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A construção do estilo do terapeuta: sobre bússolas e GPS

Resumo: Reflexão sobre o percurso de uma terapeuta que hoje se descreve


como facilitadora de processos. De como o diálogo com diversos autores e atores
produzem um estilo próprio, mas sempre em transformação, na tentativa de
permanecer coerente com uma postura de curiosidade.

“O senhor... mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as


pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão
sempre mudando. Afinam ou desafinam.” (Guimarães Rosa)

"Quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma" (Fernando
Pessoa)

Uma pessoa, sua vida, sua obra, seu estilo, está marcada pela epistemologia a
qual professa. Um corpo teórico/instrumental é encarnado na vida profissional e
conceitual de quem a vive (Fuks, 2004). O que conto a seguir são mosaicos da minha
atividade clínica em psicologia e como formadora em terapia de família. Assim como o
arqueiro zen (Herrigel, 1987), acredito que a técnica, incorporada recursivamente,
torna-se parte de um todo composto por crenças, afetos, saberes em ação, sonhos,
obstáculos: presenças. Então, não é mais a técnica: sou eu. (Fuks, 1993)
A clínica de onde falo tem uma origem sistêmica, e neste momento é
fortemente marcada pelas chamadas “terapias pós-modernas” ou “abordagens
conversacionais narrativas”, baseadas no construcionismo social. A partir destas
perspectivas narrativistas, as intervenções clássicas se transformam em formas de se
posicionar (Harré, 2004) e de participar nas conversações terapêuticas. Conforme
Emerson Rasera (Rasera e Japur, 2004), “a delimitação do que é uma terapia
construcionista também é uma construção retórica, isto é, se dá segundo
determinados objetivos contextuais”.
Os processos de mudança e transformação, razão de ser da terapia,
necessitam de cuidados para transcorrerem de forma satisfatória. Há alguns anos
atrás, a metáfora da bússola me auxiliava a traçar um caminho preferido para uma
direção pré-estabelecida; as minhas transformações epistemológicas, perpassadas
pela certeza de que a minha única certeza é que não há uma certeza, são atualmente
mais coerentes com a metáfora do GPS (Global Positioning System): o máximo que
posso conseguir é averiguar onde estou. Essas coordenadas se tornam importantes
para encontrar um lugar de conforto para terapeuta e cliente (Andersen, 1996).
Conforto aqui significa, para mim, clareza de critérios, parâmetros de confiança
– que permite navegar pela incerteza – descrições compartilhadas e acordos sobre as
metas. É desse lugar que podemos partir – o cliente 1 e eu – para a aventura da
terapia, apropriando-nos da liberdade para encontrar novas alternativas. Um processo
terapêutico que foi imposto por um representante da lei, por exemplo, só terá êxito se
todos os envolvidos se sentirem cômodos com os acordos construídos para essa
terapia. O cliente “involuntário” provavelmente não se implica e não colabora para o
sucesso do projeto terapêutico enquanto não se sente co-autor neste processo.
Saber “onde estamos” implica num diagnóstico da situação, construído
colaborativamente através de um modelo de entrevista reflexiva/apreciativa.
(Cooperrider e Whitney, 1995). A intenção é chegar a uma visão compartilhada do
“problema” para que possamos chegar a uma perspectiva compartilhada das
“soluções”. A tarefa de elaborar um diagnóstico sobre a situação é um esforço conjunto
de todos os envolvidos no “sistema determinado pelo problema” (Goolishian, 1989)
para compreender e construir uma descrição – uma “teoria local” (Geertz, 2001) –
sobre a experiência que está sendo vivenciada. A partir desse relato é que se organiza
qual será o papel do terapeuta e de todos os participantes para a dissolução do
problema que originou a consulta – e do sistema terapêutico determinado pelo
problema. Não só na terapia de família, mas também na terapia individual todos os
“coadjuvantes” podem e devem, para maior riqueza da rede de conversas, ser
convidados, tanto aqueles que podem colaborar para a manutenção do problema
quanto aqueles que podem contribuir para dissolvê-lo. O trabalho sobre histórias e
narrativas – sua desconstrução e sua reformulação – são maneiras de participar dos
relatos que desempenham um papel central. (Myerhoff, 1986).
Fuks (2004) se refere à terapia como um “artesanato de contextos”. Um
comportamento inadequado, ações que levam ao sofrimento, aquilo que anteriormente
chamávamos de “sintoma”, ocorre em determinado contexto. Assim, a transformação
vai ocorrer, talvez com impactos diferenciados, para todos os que transitam nesse
cenário. Keeney (1987) se refere a uma “estética”, introduzindo um conceito que não
aponta para o julgamento do que é certo e do que é errado, mas para uma
1
Neste artigo me refiro a “cliente”, mas também estou me referindo ao cliente “família”. Ainda não
encontrei um termo que me satisfizesse: o nome “paciente” faz parte de uma nomenclatura útil à
medicina, mas que não se adequa à minha maneira de entender a relação que se estabelece dentro da
