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DA U N E S CO abril-junho 2019
Reinventar
as cidades
Alain Mabanckou
Jorge Majfud
Thomas B. Reverdy
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2019 • n° 2 • Publicado desde 1948 Fotografias e ilustrações: Danica Bijeljac Direitos de informação e reprodução:
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edição portuguesa à edição original nos seis não comprometem a Organização.
Editora digital: Malahat Ibrahimova idiomas oficiais da Organização.
Editorial
O ano de 2014 foi um divisor de águas
para a humanidade: pela primeira
biodiversidade e colocam a infraestrutura
e os recursos urbanos – da água ao
visto isso na UNESCO, que abriga nada
menos do que cinco redes de cidades,
vez na história, mais da metade da transporte até a eletricidade – sob cada uma delas trabalhando para
população mundial vive em cidades. enorme pressão, o que multiplica o aproveitar a extraordinária capacidade
Pelas estimativas atuais, essa quantidade impacto de desastres naturais e da de inovação e conexão que é uma
aumentará para 70% até 2050. As mudança climática. O desenvolvimento característica das cidades.
cidades de amanhã refletirão, em sem controle e o turismo de massa
Por exemplo, as cidades respondem por
muitos aspectos, suas antecessoras; colocam em risco sítios do patrimônio
70% da economia mundial, incluindo uma
desde as primeiras cidades-Estados cultural e as práticas do patrimônio vivo.
grande parte da economia criativa, que
da Mesopotâmia, passando pelas A desigualdade e a migração crescentes
gera receitas globais anuais de US$ 2.250
cidades italianas da Renascença, até as – muitas vezes motivadas por conflitos
bilhões e emprega mais jovens do que
“megacidades” atuais – historicamente, e desastres – tornam as cidades pontos
qualquer outro setor. É por isso que as 180
as cidades têm avançado o focais para novas clivagens sociais*, para
cidades que formam a Rede de Cidades
desenvolvimento humano, servindo a exclusão e a discriminação.
Criativas da UNESCO estão trabalhando
como centros para trocas e para o diálogo
Considerando a magnitude desses para alavancar a capacidade das cidades
entre pessoas de diferentes origens.
desafios, as cidades de todo o mundo de unir pessoas criativas para estimular
No entanto, as cidades de hoje, assim concluíram que novas formas de pensar, o crescimento econômico, promover
como as de amanhã, enfrentam desafios o engajamento dos cidadãos e, de forma um senso de comunidade e preservar as
novos e sem precedentes. Embora crucial, a cooperação entre as cidades, identidades urbanas. A Rede Mundial das
ocupem apenas 2% da superfície são os únicos caminhos a seguir. Temos Cidades de Aprendizagem da UNESCO
terrestre, elas consomem 60% da energia está trabalhando para tornar as cidades
mundial, liberam 75% das emissões sustentáveis, garantindo que todos os
de gases de efeito estufa e produzem * Em ciência sociais, clivagem social significa o moradores urbanos possam se beneficiar
processo de separação ou fragmentação de
70% do lixo mundial. À medida que as grupos sociais em subgrupos ou em novos grupos, da aprendizagem ao longo da vida. De
cidades se expandem, elas ameaçam a por variados motivos. aprender a andar de bicicleta para tornar o
ambiente urbano mais limpo, aprender a
fazer produtos locais com o uso de práticas
e conhecimento tradicionais, ou organizar
oficinas de teatro comunitárias em bairros
marginalizados, cada nova oportunidade
educacional traz consigo o potencial de
transformação e desenvolvimento social.
Como um dos principais laboratórios
de ideias do mundo, a UNESCO está
trabalhando para aproximar essas redes de
cidades, incentivando-as ao intercâmbio
e à colaboração em políticas e práticas
que podem responder às crescentes
necessidades dos moradores urbanos.
O jornalista vencedor do prêmio Pulitzer,
Herb Caen, disse certa vez: “Uma cidade
não é medida por sua extensão e largura,
mas pela amplitude de sua visão e pela
altura dos seus sonhos”. A UNESCO acredita
que, quando as cidades compartilham
esses sonhos e se inspiram na visão das
outras, elas são capazes de superar os
desafios da nossa nova era urbana.
Este número de O Correio da UNESCO está
repleto de histórias de criatividade, inovação
e resiliência. Espero que elas inspirem você,
leitor, e que talvez lhe deem motivação para
se envolver com essas questões em sua
própria cidade ou comunidade.
Audrey Azoulay,
diretora-geral da UNESCO
36-43 ZOOM
Iluminar o mundo!
Fotos: Rubén Salgado
Escudero
Texto: Katerina Markelova
Diante do crescente
conservadorismo, a sociedade
civil progressista de Varsóvia
demonstra forte capacidade
de protesto para defender
os valores democráticos. A
“rebelde” capital polonesa,
© Jaap Arriens / NurPhoto
Cidade rebelde
Varsóvia não é o que se chamaria de Deve-se caminhar pelas ruas da cidade Geralmente, o confronto se cristaliza em
uma cidade bonita. Não se oferece ao para se deixar invadir pela energia que frente ao palácio presidencial. Até abril
visitante apressado com todo esplendor a conduz, e deixar-se atrair por seus de 2018, esse era o ponto de chegada
magnífico como faz a Cracóvia, a antiga muitos cantos inusitados, para encontrar da procissão religiosa que saía da cidade
capital polonesa. Uma cidade com um grupo aqui ou ali, marchando antiga a cada décimo dia do mês para
100 tons de cinza, foi invadida por ou parado, quando não é uma maré comemorar – com missa, orações, hinos e
gerações mais jovens após a queda humana protestando e carregando discursos – o desastre de Smolensk, de 10
do regime comunista em 1989. Eles bandeiras e placas. de abril de 2010. Data em que 96 pessoas
ocuparam as fábricas abandonadas e proeminentes, incluindo o presidente
Marchas silenciosas e manifestações
as transformaram em locais de criação Lech Kaczynski, morreram em um
barulhentas são cenas frequentes em
artística. Defenderam, a arquitetura do acidente de avião. Uma cerimônia mensal
Varsóvia. Flores brancas, roupas pretas,
período comunista frente às pressões de de caráter nacional, que deveria se repetir
velas, bombinhas – tudo isso se mistura
novos promotores imobiliários. O Palácio 96 vezes até abril de 2018, ocupava o
sob uma onda de bandeiras brancas e
da Cultura e da Ciência, por exemplo, um centro histórico de Varsóvia e atraía
vermelhas. No entanto, enquanto alguns
“presente” do camarada Stalin, concluído multidões de cidadãos que compareciam
também carregam a bandeira azul da
em 1955, ainda hoje domina o centro regularmente para protestar contra o
Europa com suas estrelas douradas,
da cidade – quer seus muitos críticos que consideravam ser uma apropriação
outros agitam as bandeiras pretas ou
gostem ou não. Tão imponente quanto autoritária e religiosa do espaço público.
