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HISTÓRIA, TEORIAS E

FUNDAMENTOS
CONSTITUCIONAIS DO
DIREITO PENAL

Autor: Nelson Natalino Frizon

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
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Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra Bárbara Götzinger
Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Claudia Roczanski Pinheiro

Revisão Gramatical: Marli Helena Faust



Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © UNIASSELVI 2011


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

345
F921h Frizon, Nelson Natalino
História, teorias e fundamentos constitucionais do
direito Penal. Nelson Natalino Frizon.
Indaial : Uniasselvi, 2011.
107 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-471-3

1. Direito penal - Constitucional


I. Centro Universitário Leonardo da Vinci
Nelson Natalino Frizon

Graduado em Filosofi a pela FEBE/


UFSC, e em Direito pela UNIVALI, Mestre em
Filosofi a pela UFSC. É professor de nível superior
e Advogado atuante na seccional de Itajaí/SC. Possui
escritório com o sempre colaborador Dr. Thiago Vigarani
de Figueiredo.
Sumário

APRESENTAÇÃO...................................................................... 7

CAPÍTULO 1
Direito Penal na História....................................................... 9

CAPÍTULO 2
Direito Penal Internacional................................................ 35

CAPÍTULO 3
Direito Penal Constitucional.............................................. 67

CAPÍTULO 4
As Normas Penais em Processos
Judiciais e Inquéritos Policiais............................................ 91
APRESENTAÇÃO
Prezado(a) Pós-graduando(a), o material que está sendo apresentado a
vocês tem por objeto conhecer um pouco da história do direito penal, os tratados
internacionais e os princípios constitucionais do direito penal brasileiro.

É certo que a vida em sociedade visa ao bem comum, sendo o Estado o


ente responsável por conduzir os cidadãos a esse fim. Toda organização social
é possível através da cultura. A cultura humana desenvolve-se num corpo de
obrigações, proibições e leis que devem ser cumpridas por motivos práticos,
morais ou emocionais. Dentro da organização jurídica estatal cabe ao direito
penal o arcabouço limitador e sancionador dos desvios e infrações jurídicas. O
direito penal passou por várias fases até o estágio em que hoje se encontra. Esse
estágio mais avançado do direito penal encontra-se no ordenamento jurídico
do Estado democrático de direito. O Brasil, por sua constituição, é denominado
Estado Democrático de Direito. Por isso, convidamos a recordar e analisar a
história e a fundamentação do Direito Penal.

No primeiro capítulo você poderá acompanhar breves abordagens históricas


do Direito Penal Geral e do Direito Penal no Brasil, e acompanhar a evolução
dos conceitos e fundamentos do Direito Penal e da Teoria Geral do Delito. Temas
importantes para o operador do direito que atua no Direito Penal, pois o conteúdo
apresentado auxiliará na compreensão sociológica e filosófica dos demais
capítulos desta disciplina, como também será fundamental para a compreensão
da parte especial do Direito Penal.

O segundo capítulo aborda o tema Tratados e Convenções Internacionais,


que será de importância ímpar para a compreensão das relações no mundo
globalizado. Os povos evoluíram em seus sistemas de comunicação e isso
possibilitou grandes avanços e melhorias na vida humana. No entanto, a
criminalidade continuou se propagando e sob o véu da guerra muitos crimes
contra a vida continuaram a ser cometidos dolosamente. A necessidade de
demonstrar que os crimes não poderiam ficar impunes fez com que a comunidade
internacional discutisse pontos específicos no direito internacional penal. Os
Tratados e Convenções foram decisivos para a criação dos Tribunais Penais
Internacionais e para a Corte Internacional Penal.

No terceiro capítulo serão abordados os aspectos essenciais do Direito


Penal na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, observando-
se especialmente os direitos e garantias constitucionais, os princípios penais, as
limitações e as proibições da pena.

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No quarto capítulo você vai encontrar subsídios para compreender a evolução
do modelo acusatório no processo penal. Na parte das normas penais judiciais
será possível entender a função do Inquérito Penal e como são instauradas as
diferentes formas de ação penal existentes no ordenamento brasileiro.

O material está aqui, é hora de se inteirar do seu conteúdo e aprofundar a


pesquisa jurídica.

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C APÍTULO 1
Direito Penal na História

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Apresentar a evolução histórica do Direito Penal, identifi cando os elementos


caracterizadores do delito.

 Compreender os conceitos e fundamentos do direito penal.


Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

ConteXtualiZaÇÃo
Todas as sociedades desenvolvem uma cultura que disciplina aspectos
normativos, delimitando a existência de padrões, regras e valores que
institucionalizam modelos de conduta. Em um Estado democrático de direito a
lei é considerada como parte nuclear de controle social, elemento material para
prevenir, remediar ou castigar os desvios das normas preestabelecidas. Mas as
adequações nas organizações sociais são o resultado de uma longa história.

Debruçar-se sobre a história das civilizações nos oportuniza ver as diferentes


formas de controle social que existiram. Cada organização social elaborou um
sistema jurídico que traduzia a especifi cidade necessária e que permite observar
seu grau de evolução e complexidade. O direito primitivo não era legislado, as
populações não conheciam a escrita formal e suas regras de regulamentação
mantinham-se e conservavam-se pela tradição.

