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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADVOCACIA IMOBILIÁRIA,

URBANÍSTICA, NOTARIAL E REGISTRAL

Yago De Carvalho Vasconcelos

A PROBLEMÁTICA DAS SUCESSIVAS PROMESSAS DE COMPRA E VENDA DE


UM MESMO IMÓVEL À LUZ DO PRINCÍPIO DA CONVERTIBILIDADE DOS
NEGÓCIOS JURÍDICOS

Santa Cruz Do Sul


2018
Yago De Carvalho Vasconcelos

A PROBLEMÁTICA DAS SUCESSIVAS PROMESSAS DE COMPRA E VENDA DE


UM MESMO IMÓVEL À LUZ DO PRINCÍPIO DA CONVERTIBILIDADE DOS
NEGÓCIOS JURÍDICOS

Monografia final apresentada à Coordenadoria


do Curso de Especialização em Advocacia
Imobiliária, Urbanística, Notarial e Registral da
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC),
como requisito parcial à obtenção do título de
Especialista na área.

Orientadora: Profa. Rosana Helena Maas

Santa Cruz Do Sul


2018
Yago De Carvalho Vasconcelos

A PROBLEMÁTICA DAS SUCESSIVAS PROMESSAS DE COMPRA E VENDA DE


UM MESMO IMÓVEL À LUZ DO PRINCÍPIO DA CONVERTIBILIDADE DOS
NEGÓCIOS JURÍDICOS

Monografia final apresentada à Coordenadoria


do Curso de Especialização em Advocacia
Imobiliária, Urbanística, Notarial e Registral da
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC),
como requisito parcial à obtenção do título de
Especialista na área.

Aprovada em ___/___/_____.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________________
Profa. Rosana Helena Maas
Orientadora

___________________________________________________________________________
1º Examinador(a)

___________________________________________________________________________
2º Examinador(a)

Santa Cruz Do Sul


2018
RESUMO

Com este trabalho, pretende-se, em última análise, encontrar solução técnico-jurídica para um
problema de ordem prática, consistente na dificuldade enfrentada por muitos promitentes
compradores de imóveis para haverem a propriedade do bem negociado, quando esse não é de
titularidade do promitente vendedor, que tem sobre ele apenas um direito obrigacional
decorrente de um anterior compromisso de compra e venda, inserido em uma trama de contratos
preliminares sucessivos acerca do mesmo imóvel. Para atingir esse desiderato, estuda-se a
possibilidade, ou não, de conversão judicial dessas promessas sucessivas de compra e venda
em um outro tipo de negócio que se mostre mais eficaz, preservando a finalidade prática desses
contratos e prestigiando a efetividade do processo jurisdicional, sendo esse o questionamento
fundamental a ser respondido com a presente pesquisa, cuja relevância é insofismável,
porquanto voltada a colmatar problema de grande recorrência e gerador de graves repercussões
socioeconômicas, haja vista a destacada importância dos bens imóveis. A fim de pavimentar o
caminho a ser percorrido para o deslinde da questão aqui posta, aborda-se, inicialmente, o
sistema de transmissão da propriedade imobiliária no Brasil, passando-se, em seguida, à
contextualização do problema a ser solucionado, e depois ao delineamento do princípio da
convertibilidade dos negócios jurídicos (art. 170, CC), perquirindo-se, ao fim, a aplicabilidade
dessa norma nesse tipo específico de situação. Nessa tarefa, empregou-se o método dedutivo
de abordagem, e o método analítico de procedimento, sendo utilizada, basicamente, a técnica
de pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Promessa de compra e venda de imóvel. Contratos sucessivos. Princípio da


convertibilidade dos negócios jurídicos.
ABSTRACT

With this work, it is ultimately sought to find a technical-legal solution to a practical problem,
consisting in the difficulty faced by many promising property buyers in order to have ownership
of the negotiated asset, when it is not owned by the promising seller, who has on him only a
compulsory right resulting from an earlier purchase and sale commitment, inserted in a series
of successive preliminary contracts on the same property. In order to achieve this goal, the
possibility of judicial conversion of these successive buy-and-sell promises is studied in another
type of business that proves to be more effective, preserving the practical purpose of these
contracts and reinforcing the effectiveness of the judicial process, this being the fundamental
question to be answered with the present research, whose relevance is undeniable, since it is
aimed to solve a problem of great recurrence and generating serious socioeconomic
repercussions, given the importance of real estate property. In order to pave the way to be
followed to delineate the question posed here, the system of transmission of real estate in Brazil
is initially approached, and then the contextualization of the problem to be solved is discussed,
and then to the delineation of the principle of the convertibility of legal business (article 170,
CC), after which the applicability of this rule in this specific kind of situation will be examined.
In this task, was employed the deductive method of approach, and the analytical method of
procedure, and were used, basically, the technique of bibliographic research.

Key-words: Promise to buy and sell property. Successive contracts. Principle of Convertibility
of Legal Business
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................7

2 A TRANSMISSÃO INTER VIVOS DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA NO


BRASIL......................................................................................................................................10
2.1 BREVE ITROITO ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SUBJETIVOS EM
REAIS E OBRIGACIONAIS....................................................................................................10
2.2 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA - OS GRANDES
MODELOS INSPIRADORES..................................................................................................14
2.3 OS MODELOS APLICADOS NO BRASIL, DOS TEMPOS COLONIAIS AO DIAS
HODIERNOS............................................................................................................................16
2.4 MEANDROS DO SISTEMA BRASILEIRO - REQUISITOS E ENTRAVES PARA A
TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA......................................................20

3 A PROBLEMÁTICA DAS SUCESSIVAS PROMESSAS DE COMPRA E VENDA DE


IMÓVEL........................................................................................................................... ...24
3.1 O CONTRATO PRELIMINAR NO DIREITO BRASILEIRO.......................................24.
3.2 A PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.................................................27
3.3 AS SUCESSIVAS PROMESSAS DE COMPRA E VENDA DE UM MESMO
IMÓVEL........................................................................................................... ....................31
3.4 A CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL RELATIVA A PROMESSA DE COMPRA
E VENDA DE IMÓVEL.......................................................................................................35

4 O PRINCÍPIO DA CONVERTIBILIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS (ART.


170) FACE À PROBLEMÁTICA DAS SUCESSIVAS PROMESSAS DE COMPRA E
VENDA DE IMÓVEIS........................................................................................................40
4.1 O PRINCÍPIO DA CONVERTIBILIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS –
INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 170 DO CÓDIGO CIVIL............40
4.2 A CONVERSÃO DAS PROMESSAS DE COMPRA E VENDA SUCESSIVAS EM
CESSÕES ONEROSAS DE CRÉDITO................................................................................ 48

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................55

REFERÊNCIAS................................................................................................................ ..57
1 INTRODUÇÃO:

O assenhoramento de bens sempre existiu na história da humanidade, afinal, o homem,


mesmo o do mundo pré-civilizado, sempre buscou suprir suas mais variadas necessidades a
partir da apropriação de coisas úteis.
Com o incremento da complexidade da vida comunitária, o que antes era mero fato social,
converteu-se em direito reconhecido e tutelado pela figura do Estado.
No caso dos bens imóveis, sua destacada importância social, que atualmente se reflete
no assombroso volume de capital movimentado no mercado imobiliário, sempre despertou
especial interesse do Estado no seu controle, ora exercido mediante a apropriação de todo
território, como fez a coroa portuguesa, ao descobrir a Terra Brasilis; ora através do
condicionamento da aquisição particular e do comércio desses bens a uma série de
solenidades específicas, a serem realizadas perante representantes estatais, como atualmente
ocorre na maioria das nações, inclusive no Brasil.
Sucede que o alto nível de complexidade técnica dos mecanismos jurídicos reguladores
do tráfico imobiliário; a forte tributação incidente sobre essas operações, através da cobrança
de impostos e taxas cartorárias; e os múltiplos entraves burocráticos existentes no ambiente
cartorário, acabam por afugentar boa parte da população, que reluta em formalizar suas
transações imobiliárias, o que sucede principalmente (mas não unicamente) nas classes com
baixo nível de renda e/ou escolaridade, fazendo com que muitas das informações constantes
do registro de imóveis – e por via de consequência, muitos dos direitos nele reconhecidos –
destoem das expectativas sociais criadas através da celebração de negócios imobiliários
informais, cuja eficácia, não raro, é superestimada pelas partes.
A fuga do sistema formal de transmissão de direitos sobre bens imóveis, pelos motivos
acima delineados, bem como o desconhecimento desse sistema por boa parte da população
são determinantes para a pletora de litígios oriundos de negócios imobiliários, que, por
envolverem normalmente valores econômicos elevados, ficam excluídos da competência dos
juizados especiais, inundando as já assoberbadas Justiças Comuns Estaduais com processos
constantemente intrincados, e os tribunais de superposição, com os recursos deles oriundos.
Dentre os vários tipos de litígios resultantes da conjuntura acima descrita, há um com
particular recorrência e invulgar complexidade. Trata-se dos conflitos envolvendo as cadeias
de promitentes compradores e promitentes vendedores, formadas a partir de sucessivos
contratos particulares de promessa de compra e venda de um mesmo imóvel.
São múltiplas as ordens de problemas que podem vir a afetar essa teia de direitos e
obrigações, e também o próprio processo judicial no qual ela é discutida. O cerne desses
problemas é a falta de relação jurídica entre o último promitente comprador e o proprietário
do imóvel, haja vista que esses dois nunca celebraram contrato entre si, o que, a princípio,
impede que o promitente comprador reclame para si a propriedade do imóvel, embora tenha
pago por ele.
Assim sendo, avulta a necessidade de reflexão acadêmica sobre a problemática ora
posta, de sorte a prover subsídios técnicos para que os profissionais do direito, notadamente
juízes e advogados, possam lidar de forma mais adequada com esse tipo de questão.
Nesse contexto, o objetivo do presente estudo é perquirir sobre a aplicabilidade do
princípio da convertibilidade dos negócios jurídicos aos casos envolvendo promessas de
compra e venda sucessivas, de sorte a responder às seguintes indagações: o negócio de
promessa de compra e venda, nesses casos, pode ser convertido em um outro tipo de negócio
mais adequado às intenções das partes? Qual negócio seria esse? Essa conversão, se possível,
ajudaria a minimizar os problemas normalmente enfrentados pelos partícipes desses contratos
preliminares entabulados de forma sucessiva?
Nessa toada, o primeiro capítulo deste trabalho versa sobre o sistema de transmissão da
propriedade imobiliária no Brasil, passando em revista pelos vários sistemas transmissivos de
direitos reais imobiliários existentes no mundo, e esmiuçando, por fim, o modelo brasileiro.
A seu turno, o segundo capítulo aborda diretamente a problemática das sucessivas
promessas de compra e venda, trabalhando inicialmente o conceito e as características dos
contratos preliminares, e destacando, empós, a impropriedade técnica na celebração de
contratos sucessivos voltados à disposição de direitos ainda não adquiridos pelo transmitente,
e as diversas ordens de problemas que tal equívoco tende a ensejar.
O terceiro capítulo traz à baila o princípio da convertibilidade dos negócios jurídicos,
cujos contornos são oferecidos no primeiro subtópico, reservando-se o segundo para
demonstrar a aplicabilidade dessa norma às promessas de compra e venda sucessivas cuja
eficácia se encontre ameaçada, sempre se atentando à intenção das partes, e à existência ou não
de boa-fé na contratação e na execução do contrato.
A esse ponto, convém gizar que a elaboração do presente trabalho se deu à luz da
concepção segundo a qual os enunciados jurídicos são mecanismos tecnológicos, isto é, meios
para a realização de determinados fins, de sorte que tais enunciados, diversamente daqueles
relativos às ciências naturais, não comportam classificação baseada no critério da veracidade,
devendo ser categorizados segundo o seu grau de adequação às finalidades constitucionalmente
atribuídas à ordem jurídica, adequação essa que, a despeito de não poder ser demonstrada
cientificamente, deve ser debatida com base em argumentos lógico-jurídicos, em busca da
formação de consensos.
Partindo dessa premissa metodológica, o presente trabalho não ambiciona apontar as
“verdadeiras” repercussões jurídicas das hipóteses fáticas nele abordadas, decorrentes das
“corretas” interpretações dos textos legais pertinentes à matéria, obtidas a partir de um método
científico comprobatório. Pretende-se, isto sim, desenvolver solução jurídica (tecnológica)
adequada para mitigar o tipo de problema social apontado acima, solução essa devidamente
estribada em construção argumentativa pautada na ordem constitucional brasileira.

Finalmente, cumpre esclarecer que o presente trabalho foi desenvolvido com emprego do
método de abordagem dedutivo, utilizando-se como método de procedimento o analítico. A
técnica de pesquisa aplicada foi a bibliográfica, visitando-se vários textos legais e doutrinários,
bem como julgados das Cortes Superiores, relacionados à temática dos direitos reais e contratos
imobiliários.
2 A TRANSMISSÃO INTER VIVOS DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA NO BRASIL

Como mencionado linhas acima, a sobranceira importância social dos imóveis demanda
um maior controle estatal das transmissões de direitos reais sobre tais bens, de modo a
proporcionar segurança jurídica aos particulares, e eficiência na tributação desses negócios.
Sendo o objetivo deste capítulo apresentar e caracterizar os vários tipos de sistemas
jurídicos de transmissão de direitos reais imobiliários, e com maior minudência, o modelo
adotado no Brasil, impende fornecer, previamente, algumas noções conceituais e características
dos direitos reais, a fim de distingui-los dos direitos obrigacionais.

2.1 Breve introito acerca da classificação dos direitos subjetivos em reais e obrigacionais

Há, em princípio, duas categorias fundamentais de direitos subjetivos1: os direitos reais


e os direitos pessoais (ou obrigacionais, ou creditícios).
Não é incorreto enxergar nas actio in rem e actio in personam do direito romano clássico
o embrião da moderna distinção entre direitos obrigacionais e reais, muito embora inexistisse,
à época, um desenvolvimento teórico significativo sobre os direitos reais, falando-se apenas em
ações reais, que correspondiam ao próprio direito violado2.
Sem embargo, diante dessa carência dogmática quanto aos direitos reais, verificada no
direito romano clássico, Monteiro e Maluf sustentam ser mais recente a dicotomia em tela,
remontando, na verdade, ao direito canônico do século XII, quando surgiram as expressões jus
in re (direito real) e jus in rem (direito pessoal)3.
A despeito de suas origens históricas longínquas, e de sua consagração pelos grandes
ordenamentos jurídicos nacionais, a categorização dos direitos subjetivos em reais e
obrigacionais ainda rende, em doutrina, acesas discordâncias quanto à existência ou não de
suficientes discrímens a autorizar essa classificação. É o que relata Silva Pereira:

1
“O Direito vigente pode ser analisado sob dois ângulos diferentes: objetivo ou subjetivo. Do ponto de vista
objetivo, o Direito é norma de organização social. [...] O direito subjetivo corresponde às possibilidades ou poderes
de agir, que a ordem jurídica garante a alguém. Equivale à antiga colocação romana, hoje superada, do Jus facultas
agendi. O direito subjetivo é um direito personalizado, em que a norma, perdendo o seu caráter teórico, projeta-se
na relação jurídica concreta, para permitir uma conduta ou estabelecer consequências jurídicas. [...] É a partir do
conhecimento do Direito objetivo que deduzimos os direitos subjetivos de cada parte dentro de uma relação
jurídica”. [NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 36ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 105]
2
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 5ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1989. p. 9
3
MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos. Alberto Dabus. Curso de direito civil. 42ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v3. p. 37.
Não é, contudo, erma de controvérsia a matéria. Ao invés, eriçada de discussões. Não
faltam escritores a negar a diferença entre uns e outros direitos (Demogue), opinando
que se caracterizam apenas em razão da intensidade (direitos fortes e direitos fracos).
Mais recentemente, Perlingieri alinha-se dentre os que refutam a existência de uma
precisa separação. Outros proclamam o artificialismo da distinção (Thon,
Schlossmann), e negam a existência dos direitos reais, que a seu ver não passariam de
um processo técnico, utilizado pelo direito positivo, ao instituir restrições à conduta
humana, em benefício de determinadas pessoas. Mesmo dentre os que aceitam a
dicotomia lavra indisfarçável/disparidade de pareceres, há os que enxergam, nos
direitos reais, uma relação de subordinação da coisa mesma ao sujeito (Vittorio
Polacco, De Page, Orosimbo Nonato), vinculando-os à ideia de assenhoreamento sem
intermediários, entre a coisa e o titular. Outros há que situam a diversificação numa
ideia de percussão do direito (Windscheid, Mareei Planiol), e consideram relativos os
de créditos e absolutos os reais. Sem embargo dos opinados patronos, subsiste a
dúvida, e duplamente desenvolvida. Pois de um lado levanta-se contra o absolutismo
dos direitos reais a objeção no sentido de que nenhum direito é absoluto (Josserand),
mas todos têm o seu exercício condicionado às implicações sociais que conduzem à
sua relatividade. De outro lado argui-se que, a aceitar o conceito da existência de
direitos absolutos, abrangeriam estes, fora dos direitos reais, outras classes como o
status das pessoas, seu nome, sua vida e integridade física (direitos da personalidade).
Para outra corrente, real é o direito quando o seu titular dispõe de “execução real”,
isto é, tem a faculdade de conseguir coativamente a coisa prometida, privando dela o
promitente (Ziebarth), o que sem ser inexato leva a uma configuração demasiado
técnica e, sob o aspecto didático, muito pouco prática4.