verdes dos patriotas nacionalistas,
desprezado pelo povo de Varsóvia,
nostálgicos por uma “Grande Polônia de A oposição dos cidadãos à corrente
este imenso edifício de mais de 800 mil
mar a mar”. Enquanto alguns proclamam: nacionalista começou a se mobilizar
metros quadrados foi transformado em
“Não deixemos a democracia morrer em em 2015, por meio de uma organização
um verdadeiro centro multiplex cultural,
silêncio!”, outros exigem uma “Polônia cívica não governamental, o Comitê para
que abriga museus, salões de convenção,
pura”, uma “Polônia branca”. a Defesa da Democracia (KOD). Em 13 de
workshops, teatros e cinemas de arte.
dezembro, o aniversário do traumático
Isso é o paradoxo nacional que, nos últimos
Ao longo dos últimos 30 anos, uma dia em que a lei marcial foi imposta na
anos, se transformou em uma verdadeira
miríade de novos locais de encontro – Polônia pelo general Jaruzelski, em 1981,
ruptura entre duas Polônias, que desafiam
galerias, clubes, bares – floresceram aqui dezenas de milhares de pessoas vão para
ou ignoram uma a outra. E essa ruptura
e ali na Varsóvia pós-comunista, que as ruas em Varsóvia todos os anos. As
se manifesta em praça pública, tanto em
continua a atrair estudantes, executivos manifestações de rua nessa data em 2016
sentido literal como figurado.
de empresas internacionais, artistas e tiveram o maior público desde as primeiras
aventureiros de todo o mundo. eleições livres em 1989. Os cidadãos de
No entanto, em 11 de novembro
de 2017, quando as mulheres se
sentaram na Ponte Poniatowski para
bloquear o caminho dos nacionalistas
que marchavam durante o Dia da
Independência da Polônia, acabaram
sendo removidas à força, e depois levadas
à Justiça sob acusações de obstrução da
liberdade de protestar. dos Fundadores, em tradução livre) do para assumir o papel de capital de um
repertório do Teatro Nacional de Varsóvia. Estado soberano, o que finalmente
A mesma cena se repete a cada Dia da conseguiu ao final da guerra, em 1918.
Independência. Algumas mulheres, Da queda à reconquista, assim segue a
brandindo faixas de “Mulheres contra o vida dessa incrível cidade que extrai sua No decurso de 20 curtos anos após sua
fascismo” são empurradas por muitos paixão e energia de seus habitantes. independência, a cidade inteira se tornou
homens vestidos de preto, que gritam um canteiro de obras sob o comando do
grosserias sexistas, alternadas com slogans Cidade rebelde marechal Józef Piłsudski, um líder que
xenofóbicos, antissemitas e racistas. era tanto bajulado quanto controverso.
Essa onda de rebelião e liberdade não Consequentemente, em 1939, Varsóvia
A mesma multidão surge do lado de fora parecia com outras capitais europeias.
é novidade em Varsóvia. Viria ela de
dos teatros. Após cada apresentação Contava com um centro da cidade
seu rio, que não pode ser domado?
de uma peça polêmica que contradiz elegante e muitas áreas habitadas por
O Vístula, com seu vasto e íngreme vale
os códigos sagrados “polacos”, o Teatro trabalhadores, que compunham metade
que impede a aproximação das margens
Powszechny se prepara para enfrentar de sua população. Um grande bairro
direita e esquerda, permanece impetuoso
uma nova manifestação organizada por judeu, repleto de vida, distribuído por ao
e selvagem. Rodeado por areia e arbustos,
pequenos grupos da extrema-direita. O menos um terço da área, estendendo-se
o Vístula dá à cidade sua originalidade.
teatro – juntamente com o Novo Teatro do centro ao norte da cidade.
de Krzysztof Warlikowski e alguns outros Por muito tempo, Varsóvia manteve
teatros famosos do país – sempre foi um seu estilo rústico. Sua emancipação Nesse mesmo ano, as bombas da invasão
símbolo da luta pela liberdade artística, teve início em 1915, sob o reinado dos alemã atingiram Varsóvia, até o golpe de
que continua a ser “uma pedra no sapato” alemães, que a recapturaram da Rússia misericórdia em outubro de 1944. Hitler
dos poderes autoritários. durante a Primeira Guerra Mundial. queria fazer da cidade um exemplo de
Embora tenha sido severamente aniquilamento total, após a Revolta de
Isso poderia ser uma coincidência? A Varsóvia, de agosto a outubro de 1944,
explorada economicamente pelos
revolta estudantil polonesa de 1968 liderada pelo movimento de resistência
ocupantes, a cidade foi impulsionada por
– um marco na luta pela libertação da polonês clandestino. A margem direita
extraordinária determinação e esperança.
opressão soviética – começou com a da cidade foi quase completamente
Eleições municipais foram realizadas,
retirada de um clássico, o drama poético destruída, e a população sobrevivente
e a universidade e a politécnica foram
de Adam Mickiewicz, Dziady (Vigília deportada. Varsóvia nada mais era do
abertos. Varsóvia estava se preparando
© Baudoin Bikoko
A crise em Detroit, cidade Foi necessário que o primeiro-ministro todas têm uma coisa em comum – sua
russo, Vladimir Putin, interviesse sobrevivência dependente inteiramente
conhecida nos Estados Unidos
pessoalmente para solucionar o conflito. de uma única empresa ou consórcio,
como Motor City, foi espalhada Em 4 de junho, ele chegou a Pikalyovo que emprega ao menos um quarto da
por toda a imprensa internacional e reuniu os proprietários das fábricas – população. Todas foram constituídas em
quando a cidade apresentou eles finalmente assinaram acordos para torno de fábricas, de grandes centros
fornecer matérias-primas e elaboraram florestais industriais e da disponibilidade
o maior pedido de falência vários contratos de longo prazo. O de fontes de matéria-prima (ouro, ferro,
municipal na história norte- dinheiro de que precisavam para resolver carvão, petróleo, gás, apatita etc.). No
-americana, em julho de 2013. as questões financeiras (incluindo os caso de Pikalyovo, a cidade e sua fábrica
As histórias sobre a queda e, salários dos funcionários, o dinheiro de cimento foram construídas em 1935,
devido aos fornecedores de matérias- nos arredores da estação ferroviária de
em seguida, o renascimento primas e transportadores) foi alocado mesmo nome, onde depósitos de calcário
desta outrora grande cidade, pelo banco estatal russo, o Grupo VTB, e a e argila de cimento foram descobertos
que apostou tudo na indústria produção nas fábricas foi retomada. cinco anos antes.