O direito penal é o que mais se destaca desde a pré-história, ainda que pouco
sobre o ordenamento jurídico daquele período possa ser aferido. No entanto,
com o surgimento dos primeiros textos jurídicos escritos tornou-se possível
compreender como ocorreu o período de transição. Foi a partir dos costumes
existentes que a lei escrita os regulamentou e os difundiu de forma igual a todos
os membros daquela organização social, fossem nativos ou estrangeiros. Assim,
iniciou-se a regulamentação positiva que foi ocupando o espaço da tradição.

Entretanto, deve-se destacar que a evolução da aplicação penal não foi


linear, como ainda não é, para todas as sociedades. Hoje, ainda, há sociedades
nas quais pequenos delitos podem levar à pena de morte, enquanto outras já
aboliram radicalmente de seus ordenamentos sua aplicação até mesmo para os
crimes mais hediondos.

Mas o que você, pós-graduando(a), deve considerar é que a cultura humana


desenvolve-se num corpo de obrigações, proibições e leis que devem ser
cumpridas por motivos práticos, morais ou emocionais e que, no direito penal,
várias foram as fases que se passaram para chegar ao estágio em que hoje se
encontra. O estágio do ordenamento jurídico mais avançado denomina-se Estado
democrático de direito.

No capítulo a seguir você poderá acompanhar uma breve abordagem


histórica do Direito Penal Geral e do Direito Penal no Brasil, e também
acompanhar a evolução dos conceitos e fundamentos do Direito Penal e da Teoria
Geral do Delito. Todos esses temas são importantes para o operador do direito
que atua no Direito Penal, pois o conteúdo apresentado auxiliará na compreensão
sociológica e fi losófi ca dos demais capítulos desta disciplina e será fundamental
para a compreensão da parte especial do Direito Penal.

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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

História do Direito Penal


Desde que a humanidade começou a conviver em grupos ou sociedades
e ter essa interação social, iniciou-se também o problema relacionado com a
agressividade, inerente a todo ser humano.

Por isso, sempre houve uma necessidade de punição desses indivíduos


que se desvirtuavam do padrão que a sociedade estabelecia para um convívio
harmônico entre as pessoas.

Com início nos tempos primitivos, o Período da Vingança foi o primeiro indício
de direito penal na humanidade e se prolongou até o século XVIII.

a) As três fases da vingança

Esse período de vingança subdivide-se em três fases que, embora


A primeira fase
distintas, não se sucederam umas às outras, convivendo sobrepostas
foi a da vingança
privada, em que a por um largo período, até que o entendimento majoritário substituía a
pessoa, os parentes fase anterior.
ou até mesmo o
grupo social da A primeira fase foi a da vingança privada, em que a pessoa,
vítima tinham o os parentes ou até mesmo o grupo social da vítima tinham o direito
direito de devolver
de devolver a ofensa sofrida. Em outras palavras, prevalecia o famoso
a ofensa sofrida.
Em outras palavras, ditado “olho por olho, dente por dente”.
prevalecia o famoso
ditado “olho por Diz-se inclusive que não existia qualquer relação jurídica nesse
olho, dente período, mas tão somente uma realidade sociológica, visto que as
por dente”. atitudes de “vingança” eram apenas atos instintivos e naturais do
ser humano. No entanto, não havia limites e, diante dessa falta de
proporcionalidade, viu-se a necessidade de regulamentar a vingança
A segunda fase privada. Surgiram, então, o talião e a composição.
do período foi
a vingança O talião surgiu como instrumento limitador da pena, ou seja,
divina, que tem
colocava proporcionalidade entre o dano sofrido pela vítima e a pena do
um profundo
envolvimento opressor. Já a composição surgiu como instrumento regulamentador,
religioso. no que talvez seja o primeiro indício das indenizações cíveis e multas
Acreditava-se penais, visto que o delinquente tinha a possibilidade de comprar sua
que a punição do liberdade com dinheiro ou utensílios.
delinquente era
necessária para A segunda fase do período foi a vingança divina, que tem
barrar a ira dos
um profundo envolvimento religioso. Acreditava-se que a punição do
deuses.
delinquente era necessária para barrar a ira dos deuses.
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Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

Nessa fase de vingança divina quem administrava as sanções penais eram os


sacerdotes, logo, o direito confundia-se muito com os preceitos morais religiosos.
Como em todo período da vingança, as penas na fase da vingança divina também
eram corpóreas, ou seja, punia-se o corpo do delinquente, em penas na maioria
das vezes cruéis e desumanas.

O último estágio do período de vingança é denominado de


O último estágio do
vingança pública, em que fi nalmente a legitimidade da punição foi
período de vingança
incorporada ao Estado, obviamente este representado unicamente por é denominado de
seu soberano, ou seja, rei, príncipe ou regente. vingança pública,
em que finalmente
Em que pese o período da vingança não ter uma ordem a legitimidade
cronológica nos seus estágios, tampouco se pode considerar que da punição foi
incorporada ao
houve evolução signifi cativa na aplicação das penas. Algumas
Estado, obviamente
leis, da antiguidade e do período medievo, merecem destaque este representado
por disciplinar as regulamentações penais. Citam-se: o Código de unicamente por seu
Hamurabi, Código de Drácon e de Sólon, a Lei das XII Tábuas, o soberano, ou seja,
Direito Chinês, a Legislação Mosaica, o Código de Manu, as Leis do rei, príncipe
Alcorão e as leis feudais. ou regente.

