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O campo popular precisa mirar sua política para além da próxima eleição.
Para analisar a vitória do candidato da extrema direita nas eleições deste ano, é preciso
questionar, inicialmente, qual é o tipo de regime que vivemos desde o fim da ditadura militar
(1964-1985). Uma "democracia de baixa intensidade" (ARANTES, 2018) [analogia com
guerras de baixa intensidade] ou "democracia racionada" (SECCO, 2018) [denominação do
Marighella]?
“Por um lado, eu acho que eu não começaria discutindo pela questão da democracia
para entender o fenômeno Bolsonaro. Não é que tenhamos uma democracia ruim, incompleta,
de baixa intensidade, racionada, assim por diante, que tornou possível a vitória dele. Teria sido
possível uma vitória do outro lado e, nem por isso, eu iria desqualificar porque a democracia
não é intensiva, digamos assim. Eu acho que a boa pergunta seria que regime é esse no qual nós
vivemos desde o fim da ditadura?”
“De tal maneira nós estávamos impregnados por essa ideia que nós, de certa maneira,
tínhamos abandonado a ideia clássica de política como conflito social canalizado em torno de
algumas grandes expectativas – e nos aferramos à ideia de gestão, governo e administração. E
eu acho que estava subentendido que não haveria mais política. No fundo, era isso: a política
tinha se resumido na disputa dos fundos públicos e políticas orçamentárias alternativas e como
encaminhar esses fundos através de políticas públicas conquistadas ou implementadas através
de negociações com o Congresso, lobbys e assim por diante”.
A ideia de eleição ou alternância de poder praticamente era uma rotina sem nenhum
significado político. Isto é, por mais acirrados que fossem os embates nas campanhas eleitorais
que acontecessem de dois em dois anos – e dá uma ilusão de mobilização em torno de projetos,
mas são projetos de poder em disputa eleitoral. E isso não muda estruturalmente nada. Se a
gente imagina a alternância do FHC e Lula, a política econômica basicamente tem um fundo
comum. Tanto é que se tira e põe o [Henrique] Meirelles, que é pau para toda obra. Nós
achávamos que não haveria mais inovação política, que seria representada pelos dois projetos
que se alternavam, tucanos, ortodoxia e um governo social, digamos assim. Mas o pano de
fundo era o mesmo. Nós, nos anos 1990, definimos quais eram os dois projetos em disputa e, a
partir disso, eles poderiam se alternar sem que houvesse nenhuma quebra, nenhum tipo de
ruptura.
O que, de certa maneira, indica que nós havíamos desistido da ideia de política enquanto
transformação ou como conquista, luta. Ora, a direita reinventou isso. Nós estamos
presenciando um retorno da política pela extrema direita, se nós imaginarmos que havia um
bloco só de centro-direita e centro-esquerda que convergia ao centro e a política era uma
variação macroeconômica em torno disso e uma maior intensificação ou não de programas
sociais compensatórios, emancipatórios.
Do ponto de vista do rumo nacional a ser disputado, nada mais poderia ocorrer. E eis
que de maneira surpreendente, a partir de 2013, aparece uma nova direita. E essa nova direita
dá um trança-pé e contorna a centro-direita e a centro-esquerda ao mesmo tempo, o que faz com
que ambas apareçam configurando um só establishment. Então, o lulismo está sendo
defenestrado assim como o tucanismo, porque são identificados como parte do establishment.
Não é apenas demagogia populista contra o sistema porque eles foram identificados como tal,
são governos. E a grande reviravolta que aconteceu foi contra o establishment. E em condições
que nem a esquerda mais exasperada poderia imaginar.
Por mais que se fale em financiamento externo ou fake news, isso é absolutamente
irrelevante. O fato de que um pequeno grupo folclórico, até então, de extrema direita conseguiu,
por uma espécie de sexto sentido, enxergar alguma coisa diante de si e, pelo simples faro, dizer
'é a nossa hora' e contornar um sistema político e de financiamento de campanha, contornar os
grandes partidos políticos, golpear a mídia e fazer quase 60 milhões de votos. Em cinco anos.
Exatamente de 2013 a 2018. Essa é a novidade.
Ora, em função dessa grande novidade, que é uma ameaça, a pergunta pela democracia
fica prejudicada. A pergunta é: o que estamos entendendo por democracia quando nós
entendemos essa grande vitória política da extrema direita como uma ameaça à democracia?
Que democracia existia antes que nos estão ameaçando? E, se nós ganhássemos, que tipo de
democracia era essa que permitiria esse tipo de vitória?