automobilística, não faltaram. No
Está claro, no entanto, que a As primeiras cidades industriais russas
entanto, não ouvimos falar tanto intervenção pessoal de um chefe de foram construídas no século XVIII, após
sobre as monogorodas, as cidades Estado não pode se tornar um modelo as reformas do czar Pedro, o Grande, que
industriais da Rússia há muito sustentável para a resolução de crises. fomentou a instalação de fábricas de
Especialmente porque, na maioria dos linho e forjas industriais. A segunda onda
esquecidas, que compartilham casos, os problemas não resultam de de rápido crescimento ocorreu no século
destino semelhante. Lá existem desentendimentos entre proprietários, XIX, com o surgimento de fábricas têxteis
319 cidades monoindustriais, mas de exigências do mercado. De fato, e o desenvolvimento da indústria leve.
onde uma única indústria ou a transição da Rússia para uma economia No entanto, a maioria dessas cidades foi
de mercado no início da década de 1990 criada na década de 1930, como parte
fábrica é responsável pela maior criou uma série de graves problemas para dos grandiosos planos de industrialização
parte da economia local. Como as cidades monoindustriais. de Joseph Stalin, que se concentravam
elas estão se saindo? principalmente na defesa.
No topo da lista está o desemprego – as
A data é 2 de junho de 2009, e o mundo taxas de desempregados nessas cidades Atualmente, essas cidades contam com
está no furor de uma de suas crises são duas vezes mais altas que a média mais de 400 grandes indústrias privadas
financeiras mais severas. No noroeste da nacional na Rússia. Além disso, essas – incluindo a maior produtora de carvão
Rússia, a rodovia federal que liga Novaya cidades foram projetadas para acomodar da Rússia, a Companhia Siberiana de
a indústria que as sustenta, e não para o Energia de Carvão (SUEK); as empresas de
Ladoga e Vologda está bloqueada.
bem-estar de seus moradores. Problemas metal e mineração, Severstal e Mechel;
Mais de 300 moradores de Pikalyovo,
de poluição e a falta de infraestrutura, e a líder mundial em mineração de
uma pequena cidade na província de
saúde e educação são recorrentes. diamantes, Alrosa. Esse número também
Leningrado (província cuja capital é São
Para piorar as coisas, essas cidades inclui empreendimentos estatais, como
Petersburgo), formaram um bloqueio na
muitas vezes estão situadas em regiões a Rostec, o conglomerado industrial que
estrada. Eles estão protestando porque
remotas do país, com passagens aéreas fabrica e exporta produtos industriais de
há meses não são pagos. As três fábricas
exorbitantes, potencializando ainda alta tecnologia para uso militar e civil, e a
estatais que sustentavam a cidade Corporação Estatal Rosatom de Energia
mudaram de mãos, assumidas por três mais o isolamento de seus habitantes. Se
finalmente conseguem chegar até um Atômica, a empresa de energia nuclear
proprietários privados: Basel Cement, russa, entre outras.
Eurocement e FosAgro. No entanto, estas avião, isso geralmente significa que estão
indo embora para sempre!
empresas, que formavam uma única
Existem cidades industriais por
linha de produção, não conseguiram
chegar a um acordo sobre uma série A origem das cidades toda a Rússia, no entanto, estão
majoritariamente concentradas nas
de questões, incluindo os preços das
matérias-primas, o volume de produção
monoindustriais regiões da Sibéria e Urais. Há 24 delas
no oblast (subdivisão administrativa)
e as perspectivas de desenvolvimento. Aproximadamente 13,2 milhões de Kemerovo, por exemplo, 15 no
De tal forma que nesta pequena cidade de habitantes – quase um em cada oblast de Sverdlovsk, e 14 no okrug
de 21 mil habitantes, 4 mil permaneciam dez russos – vivem e trabalham em (distrito) autônomo de Khantia-Mansia.
desempregados. uma dessas 319 cidades industriais. Algumas delas têm menos de 1 mil
Quaisquer que sejam suas diferenças,
© Benjamin Norman
Por muito tempo considerada Como nasceu o projeto Djerbahood e por sua bela arquitetura tradicional, seu
insignificante, atualmente que o sr. escolheu Erriadh para abrigá-lo? desenvolvimento urbano estruturado
em torno de uma praça central, sua
a arte de rua representa Em 2013, eu havia concluído o projeto
história e a lendária hospitalidade de
uma grande tendência que Tour Paris 13, que recebeu excepcional
seus habitantes. Não podemos nos
cobertura da mídia. Este arranha-céu no
democratiza o acesso à arte e 13° arrondissement da capital francesa
esquecer que se Djerba é, de fato, como
acreditamos, a terra dos comedores de
impregna os espaços urbanos foi condenado à destruição e demolido
lótus da Odisseia de Homero, Ulisses foi
com uma nova dinâmica social em abril de 2014. No entanto, antes
seu visitante mais famoso!
da data limite, cerca de 100 artistas
e econômica. No coração na
de 18 nacionalidades se ofereceram Anteriormente conhecida como Hara
ilha de Djerba, na Tunísia, cerca para transformá-lo em uma obra de Essaghira, Erriadh está situada próxima
de 100 artistas iluminaram a arte coletiva. Fachadas, áreas comuns a famosa Sinagoga de la Ghriba, uma
pequena cidade de Erriadh e 36 apartamentos foram tomados das mais antigas do mundo. Um local de
pelos mestres da arte de rua. Estas peregrinação judaica até os dias de hoje,
– agora conhecida como obras, embora efêmeras, estão agora foi construída pelos exilados que fugiram
Djerbahood – com cerca de disponíveis na internet para um grande de Jerusalém depois que Nabucodo-
250 murais. Mehdi Ben Cheikh, público em todo o mundo. nosor II destruiu o templo de Salomão
proprietário de galeria franco- por volta de 586 a.C. Sua população era,
Esse sucesso me estimulou a
portanto, composta principalmente por
-tunisiano que deu início a este desenvolver outro projeto em que
judeus e muçulmanos, que viviam lá
vinha trabalhando há algum tempo –
projeto promissor, nos conta juntos, como evidenciado por suas cinco
organizar um evento de arte de rua na
como a ideia continua a crescer. sinagogas (duas das quais ainda estão em
Tunísia, que faria as pessoas falarem
funcionamento) e suas duas mesquitas.
sobre o país em termos positivos.
No entanto, após a partida massiva da
Erriadh, na ilha de Djerba, me pareceu
população judaica da ilha na década
o lugar ideal – com sua luminosidade,
de 1960, a pequena cidade caiu em um
é isso que
ela faz.
estado de letargia – permanecendo
às margens do turismo, a principal
atividade econômica da ilha. Apesar
de estar a apenas seis minutos de um
aeroporto internacional!