Hamurabi, construtor de canais, templos e fortalezas, castigador de rebeliões,


audacioso na guerra e jurista na paz, deixou em seu código, em que há muita
punição, muita justeza, muito rigor e muita equidade, a defi nição mais clara da lei
de talião. “§196. Se alguém tirar um olho a outro, perderá o próprio olho. § 197. Se
alguém quebrar um osso a outrem, parta-se-lhe um osso também.” (GILISSEN,
1995, p. 49).

Na Grécia, a passagem do direito consuetudinário para as leis escritas


atribui-se a Drácon, que elaborou um rígido código de leis baseado nas normas
tradicionais arbitradas pelos juízes. No código de Drácon, a punição para qualquer
forma de roubo era a morte. Tanto o furto quanto o assassinato recebiam a mesma
punição: a morte.

No entanto, deve-se a Drácon o começo de um importante princípio do


Direito Penal: a diferença entre o homicídio involuntário, o voluntário e a legítima
defesa. Por serem muito rigorosas, as leis de Drácon já estavam deixando de ser
cumpridas. Coube a Sólon modifi car esse código de leis. Sólon procurou abrandar
a rigorosidade. Cita-se, como exemplo: a punição do roubo, que era a morte,
passou a ser uma multa igual ao dobro do valor roubado (GILISSEN, 1995).

Na Roma antiga, a Lei das XII Tábuas aparece como a primeira codifi cação
de leis a servir como fonte do direito penal. Nenhum Código até hoje foi tão conciso
e tão autoritário e direto quanto o da Lex decemviralis. Mesmo não havendo

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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

consenso sobre a forma como foi escrita a Lei que compôs a Lex decemviralis,
sabe-se que continha a organização civil e a criminal. Na parte criminal, destaca-
se a Tábua VII, n. 11 – Se alguém fere alguém, que sofra a lei de Talião, salvo se
houver composição, e a Tábua VIII, que trata Dos delitos (GILISSEN, 1995).

O direito chinês não é um direito estritamente religioso, é antes um sistema


jurídico integrado numa concepção fi losófi ca, o Confucionismo. Existiam no direito
tradicional chinês dois conjuntos de normas: o < li > e o < fa >. O li é o que mais se
aproxima da nossa noção de direito. É um conjunto de regras de conveniência e de
bom comportamento que se impõem ao homem honesto, uma espécie de código
moral. O fa é o conjunto de regras, sobretudo penais, desenvolvido pela Escola
da Lei (fa-kia), da época da dinastia dos Ch’in (século III antes de nossa era). O
governo pela lei não conseguiu se impor. Então, já no século II a.C, na época dos
Han, acontece a “confucianização das leis”, ou seja, uma conciliação entre o li e o
fa, que vai subsistir durante 2000 anos. Para o povo comum não restavam senão
leis penais, e mais de 18 códigos são conhecidos. Esse número grande foi fruto
de compilações de leis penais, e alguns fi guraram até a instauração da República
da China, em 1912 (GILISSEN, 1995).

A legislação mosaica disciplina sobre as penalidades, no livro de


Deuteronômio. No cap. 19, v. 21, exemplifi ca a lei de talião e no cap. 25, v.
1-3, exemplifi ca outras penalidades. No cap. 19 v. 4 – 6, 11-12, encontra-se a
tipifi cação do Homicídio Involuntário e Voluntário. No cap. 22 v. 22ss, o crime de
adultério e contra a mulher, e no cap.19 v. 15-19, a validade da prova testemunhal
(GILISSEN, 1995).

O Código de Manu faz parte da coleção dos livros bramânicos, enfeixado em


quatro compêndios: - o Maabárata, o Romaiana, os Purunas e as Leis de Manu.
As Leis de Manu podem ser divididas em três partes, tratando respectivamente
de Religião, Moral e Leis Civis. As leis penais situam-se na segunda parte. Do
Código de Manu dois pontos merecem destaque: a diferenciação do Roubo para
o Furto e a rigorosidade em relação à mulher (GILISSEN, 1995).

O Alcorão contém 114 Suratas, ou capítulos, escritas em Medina e Meca. O


Alcorão é sempre uma lei acima das demais, dispõe de prevalência e controle. Do
Alcorão se podem extrair muitas matérias ligadas diretamente ao Direito Penal: a
lei de talião – surata II. Adultério – surata 37; Assassinato – capitulo IV no versículo
95; Boato – surata IV, versículo 85; Calúnia – surata XXIV, v. 23; Difamação –
surata XLIX v.2; Falso Testemunho – surata IV v.112 (GILISSEN, 1995).

b) Leis do Período Medievo


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Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

Período Medievo: também conhecido como Idade Média, Idade


Medieval ou era medieval, é o período compreendido entre o século
V (desintegração do Império Romano do Ocidente) e o século XV
(fi m do Império Romano do Oriente, com a Queda de Constantinopla
ou com a descoberta das Américas). Foi um período com bastante
infl uência da Igreja, no qual na verdade predominava o feudalismo
como “organização social e política”, que se caracteriza pelo trabalho
no campo, onde os camponeses cuidavam de uma pequena gleba
das terras e fi cavam subordinados aos senhores feudais (donos das
terras doadas pelos reis). Por outro lado, esses senhores forneciam
proteção aos camponeses contra possíveis invasões.

