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GRAMSCI, A ARGENTINA E O BRASIL:

a influência política de Antonio Gramsci na Argentina e no Brasil


entre 1950 e 1990

Mariani da Veiga Cordeiro 1

RESUMO :

O presente artigo discorre sobre a introdução e a influência do pensamento político do


filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937) na Argentina e no Brasil entre 1950 e
1990, destacando a sua contribuição para as transformações nos grup1os de esquerda
locais. A pesquisa se limita de 1950, quando as “Cartas do cárcere”, foram traduzidas
para o espanhol e publicadas pela primeira vez na Argentina, passando pela recepção
da obra gramsciana nos dois países durante a ascensão de governos militares, até 1990,
após a instauração da democracia. A metodologia constituiu-se de pesquisa
bibliográfica, recortes de textos que tratam do tema, encontrados em livros e artigos de
diferentes autores, buscando relatar e analisar o impacto político das teorias
gramscianas em ambos os países sul-americanos.

Palavras - chave: Antonio Gramsci. Argentina. Brasil. Grupos de esquerda.


Democracia.

ABSTRACT :

This article discusses the introduction and influence of the political thought of the
Italian philosopher Antonio Gramsci (1891-1937) in Argentina and Brazil between
1950 and 1990, highlighting his contribution to the transformations of the local leftist
groups. The research was limited to 1950, when the "Letters from Prison" were
translated into Spanish and published for the first time in Argentina, through the
reception of Gramsci's work in both countries during the rise of military governments,
until 1990, after the establishment of democracy. The methodology consisted of
bibliographical research, cuttings of texts that deal with the subject, found in books
and articles of different authors, seeking to report and analyze the polictical impact of
Gramscian theories in both South American countries.

Key words: Antonio Gramsci. Argentina. Brazil. Leftist groups. Democracy.

1
Graduanda em História – Universidade do Grande Rio. E-mail: marianicordeiro@ymail.com
2

A primeira fase de recepção

Em 1967 durante o Simpósio Internacional de Estudos Gramscianos realizado em


Cagliari, pôde se constatar que as primeiras traduções dos “Cadernos do cárcere”
feitas fora da Itália aconteceram na América Latina, mais precisamente na Argentina e
no Brasil (ARICÓ, 1988, p.20). As teorias de Gramsci se encaixaram perfeitamente
com a realidade histórica, política e social argentina e brasileira, em um período que
clamava por renovação e participação popular. Para José Aricó (1985, p. 46) o
pensamento de Gramsci estimulou e contribuiu para o confrontamento e transformação
da realidade desses dois países.
A introdução das suas ideias no continente aconteceu inicialmente na Argentina, a
partir de 1950 quando o jornalista marxista Hector Agosti, dirigente do PCA (Partido
Comunista Argentino) traduziu as “Cartas do cárcere” para o espanhol, através da
Editora Lautaro (ARICÓ, 1988, p. 31). Segundo José Aricó (1988, p. 32) a aceitação
de Gramsci pelos comunistas argentinos aconteceu somente pelo desconhecimento da
especificidade da sua obra, eles não refletiram o suficiente sobre as suas elaborações
teóricas e culturais e sobre as suas análises do pensamento de Marx.
Em 1951, Hector Agosti publicou o livro Echeverría, em homenagem ao centenário
da morte do escritor Esteban Echeverría (1805-1851), onde executa uma análise
político-historiográfica do processo de independência da Argentina no século XIX,
utilizando como estrutura teórica o modelo de análise empregado por Gramsci para
explicar o Risorgimento italiano (BURGOS, 2004, p. 33).

A definição que oferece Agosti ao processo emancipador de Mayo como uma


“revolução interrompida”, sua caracterização da corrente democrática como
“jacobina pela metade”, o ênfase que coloca na ausência de uma solução avançada
para a questão agrária como a razão principal para esta violação, são todos
elementos de um esquema interpretativo que não somente invoca o utilizado por
Gramsci, mas também nos três primeiros capítulos fundamentais do seu ensaio se
nutrem abundantemente das ideias do mesmo. (ARICÓ, 1988, p.33)

A Argentina passava por um momento político delicado, o governo de Juan


Domingo Perón censurava jornais e rádios, restringia liberdades pessoais e perseguia
aqueles que discordavam dos seus ideais (DEVOTO, 2003, p.196). A publicação do
ensaio “O antifascismo de Antonio Gramsci” de Palmiro Togliatti em 1953, permitiu
que os comunistas argentinos explorassem a evolução das posições políticas de
3

Gramsci antes da prisão, e possibilitou constatarem semelhanças entre o fascismo


italiano com o peronismo ( BURGOS, 2004, pp. 33-34).