O sr. enfrentou alguma dificuldade para
que o projeto fosse aceito localmente?
Mural do artista tunisiano
Rapidamente obtive permissão das Wissem el Abed.
autoridades nacionais para começar Foi necessário respeitar a população,
a trabalhar no espaço público. O país sua cultura. Ademais disso, eles eram
estava em um período de transição após livres para fazer o que quisessem. Cada
e os preços das propriedades subiram
a revolução, as autoridades municipais artista interagiu com o espaço de acordo
acentuadamente. A vida dos habitantes
haviam sido dissolvidas em todo o país com sua própria inspiração.
mudou por completo. Isso é o que mais
e substituídas por comissões provisórias,
importa para mim. Desde essa experiência, o papel dos
no entanto, em Erriadh não havia
artistas ganhou mais respeito em Djerba.
sequer uma comissão provisória. Então, O sr. trouxe cerca de 100 artistas
Os habitantes entenderam não apenas
o projeto foi iniciado com doações renomados. O que os persuadiu a
os benefícios econômicos que essa arte
privadas. Com o apoio de alguns participar do projeto?
representa para eles, mas também a
proprietários de hotéis em Djerba,
O projeto faz sentido. O que interessa aos essência da abordagem artística. Eles
também consegui uma contribuição
artistas é criar e compartilhar suas obras conheceram os artistas, estabeleceram
financeira do Ministério do Turismo.
com o maior número de pessoas possível. laços próximos com eles. O artista não
Quanto aos habitantes, tivemos que Os contratos assinados com eles referiam- é mais tido como o louco do vilarejo,
inicialmente negociar com eles, é claro. -se apenas aos direitos de imagem. irrelevante, mas como alguém talentoso
Eles não sabiam o que faríamos com Nosso objetivo é promover a reputação – que cria um universo imaginário
os espaços de que eram proprietários. dos artistas, e não ganhar dinheiro estruturado e que, ao mesmo tempo,
Nós explicamos a ideia, o processo, e diretamente por meio desses eventos. pode contribuir de forma concreta para a
foram as mulheres que, especialmente, E todos ficam satisfeitos: os artistas, as melhoria da vida cotidiana.
persuadiram os homens a nos deixar cidades e o público.
Algumas pessoas tendem a pensar que
prosseguir. À medida que os primeiros
Os artistas representaram 34 diferentes a arte de rua só pode ser bem-sucedida
trabalhos foram concluídos, os
nacionalidades e produziram 250 em um país onde já exista uma dinâmica
habitantes começaram a nos pedir para
murais! Eles se revezaram trabalhando cultural e artística – em outras palavras, no
decorar as suas casas.
a cada semana, por um período de três Ocidente. Djerbahood provou o contrário.
De repente, Erriadh acordou. Tornou-se meses, e tinham liberdade em suas Mostra que nem tudo é feito em outros
um destino e um ponto de passagem abordagens criativas. Obviamente, lugares. Que qualquer lugar no mundo
para milhares de turistas (os taxistas estávamos todos cientes de que não pode se tornar, em dado momento,
ficaram entusiasmados!), várias deveríamos chocar os habitantes com a capital da arte de rua, mesmo que
galerias e restaurantes foram abertos, imagens de corpos nus, por exemplo. localizado no extremo de uma ilha.
O escritor francês Thomas B. duas vezes: primeiro para Nova York, que
Reverdy quase sempre escolheu conhecia bem por visitar frequentemente,
mas onde não morava; e depois para
espaços urbanos como cenário
o Brooklyn, que não é a Nova York que
para seus romances. Obcecado imaginamos, da França. Esse afastamento
pela “intolerável presença da certamente foi fundamental para mim,
ausência” em nossas cidades gradualmente me levou ao romance –
antes disso, minha primeira história foi O mundo efêmero dos recintos de feiras
desumanizadas, ele imagina muito autobiográfica. populares, como visto pelo artista
o surgimento de pequenas francês Cyrille Weiner. Sem título n° 9,
No entanto, essa mudança teve um
resistências. efeito inesperado: impôs um espaço
da série Jour de Fêtes (Feriado), 2016.
em mim. Como intencionalmente me
“Estas são cidades!”. A célebre exclamação afastei de territórios mais familiares,
pertence a Rimbaud. Esta é a frase que subitamente tive que aumentar minha
abre uma das Iluminações, na qual o poeta documentação, verificar detalhes, os
descreve não uma cidade, mas uma tenda efeitos da realidade e imagens. Descobri,
de circo, suas máquinas e seus habitantes- no cerne da ficção, no cerne de sua
acrobatas, a miríade de espaços, atos, produção, um complexo entrelaçamento
rotas e barulhos que a povoam, caóticos, da realidade e palavras: eu precisava
cegos uns para os outros e, no entanto, do distanciamento que aquela cidade
regidos como uma partitura musical. Por estrangeira me oferecia, mas assim
volta de 1872, três anos após a publicação que a história era situada, eu precisava
póstuma de Pequenos poemas em prosa da realidade para alimentá-la. Não a
de Baudelaire, a cidade havia então se realidade bruta – caso contrário eu teria
tornado uma imagem. Poderia ser usada permanecido em Paris, em casa – mas
como uma metáfora, e essa metáfora não a realidade mediatizada, imagens,
dizia o que é uma cidade, mas o que ela símbolos, fragmentos e palavras. A
evoca. Não a produção, o comércio, mas partir de memórias, mas também de
já os deslocamentos, o anonimato, as testemunhos, fotos, histórias, romances
profissões sendo perdidas e a pobreza que e filmes, mapas, tive que recompor um
é subitamente perceptível nas fissuras da espaço, torná-lo real, devolver a esta
riqueza aparente. Desde a ilha de Thomas cidade sua vida circense.
Morus, a maioria das utopias é urbana.
Todas as distopias são. A cidade é um lugar
imaginário. Um espetáculo. Um circo.