Então, eu acho que não raciocinaria nestes termos. Eu disse de maneira clara e fazendo
uma tirada, se existe alguma política leninista no Brasil neste momento, ela foi feita pela
extrema direita. Havia uma vanguarda informal. Eles se organizaram, interpretaram um
movimento de rebelião de massas que foi 2013, disseram para aqueles que foram às ruas qual
era o programa deles (que eles não sabiam ao certo qual era, não era apenas corrupção), o que
eles estavam buscando, por que eles estavam indignados, por que a corrupção os deixava
naquele estado, o que significava os megaeventos… E, em três anos, derrubaram a presidenta.
Souberam surfar num golpe malogrado. O impeachment era golpe de centro-direita clássico
que não deu o que eles imaginavam, que era reconduzir e abreviar essa alternância que estava
se prolongando demais. Eles aproveitaram a primeira chance para encurtar o caminho. Mas
quando eles atalham o caminho, é outro bloco que entra e leva a rapadura.
Isso é uma coisa inacreditável. Ninguém imaginava que isso pudesse acontecer. E
aconteceu só que não é um grupo organizado. É um grupo exaltado, com princípios mais
exóticos e anti-democráticos possíveis e que não sabe bem o que quer, em termos
programáticos. Eles não têm programa de governo. É qualquer coisa que abra para a economia
de pilhagem, que vai acontecer. É como se fosse um conglomerado de lobbies que vai disputar
anos de poder econômico, que vai se desmanchando.
E o pano de fundo, a trilha sonora da extrema direita que garante o apoio popular e de
massas eleitoral para esse projeto que não existe. Se perguntarem qual é o programa de governo
deles, ninguém saberia dizer.
Esses movimentos se sustentaram, nos últimos cinco anos, pelo discurso de ódio e por
um antipetismo latente. Como eles vão conseguir, no governo, se sustentar sem projeto de
governo? Eles vão conseguir permanecer sustentados apenas por esse ódio e alimentando esse
inimigo? O Bolsonaro em sua primeira entrevista, por exemplo, não abriu mão do projeto de
tipificar movimentos como o MST como terroristas…
Tudo aparece como uma catástrofe de tal envergadura que temos a tendência de falar
em um antes e depois. Claro que há um antes e um depois. E o que vem por aí não se sabe
direito. Mas acontece que não há uma ruptura com o que tinha antes. Quando se fala em
criminalizar os movimentos sociais, há quanto tempo nós falamos em criminalização dos
movimentos sociais? E há quanto tempo nós estamos em uma coalização democrática popular?
Não é preciso acrescentar nenhuma legislação nova para enquadrar qualquer movimento social.
É uma intensificação de coisas que já vinham ocorrendo por um período histórico. Não
houve, nenhum momento, talvez nos fins dos anos 1980 – talvez até 1987 no caso do MST em
que ele fosse considerado um protagonista social construtivo, que a ruptura dele era encarada
como um benefício geral para o país, com reforma agrária, entre outras coisas. Isso foi um breve
instante em que isso ocorreu. Fora esse breve instante, eles sempre foram criminalizados,
massacrados. Massacre de camponeses ainda é uma coisa recorrente no Brasil. De modo que,
quando dizem que agora haverá uma tipificação penal em que movimento social passa a ser
terrorista e uma ocupação passa a ser um ato de terror e será reprimido como tal; do ponto de
vista dominante, isso sempre foi encarado assim. Nosso temor é que essa ameaça se cumpra de
maneira mais intensificada e mais generalizada. É uma diferença de grau para o que tinha antes,
mas não uma mudança qualitativa, que antes não havia e agora tem. [RELAÇÃO ENTRE
QUANTIDADE E QUALIDADE]
Eu acho que a resistência se equivoca um pouco achando que é tudo absolutamente novo
e nós estamos desarmados. Nós já estávamos desarmados há muito tempo. Algo que é novo é
essa nova direita nas ruas, há cinco anos, e com um eleitorado de 60 milhões que optou pela
figura do ódio, raiva, preconceito.
O senhor tem evitado caracterizar esse movimento como fascista, mas afirmou que
estamos em um período em que monstros aparecem. O Mano Brown, em um comício, deu
uma declaração parecida e disse que viu "muito dos seus se tornarem monstros". Como
podemos caracterizar esse fenômeno?
Raiva, ódio, rancor, ressentimento não nascem por geração espontânea. Há uma
matéria-prima que estava fermentando na sociedade brasileira há muito tempo e nós não
queríamos enxergar. Se nós computarmos os quase 60 milhões de votos do bolsonarismo, teria
um número irrisório de pessoas que estariam dispostas a violar, linchar, matar, estuprar,
humilhar e barbarizar.