No caso da conferencia de Togliatti, os riscos eram maiores porque ela invocava


situações e plantava problemas que não podíamos deixar de aproximar aos nossos:
no começo de 1953 traduzimos “O antifascismo de Gramsci” em chave
definitivamente antiperonista, mas mantendo, não obstante, uma distancia crítica,
em respeito a oposição liberal. (ARICÓ, 1988, p. 50)

Nos anos seguintes, Agosti lançou a revista “Cuadernos de cultura” e o semanário


“Nuestra Palabra”, difundindo o marxismo italiano e os conceitos gramscianos no país
(SECCO, p.23). Ele tentou equilibrar as concepções tradicionais do comunismo
soviético com o sopro de ar fresco que novas teorias traziam para a esquerda. É
importante notar que o “movimento gramsciano” não conquistou grande relevância
dentro do PCA, devido à fidelidade do partido aos dogmas tradicionais.

Esse movimento “tendencialmente gramsciano” dentro do partido, mencionado por


Aricó, nunca foi um elemento relevante da política do PCA, mas uma atividade
limitada ao setor dos intelectuais comunistas vinculados ao trabalho cultural. Para o
partido como tal, nunca existiu nenhum tipo de expectativa teórica vinculada ao
pensamento de Gramsci. Como já indicamos, Gramsci era visto como um herói
político comunista, não como um teórico marxista. (BURGOS, 2004, p. 41)

Em setembro de 1955, os militares, anteriormente peronistas fervorosos, mas que


se afastaram após o seu rompimento com a Igreja Católica, lideraram um golpe, que
recebeu o nome "Revolução Libertadora". Perón foi expulso da vida política e exilado.
Devido à grande rejeição da população se tornou impossível governar o país, e foram
convocadas eleições em 1958, com a condição de que o peronismo permanecesse
proibido (DEVOTO, 2003, p.197).
Quatro títulos dos “Cadernos do cárcere” são publicados entre 1958 e 1961 com
tradução de Hector Agosti, “O materialismo histórico e a filosofía de Benedetto
Croce” em 1958, traduzido por Isidoro Flaumbaum, “Os intelectuais e a organização
da cultura” em 1960, traduzido por Raúl Sciarreta, “Literatura e vida nacional” em
1961, e “Notas sobre Maquiavel, a política e o Estado moderno” em 1962, traduzidos
por José Aricó (BURGOS, 2004, p. 43).
Segundo Raul Burgos (2004, p. 44) os dirigentes do partido não renegavam a obra
política e teórica de Gramsci, porém não a utilizavam. Gramsci defendia a
possibilidade de renovação do marxismo através de uma releitura do cenário mundial e
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da troca com outras correntes ideológicas, o que para o PCA significava trair as suas
tradições.
No início dos anos 60, se iniciou dentro do PCA uma análise crítica do marxismo
leninista utilizando o pensamento gramsciano, a partir da publicação do artigo “Notas
sobre Antonio Gramsci e o problema da objetividade” de Oscar del Barco para a
revista Cadernos de Cultura (BURGOS, 2004, p.53). O que causou um desconforto no
partido e culminou com a expulsão dos gramscianos em 1963, enquanto Hector Agosti
permaneceu no PCA e minimizou as suas manifestações de interesse em Gramsci
(ARICÓ, 1988, p. 62)

Frente à alternativa de uma renovação ideológica e política de resultados finais


incertos para a sorte futura da organização, a medida em que se colocava ante os
riscos de uma fragmentação que não pudesse controlar, a direção do Partido
Comunista optou pela defesa das posições mais tradicionais. A sombra de heresia
que sempre rodeou Gramsci se estendeu a outras figuras do comunismo italiano, e
em particular ao próprio Palmiro Togliatti. (ARICÓ, 1088, p. 61-62)

Em 1963, alguns membros do grupo expulso do PCA, fundaram a revista Pasado y


Presente. A revista era uma publicação trimestral editada em Córdoba, cuja proposta
era criar um meio para o debate político e cultural entre as diferentes correntes
ideológicas dentro da esquerda. A cidade de Córdoba durante a década de 60 foi o
centro dos acontecimentos revolucionários no país, envolvendo movimentos sindicais
e estudantis (BURGOS, 2004, p.66). Esse grupo de gramscianos desejava iniciar uma
discussão crítica do marxismo e a modernização de antigos preceitos. Segundo José
Aricó, membro atuante do grupo :

Pasado y Presente propôs ser a expressão de um centro de elaboração cultural


relativamente autônomo da estrutura partidária e um ponto de convergência dos
intelectuais comunistas com aqueles que provinham de outros setores da esquerda
argentina. A revista, cuja primeira série se conclui em 1965, pretendia organizar um
trabalho de recuperação da capacidade hegemônica da teoria marxista submetendo à
prova das demandas do presente. (ARICÓ, 1988, p.63)

