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Introdução
originalmente tese de doutoramento do professor da UFPB Durval Muniz, tem por objeto
décadas do século XX, tendo por base a idéia do que ele chama de “naturalização” do
espaço procedida por esses discursos e seu profundo anti-modernismo, fruto de uma
ardilosa articulação das “elites” produtoras “nordestinas” em crise, que construíram uma
“máquina discursiva” da qual ninguém, nem nas artes nem na academia, conseguiu
escapar, a não ser, pelo visto, o próprio Durval Muniz. Surpreendentemente, mesmo os
marxistas, até então reconhecidos como os mais vorazes críticos do regionalismo, estavam,
sem que tivessem percebido, eles também, envolvidos por essa malha discursiva
arrebatadora1.
abandono de um “espaço” naturalizado que ganha vida própria, que institui a região como
*
Professor Substituto do Departamento de História da UFPB (Campus I) e doutorando em Sociologia
(UFPE)
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Muniz afirma que autores como Rosa Godoy (O Regionalismo Nordestino) e Francisco de Oliveira (Elegia
para um Re(li)gião), ao trabalharem com a idéia de existência do “Nordeste” como uma região, acabam por
legitimar essa “dizibilidade” regionalista e, mais ainda, estão presos “à rede de poderes que sustenta a idéia
de região como referencial válido para instituir um saber, um discurso histórico”. (Muniz Albuquerque Jr.,
1999:28)
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classe) e mascara um profundo sentimento anti-moderno, de resistência às mudanças, de
natureza
conservadora, portanto. Por isso, para Muniz só é possível falar em “Nordeste” a partir de
capitalista, que modifica profundamente a geografia da “região”, deixa nela suas marcas,
bloco de poder estabelecido. O “Nordeste” nasce, dessa maneira, como uma poderosa
“máquina discursiva” que institui uma idéia e que passa a ser, desde então, associada ao
relações baseadas na “honra”, pessoais, ao rural, enfim. No lado oposto, está o “Sudeste”,
No primeiro capítulo, Muniz trabalha essa oposição a partir de uma idéia central do
seu trabalho que é a de “naturazalização” do espaço. A partir daí toda produção artística e
intelectual que tenha como referência o “Nordeste” como recorte espacial “naturalizado” –
ou seja, como um conceito já dado, sem história, portanto – será tratada como peças de
uma mesma engrenagem, que não questiona, não põe em xeque, mas legitima, dá
continuidade, reforça um discurso que é o das elites regionais. Nos capítulos posteriores,
Muniz faz uma análise da produção cultural que institui a região, estabelecendo como
cultural e político. A partir daí, o regionalismo começa a se instituir e até o final da década
de 20 e durante as seguintes parece ter dado seus frutos: as obras José Américo de
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Caribe, João Cabral de Melo Neto, Glauber Rocha e outros não conseguem, apesar das
diferenças entre eles, que o autor não desconsidera, fugir das imagens do regional, das suas
fronteiras naturalizadas, seja com uma postura mais “conservadora” – como é o caso de
José Lins e José Américo, por exemplo – seja como postura crítica, mais à esquerda, que
Rocha etc.