O que é mais assustador é que o Bolsonaro não enganou ninguém. Ele fala disso há
muito tempo. E agora passou a ser verossímil. Ele não está enganando ninguém e não há razão
[para] achar que seja apenas bravata. Então, por que que as pessoas não ligam para isso? Como
não são 60 milhões de fascistas, o que significa uma maioria esmagadora de pessoas para as
quais esse discurso não conta, não afeta, que podem ficar indiferentes a isso, simplesmente virar
o rosto para o outro lado? Isso é o que eu acho mais terrível. Não é o fato de que o fascista seja
um brutamontes e vá barbarizar – é da natureza dele, não pode fazer nada que não seja isso. O
mais assustador é que haja essa imensa maioria que vira a cara para o outro lado e fica
indiferente. E não é apenas por medo. Eu não diria cumplicidade porque as pessoas ficariam
horrorizadas se assistissem a um ato de selvageria, com pessoas sendo oprimidas e massacradas.
Mas isso não as afeta nessa vontade de ser indiferentes a um horror que é anunciado. Significa
então que tudo é possível.
Ou chegamos a um ponto que nós não entendemos mais como uma pessoa pode
raciocinar friamente, articuladamente e racionalmente quando votam e aderem [à campanha de
Bolsonaro]. Eu não falo dos apoiadores fanáticos, mas aquele que faz o voto estratégico no
Bolsonaro e diz que não concorda com homofobia, racismo, xenofobia. Se deve imaginar que
a vida se tornou tão invivível que, mesmo alguém que fala coisas horríveis, eu tendo a dar um
desconto porque eu quero mudar, não dá mais para viver desse jeito. Então, mesmo que Fulano
diga que vai fazer todos os horrores que ele promete, eu acho que isso ainda não está na altura
do preço que eu estou pagando pela minha vida cotidiana, como assalariado, desempregado,
precarizado, esculachado de tudo o que é jeito. Tornou-se invivível para dois terços da
população. É uma reação que pede algum tipo de mudança.
Eu não tenho nenhuma pista que seja razoável. A gente leu quilômetros de sociologia
sobre a realidade contemporânea brasileira. Mas não explica. Todo o repertório clássico de
psicologia das massas para decifrar o que seria um fascismo contemporâneo, não há como
encontrar uma descrição razoavelmente coerente.
É complicado imaginar por que as pessoas fizeram este tipo de aposta. Estamos
realmente desnorteados e nenhuma explicação clássica satisfaz. É claro que eu posso descrever
o que é bolsonarismo, da ditadura militar, posso falar da lei de anistia que não aconteceu. Mas
tudo somado não dá para explicar nessa conjuntura que virou pelo avesso em cinco anos.
Outro fenômeno que aconteceu nessas eleições é o voto em Lula – que até então liderava
as pesquisas de intenção de voto no primeiro turno – terem se convertido em votos para o
Haddad, mas também em nulos, brancos e uma parcela se reverteu também para Bolsonaro.
Quem é esse eleitorado?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Os dados e mapas eleitorais ainda não foram
totalmente desagregados… É difícil entender o que é uma revolta conservadora, dentro da
ordem – que é uma das definições clássicas do fascismo. É um voto, para usar uma terminologia
de uma socióloga americana, dos insurgentes contra os entrincheirados. Chegar ao ponto de
você considerar um beneficiário de um programa como Bolsa Família como um entrincheirado,
como um privilégio, não é fácil de entender isso. Eu não me contento com as explicações que
estão circulando por aí. É um nó. Estamos fazendo uma entrevista sobre um beco sem saída.
Nós encontramos situações que são análogas ao que foi o fascismo histórico que é uma
reação de autoproteção da sociedade. A gente não está conseguindo explicar absolutamente
nada.
Então, existem 60 milhões de pessoas que nós temos que ganhar. E qual o caminho para
dialogar com essas pessoas que, muito provavelmente, uma parcela delas será a primeira a sentir
e ser atingido por algumas medidas desse governo?
Pois é. Como a decepção vai ocorrer rapidamente porque ele não vai entregar nada do
que prometeu, vai ocorrer uma grande frustração e uma migração para o outro campo. Só que
esse campo só se manifesta em movimentos eleitorais. O problema da esquerda é que ela está
calculando que por mais que essa derrota eleitoral, por mais acachapante que seja, ela é
recuperável. Seguramente, o vencedor vai enfiar os pés pelas mãos e não vai conseguir entregar
o que prometeu. E eu digo: o Brasil está ingovernável, este é um problema fundamental.
E ele foi um voto de protesto, óbvio que foi. Foi um voto para varrer do mapa tucanos,
petistas. Mas nós estamos pensando que precisamos recuperar isso enquanto gesto eleitoral e
não o que apareceu ali, que não é para ser trabalhado como uma massa uniforme, para mobilizar,
fazer as velhas políticas antigas dos movimentos sociais. Nós não sabemos o que fazer, mas há
uma coisa se preparando aí. E vai mudar.