Cegos uns aos outros
Tenho a maior das admirações por
Lugares de viagem escritores cuja imaginação se desdobra
nos grandes espaços naturais, como
Quase sempre ambientei o cenário das Cormac McCarthy, mas eu tinha outras
minhas tramas na cidade. Deveria dizer razões, para mim mesmo, para deslocar
que as transferi para a cidade. As cidades meus romances ao cenário urbano. Isso
tornam possível estar em todos os porque eu também tinha a ideia de que
lugares, tanto em casa quanto no exterior, a ficção moderna deve explicar nossas
e este deslocamento é fundamental. É o jornadas cegas e nosso anonimato.
passo de lado, a visão oblíqua, é a lacuna Atualmente em Paris, moro em um prédio
na realidade, o deslocamento que de onde as pessoas se cumprimentam
repente cria espaço para a implantação abaixando a cabeça quando se
da ficção. Quando, em meu segundo encontram no elevador. No metrô, a
romance, levei parte de minha trama para maioria das vezes, mal se atrevem a olhar
o Brooklyn, em frente a Manhattan, eu umas para as outras no rosto.
estava obedecendo a essa necessidade
do meu distanciamento. Afastei-me
© Cyrille Weiner
Alepo: m primeiro
u
passo para a cura
© Hani Abbas (Palestine/Syrie) / Cartooning for peace
destruídas. A
Portugal. Espalhadas por toda a Europa, essas pessoas não têm nada em comum,
exceto que todas elas são migrantes. Um grupo que pagará o alto preço pelo
aumento da segurança e do controle na fronteira após os atentados de Paris.
alma da cidade Suas histórias são contadas na minissérie de TV 13.11, uma ficção de seis episódios
produzida em 2017 pela Elenfant Film, uma produtora de vídeos e filmes italiana.
foi estilhaçada. O objetivo da série é mostrar a face humana da migração, e nos levar a não esquecer que,
a cada minuto, 20 pessoas são deslocadas de suas casas em nosso mundo atualmente.
A cidade de Bolonha foi a força motriz por trás desse projeto. A cidade é a líder
da Coalizão Europeia de Cidades contra o Racismo (ECCAR. European Coalition of
Cities Against Racism), lançada no final da Quarta Conferência Europeia de Cidades
para acessar as imagens de satélite pelos Direitos Humanos em 2004.
e documentação em 3D, o estudo
No mesmo ano, a UNESCO criou uma vasta rede mundial de cidades unidas na
oferece uma sólida base técnica para
luta contra o racismo, a discriminação, a xenofobia e a exclusão em áreas urbanas.
o planejamento da restauração e
A Coalizão Internacional de Cidades Inclusivas e Sustentáveis (ICCAR) reúne as
reabilitação de Alepo. Revela que mais
coalizões regionais criadas na Europa (2004), na África (2006), na América Latina
de 10% dos prédios históricos de Alepo
e o Caribe (2006), na Ásia e Pacífico (2007), no Canadá (2007), nos Países Árabes
foram destruídos, e que mais da metade
(2008) e na América do Norte (2013).
dos prédios avaliados apresentaram
danos de moderados a severos. Mobilizar cidades para adotar uma cultura de solidariedade e cooperação só é
possível com o uso de diversos canais, incluindo reuniões regulares de prefeitos,
No entanto, não são apenas as pedras conferências internacionais e publicações. Em maio de 2016, por exemplo, a UNESCO
que foram destruídas. A alma da cidade e a fundação de sua Embaixadora da Boa Vontade, Mariana V. Vardinoyannis,
foi estilhaçada. A restauração da memória lançaram a iniciativa Welcoming Cities for Refugees: Promoting Inclusion and
é tão, se não mais, importante que a Protecting Rights (Cidades Acolhedoras para Refugiados: Promovendo a Inclusão e
reconstrução dos prédios. A Grande Protegendo os Direitos, em tradução livre). Conduzida em parceria com a ECCAR, a
Mesquita de Alepo, por exemplo, foi iniciativa resultou em uma publicação homônima, em 2016. Ela oferece o primeiro
uma joia da civilização Seljúcida. Era mapeamento internacional completo e analítico sobre questões envolvendo cidades
única não apenas por seu minarete e e migração, com foco na Europa. A publicação também revisa perspectivas das redes
decoração excepcional, mas também internacionais sobre cidades e migração, e identifica uma série de princípios comuns,
por seu papel social. Este local de culto orientações e ações a serem realizadas no campo da governança urbana.
tem sido um elemento fundamental da
cultura síria, com gerações de sírios se
reunindo aqui ao longo de 900 anos.
Sua devastação atinge a própria essência Cidades inteligentes
dessa comunidade. Segurança hídrica, saneamento, violência urbana, desigualdade, discriminação,
Os habitantes de Alepo são os guardiães poluição, desemprego. Em um mundo onde a urbanização está em crescimento,
da história e da memória de sua cidade. estes são alguns dos desafios críticos que as cidades terão que enfrentar. Lar para
Caberá a eles reviver sua vida cultural, metade das pessoas do mundo hoje, espera-se que as cidades abriguem dois
social e econômica. Os autores dedicaram terços da população mundial até 2050.
este livro a eles, para ajudá-los a superar o Criado no início dos anos 2000, o conceito de cidade inteligente pretende oferecer
trauma da guerra. respostas para esses desafios ao combinar novas tecnologias com ideais humanistas.
Por meio de sistemas urbanos inovadores, as cidades inteligentes promovem o
desenvolvimento socioeconômico enquanto melhoram a qualidade de vida.
Grandes oportunidades estão se abrindo com as cidades inteligentes. No entanto, para
Chantal Connaughton, escritora britânica, ser eficaz, essa “inteligência” deve adotar uma abordagem humanista, e não deixar
editora e especialista em comunicação. ninguém para trás. Esta é a principal mensagem da nova publicação Smart Cities:
Shaping Societies for 2030 (Cidades inteligentes: moldando sociedades para 2030, em
tradução livre), coeditada pela UNESCO e pelo Observatório Netexplo, e apresentada no
* “Cinco anos de conflito: o estado do patrimônio
cultural na Cidade Antiga de Alepo” foi publicado 12º Fórum Anual Netexplo, de 17 a 19 de abril de 2019, na sede da UNESCO em Paris.
pela UNESCO e pelo Instituto das Nações Unidas Para avaliar a contribuição das cidades inteligentes para o desenvolvimento
para Treinamento e Pesquisa (UNITAR). O estudo foi
conduzido em parceria com a Directorate-General for sustentável, a UNESCO e a World Technopolis Association (WTA, Associação Mundial
Antiquities and Museums (DGAM, Direção-Geral para Technopolis, em tradução livre), organizaram conjuntamente a 15ª Feira WTA
Antiguidades e Museus do governo sírio, em tradução H-Tech e o Global Innovation Forum (Fórum de Inovação Mundial, em tradução
livre) e a Endangered Archaeology in the Middle East
and North Africa (Eamena, Arqueologia sob Risco livre), em Nova Cidade Binh Duong, no Vietnã, em outubro de 2018. Sob o tema
no Oriente Médio e Norte da África, em tradução “Towards a better place to live: Smart City” (Rumo a um lugar melhor para se viver:
livre), sediada no Reino Unido. Foi financiada pelo cidade inteligente, em tradução livre), estratégias e políticas para aumentar a
Ministério de Relações Exteriores da Noruega e pelo
Fundo de Emergência para o Patrimônio da UNESCO. competitividade – que são essenciais para o desenvolvimento sustentável – foram
143 páginas. Dezembro de 2018. discutidas, e foram propostas soluções tecnológicas para vários problemas urbanos.