nova idéia de Nordeste da qual ele não sabe muito bem qual seria, mas deixa indícios sutis
de que o tropicalismo poderia se constituir na base por onde se poderia começar essa
ruptura discursiva, algo que ele deixa mais claro no último capítulo de sua tese, que trata
Este trabalho é uma tentativa de diálogo crítico e sincero com essas idéias, hoje tão
polêmica que o livro em tela chama, que representa, ao mesmo tempo, uma leitura bastante
mesma, objetivo que é perseguido, devemos aqui reconhecer, com brilhantismo. O estilo
de Muniz permite uma leitura fácil, quase literária, o que certamente ajuda na clareza da
exposição e das idéias que o texto expõe. E estas são muitas, e polêmicas. Por isso, este
Nele, procuraremos desenvolver uma crítica da concepção de espaço adotada por Muniz,
como já enfatizamos, central para sua argumentação e trabalho com as fontes, sua visão
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objetivando um debate teórico a respeito da concepção de poder e de história esboçada no
empecilho às transformações e mudanças históricas, o que dessa maneira, acaba por opor
mudança. São recorrentes as referências nesse sentido: “O espaço perdia cada vez mais sua
dimensão natural, geográfica, para se tornar uma dimensão histórica, artificial, construída
pelo homem” (p. 47), como se o espaço antes da modernidade capitalista no Brasil não
natureza?” Veja-se que o espaço é uma dimensão a priori, como em Kant, mero palco das
ações humanas, portanto, da história. O espaço é visto aqui como mero repositório das
obras humanas, que são artificiais, ou seja, não fazem parte do espaço, alteram-no,
modificam sua percepção. O espaço é separado do homem, não tem um conteúdo social, a
não ser como subjetividade, como percepção. O espaço é apenas exterioridade. Por isso,
metodológica do seu projeto de fazer interagir espaço (seria mais correto usar aqui “lugar”)
“Cada vez mais me parece que a formação dos discursos e a genealogia do saber
devem ser analisadas a partir não dos tipos de consciência, das modalidades de
percepção ou das formas de ideologia, mas das táticas e estratégias de poder. Táticas e
estratégias que se desdobram através das implantações, das distribuições, dos recortes,
dos controles de territórios, das organizações de domínios que poderiam constituir
uma espécie de geopolítica (...)” (Foucault, 1990:164)
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Devemos entender as referências geográficas acima como metáforas? O espaço,
liberdade” (Harvey, 1995:195), porque, para Foucault, “o indivíduo não é o dado sobre o
qual se exerce e se abate o poder. O indivíduo, com suas características, sua identidade é,
fixado a si mesmo, o produto de uma relação de poder que se exerce sobre corpos,
espaciais têm um sentido apenas político-administrativo já que tem uma relação direta com
camadas discursivas construídas por esse saber que sua arqueologia procura desvendar.
com o tempo, não produzem elas também o tempo. As mudanças espaciais são apenas
espaciais no trabalho.
“Tentar fazer com que este espaço [a região Nordeste] cristalizado estremeça, rache,
mostrando a mobilidade do seu solo, as forças tectônicas que habitam seu interior, que
não permitem que a vejamos como efeito da sedimentação lenta e permanente de
camadas naturais ou culturais, buscando apreender os terremotos no campo das
práticas e dos discursos, que recortam novas espacialidades, cartografam novas
topologias, que deixam vir à tona, pelas rachaduras que provocam, novos elementos,
novos magmas, que se cristalizam e dão origem a novos territórios.” (Muniz de
Albuquerque Jr, 1999:26 [grifos nossos])
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O espaço não tem assim existência “real”, é mera construção discursiva, por isso,
poder ser escavado pela arqueologia de Muniz. A recusa do uso do conceito de espaço,
“elites” proprietárias, só existe enquanto tal como percepção de uma realidade dada, de um
espaço, região) em história. As metáforas funcionam como mecanismos que não apenas
que pensa Muniz, as metáforas não auxiliam o pensamento através das imagens, mas o
Precisemos, agora, com a ajuda de Milton Santos, definir o que entendemos por
“(...) Estes [os indivíduos] podem ter dele [o espaço] diferentes percepções e isso é
próprio das relações entre sujeito e objeto. Mas, uma coisa é a percepção individual do
espaço, outra é a sua objetividade. O espaço não é nem a soma nem a síntese das
percepções individuais. Sendo um produto, isto é um resultado da produção, o espaço
é um objeto social como qualquer outro. Se, como para qualquer outro objeto social,
ele pode ser apreendido sob múltiplas pseudoconcreções, isto de nenhuma forma o
esvazia de sua realidade.” (Santos, 1990:128)
Chegamos a uma definição de espaço que com certeza escapa ao olhar de Muniz, o
espaço como uma produção social, não apenas cultural ou discursiva. O espaço compõe
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uma das estruturas da sociedade porque é produzido por ela e também a produz, assim
como outras instâncias do social. Portanto, o espaço não como exterior ao homem,
separação rígida entre sujeito e objeto, ou mera abstração conceitual, ou produto de uma
“produz” arbitrariamente como “realidade objetiva”. O espaço não é meramente por onde a
história caminha, deixando nele seus rastros. O espaço não é apenas paisagem, não é
apenas a mudança ou a permanência visíveis. O espaço, como chama a atenção mais uma
vez Milton Santos, nas suas formas materiais, guardam uma certa “autonomia de
existência”, o que lhe possibilita uma relação com os outros “dados da vida social”. O
espaço ao mesmo tempo em si e é porque é para alguma coisa, ganha existência material
apenas no interior de sua relação com outros dados que lhes são exteriores.