A este ponto, vale reproduzir análise aproximativa das duas categorias de direitos
subjetivos, encontrada na obra de Savigny:

La obligacio y la propriedade tienen ambas una naturaleza idêntica en cuanto


extienden el imperio de nuestra voluntad sobre una parte del mundo exterior, pero se
asimilan además bajo otros puntos de vista, pues primeramente, el objeto de la
obligacion puede consistir en una suma de dinero, es dicir, en transferir la
propriedade de esta suma, y en segundo lugar, la mayor parte de las obligaciones, y
las más importantes, tienen por fin una adquisicion definitiva ó um goce temporal de
la propriedad; de manera que una y otra especie de derecho, la propriedad y la
obligacion, extienden, respecto del adquirente ó del estipulante, el poder del hombre
sobre el mundo exterior más allá de los limites naturales de su ser 5.

A polêmica sobre as diferenças essenciais entre os direitos reais e obrigacionais se reflete,


de forma notória, nas duas principais teorias voltadas a explicar a conformação jurídica dos
diretos reais.
Pela teoria realista ou clássica, o vínculo real conectaria o titular diretamente à coisa,
como expressão do poder imediato daquele sobre essa, sendo os efeitos de tal vínculo oponíveis
contra todos (erga omnes). Não haveria, pois, na relação jurídica real, sujeitos ativos e passivos,
mas apenas o sujeito ativo e a coisa, sem quaisquer intermediários. Essa concepção foi
defendida por Lafayette Pereira, para quem: “O direito real é o que afeta a coisa direta e

4
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. 4. p. 1-2
5
SAVIGNY, Friedrich Carl von. Sistema del derecho romano actual. [Trad. M. CH. GUENOUX]. Madrid: F.
Góngora y Compañía Editores, 1878. T. I. p. 227
imediatamente, sob todos ou sob certos respeitos, e segue em poder de quem quer que a
detenha”6.
A teoria personalista, à sua vez, refugindo ao pragmatismo da teoria realista, parte do
pressuposto de que não há relação jurídica senão entre pessoas, sendo inaceitável o
estabelecimento de relação direta entre pessoa e coisa. Assim, tanto nas obrigações como nos
direitos reais existiria a figura do sujeito passivo, residindo a diferença apenas na prévia
identificabilidade desse sujeito, dado que, nos direitos pessoais, ele apareceria de forma
ostensiva e individualizada, enquanto nos direitos reais, seria representado pela coletividade
anônima dos indivíduos, denominada sujeito passivo universal7, uma vez que os direitos reais
são exercitáveis em face de qualquer pessoa que venha a turbar o exercício das faculdades a
eles inerentes, vinculando a todos, indistintamente.
Segundo nos parece, a teoria personalista apresenta maior consistência jusfilosófica, e se
mostra mais consonante com a atual concepção de direitos reais, ora alijados do caráter absoluto
que outrora lhes era atribuído, encontrando-se, no vigente sistema constitucional brasileiro,
subordinados a uma função social, tida como seu fundamento de existência, algo incompatível
com a noção solipsista da teoria clássica, que estabelece uma relação direta e isolada entre a
coisa e o seu dono.
Embora se refute essa concepção isolacionista, amparada pela teoria clássica, é inútil
negar a existência de uma conexão entre a coisa e o titular do direito real, ainda que se reconheça
que essa conexão representa mero efeito jurídico – e não propriamente uma relação - oriundo
de normas que regem o direito das coisas.
Por essa razão, nos parece lapidar a lição sintética oferecida pelo jurista ítalo Emílio Betti,
segundo o qual “[...] nas relações de direito real, se resolve um problema de ‘atribuição’ de
bens, e, nas obrigacionais, um problema de ‘cooperação’ ou, na hipótese de responsabilidade
aquiliana, de ‘reparação’”8.
Na mesma linha segue Silva Pereira, para quem os direitos reais “[...] traduzem uma
dominação sobre a coisa, atribuída ao sujeito, e oponível erga omnes, enquanto os outros
implicam a faculdade de exigir de sujeito passivo determinado uma prestação”9.
Em termos mais analíticos, as obrigações representam deveres de conduta (comissiva ou
omissiva) assumidos pelo sujeito passivo, ou a ele impostas pela lei, deveres esses sempre

6
PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das coisas. [atualizado por José Bonifácio de Andrada e Silva] 5ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1943. p. 21
7
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. 4.p. 3
8
BETTI, Emilio. Teoria geral das obrigações. Bookseller: Campinas, 2005. p. 30
9
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. 4. p. 1
correlacionados a direitos dos credores de exigirem tais condutas, tendo como características
marcantes i) a determinação ou determinabilidade do sujeito passivo; ii) a vocação do direito
para sua extinção, através do pagamento; iii) a atipicidade do vínculo, cujas características
podem ser definidas pelas partes; iv) a relatividade, ou eficácia inter partes (o que pode
mitigado em certas hipóteses, nas quais se amplia a eficácia do vínculo a partir da publicidade),
v) a possibilidade de que o objeto da obrigação (prestação) seja genérico, pendente de
identificação precisa, como a obrigação de entregar cem sacas de café, por exemplo, sem que
se defina quais sacas propriamente devem ser entregues (sendo possível que elas sequer
existam, no momento do nascimento da obrigação)10.
A seu turno, os direitos reais legitimam socialmente a dominação ou o exercício de algum
tipo de poder sobre bens, oponível a toda a sociedade. Suas peculiaridades essenciais são: i)
sujeito passivo genérico ou universal (oponibilidade erga omnes); ii) tipicidade dos vínculos
reais, que estão exaustivamente catalogados na lei; iii) existência de um direito real fundamental
– a propriedade - mais amplo do que os demais vínculos reais, que dele derivam; iv) maior
formalismo para a sua constituição/desconstituição sobre determinados bens (notadamente
imóveis e veículos), como imperativo de publicidade e segurança jurídica; v) efeito de sequela
dos direitos reais sobre a coisa alheia, permitindo que o titular desse direito o faça valer contra
quem quer que haja assumido o domínio da coisa; vi) impossibilidade de coexistência
(superposição) de direitos reais colidentes; vii) o bem sobre o qual se constitui o vínculo real é
precisamente identificado (“cuerpos ciertos perfectamente individualizados”11)
As características arroladas acima não são, contudo, absolutas e inflexíveis. É que, como
adiantado em linhas anteriores, os direitos subjetivos devem ser aplicados com certa casuística,
de sorte a compatibilizá-los com sua função social, que, no caso brasileiro, vem delineada pela
CRFB de 1988 (art. 5°, XIII), e pelo Código Civil brasileiro, que dispõe sobre o tema de forma
louvável, em seu artigo 187: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que,
ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social,
pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Com efeito, a teoria da função social dos direitos veio a florescer a partir de meados do
Século XX, com o advento do Estado Social, e a consequente publicização das relações
jurídicas. A dita teoria foi idealizada pelo jurista francês Duguit (1859-1928), de cuja obra se
extrai o seguinte excerto: “[...] uma regra de conduta impõe-se ao homem social pelas próprias
contingências contextuais[...]: não praticar nada que possa atentar contra a solidariedade social

10
ERRAZURIZ, Alfredo Barros. Curso de derecho civil. 4ed. Santiago: Editorial Nascimento, 1930. p. 158
11
Idem. Ibidem.
sob qualquer das suas formas e, a par com isso, realizar toda atividade propícia a desenvolvê-
la organicamente”12.
Foi, portanto, a partir desse enfoque social dos direitos individuais que se passou aceitar
certas flexibilizações quanto às características tipológicas das duas espécies de direitos
subjetivos.
Exemplo valioso dessas flexibilizações é o entendimento jurisprudencial compilado no
enunciado n° 308 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, assim redigido: “A hipoteca
firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa
de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Segundo essa ratio
decidendi, extraída de vários precedentes da corte, a hipoteca - embora constitua direito real de
garantia, portador de eficácia erga omnes, e indutor do direito de sequela - não pode ser oposta
a terceiros de boa-fé, que, sem saber (embora, em tese, essa informação estivesse disponível do
Registro de Imóveis), adquiriram unidades habitacionais gravadas com esse ônus real, o que
representa uma radical mitigação das regras caracterizadoras dos direitos reais13.
Está-se, à evidência, diante de um sopesamento de princípios, no qual os princípios da
relatividade dos contratos (eficácia inter partes) e da presunção de conhecimento das
informações constantes de registro público, são suplantados pelos princípios da vulnerabilidade
dos consumidores (art. 4°, I, CDC) e da confiança ou boa-fé objetiva (arts. 187 e 422 do CC).
Noutras vezes, é a própria lei que cria figuras híbridas, no afã de satisfazer o escopo social
que fundamenta a existência do direito subjetivo, tais como as chamadas obrigações propter
rem (obrigação de pagar a cota condominial, p. ex.), e também as obrigações com eficácia erga
omnes (obrigação de respeitar o contrato de locação registrado à margem da matrícula do
imóvel, que contenha cláusula de vigência, p. ex.).
Dados os contornos distintivos dos direitos reais, em relação aos direitos obrigacionais,
passa-se a discorrer sobre os sistemas conhecidos de transmissão da propriedade imobiliária, os
quais inspiraram as legislações de vários países, inclusive do Brasil.

2.2 Sistemas de transmissão da propriedade imobiliária - os grandes modelos inspiradores

12
DUGUIT, León. Fundamentos do direito. Tradução Márcio Pugliesi. São Paulo: Martin Claret, 2009. p. 45
13
Vide STJ, T3, AgRg no REsp n° 505407, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 05.08.04, DJ 04.10.04.
STJ, T4, REsp n° 187940, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 18.02.99, DJ. 21.06.99.
Quando se trata de transmissão (ou aquisição derivada) da propriedade imobiliária,
decorrente de ato inter vivos, defrontam-se três sistemas jurídicos, nos quais se inspiram a
generalidade dos ordenamentos nacionais.
Em prol da didática, aborda-se primeiramente o mais simplório deles, o sistema francês,
que se peculiariza por viabilizar a transmissão da propriedade solo consensu, isto é, mediante
a simples manifestação de vontade dos contratantes, o que significa que os contratos têm, de
per si, efeito translativo14. Dentre os países que assimilaram esse modelo está a Itália, cujo
Código Civil, em seu artigo 922, preceitua que a propriedade se adquire, além de outros
modos, por efeito das convenções 15.
Em contraponto, há o sistema alemão, que nega qualquer eficácia translativa de direito
real ao negócio gerador da obrigação de transferir, exigindo a entabulação de uma convenção
específica (convênio jurídico-real), a ser realizada pelas mesmas partes perante o oficial do
registro imobiliário16, convenção essa que adquire existência completamente desvinculada do
primeiro ato negocial. Justamente em decorrência da abstração da causa da transmissão, os
tedescos conferem caráter absoluto ao registro imobiliário, que constitui espelho fiel da
realidade, de sorte que, se alguém, forte em suas informações, adquire certa propriedade e
vem a perdê-la, por sentença judicial, tem o direito de ser indenizada pelo Estado17.
Por fim, tem-se o vetusto sistema romano, segundo o qual a declaração de vontade deve
ser complementada por um ato posterior, para que tenha o condão de transladar a propriedade,
ficando, porém, o ato transmissório, vinculado à existência e à validade do ato negocial. Tal
sistema é explicado com maior desenvoltura e profundidade por Orlando Gomes, cujas
palavras vem abaixo transcritas:

Pelo sistema romano, a propriedade só se adquire por um modo. Não basta a existência
do título, isto é, do ato jurídico pelo qual uma pessoa manifesta validamente a vontade
de adquirir um bem. É preciso que esse ato jurídico se complete pela observância de
uma forma, a que a lei atribui a virtude de transferir o domínio da coisa: “traditionibus
et usucapionibus dominia rerum, non nudispactis transferuntur”, isto é, o domínio
das coisas transfere-se por tradição e usucapião, jamais por simples pactos. A forma
pela qual se transfere é o que constitui, precisamente, o modus acquisicionis. Mas,
assim, como exigiam um modo para que a propriedade fosse adquirida, os romanos
estabeleceram que não bastava a tradição para transferir o domínio, sendo necessário
que fosse precedida de uma justa causa. Segundo o frag. 31, 1, lib. 41 do Digesto,
“nunquam nuda traditio transferit dominium, sed ita si venditio aut aliqua justa causa
praecesseritpropter quam traditio sequeretur”. Assim, título e modo eram necessários
à aquisição da propriedade. O título não era suficiente para transferir o domínio. O

14
GOMES, Orlando. Direitos reais. 21ed. [atualizado por Luiz Edson Fachin] Rio de Janeiro: Forense, 2012. p.
152
15
MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit. p. 220
16
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito dos contratos. 2ed.
Rev. Ampl. Atual. Salvador: JusPODIVM, 2012. v4. p. 363
17
MONTEIRO, Washington. op. cit.. p. 221
modo só transferia se o título fosse justo. Poder-se-ia dizer, usando a linguagem
escolástica, que o título é a causa effectus remota e o modo a causa efficiens próxima
da aquisição do domínio. Pouco importa que o Direito Romano houvesse
espiritualizado a traditio a ponto de tomá-la praticamente inexistente, como parece a
alguns escritores. Permanece, de qualquer sorte, como forma indispensável à
transmissão do domínio. O contrato não bastava. 18

Por evidente, nenhum desses modelos jurídicos é perfeito, não sendo sequer possível
eleger o mais eficiente, haja vista que diversos fatores de ordem social, cultural e econômica
podem torná-los mais ou menos adequados às realidades de cada país.
Feita a análise desses diversos modelos, é chegado o momento de centrar as atenções na
realidade brasileira, estando o próximo subtópico dedicado ao resgate dos sistemas de
transmissão da propriedade imobiliária já aplicados no Brasil.