O que PT e companhia está pensando em fazer? Exatamente o que foi feito nesses
últimos cinco anos. Isso significa que a OAB, tribunais, ministérios públicos estão aí para conter
a onda violenta que vem aí, esse rescaldo do fascista que ganha alguma coisa e se sente
empoderado. E no médio prazo, o que nós vamos fazer? Exatamente o que eles fizeram e nós
vamos repetir porque essa é a lógica: ninguém vai mais governar. Daqui a seis meses ou um
ano, está correndo um processo de impeachment.
Então, nós começamos pela desestabilização via oposição e essa desestabilização é fácil
fazer porque temos setores organizados, no nosso campo, que podem por areia na máquina
pelos erros que eles vão cometer. Inevitavelmente, eles vão enfiar os pés pelas mãos com a
Previdência, na nova reforma dentro da reforma trabalhista. Isso posto, nós começamos no
Congresso a desarticular a base parlamentar deles, inviabilizar o governo e, quando a mídia
também mudar (a Folha já mudou).
Mas a mídia é tucana, não é bolsonarista, ela simplesmente está tirando a lasquinha dela
e mostrando que está disposta a qualquer coisa, inclusive um governo delinquente como o
bolsonarismo. Mas, se não der certo, eu os rifo. Então, como essa maré vai virar, nós podemos,
regimentalmente como está na Constituição brasileira, impichá-lo, como eles fizeram conosco.
Mas isso não resolveria a crise política, não?
Encerra, mas não encerra. O futuro do PT não é dos mais terríveis não. A perspectiva
deles não é desoladora, nós é que estamos agoniados e aflitos. Eles têm a primeira bancada no
Congresso, governadores no Nordeste, militância e um partido estruturado. O PSL é um partido
socialmente desqualificado. Não há nenhuma força no campo popular capaz de substituir o PT
com verossimilhança e como alternativa de poder e voto. Então, eles pensam, nós estamos no
caminho. Enquanto não aparecer nada que nos suplante enquanto alternativa de poder e política
social, por inércia, toda a política progressista de esquerda no Brasil cai no nosso colo. É
inevitável. Não é ganância, sede de poder hegemônico. Eles querem sempre hegemonizar tudo,
mas não podem fazer de outro jeito. O PT está atravessado no meio do caminho e a esquerda
que está à esquerda do PT não ofereceu nenhuma alternativa credível. Para eles, a perspectiva
não é ruim não. Eles podem, inclusive, perfeitamente ganhar a prefeitura daqui a dois anos.
E aí continua o jogo e isso é o mais incrível dessa conjuntura. Nós estamos aqui
agoniados e o empenho deles é normalizar toda a situação. Não é que eles estão dizendo que o
Bolsonaro seja bonzinho, normalizado que ele possa ser, assimilado, incorporado e será
amansado se colocarmos uma focinheira nele durante quatro anos. Eles estão se comportando
como se isso fosse possível, então é o que basta. Se disputa eleição, as instituições, o sistema
eleitoral e o TSE estão aí, então nós vamos fazer uma campanha que nós sabemos que vai ser
feita na mídia social, não mais com financiamento direto. E nós podemos voltar ao poder e
continuar a não sair. Isso é o inacreditável.
Nós estamos ainda, por assim dizer, na era Geisel. Trata-se de neutralizar os dois
extremos. E como se neutraliza um dos extremos? Fingindo que ele não é um extremo,
procedendo normalmente para a próxima campanha eleitoral.
Com relação à academia, a gente viu, nas últimas semanas, uma perseguição com
relação a alguns manifestos e o senhor chegou a ser citado pelo próprio Bolsonaro nessa
questão do Haddad, dizendo que o senhor era um doutrinador marxista. Qual é o papel
da universidade nesse sentido? Quais são as ameaças para a produção do conhecimento
em um governo Bolsonaro?
Por enquanto, é pura especulação. O que a extrema direita faz, além de aprontar,
aterrorizar e atemorizar? Só sabem fazer isso. Por exemplo, as grandes escolas da Universidade
de São Paulo (Direito, Politécnica e Medicina) já são conservadoras, com professores titulares
conservadores, que têm seus próprios centros de financiamento e fundações, então já é de
direita.
Bom, então o que eles vão fazer? Vão pegar as três unidades que são caracteristicamente
de esquerda na Universidade de São Paulo (Filosofia, ECA e Educação). Eles podem fazer
piquetes para atemorizar professores e alunos, vai haver denúncia em sala de aula. O que eles
querem é que nós fiquemos aterrorizados, mas há uma espécie de inércia estrutural da
instituição universidade pública, as particulares não vão mexer, porque é um comércio, eles não
vão aterrorizar um comerciante que está vendendo seu produto e tem quem consuma
pacificamente.