Já no Período Medievo, não menos cruel que os anteriores, as penas


impostas aos infratores continuavam nas mãos de uma única pessoa, que poderia
aplicar a pena que bem entendesse, e obviamente a mais difundida era a pena
de morte. Em grande parte da Europa prevalecia o sistema feudal. O Direito se
encontrava esfacelado, particularizado em cada feudo, onde o senhor feudal
ditava arbitrariamente o direito aos seus súditos.

No entanto, ainda no Período Medievo no Ocidente, a forte


A Igreja instituía
presença da Igreja Cristã, com toda a sua estrutura hierárquica, os tribunais
fundada no Direito Canônico, detinha o poder divino e disputava o inquisitivos, sem
poder temporal. A Igreja instituía os tribunais inquisitivos, sem respeitar respeitar o direito
o direito da ampla defesa, pois a instituição eclesiástica tinha o poder da ampla defesa,
de defi nir o que era justo e o que era injusto. Em síntese, a Igreja era pois a instituição
eclesiástica tinha
detentora do monopólio do controle social medieval.
o poder de definir
o que era justo e o
Durante a Idade Média, o Tribunal do Santo Ofício, ou da que era injusto.
Inquisição, que remonta ao século IV, atingindo a forma mais punitiva
a partir do século X, foi marcado por atos de extrema crueldade contra
os supostos hereges. O processo era sumário, ao acusado era negado informar
quem o acusava, as crianças e mulheres eram aceitas como testemunhas, mas
só para a acusação. Já havia a delação com regalias e os métodos de tortura
direcionavam-se para o enfraquecimento das forças físicas a fi m de obter a
confi ssão. Condenados eram executados na fogueira ou por estrangulamento. É
nesse período que a prisão deixa de ser meio e passa a ser pena fi m. A prisão é a
forma para redimir os pecados.

Com o advento do absolutismo, a crueldade exercida pela igreja passou

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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

à mão dos monarcas, que detinham o poder absoluto. Pode-se afi rmar que foi
um período conturbado, pois a Igreja Cristã sofria com as divisões e o poder dos
Estados Nacionais restava centralizado na mão de um soberano absoluto. O
exemplo mais forte da centralização do poder nas mãos do rei encontra-se na
expressão atribuída a Luis XIV, que diz: “L’État c’est moi” (O Estado sou eu).

c) Período humanitário da pena

Enfi m, chega-se ao período humanitário da pena, com forte participação de


fi lósofos como Beccaria, Locke, Montesquieu, Voltaire e Rousseau, em um
período que fi cou conhecido também como iluminismo.

Beccaria: Cesare Bonesana, marquês de Beccaria (1738


– 1794), italiano, foi jurista, fi lósofo, economista e literato. Sua
obra mais conhecida foi ““Dei Delitti e Delle Pene” (Dos delitos e
das penas). Considerado um clássico do direito penal, defende
a igualdade entre os criminosos que cometem o mesmo crime e a
pena como uma forma de ressocialização, denunciando na obra os
julgamentos secretos, as torturas empregadas e o confi sco de bens
do condenado, por exemplo.

Locke: John Locke (1632 – 1704), inglês, fi lósofo e ideólogo


do liberalismo, além de ser um dos principais teóricos do contrato
social. Sua principal tese afi rmava que os homens nascem com
direitos naturais: vida, liberdade, igualdade, propriedade. Para
preservar esses direitos o homem formou os governos e assim, se
os governantes não respeitassem tais direitos naturais, o povo tinha
o direito de se rebelar contra esse governo. Locke ajudou com essas
ideias a derrubar o absolutismo na Inglaterra.

Montesquieu: Charles-Louis de Secondatt, barão de


Montesquieu (1689 – 1755), francês, político, fi lósofo e escritor, fi cou
famoso com a sua teoria de separação dos poderes, no livro “L’Esprit
des lois” (O Espírito das leis), criticando severamente a monarquia
absolutista e também o clero católico.

Voltaire: François Marie Arouet, conhecido simplesmente como


Voltaire (1694 – 1778), francês, foi fi lósofo e escritor, além de ser
ensaísta e deísta. Defendia uma reforma social, fazendo críticas aos
privilégios do clero e da nobreza, além de criticar o absolutismo. Na

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Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

verdade, era um exímio defensor do liberalismo, que defendia a ideia


de que o indivíduo é capaz de elaborar suas próprias leis e a vontade
da maioria deve prevalecer no âmbito sociopolítico.

Rousseau: Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), suíço,


fi lósofo, escritor, teórico político e compositor autodidata. Várias
foram as ideias de Rousseau, mas no âmbito jurídico a que se
destaca é a obra “O Contrato Social”, na qual propõe que todos os
homens elaborem um novo contrato social, salientando sua liberdade
baseada nas experiências políticas da civilização antiga e garantindo
o consenso e os direitos e todos os cidadãos.