2.3 Os modelos aplicados no Brasil: dos tempos coloniais aos dias hodiernos

Com a descoberta da Terra Brasilis pelos portugueses, em 1500, a propriedade sobre


todo o território passou à Coroa lusitana, nos termos do que havia sido previamente pactuado
no Tratado de Tordesilhas de 1494. Sem embargo, logo restou evidente que os recursos do
Estado português não seriam bastantes para custear a exploração e tampouco a defesa de seus
vastos domínios ultramarinos, constantemente frequentados por expedições francesas e
holandesas, fato que motivou o rei D. Pedro III a ordenar, em 1534, a divisão do território em
quinze capitanias hereditárias, cuja posse foi cedida a particulares ligados à Coroa 19.
Os donatários das capitanias estavam, por sua vez, autorizados a realizar cessões
formais dos direitos possessórios sobre porções de suas terras, através das denominadas
cartas de sesmarias, a quem demonstrasse interesse e capacidade para explorá-las.
Contudo, as dificuldades para a obtenção de sesmarias, e a imensidão do território
inexplorado conduziram a um cenário no qual prevalecia a ocupação informal das terras, e a
comercialização das mesmas entre particulares, que passou a ser tolerada, sem qualquer
participação ou controle do Estado, o que tornou absolutamente caótica a situação fundiária
brasileira.
Nesse contexto, as transmissões imobiliárias inter vivos na colônia portuguesa, e mesmo
após a independência do Brasil (por inexistência de legislação própria), estavam sujeitas a

18
GOMES, Orlando. Direitos reais. 21ed. [atualizado por Luiz Edson Fachin] Rio de Janeiro: Forense, 2012. p.
151-152
19
FAUSTO, Boris. História do brasil. 2ed. São Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995. p. 44
regramento baseado no sistema romano, aqui implantado inicialmente pelas Ordenações
Manuelinas de 1513 e, posteriormente, pelas Ordenações Filipinas de 1603, de sorte que a
aquisição do direito real pressupunha título legítimo, mas apenas se aperfeiçoava – fosse a
coisa móvel ou imóvel - com a tradição do bem20.
De fato, tal era o que ressaia de disposição constante das Ordenações Filipinas, assim
vazada: “e tanto que o comprador fôr entregue da cousa, e pagar o preço, logo é feito della
senhor” (Ord. L. 4° T. 5° § 1°)21, preceito esse que veio a ser aprimorado por Teixeira de
Freitas, em sua Consolidação das Leis Civis de 1858: “Art. 908. Para aquisição do dominio
não basta simplesmente o título, mas deve accedêr a tradição; e, sem esta, só se-tem direito á
acções pessoaes” (sic)22.
Contudo, conforme dito acima, o condicionamento da aquisição derivada da
propriedade imobiliária ao ato solene da tradição não era o suficiente para conferir segurança
jurídica aos cada vez mais frequentes e vultosos negócios imobiliários, máxime pelo fato de
que, ordinariamente, se substituía a tradição efetiva por simples cláusula constituti, disposição
contratual na qual o alienante se demitia da condição de possuidor, em favor do adquirente,
sem que esse exercesse, no entanto, a apreensão física do bem, que o alienante conservava
consigo, mas na condição de mero detentor. Isso sem mencionar que a eficácia translativa do
ato da tradição se mostrava ainda mais desaconselhável em virtude da distinção, já defendida
pelos jurisconsultos, entre os conceitos de posse e propriedade.
Já no início do século XIX, a falta de delimitação das terras públicas e privadas, e o
descontrole sobre as transações imobiliárias se mostrava insustentável, notadamente em
função da crescente necessidade de se ampliar a circulação do crédito, o que dependia de um
sistema efetivo de garantias hipotecárias 23.
Em atenção a essa necessidade, fez-se incluir o artigo 35 na Lei Orçamentária n° 317,
de 1843, ordenando a criação de um “Registro Geral de Hipotecas”, regulamentado em 1846
pelo decreto n° 482. Contudo, tal medida não foi o bastante para proporcionar a segurança
necessária aos credores hipotecários, dada a carência de um sistema de registro das

20
FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. 3ed. Rio de Janeiro: Livreiro Edictor do Instituto
Historico, 1876. p. 536
21
Idem. Ibidem.
22
Idem. Ibidem.
23
VIEIRA, Julia Rosseti Picinin Arruda. Transmissão da propriedade imóvel pelo registro do título e segurança
jurídica. 2009, Dissertação (Mestrado em História do Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
234p. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/.../2/.../Julia_Rosseti_Picinin_Arruda_Vieira_Dissertacao.pdf>
Acesso em: 19 set. 2017. p. 34
transmissões imobiliárias, que impedia a verificação do fato de ser o hipotecante realmente
titular da propriedade do bem 24.
Tentando-se lançar luzes na obscura situação das terras públicas e particulares do Brasil,
editou-se a Lei n° 601 de 1850, a qual extinguiu formalmente o já falido sistema de sesmarias,
revalidando, porém, aquelas dotações que se achassem cultivadas e habitadas. Em seguida,
regulamentando a referida lei, veio o Decreto n° 1.318 de 1854, que, dentre outras
providências, instituiu o “Registro Paroquial” ou “Registro do Vigário”, cadastro obrigatório
de terras a ser mantido pelo vigário de cada uma das freguesias do Império 25.
Sem embargo, tal registro tinha finalidade meramente estatística, sem representar um
cadastro com eficácia jurídica constitutiva e/ou declaratória de direitos e ônus reais sobre os
imóveis26.
Assim, foi apenas com o advento da Lei n° 1.237, de 24 de setembro de 1864, oriunda
de projeto apresentado dez anos antes pelo Conselheiro Nabuco de Araújo, que se instituiu o
“Registro Geral” (art. 7°), registro público no qual se deveria realizar a transcrição dos títulos
de transmissões imobiliárias, a instituição de ônus reais e a inscrição das hipotecas.
Outrossim, o caput do artigo 8° da lei dispunha que a transmissão do domínio do imóvel
apenas operaria efeitos em relação a terceiros a partir da data em que ocorresse a transcrição
do título no Registro Geral competente. A lei, contudo, ressalvava que a transcrição do título
não induzia prova do domínio, nem sequer uma presunção relativa do mesmo (art. 8°, § 4°).
Cumpre anotar que a falta de clareza do novo diploma deu azo ao surgimento de três
diferentes correntes interpretativas, no concernente ao momento em que se operava a
transmissão da propriedade imobiliária. Para alguns jurisconsultos, a nova lei teria preservado
a regra anterior, operando-se a aquisição da propriedade no momento da tradição, desde que
baseada em título legítimo, servindo a transcrição do título como mero instrumento de
publicidade e expansão da eficácia do direito real a terceiros, mas sem efeito constitutivo ou
mesmo probatório. Para outros, como Lafayette 27, a nova lei teria modificado a regra anterior,
passando a transmissão do direito real a ocorrer no momento da transcrição do título, uma vez
que só se poderia falar em direito real quando oponível a terceiros. Outros, a exemplo de

24
LAGO, Ivan Jacopetti do. História da publicidade imobiliária no Brasil. 2008, Dissertação (Mestrado) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. 134p. Disponível em:
<www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-11072011-151552/pt-br.php> Acesso em: 10 out. 2017. p. 63
25
Lima, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 5ed.Goiânia: Ed. UFG,
2002. p. 63-74.
26
FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. op. cit. p. 533-534.
27
PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das coisas. [atualizado por José Bonifácio de Andrada e Silva] Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1943.
Bevilaqua28, afirmavam que o diploma legal teria estatuído a adoção do sistema francês,
decorrendo a transmissão da propriedade diretamente do negócio jurídico, servindo a
transcrição para mera publicidade, e para valer contra terceiros, tese à qual posteriormente
aderiram Silva Pereira e Monteiro 29, ao tratarem sobre o direito pré-codificado.
A cizânia, no entanto, foi liquidada no dia 1° de janeiro de 1917, com a vigência do
primeiro Código Civil brasileiro, que, além de converter o “Registro Geral” em “Registro de
Imóveis”, trouxe disposição expressa no sentido de que “Art. 530. Adquire-se a propriedade
imóvel: I - Pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel [...]”, de sorte que
“Art. 533. Os atos sujeitos a transcrição (arts. 531 e 532) não transferem o domínio, senão da
data em que se transcreverem [...]”. Assim, além do caráter publicitário, restou inequivocamente
consagrado pelo direito positivo a eficácia constitutiva do registro imobiliário, estabelecendo-
o como o marco temporal preciso para a translação do direito de propriedade inter vivos30.
Outra inovação da maior importância, oriunda do texto codificado, foi a concessão de
eficácia probatória ao registro, quanto à titularidade do direito real, de sorte a conferir certa
segurança às informações constantes do cadastro, ressalvando, porém, a causalidade do ato
registral, ao afirmar o caráter relativo da presunção de veracidade de seus dados:

Art. 859. Presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu, ou
transcreveu.
Art. 860. Se o teor do registro de imóveis não exprimir a verdade, poderá o
prejudicado reclamar que se retifique.
Parágrafo único. Enquanto se não transcrever o título de transmissão, o alienante
continua a ser havido como dono do imóvel, e responde pelos seus encargos.

Em linhas gerais, a sistemática implantada pelo Código Civil de 1916 prevalece


hodiernamente, havendo sido assimilada pelas leis e decretos posteriores (Lei n° 4.827/1924,
Decreto n° 4.857/1939, Decreto-Lei n° 1.000/1969, Lei n° 6.015/1973 e Lei n° 10.406/2002).
Nesse sentido, note-se a redação do artigo 1.227 do Código Civil de 2002: “Art. 1.227. Os
direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem
com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247),
salvo os casos expressos neste Código”.
Isso posto, sobeja claro que o modelo brasileiro de aquisição da propriedade inter vivos
tem marcante inspiração no sistema romano31, dada a impossibilidade de se adquirir bens por

28
BEVILAQUA, Clovis. Direito das coisas. São Paulo: Freitas Bastos, 1942. p. 144
29
Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v4. p.
100. MOTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos. Curso de Direito Civil. op. cit. p. 220
30
DINIZ, Maria Helena. Sistemas de registros de imóveis. 9ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 18
31
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito dos contratos.2ed.
Rev. Ampl. Atual. Salvador: JusPODIVM, 2012. V.4 p. 364
mero consenso, e a causalidade do ato transmissivo do direito real, que não substitui o título,
mas a ele acede. Contudo, o atual sistema pátrio contém importante discrímen em relação
àquele, haja vista a substituição da tradição, como ato translativo da propriedade imobiliária,
pelo registro do título (instrumento contratual público ou particular) no fólio do competente
Cartório de Registro de Imóveis.
Sem dúvida, essa diferenciação torna o sistema brasileiro bem mais seguro e organizado
do que o romano, porém mais burocrático, moroso e dispendioso, como se verá no item
seguinte.

2.4 Meandros do sistema brasileiro - requisitos e entraves para a transmissão da


propriedade imobiliária

Por expressa dicção legal (art. 167, Lei n° 6.015/1973), estão sujeitos a registro no
Registro de Imóveis todo e qualquer ato voltado à transmissão da propriedade imobiliária, a
saber, a compra e venda (inciso I, n° 29); a dação em pagamento (inciso I, n° 31); a doação
(inciso I, n° 33); a transferência de imóvel a sociedade (inciso I, n° 32), dentre outros atos.
Note-se que, em atenção à especial importância social dos bens de raiz, o artigo 108 do
Código Civil pátrio exige que o contrato voltado à constituição, transferência, modificação
ou renúncia de direitos reais sobre imóveis com valor superior a trinta vezes o maior salário
mínimo vigente no País seja entabulado mediante escritura pública, forma essa que constitui
elemento essencial à validade do ato. Ocorre que, como a imensa maioria dos imóveis custam
mais do que trinta salários mínios, essa formalidade é exigida em praticamente todos os atos
voltados à transmissão da propriedade imobiliária, salvo pontuais exceções previstas em lei.
Exceção digna de nota é a constante da Lei 6.766/79, que versa sobre o parcelamento
do solo urbano. O artigo 41 do referido diploma aduz que, em se tratando de loteamento
regularizado, o próprio instrumento particular de promessa de compra e venda poderá ser
levado a registro, para fins de obtenção da propriedade do imóvel, desde que comprovado o
total pagamento do preço avençado. Esse ditame é ratificado pelo § 6° do artigo 26 da mesma
lei, incluído pela Lei n° 9.785/1999, que versa sobre a implantação de loteamentos para
pessoas de baixa renda. O dispositivo está assim redigido: “Art. 26. [omissis] § 6o Os
compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para
o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de
quitação”. Segundo Rosenvald, “Da forma como foi inserida, a norma se aplica a qualquer tipo
de aquisição de lotes em loteamentos e não apenas às destinadas a populações de baixa renda”32.
Quanto aos dados essenciais que devem constar das escrituras públicas, o § 1° do artigo
215 da LRP determina que as escrituras indicarão: data e local de sua realização;
reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato,
por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas; nome, nacionalidade, estado civil,
profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, com a indicação, quando
necessário, do regime de bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação; manifestação
clara da vontade das partes e dos intervenientes; referência ao cumprimento das exigências
legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato; declaração de ter sido lida na presença das partes
e demais comparecentes, ou de que todos a leram; assinatura das partes e dos demais
comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato.
Indo além, o registro do título translativo de propriedade no fólio do Registro de Imóveis
também exige a comprovação do recolhimento do ITBI, em caso de transmissão onerosa, ou
do ITCMD, se a transmissão for gratuita. Esses impostos têm alíquotas bastantes distintas nos
diversos entes federativos, mas normalmente geram custos significativos aos contribuintes,
eis que têm como base de cálculo o valor de mercado do imóvel.
Superadas essas exigências, há ainda que se perquirir se o imóvel está apto a
transmissões, verificando-se a existência de arresto ou penhora judicial que obstaculize a
alienação do bem.
Ademais, até bem pouco tempo, o ato registral era condicionado à apresentação de
certidões negativas de débitos fiscais, com base no artigo 1°, IV, b), da Lei n° 7.711/1988,
exigência essa que, acertadamente, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal, no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de n°s 173-6 e 394-1, sob o
fundamento de que tal requisito constituía sanção política e violação ao livre exercício de
atividade econômica lícita, voltadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, a
reconhecer débito tributário alegado pelo fisco.
Como não bastasse os altos custos e as formalidades necessárias à transmissão da
propriedade imobiliária, infelizmente, é um tanto comum que se tenha também de vencer
outras restrições impostas pelos próprios tabeliões, sem o devido amparo na legislação pátria,
motivadas pelo receio daqueles em promover registros que possam vir a ser considerados
indevidos, ensejando sua responsabilização pessoal, nos termos do artigo 28 da Lei 6.015/73.

32
ROSENVALD, Nelson. In Código civil comentado [Coord. Cezar Peluso]. 4ed. Barueri-SP: Manole, 2010. p.
525
Exemplo disso são as notas de devolução nas quais o cartório se nega ao registro da escritura
por haver prévio registro de citação oriunda de ação real ou reipersecutória relativa ao imóvel
(nos termos do artigo 167, I, 21, da Lei 6.015/73), ou quando existe averbação da existência
de execução contra o proprietário do bem, nos termos do art. 828 do CPC, fatos que, a rigor,
não tornam o bem indisponível, uma vez que, a despeito de tais alienações serem legalmente
consideradas como havidas em fraude à execução, nos termos do artigo 792 do CPC, não há
vedação legal para que a transmissão se efetive, tendo como consequência apenas a ineficácia
da alienação em relação ao exequente, conforme o §1° do artigo 792 do CPC.
A vida dos interessados na transferência da propriedade imobiliária pode ainda ser
bastante dificultada se, por exemplo, for constatada uma inconsistência na cadeia dominial
do imóvel, demandando a prévia correção da falha, em observância ao princípio da
continuidade registral, segundo o qual “os registros devem estar perfeitamente encadeados,
de forma que não haja vazios ou interrupções na corrente registrária” 33.
Outro possível problema pode surgir dada a necessidade de retificar registro feito na
matrícula do imóvel, quando esse não exprima a verdade (art. 212, LRP). As dificuldades
podem ser ainda maiores se a retificação importar alteração nas divisas do imóvel, quando
somente será possível fazê-la através de procedimento administrativo ou judicial (art. 213,
§2°, LRP).
Também se pode considerar frequentes os casos em que a transmissão do imóvel é
osbstaculizada pela pendência de averbação, na matrícula do bem, de construção mencionada
na escritura de compra e venda.
Além disso, dificuldade que muitos acabam enfrentando ao buscar a aquisição da
propriedade imobiliária diz respeito ao falecimento do alienante antes da lavratura da escritura
pública de compra e venda. A prévia necessidade de inventário, do qual devem participar
todos os herdeiros do de cujus; a obrigatoriedade de recolhimento do imposto causa mortis;
a dependência de alvará judicial autorizativo da venda, são algumas das providências
adicionais exigidas nesses casos. Bem mais complicada fica a situação quando os herdeiros,
inconformados com a disposição realizada pelo falecido, formulam impugnações ao negócio
preliminarmente entabulado, a fim de evitar a transferência do imóvel ao comprador.
Gize-se que, se o alienante morre ou fica incapaz após a lavratura da escritura de
transferência, mas antes de seu registro no fólio imobiliário, o entendimento da melhor doutrina,
e também do STF (RT 158/316) e do Conselho Superior da Magistratura (RT 183/841), é o de

33
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo:
Método, 2010. p. 227
que a escritura deve ser registrada sem problemas, pois a vontade nela manifestada, de forma
válida, não perde sua eficácia após o falecimento ou o advento da incapacidade. Além disso, os
herdeiros, que por lei tornam-se proprietários dos bens da herança a partir da morte do de cujus,
também estão vinculados à vontade anteriormente manifestada pelo alienante, fato que viabiliza
o registro da escritura, com a consequente transferência da propriedade ao adquirente34.
Destarte, o caminho a ser trilhado para se transmitir uma propriedade imobiliária é
invariavelmente complexo e custoso, podendo ainda, em muitos casos, ser extremamente
moroso e desgastante, de modo que não é de se estranhar que muitos negócios jurídicos
fiquem à margem do Registro de Imóveis.