Quando começam essas ameaças, a opinião pública fica escandalizada, mas nem tanto,
e passa. Aí, sim, começam as políticas do dito desmonte das universidades públicas, ou as
políticas educacionais que vão aparecer, como o ensino a distância, que são lobbys
funcionando, que vêem fronteiras de acumulação na educação do ensino básico e médio.
Do ponto de vista ideológico, não é uma reversão. Por exemplo, na minha faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, uma parte dos meus colegas são tucanos razoáveis, não são nada
de extrema direita, pelo contrário. O que eu vou fazer com eles? Não faz sentido.
Acontece que existem muitas novas federais perdidas pelo Brasil afora que são mais
vulneráveis a esse tipo de guerrilha, de expedição punitiva, de atemorização, mas vai interferir
na contratação de professores, nos concursos públicos? Bom, nem a ditadura conseguiu fazer
isso. Abre um edital para contratação de professores de Sociologia na Universidade do Cariri,
o MBL vai lá impugnar o concurso, colocar quadros? A gente está muito atemorizado com isso,
com aquela avalanche de mandados da Justiça Eleitoral na última semana e nos dois últimos
dias de campanha, achando que isso vai ser o cotidiano das universidades nos próximos quatro
anos. Elas serão atemorizadas, têm todo o debate sobre o Escola Sem Partido, etc.
É claro que se você entrar em uma sala de aula em um instituto de educação e se deparar
com uma turma de 50 alunos urrando boçalidades, é diferente, aí você vai entrar no dia a dia de
uma escola de ensino fundamental e médio da periferia.
Como luta e não como gestão. Pela primeira vez, o que se exprime nas eleições, uma
espécie de impulso político que não se resumia a gerar ou gerir políticas públicas clássicas, era
tomar o poder com embate político. E eles foram à rua ganhar no grito, nas redes sociais, e
claro, ganharam na base da mentira. A pessoa foi lá, com paixão, e ganhou a insatisfação
popular, souberam canalizar um determinado rumo que significou uma vitória política
avassaladora. Portanto, eleição e luta política fazem sentido e podem fazer a diferença e mudar
para uma coisa que nós não sabemos o que é ainda. Eu sei que não vai haver governo, no sentido
real mesmo, vai haver um pandemônio, um deus nos acuda, todo mundo puxando o tapete de
todo mundo, lobby de tudo quanto é jeito, banqueiros, agronegócio, bala… A Taurus, por
exemplo, vai ficar sozinha e não vai deixar eles quebrarem o monopólio dela, que é o que eles
querem para botar uma série de empresas na indústria bélica brasileira.
E nós não conseguimos empolgar ninguém, é essa a verdade. O cara é um líder de massa
e o nosso está lá na cadeia e ninguém levantou um dedo. No ABC, no Sindicato, foi o pessoal
que o Boulos conseguiu arregimentar no MTST ali do pedaço, não tinha mais de cinco mil
pessoas. Seria uma história que seria bem diferente, mas os 30 anos pregressos não justificariam
esperar um milhão de pessoas na Paulista. Se, por acaso, o Bolsonaro perdesse não ia sair barato.
Como a esquerda pode voltar a encantar e a fazer essa política? Quais são as
fissuras e brechas?
O que vai acontecer depois do fim do PT? O PT não vai morrer tão rápido quanto foi o
PCB, que demorou de 10 a 15 anos até os sindicatos passarem para a Chapa 2, para as oposições
sindicais. O que vai aparecer no lugar do PT é o próprio PT se refundando. As refundações do
Partido Comunista Italiano não deram certo. Nós não sabemos por enquanto o que está aí. A
não ser mobilizações eleitorais efêmeras em torno de gestão, isso ficou para trás. Podem até
ganhar a prefeitura, mas não é o novo que vai aparecer. O que vem depois não sabemos, são
grandes novidades. Por exemplo, veio o impeachment, quem se mobilizou e encarou a nova
realidade? Não foi o petismo, o lulismo. Foram os secundaristas e as mulheres. Essas coisas
novas ninguém pode prever. Quem é que imaginava que ia ter uma coisa daquelas dimensões
com os secundaristas? Tem dois meses de transição, o que vem pela frente? O que eles vão
aprontar a partir de janeiro? Vamos saber como vai ser a reação. É claro que o PT vai querer
hegemonizar tudo isso para ganhar as próximas eleições daqui há dois anos, e vão conseguir,
porque não tem nada para colocar no lugar, nada que os substitua. Quando apareceu alguma
coisa que substituiu o antigo Partido Comunista Brasileiro, ele simplesmente desapareceu,
depois virou um partido de esquerda.
Bannon afirma que as mídias sociais foram instrumentais para a eleição de Trump e
Bolsonaro. “Se não fosse pelo Facebook, Twitter e outras mídias sociais, teria sido cem vezes
mais difícil para o populismo ascender, porque não conseguiríamos ultrapassar a barreira do
aparato da mídia tradicional. Trump conseguiu fazer isso, Salvini e Bolsonaro também”, diz
Bannon. Ele afirma que virá ao Brasil frequentemente a partir de janeiro.