David Harvey procura enfatizar o que ele chama de “qualidades objetivas do espaço
e do tempo” e o “papel das práticas humanas em sua construção” nas suas elaborações
conceituais, deixando claro que os seus “significados objetivos” só têm sentido se levados
A citação acima introduz nesse debate uma categoria fundamental e cara à tradição
marxista: formação social, e que pode designar o ponto central de ruptura com as
representa, acerca dos conceitos de espaço, região, História Regional. Para o historiador
campinense, qualquer consideração, por parte não apenas dos historiadores, do “Nordeste”
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como uma “proposição concreta”, um “referente fixo”, como já foi deixado claro
anteriormente, acaba por jogar água no moinho do discurso regionalista. Essa “teia
Graciliano Ramos, Luiz Gonzaga a João Cabral de Mello Neto, Portinare a Glauber Rocha,
Di Cavalcanti a Caribé. Enfim, todos que, apesar das diferentes abordagens e dos
conceito, e suas relações com as formações sociais distintas que foram gestadas como
vários “nordestes” – o de José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano
Ramos, só para citar alguns escritores com os quais Muniz trabalha –, ele acaba por negar a
procurar. As totalidades conceituais, como a de região, por exemplo, não objetivam negar o
particular, o específico, mas torná-lo visível, sem deslocá-lo de suas relações com
mudanças e transformações históricas mais amplas, de mais longo alcance. Quem pode
dizer que o Brasil não é uma formação social distinta na América Latina, por exemplo? E
que o Nordeste configura, também, uma formação social específica dentro do Brasil.
formação social brasileira. O Nordeste, sem aspas agora, guarda a sua especificidade
histórica. Obviamente, não poderíamos falar de “Nordeste” até antes do final do século
XIX e primeiras décadas do século XX, como demonstrou Rosa Godoy há mais de 20 anos
(Silveira, 1984), partindo da análise da base material em que as distintas “regiões” foram
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surgindo no Brasil. A “crise” da produção açucareira de que parte Muniz como elemento
decisivo para “criar” o Nordeste como uma mera formação discursiva, é originada a partir
do final do século XVII e se aprofunda nos séculos seguintes, mantendo-se até os nossos
dias. Não há sequer referência a isso no livro de Muniz. Apenas a referência à crise. Se
esse aspecto é fundamental, por que não analisar suas raízes, pelo menos remeter-nos a
obras que tratem dela? No entanto, isso é compreensível. Proceder assim seria considerar
região que ele “cria” tem um sentido antimoderno, nasce em oposição ao modernismo e à
modernidade capitalista no Brasil. Fazendo isso, ele reduz a importância do Estado e das
intelectuais, mesmo que estes, não todos, tenham seus vínculos com as classes
proprietárias. E é neste sentido que podemos considera-lo deslocado do tempo, porque este
suas relações cada vez mais dinâmicas com o mercado externo, é obra da complexificação
classes dominantes nesses espaços com o Estado Nacional que se consolidava e a ação
também. Mas, esses são tão arbitrários assim? Impuseram-se de maneira tão avassaladora
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que ninguém a eles possa escapar? As ideologias, esses afastamentos entre ser e pensar,
essa “emancipação” da consciência sobre os atos que produzem nossa existência pelo
pensamento, não partem do nada, não são produtos de relações sociais e históricas, e ao
lado disso, espaciais? Não por acaso, a primeira condição para se produzir a história, n’A
da qual a natureza não pode ser abstraída, é claro. O espaço, mesmo no capitalismo, impõe
obstáculos, cria limites. Para Edward Soja (1993), na crise da pós-modernidade verifica-se
discursiva” é que tornou possível, viabilizou o tratamento de uma empiria tão diferenciada
e pouco articulada, produto de espaços e tempos tão distintos, com recortes tão
teórico sem prestar a atenção nessas “condições históricas”. Penso em duas hipóteses, que
empírico, as fontes, a produção cultural e artística, sejam utilizados sem que seja necessária
Substitui-se, como muito bem chama a atenção François Dosse, o estudo de um “sistema
causal que torne a totalidade inteligível” – que Muniz acusa os que assim procedem, de
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buscando uma outra causalidade, esta sim, “mecânica e arbitrária”. Como reconhece
Margareth Rago no prefácio ao livro: “Longe da análise das ‘condições objetivas’, supõe-
que, nesse sentido, estas são tanto relações de poder quanto emanações de afetos, de
tempo que a produz (não só conjuntural como permanentemente Muniz se socorre, para dar
ao seu trabalho o traço histórico), tais fontes empíricas possibilitariam a abertura dos
desenvolvimento histórico.