Nesse período teve início a transação da arbitrariedade, que Nesse período teve
era imposta anteriormente, para a razão, levando à fi xação legal dos início a transação
delitos e das penas, pensamento este muito bem expressado por da arbitrariedade,
Beccaria no livro “Dei Delitti e Delle Pene” (Dos delitos e das penas), que era imposta
tanto que muitos dos ideais expressos por Beccaria nesse livro foram anteriormente, para
a razão, levando à
utilizados na revolução francesa e, consequentemente, na Declaração
fixação legal dos
dos Direitos do Homem. delitos e das penas.

Foi no período humanitário que surgiu a ideia de direito natural,


ou jusnaturalismo, que para alguns sobrevive até os dias atuais como
princípios que apontam, entre outros, para os direitos: à liberdade, à
igualdade, à vida, à segurança, etc. Foi no período
humanitário que
Assim, com o iluminismo surgiu a escola clássica, que era surgiu a ideia de
composta pelos pensadores que seguiam seus ideais básicos e com direito natural.
eles surgiram também três teorias, no que tange à fi nalidade da pena:
A absoluta, que defendia a pena como uma exigência de justiça. A
relativa, que assegurava a pena como uma forma de prevenção geral
e especial. E a mista, que nada mais é do que a fusão das duas Foi nesse período
primeiras, afi rmando que a pena tem na verdade as duas fi nalidades. humanitário que a
pena saiu da sanção
corpórea do infrator,
É de extrema importância observar que foi nesse período
quando o mesmo
humanitário que a pena saiu da sanção corpórea do infrator, quando pagava pela sua
o mesmo pagava pela sua infração, muitas vezes, com seu próprio infração, muitas
corpo, para fi nalmente punir a atitude, ou melhor, o delito em si. O vezes, com seu
crime é uma infração por atos omissivos ou comissivos, da defi nição próprio corpo, para
legislada pelo Estado, que foi promulgada visando à segurança e finalmente punir a
atitude, ou melhor, o
ao bem-estar de seus cidadãos, por um ato externo de um agente
delito em si.
imputável que causou um dano à sociedade.

17
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

d) Período científico

Na sequência se observa o período científi co, ou criminológico, que


O período
tem como principal prerrogativa o estudo do homem e suas atitudes,
científico, ou
criminológico, que visto que para cada crime existiria sempre alguma razão determinante
tem como principal que o ocasionou, como se estivesse negando o livre arbítrio. O nome
prerrogativa o dessa teoria, defendida por Laplace, é determinismo.
estudo do homem
e suas atitudes, Nesse período também surgiram importantes escolas de
visto que para
pensadores, como a escola positivista, que contou com os pensadores
cada crime existiria
sempre alguma César Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo e suas contribuições.
razão determinante
que o ocasionou. Lombroso se preocupa com a análise mais antropológica do
criminoso. Em sua obra L’uomo Delinquente, defendia que muitos
delinquentes nasceram biologicamente tendentes à prática de delitos.

Já Enrico Ferri, que inclusive foi discípulo de Lombroso, faz uma análise
mais social da conduta do criminoso, ao incluir nesse pensamento, além do fator
biológico, o social e o físico, dividindo os criminosos em cinco categorias: o louco,
o nato, o habitual, o passional e o ocasional. Para ele a pena tem a fi nalidade de
proteção social, que se realiza por meio da correção, da intimidação ou mesmo da
eliminação pela pena capital.

Garofalo, o primeiro a usar a denominação “criminologia” para Ciências


Penais, preocupa-se em analisar o indivíduo criminoso como um portador de
anomalias de ordem moral.

Para Mirabete, os princípios da Escola Positiva são, em resumo:

• o crime é fenômeno natural e social, sujeito às infl uências do meio e de


múltiplos fatores, exigindo o estudo pelo método experimental;
• a responsabilidade penal é responsabilidade social por viver o criminoso em
sociedade, e tem por base a sua periculosidade;
• a pena é medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso ou à
sua neutralização;
• o criminoso é sempre, psicologicamente, um anormal, de forma temporária ou
permanente.

Ainda que não se possa especifi car cada uma das demais escolas, ainda
do período denominado científi co citam-se a Terceira Escola, a Escola Moderna
Alemã, a do Neoclassicismo, a do Neopositivismo, a Constitucionalista, a
Programática e a Socialista, que contribuíram e infl uenciaram as inovações
práticas, como o instituto das medidas de segurança, do livramento condicional,

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Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

do sursis, na perspectiva humanista das sociedades que defendem medidas que


proporcionam a adaptação do condenado ao convívio social.

Diante do supra exposto, na próxima seção analisaremos um pouco do


histórico do direito penal no Brasil.