Por que Jair Bolsonaro é o presidente certo para o Brasil neste momento?
De todos eles, Bolsonaro foi mais longe —lembro-me de que, em 2017, ele não passava
de 10% nas pesquisas de opinião e acabou vencedor. Isso é extraordinário. Quando eu
trabalhava no Goldman Sachs, aprendi a avaliar um líder corporativo pela qualidade das pessoas
que o rodeiam. E estou muito bem impressionado com os filhos de Bolsonaro e seus assessores,
além de Paulo Guedes, formado pela Universidade de Chicago.
É uma tragédia o que está acontecendo na América do Sul, e foi nesse clima que
Bolsonaro cresceu e mostrou-se à altura do desafio.
O que aconteceu com o Brasil? O problema é essa classe política permanente, que é
corrupta e incompetente, só quer ganhar dinheiro. A situação é igual nos EUA e é por isso que
estamos vendo essas revoltas lideradas por líderes populistas que querem tornar seus países
grandiosos de novo, e Bolsonaro que quer levar o Brasil de volta a seu posto de liderança.
[claramente não. O posto liderança do Brasil foi durante os anos Lula.]
Trump e Bolsonaro usam as redes sociais de forma muito eficiente e tentam evitar e
desacreditar a mídia tradicional. Quão importante é o uso das mídias sociais em ciclos eleitorais
e no governo? Acho que a mídia tradicional ficou muito ligada às estruturas de poder existentes
e passou a reforçar essa estrutura de poder. A mídia tradicional é o partido de Davos, uma elite
financeira, cultural, científica, corporativa….
Sim, você se sente tão confortável em Londres, Washington ou Davos quanto no Brasil.
Os populistas nacionalistas dizem: não queremos isso, isso é o partido de Davos, e nós somos
diferentes. Se não fosse pelo Facebook, Twitter e outras mídias sociais, teria sido cem vezes
mais difícil para esse populismo ascender, porque não conseguiríamos ultrapassar a barreira do
aparato da mídia. Trump conseguiu fazer isso, Salvini e Bolsonaro também.
Isso é apenas linguagem provocativa. Dei uma entrevista [à BBC Brasil] e o repórter
passou um tempão lendo para mim frases polêmicas de Bolsonaro. Disse a ele: nossa, parece
as entrevistas que dou sobre Trump. Os dois são provocadores. Eles são figuras mcluhanescas
[que refletem ideias do teórico da comunicação Marshall McLuhan]. Bolsonaro e Trump
entendem o poder da comunicação de massa. Nos anos 1960, McLuhan nos falou que a mídia
iria se tornar parte não apenas da cultura, mas também da política. E é verdade: hoje, a política
é, na realidade, uma narrativa midiática.
Bolsonaro usa declarações provocativas para conseguir ser ouvido em meio ao barulho,
do mesmo jeito que Trump. Em junho de 2016, Trump estava em sétimo lugar nas pesquisas
de opinião. Depois do discurso provocativo que fez, as pessoas o ouviram e ele disparou. O
mesmo acontece com Bolsonaro. Ambos são especialistas em se conectar com as massas.
No Brasil, foi aberta uma investigação sobre o uso de WhatsApp para envio em
massa de mensagens políticas e fake news durante a campanha eleitoral.
Bom, isso deve ser resolvido pela investigação da política. Mas o que eu sei é que Orban,
Salvini, Trump e Bolsonaro enfrentam a mídia. A mídia tradicional começou a ser questionada,
antes ela tinha o monopólio das notícias e agora está sendo desafiada por várias fontes de
informações. Eu acredito que é melhor ter mais fontes de notícias do que menos.
Em relação às fake news, isso será resolvido. As pessoas vão conseguir saber, o público
no Brasil é muito sofisticado, são consumidores sofisticados de mídias sociais.
O que catapultou Bolsonaro não foi a tentativa de assassinato, foi a exposição de suas
ideias. Até pessoas que foram alvo de seus comentários provocativos, como gays, começaram
a pensar: nessa crise, talvez seja importante dar uma chance a esse cara e sua plataforma de lei
e ordem.
Não, são muito sofisticados. As campanhas no Brasil e na Itália têm muito poucos
recursos, então as mídias sociais são um componente muito importante.
No Brasil, havia dinheiro, porque agências eram contratadas pelos partidos para
fazer disparos de WhatsApp em massa.
O mercado vai continuar reagindo de forma muito positiva, ele está trazendo Paulo
Guedes. Os dois podem não concordar em tudo, mas vão se entender. Ele vai cortar gastos
[austeridade], fazer a reforma da Previdência [austeridade], estimular o empreendedorismo.