Com a polarização ideológica e omissão de direitos políticos começaram a ser


formados grupos guerrilheiros nascidos na clandestinidade em resposta a proibição do
peronismo, como por exemplo a primeira guerrilha marxista na Argentina, o EGP
(Exército Guerrilheiro do Povo), criado em 1963, que manteve ligações diretas com os
membros da Pasado y Presente (BURGOS, 2004, p. 85). O grupo tentou manter uma
ampla comunicação com nichos diferentes.
5

Neste sentido e talvez não somente nele, o saber marxista que buscou apropriar-se e
que defendeu o grupo Pasado y Presente era aquele em condições de suportar um
diálogo produtivo com o mundo e a cultura do presente. Esta visão sem
preconceitos, sem ideologia, ou para dizer melhor, laica do marxismo contribuiu
para fazer do nosso grupo uma experiência marginal, inclassificável e incomoda da
cultura de esquerda na Argentina. (ARICÓ, 1988, p. 81)

Raul Burgos (2004, p. 105) afirma que durante essa primeira fase a identificação
teórico-política do grupo era o “leninismo-castrista”, utilizavam ideias revolucionárias,
enquanto o pensamento gramsciano atuava como diferenciador, através das suas
reflexões mais desenvolvidas. Marco Aurélio Nogueira (2003, p.65) aponta que a
razão para o pensamento gramsciano se sobressair está no fato de que ele jamais
propôs uma doutrina fechada, e permitiu a revisão, a crítica, e a assimilação de teorias
diferentes do marxismo.
Enquanto a obra de Gramsci era disseminada na Argentina, ela era desconhecida
pela maioria dos comunistas brasileiros, que utilizavam como fontes somente os
manuais soviéticos e estavam presos aos moldes do marxismo leninista
(COUTINHO,1999, p.281). Seu nome nunca foi citado nos textos de comunistas
ilustres como Caio Prado Jr e Astrojildo Pereira, que em certa ocasião trocaram
correspondências com Hector Agosti, mas aparentemente nunca conversaram sobre o
pensador sardo (SECCO, 2002, p. 26).
Gramsci foi referenciado brevemente em publicações ligadas ao PCB (Partido
Comunista Brasileiro) no início dos anos 60 em ensaios de autoria de intelectuais
marxistas como por exemplo a “Problemática atual da dialética” em 1961, do então
adolescente Carlos Nelson Coutinho, publicado na revista Ângulos, editada pelo
Centro Acadêmico Ruy Barbosa, da faculdade de direito da Universidade da Bahia
( COUTINHO, 1999, p.283).
Em 1964 os militares executaram um golpe, e implantaram um regime ditatorial
no Brasil e cinco generais do Exército se alternaram no comando do governo, Castello
Branco (1964-67), Costa e Silva (1967-69), Garrastazu Médici (1969-74), Ernesto
Geisel (1974-79) e João Figueiredo (1979-85) (SCHWARCZ, STARLING, 2015, p.
374). Através do decreto de atos institucionais, foram limitados os poderes do
Legislativo, Executivo e Judiciário, proibido a existência dos antigos partidos
políticos, criando apenas dois, o ARENA, para defender os interesses do governo e o
MDB, representando a oposição moderada, suspensas as garantias individuais e
cancelados os direitos políticos (SCHWARCZ, STARLING, 2015, p. 380).
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Após o golpe de 64, a presença da esquerda no âmbito sócio-cultural aumentou no


