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mórias mais profundas. Quando você está junto de uma pessoa, por mais que a nitude es-
teja próxima, você ainda está com ela. Quando ela parte, a sua vida muda, se metaboliza, e
isso não é do dia para noite. É preciso ir lá no fundo e conseguir se recompor aos poucos,
porque o luto tem um tempo para acontecer.
Você optou também por fragmentar o romance em capítulos não lineares...
É como vem a memória. Não dá para lembrar o que você viveu com uma pessoa como um
todo. Você vai aos poucos recordando fatos vividos. É meio que um caleidoscópio. O capítu-
lo lá da frente ganha outra força quando lê o capítulo da primeira parte. E o capítulo da pri-
meira parte às vezes é ressigni cado por um trecho contado lá na frente. A ideia é que o li-
vro, como uma pessoa, fosse construído aos poucos.
Em nenhum momento você diz qual é a doença de Mara, embora descreva os sintomas de-
la.
Justamente para não demarcar demais. Quando naliza o tipo há todo cenário imaginário.
Isso não importa. O que importa é que vai acabar, não precisa entrar em detalhes. O que in-
teressava era essa evocação.
Vivemos tempos difíceis, de raiva. Escrever sobre afeto de certa forma é transformador?
É um sentimento muito próprio, do meu momento, de olhar para os meus irmãos. Olhar
para as pessoas e pensar que existem coisas boas. O lado social se dá inicialmente na sua
casa. Você é um ser coletivo que tem individualidades e isso se aprende em casa, depois
com os amigos, vizinhos, as pessoas nas ruas, o mundo. Queria falar sobre entendimento
do outro. Como viver as diferenças no mesmo lugar para depois aprender a conviver com
essas diferenças lá fora, sem precisar se digladiar porque pensa diferente. Foi uma tentati-
va de entrar em conexão com o outro.
• Suas duas pro ssões, professor e escritor, vêm sofrendo ultimamente. De que forma essa
onda de desvalorização da educação e da cultura te atinge?
Até nos dá mais força para continuar a luta. Você vai trabalhar de qualquer forma, é da sua
natureza trabalhar para salvar a educação. Não se é professor porque se quer, mas porque
se deseja aprender e, desejando aprender, você partilha seus aprendizados. Se você escreve,
é porque está ali sentindo sua existência e compartilhando com quem está ao redor. E tem
o mundo a sua frente. Se tiver uma cerca, você vai. Se não tiver, você vai também, porque a
linguagem é o limite. É claro que a gente se preocupa com a questão prosaica, mundana.
Pode di cultar formar pessoas com dimensão profunda da existência. Mas ao mesmo tem-
po aciona nosso mecanismo de resistência. A gente luta não só como professor universitá-
rio, mas como cidadão.
O que tem chamado sua atenção hoje na literatura?
Tem uma paleta muito colorida, diversa. Tem autores há bastante tempo trabalhando. Vie-
ram outras gerações que estão sendo reconhecidas por prêmios, traduções, em grandes
editoras. Há uma pluralidade e uma abertura para as minorias. Vejo literatura da periferia,
ascensão de editoras pequenas, que lembram vozes esquecidas, vozes estreantes. Ao mes-
mo tempo tem a crise do mercado editorial. Tem um mapa se mexendo. Pontos que se
acendem, que se apagam. Está tendo movimento – e isso é muito bom.
Em seu novo romance, autor aborda o afeto entre irmãos por meio da gura de uma doente
terminal, cuja presença se esvai ao longo da narrativa
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