Mas o Brasil deveria estar preocupado e fazer algo a respeito do capitalismo predatório da
China.
Entrevista Haddad
Eu dizia: “Existe uma onda que tem a ver com a crise [econômica] de 2008, que é a
crise do neoliberalismo, provocada pela desregulamentação financeira de um lado e pela
descentralização das atividades industriais do Ocidente para o leste asiático”.
Os EUA estavam perdendo plantas industriais para a China. E a resposta foi [a eleição
de Donald] Trump. Isso abriria espaço para a extrema direita no mundo. Mas a extrema direita
dos EUA não tem nada a ver com a brasileira. Trump é tão regressivo quanto o Bolsonaro. Mas
não é, do ponto de vista econômico, neoliberal. E o chamado Trump dos trópicos [Bolsonaro]
é neoliberal.
Ele precisa que nós sejamos neoliberais para retomar o protagonismo no mundo, e tirar
a China. Está havendo, portanto, um quiproquó: os EUA negam o neoliberalismo enquanto não
nos resta outra alternativa a não ser adotá-lo.
E por quê?
Essa agenda não passa no teste da desigualdade. Tem baixa capacidade de sustentação.
Mas, acoplada à agenda cultural regressiva, pode ter uma vida mais longa. Pode ter voto. Teve
voto.
Essa pauta mobiliza as pessoas criando inclusive ficções. Eu permaneci à frente do MEC
por oito anos. As expressões “ideologia de gênero” e “escola sem partido” não existiam. Era
uma agenda de ninguém. Ela foi criada, ou importada, como um espantalho para mobilizar
mentes e corações.
Haverá a tentativa de compra de tempo pela alienação de patrimônio público, seja o pré-
sal ou as estatais. Com dinheiro, você ganha tempo para consolidar uma base política para
promover as reformas liberalizantes.
Há espaço. Mas isso nós vamos ver em função da operação política. Para esse projeto
dar certo, depende da habilidade de aprovar as reformas liberalizantes no Congresso. Do
sucesso dos leilões do pré-sal. E da não eclosão de uma crise internacional.
O projeto Escola Sem Partido é um projeto autoritário que está nascendo dentro da
democracia. O STF pode barrá-lo. Os pesos e contrapesos de uma República moderna vão
operar? Se não operarem, você tem o modelo híbrido, com o autoritarismo crescendo por
dentro. Estamos já vivendo em grande medida esse modelo.
Quando um presidente eleito vem a público num vídeo dizer que os estudantes
brasileiros têm que filmar os seus professores e denunciá-los, você está em uma democracia ou
em uma ditadura?
A reforma política foi o nosso maior problema. Eu falei isso numa discussão interna no
governo, em 2003.
Houve o diagnóstico de que não tínhamos força, de que seria uma perda de energia sem
produzir resultado prático na vida da população. Então se focou em resultado. E ele veio. Foram
quatro eleições presidenciais ganhas [pelo PT], quase uma quinta.
Mas teve o desgaste do PT. Desde as jornadas de 2013 [quando houve uma onda de
protestos] até 2018, o antipetismo, que sempre existiu, cresceu.
No processo de arranjo dos ministérios, a ala política tenta ocupar mais espaço, tirando
generais do círculo mais próximo de Bolsonaro e criando fórmulas para deixar Paulo Guedes
refém de futuras articulações políticas.
O general Ferreira, que participa da transição desde o primeiro dia, embora sem cargo
formal, apresentou um plano a Bolsonaro para o que seria o superministério da Infraestrutura.
O presidente eleito deu aval ao plano mas não nomeou o general para o cargo que, no desenho
proposto, estaria vinculado à Presidência.
Pessoas que participaram das conversas afirmam que Bolsonaro não se deu conta que,
com três ministros no Planalto, Ferreira ficaria fora.
Esse plano ruiu quando Onyx e Tatim, que coordenam o enxugamento dos ministérios,
passaram a contar com Ferreira no Ministro de Transportes, pondo fim à ideia do
superministério. O general então recusou permanecer no governo.
Integrantes da ala dos generais e da equipe de Paulo Guedes afirmam que a decisão de
Ferreira é uma forma de alertar Bolsonaro para os interesses políticos de Onyx e Tatim.
Tatim foi levado à transição por Onyx e pleiteia o segundo cargo da Secretaria-Geral da
Presidência, coordenando o PPI no lugar do vice-presidente Hamilton general Mourão.
"Não tem nada definido, recém colocamos a transição para funcionar. Quem falar que
tem definição, falta com a verdade", disse. "Minha relação com os generais e os demais
militares é de parceria e compromisso com o projeto de mudar o Brasil. Quem falou isso [de
desentendimentos] é, no mínimo, desinformado ou mal-intencionado."