país, devido à insatisfação política e à limitação de direitos básicos. Carlos Nelson
Coutinho (1999, p. 282) aponta que a divulgação dos crimes de Stalin, e a exibição de
“falhas” nos princípios leninistas, fez com que o marxismo brasileiro se abrisse para o
diálogo com outras correntes ideológicas.
Essa aproximação de diferentes teorias transcendeu o ambiente do PCB e
aconteceu dentro das universidades através dos próprios estudantes, que disseminaram
as ideias de pensadores até então obscuros, como Gramsci. Durante o primeiro ciclo
da presença de Gramsci no Brasil que durou até meados dos anos 70 ele foi
apresentado como “filósofo das práxis”, sugerindo uma leitura humanista e historicista
do marxismo, se distanciando do pragmatismo soviético. (COUTINHO, p. 283)
Foi destacado para os leitores como um filósofo e crítico literário deixando seu
pensamento político em segundo plano. Sua primeira incursão no país teve pouca
repercussão e foi prejudicada por uma divisão entre os marxistas brasileiros, em que os
“intelectuais” podiam propor a renovação filosófica e estética do marxismo, mas a
direção do partido era responsável por decidir as questões políticas, que ainda tendiam
para o marxismo soviético tradicional. (COUTINHO, 1999, p. 284)
As primeira obras de Gramsci publicadas no Brasil foram uma seleção das “Cartas
do cárcere” e o “Il materialismo storico e la filosofia de Benedeto Croce” (Concepção
dialética da história) em 1966, seguidas por “Gli intellettuali e l'organizzazione della
cultura” (Os intelectuais e a organização da cultura), uma versão reduzida de
“Letteratura e vita nazionale” (Literatura e vida nacional), e “Note sul Machiavelli,
sulla politica e sullo stato moderno” (Maquiavel, a política e o Estado Moderno) em
1968 (COUTINHO, 1999, p. 285). Todas as traduções foram feitas por Carlos Nelson
Coutinho e editadas pela editora Civilização Brasileira. Dos escritos políticos somente
as notas sobre II Risorgimento e as análises sobre passado e presente não chegaram ao
país, devido às vendas insuficientes e ao decreto do Al-5 em 1968, o ato institucional
mais severo, que impediu a propagação de material “subversivo” (COUTINHO, 1999,
p.285).
Lincoln Secco (2003, p. 49) afirma que a falta de interesse por Gramsci pela
esquerda nessa primeira passagem se deve à maior relevância dada às teorias de luta
armada (Mao, Guevara, Marighela, etc.) que seriam colocadas em prática pelos grupos
guerrilheiros nos anos posteriores.
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A segunda fase de recepção

Seguidamente ao golpe militar brasileiro, a Argentina sofreu outro golpe militar


em 1966, conhecido como “Revolução argentina”. O general Juan Carlos Onganía
decretou medidas para a supressão da oposição, como a intervenção nas universidades
resultando na perseguição de estudantes e professores. A perseguição do Estado reuniu
o movimento sindical, estudantil e a esquerda, gerou uma insurreição popular em 29
de maio de 1969 em Córdoba, conhecida como “Cordobazo”, e foi seguido por outras
manifestações populares (BURGOS, 2004, p.130).
A formação da “nova esquerda” argentina aconteceu devido à fragmentação do
marxismo e o fortalecimento do mito peronista (BURGOS, 2004, p. 142). A ausência
de Perón permitiu a sua reinvenção, os jovens o reinterpretaram e atribuíram
qualidades que ele não possuía. Foram criados grupos guerrilheiros como
o FAR (Forças Armadas Revolucionárias), o FJP (Força Juventude Peronista)
e FAL (Forças Armadas de Libertação), e mais tarde os Montoneros (BURGOS, 2004,
p. 148).
A partir de 1973, se iniciou a segunda fase de publicação da revista “Pasado y
Presente”, e dessa vez ela passa de um fenômeno provinciano para participar do debate
da capital política e cultural argentina (BURGOS, 2004, p. 206). Durante essa nova
fase, Raul Burgos (2004, p. 217) destaca o foco da Pasado y Presente na autonomia
dos movimentos trabalhistas, e as expectativas positivas para a fusão das organizações
FAR e Montoneros. A revista apoiava esses grupos porque acreditava na consolidação
da luta de massas e na criação de organismos reivindicativos (BURGOS, 2004, p.
218).
A redemocratização do país aconteceu em 1973 em razão das ações populares
como o Cordobazo, do crescimento das organizações armadas e a persistência para o
retorno de Perón (BURGOS, 2004, p. 170). Anunciado o fim da proibição ao
peronismo, Perón endossou a candidatura de um dos seus seguidores, Hector J.
Cámpora, que foi presidente da câmara de deputados durante o seu primeiro mandato
como presidente, e este ganhou as eleições (DEVOTO, 2003, pp. 202-203).
O retorno de Perón ao país causou uma ruptura entre os peronistas de esquerda e
de direita, levando à renúncia de Cámpora e a necessidade de uma nova eleição
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presidencial, resultando na vitória de Perón para seu terceiro mandato, e a sua segunda
esposa Maria Estela Martinez como vice (BURGOS, 2004, p. 217).
A Argentina parecia alcançar certa estabilidade política com a conquista
democrática, mas o Brasil se manteve em conflito. Segundo Schwarcz e Starling
(2015, p. 385) houve um eminente aumento da repressão cometida pelo Estado, o que
intensificou a organização de grupos armados contrários ao regime. Mas em 1974,
através da vitória do MDB nas eleições parlamentares, o governo foi obrigado a
diminuir a censura aos meios de comunicação, e no mesmo ano aconteceram eleições
diretas para senadores, deputados e vereadores (SCHWARCZ, STARLING, 2015, p.
390).
Nos anos 70 o ambiente intelectual mudou, os intelectuais focaram na
especialização acadêmica e Gramsci se tornou objeto de estudo (SECCO, 2002, p. 47).
Entre 1975 e 1980 foram reeditados todos os livros de Gramsci publicados entre 1966
e 1968, e mais 24 títulos sobre o autor foram lançados (SECCO, 2002, p.292 ). Para
Carlos Nelson Coutinho (1999, p. 292) essa popularização se deu por dois motivos,
primeiro pela abertura política que o regime concedeu através do relaxamento da
censura, e em segundo pela reavaliação autocrítica da esquerda.
Os intelectuais brasileiros encontraram simetrias entre a ditadura brasileira e o
fascismo italiano. Carlos Nelson Coutinho (1999, p. 201) enfatiza que o regime
ditatorial brasileiro não pode ser caracterizado como um regime fascista clássico, mas
possuem semelhanças em seus objetivos econômicos. O regime brasileiro arquitetou
um plano ambicioso em que promoveu o crescimento econômico em detrimento de
outras atividades, causando o aumento astronômico da dívida externa e da inflação.
Segundo Luiz Werneck Vianna (2013, pp. 197-198) essas ações nacional-
desenvolvimentistas, que para o governo eram em prol de toda a nação, na verdade só
beneficiaram as elites. Para Milton Lahuerta (2003, p. 238) o regime brasileiro seria
qualificado como “autoritarismo burocrático”.