34
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo:
Método, 2010. p. 215-216
3 A PROBLEMÁTICA DAS SUCESSIVAS PROMESSAS DE COMPRA E VENDA
DE IMÓVEL

Com dito acima, a extensa gama de formalidades para a transmissão da propriedade


imobiliária, somada aos altos custos dos emolumentos cartorários e impostos, e à falta de
conhecimento da população acerca das complexas normas jurídicas relativas aos direitos reais
e ao Registro de Imóveis, são fatores que fazem com que expressivo número de negócios
imobiliários sejam realizados de modo informal, sem qualquer intervenção do Estado.
De fato, para escapar das dificuldades elencadas supra, é comum que as partes se
contentem em celebrar contratos preliminares, geralmente documentados em instrumentos
particulares, os quais, de ordinário, não são levados ao registro público. Ocorre que, embora
essa forma de contratação tenha o mérito propiciar a dinamização do tráfico imobiliário, a
falta de conhecimento sobre objeto e os efeitos dos contratos preliminares acaba por gerar
transtornos às partes, como se verá no decorrer deste capítulo.

3.1 O contrato preliminar no direito brasileiro

Além do sistema de transmissão inter vivos da propriedade, matéria enfocada supra, os


romanos também legaram ao direito nacional a figura jurídica do pactum de contrahendo,
entre nós consagrado como contrato preliminar. É o que explica Wald:

O direito romano reconhecia uma eficácia jurídica mais ampla aos contratos, que
obedeciam às formalidades legais, relegando para um plano secundário os pactos, que
só criavam obrigações naturais. Admitiu-se, todavia, que o pacto pudesse obrigar as
partes, sob pena de aplicação de sanções específicas, e surgiu assim o pactum de
contrahendo, pacto pelo qual as partes se obrigavam a firmar um contrato 35.

De fato, o contrato preliminar, tal como regulamentado em nosso direito


contemporâneo, nada mais é do que um pactum de contrahendo, isto é, um contrato cujo
objeto consiste não em uma prestação substancial, mas em uma obrigação de celebrar um
futuro contrato definitivo, tido como principal, esse sim constitutivo do direito à prestação
material alvejada.

35
WALD, Arnold. Direito civil: direito das obrigações e teoria geral dos contratos. 20ed. São Paulo: Saraiva,
2011. v2. p. 295
Noutras palavras, contrato preliminar ou pactum de contrahendo “É o contrato mediante
o qual as partes se obrigam a concluir no futuro um ulterior contrato já inteiramente determinado
em seus elementos essenciais”36.
Embora já fosse largamente utilizado no Brasil, o Código Civil de 1916 não tipificou o
contrato preliminar, contendo apenas um dispositivo aplicável, de forma lateral, a esse tipo de
pacto, dispositivo esse que negava a possibilidade de execução específica da promessa de
contratar, garantindo ao credor apenas a possibilidade de pleitear ressarcimento dos danos
experimentados: “Art. 1.088. Quando o instrumento público for exigido como prova do
contrato, qualquer das partes pode arrepender-se, antes de o assinar, ressarcindo à outra as
perdas e danos resultantes do arrependimento, sem prejuízo do estatuído nos arts. 1.095 a
1.097”.
Esse tipo de norma estava perfeitamente alinhada ao velho cânone liberalista da
intangibilidade da vontade do devedor, que conduzia ao desprezo pela execução específica das
obrigações de fazer (gênero ao qual pertence a obrigação de contratar)37, o que acabava por
desprestigiar o contrato preliminar, porquanto erodia sua eficácia.
Todavia, ante à proliferação de promessas de compra e venda de imóveis, o Poder
Legislativo se viu forçado a disciplinar a matéria, instituindo mecanismos para ampliar a
efetividade jurídica desse específico tipo de contrato, sem ainda se preocupar em estabelecer
regras regais sobre os contratos preliminares, que permaneceram por longo tempo com sua
efetividade esvaziada.
O pioneiro Decreto-lei n° 58 de 1937, voltado a regular os loteamentos, tratou
expressamente dos “compromissos de venda”, atribuindo direito real ao promitente comprador
de imóvel loteado, contra a oneração e alienação posterior do bem, desde que o contrato fosse
devidamente averbado no Registro Imobiliário (art. 5°), podendo o comprador, desde que
quitado o preço e as taxas e impostos pertinentes, exigir a outorga de escritura definitiva de
compra e venda (art. 15), sob pena de adjudicação do lote, em caso de negativa do promitente
vendedor (art. 16). Esse regime, de início aplicável apenas aos loteamentos, foi ulteriormente
estendido aos demais imóveis, através da Lei n° 649/1949.
Com relação aos demais tipos de contratos preliminares, só bem depois passaram a ser
considerados títulos aptos a obrigar o devedor a celebrar o respectivo contrato definitivo.

36
GABRIELLI, Giovanni. Il contrato preliminare. Milano: Giuffrè, 1970. p. 1-2.
37
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direito civil: Obrigações. 15ed. São Paulo:
Saraiva, 2014. v2. p. 104
Tal só foi possível a partir do movimento doutrinário em prol da efetividade do processo,
que chegou ao Brasil na década de 80, o qual destacava a necessidade munir o processo com
mecanismos capazes de proporcionar eficácia prática ao direito material, inserindo-se dentre
esses mecanismos de efetividade aqueles voltados à concessão de tutela jurisdicional específica
das obrigações de fazer38. A propósito, data de 1982 a primeira publicação do célebre texto de
Barbosa Moreira intitulado “Notas sobre o Problema da ‘Efetividade’ do Processo”, no qual o
autor defende que “em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de
ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo
o ordenamento”39 [grifou-se].
Nesse contexto, passou-se a identificar tipos de obrigações de fazer cujo inadimplemento
não deveria conduzir à imediata conversão da obrigação em débito pecuniário, eis que viável a
consecução do exato resultado prático a que fazia jus o credor, ou de um resultado aproximado,
mediante atuação jurisdicional inofensiva aos direitos fundamentais do devedor. Dentre essas
subespécies de obrigações, se insere a obrigação de contratar ou de declarar vontade, como
explica Barbosa Moreira:

As obrigações de emitir declaração de vontade incluem-se por natureza entre as de


prestação infungível, pois só o devedor, em princípio, pode declarar a sua própria
vontade, sendo inconcebível que disso se venha a encarregar qualquer terceiro, como
poderia acontecer se se tratasse, v.g., de consertar aparelho ou demolir edificação.
Todavia, as obrigações de que agora se cuida têm um ponto comum com as de
prestação fungível: o interesse do credor não se dirige à atividade do devedor,
considerada em si mesma, senão ao resultado dela, isto é, à produção do efeito (aqui
jurídico, em vez de material, como nos outros casos referidos) que de semelhante
atividade resultaria. [...] Daí deflui a possibilidade de proporcionar-se ao credor –
diferentemente do que sucede nas restantes hipóteses de obrigação com prestação
infungível – o benefício especificamente visado, e não apenas uma vantagem
substitutiva, representada pelo equivalente em dinheiro da prestação devida40.

Felizmente, não tardou muito para que esses ensinamentos doutrinários rendessem frutos
no âmbito legislativo. Na esteira dessa nova ordem de ideias, adveio a Lei n° 8.078, de 1990
(Código de Defesa do Consumidor), que constituiu importantíssimo marco em prol da
superação da tutela pecuniária substitutiva, como decorrência natural do inadimplemento de
obrigações de fazer. É o que se depreende, por exemplo, do artigo 84 do CDC, segundo o qual
“Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz

38
Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1987.
39
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre o problema da efetividade do processo. In: Estudos de direito
processual em homenagem a José Rodrigues Marques. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 28
40
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 29ed. Rio de Janeiro: Forense: 2012. p.
225-226.
concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o
resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
Em 1994, com a edição da Lei n° 8.952, alterou-se uma série de artigos do Código Buzaid
(CPC/1973), estendendo a regra da tutela específica das obrigações de fazer para lides não
consumeristas, conforme disposto no caput do artigo 461, com redação muito semelhante ao
artigo 84 do CDC: “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
Desta feita, converteu-se em exceção o que antes era regra, como deixa claro o § 1° do
dispositivo em tela: “A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer
ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente”. O Novo
Código de Processo Civil de 2015 seguiu a linha de seu predecessor, regulando a matéria da
mesma forma em seus artigos 497 e seguintes.
Apenas em 2003, com a vigência do Novo Código Civil, a legislação material codificada
superou a defasagem em relação à legislação extravagante, e à norma adjetiva. O Novo Código,
cujo projeto fora idealizado ainda nos anos 1970, finalmente positivou a figura do contrato
preliminar, acabando com a incerteza doutrinal que ainda pairava sobre a sua autonomia em
relação ao contrato definitivo. Restou consagrada, pois, a irretratabilidade do contrato
preliminar, ante à ausência de cláusula de arrependimento (art. 463), bem como a possibilidade
de conversão judicial do contrato preliminar em definitivo, ainda que o contratante
inadimplente não manifeste vontade nesse sentido (art. 464, CC).
Naturalmente, o Código ressalva que esse tipo de tutela especifica somente poderá ser
concedida quando não se houver pactuado direito de arrependimento, e desde que tal medida
seja compatível com a natureza da obrigação (art. 464, in fine). De fato, seria de todo descabido
ato judicial que outorgasse caráter definitivo a ajuste preliminar no qual as partes se houvessem
reservado o direito potestativo de extinguir o vínculo, a não ser que o prazo para o exercício
dessa faculdade já estivesse esgotado. Também não faria sentido fazê-lo quando o objeto do
contrato definitivo a ser celebrado envolvesse obrigação de fazer personalíssima, como a de
realizar uma apresentação artística, por exemplo, eis que obrigar alguém a realizar tal atividade,
contra a sua vontade, ofenderia, de forma inaceitável, a dignidade humana.

3.2 A promessa de compra e venda de imóvel


De início, insta ressaltar que este tópico centra atenções na promessa bilateral de compra
e venda, aqui entendida como o contrato preliminar bilateral mediante o qual ambas as partes
se comprometem a entabular o contrato definitivo de compra e venda, estando excluída do
objeto deste estudo a promessa unilateral, denominada opção, “[...] contrato unilateral, que
traz obrigação de contratar apenas para o promitente vendedor, pelas condições constantes do
instrumento”41.
Como ressaltado no subtópico anterior, a promessa de compra e venda de imóvel,
devido à sua profusa utilização no Brasil, recebeu disciplina legal própria bem antes das
demais espécies de contrato preliminares.
Calha, pois, esmiuçar as circunstâncias que conferem tal importância à promessa
bilateral de compra e venda de imóvel.
Primeiramente, note-se que a promessa de compra e venda é eficiente mecanismo de
segurança jurídica para o alienante, nos negócios em que o pagamento do preço é diferido ou
parcelado. É que o diferimento da outorga de contrato definitivo, nesses casos, previne o
alienante contra a inadimplência do adquirente, haja vista que aquele pode condicionar o
cumprimento da obrigação de assinar a escritura pública definitiva à quitação da
contraprestação. Ulhôa Coelho aborda o tema de forma lapidar:

O compromisso de compra e venda (CCV) é negócio jurídico largamente utilizado na


negociação de imóveis. Ele possibilita o pagamento parcelado do preço por parte do
interessado na aquisição (promitente comprador), sem expor o incorporador, loteador
ou outro proprietário do bem (promitente vendedor) a riscos expressivos associados à
inadimplência ou insolvência do primeiro. Como a propriedade não se transmite senão
com o registro no Registro de Imóveis do título aquisitivo e a outorga deste depende
do prévio pagamento de todo o preço pelo promitente comprador, a garantia do
promitente vendedor é substancial: enquanto não recebe a totalidade do seu crédito,
não transmite a propriedade42.

Outro aspecto que ajuda a explicar a importância da promessa de compra e venda de


imóvel é justamente o seu poder vinculativo, haja vista que os termos da futura compra e
venda ficam previamente estabelecidos, de modo que as partes não podem se arrepender das
condições pactuadas e tampouco do negócio em si, salvo direito de arrependimento
expressamente previsto no contrato, podendo a parte que deseja o cumprimento do pacto
buscar a conversão judicial do contrato preliminar em definitivo (art. 464, CC).

41
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2014. v3. p. 406
42
Coelho, Fábio Ulhôa. Curso de direito civil. 4ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v4. p. 394
Para reforçar essa vinculação, e estender a terceiros a eficácia do direito do promitente
comprador de haver para si o imóvel negociado, o artigo 1.417 do Código Civil estatuiu o direito
real do promitente comprador, que, segundo a mais abalizada doutrina, “É um direito real novo,
pelas suas características, como por suas finalidades. [...]. Nem é um direito real pleno ou
ilimitado (propriedade), nem se pode ter como os direitos reais limitados que o Código Civil,
na linha dos demais, arrola e disciplina”43.
Como observa Penteado, “Trata-se de direito real de aquisição. Isto significa que o direito
é orientado a que, provado o cumprimento dos deveres obrigacionais principais (quitação),
possa o adquirente se tornar dono do imóvel”44.
Note-se que o direito real do promitente comprador se caracteriza como um direito de
sequela, portanto com eficácia erga omnes. Uma vez constituído, grava o imóvel, de sorte que
o terceiro que o venha adquirir o receberá onerado, sendo a ele oponível o direito de aquisição
previsto no art. 1.417 do C.C.45.
Nada obstante, a circunstância fundamental, que faz da promessa de compra e venda de
imóvel modalidade contratual de máximo destaque no direito brasileiro é o seu condão de
simplificar e dinamizar o comércio imobiliário.
Sua aptidão para tanto decorre do fato de prescindir das formalidades impostas ao
contrato definitivo de compra e venda de imóvel, conforme se pode extrair do artigo 462 do
Código Civil brasileiro: “Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter
todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.
Sobre o tema, discorrem com propriedade Farias e Rosenvald:

Na linha consensualista, o Código Civil é enfático na defesa do princípio da liberdade


de forma para os contratos preliminares (art. 107, CC). Em outras palavras, dotado o
negócio jurídico dos pressupostos de existência e dos requisitos de validade a que
alude o artigo 104 do Código Civil, o contrato preliminar é um ato jurídico perfeito,
independente da relação principal que procura garantir. O ordenamento afastou o
princípio da atração das formas entre os contratos preliminar e definitivo. Esta
diversidade de fundamentos e efeitos entre os dois modelos jurídicos, justifica a
liberdade de contratar sem a exigência da forma pública, essencial à validade de
negócios jurídicos que visem à constituição de direitos reais sobre bens imóveis de
valor superior a trinta salários mínimos (art. 108, CC).

43
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 21ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2012. v.4. p. 379
44
PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 510
45
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. v4. p. 384
Neste ponto, cumpre advertir da existência de corrente doutrinária minoritária que
defende ser a escritura pública requisito de validade da promessa de compra e venda de imóvel,
quando o bem tiver valor superior a trinta salários mínimos. Assim entende Arruda Alvim Neto:

Insta observar, ainda, que a escritura pública é da natureza dos negócios jurídicos que
visam à constituição, transferência ou modificação de direitos reais sobre imóveis de
valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente (art. 108 do CC), aplicando-
se tal regra aos contratos de compromisso de compra e venda 46.

