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PALESTRA PROFERIDA NO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – IFES – DURANTE O II

SEMINÁRIO DE HUMANIDADES.

Rótulos e rotuladores: empreendedorismo moral e sujeição


criminal

Prof.Dr.Marco Aurélio Borges Costa

A proposta é discutir como se constrói a ideia de desvio social, e a partir dessa


ideia como emergem os rótulos sociais, estimulados pela ação do
empreendedorismo moral, resultando em condições extremas de condenação
prévia e antecipada, as quais chamamos de sujeição criminal.

Boa tarde a todos. Certa vez, em uma entrevista em uma rádio, o sociólogo
francês Pierre Bourdieu afirmou que a “Sociologia é um esporte de combate.”
Um combate. Penso que é isso que vamos fazer aqui hoje.

E nesse combate, já podemos enfrentar algumas concepções que estão


fortemente arraigadas em nós. A combinação de uma teologia religiosa com uma
teologia científica nos legou a convicção interiorizada de que o mundo tem uma
ordem, e que essa ordem pode ser descoberta ou por meio da revelação divina,
da epifania religiosa, ou por meio da pesquisa científica. Partimos do
pressuposto que há uma verdade a ser descoberta ou revelada. Uma verdade
autossuficiente em si, neutra, acima de todas as outras, não sujeita às variações
de humor da vida social. Acreditamos na existência de um “destino”, de que as
coisas foram assim porque tinham de ser assim, porque assim já estava
premeditado. Que “Deus” sempre tem um propósito. Que a natureza é linda e
harmônica e que faz tudo certo. Que “Deus” escreve certo por linhas tortas. Que
há uma lógica por trás dos acontecimentos.

Formas de pensamento dessa natureza encontram fácil acolhimento, porque são


emocionalmente confortáveis. E não há de se criticar a religião. A ciência está
contaminada pelo mesmo vírus. Quando olhamos para o surgimento das
ciências humanas, vemos o esforço dos cientistas para descobrir “as leis que
regem a sociedade”, “as leis que regem o funcionamento da mente”, enfim, as
lógicas por trás dos fenômenos que não entendemos. Embora não pretenda me
deter nisso, com as outras ciências não é diferente, como bem nos mostrou
Bruno Latour, em suas etnografias de laboratórios. O objetivo de encontrar essas
“leis” é poder manipular a natureza – ou a sociedade – dependendo do objeto.

Uma boa pesquisa histórica nos mostra, muitas vezes, que não é bem assim que
as coisas funcionam. Que os fenômenos – e aqui me refiro aos fenômenos
sociais – surgem de forma espontânea, e que posteriormente são justificados
pela produção de algum conhecimento sob encomenda. Aqui me lembro da
análise que Michel Foucault faz da prática social do aprisionamento. Foucault
encontra a raiz dessa prática nas lettres de cachet. Enviava-se uma carta ao rei,
denunciando comportamentos tidos como inadequados, desde empregados
“preguiçosos” à filhos desvairados ou mulheres adúlteras, homens violentos. O
intendente do Rei (procurador) realizava um breve inquérito, e detinha o
denunciado por algum tempo, até que o denunciante se desse por satisfeito, e o
denunciado se tivesse “corrigido”. Consistia em uma forma de regular a
moralidade cotidiana da vida social. A maneira que os grupos sociais, mediados
pelo Rei, exerciam sua justiça. Daí, segundo Foucault, em A Verdade e as
Formas Jurídicas

“Esta ideia de aprisionar para corrigir, de conservar a pessoa presa até que se
corrija, essa ideia paradoxal, bizarra, sem fundamento ou justificação no âmbito
do comportamento humano tem origem precisamente nessa prática” (p.98).