Assim, liberto de suas amarras, o empirismo correria solto, os textos falariam por si
açucareiras, a partir dos anos 20. Nesse ponto, Muniz segue ao pé da letra Foucalt a
desvendado. Não são objetos os agentes que produzem os discursos, mas os próprios
discursivas.
tornaram-no objeto autônomo, homogêneo, com vida própria – permitem-se, através dos
seus textos, de suas obras, que suas “verdadeiras” intenções sejam apreendidas pela voraz
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método da desconstrução, à procura do não dito, do inconsciente não exposto pelas
palavras. Essa nova inversão casa-se bem com os objetivos empiristas dos foucaultianos: a
linguagem, esta sim, é densa, pode ser revelada, pode nos revelar o mundo através do dito
“Tornada a realidade histórica espessa e consistente, a história constitui o lugar das tradições,
dos hábitos mudos do pensamento, do espírito obscuro dos povos; acumula uma memória fatal
que não se conhece nem mesmo como memória. Exprimindo seus pensamentos em palavras de
que não são senhores, alojando-se em formas verbais cujas dimensões históricas lhes escapam,
os homens, crendo que seus propósitos lhes obedecem, não sabem que são eles que se
submetem às suas exigências”. (Foucault, 1992:314 - Grifos nossos)
Foucault. A prática dos sujeitos históricos – a prática tornada racional pelos sujeitos do
conhecimento, estes agora tornados meros produtores e objetos de uma exegese sem fim –
nada mais diz. O que se passa a levar em consideração é apenas o que eles dizem, para se
chegar ao não dito, “quem” ele é e de “onde” ele fala. Como chama a atenção os filósofos
usar uma expressão tão ao gosto dos foucaultianos) – a si mesma, revela do homem o que
nem mesmo ele sabe. Fica instaurado, assim, um tribunal sem juiz, só com advogados de
acusação: “(...) o sujeito consciente torna-se, desta forma, para a genealogia, um puro
objeto que não pode, absolutamente, se defender do processo instaurado contra si a priori e
inconscientemente pelos discursos – não são elas apenas que se desfiguram, mas a própria
história. Porque, se há algo objetivo nisso tudo, na história humana, é que estas
objetividades são determinadas pelas práticas humanas transformadoras, que nos dão
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indicativos de que a vida muda, se transforma. Se o inconsciente ganha esse estatuto
período, que coordena os discursos que começam a fundar o Nordeste, representado, desde
então, pelo olhar da seca. É ela que se torna a artífice principal de toda essa engenharia
cultural e discursiva que nos tornou habitantes de vastos espaços de miséria e de seca, pois,
em geral, é essa imagem que vem à cabeça de qualquer brasileiro sobre o Nordeste,
temporal – permite que se proceda também um deslocamento dos agentes históricos desse
ideologia regionalista, que tem por base a elaboração de uma identidade que era a sua
de classe, sua hegemonia econômica e política, em Muniz são os intelectuais e artistas que
operam a construção discursiva – e apenas ela – que dará a luz à região. O nascimento do
Nordeste – e é com um certo desconforto que se percebe que, mesmo antes dos anos 20,
interesse de uma elite proprietária decadente, sem, no entanto, proceder-se uma análise das
suas condições econômicas que tornou isso possível – em síntese, uma abordagem que
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torne mais claro os vínculos dessa intelectualidade com os interesses dessas classes. Mas,
se assim ele procedesse, seria fatal para o seu projeto de desconstrução de uma história
total que ainda persiste teimosamente. Se o olhar se desloca para as descontinuidades, para
aspectos, traços que também aparentemente, parecem negar uma “totalidade” histórica, as
formam fora desse fluxo de tempo que pode ser racionalizado, ou seja, elas pululam, nas
racional, que se quer total. Daí porque se passa a privilegiar essas descontinuidades do
“Para a história, em sua forma clássica, o descontínuo era, ao mesmo tempo, o dado e o
impensável; o que se apresentava sob a natureza dos acontecimentos dispersos – decisões,
acidentes, iniciativas, descobertas – e o que devia ser, pela análise, contornado, reduzido,
apagado, para que aparecesse a continuidade dos acontecimentos. A descontinuidade era o
estigma da dispersão temporal que o historiador se encarregava de suprimir da história. Ela se
tornou, agora, um dos elementos fundamentais [grifos nossos] da análise histórica (...).”