Data venia, a nosso viso, essa afirmação não encontra guarida na legislação pátria. Em
primeiro lugar, é incorreto dizer que as promessas de compra e venda são voltadas à constituição
de direitos reais, uma vez que o ato pode perfeitamente gerar apenas efeitos obrigacionais,
sendo mera faculdade das partes levar o contrato a registro47, a fim de constituir o direito real
do promitente comprador (artigos 1.417 e 1.418 do C.C.), que somente surgirá se não se houver
pactuado direito de arrependimento. A propósito, o direito real do promitente comprador não é
sequer pressuposto para a adjudicação compulsória do imóvel, como bem observa Theodoro
Jr., “A inscrição não tem a função de criar o direito a adjudicação compulsória (ou a sentença
de outorga da execução específica), mas apenas a de criar a oponibilidade do direito de
aquisição erga omnes”48. Esse entendimento foi consolidado pelo STJ, em sua súmula n° 239:
“O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra
e venda no cartório de imóveis”.
Sobremais, ainda que as partes optem por registrar o contrato, não há necessidade de
escritura pública, eis que o artigo 1.417 é de clareza meridiana ao estabelecer que o título a ser
registrado pode ser representado por instrumento público ou particular: “Art. 1.417. Mediante
promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por
instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o
promitente comprador direito real à aquisição do imóvel”.
Nesse sentido, já se posicionou o Tribunal de Justiça de São Paulo, por ocasião do
julgamento da Apelação Cível nº 994.04.088593-9, in verbis: “Não se sustenta a pretendida

46
ALVIM NETO, José Manuel de. Lei de registros públicos comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 2868
47
Cf. Enunciado n° 30 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “A disposição do parágrafo
único do art. 463 do novo Código Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros ”;
Enunciado n° 95 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “O direito à adjudicação
compulsória (art. 1.418 do novo Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se
condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário (Súmula 239 do
STJ)”; Enunciado n° 239 da Súmula jurisprudencial do STJ: “O direito à adjudicação compulsória não se
condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
48
Notas de Humberto Theodoro Jr. à 12ª edição de GOMES, Orlando. Direitos Reais. 12ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2001. p. 336.
imprescindibilidade de escritura pública, apesar do valor da operação, em se tratando de
compromisso de compra e venda. Do mais, dispõe o artigo 108 supracitado que o requerimento
de 30 (trinta) salários mínimos é válido “não dispondo a lei em contrário”, exceção verificada
no artigo que regula o compromisso de compra e venda [...]”49.
Entendimento análogo é manifestado por Rizzardo:

Na promessa, as partes fazem um acordo para a efetivação posterior de um contrato


definitivo, que terá, então, a forma exigida pela lei. Se o contrato procede a compra e
venda de imóvel, terá a forma de um compromisso por instrumento particular,
enquanto a venda propriamente dita virá formalizada por escritura pública 50.

Assim, é evidente que os contratos preliminares excepcionam a norma do artigo 108 do


C.C., conforme permissão expressa do próprio dispositivo, que se diz aplicável quando a lei
não disponha em contrário. No caso das promessas de compra e venda, essa disposição de lei
em contrário emana justamente dos artigos 462 e 1.417, transcritos acima.

3.3 As sucessivas promessas de compra e venda de um mesmo imóvel

Como visto acima, são muitos os fatores que explicam o fato de a promessa de compra e
venda de imóvel ocupar lugar de absoluto destaque no tráfico jurídico nacional.
Entretanto, essa modalidade de contrato, cujos efeitos não são de fácil compreensão aos
leigos, acaba sendo, muitas vezes, utilizada em ocasiões inapropriadas.
De fato, à falta de orientação jurídica adequada, é comum que promitentes compradores
de imóveis - embora não sejam titulares de nenhum direito real sobre o bem (nem mesmo de
direito real de aquisição, por falta de registro do instrumento preliminar) - celebrem novos
contratos preliminares de compra e venda com terceiros, criando-se, por vezes, extensas
cadeias de promitentes compradores e promitentes vendedores de um mesmo imóvel, tudo
isso documentado apenas por instrumentos particulares (isso quando não se opta por contratos
meramente verbais), sem qualquer registro na circunscrição imobiliária competente.
De fato, faz parte do senso comum, principalmente entre as pessoas de baixa
escolaridade, a crença de que a quitação do preço do imóvel perante o negociante do bem (o
qual, muitas vezes, nem é o proprietário) torna o promitente comprador, incontinenti, o novo

49
TJ-SP, CSM, AC n° 994.04.088593-9, j. em 31/01/2005, DOJ 02/02/2005.
50
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 193.
dono da coisa, podendo dela dispor livremente, sendo comum a existência de sucessivas
promessas de compra e venda de um mesmo imóvel.
Noutros casos, mesmo compreendendo que não são os proprietários do imóvel, muitos
promitentes compradores optam por dispor de seus direitos creditícios mediante nova
promessa de compra e venda, simplesmente por desconhecerem outra modalidade de negócio
jurídico que lhes permita esse tipo de disposição, ou por desconhecerem os riscos aos quais
se expõem ao disporem de imóvel de cuja propriedade ainda não são titulares.
Com efeito, embora a venda a non domino (venda ou promessa de venda realizada por
quem não é proprietário) seja, em tese, lícita – desde que feita de boa-fé, com observância do
dever de informação – essa funciona como um ajuste de eficácia contida, ficando a
obrigação de celebrar contrato definitivo de venda submetida a fato, futuro e incerto,
consistente na posterior aquisição, pelo alienante, do domínio sobre o imóvel.
Tratam do tema, Farias e Rosenvald:

Apesar de causar alguma estranheza, o sistema jurídico autoriza, ainda, a venda de


coisa futura ou a venda de algo que ainda não pertence ao alienante. É possível
entender como coisa futura aquela que ainda não pertence ao alienante ao tempo da
conclusão do negócio jurídico, mas que, posteriormente adquirida pelo alienante,
empresta eficácia superveniente ao negócio, como se o adquirente de boa-fé se
convertesse em proprietário desde a data da tradição (CC, art. 1.268, § 1º). [...] É a
chamada venda a non domino. Não é difícil sentir que a não aquisição da coisa pelo
vendedor, para honrar o negócio, gera a sua ineficácia. Trata-se, pois, de um negócio
com eficácia condicionada à aquisição superveniente, como indica a leitura do art.
483 do Código Substantivo. Avalizando o entendimento, Carlos Roberto Gonçalves
expõe que “a eficácia da venda de coisa alheia depende de sua posterior revalidação
pela superveniência do domínio” 51.

Na mesma senda, caminha o magistério de Silva Pereira: “se o alienante estiver de boa-
fé, e ulteriormente vier a adquirir a propriedade da coisa que vendeu, revalida-se a
transferência, e retroage o efeito da tradição ao momento em que se efetuou (Código Civil,
art. 1.268, § 1º);[...]”52.
Para que se possa compreender mais amplamente os negócios com eficácia diferida,
vale a reprodução literal de trecho da clássica obra de Emílio Betti (1890-1968), catedrático
de Direito Civil da Universidade de Roma:

Pode acontecer que entre a realização do negócio e a entrada em vigor do


regulamento de interesses feito por meio dele, deva existir uma distância
cronológica. [...] Se, por lei, como nas hipóteses apontadas, o objeto ainda não

51
FARIAS, Criatiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito dos contratos. 2ed.
Rev. Ampl. Atual. Salvador: JusPODIVM, 2012. v4. p. 625-626
52
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v4.
existente ou possível, ou o destinatário ainda não nascido, é, todavia, considerado
recuperável por superveniência, isto significa também que, embora estando
realizada e perfeita a declaração preceptiva, o preceito da autonomia privada não é
ainda eficiente, mas encontra-se em estado de pendência. [...] com a superveniência
ou a falta do evento esperado, o estado de pendência, em que se encontra o preceito
da autonomia privada, está destinado a esclarecer-se e a resolver-se (introd., § 6, I),
no sentido de que o preceito estabelecido entrará em vigor ou ficará sem valor:
fenômeno este puramente normativo, com o qual a “vontade” ou a “previsão
volitiva”, como fato psicológico, nada tem a ver. Mal formula e, em qualquer caso,
puramente acadêmica, é a pergunta que costuma fazer-se (³), sobre se está em estado
de pendência a “validade”, ou apenas a “eficácia” do negócio. Certamente o que
deixa de ter valor, não é apenas a eficácia jurídica, como se tratasse da interposição
de um impedimento extrínseco, mas o próprio arranjo de interesses que as partes
tinham em vista. Mas não é côngruo dizer que o negócio é “inválido”, isto é, não
correspondente ao tipo legal (§ 57): em vez disse ele torna-se “inutilis”, sem uma
prática razão de ser, pois que é inidôneo para atingir o escopo normativo a que era
destinado. A solução do problema é determinada pela diferente natureza dos vários
pressupostos. a) Aqueles pressupostos que, como a capacidade legal de agir, são
directamente conexos com o acto, devem existir no momento em que o negócio se
realiza [...] b) Aqueles pressupostos que, pelo contrário, como a legitimação, dizem
respeito ao regulamento de interesses que se visava, devem, certamente, existir no
momento em que este entrar em vigor. [...] c) Há, finalmente, pressupostos que,
tendo em conta o regulamento de interesses que se teve em vista, devem, sobretudo,
existir no momento em que este vier a vigorar, mas que, por outro lado, também não
devem faltar ao tempo da celebração do negócio, visto que não é plausível predispor
um regulamento de interesses, a não ser a respeito de uma matéria actualmente
susceptível dele e em relação a uma parte que possa assumi-lo para si, e à qual ele
possa referir-se. [...]53

As lições consignadas acima encontram eco no Código Civil brasileiro, precisamente


nos artigos 106, 483 e 1.268, § 1º, ora transcritos:

Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for
relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.

Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso,
ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes
era de concluir contrato aleatório.

Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade,
exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for
transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer
pessoa, o alienante se afigurar dono.

§ 1° Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade,


considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.
[...]

Note-se que a chamada venda ou promessa de venda a non domino amolda-se


perfeitamente à hipótese normativa do artigo 106, acima transcrito. De fato, a prestação a que
se obriga um vendedor não-proprietário é, em sua origem, juridicamente impossível, haja
vista que ninguém pode transferir mais direitos do que titulariza. Todavia, essa

53
BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. [Trad. Fernando de Miranda]. 2ed. Coimbra Editora:
Coimbra, 1969. T. II. p. 60-65
impossibilidade é relativa, pois não atinge a todas as pessoas, já que diz respeito à condição
do devedor. Além disso, é temporária, porque pode ser removida com a posterior aquisição
do imóvel pelo vendedor54.
Outrossim, se não estiver claro tratar-se de um contrato aleatório (art. 458, C.C.), no
qual o promitente comprador assume o risco da ineficácia do pacto 55, o promitente vendedor
não-proprietário estará realizando autêntica promessa de fato de terceiro, qual seja, o fato de
que o atual proprietário irá manifestar sua vontade no sentido de lhe transferir o domínio do
bem, para que esse, então, possa honrar a promessa de venda realizada.
Como, naturalmente, a promessa de fato de terceiro não vincula o terceiro - o que
decorre do princípio da relatividade das convenções 56 - se o fato prometido não ocorrer no
prazo assinado, ou após a quitação do preço, o promitente vendedor responderá, perante o
promitente comprador, por perdas e danos que incluirão a devolução das quantias pagas,
acrescidas de indenização por eventuais danos morais e materiais que esse último haja
experimentado, na forma do artigo 439 do Código Civil: “Art. 439. Aquele que tiver
prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar”.
Sem embargo, é bastante comum que os promitentes compradores ignorem o fato de
que o promitente vendedor, ao tempo da contratação, não era o legítimo proprietário do bem
negociado, o que, por vezes, não deriva do dolo (má-fé subjetiva) de nenhuma das partes, mas
de mera negligência de ambas: do vendedor, por não prestar essa informação essencial; e do
comprador, por não checar no Registro de Imóveis a titularidade do bem. Como dito supra,
essa despreocupação com a titularidade registral é consectário da falta de informação, o que,
num país subdesenvolvido como o Brasil, constitui um mau endêmico.
Os casos dessa ordem são os mais problemáticos, posto que a falta de percepção quanto
ao tipo de negócio entabulado faz com o promitente comprador não se previna da maneira
adequada, ficando extremamente vulnerável, o que ocorre, por exemplo, quando adianta todo
o preço do imóvel antes que o promissário vendedor tenha adquirido a propriedade do bem.
Nos casos mais dramáticos, ocorre de nem o promitente comprador nem o promitente
vendedor disporem de recibo ou termo de quitação do proprietário, relativo à promessa de
compra e venda original, o que torna absolutamente inseguro o segundo contrato.

54
MELLO, Cleyson de Moraes. Direito civil: parte geral. 3ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2017. p. 506
55
“[...] o contrato aleatório é um contrato oneroso em que as partes ou uma delas assume o risco de urn provável
insucesso dentro daquilo que esperava do neg6cio jurídico. É o chamado contrato de risco” [MELO, Marco
Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado. 2ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. v3. p. 75]
56
NADER, Paulo. Curso de direito civil. 8ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v3. p. 137
Esse tipo de inconsistência negocial faz pulularem demandas no Judiciário, sejam as
voltadas à obtenção da propriedade do imóvel, ou as direcionadas ao ressarcimento dos
prejuízos causados pela ineficácia do acordo.
Nas ações reipersecutórias, que são as mais comuns nessas situações, as dificuldades se
ampliam, posto que o último promitente comprador da cadeia não tem, a princípio, nenhuma
relação jurídica com o proprietário, única pessoa com legitimidade passiva para o pedido
adjudicatório, o que, de regra, ocasiona a improcedência do pedido ou a extinção do processo
sem resolução de mérito, salvo quando o proprietário se dispõe a acatar o pedido, consentindo
em fazer a transferência direta do imóvel ao autor da demanda, o que exige uma série de
cuidados, como se verá adiante.
Como não bastasse, o risco trazido pelas sucessivas promessas de compra e venda é
ainda acentuado ante à impossibilidade de registro dos títulos subsequentes à margem da
matrícula do imóvel, com o fito de se constituir sobre ele direito real de aquisição
(artigos 1.417 e 1.418, CC), justamente porque os promitentes compradores sucessivos não
mantêm qualquer relação jurídica com o proprietário. A falta da publicidade e da certificação
que o Registro de Imóveis proporciona larga margem para fraudes e complicações envolvendo
terceiros, contra quem os promitentes compradores nada poderão opor (salvo se comprovada
a má-fé dos mesmos), dada a relatividade de seu direito creditício, que vale apenas inter
partes.
De tal arte, nesses casos, afigura-se bem mais conveniente a todos os envolvidos a
utilização de figura negocial diversa, que conceda um nível satisfatório de segurança jurídica,
haja vista o vulto das importâncias econômicas usualmente movimentadas nas transações
imobiliárias.