minha prática profissional. O significado de paciência é “virtude que consiste me suportar os sofrimentos
sem queixa” (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Antonio Geraldo da Cunha, Nova Fronteira,
1998), o que definitivamente não combina com o que eu penso sobre relação terapêutica bem sucedida!
“arrumação” harmoniosa. É um organizador precioso para mim, quando me sinto
demasiadamente atraída por alguma idéia do que seria “o melhor”, o que para mim
implicaria no risco de diminuir minha liberdade em explorar opções. O termo ‘estética’
vem de aisthesis, “sentir com”. O contrário disso é anestesia, “não sentir com”. “A
estética é a ciência que cuida das constelações simultâneas do sentir.” (Castiel,1996).
Eu creio que o sofrimento muitas vezes está ligado a não ter a prontidão para
modificar as narrativas que utilizo e que, provavelmente, já foram úteis em
determinado momento. A dificuldade se apresenta quando me torno apegada a uma
narrativa que já não funciona em um cenário que se modificou. Um dia brotou, creio
que conversando numa aula, uma metáfora que se tornou muito útil para falar de
atualização das narrativas: um esquimó nasce na Lapônia e precisa vestuário,
utensílios, comida calórica que dêem conta do ambiente em que vive. Neste contexto
ele necessita um equipamento adequado para sobreviver; quando começa a migrar
em direção a terras menos frias, todo o equipamento vital vai se transformando em
peso desnecessário, se não modifica seus hábitos vai sofrer ou até perecer. “Mudar
hábitos” implica em me conectar, ao mesmo tempo, comigo mesma e com o entorno, e
significa poder questionar a maneira como vejo o mundo e como as coisas
aconteceram até este momento. Assim me percebo: viajante que deve estar atenta às
mudanças climáticas, para buscar os recursos necessários para lidar com as
intempéries e as calmarias.
Um dos pressupostos que guiam a minha curiosidade é a crença de que os
clientes são os especialistas nas suas vidas ; são eles que conhecem sua história, os
caminhos possíveis, e detém a experiência relevante para abordar a situação
problemática. Assim, vejo atualmente meu papel menos como uma “terapeuta” ou
“curadora” e mais como uma facilitadora de processos e conversas criativas. Para
manter viva em mim a “neutralidade”, e para que essa postura me aproxime do
interlocutor, lanço mão de dois recursos: a idéia da neutralidade como um estado de
curiosidade (Cecchin, 1987) – enquanto me mantenho curiosa não fecho uma
“verdade” – e a idéia da neutralidade como uma técnica. Segundo Michael White, “... a
neutralidade no contexto tem um significado. Por isso e porque as crenças e os
valores do/a terapeuta não podem ser enterrados, eu compreendo que neutralidade é
só um nome de uma técnica.” (White, 1986). Alio a estes conceitos a proposta de
Marcelo Pakman (1995) sobre a “paixão educada”, o reconhecimento de meus afetos
como instrumentos soberanos no meu ofício, a ressonância (Elkaïm, 1990) das
emoções como ferramentas, depois de trabalhadas, para a conexão, a possibilidade
da inclusão da minha própria perspectiva e da minha voz, sem ser anulada e sem ser
privilegiada. Um olho no processo, outro no conteúdo.
A minha teoria favorita consiste numa teoria sobre as vantagens de
“suspender” (Maturana e Varela, 2001) toda a teoria e aumentar a capacidade de
surpresa e curiosidade que vão guiar e serão guiadas por perguntas. Não há uma
teoria sobre patologia, doença, disfunção, o que me levaria a construir um diagnóstico
fundamentado no meu saber “sobre” o cliente, o que também orientaria uma estratégia
definida de ação. Essa teoria é corolário de apostar nos conhecimentos e habilidades
do outro, conhecimentos e habilidades que podem não estar disponíveis ou
reconhecidos pelo cliente naquele momento. Essa minha forte crença me assegura um
estado de curiosidade que não se contenta com a história saturada pelo problema com
que uma pessoa chega à terapia.
Algumas bifurcações se apresentaram no meu percurso. Uma das vantagens
de uma postura construcionista é a possibilidade de transitar por diferentes idéias,
mantendo a criatividade alimentada pela curiosidade, o que possibilita atender ao
desafio de manter as técnicas úteis advindas de outras teorias, tais como as utilizadas
pelos criativos terapeutas pioneiros da terapia sistêmica: Virginia Satir (1967) e seus
exercícios para desenvolver habilidades comunicacionais, os genogramas
desenvolvidos por McGoldrick (2001), a utilização de rituais, proposta por Evan Imber
Black (1989), por exemplo. Cecchin (1993) nos desafia a atuar sem restrições
(teóricas), desde que assumindo a responsabilidade por nossas ações. Creio que esse
conceito de “irreverência” frente a uma rigidez teórica também traz, na minha
interpretação, um convite a uma clínica menos grave, menos sisuda, onde o jogo, o
prazer e o riso entram como tempero para conversas sobre problemas e
possibilidades. Não podemos esquecer que a terapia se processa na vida, não no
espaço físico do consultório.