Assim como a prisão, muitas práticas sociais não têm fundamento em nenhuma
análise sequer mais detida. Foucault mesmo apresenta uma leitura bastante
original da internação psiquiátrica em “A História da Loucura” que segue na
mesma linha. São situações que surgem a partir das relações de poder daquele
contexto, se consolidam, e depois constroem-se conhecimentos que a
justifiquem. E aí é que está a questão: o que vem primeiro, o fato ou o
conhecimento sobre o fato?

Ainda em Foucault, temos uma concepção muito instigante, de que o


conhecimento, a verdade, nunca é descoberta. Ela é sempre construída. O
conhecimento, a verdade, são resíduos de lutas de poder. E todo o
conhecimento, todas as “verdades”, serão o resultado final, o acordo final, o
consenso após uma luta, que naturalmente vai refletir o equilíbrio de poder entre
as forças em conflito. Podemos ir além de Foucault, e trazer também a ideia de
paradigmas em Thomas Khun, e o próprio Bruno Latour já lembrado hoje.

Mas o que isso tem a ver com nosso tema?

Ora, em nossa sociedade, nós temos uma preocupação muito grande com a
noção de desvio. Mas a grande questão não é sobre o desvio e sim sobre a
ordem social. Minha preocupação reside nos atos que saem da ordem, mas em
como se forma essa ordem. Até mesmo, porque o desvio social é criado pela
ordem social, e não o contrário. É como nos traz o romeno Mirceia Elíade, o
profano é resultado da definição daquilo que é sagrado. A ordem social se
consolida e, automaticamente, o que não está incluso nessa ordem social será
considerado desvio e uma ameaça à preservação dessa ordem. Ao criar as
regras, cria-se o desvio. Por isso, esse desvio sofrerá sanções, mais graves,
mais leves, dependendo da percepção dos “defensores da ordem” de o quanto
esse desvio ameaça a ordem estabelecida. Por isso muitas vezes não vemos
lógica em nossos códigos penais. Eles não têm ordem, não tem hierarquia de
justiça. Pobre Beccaria que quis pôr ordem no Direito Penal. O Direito Penal não
é para a justiça. É um instrumento de controle da ordem e seguirá aquilo que
seja útil para a manutenção da ordem estabelecida. A palavra “Justiça” é apenas
uma sombra que se joga sobre esse jogo de poder, na expectativa de obscurece-
lo.

O sociólogo Howard Becker, dando sequência a essas reflexões nos traz duas
ideias muito interessantes, em especial contidas no livro “Outsiders: ensaios
sobre a Sociologia do Desvio”. A primeira ficou conhecida como a teoria da
rotulação. E a outra, o empreendedorismo moral. As preocupações de Becker
eram as mesmas que nos ocupam hoje, que foram um insight original do
sociólogo francês Émile Durkheim. Ao analisar o empreendedorismo moral,
Becker mostra como um determinado elemento se consolida como parte da
ordem social, inclusive juridicamente estabelecido. Na outra ponta, Becker nos
mostra como a rotulação permite organizar o que está dentro e fora da ordem,
e, a partir daí, permite aplicar as sanções que vão garantir a permanência da
ordem estabelecida.

Se imagine entrando em uma seção de supermercado, com os vidros todos


iguais e sem nenhum rótulo que os identificasse. Você se sentiria perdido, e
qualquer vidro serviria. O rótulo é necessário, para que você identifique a melhor
marca, o melhor produto, a data de validade, o preço, que você se identifique
com aquele ou outro sabor, característico daquela marca.

A rotulação social é uma forma de atribuir ordem ao caos. E, devidamente


identificados, selecionar os “produtos” úteis dos inúteis, os de qualidade dos sem
qualidade, os que tem tradição dos que não tem tradição. Permite também ver
se a data de validade não está vencida, e descarta-lo.