3.4 A cessão de posição contratual relativa a promessa de compra e venda de imóvel

Visto que a condição de promitente comprador não equivale à de proprietário do imóvel,


afigura-se juridicamente desinteressante, pelos motivos expostos acima, que o promitente
comprador venda ou prometa vender esse imóvel a terceiro, antes mesmo de adquiri-lo.
Por isso, de ordinário, será muito mais conveniente e seguro para todas as partes
envolvidas que se estipule a transferência ao terceiro não do imóvel em si, mas da posição
contratual subjetiva ocupada pelo promitente comprador na promessa de compra e venda do
bem, de sorte que o terceiro passe a integrar a relação contratual na condição de cessionário,
em substituição ao cedente.
Assim, ao invés se prometer transferir um direito real ainda não adquirido, mediante
nova promessa de compra e venda, cede-se, em conjunto, todos os direitos e obrigações
inerentes à posição contratual de promitente comprador do imóvel, negócio que, após a
aquiescência do promitente vendedor (cedido), tem eficácia imediata, propiciando maior
segurança e conveniência jurídica, de modo a elidir muitos dos transtornos mencionados no
subtópico anterior.
Note-se que aqui se trata da cessão negocial ou própria, a qual difere da denominada
cessão legal ou imprópria, consistente na substituição do cedente na relação contratual por
eficácia direta da lei, independentemente de qualquer manifestação de vontade, como ocorre,
v. g., quando o imóvel locado é vendido, havendo no contrato de locação cláusula
assecuratória de vigência em caso de alienação do bem, e estando o instrumento registrado na
matrícula do imóvel (art. 576, C.C.), hipótese em que o adquirente assume a posição
contratual de locador, a despeito de inexistir negócio de cessão 57.
Conquanto nosso estatuto civil não tenha regulado textualmente a cessão negocial de
posição contratual, sua possibilidade jurídica decorre do princípio da autonomia da vontade,
consagrado no artigo 425 do Código Civil: “É lícito às partes estipular contratos atípicos,
observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
Sobre a temática enfocada, vale recorrer aos escritos de Pontes de Miranda:

Nos sistemas jurídicos, as legislações, em geral, só se preocuparam com as regras


jurídicas sobre a cessão de créditos singulares e a assunção de dívidas alheias
singulares. Não se pensou em redigir o que regularia a cessão de todos os créditos e a
assunção de tôdas as dívidas oriundos de relação jurídica fundamental. No entanto,
há, na teoria e na prática, como perfeitamente inserta no sistema jurídico, a
substituição do declarante, nos negócios jurídicos unilaterais, ou do contraente ou
acordante, nos negócios jurídicos bilaterais. [...]A sucessão é a título particular, ou
universal, e consiste em pôr-se no lugar do figurante do negócio jurídico (promitente
unilateral ou contraente) o terceiro. O negócio jurídico é o objeto do negócio jurídico
básico, pelo qual o promitente ou contraente se obriga a transferir a posição subjetiva
no negócio jurídico e ao qual sucede o acórdo de transferéncia (negócio jurídico
dispositivo e assuncional), que é abstrato. Daí poder-se fazer escritura de transmissão
da posição subjetiva no negócio jurídico (negócio jurídico objeto) sem se aludir a
preço, ou, em geral, a qualquer causa. Se a causa aparece é porque se juntaram no
mesmo instrumento o negócio jurídico causal e o negócio jurídico abstrato. [...]
Tendo-se operado a transferência, o figurante entrado pode exercer quaisquer direitos
contra o figurante permanecente, inclusive as pretensões, ações e exceções por
inadimplemento, ação de resolução ou resilição do negócio jurídico, ação de
indenização por perdas e danos, exceção non adimpleti contractus ou non rita
adimpleti contractua. [...]58

57
RIZZARDO, Arnoldo. Contratos. 13ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 154
58
PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de direito privado. [Atualizado por Vilson Rodrigues Alves].
São Paulo: Bookseller, 2003. T23. p. 168-177
Esse arquétipo negocial também é descrito por Venosa:

É indiscutível que a cessão de posição contratual é negócio jurídico e tem também


características de contrato. Nesse negócio, vamos encontrar que uma das
partes (cedente), com o consentimento do outro contratante (cedido), transfere sua
posição no contrato a um terceiro (cessionário). Para que não ocorra dubiedade de
terminologia, devemos denominar o contrato cuja posição é cedida de contrato-
base. Por conseguinte, por intermédio desse negócio jurídico, há o ingresso de um
terceiro no contrato-base, em toda titularidade do complexo de relações que
envolvia a posição do cedente no citado contrato. É imprescindível para a atuação
desse negócio o consentimento do outro contratante, ou seja, do cedido. Isso porque
quem contrata tem em mira não apenas a pessoa do contrato, mas também outros
fatores, sendo o principal deles a situação patrimonial da parte 59.

Consoante as lições dos catedráticos citados, a cessão de posição contratual implica a


transmissão de todo o complexo de direitos e obrigações inerentes ao contrato-base, exigindo-
se, portanto, o consentimento expresso do contratante cedido, uma vez que a parte cedida não
pode ser compelida a aceitar a substituição do contratante original por um terceiro.
Ademais, sendo negócio jurídico, a cessão de posição contratual submete-se aos
pressupostos gerais de validade elencados no artigo 104 do Código Civil: sujeito capaz; objeto
lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa. Sobre esse
último requisito, cumpre ressaltar que entendemos ser livre a forma das cessões de posição
contratual relativas a promessas de compra e venda de imóvel, sendo inaplicável a exigência
de que o ato seja realizado por escritura pública (artigo 108 do Código Civil), o que é
decorrência lógica da liberdade de forma dos contratos preliminares (vide artigos 462 e 1.417),
conforme explicado no subtópico anterior. Ora, se o próprio contrato-base cedido tem forma
livre, não poderia ser diferente com o contrato de cessão60.
A outro giro, é muito importante a distinção entre a cessão de posição contratual e o
subcontrato, esse também firmado entre um terceiro e um integrante do contrato-base, do qual
provêm a posição jurídica na qual se funda o subcontrato, mas sem que haja a incorporação
do terceiro ao contrato-base. Essa distinção é trabalhada de forma sucinta por Telles:

A cessão traduz-se em mera modificação subjectiva da relação jurídica, que se


mantém, embora com novo titular por um dos lados. Diferentemente, o subcontrato
implica a constituição de uma relação nova, coexistente com a primeira, de que
depende, tendo as duas um sujeito comum, com posições distintas e complementares
(por exemplo, locatário na primeira relação e sublocador na segunda) 61.

59
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 13ed. São Paulo: Atlas, 2013. v2. p. 159
60
C.f. FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 5ed. São Paulo: Atlas,
2015.v. 4. p. 429
61
TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos contratos em geral. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2002. p. 461
Como se pode extrair analogicamente do artigo 295 do Código Civil, nas cessões de
posição contratual a título oneroso, o cedente, ainda que não se declare responsável, figu ra,
em relação ao cessionário, como garantidor da existência do contrato (e também de sua
validade); o mesmo ocorre nas cessões a título gratuito nas quais o cedente tenha agido de
má-fé. Assim, nessas hipóteses, inexistindo o contrato, ou mesmo existindo, mas fulminado
de nulidade ou anulabilidade, o cedente responde civilmente pelos danos causados ao
cessionário, como ensina Rizzardo:

Com respeito ao cedente, o principal dever é garantir a existência, a validade e a


legitimidade da relação contratual estabelecida. Para tanto, é ônus seu assegurar que
a dita relação não esteja afetada por uma causa de extinção, como prescrição,
compensação ou pagamento de crédito; e por vício de nulidade, ou anulabilidade, isto
é, por incapacidade e defeito da vontade do cedido ou do cedente62.

Outrossim, a lei dispõe que “Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela
solvência do devedor” (art. 296, C.C.). Assim, a regra é a da ausência de responsabilidade do
cedente pela solvabilidade do devedor, isto é, por sua capacidade patrimonial de satisfazer o
crédito, espontânea ou coativamente. Se não responde pela insolvência do devedor, também
não se responsabiliza, a fortiori, pela recursa de pagamento, cabendo ao cessionário buscá-lo
judicialmente, em face do cedido63.
Como explicita a lei, a garantia do cedente pode ser ampliada pelas partes, passando esse
à condição de garantidor da solvabilidade do devedor, ou mesmo da satisfação do débito.
Sustenta Rodrigues que a garantia de solvência do devedor, caso pactuada pelos contratantes,
referir-se-ia apenas ao momento da cessão, não ficando o cedente responsável por insolvência
posterior64. Essa, todavia, não nos parece a interpretação mais adequada, uma vez que a
autonomia da vontade não pode ser restringida sem motivo razoável. Assim, cabe às partes
regularem os próprios interesses, dando à garantia a abrangência que acharem conveniente.
Finalmente, é fundamental que o cessionário tenha acesso e efetivamente se inteire de
todas as cláusulas do contrato no qual irá ingressar, bem como da adimplência ou não do cedente
em relação às obrigações contratuais já vencidas, posto que, ultimada a cessão, o cessionário
estará totalmente adstrito ao contrato-base, como se dele fosse parte desde a sua constituição.
Como dito acima, a cessão da posição contratual é o modo mais adequado para evitar os
frequentes problemas gerados pelas promessas de compra e venda sucessivas. Sem embargo,
quando não se consegue evitar os problemas, é preciso buscar meios eficientes de resolvê-los.

62
RIZZARDO, Arnoldo. Contratos. op. cit. p. 155
63
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Cessão de contrato. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 444
64
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2002. v2. p. 99
Nesse passo, o próximo capítulo é dedicado a apresentar e explicar a solução jurídica que se
nos parece mais eficaz para sanar esse tipo de imbróglio.
4 O PRINCÍPIO DA CONVERTIBILIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS (ART.
170) FACE À PROBLEMÁTICA DAS SUCESSIVAS PROMESSAS DE COMPRA E
VENDA DE IMÓVEIS

A experiência mostra que parte significativa das contendas judiciais envolvendo


contratos provavelmente seria evitada se os contratantes tivessem estruturado melhor o
acordo de vontades, estabelecendo cláusulas mais detalhadas, claras e capazes de minimizar
os riscos do negócio, tudo isso sem infringir normas jurídicas cogentes.
Não obstante, quando se faz más escolhas no momento da formação do vínculo,
constituindo-se negócio nulo e/ou inapto para produzir efeitos, é possível que o Estado-juiz
seja chamado a interferir na relação negocial, e não apenas para deliberar sobre a manutenção
ou extinção do vínculo, mas também, em certos casos, para o reconfigurar o negócio, atuando
de forma ativa.
No direito brasileiro, o poder-dever do magistrado de modificar o conteúdo das relações
negociais, em determinadas hipóteses, e dentro de certos limites, promana do princípio da
convertibilidade dos negócios jurídicos, esmiuçado no subtópico seguinte.

4.1 O princípio da convertibilidade dos negócios jurídicos - interpretação constitucional


do artigo 170 do Código Civil

Como explica Betti, “A conversão é uma espécie de correção da qualificação jurídica do


negócio, ainda que nulo, feita pelo juiz com dados objetivos, atendendo a critérios de
oportunidade, boa-fé e justiça”65.
Para Gomes, “o exemplo clássico de conversão é a transformação de um contrato de
compra e venda, nulo por defeito de forma, num contrato de promessa de venda”66. Outro caso
relativamente comum de conversão é o da nota promissória nula, que pode valer como ato de
confissão de dívida67.
No direito positivo nacional, o princípio da convertibilidade dos negócios jurídicos é
extraído do artigo 170 do Código Civil, in verbis: “Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico
nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes
permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”.

65
BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. op. cit. p. 375.
66
GOMES, Orlando. Contratos. 26ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 235
67
FIUZA, Cesar. Direito Civil. 2ed. em e-book baseada na 18ed. impressa. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2015. p. 187
Embora esse dispositivo apenas tenha ingressado na legislação pátria com o advento
do Código Civil de 2002, Pontes de Miranda já tratava do tema no século anterior, apoiado
no direito comparado, com notável influência do direito alemão:

Pode dar-se, conforme foi dito, que o mesmo complexo de elementos sirva à
composição de dois ou mais suportes fáticos. Então, entre os que estariam
deficitários (nulos ou anuláveis seriam os negócios jurídicos) e o que seria assaz
para a constituição de ato jurídico válido, há de se preferir a esse. É o princípio da
convertibilidade, segundo o qual, na determinação das categorias jurídicas, se
atende ao mínimo suficiente e, na interpretação da vontade negocial, se lhe salva o
máximo possível. Nesse salvamento, de certo modo se deixa de atender a parte de
vontade; pois que, compondo-se o negócio jurídico suficiente, se afasta a vontade
manifestada, naquilo em que se quis o negócio jurídico nulo. Não se pode dizer que
se abstraia da vontade; abstrai-se de parte dela, exatamente para se lhe reter o
máximo possível. Dá-se algo de parecido, em operação, com o que se passa com a
não-contagiação, em caso de negócio jurídico parcialmente nulo: procurando-se o
mínimo suficiente, para se salvar o máximo possível de vontade, em verdade leva-
se em consideração a vontade que teria sido manifestada, se o manifestante, nos
negócios jurídicos unilaterais, ou os manifestantes, nos negócios jurídicos
plurilaterais, houvessem conhecido a sorte do resto do que queriam 68.

Ascendendo um pouco na pirâmide normativa, encontra-se o fundamento da norma em


comento na cláusula geral da função social do contrato, referida expressamente no artigo
421 do Código Civil. Essa cláusula geral incorpora valores éticos ao direito, e impõe que os
negócios jurídicos sejam entabulados, interpretados e aplicados com atenção não apenas aos
interesses individuais dos contratantes, mas também aos interesses extracontratuais
socialmente relevantes que possam ser afetados pelo negócio 69.
Em fato, é a importância metaindividual dos negócios jurídicos que conduz o
ordenamento a resguardar ao máximo sua validade e eficácia, ideia sintetizada no Enunciado
n° 22, do Conselho da Justiça Federal, assim vazado: “A função social do contrato, prevista no
art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação
do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.
A este ponto, é importante notar que o princípio da conservação dos negócios jurídicos
- por força do qual se deve “procurar salvar tudo que é possível num negócio jurídico concreto,
tanto no plano da existência, quanto da validade, quanto da eficácia”70 – embora derive da
mesma matriz axiológica do princípio da convertibilidade, contém diferença essencial, que deve
ficar bem clara, como explica Albaladejo:

68
MIRANDA, Francisco Pontes de. Tratado de direito privado. parte geral: validade, nulidade e anulabilidade.
2ed. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2001. T4. p. 165
69
TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a Função Social dos Contratos. Disponível em: < http://
www.tepedino.adv.br/wp/wp-content/uploads/2012/09/bibliotecal2.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017.
70
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4ed. São Paulo: Saraiva,
2002. p.66
El fundamento de la conversión suele opinarse que se halla en el principio de
conservación del negocio jurídico, em cuya virtude el Ordenamiento, siendo posible,
procura salvar al negocio de la destrucción o ineficácia. Mas tal opinión e inexacta en
cuanto que la conservación sería el permanecer del negocio, mientras que la
conversión es el cambiar del mismo, al pasar a constitutir otro negocio con los
materiales (elementos y requisitos) que se reunieron para formar infructuosamente el
primero. Realmente, pues, no se conserva ni se salva éste, sino que se conservan los
elementos existentes, para, haciendo con ellos un negócio distinto, salvar el fin
propruesto y los efectos que com aquél perseguía la voluntad negocial 71.

Noutras palavras, o princípio da convertibilidade impõe a readequação das


manifestações volitivas, não para salvar o negócio em si, mas para preservar o escopo
essencial que animou sua constituição, protegendo as legítimas expectativas das partes.
Destarte, o negócio original propriamente dito deixa de existir, porquanto ocorre uma nova
qualificação categorial do ato jurídico72.
Bem por isso, ao aplicar essa norma, o magistrado deve focalizar as razões
determinantes do negócio e os efeitos práticos pretendidos – afinal, é isso que se objetiva
preservar - transmudando as vontades efetivamente manifestadas, para que caibam em uma
nova qualificação categorial, juridicamente apta a atender aos interesses colimados quando
da formação do negócio original. O juiz deve buscar, portanto, o que Albaladejo chama de
“vontade hipotética” das partes73 (por se tratar de ficção jurídica), aferível através dos
elementos objetivos do negócio. Trata-se da vontade que provavelmente teriam os
contratantes, se, à época da contratação, estivessem conscientes da inconsistência jurídica do
negócio que estavam por firmar.
A propósito, vale destacar a ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça, no qual
o princípio da convertibilidade é aplicado de forma bastante didática:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE DOAÇÃO. AUSÊNCIA DE


SOLENIDADE ESSENCIAL. PRODUÇÃO DE EFEITOS. CONVERSÃO DO
NEGÓCIO JURÍDICO NULO. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS ATOS
JURÍDICOS. CONTRATO DE MÚTUO GRATUITO. ART. ANALISADO: 170 DO
CC/02.
1. Ação de cobrança distribuída em 13/04/2006, da qual foi extraído o presente recurso
especial, concluso ao Gabinete em 13/01/2011.
2. Cinge-se a controvérsia a decidir a natureza do negócio jurídico celebrado entre a
recorrente e sua filha, e se a primeira possui legitimidade e interesse de agir para
pleitear, em ação de cobrança, a restituição do valor transferido à segunda.