Reside nisso o principal motivo para qual Gramsci conquistou en maître um espaço
preciso na vida cultural brasileira, tornando-se não apenas uma referência
obrigatória para qualquer reflexão criativa sobre nossas contradições e perspectivas,
mas também um insubstituível recurso na luta da esquerda brasileira para reconstruir
– depois do colapso do “socialismo real” e em oposição à dura ofensiva do
neoliberalismo conservador – uma imagem sólida e atualizada do marxismo e do
socialismo. (COUTINHO,1999, pp. 304-305)
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Assim como o fascismo italiano, a ditadura brasileira também recebeu apoio


popular em determinados momentos, utilizados como instrumento para a legitimação e
continuidade do governo. Segundo Milton Lahuerta (2003, p. 237) o regime tentou se
legitimar frente a população através do seu desempenho econômico, promovendo a
modernização e o desenvolvimento do país.

O regime militar-tecnocrático conseguiu conquistar, em alguns momentos, um


significativo grau de consenso entre amplos setores das camadas médias. E
conseguiu isso precisamente na medida em que se fez protagonista dessa obra de
modernização, ainda que se tenha tratado de uma modernização, que ao mesmo
tempo, conservou e reproduziu elementos de “atraso”. (COUTINHO, 1999, p.202)

Essas conjecturas permitiram a utilização dos conceitos gramscianos para reprovar


as medidas do governo vigente, como por exemplo o artigo “O trabalho dos
intelectuais segundo Gramsci” de Afredo Bosi, publicado pelo Departamento de
História da USP em 1975, em que destrincha e critica a ditadura.

O texto discutia o trabalho dos intelectuais, a distinção gramsciana entre intelectuais


tradicionais e orgânicos, a educação, o papel dos intelectuais na resistência ao
fascismo... tudo isso de tal forma que parecia criticar, nas entrelinhas, não o passado
italiano e o fascismo, mas a própria ditadura militar brasileira e o seu projeto
educacional. (SECCO, 2002, p.51)

A popularização do discurso gramsciano e a adoção do ideal democrático dentro do


PCB,aconteceu devido ao fracasso da luta armada e pela influência do
eurocomunismo, quando em 1977, em Moscou, o secretário geral do PCI Erico
Berlinger exaltou a democracia como valor histórico universal (SECCO, 2002, p.60).

O pensamento de Gramsci e a elaboração teórico-política do PCI – o “marxismo


italiano dos anos 70” - agiram assim, no Brasil, como revitalizadores de uma
esquerda que se esfacelara no plano organizativo e se repetia no plano político-
cultural. (NOGUEIRA, 1987, p.137)