Procurado pela reportagem, Pablo Tatim não respondeu aos questionamentos. Onyx
negou que seu principal assessor tenha indicado Megid para o cargo de ministro de Transportes.
Nesta segunda-feira (27), ele indicou o quinto militar como ministro de governo, o ex-
diretor do DNIT Tarcísio de Freitas. Ele, que atualmente é coordenador do PPI (Programa de
Parcerias e Investimentos), já foi engenheiro do Exército, instituição que deixou quando era
capitão.
Além dele, Bolsonaro já escolheu um general da reserva para seu vice, Hamilton
Mourão e outros dois para ministérios que ficam no Palácio do Planalto: Augusto Heleno, para
o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e Carlos Alberto dos Santos Cruz, como chefe da
Secretaria de Governo.
Santos Cruz vai compartilhar com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o
trabalho de fazer a interlocução do Executivo com o Congresso.
A medida foi vista como arriscada por pessoas próximas ao presidente eleito, já que
normalmente o posto de articulador é ocupado por alguém com experiência na atividade
parlamentar.
Escolhido pelo presidente eleito Jair Bolsonaro como novo Ministro de Relações
Exteriores, o diplomata Ernesto Araújo costuma expressar críticas a políticos de esquerda, em
especial ao PT, em artigos e em seu blog.
Também costumam ser alvo de suas declarações assuntos como o aborto, o feminismo
e a mudança climática, além de ao que ele chama de "globalismo".
PT
“Vocês acham que o PT vai largar o poder depois de quatro anos? Oito? Dezesseis? Não
largará nunca. Não será um novo governo, será um novo regime, um império do crime, apoiado
no conluio entre as oligarquias nacionais e num novo eixo socialista latino-americano, sob os
auspícios da China maoísta que dominará o mundo”
"O ideal do PT (já expresso por alguns ecologistas radicais) é que a espécie humana não
existisse. Já que existe, ainda, vamos fazer dela o pior possível, para que a humanidade se odeie
tanto a ponto de um dia cometer suicídio"
Esquerda
"O socialismo apanha causas e conceitos legítimos, instala-se em seu ventre, escraviza-
os, suga toda a sua energia e, como o monstro do filme 'Alien', um dia finalmente irrompe com
sua cara feroz e horrenda"
Clima
“Ao longo do tempo [...] a esquerda sequestrou a causa ambiental e a perverteu até
chegar ao paroxismo, nos últimos 20 anos, com a ideologia da mudança climática, o
climatismo”
Bolsonaro
“Quero garantir que esse momento extraordinário que o Brasil está vivendo com a
eleição do presidente Bolsonaro se traduza dentro do Itamaraty"
"Se há alguma coisa que os líderes como Bolsonaro e as pessoas que votam neles não
têm é medo.
Religião
"O ateísmo virou centro, enquanto a fé virou extrema direita [...]. Por que o aborto virou
o critério para definir se uma pessoa é um cidadão civilizado e racional, se o defende, ou um
boçal troglodita, se o rejeita?"
Trump
Globalismo
"Não por acaso o marxismo cultural globalista dos dias atuais promove ao mesmo tempo
a diluição do gênero e a diluição do sentimento nacional: querem um mundo de pessoas 'de
gênero fluido' e cosmopolitas sem pátria, negando o fato biológico do nascimento de cada
pessoa em determinado gênero e em determinada comunidade histórica"
Ocidente
"Só quem ainda leva a sério a história do Ocidente, só quem continua sendo ator e não
mero espectador, são os norte‑americanos. (...) Hoje, é muito mais fácil encontrar um
ocidentalista convicto no Kansas ou em Idaho do que em Paris ou Berlim"
"O inimigo do Ocidente não é a Rússia nem a China, não é um inimigo estatal, mas é
sim principalmente um inimigo interno, o abandono da própria identidade, e um inimigo
externo, o islamismo radical"
Imigração
"A esquerda, a partir dos anos 60, infiltrou-se na causa muito digna dos direitos dos
imigrantes e criou a ideologia da imigração ilimitada que está hoje a ponto de destruir as
sociedades europeias e a norte-americana"
"O Ocidente pós‑moderno é um Ocidente que não quer olhar para si mesmo, que tem
um forte impulso de autocontestação e por vezes até mesmo celebra a substituição de sua cultura
por aquela dos imigrantes não ocidentais que chegam em número crescente [...]. No fundo o
Ocidente escancara as portas para milhões de imigrantes porque se nega a si mesmo, porque
está psiquicamente doente"
Feminismo
"Esse feminismo – que não tem nada de feminismo autêntico, mas constitui apenas uma
ponta de lança dos movimentos esquerdistas – rebaixa a mulher a um nível de subserviência e
desempoderamento jamais visto"
Vazajato