História do Direito Penal no Brasil


Enquanto o Brasil vivenciava seu período colonial, predominava
Enquanto o Brasil
no mundo, principalmente na Europa, o absolutismo monárquico, em vivenciava seu
que o poder do Estado estava concentrado em uma única pessoa, que período colonial, a
ditava todas as regras em seu país. Europa, sobretudo
Portugal, ainda
estava vivendo o
A Europa, sobretudo Portugal, ainda estava vivendo o período
período de vingança
de vingança pública, mas muito infl uenciada pelo estágio anterior de pública, mas muito
vingança divina. influenciada pelo
estágio anterior de
A verdade é que com a chegada de Portugal às terras brasileiras, vingança divina.
os costumes ou possíveis sanções penais que eram impostas
pelos silvícolas aos infratores em nada infl uenciaram no cenário
jurídico brasileiro, visto que Portugal impôs suas ordenações no Brasil Colônia,
neutralizando qualquer ordem natural advinda dos silvícolas.

O Brasil tem sua origem como colônia de Portugal e na época de sua


ocupação estiveram em vigor as ordenações Afonsinas (até 1512) e Manuelinas
(até 1569), o Código de D. Sebastião (até 1603) e as Ordenações Filipinas (até o
Império do Brasil). Estas últimas continham o Livro V, o qual disciplinava sobre as
penas e refl etia o Direito Penal Medieval.

O modelo se fundamentava nos preceitos religiosos. A punição ao crime era


extremamente rigorosa, com penas cruéis. As penas severas e cruéis (açoites,
degredo, mutilação, queimaduras, morte, etc.) visavam infundir o temor pelo
castigo. A condenação ocorria sem o contraditório real. A cominação da pena de
morte estava em quase todos os delitos. As condenações à pena de morte eram
constantes e eram executadas pela força, com torturas, pelo fogo etc. Aplicavam-
se outras penas, as infamantes, o confi sco, os galés e até a “morte para sempre”.
Cumpre ressaltar, no entanto, que as penas eram desproporcionais à falta
praticada, não havia cominação e fi xação semelhante para crimes semelhantes.

No entanto, proclamada a independência, previa a Constituição de 1824 que


se elaborasse uma nova legislação penal e em 16 de dezembro de 1830 D. Pedro

19
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

I sancionou o Código Criminal do Império. Este fi xava na nova lei um esboço


de individualização da pena, previa a existência de atenuantes e agravantes,
estabelecia um julgamento especial para os menores de 14 anos e disciplinava
sobre a pena de morte, a ser executada pela forca, que visava coibir a prática de
crimes pelos escravos.

Apesar de ter infl uências liberais e grandes avanços em relação às penas


praticadas na legislação anterior, o Código Criminal ainda apresentava defeitos
que eram comuns à época: não defi nia a culpa, aludindo apenas ao dolo,
mantinha a desigualdade no tratamento das pessoas, mormente dos escravos, e
era eminentemente inquisitivo.

Com a proclamação da República foi editado, em 11 de outubro de 1890, o


Código Criminal da República, que sofreu críticas pelas falhas que apresentava.
Em virtude de, na promulgação da Constituição de 1891, esta ter abolido a pena
de morte, a de galés e a de banimento judicial, o Código Republicano de 1890
sofreu modifi cações e contemplou as seguintes sanções: a) prisão; b) banimento
(privação temporária diversa do que a Carta Magna punia, que era o banimento
judicial que consistia em pena perpétua); C) interdição (suspensão dos direitos
políticos, etc.); d) suspensão e perda de emprego público e multa.

Para o período podem-se considerar certos avanços, uma vez que, além de
abolir a pena de morte, instalou o regime penitenciário de caráter correcional.

O Código de 1890 sofreu, ao longo dos tempos, certas tentativas de correção,


o que acabou por gerar mais confusão na sua correta aplicação, dada a grande
quantidade de leis extravagantes.

Diante de tal realidade, coube ao desembargador Vicente Piragibe o


encargo de consolidar essas leis extravagantes. Através do Decreto nº 22.213,
de 14 de dezembro de 1932, ocorreu a denominada Consolidação das Leis
Penais de Piragibe, que vigorou até 1940, e que também foi chamada de
Estatuto Penal Brasileiro.

Promulgado em dezembro de 1940, o novo Código Penal somente passou


a vigorar em 1º de Janeiro de 1942. O Código de 1940 teve origem no projeto de
Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta
por Nelson Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lira.

Considerado uma obra harmônica que observou as modernas ideias


doutrinárias e aquilo de mais aconselhável nas legislações que existiam naquela
época, foi declarado no Congresso de Santiago do Chile, em 1941, como “um
notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua técnica e
avançadas instituições que contém”.
20
Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

Desde então, várias foram as tentativas de aperfeiçoar a nossa legislação


penal. Pode-se afi rmar que uma delas, a conduzida pelo ministro Nelson Hungria,
teve grande repercussão, pois chegou a ser convertida em Decreto-Lei Nº 1004,
de 21 de outubro de 1969. Pelas críticas que recebeu, foi modifi cada pela Lei Nº
6.016, de 31 de Dezembro de 1973. Nº entanto nunca entrou em vigor, pois foi
revogada pela Lei Nº 6.578, de 11 de outubro de 1978.