Houve uma ruptura dentro do PCB entre as diferentes correntes ideológicas que
culminou com a saída de membros. Marco Aurélio Nogueira (2003, pp. 36-37)
enfatiza que o marxismo em si, sempre foi transformativo, e comprometido com a
necessidade de se rever e se reformular constantemente, mas viveu ameaçado por uma
espécie de “congelamento”, que impossibilitou o seu processo de autotransformação.
Para Carlos Nelson Coutinho (2013, pp. 28-29) “(...) o “comunismo histórico”
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concebeu a democracia como um caminho para o socialismo e não como o caminho do


socialismo.”
Os comunistas tradicionais não acreditavam na viabilidade da adaptação das ideias
de Gramsci para o Brasil. Em relação ao assunto Carlos Nelson Coutinho escreveu os
ensaios “A democracia como valor universal” em 1979 e “Gramsci e nós” em 1980,
em que nega essa inadaptabilidade, e apresenta a teoria da revolução passiva para
explicar as transformações na história brasileira, e a teoria de estado ampliado para
explicar a formação de uma sociedade civil atuante durante a ditadura (SECCO, 2002,
p.62).
O que aproximou os brasileiros de Gramsci nessa nova passagem foi a utilização
de conceitos gramscianos como hegemonia, revolução passiva e guerra de posições
para referenciar e analisar processos historiográficos e políticos ocorridos no Brasil
(SECCO, 2002, p. 55). Ele emprega o conceito de “revolução passiva”, que seria um
processo transformativo elitizado provocado por um grupo economicamente superior
sem a participação popular, para explicar a passagem do capitalismo italiano para a
fase monopolista e também a ascensão do regime fascista, e os brasileiros a utilizaram
para compreender eventos como a passagem do Império para a República, a
Revolução de 30 e o golpe civil-militar de 1964 (COUTINHO,1999, pp.198-199-303).
Para Lincoln Secco (2002, p.47) “a descura dos fatores endógenos da realidade
brasileira que criaram o ambiente intelectual e político em que se deu a absorção das
ideias gramscianas.”
Assim como aconteceu na Argentina, com a criação de movimentos sindicais e
estudantis, e outras organizações, a sociedade civil brasileira também conseguiu se
ampliar e se organizar durante a ditadura, através de instituições como MDB, CEBs,
CNBB, CUT, etc. (SECCO, 2002, p.62). Essas entidades permitiram a exploração e
câmbio de ideias. Desta forma o pensamento gramsciano se expandiu para outros
seguimentos, ultrapassando as barreiras políticas, ele também influenciou o estudo da
história, da pedagogia, do serviço social e da teologia (SECCO, 2002, p.54).

Um certo espírito “corporativo” também contribuiu para as criticas à censura e às


perseguições, constituindo uma referencia também para os acadêmicos que
passivamente haviam consentido a repressão governamental – foi Gramsci quem
disse que um grupo intelectual pode adquirir tal poder de atração sobre os demais a
ponto de criar um sistema de solidariedade entre todos os intelectuais, com ligações
de ordem psicológica. Parece ter sido esse o caso no Brasil de meados dos anos 70.
(SECCO,2002, p.49)
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As manifestações populares se expandiram por todo o país alcançando diferentes


camadas da sociedade, como os metalúrgicos do ABC paulista, comandados pelo líder
sindical Luiz Inácio Lula da Silva, que além de se oporem à ditadura, reivindicavam
melhores salários e condições de trabalho (SCHWARCZ, STARLING, 2015, p. 397).
A campanha pela anistia de condenados políticos se intensificou, em dezembro de
1978 Geisel revogou todos os atos institucionais, para promover a reconciliação
política, e em agosto 1979 o congresso aprovou o projeto que devolvia os direitos
políticos cassados e permitia a volta ao país dos exilados, além da permissão para a
criação de novos partidos (SCHWARCZ, STARLING, 2015, p. 398).
Os próprios militares previram o eminente fracasso do regime e planejaram a
transição para a democracia, mas com restrições, almejavam substituir gradativamente
a ditadura por um governo civil do tipo autoritário (SCHWARCZ, STARLING, 2015,
p. 391). A decisão final de como e quando ocorreriam eleições e quem poderia
participar caberia à eles.
Os gramscianos egressos do PCB migraram para outros partidos como o PT e o
PMDB. Segundo Carlos Nelson Coutinho (1999, p. 296) “O fato de que tenham
optado por diferentes partidos contribuiu para dar à influência das ideias de Gramsci
um caráter mais amplo e polimórfico”.
Devido à complexidade do seu pensamento, aconteceu uma multiplicidade de
interpretações, segundo as conveniências e necessidades do receptor. José Antonio
Segatto (2013, p.177) relata que as formulações de Gramsci foram mescladas com
proposições de caráter prussiano, como Lenin e Lukáks, democrático progressivo,
como Palmiro Togliatti, eurocomunista, como Erico Berlinguer, e até com o
cristianismo de esquerda.