Os mosaicos selecionados acima constituem parte de meu estilo e contribuem


para facilitar uma conexão especial a cada encontro. Procuro trabalhar como se cada
encontro fosse o último, ou único. Essa é a minha responsabilidade, que contem tudo
o que vivi na minha vida de estudo e treinamento, como terapeuta e como pessoa de
uma maneira geral. Quando percebo uma mudança que gera outras mudanças, no
presente, no passado e no futuro na vida dos clientes (que também geram mudanças
na minha própria vida), isso me alenta e emociona: significa uma transformação na
“herança” que será legada para outras gerações. Estas experiências múltiplas
compõem a minha bagagem, onde posso procurar ferramentas que me forneçam
pontos de apoio para que nos sustentemos mutuamente, terapeuta e clientes, e para
que não corramos a buscar a segurança quando surge a incerteza, a imprevisibilidade,
a instabilidade, matérias primas para a mudança e a transformação, vicissitudes.
Bibliografia:

Andersen, T. Processos Reflexivos: Noos, Rio de Janeiro, 1996.


Castiel, S. Em busca de um terapeuta poético. In L. C. Prado (org.) Famílias e
Terapeutas: construindo caminhos: Artes Médicas, 1996.
Cecchin, G. Hipothetizing, circularity and neutrality revisited: an invitation to
curiosity. Family Process, 26(4), 1987.
__________ De la estrategia a la no-intervención: hacia la irreverencia en la
practica sistémica. Sistemas Familiares, dezembro 1993
Cooperrider, D. L. Introduction to Appreciative Inquiry. In W. French & C. Bell
(Eds.), Organization Development: Prentice Hall, 1995.
Elkaïn, M. Se você me ama não me ame: Papirus, 1990.
Fuks, S. “Craftsmanship of contexts”: an yet unfinished story of my connection
with CMM in Human Systems, vol. 15, 2004

__________ Entrevista com Saúl Fuks. Entrevista realizada por R. Rapizo.


Nova perspectiva sistêmica, 2(4), outubro 1993.

Geertz, C. Saber Local: novos ensaios em antropologia interpretativa: Vozes,


2001
Goolishian, H. e Winderman, L. Constructivismo, autopoiesis y sistemas
determinados por problemas. Sistemas Familiares, v. 5, n. 3, 1989
Harré, R. Positioning Theory,
http://www.massey.ac.nz/~alock/virtual/welcome.htm, 2004
Herrigel,E. A arte cavalheiresca do arqueiro zen: Pensamento, 1987.
Imber Black, E. Transiciones idiosincráticas del ciclo de vida y rituales
terapéuticos. Sistemas Familiares, ano 5 no. 2, 1989.
Keeney, B. La Estetica del Cambio: Paidos, Buenos Aires, 1987
Maturana, H. e Varela, F. A árvore do conhecimento: Palas Athena, 2001.
McGoldrick, M. As mudanças no ciclo de vida: Artmed, 2001.
Myerhoff, B. 1986: “Life not Death in Venice: it’s second life”. In Turner, V. and
Bruner, E. (eds). 1986
Pakman, M. Investigacion e intervención en grupos familiares. Una perspectiva
constructivista, in Metodos y técnicas cualitativas de investigacion em ciências sociales
Juan Manuel Delgado e Juan Gutierrez Madri: Síntesis, 1995.
Pessoa, F. A Língua Portuguesa, Lisboa, Assírio e Alvim, 1997
Rasera, E. e Japur, M. Desafios da aproximação do construcionismo social ao
campo da psicoterapia, in Estudos de Psicologia, 9(3), 2004.
Rosa, João Guimarães, Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
Satir, V. Terapia do grupo familiar, um guia: Francisco Alves, 1967.
White, M. Negative explanation,restraint and double description: a template for
family therapy. Family Process, 25(2). 1986

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