Por essa razão Becker não vai caracterizar o indivíduo como desviante, mas o
comportamento como desviante. O “comportamento desviante”, nesse caso, é
um rótulo que se aplica aos indivíduos, que em maior ou menor grau,
independente das regras jurídicas, conquanto elas sejam mobilizadas
seletivamente, que ao manifestá-lo, ferem o sentimento estabelecido do que seja
a ordem. Essa ordem, é sempre sacralizada, como se fosse fruto de uma origem
mítica imutável, uma revelação divina, ou a “descoberta” de uma verdade
científica. Em uma certa visão, esse “comportamento desviante” é uma
característica inerente do indivíduo, sendo, portanto, algo irreversível, só
restando à sociedade eliminá-lo. Em outros casos, o “comportamento desviante”
aparece como resultado de combinações de fatos, que podem e devem ser
corrigidas, desde que seja possível entender a “lógica” desse comportamento, e
readequá-lo. Seja como for, para Becker, o desvio é sempre o resultado de uma
interação social, já que depende de regras estabelecidas dentro de um
determinado grupo. Ora, seria um comportamento desviante um rockeiro
amuado ouvindo música sertaneja.

Mas uma outra questão sobre o “comportamento desviante”, esse rótulo que
aplicamos em certos indivíduos, é que ele está muito relacionado com a
percepção. Alguma “ordem” pode até estar prevista em lei, mas pode não ser
percebida como “comportamento desviante” pelo grupo social determinado do
qual aquele indivíduo faz parte. Ora, entre um grupo de ladrões, estranho é não
roubar. A percepção de certos comportamentos como desviantes se dá de forma
independente do sistema legal. Isso porque o sistema legal tem uma amplitude
sobre todo o território de um país. Mas nesse território, há uma infinidade de
subgrupos sociais com suas próprias regras e, consequentemente, com suas
próprias concepções de “comportamento desviante”. Por isso, volto a questão, o
Direito Penal se preocupa com o que ameaça a estabilidade do Estado e os
interesses de quem o controla, não com a Justiça.

Como vimos, o “comportamento desviante” só é possível na medida em que são


estabelecidas regras que o criem. Então, nossa preocupação deve focar como
surgem essas regras que criam o desvio e como são impostas ao grupo, de
maneira que quem não se sujeite a elas, seja devidamente rotulado como
“desviante” e tratado de acordo com o rótulo que lhe foi aplicado pela percepção
social.

A primeira coisa que Becker salienta a esse respeito, é que a imposição de uma
regra é um empreendimento. Um esforço. E alguém só se interessa por esse
empreendimento na medida em que vê vantagem nele. Ou seja, a regra é útil
para alguém ou algum grupo. Daí em diante, ele vai denunciar o “comportamento
desviante” – rotular - e demandar a punição dos indivíduos que apresentam esse
comportamento, ou seja, após colocar o rótulo de um produto ruim, espera-se
que ele seja ignorado na estante do supermercado e, em caso mais extremo,
que ele seja retirado da prateleira e descartado. Becker cita três origens para as
regras. Na primeira, as regras se originam dos valores. Para Parsons, o valor
consiste em “Um elemento de um sistema simbólico partilhado que serve como
um critério ou um padrão para a seleção entre alternativas de orientação
intrinsicamente abertas numa situação (...)”. Esses valores, é bom que se ddiga,
não vêm somente da religião. Podem vir da ciência, da filosofia. Mas o caso é
que esses valores são vagos e muitas vezes entram em conflito. Por exemplo, a
preservação da vida é um valor. Mas matar pode ser necessário e justificável em
certas ocasiões. Se torna então necessário desdobrar esse valor, especificá-lo
de maneira que ele seja mais socialmente operacional. Daí temos, também, as
regras estritamente técnicas, que vão buscar pacificar as outras regras
existentes. Por fim, temos as regras que são interesses de indivíduos ou grupos,
que são estabelecidas, impostas, e depois justificadas por algum argumento
tecnicista ou moral. Desse último temos tido muitos exemplos no Brasil, com
empresas bancando deputados para produzir legislações, ou as reformas que
tramitam no Congresso como a Previdência e a das leis trabalhistas.