(...) o próprio Gramsci, de certa forma permitiu, já que os seus principais conceitos
foram retirados inicialmente de outros autores ( revolução passiva de Vicenzo
Cuoco, hegemonia dos socialistas russos via Lênin, sociedade civil de Hegel, bloco
histórico de Sorel, cartáse da teoria literária, reforma intelectual e moral de Renan
etc.), adquirindo novas funções. Nisso consiste, paradoxalmente, toda a sua
originalidade no terreno do marxismo. (SECCO, p.68)

Os gramscianos do PMDB focaram no discurso democrático do italiano e


ignoraram sua origem comunista e vertente revolucionária (COUTINHO, 1999, p.
297). O PT recebeu gramscianos, que ainda se consideravam marxistas, mas não
explorou as suas concepções imediatamente. Para Lincoln Secco (2002, p. 73) “ O PT
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absorveu as ideias de Gramsci, como o fez com outras ideologias : sem compô-las em
um arcabouço doutrinário coerente.”
Carlos Nelson Coutinho (2013, p. 19) acentua que apesar do discurso plural de
Gramsci, e da abertura para uma variedade de interpretações, ele continuou sendo um
socialista revolucionário, porém crítico e herético. Gramsci propõe a construção de
uma sociedade civil forte que possibilite o autogoverno dos cidadãos
democraticamente, mas também defende, com ressalvas, a necessidade da revolução
(COUTINHO, 2013, p.25).
Paralelamente ao que acontecia no Brasil, a adesão aos princípios democráticos
pelos gramscianos argentinos, só ocorreu após um novo golpe militar em 1976.
Alguns gramscianos argentinos, como Juan Carlos Portantiero, José Aricó e Oscar
Terán, saíram do país e buscaram exílio no México, onde aconteceu uma renovação do
pensamento marxista (BURGOS, 2004, p. 231). O PCM (Partido Comunista
Mexicano), diferente do PCA e do PCB, era aberto ao diálogo com outras ideologias e
possuía uma posição democrática influenciada pelo eurocomunismo, e a organização
de vários seminários, como o de Morélia em 1980, desempenharam um papel
fundamental na difusão da proposta democrática através da discussão dos conceitos
gramscianos (BURGOS, 2004, p. 235).

A experiência do exílio mexicano "longo, pródigo e doloroso" nas palavras de Oscar


del Barco em uma homenagem póstuma a Aricó - marcou com fogo as novas
direções teóricas e políticas dos intelectuais ligados ao itinerário Pasado y Presente.
Um descobrimento teórico e político particular foi decisivo para essas novas
direções, constituindo um eixo de reflexão, matriz teórico-político e leitmotiv de
toda experiência coletiva: o papel central da democracia política no processo de
transformação da sociedade. (BURGOS, 2004, p. 303)

A conquista da democracia

O fim da ditadura argentina foi resultado da derrota do país na disputa pelas Ilhas
Malvinas com a Inglaterra em 1982. O conflito armado durou três meses, onde a
Inglaterra foi vitoriosa, e o governo argentino saiu enfraquecido perdendo todo apoio e
credibilidade (DEVOTO, 2003, p.208). Poucos dias depois da derrota e pressionado
pela população, a única saída foi liquidar o regime e convocar novas eleições para
1983. Os gramscianos exilados retornaram ao país e se vincularam ao candidato da
UCR (União Cívica Radical) Raúl Alfonsín, e aderiram uma posição institucionalista
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de ação política (BURGOS, 2004, p. 309). Raúl Alfonsín obteve o êxito contra o
candidato peronista Ítalo Luder e se manteve no cargo até 1989, durante um período
de mudança para a Argentina, caracterizado pela democracia plena e o fim das
perseguições políticas, mas também pela hiperinflação e aumento do desemprego
(DEVOTO, 2003, pp. 208-209).

Portanto, nos anos 80, encontramos um universo complexo da esquerda renovada.


Embora o esquema de classificações é sempre perigoso, podemos distinguir as
seguintes variantes, mais ou menos definida: a) uma tendência "institucionalista",
que colocará primeiro, os aspectos político-institucionais da transição para a
democracia e será mais sensível às questões que a agenda neoliberal; essa tendência
se aproximou politicamente da social democracia latino-americana (...). (BURGOS,
2004, p. 311)