Mas no ano de 1984, foi analisado o anteprojeto que teve início com o professor
Francisco de Assis Toledo, da Universidade de Brasília, e que fora publicado em
1981, para receber sugestões. Depois de discutido no Congresso, o projeto foi
aprovado e promulgada a Lei No 7.209 de 11/07/1984; seguindo o
modelo germânico, houve alteração substancial da parte geral. O Código Penal,
desde então, está
O Código Penal, desde então, está sempre sendo adequado às sempre sendo
adequado às
necessidades sociais do Estado Democrático de Direito. As últimas
necessidades
alterações foram as da Lei nº 12.234/05.05.2010. sociais do Estado
Democrático de
As atualizações demonstram a dinâmica das mudanças que Direito. As últimas
a sociedade brasileira vem tendo nas últimas décadas, fruto da alterações foram
as da Lei nº
globalização das informações, e a necessidade de buscar uma forma
12.234/05.05.2010.
mais efi ciente na tentativa de ressocializar aquele que pratica um delito.

Atividade de Estudos:

1) Quais as principais codifi cações da antiguidade e do período


medievo? Quais os crimes que ela disciplinava?
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2) Quais a três fases do período de vingança da pena e a principal


característica de cada uma delas?
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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

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3) Quais as características do período humanitário da pena? E quais


as três teorias que surgiram concernentes à fi nalidade da pena?
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4) Quais as características do período científi co? E qual é a fi nalidade


da pena nesse período?
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5) Durante o período de Brasil Colônia, quais legislações estiveram


vigentes?
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6) Quando foi sancionado o primeiro Código Penal inteiramente


brasileiro? E quais eram suas principais características, avanços
e defeitos?
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7) Quais as principais sanções previstas no Código Criminal


Republicano e quando ele foi promulgado?

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Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

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Conceito e Fundamentos do Direito


Penal
Nesta seção vamos conhecer um conceito e o objeto do direito penal e alguns
aspectos que fundamentam o direito penal.

a) Conceito do direito penal

No decurso da história nem sempre foi possível diferenciar as esferas do


direito, fato que ainda é presente nos dias atuais. Para muitos
permanece o questionamento sobre a diferença entre direito criminal
Direito penal é um
e direito penal. conjunto de normas
que tipificam um
Inicialmente é mister salientar que no Brasil, segundo o Art. 22, ou vários atos do
inciso I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ser humano como
adotou-se a nomenclatura direito penal. crime. Estabelece,
por conseguinte,
medidas de
O direito penal, de acordo com Capez (2009, p. 01) é: segurança como
forma de correção
[...] o segmento do ordenamento jurídico que e coerção da
detém a função de selecionar os comportamentos sociedade para
humanos mais graves e perniciosos à esses infratores,
coletividade, capazes de colocar em risco valores
tutelando, portanto,
fundamentais para a convivência social, e
descrevê-los como infrações penais, cominando-
a proteção
lhes, em consequência, as respectivas dos valores
sanções, além de estabelecer todas as regras fundamentais
complementares e gerais necessárias à sua através das penas
correta e justa aplicação. e do poder de
punir do Estado,
Já para Nucci (2006, p. 41), o direito penal, é “o corpo de normas e estabelecendo
jurídicas voltado à fi xação dos limites do poder punitivo do Estado, também os limites
punitivos do
instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como
poder público.
regras atinentes à sua aplicação”.

23
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

Assim, conclui-se que o direito penal é um conjunto de normas que tipifi cam
um ou vários atos do ser humano como crime. Estabelece, por conseguinte,
medidas de segurança como forma de correção e coerção da sociedade para
esses infratores, tutelando, portanto, a proteção dos valores fundamentais, tais
como: vida, patrimônio, propriedade, liberdade, saúde, etc., através das penas
e do poder de punir do Estado, e estabelecendo também os limites punitivos do
poder público.

Temos, portanto, a teoria objetiva do direito penal, que


A teoria subjetiva do
é o conjunto de normas impostas pelo Estado, padronizando o
direito penal, que
confere ao Estado comportamento dos indivíduos, ou seja, tipifi cando os fatos sociais
a exclusividade juridicamente puníveis no ordenamento jurídico pátrio, e a teoria
de colocar em subjetiva do direito penal, que confere ao Estado a exclusividade de
prática as punições colocar em prática as punições elencadas nas condutas previamente
elencadas ditas como criminosas, ou seja, o Estado é o único titular do jus puniendi
nas condutas
(direito de punir). Observa-se que este Estado é aquele conceituado
previamente ditas
como criminosas. no art. 1o da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito [...]”. (CRFB, 1988, Art. 1o).
A teoria objetiva do
direito penal, que
é o conjunto de Nesta seara a função do direito penal dentro do ordenamento
normas impostas jurídico pátrio é a proteção dos valores fundamentais através da
pelo Estado, prevenção, visto que orienta um fato social humano como crime, e
impõe previamente uma pena. Estaria assim a sociedade intimidando o
agente de cometer o delito.
Função do direito
penal é a proteção No mesmo sentido:
dos valores
fundamentais A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais
através da para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde,
prevenção. a liberdade, a propriedade etc., denominados bens jurídicos.
Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação
coletiva, mais conhecida como prevenção geral e exercida
mediante a difusão do temor aos possíveis infratores do risco
O objeto do direito da sanção penal, [...]. (CAPEZ, 2009, p. 01).
penal é a conduta
humana comissiva Pode-se deduzir assim que o objeto do direito penal é a conduta
ou omissiva.
humana comissiva ou omissiva, conforme Hans Welzel (apud CAPEZ,
2009, p. 04), visto que somente o homem tem o discernimento do fi m
a que podem levar suas ações ou omissões. Por isso, nenhum animal
irracional é punível com as sanções previstas no Código Penal, mas são seus
proprietários que correm o risco, pois por um ato omisso podem deixar que seus
animais domésticos, ou não, causem a outrem dano passível de punição penal,
como uma lesão corporal, por exemplo.

