora.”18

“Conte Lopes” era o então chefe da ROTA nos anos 1990 acusado por várias pessoas
de comandar um grupo de extermínio composto por soldados e sub oficiais da tropa.
Por fim, a filósofa revela que a arte e a ciência são duas das esferas de ação humanas
que o possibilite a aquisição de autoconsciência sobre condição social, superando as
explicações espontâneas produzidas na vida cotidiana acerca dos fatos que a compõem,
porém, “antes de mais nada, o próprio cientista ou artista têm vida cotidiana: até mesmo os
problemas que enfrentam através de suas objetivações e suas obras lhes são colocados, entre
outras coisas (tão somente entre outros, decerto), pela vida.”19 Problemas vivenciados pelos
rappers do “Consciência Humana” em uma época que, aparentemente, ainda não terminou.

Considerações Finais

Devido ao curto espaço que foi disposto para a elaboração desse texto, não foi
possível analisar de forma mais ampla e aprofundada as músicas do grupo “Consciência
Humana” no último decênio do século passado, relacionando os conteúdos dessas produções

18
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/node/12640/. Acesso em: 03/05/19
19
HELLER, Agnes. op. cit. p. 27
com outros fatores de forma dialética e histórica, com destaque ao período da ditadura militar
que precedeu a formação do grupo artístico, porém, creio que o leitor passa a ter uma noção,
por mínima que for, sobre as ações extra judiciais cometidas por policiais militares em São
Mateus em 1990, muitas das quais podem ser constatadas ainda vigentes pelos moradores da
região, sobretudo pela população jovem e negra, que buscam soluções diversas frente ao
problema, criando redes de solidariedade e ajuda mútua, e buscando na arte não apenas uma
elevação de suas auto consciências acerca dos vínculos entre violência policial, pobreza,
periferia e racismo, mas também edificando laços de afeto e construindo suas identidades,
cabendo a todas e a todos nós refletirmos e agirmos em prol da reversão desse problema, caso
nossa escolha seja motivada por valores morais que perpassem um projeto de sociedade anti
capitalista; caso contrário, continuemos a bradar e a valorizar a estrutura e o funcionamento
da Polícia Militar do Estado de São Paulo, os “cães de guarda da burguesia” e da classe
média.

Bibliografia e Fontes

BUENO, Samira. Quando a polícia mata. Refletindo sobre a permanência de prática


violentas no cotidiano da Polícia Militar do Estado de São Paulo. XXXVIII Encontro da
ANPAD. Rio de Janeiro, 13 a 17 de setembro de 2014.
CALDEIRA, Teresa Pires. Cidade de Muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo.
São Paulo: Editora 34. 3 ed. 2011
CARLOS, Ana F. A. A natureza do espaço fragmentado in: SANTOS, Milton et. ali.
Território. Globalização e Fragmentação. São Paulo: HUCITEC. 4. ed. 1994
CERQUEIRA, Daniel et. ali. Atlas da violência. Rio de Janeiro, IPEA. 2017.
HELLER, Agnes. O quotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1972.
KOWARICK, Lúcio. Viver em Risco. Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São
Paulo: Editora 34
LIMA, Renato Sérgio de; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de (orgs.)
Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto. 2014.
MARINGONI, Gilberto; SICSÚ, João. De onde viemos, onde estamos? Avaliando o
desempenho do PT e do Governo Lula. In: SCHULTE, Christinane; HILDBRANDT,
Cornelia. Partidos de la Izquierda y Movimientos Sociales em América Latina (orgs.) São
Paulo: Expressão Popular. 2006 pp. 121-138
NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro. Processos de um racismo
mascarado. São Paulo: Perspectivas. 2016
PERES, Maria F. T. et ali. Homicídios, desenvolvimento socioeconômico e violência policial
no município de São Paulo, Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica, 2008, n. 23. pp
268-73.
TANAKA, Giselle M. M. Perifeira. Conceitos, práticas e discursos. Práticas sociais e
processos urbanos na metrópole de São Paulo. São Paulo, 2006. Dissertação de Mestrado.
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU - USP.
TASCHNER, Suzana Pasternak. Favelas em São Paulo. Censos, consensos e contra sensos.
São Paulo: EDUC. Cadernos Metrópoles, n. 5, 2001
TELLES, Edson; SAFLATE, Vladimir. (orgs.). O que resta da ditadura. São Paulo:
Boitempo. 2010
WAISELFISZ, Julio Jacob. Mapa da Violência. São Paulo, 2011. Ministério da Justiça &
Instituto Sangari.
www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/sao_mateus/historico Acesso em:
18/04/2019
som13.com.br/consciencia-humana/biografia. Acesso em: 01/05/19
www.brasildefato.com.br/2019/04/06/banalizacao-da-violencia-gerou-massacre-da-rota-em-
guararema-e-abuso-em-guarulhos. Acesso em: 02/05/19
www.brasildefato.com.br/node/12640/. Acesso em: 03/05/19

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