Yazd:
vivendo em simbiose com o deserto
As cidades modernas e a tradição
cultural podem ser percebidas como
noções contraditórias. Sinônimo de
modernidade, novos modos de vida
e oportunidades múltiplas, sempre
imaginamos que as cidades olham
para o futuro. Enraizadas no passado,
as tradições, por outro lado, são
pensadas como entraves ao progresso.
A preservação do patrimônio é muitas
vezes vista como dispendiosa e
demorada para um retorno relativamente
baixo do investimento e, por essa
razão, recebe menor atenção do que o
desenvolvimento da infraestrutura.
Ainda assim, as tradições continuam
a ter vida própria. Esses costumes são
passados de geração em geração e estão
em constante evolução – permitindo
que as comunidades respondam às
novas necessidades e se adaptem às
mudanças em seu ambiente. Mais do
que podemos imaginar, são capazes
de oferecer soluções sob medida aos
problemas atuais.
Os qanats do Irã
CC BY-SA 4.0 photo: Bernard Gagnon
Salvar as
paisagens urbanas: Ilha de
Moçambique
A Ilha de Moçambique, que dá nome ao fatia do paraíso é um caldeirão cultural
país, é uma ilha de coral em forma de de influências bantu, suaíli, árabe, persa,
meia-lua a quatro quilômetros da costa indiana e europeia. A rica arquitetura
norte de Moçambique continental, da ilha reflete sua história dramática
na entrada da Baía de Mossuril, no e colorida. Habitada por falantes de
Oceano Índico. línguas bantas no ano 200, e registrada
em rotas de navegação do Oceano
Além da decadência de seu patrimônio Com apenas três quilômetros de Índico desde o primeiro milênio, a Ilha de
construído, a cidade de Macuti enfrenta extensão e de 200 a 500 metros de Moçambique foi dominada pelo comércio
os desafios da superpopulação largura, com uma área urbana de cerca árabe entre os séculos VIII e XVI. Então,
e da pobreza. de 1 quilômetro quadrado, esta pequena por quatro séculos (1507 a 1898), esta
© Peter Hess
“Será que eu tenho o direito de estar população pode acender as luzes de dos Objetivos de Desenvolvimento
aqui? Em mais de uma ocasião, Rubén suas casas ao anoitecer. Sustentável (ODS) estabelecidos pelas
Salgado Escudero fez a si mesmo Nações Unidas em sua Agenda 2030 para
Uma vez concluída sua missão, Escudero
essa pergunta enquanto viajava pela o Desenvolvimento Sustentável, que
seguiu viagem como fotógrafo por
zona rural de Mianmar com seu caro inclui a erradicação da pobreza (ODS 1), o
conta própria, e decidiu que mereceria
equipamento fotográfico. O fotógrafo acesso universal à educação de qualidade
o direito de estar lá. Ele ainda não sabia
espanhol, que visitou este país em (ODS 4) e a igualdade de gênero (ODS 5).
2014 em nome de uma organização como, mas queria chamar atenção para A energia limpa e acessível para todos é,
humanitária, ficou impressionado com o problema. A ideia dos Retratos Solares em si, um desses Objetivos (ODS 7). Esta
a evidente falta de acesso à eletricidade. veio à mente quando ele conheceu é a primeira vez que o papel fundamental
“A maioria dos vilarejos onde estive, não vilarejos equipados com painéis solares. da energia foi reconhecido nessa escala,
tinha eletricidade”, explica ele. “A qualidade de vida daquelas pessoas de acordo com o relatório.
era tão diferente da de alguns de seus
Das mais de 53 milhões de pessoas em No entanto, “em muitos países, o acesso
vizinhos”, lembra ele.
Mianmar, 22 milhões são desprovidas à eletricidade ainda é um privilégio e
deste bem essencial, que até então era A energia é, de fato, “essencial para a não um direito”, diz o fotógrafo com
tão comum aos seus olhos. Enquanto humanidade se desenvolver e prosperar”, indignação. Em 2017, havia cerca de
79% dos moradores urbanos têm acesso conforme destacado no Relatório de 1 bilhão de pessoas no mundo sem
à energia, este número cai drasticamente 2017 da Agência Internacional de Energia eletricidade. Contudo, como podemos
nas áreas rurais, onde apenas 43% da (AIE). É essencial para se alcançar muitos atrair a atenção do público, cada vez
Faustina Flores Carranza e Juan Astudillo Jesús em sua casa em Guerrero, no México,
recentemente iluminada por energia solar. Esta é a primeira vez que o casal, casado
há 48 anos, foi capaz de olhar nos olhos um do outro depois do escurecer.
mais cansado das notícias negativas arrecadados foram usados para equipar Em 2017, o fotógrafo viajou por todo o
que chega até ele todos os dias? três vilarejos com painéis solares, México. Em 2019, ele pretende visitar
“Encontrando novas maneiras criativas beneficiando 400 habitantes. os navajos no Novo México (Estados
de contar histórias, para chamar a Unidos), assim como a Guatemala, a
Desde então, o projeto continuou a
atenção das pessoas”, responde Escudero. Colômbia e as Filipinas.
crescer. O fotógrafo novato mereceu
Ele tira suas fotos apenas com a luz de atenção da revista norte-americana Atualmente, Escudero organiza
lâmpadas LED alimentadas por painéis National Geographic, que o enviou à workshops nas escolas de cada
solares. Essa luz, que as concede um Uganda, na África subsaariana, em comunidade onde faz o seu trabalho.
ar de quadros de Rembrandt e que, 2015, para completar a série. Estima-se Por meio de experiências práticas
sem dúvida, a energia positiva que que, até 2030, essa região abrigue 600 com lâmpadas solares*, os estudantes
delas emana tem despertado um milhões das 674 milhões de pessoas se familiarizam com o conceito de
interesse que o fotógrafo não esperava. vivendo sem eletricidade no mundo. energia renovável, que é, segundo a
Publicadas na revista semanal norte- AIE, a solução mais econômica para
No mesmo ano, Escudero visitou a Índia, três quartos das novas conexões
-americana Time, e na revista mensal que atualmente realiza um dos maiores
alemã GEO, suas fotos de Mianmar necessárias no mundo. “Quanto mais
feitos da história da eletrificação. cedo sensibilizarmos as crianças sobre a
inspiraram entusiasmo do público. Tanto Desde o ano 2000, meio bilhão de importância desta questão, maior será a
que o fotógrafo, com a ajuda de um indianos estão conectados à rede probabilidade de os futuros líderes não
leitor austríaco, lançou uma campanha elétrica, e espera-se que o país consiga se mostrarem indiferentes ao tema, e nos
para levantar fundos, Let there be light alcançar sua meta de acesso universal à levarem na direção certa”, explica ele.