Para nós hoje, é mais interessante nos focar nas leis oriundas dos valores.
Becker cita o caso da proibição do álcool nos EUA, que se aplica perfeitamente,
segundo ele, a proibição da maconha. Três valores sustentam a cruzada moral
nos EUA na busca de impor a regra de proibição do consumo de álcool. A
primeira, oriunda da ética protestante, que traz como valor a responsabilidade
do indivíduo pelos seus atos. Alcoolizados, embriagados não são capazes de
responder pelos seus atos, logo, colocam em risco toda a “ordem” social. O
outro valor também tem uma origem na moral religiosa protestante, mas de outro
nível. É a ética do prazer. O álcool possibilita um prazer, mas um prazer ilegítimo.
O prazer deve ser buscado como fruto do trabalho. O álcool seria como um tipo
de “atalho” para a felicidade, o que poderia, inclusive, desmotivar as pessoas de
buscarem sua motivação no trabalho. Por fim, a cereja do bolo é o
humanitarismo, já que as famílias dos alcóolatras sofreriam profundamente por
causa do vicio dos pais. Por uma questão de humanidade, seria necessário
proibir o álcool. A lei vingou, mas na prática, a proibição do álcool nos EUA
causou muito mais problemas do que resolveu. Algo que se vê hoje com a
“guerra as drogas”, mais um fracasso da moral puritana norte americana.

A caminho da conclusão, entramos no que Michel Misse chama de “sujeição


criminal”. A visão de sujeição criminal, é como se o rótulo de que fala Becker, se
fundisse ao produto, de tal maneira que ele jamais pudesse ser trocado. A
sujeição criminal se enraíza de tal maneira na identidade do sujeito, para além
de um estigma ou estereótipo, que só o “nascer de novo”, o “encontro com
Jesus”, ou seja, a expulsão do mal que leva ao poder, dará a ele uma chance de
reelaborar-se simbolicamente. Tal reelaboração precisa se dar diante de uma
comunidade e, se for bem sucedida no processo de convencimento, abrir-se-á a
um universo mais amplo, tornando o indivíduo, na melhor das hipóteses, um ex-
bandido (TEIXEIRA, 2009).

Outra consequência que Misse extrai do processo descrito consiste na


possibilidade de a sujeição criminal abrir portas para trocas assimétricas entre o
agente do Estado e o indivíduo sujeitado. Se considerarmos as lacunas da “nova
lei de drogas”, um evento de posse de entorpecentes envolvendo um agente
cujas características reportam a uma sujeição criminal terá maior probabilidade
de ser enquadrado legalmente como tráfico e não como uso. Mediante a
incriminação antecipada por um evento cuja natureza da interpretação depende,
naquele momento exclusivamente, da subjetividade ou das conveniências do
agente estatal, abre-se uma margem de negociação por meio da qual se torna
possível manusear o fato segundo outras condições. Esse é um exemplo de
menor escala, e didático, a respeito da “mercadoria política”, que pode ir de sua
forma menos grave, o clientelismo, passando gradativamente por tráfico de
influência, acordo ilícito, corrupção até sua forma mais grave, segundo o autor,
que é a extorsão.

Para finalizar, embora a militância seja necessária, é preciso compreender com


clareza a origem dos processos sociais que geram efeitos discriminatórios. A
natureza, diferente do que pensam muitos, é caótica, e o mais forte subjuga o
mais fraco sempre. A natureza é cruel e não deve ser nada agradável ser caçado
por um grande felino. Assim, quando militamos, precisamos saber que não
estamos lutando para que as pessoas percebam a verdade da injustiça e se
convertam à justiça. Isso é inocência, ingenuidade. Devemos analisar os
processos e trabalhar na construção de conhecimentos e verdades que orientem
a ação dos atores sociais na direção de uma sociedade menos “natural”. Não
sou de dar conselhos. Mas se os desse, seria esse.

Obrigado.

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