(Foucault, 1995:159)
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Foucalt prefere assim o saber fragmentário, “as instituições e as práticas
como deixa antever o texto de Muniz. E aqui chegamos à nossa segunda hipótese.
debate, tão bem reconstruído, Muniz parece assumir a defesa dos modernistas “paulistas”.
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Não façamos aqui uma genealogia da genealogia, mas apontemos essa dualidade no
Muniz (que tem mãe paulista) que se manifesta em oposição ao seu nordestinismo
discurso regionalista – mas não só ele – ajudou na construção desses estereótipos sobre os
tanto os “sulistas” quanto o “nordestino”. Uns e outros constróem discursos, mas são estes
últimos os adeptos de um complô que visava paralisar, senão fazer a história voltar atrás. No
decorrer da leitura do livro, vai-se tendo a impressão que só existem vilões nessa história,
mas uns – os intelectuais e artistas nordestinos – são mais vilões do que os outros. Se não,
“Essa idéia [de “Nordeste”] vai sendo lapidada até se constituir na mais bem acabada
produção regional do país, que serve de trincheira para reivindicações, conquistas de
benesses econômicas e cargos no aparelho de Estado, desproporcionais à importância
econômica e à força política que esta região possui.” (Grifos nossos)
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Não há dúvida quanto a isso. Mas, esse discurso, visto a partir dos debates políticos
“força política”. Se qualquer pacto federativo entre as classes regionais se baseasse nesses
critérios ele se inviabilizaria por falta de acordo possível. Muniz cita um pouco mais à
frente a criação do IAA – ao lado do DNOCS – como uma instituição criada para drenar
esclarecimentos, para separarmos o joio do trigo e não jogarmos a bacia com água suja
com o bebê dentro: primeiro, o IAA nunca funcionou, como o DNOCS, como um órgão
sob controle dos nordestinos, apesar de serem “nordestinos” quem o dirigia. O IAA, ao
que o IAA foi criado nos primeiros anos do primeiro governo de Vargas e o DNOCS ainda
é fruto do pacto oligáquico da “Primeira República” (Ver a respeito, por exemplo, Oliveira,
1985 e Guimarães Neto,1989). Segundo, seria apenas isso – as práticas, agora não
mais significativa do que Muniz supõe ou talvez desejasse suprimir. Não entremos na
discussão da origem desta crise, que remonta o século XVIII, mas nos parece certamente
insuficiente qualquer tentativa que procure identificar nos produtores nordestinos uma
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“propensão” ao parasitismo, a não ser por parte do discurso “paulista” que ainda sobrevive.
Naturalista também?
objetiva – apesar de Muniz se propor a escrever uma “história sentimental”, como chama a
produção, Freyre, que os acusa, não. Freyre não tem argumentos, tem discurso regionalista
combinação com o “dado moderno”, ou seja, percebê-la no tempo, enquanto que Freyre
procurava mumificá-la, tornar a tradição o que ela sempre foi: a repetição, o tempo que não
muda. Entre o discurso e outro, Muniz é abertamente modernista, o que para nós é
positivo, mas não deixa de ser contraditório para um intento pós-moderno de destruir e
assim como seu debate com Joaquim Inojosa sobre a “peternidade” do modernismo
pernambucano.