Myanmar (“Que haja luz, Mianmar”, em eletricidade até o início dos anos 2020.
tradução livre). Em 2016, os recursos
Depois de um dia de pesca no lago Victoria, o ugandês Lukwago Kaliste passa a noite quebrando pedras em pedaços menores,
que ele vende para uso na construção de fundações de edifícios. Ele leva 3 horas para encher um caminhão pequeno com
pedras, que rendem a ele 10 dólares. Apenas 19% da população de Uganda teve acesso à eletricidade em 2016.
Too Lei, um oozie, ou manipulador de elefante, posa em seu elefante na região Bago de Mianmar.
Por 300 anos, os oozies trabalham com elefantes para garantir a exploração madeireira sustentável.
em classe,
enquanto
Stop the racism (Pare o racismo, enchemos nossas
Muitos anos antes de Lincoln, racistas e em tradução livre), do cartunista
antirracistas propuseram uma solução
para o “problema dos negros”, enviando-
italiano Tomas. bocas com
-os “de volta” ao Haiti ou à África, onde
muitos deles acabaram fundando a social e racial dos EUA. O nervosismo platitudes sobre
nação da Libéria (uma de minhas alunas, atual a respeito de uma mudança nessa
Adja, é de uma família que veio daquele
país africano). Os ingleses fizeram o
composição nada mais é do que uma
continuação daquela antiga lógica. Não
compaixão e luta
mesmo, ao tentar “livrar” a Inglaterra de
seus negros. No entanto, sob Lincoln,
fosse esse o caso, o que poderia haver
de errado em fazer parte de um grupo pela liberdade e
os negros se tornaram cidadãos, e uma minoritário ou ser diferente dos outros?
forma de reduzi-los a uma minoria foi não pela dignidade
apenas dificultando que eles votassem
Não é preciso
(por exemplo, com a imposição de um
imposto sobre a votação), mas também ser racistas... humana.
abrindo as fronteiras do país à imigração.
Claramente, se você é uma boa pessoa
A Estátua da Liberdade, um presente do e se é a favor da aplicação correta das
povo francês ao povo norte-americano leis, isso não faz de você um racista.
para comemorar o centenário da Não é preciso ser racista quando a lei
desenvolvimento mútuo. As próprias leis
Declaração de Independência de 1776, e a cultura já o são. Nos EUA, ninguém
de imigração são repletas de pânico ao
ainda grita com lábios silenciosos: protesta contra imigrantes canadenses ou
menor sinal de trabalhadores pobres.
“Dê-me os teus cansados, os teus europeus. O mesmo acontece na Europa,
pobres, as tuas massas amontoadas que e até mesmo no Cone Sul da América do É verdade que não é preciso ser racista
desejam respirar livres...”. Dessa forma, Sul [a região mais meridional da América para apoiar leis e fronteiras mais seguras.
os EUA abriram seus braços a ondas de Latina, povoada majoritariamente por Também não é preciso ser racista para
imigrantes empobrecidos. Naturalmente, descendentes de europeus]. No entanto, disseminar e sustentar um paradigma
a grande maioria deles era formada por todos estão preocupados com os negros antigo e fundamentado em classe,
brancos pobres. Muitos se opunham e com os híbridos, as pessoas mestiças do enquanto enchemos nossas bocas com
aos italianos e aos irlandeses, por serem sul. Porque eles não são brancos e “bons”, platitudes sobre compaixão e luta pela
católicos ruivos. De todo modo, eles mas pobres e “maus”. Atualmente, quase liberdade e pela dignidade humana.
eram vistos como melhores do que os meio milhão de imigrantes europeus estão
negros. Os negros não conseguiram vivendo ilegalmente nos EUA. Ninguém
imigrar da África, não apenas porque fala sobre eles, assim como ninguém
estavam muito mais distantes do que fala sobre como 1 milhão de cidadãos
os europeus, mas também porque norte-americanos estão vivendo no
Professor de literatura latino-americana e
eram muito mais pobres, e dificilmente México, muitos deles, ilegalmente.
estudos internacionais da Universidade de
havia rotas marítimas para conectá-los
Com o comunismo descartado como Jacksonville, na Flórida, nos Estados Unidos,
a Nova York. Os chineses tinham mais
uma desculpa (nenhum desses Estados Jorge Majfud é um renomado escritor
oportunidades de chegar à Costa Oeste
cronicamente enfraquecidos de onde uruguaio-norte-americano, que contribui
e, talvez por essa razão, foi promulgada
vêm os migrantes é comunista) vamos, regularmente com a mídia internacional. Ele é
uma lei em 1882 que os proibia de entrar
mais uma vez, considerar as desculpas autor de muitos romances, incluindo La reina
no país, apenas por serem chineses.
raciais e culturais comuns ao século de América (A rainha da América), Crisis (Crise)
Compreendo que essa foi uma maneira anterior à Guerra Fria. Todo trabalhador de e Tequila, e de livros de ensaios, como La teoría
sutil e poderosa de reformular a pele escura é visto como um criminoso, de los campos semánticos (A teoria dos campos
demografia, ou seja, a composição política, não como uma oportunidade de semânticos; todos os títulos em tradução livre).
O sr. divide seu tempo entre três países Portanto, é uma espécie de celeiro ingressou na Académie Française. E quem
– o Congo, a França e os Estados Unidos. tricontinental em que eu entro, para questionaria a universalidade do Diário de
Como esse arranjo funciona para o sr.? resgatar tudo o que possa ajudar a um retorno ao país natal de Aimé Césaire,
explicar o mundo de amanhã. O mundo da Martinica? Quem duvida do poder
Como uma vantagem, claro! Essa cultura
de amanhã é a soma de diferentes de análise de outro martinicano, Frantz
tricontinental me permitiu encontrar a
culturas. Fanon, em Pele negra, máscaras brancas?
variedade do mundo e descobrir o que
Esses escritores atacaram o sistema
chamo de “Áfricas móveis”. Primeiramente, Há quem diga que, atualmente, o sistema
colonial e seus corolários de dentro – e
uma África móvel dentro do continente. neoliberal é uma hegemonia tamanha que
atacaram-no utilizando as ferramentas
Quando morava no Congo, eu me não temos mais palavras para criticá-lo...
que o sistema lhes forneceu.