71
ALBALADEJO, Manuel. Derecho civil: introduccíon e parte general. Barcelona: Librería Bosch S. L., 2002.
p. 865
72
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico. op. cit. p.67
73
ALBALADEJO, Manuel. Derecho civil. op. cit.. p. 866
3. O contrato de doação é, por essência, solene, exigindo a lei, sob pena de nulidade,
que seja celebrado por escritura pública ou instrumento particular, salvo quando tiver
por objeto bens móveis e de pequeno valor.
4. A despeito da inexistência de formalidade essencial, o que, a priori, ensejaria a
invalidação da suposta doação, certo é que houve a efetiva tradição de bem móvel
fungível (dinheiro), da recorrente a sua filha, o que produziu, à época, efeitos na esfera
patrimonial de ambas e agora está a produzir efeitos hereditários.
5. Em situações como essa, o art. 170 do CC/02 autoriza a conversão do negócio
jurídico, a fim de que sejam aproveitados os seus elementos prestantes, considerando
que as partes, ao celebrá-lo, têm em vista os efeitos jurídicos do ato,
independentemente da qualificação que o Direito lhe dá (princípio da conservação dos
atos jurídicos).
6. Na hipótese, sendo nulo o negócio jurídico de doação, o mais consentâneo é que se
lhe converta em um contrato de mútuo gratuito, de fins não econômicos, porquanto é
incontroverso o efetivo empréstimo do bem fungível, por prazo indeterminado, e, de
algum modo, a intenção da beneficiária de restituí-lo.
7. Em sendo o negócio jurídico convertido em contrato de mútuo, tem a recorrente,
com o falecimento da filha, legitimidade ativa e interesse de agir para cobrar a dívida
do espólio, a fim de ter restituída a coisa emprestada.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.74

Visto isso, a convertibilidade é norma cuja aplicação demanda grande sensibilidade do


magistrado, eis que não se pode compor a “vontade hipotética” dos contratantes a partir da
mera análise isolada dos dados extraídos do negócio a ser trasmudado. É preciso considerá-
los à luz da cláusula geral da função social do contrato (art. 421, C.C.), e do princípio da boa-
fé contratual (art. 113, C.C.), como destaca Betti: “não basta, porém, a possibilidade da
conversão: é preciso, também, que lhe seja reconhecida a oportunidade, a correspondência com
o critério da boa-fé, e, de um modo geral, com as exigências da justiça”75.
Ademais, é fundamental que a predita norma seja aplicada com estrito respeito ao
devido processo legal, proporcionado amplo contraditório aos litigantes, em sua dimensão
substancial - como real oportunidade de influenciar a decisão - e não meramente formal, como
sustenta a melhor doutrina processual:

Percebeu-se, muito por influência de estudos alemães sobre o tema, que o conceito
tradicional de contraditório fundado no binômio “informação + possibilidade de
reação” garantia tão somente no aspecto formal a observação desse princípio. Para
que seja substancialmente respeitado, não basta informar e permitir a reação, mas
exigir que essa reação no caso concreto tenha real poder de influenciar o juiz na
formação de seu convencimento76.

Sobre o tema, vale conferir a explanação de Câmara:

74
STJ, REsp 1225861/RS, T3, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22/04/2014, DJe 26/05/2014
75
BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. op. cit.. p. 378
76
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8ed. Salvador: JusPODIVM, 2016.
p. 216.
O princípio do contraditório deve ser compreendido como uma dupla garantia (sendo
que esses dois aspectos do contraditório se implicam mutuamente): a de participação
com influência na formação do resultado e a de não surpresa. [...] Não se admite que
o resultado do processo seja fruto do solipsismo do juiz. Dito de outro modo: não é
compatível com o modelo constitucional do processo que o juiz produza uma decisão
que não seja o resultado do debate efetivado no processo 77.

A propósito, foi de muito bom alvitre a inclusão, no texto do Novo Código de Processo
Civil, de disposição expressa que determina ao magistrado conceder às partes oportunidade
de se manifestarem sobre toda e qualquer questão que tenha de ser enfrentada no julgamento
da causa: “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em
fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda
que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Isso posto, é fundamental que o juiz fomente o debate sobre a pretensão de conversão
do negócio, a fim de captar, de forma fidedigna, as expectativas das partes quando da
celebração do contrato, além de aferir se o comportamento das mesmas se compatibiliza com
os preceitos da boa-fé contratual.
A outro giro, constitui elemento fundante da tese ora apresentada a interpretação
constitucional do artigo 170 do Código Civil, a fim de se perquirir a abrangência de sua
hipótese de incidência.
Nesse ponto, discorda-se frontalmente do entendimento perfilhado pela maior parte dos
estudiosos que cuidam do tema, segundo o qual “Só os atos nulos, ou seja, gravemente
viciados, se sujeitam à conversão, uma vez que os anuláveis, isto é, os levemente viciados
podem ser retificados ou confirmados pelas partes”78.
Em que pese a dicção do artigo 170 se referir apenas a “negócio jurídico nulo”, a
limitação da incidência da norma a esse tipo de negócio, segundo acreditamos, não se coaduna
com a ordem constitucional brasileira, frustrando, em parte, a preservação do bem jurídico
que entendemos ser tutelado pelo princípio da convertibilidade.
Para justificar adequadamente esse entendimento, é importante fazer um aparte, no afã
de apresentar, ainda que em apertada síntese, as concepções jusfilosóficas das quais se partiu
para contestar a interpretação dominante na doutrina brasileira.
À partida, para que se compreenda a tese em foco, é importante ter presente a distinção
entre o texto legal e a norma jurídica dele extraível, como explica Grau:

O direito é alográfico. E alográfico é porque o texto normativo não se completa no


sentido nele impresso pelo legislador. A "completude" do texto somente é atingida

77
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 41-42
78
FIUZA, Cesar. Direito Civil. op. cit. p. 187
quando o sentido por ele expressado é produzido, como nova forma de expressão, pelo
intérprete. Mas o "sentido expressado pelo texto" já é algo novo, distinto do texto. É
a norma. [...] a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos
que se desprendem do texto (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos
do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do
ser). Interpreta-se também o caso, necessariamente, além dos textos e da realidade -
no momento histórico no qual se opera a interpretação - em cujo contexto serão eles
aplicados79.

Já há muito se deu a ruptura do paradigma hermenêutico oitocentista, pautado na


interpretação da lei segundo a vontade do legislador (mens legislatoris), e na subordinação
absoluta do aplicador ao texto da lei80.
Partindo-se da premissa de que a norma é o produto da atribuição de sentido a um texto,
não há texto, por mais claro que pareça, que contenha uma norma pronta em si mesmo, podendo
prescindir de interpretação. Essa ideia, aliás, já estava presente na clássica obra de Maximiliano:

Os domínios da hermenêutica se não estendem só aos textos defeituosos; jamais se limitam


ao involucro verbal: o objetivo daquela disciplina e descobrir o conteúdo da norma, o
sentido e o alcance das expressões do Direito. Obscuras ou claras, deficientes ou perfeitas,
ambíguas ou isentas de controvérsia, todas as frases jurídicas aparecem aos modernos
como suscetíveis de interpretação81.

A norma é, portanto, a “construção hermenêutica do sentido do texto”82. Entretanto, essa


distinção ontológica entre texto e norma, ao revés do que alguns pensam, não implica em uma
separação desses elementos; embora não se confundam, eles continuam vinculados, de forma
que não se pode “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”, sob pena de se recair em um
arbítrio irracionalista e antidemocrático.83
Justamente para combater a perniciosa discricionariedade judicial, faz-se essencial buscar
arrimo na Constituição Federal, notadamente em seus princípios, que conferem coerência e
coesão ao sistema jurídico, como evidencia Streck: “A Constituição passa a ser, em toda a sua
substancialidade, o topos hermenêutico que conformará a interpretação do restante do sistema
jurídico. [...] os princípios são deontológicos e “governam” a Constituição, o regime e a ordem
jurídica”84.
Destarte, estando todo o sistema jurídico subordinado à Constituição, e sendo reconhecida
sua força normativa85, é imperioso que todos os diplomas legais sejam interpretados com base

79
GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
p. 30
80
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1995. p. 84-89
81
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 29
82
STRECK, Lenio. Hermeneutica e(m) crise. 11ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 1712
83
Idem. Ibidem.
84
Idem. p. 1526
85
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 72
nos princípios constitucionais. Isso é o que, contemporaneamente, se denomina filtragem
constitucional, expressão que sintetiza a ideia de que “toda ordem jurídica deve ser lida e
apreendida sob a lente da constituição”, a fim de preservar “a superioridade hierárquica das
normas supremas do Estado” e buscar a realização da “tábua de valores depositada nas
constituições”86.
Assim sendo, faz-se mister interpretar o artigo 170 do Código Civil à luz do princípio
constitucional da razoabilidade, conceituado por Barroso como “um parâmetro de avaliação
dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a
todo ordenamento jurídico: a justiça”87.
Vale destacar que o fato de se fundar no valor justiça não converte o dito princípio num
mero artifício teórico para permitir subjetivismos. Na verdade, o princípio em foco deve ser
visto como um plexo de subprincípios, bem delimitados: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. A adequação consiste na “idoneidade da medida para
produzir o resultado visado”88, enquanto a necessidade “impõe verificar a inexistência de meio
menos gravoso para a consecução dos fins visados”89, e, por fim, a proporcionalidade em
sentido estrito se traduz “na ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido”90 pela
medida.
Resta, pois, induvidoso que a interpretação do artigo 170 do Código Civil à luz do
princípio da razoabilidade pressupõe o aclaramento da finalidade, mediata e imediata, da
conversão do negócio jurídico. Para tanto, convém revisitar o fundamento do princípio da
convertibilidade, qual seja, a função social do contrato, por força da qual “Toda situação
jurídica patrimonial, integrada a uma relação contratual, deve ser considerada originariamente
justificada e estruturada em razão de sua função social”91.
Aliás, para que fique claro, a própria função social do contrato tem matriz constitucional,
consubstanciada no valor social da livre iniciativa (art. 1°, inciso IV, CRFB), que evidencia o
interesse social nas atividades privadas.
Como já demonstrado acima, por derivar da cláusula geral da função social do contrato,
a conversão dos negócios jurídicos não pode ter outro escopo senão o de preservar o máximo
possível da finalidade negocial, isto é, dos efeitos práticos objetivados com contrato, o que se

86
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 5ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 2354
87
BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional. 4ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 326
88
Idem. Ibidem.
89
Idem. Ibidem.
90
Idem. Ibidem.
91
TEPEDINO, Gustavo. Obrigações. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 11
faz através da transformação da vontade originalmente manifestada pelas partes, com base em
elementos que apontem qual seria a vontade dos contratantes se conhecessem exatamente as
repercussões jurídicas do ato praticado.
É de interesse público que os negócios lícitos (mesmo os nulos) tenham sua eficácia
prática preservada, desde que essa seja, é claro, compatível com a ordem jurídica, e é justamente
para isso que se concebeu a possibilidade de conversão judicial dos negócios. Por isso, nos
casos em que a conversão se apresentar como única medida capaz de preservar a eficácia do
negócio, inexistindo desproporção entre o benefício alvejado e os ônus gerados, não há
razoabilidade em se recusar a conversão somente pelo fato de o negócio estar perfeito no plano
da validade.
Ora, se mesmo os negócios celebrados com vício merecem ter sua eficácia preservada, o
que dizer dos negócios entabulados com estrita observância dos pressupostos legais, mas que,
por alguma circunstância, se tornaram inaptos a produzir os efeitos colimados pelas partes,
quando da contratação.
Por todo o exposto é que, a nosso viso, os negócios válidos que tiverem sua eficácia
esvaziada também são, em tese, passíveis de conversão judicial, uma vez que, tal qual os
negócios nulos, também têm sua função social comprometida.
Ademais, não colhe o argumento de que, em se tratando de negócio válido, as próprias
partes poderiam retificá-lo, posto que a injusta resistência de um dos sujeitos é suficiente para
obstar essa medida, hipótese em que se fará necessária a intervenção judicial, a fim de
preservar não apenas a função social do contrato, mas também a boa-fé objetiva, da qual
decorrem o dever de cooperação recíproca dos contratantes92 e a vedação ao abuso de direito
(art. 187, C.C.)93.
A propósito, veja-se que não é requisito da conversão o desejo de ambas as partes de
converter o negócio. A norma exige apenas a existência de elementos que autorizem supor a
vontade hipotética das partes no momento da concretização do negócio, se tivessem tido
conhecimento da imperfeição jurídica do negócio. De tal arte, o consenso não é necessário no
momento da conversão judicial.
Embora não dependa da concordância de ambos os contratantes, ao menos um deles
deve provocar o Estado-Juiz, para que possa ser exarada decisão de conversão do negócio.

92
MELLO, Cleyson de Moraes. Direito civil: contratos. 2ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2017. p.89
93
Cf. FARIAS, Cristiano Chaves de. A aplicação do abuso do direito nas relações de família: o venire contra
factum proprium e a supressio/surrectio. Disponível em < www.linselins.com.br/wp-
content/uploads/2015/11/artvenireBAIANA.pdf > Acesso em: 11 dez. 2017.
Tal é consequência do denominado princípio dispositivo (art. 2°, CPC), por força do qual o
processo deve começar por iniciativa da parte, e do princípio da congruência (art. 141, CPC),
que vincula o conteúdo da decisão de mérito aos limites da demanda. É como ensina Santos:
“O juiz não sai à cata de controvérsias sociais nem de obrigações não cumpridas, para lhes
aplicar a devida solução ou cumprimento. As questões devem chegar ao processo e, neste caso,
só atingem tais fins quando a parte toma a iniciativa de fazê-lo”94.
Adequadamente compreendido o princípio da convertibilidade dos negócios jurídicos, é
chegado o momento de defrontá-lo com o problema das promessas sucessivas de compra e
venda de imóvel.

4.2 A conversão das promessas de compra e venda sucessivas em cessões onerosas de


crédito

Partindo-se da interpretação aqui proposta para o princípio da convertibilidade -


segundo a qual esse ditame seria também aplicável aos negócios prejudicados no plano da
eficácia, embora não tenham problemas no plano da validade – é possível visualizar a
aplicação da norma em tela para lastrear decisões justas e efetivas sobre litígios envolvendo
promessas sucessivas de compra e venda de imóvel, como se passa a demonstrar.
Viu-se, em linhas acima, que o promitente vendedor de imóvel cuja propriedade ainda
não lhe pertence pratica venda a non domino, que, em tese, é negócio jurídico válido (salvo se
celebrada com vício de consentimento da outra parte), como se depreende dos artigos 483 e
1.268, § 1° do Código Civil pátrio.
Sem embargo, não sendo possível a transferência a outrem de mais direitos do que se
possui, o vendedor não poderá transferir a propriedade ao comprador, como prometeu, uma vez
que não detém esse direito real, de sorte que o contrato fica, ao menos provisoriamente, com
sua eficácia esvaziada, não sendo possível ao comprador, nem mesmo pela via judicial, exigir
do vendedor a realização da prestação específica a que esse se obrigou.
Embora esse problema pareça de fácil resolução, uma vez que basta a aquisição da
propriedade pelo vendedor para que o contrato se torne plenamente eficaz, isso nem sempre se
confirma na prática.
Em capítulo anterior, tratou-se das dificuldades que permeiam a transferência da
propriedade imobiliária. Afora a conhecida lentidão da burocracia cartorária, e os altos custos

94
SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de direito processual civil. 15ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v1. p. 480
das taxas, emolumentos e impostos relativos à transmissão do direito real imobiliário, é muito
comum a ocorrência de entraves acidentais nesse processo, tais como a existência de restrição
ou gravame sobre o imóvel; a necessidade de prévia retificação da matrícula ou de correção de
vício verificado na cadeia dominial do bem; o falecimento do vendedor antes da lavratura da
escritura, que impõe a obtenção de autorização judicial para a conclusão da venda pelo espólio,
a ser dada no âmbito do processo de inventário; sem falar nas restrições ilegais, não raro
impostas pelos tabeliões.
Assim, por vezes falta ao promitente vendedor interesse em enfrentar essas dificuldades
para obter a propriedade do imóvel que negociou, principalmente quando já recebeu todo o
preço de venda. Noutros casos, até existe boa-vontade no vendedor, mas falta no proprietário
do imóvel.
A situação é ainda mais complicada quando se têm uma longa cadeia de contratos
sucessivos, sendo necessário que o primeiro promitente comprador provoque o proprietário
para que lhe transfira o imóvel, para então poder transferir o bem ao segundo promitente
comprador, e assim sucessivamente. Em casos desse jaez, é comum que o interessado, isto é, o
último promitente comprador da cadeia, sequer saiba do paradeiro de alguns dos contratantes
intermediários, o que torna especialmente difícil dar andamento a esse já complicado processo
de aquisição da propriedade do imóvel.
Bem por isso, é bastante comum que se tente resolver a questão pela via da ação
declaratória de usucapião, na qual o promitente comprador busca demonstrar sua posse
prolongada do imóvel, com animus domini, por vezes tentando aceder sua posse à de seus
sucessores, nos termos do artigo 1.243 do Código Civil, a fim de perfazer o lapso temporal
necessário à configuração da prescrição aquisitiva. Esse tipo de inciativa, embora sujeita às
demoras e custos do Judiciário, tem bom percentual de êxito.
Prejudicado sai, porém, o fisco, que normalmente deixa de recolher os impostos
incidentes sobre as transmissões de direitos relativos ao imóvel (art. 35, CTN), uma vez que a
aquisição da propriedade pela usucapião se dá de forma originária95.
Sem embargo, em alguns casos, essa via oblíqua de aquisição da propriedade
simplesmente não está disponível, seja porque o tempo de posse é inferior ao prazo legal, seja
pelo fato de o compromisso de compra e venda não ter sido ainda quitado, o que acontece
frequentemente, já que é comum que as partes deixem a quitação para o momento do registro
da escritura pública de compra e venda. Ora, se o promitente comprador ainda não quitou o

95
BRANDELLI, Leonardo. Usucapião administrativa. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 19
preço acordado, não há que se falar em posse ad usucapionem do imóvel, posto faltar o animus
domini, o que faz naufragar a tese da usucapião.
Sobre a questão dos efeitos da posse do promitente comprador de imóvel, quando não
quitada as parcelas do contrato, vale a pena visitar a decisão proferida pela 17ª Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Paraná:

[...] Enquanto não cumpre com a obrigação assumida de pagamento do preço do


imóvel compromissado, o promitente comprador é mero possuidor direto da coisa,
dependente da posse indireta do promitente vendedor, podendo dela usufruir,
conservando o dever de restituir em caso de eventual resilição, rescisão ou resolução
do contrato firmado, como mero aspirante à transmissão do imóvel, e possuidor em
virtude de uma relação contratual, sem animo de dono, o quem implica na ausência
de requisitos à configurar posse ad usucapionem [...] 96.