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E quando alguns modernistas, como Oswald de Andrade, reconhecem no Nordeste
capitalistas, daí porque a leitura freyriana era conservadora mas não era tão arbitrária
identidade nordestina. É nessa relação que elas se constróem. Mas, ela não é fruto
mudança. A literatura vira uma arma para a consecução desse objetivo. A obra de José Lins
do Rego, por exemplo, pode ser resumida assim, sob o olhar de Muniz:
“Por isso, sua prosa é nitidamente judicativa. É uma forma de vingança contra aqueles
que levaram a dissolução das relações sociais tradicionais, por isso, espalha por seus
livros dor, doença, melancolia, aleijões, tristeza, loucuras. Só nesta paisagem social
seus personagens e ele próprio parecem se reconhecer” (Idem:131)
criança que ele foi – e veja-se que, em boa parte da obra de José Lins, esse é o contraponto
ao olhar das mudanças que, como adulto, ele percebe, ver, interpreta – está se
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desfigurando. José Lins representaria então o paradoxo de ser um conservador que tinha
como tema principal de sua obra as mudanças, as transformações do seu mundo, relatadas
com dor, saudade, angústia. Não seria por isso que ele é tão universal, colocado entre os
grandes escritores brasileiros do século XX? Sua obra não reflete uma visão muito pessoal
do seu mundo (material), não oferece ela uma narrativa dessa materialidade que
desmoronava? José Lins é anti-moderno, para Muniz, porque sua obra, além de referir a
um recorte espacial que ele ajudou a construir, uma “máquina discursiva” da qual ele é
peça chave, fala de saudade e de dor. Esse seria o traço que possibilitou a Muniz reunir
ideológica desde José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida a Jorge
aceleração dos ritmos do tempo provoca nas pessoas comuns e nos intelectuais, os faz
como Vocação, o sociólogo alemão assume um aberto ceticismo diante das transformações
aceleradas pelo capitalismo e seus reflexos sobre a vida humana. Parece assumir, por
vezes, uma posição de simpatia pela vida dominada pelos elementos mágicos, pelas
(politeístas) faziam realizar uma sociedade mais estável, sem problemáticos conflitos
éticos e existenciais. Vejamos essa passagem de Weber que expressa esse olhar voltado
permanente busca para a solução dos problemas que teimam em persistir: “Abraão e os
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camponeses de outrora morreram velhos e ‘plenos de vida’, pois que estavam colocados
num círculo orgânico de vida, que lhes havia oferecido, ao fim dos seus dias todo o sentido
que poderia proporcionar-lhe e porque não subsistia enigma que eles teriam que resolver. “
(Weber, 1994:440)
protestante produziu esse profundo desconforto que Weber expõe em outra parte:
capitalista tem uma referência muito mais no passado do que no futuro. Aliás, o futuro é
sempre visto como sombrio, duvidoso. O passado é mais luminoso, mais humano, menos
filósofos como Nietzsche e Foucault. As elaborações deste último a respeito dos projetos
homem, a não ser a ruptura individualista com o “fascismo que está em nossas cabeças”, o
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que, convenhamos, como o próprio Harvey também reconhece, não parece ter criado
Ora, por acaso a crítica da modernidade levada a cabo por esses filósofos
bases mais sólidas para um projeto de ciência e de sociedade que se articulem. Por isso, o
lugar e não o espaço, o indivíduo e não o social, a metáfora e não a teoria permitem um
mínimo de estabilidade.
Concluirei este trabalho com uma longa citação de David Harvey sobre as
crítica radical de suas estruturas, e uma recusa da análise dessa possibilidade; uma negação
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nossa vida e a nossa prática, que nos impõem a sua aceitação voluntária ou senão a
desconsideração completa das opiniões que se querem críticas desses determinantes. E esta
não é uma questão qualquer, é uma questão de poder, não de um poder que age
fragmentado, mas que articula uma dominação que é moral, ética, estética e intelectual
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