deparei com africanos ocidentais, e isso
Francamente, não consigo me identificar
me fez compreender a diversidade da “Os belgas estão tentando recontar
com isso! Significaria que todas as
África. Quando cheguei à França, descobri sua história colonial”, o sr. comentou
ferramentas para a crítica foram
o mundo ocidental, mas também os recentemente no Instagram depois de
corrompidas pelo sistema neoliberal – e
africanos que haviam se estabelecido lá visitar o AfricaMuseum, na Bélgica.
eu não sou tão pessimista assim. Sempre
por meio da colonização e da migração Por que o sr. disse isso?
há maneiras de frustrar um sistema, e
– uma África móvel na Europa. E, quando
é por vezes entrando no vocabulário Um museu é como um indivíduo, que
estou nos Estados Unidos, eu percebo
daquele sistema, descontruindo-o e envia uma mensagem pela escolha de
meu continente através de uma lente
demonstrando o quão vazio ele é, que suas roupas, o que pode ser honesto
de aumento que me permite discernir
uma nova forma de pensar pode surgir. ou tendencioso. Alguns usam peruca.
as sombras flutuantes de outra África
Só porque o amendoim tem uma casca, Você pode se apaixonar por esse lindo
móvel, exilada pela escravidão e pelo
não significa que eu não vou quebrá-la cabelo e se decepcionar profundamente
tráfico de escravos. Conheci esse mundo
para ver o que está dentro e comê-lo! quando descobrir que ele é falso!
afro-americano em Nova York, por meio
De modo similar, quando você entra
de Richard Wright, Chester Himes e Veja o exemplo das civilizações africanas.
nesse museu, diz a si mesmo que é muito
James Baldwin, escritores da Renascença Elas utilizaram o pensamento ocidental
bonito e, finalmente... nada. Eu andei em
do Harlem – um movimento que eles para estabelecer o pensamento africano.
círculos, mas não vi os braços que foram
iniciaram na primeira metade do século O movimento Negritude nasceu na
cortados durante a época de Leopoldo II.
XX, que revolucionou o denominado Europa, na mente dos estudantes negros
pensamento negro. e caribenhos que vieram estudar na Reconhecidamente, esse [recentemente
França. Um deles, o senegalês [poeta renovado] museu deu a alguns
e político] Léopold Sédar Senghor, descendentes de africanos uma
© Selçuk Demirel
RTIFICIAL
na 4RI; e é isso que precisamos fazer de tecnologia. No Quênia, o número de
desempenhar um papel importante.
para avançarmos. A criação de zonas startups da 4RI e o lançamento de moedas
Tenho observado, e este é um ponto de
econômicas especiais para a 4RI digitais deixam claro que o presidente
vista controverso, que há uma cultura
seria uma boa ideia, com governos Uhuru Kenyatta entende de tecnologia.
que não considera a África como um local
oferecendo incentivos fiscais às
de produção. Por exemplo, não existe Na África do Sul, o presidente Cyril
empresas que promovam a produção,
fábrica da Apple na África. É muito mais Ramaphosa é o primeiro líder a colocar
a criação de empregos e ajudem o
INTELLIGENCE
fácil estabelecer parcerias com empresas a 4RI na vanguarda de sua estratégia, e
crescimento econômico.
que têm produção nos países em que ele é um grande defensor da ciência e
operam do que com aquelas que apenas Esses incentivos não deveriam ser apenas tecnologia. Em seu discurso de Estado
importam para o país seus produtos para empresas estrangeiras, as empresas da Nação, em fevereiro de 2018, ele falou
fabricados em outro lugar. locais também deveriam ser beneficiadas. sobre a revolução industrial digital e
se comprometeu a criar uma comissão
Que mecanismos precisamos Isso significa que os líderes políticos
de especialistas em 4RI para definir a
implementar para que as multinacionais precisam desempenhar um papel
estratégia. Precisamos de uma estratégia
Como o sr. descreve a Reserva da Biosfera e proporciona ótimas oportunidades para a economia agroflorestal mista, que
Gran Pajatén para alguém que nunca as gerações futuras. é particularmente bem adequada à
ouviu falar dela? produção de cacau, porque os cacaueiros
Pessoalmente, sempre fui ligado ao
florescem à sombra de outras árvores.
É um lugar extraordinário, caracterizado trabalho na terra, às nossas florestas
por uma grande diversidade natural primárias, à sua impressionante A inscrição da nossa região na Rede
e cultural, pois reúne dois habitats vegetação e energia direta que se recebe Mundial de Reservas da Biosfera da
completamente diferentes – os Andes e delas quando se mora aqui. Minha vida UNESCO (WNBR), em 2016, nos deu
a Amazônia. Com cerca de 2,5 milhões de sempre esteve intimamente ligada à um tremendo impulso. Vimos isso
hectares, a reserva abriga 5 mil espécies riqueza cultural, às lendas, à imaginação, como um sinal de reconhecimento dos
de plantas e mais de 900 espécies de à música e à gastronomia desse lugar. Por esforços que temos feito para nos tornar
animais, das quais cerca de 30 são isso saí para estudar em Lima, a capital, a principal região produtora de cacau
endêmicas. Também abrange o Parque com toda a intenção de retornar para me orgânico do Peru.
Nacional Rio Abiseo, inscrito na Lista dedicar à promoção desse patrimônio
Este reconhecimento internacional
do Patrimônio Mundial da UNESCO em excepcional. E foi o que fiz.
abriu novas oportunidades para a
1990, que tem uma abundância de ruínas
O que a designação de Gran Pajatén Fundação Amazônia Viva (Fundavi), que
arqueológicas. Desde meados da década
como uma reserva da biosfera da trabalha para conservar o ecossistema
de 1980, 36 sítios pré-colombianos foram
UNESCO significa para os 170 mil de Gran Pajatén. Agora, empresas
descobertos aqui, em altitudes que
habitantes da região? que anteriormente eram céticas e nos
variam entre 2,5 mil e 4 mil metros.
desprezavam, estão se interessando por
A população local sofreu muito no
Para aqueles de nós que nasceram aqui, nós. Poderosa, a empresa de mineração
passado, atormentada por cartéis de
tudo isso constitui um legado único, pelo de metais preciosos, por exemplo, está
borracha e de drogas, e até mesmo por
qual nos sentimos responsáveis e que nos investindo em pesquisa arqueológica
guerrilheiros. No entanto, no início dos
obriga a pensar a longo prazo. (recentemente publicou um excelente
anos 2000, o renascimento da cultura do
manual), em pesquisa agrícola (lançou
Vejo esta reserva como nossa fortaleza cacau permitiu que milhares de pessoas
um estudo sobre batatas) e nos
geográfica, que nos oferece condições escapassem da pobreza e da exclusão.
forneceu materiais didáticos para as
ideais para uma melhor qualidade de vida Ao longo do tempo, desenvolvemos
escolas primárias.
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