Na mesma linha parece seguir o Superior Tribunal de Justiça, como se depreende da


decisão monocrática exarada pela Ministra Maria Isabel Gallotti, de cujo texto se extrai este
excerto:

[...] o promitente comprador não possui a coisa como sua, porque se curva ao direito
superior do promitente vendedor e lhe paga as parcelas do preço, reconhecendo a falta
de supremacia da posse direta. Em poucas palavras, enquanto persistir o contato de
compromisso de venda e compra, não há possibilidade de se requerer a usucapião97.

Nesse contexto, a conversão judicial do negócio se apresenta como valiosíssimo


mecanismo jurídico para evitar que o compromisso de compra e venda de imóvel deixe de
atingir a finalidade prática colimada pelas partes, quando da contratação.
Sem mais delongas, o que ora se sustenta é a aplicação do princípio da convertibilidade
dos negócios jurídicos (art. 170 do C.C.) para se converter o compromisso de compra e venda
de imóvel no qual o promitente vendedor não seja proprietário do bem, mas apenas titular de
direito obrigacional sobre o mesmo, em um contrato de contrato de cessão onerosa de crédito.
Em termos mais analíticos, defende-se que o último promitente comprador do imóvel, na
cadeia de contratos sucessivos, pode ingressar com ação de conversão de negócio jurídico,
voltada a trasmudar o compromisso de compra e venda de imóvel - do qual lhe resulta o mero
direito à lavratura da escritura definitiva de compra e venda com o promitente vendedor, direito
esse que tem sua eficácia minguada pela incapacidade do vendedor de transmitir direito real do
qual não é titular -, de modo a converter o aludido contrato, mediante sentença constitutiva, em
contrato de cessão de direito, através do qual seja cedido ao autor da ação o próprio direito

96
TJPR, 17ª CC, AC 0.710.458-3, rel. juiz Francisco Jorge, j. em 13/07/2011.
97
STJ, AgREsp 537.603-SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 15/10/2014, DJe 23/10/2014.
obrigacional relativo à aquisição do imóvel, o que, à evidência, só é juridicamente possível se
o referido direito de crédito já integrar o patrimônio do promitente vendedor, razão pela qual é
necessária a comprovação da quitação de todos os compromissos de compra e venda sucessivos.
Assim, uma vez realizada a cessão, bastaria ao agora cessionário cientificar o proprietário
do bem, para que o contato passasse a produzir efeitos em relação a ele, nos termos do artigo
290 do Código Civil, podendo, incontinenti, exigir a transferência do imóvel para si.
Evidentemente, a pretensão conversiva do promitente comprador somente será admissível
se esse alegar que o promitente vendedor resistiu a celebrar a cessão, uma vez que, do contrário,
não estará caracterizado o interesse de agir do autor, pressuposto processual de admissibilidade
da demanda (art. 330, III, Novo CPC).
De fato, em muitos casos envolvendo sucessivas promessas de compra e venda de imóvel,
a conversão judicial é o único meio para que o contrato atinja o escopo para o qual foi celebrado,
posto que não há nenhum mecanismo jurídico, do qual se possa utilizar o último promitente
comprador da teia contratual, para forçar a sucessiva transmissão da propriedade do imóvel
entre as partes envolvidas, até que ela possa ser por ele adquirida.
Portanto, o objetivo da ação de conversão, nessas situações, é transformar o último
promitente comprador em credor do proprietário do bem, podendo aquele exigir desse a
transferência da propriedade do imóvel, evitando-se, assim, que a obrigação originalmente
contratada se resolva em por perdas e danos, obrigação substitutiva cuja execução nem sempre
é possível, e quase nunca é fácil, haja vista as corriqueiras práticas procrastinatórias da defesa,
e as consagradas técnicas de ocultação de patrimônio.
Interessante observar, também, que além de prestigiar o espoco prático do negócio
jurídico e a efetividade do processo judicial, a solução aqui proposta tende a resolver o problema
de modo mais abrangente, evitando os efeitos colaterais que costumam decorrer da conversão
do direito do promitente comprador em perdas e danos. É que a concessão da tutela substitutiva,
nesses casos, tende a fomentar litígios regressivos entre os demais integrantes da trama de
compromissos de compra e venda, porquanto aquele que se viu obrigado a indenizar o
promitente comprador tende a buscar ressarcimento junto àquele que também lhe prometeu
vender o imóvel, mas não o fez, gerando uma autêntica reação em cadeia.
Veja-se que a simplicidade da ação de conversão, no caso em que a teia de contratos
preliminares é formada apenas por dois contratos, deixa de existir quando o caso envolve uma
cadeia mais extensa, com vários contratos preliminares sucessivos, hipótese em que, para
alcançar o seu objetivo, o autor precisaria de converter não somente o contrato do qual é parte,
mas também os contratos intermediários, firmados entre terceiros, o que, a princípio, soa como
uma aberração jurídica.
Todavia, bem pensadas as coisas, pouco ou nenhum interesse jurídico teriam esses
contratantes intermediários em se opor à pretensão do autor. Ora, se após celebrarem contrato
preliminar de aquisição do imóvel, essas pessoas prometeram aliená-lo a terceiros, recebendo
todo o preço de venda, qual justificativa teriam para negar a conversão pleiteada pelo autor?
Provavelmente, nenhuma.
Na verdade, atentam contra a boa-fé aqueles que se beneficiam das sucessivas vendas a
non domino, geralmente auferindo lucros com a valorização do bem, sem se desincumbir da
obrigação de adquirir a propriedade do imóvel, para tornarem eficazes as obrigações assumidas.
De tal arte, sobeja nítido que a resistência injustificada à pretensão do autor, nesses casos,
tende a configurar abuso de direito, vedado expressamente pelo artigo 187 do Código Civil.
Assim, constatando o juiz que, naquele caso concreto, realmente inexiste motivo razoável para
a negativa dos contratantes, passa o magistrado a ter o dever de efetuar a conversão de todos os
compromissos de compra e venda em contratos de cessão de direito de crédito.
Sob a ótica processual, veja-se que o último promitente comprador - na qualidade de
vítima do abuso de direito representado pela resistência injustificada dos contratantes
intermediários a celebrarem os contratos de cessão - dispõe tanto de interesse de agir como de
legitimidade ad causam para a ação de conversão dos negócios, a ser proposta contra todos
aqueles que se opuserem a sua pretensão, os quais serão litisconsortes passivos necessários
nessa demanda (art. 114 do Novo CPC).
A necessariedade desse litisconsórcio passivo é evidente, haja vista que todos os
contratantes intermediários poderão ter sua esfera jurídica atingida pelo provimento
jurisdicional, devendo, portanto, estarem integrados à relação jurídica processual, para que lhes
seja oportunizado o amplo exercício do contraditório98.
Por fim, ainda nos casos das cadeias contratuais mais extensas, é fundamental que o autor
apresente em juízo todos os contratos que a compõem, requerendo a conversão de todos eles,
porquanto não podem haver descontinuidades na teia de transmissões, afinal, o que se busca é
uma aquisição derivada de direitos.
Indo adiante, embora a notificação extrajudicial do cedido (o proprietário do imóvel) seja
o bastante para aperfeiçoar a cessão, sem dúvida é recomendável que a ação de conversão do
negócio jurídico seja cumulada com uma ação declaratória da existência e do conteúdo do

98
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6ed. v2. São Paulo: Malheiros, 2009.
p. 361
direito creditício a ser cedido, como faculta o artigo 19, inciso I, do Novo CPC. Obviamente,
na linha do que se acabou de dizer, a análise da pretensão declaratória do débito impõe a
participação do devedor cedido no processo, na qualidade de litisconsorte passivo necessário.
De mais a mais, interessante questionamento diz respeito à possibilidade de o promitente
comprador ajuizar a ação de conversão do negócio em cúmulo sucessivo com uma ação
adjudicatória, em face do proprietário do imóvel, a fim de já obter a propriedade do bem da
vida desejado no mesmo processo.
Previamente, convém esclarecer o que seja cúmulo sucessivo de pedidos, para o que se
lança mão da literatura de Didier Jr.:

Dá-se a cumulação sucessíva quando os exames dos pedidos guardam entre si um


vínculo de precedência lógica: o acolhimento de um pedido pressupõe o acolhimento
do anterior. [...] Essa dependência lógica pode ocorrer de duas formas: a] o primeiro
pedido é prejudicial ao segundo: o não acolhimento do primeiro pedido implicará a
rejeição (e, portanto, julgamento] do segundo; b] o primeiro pedido é preliminar ao
segundo: o não acolhimento do primeiro implicará a impossibilidade de exame do
segundo (que não será julgado, pois]99.

Na hipótese enfocada, haveria evidente vínculo de prejudicialidade entre as duas ações


cumuladas, eis que somente existirá relação jurídica direta entre o proprietário do imóvel e o
autor da ação, após a conversão do contrato em cessão de crédito, e a sua notificação ao
proprietário.
Todavia, a nosso sentir, tal cumulação esbarraria em um obstáculo insuperável: a carência
de interesse de agir em relação ao pedido adjudicatório, o que conduziria ao seu indeferimento,
a teor do artigo 330, inciso III, do CPC. Em fato, uma vez que a decisão de conversão não é
meramente declaratória, mas constitutiva, criando uma situação jurídica nova, inexistente antes
da decisão, tem-se que, ao tempo do ajuizamento da demanda, o autor simplesmente não teria
relação jurídica com o proprietário.
Ora, se ainda não há pretensão, também não há como se cogitar de uma irregular
resistência a ela, apta a conferir interesse jurídico ao demandante. Assim, partindo-se da
premissa de que “a jurisdição deve ser encarada como última forma de solução de conflito”100,
não se pode admitir o ajuizamento preventivo de uma demanda condenatória, destinada a repelir
uma hipotética lesão a um futuro direito.

99
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 19ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2017. V1. p. 640-
641
100
DIDIER JR, Fredie. in CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Comentários ao novo
Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 59
Diante disso, após lograr a conversão judicial do(s) contrato(s) preliminar(es), a
resistência do proprietário do imóvel em efetuar a transferência obriga o cessionário a ajuizar
ação adjudicatória em face dele, sendo assente na jurisprudência do STJ que tal demanda pode
e deve ser movida pelo cessionário diretamente contra o proprietário do bem, sendo
desnecessária a participação do cedente:

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. LITISCONSÓRCIO. CEDENTES.


1. Na ação de adjudicação compulsória é desnecessária a presença dos cedentes como
litisconsortes, sendo corretamente ajuizada a ação contra o promitente vendedor.
2. Recurso especial conhecido e provido.101

Por fim, cumpre acentuar que o autor da ação de conversão do(s) negócio(s) também deve
pedir expressamente a condenação dos respectivos responsáveis ao custeio das despesas com o
recolhimento dos impostos incidentes sobre as transmissões dos direitos relativos ao imóvel em
questão, haja vista que cada uma das cessões de direito a serem constituídas representam fatos
tributáveis pelo ITBI (art. 35, inciso III, CTN). Caso não esse pedido não seja deduzido na
inicial, cabe ao magistrado condicionar o acolhimento da pretensão conversiva ao prévio
recolhimento dos tributos pelo autor.

101
STJ, REsp 648468/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. j. em 14/12/2006, DJ de 23/04/2007.
5 CONCLUSÃO

Como explicitado na introdução, o presente trabalho teve como escopo investigar a


aplicabilidade do princípio da convertibilidade dos negócios jurídicos (extraível do artigo
170 do Código Civil brasileiro) aos litígios envolvendo promessas de compra e venda de um
mesmo imóvel, celebradas sucessivamente, nas quais os promitentes vendedores não sejam
os proprietários do bem, mas apenas titulares de direitos creditícios sobre o imóvel, adquiridos
mediante compromissos de compra e venda previamente firmados.
Com isso, buscou-se responder às seguintes indagações: o negócio de promessa de
compra e venda, nesses casos, poderia ser convertido em outro tipo de negócio mais adequado
às intenções das partes? Em qual negócio poderia ser convertido? Essa conversão, se possível
fosse, ajudaria a minimizar os problemas comumente enfrentados pelos partícipes desses
contratos preliminares?
Para a primeira pergunta, a resposta obtida foi afirmativa, pois, conquanto a dicção do
artigo 170 do Código Civil mencione apenas a possibilidade de conversão de “negócios
nulos” – o que não é o caso das promessas de compra e venda sucessivas, que são
perfeitamente válidas, embora tenham sua eficácia prejudicada - há que se interpretar o texto
legal à luz do princípio constitucional da razoabilidade, que impõe seja a norma aplicada
sempre que essa medida se mostre necessária, adequada e proporcional.
Assim, tendo-se à vista que o princípio da convertibilidade se funda na função social
do contrato, objetivando preservar, em máxima medida, a finalidade negocial, isto é, os efeitos
práticos colimados pelos contratantes, conclui-se que essa norma é de imperiosa aplicação aos
casos em que os negócios originalmente celebrados, embora válidos, estejam fadados à
ineficácia, o que corriqueiramente acontece com as promessas de compra e venda sucessivas.
Havendo, em tese, a possibilidade de conversão desses contratos, viu-se que sua
transformação em cessões onerosas de crédito (a depender, é claro, das nuances do caso
concreto) tende a prestigiar a finalidade prática dos ditos acordos, pois possibilita que último
promitente comprador da cadeia de contratos sucessivos exija, diretamente do proprietário, a
transmissão do direito real sobre o imóvel para si, não tendo de aguardar que todos os seus
predecessores adquiram a propriedade do imóvel e a transmitam ao “próximo da fila”, o que
muitas vezes nem chega a ocorrer.
Destarte, pela solução aqui proposta, o último promitente comprador de uma cadeia de
promessas de compra e venda sucessivas dispõe de meio jurídico para fazer valer seu direito
creditício, mediante a adjudicação do imóvel para si, a despeito de aquele com quem contratou
jamais ter adquirido a propriedade do bem negociado, o que, sem dúvida, representa um
valoroso incremento da efetividade processual, porquanto permite a concessão de tutela
específica ao demandante, evitando a necessidade de uma tutela substitutiva, de natureza
reparatória.
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