A conquista democrática brasileira aconteceu logo depois, quando em 1984 foi


organizada a campanha “Diretas Já” que demandava a eleição direta para a presidência
da república. O regime foi dissolvido pelos próprios militares, que promoveram a
transição do país para a democracia pacificamente através de um acordo com a
Aliança Democrática formada pelo PMDB e o PFL (SCHWARCZ, STARLING,
2015, p. 405). O candidato do PMDB Tancredo Neves foi eleito contra Paulo Maluf
do PDS.
A partir de 1985, após a vitória da solução “liberal-democrática” do PMDB, o PT,
que era formado por sindicalistas pragmáticos e marxistas leninistas, começou a
debater o pensamento gramsciano seriamente dentro do partido, buscando aliar
conceitos tradicionais com leituras inovadoras da realidade (SECCO, 2002, p.75).
Essa busca pela renovação originou a criação da Articulação dos 113, uma aliança
pelo combate à limitação partidária, adotando um discurso moderado com a intenção
de atrair grupos ideologicamente indefinidos (SECCO, 2002, p. 76).
Gramsci continuou sendo disputado pela direita e pela esquerda, dependendo da
respectiva interpretação e utilização. Grupos de extrema esquerda como o PRC
(Partido Revolucionário Comunista) fizeram uma leitura radical dos conceitos
gramscianos, e acreditavam que a conquista da democracia em 1985 era a etapa inicial
para uma revolução armada (SECCO, 2002, p.77). Os liberais brasileiros também o
absorveram, como o pensador José Guilherme Melchior, que em um dos seus últimos
livros, sobre “marxismo ocidental” teceu elogios a Gramsci, ignorando sua retórica e o
reduzindo a apenas um “sociólogo histórico” (COUTINHO, 1999, p. 302). Segundo
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Lincoln Secco (2002, p.57) “O pensador italiano serviu como terreno de disputa, como
linguagem, e seu universo conceptual tornou-se senso comum.”

A disputa prosseguiu. Afinal, o crescimento do prestígio político, intelectual e


acadêmico de Gramsci transformou-o em referência para a grande imprensa e até
para políticos no poder ou para jornalistas e intelectuais estabelecidos na alta classe
média. Gramsci passou a ser usado, de um lado, para atacar um suposto atraso da
esquerda e para defender reformas liberais; de outro, justificar posturas moderadas
de esquerda ou para apoiar grupos esquerdistas. (SECCO, P.56)

Posteriormente, em 1986 foi eleita uma Assembléia Constituinte para elaborar


uma nova constituição, que foi lançada em 1988, formulada democraticamente por
diferentes políticos representando vários interesses, e caracterizada pelo
estabelecimento do Estado de direito democrático e dos direitos individuais
(LAHUERTA, 2003, p.247).

Conclusão

A Argentina e o Brasil passaram por situações semelhantes durante a segunda


metade do século XX, envolvendo golpes militares e a ascensão de governos
autoritários, e as ideias de Gramsci se encaixaram perfeitamente com essa realidade,
representando a renovação de ideias para uma nova interpretação dos fatos e a
necessidade da democracia para o equilíbrio social e político. O pensamento de
Gramsci apresentou a possibilidade de diálogo e união entre diferentes ideologias e
organizações em favor de um interesse em comum, e a conquista da democracia
permitiu o pleno funcionamento da sociedade, com direitos e deveres instituídos.
Como disse Luiz Werneck Vianna (2013, p. 200) a democracia agiu como um
“fermento” na massificação da cidadania.

Referências Bibliográficas

AGGIO, Alberto (Org.). Gramsci: a vitalidade de um pensamento. São Paulo: Unesp,


1998. 204p. [Apresentação de Leandro Konder. Contém ensaios de Carlos Nelson
Coutinho, Ivete Simionatto, Marco Aurélio Nogueira, Marcos del Roio, José Luiz
Bendicho Beired, Milton Lahuerta, Alberto Aggio, José Antonio Segatto e Luiz
Werneck Vianna.]
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AGGIO, Alberto. LAHUERTA, Milton (Orgs.). Pensar o século XX. Problemas


políticos e história nacional na América Latina. São Paulo: Unesp, 2003. 318p.
[Introdução de Rubem Barboza Filho. Contém ensaios de Marco Aurélio Nogueira,
Marcos Del Roio, Ismael Saz, Eduardo Gonzáles Calleja, Alberto Aggio, Fernando J.
Devoto, Milton Lahuerta, Herbert Braun e Leonardo Curzio.]

ARICÓ, José M. La cola del diablo. Itinerario de Gramsci en América Latina. Buenos
Aires: Puntosur Editores, 1988. 225p.

BURGOS, Raul. Los Gramscianos argentinos. Cultura y política en la experiencia de


Pasado y Presente. Buenos Aires: Siglo XXI, 2004. 430p.

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Um estudo sobre o seu pensamento político.


Nova edição ampliada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. 320p.

COUTINHO, Carlos Nelson. NOGUEIRA, Marco Aurélio (Orgs.). Gramsci e a


América Latina. 2ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 160p. [Contém ensaios
de Nicola Badaloni, José Aricó, Juan Carlos Portantiero, Néstor García Canclini,
Arnaldo Córdova, Carlos Nelson Coutinho e Marco Aurélio Nogueira.]

SECCO, Lincoln. Gramsci e o Brasil. Recepção e difusão de suas idéias. São Paulo:
Cortez, 2002. 119p.

SCHWARCZ, Lilia M., STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015. 792p.

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