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Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

Por isso, constam no Código Penal as atitudes reprováveis pela sociedade de


forma comissiva e, não normas proibitivas semanticamente, como por exemplo, o
art. 121: “Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.” (Código
Penal, 1940, Art. 121). Observa-se que no artigo não se verifi ca a proibição de
matar alguém como “é proibido...”, ou “não matar”; aduz, sim, ao fato social
“matar” e, consequentemente, à pena imposta caso o agente cometa tal atitude.
Esse princípio é conhecido como o princípio da antijuridicidade, que é a relação
de contrariedade do fato com o ordenamento jurídico. Praticando o ato previsto no
código penal, estará o agente submetido à pena imposta.

b) Fundamentos do direito penal

Nos ordenamentos jurídicos atuais os fundamentos do direito


Os fundamentos
penal se situam mais no aspecto de socialização e ressocialização do direito penal
do que no de punição. No entanto, os fundamentos punitivos se situam mais
permearam os códigos penais até o advento do pensamento fi losófi co no aspecto de
do iluminismo, que se consolidou no que denominamos de Estado socialização e
Democrático de Direito. Sobre o Estado Democrático de Direito, o ressocialização.
Capítulo terceiro nos dará mais subsídios.

No entanto, agora se faz necessário abordar alguns princípios


que fundamentam o direito penal, tais como: da legalidade; da Não há crime sem
anterioridade; da reserva legal; da irretroatividade; da especialidade; lei anterior que
da subsidiariedade; da consumação; da alternatividade. o defina. Não há
pena sem prévia
Princípio da legalidade: este princípio está tipifi cado no art. 1º cominação legal.
do Código Penal e no art. 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal
e objetivamente aduz o seguinte: “Não há crime sem lei anterior que
o defi na. Não há pena sem prévia cominação legal.” (Código Penal,
1940, Art. 1º). O imperativo da
vertente que diz que
nullum crimen sine
O imperativo da vertente que diz que nullum crimen sine lege,
lege, advindo do
advindo do direito romano, é de longa data. No entanto, a garantia do direito romano, é de
tratamento igual para todos é fruto de certa sincronia de outros dois longa data.
princípios distintos, quais sejam:

• o princípio da anterioridade: que aduz que somente será crime se já houver


lei que o defi na como ato ilícito;

• e o princípio da reserva legal: que alude, para a defi nição de qualquer


crime, a exigência de uma lei, prolatada pelo poder legislativo, vedando
dessa forma defi nir qualquer crime por medida provisória, por exemplo, que

25
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

é um ato do poder executivo. O princípio da reserva legal estaria já vinculado


ao Direito Medievo.

Ainda, intimamente ligado ao princípio da legalidade, está o princípio


da irretroatividade, tipifi cado no art. 2º do Código Penal e art. 5º, inciso XL da
Constituição Federal, que garante que: “a lei penal não retroagirá, salvo para
benefi ciar o réu”. (CRFB, 1988, Art. 5º, inciso XL).

Sendo assim, caso um fato social seja defi nido, através de lei, como crime,
posterior a sua consumação, a pessoa que o cometeu não poderá sofrer qualquer
tipo de sanção, no entanto, caso o contrário ocorra, e um fato social juridicamente
defi nido como crime deixa de ser considerado como tal, todos os réus condenados
pela prática desse delito serão benefi ciados e deixarão de ser considerados
condenados. Lembra-se que a fase da arbitrariedade não mais existe.

Princípio da especialidade: tal princípio estabelece que as normas


especiais prevaleçam sobre as normas genéricas. Exemplifi cando: o crime de
infanticídio, estabelecido no art. 123 do Código Penal, prevalece sobre o art.
121 do mesmo diploma legal, visto que naquele existe uma “especializante” que
o diferencia, que é matar alguém, no caso o próprio fi lho, em estado puerperal
durante o parto ou logo após. O mesmo acontecia anteriormente com o estupro,
quando se diferenciava do atentado violento ao pudor tendo em vista unicamente
a conjunção carnal, mas sabemos que atualmente tal diferenciação não existe
mais em nosso ordenamento jurídico.

Ademais, pertinente mencionar que o princípio da especialidade está


expressamente previsto no art. 12 do Código Penal, cujo texto legal se encontra
assim redigido: “Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos
incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.” (Código
Penal, 1940, Art. 12).

Princípio da subsidiariedade: tal princípio está ligado diretamente à norma


em si, em que a norma mais ampla, ou mais grave, prevalece sobre a menos
ampla. Como exemplo, cita-se o sequestro, descrito no art. 148 do Código Penal,
que prevalece sobre o constrangimento ilegal, elencado no art. 146 do mesmo
diploma legal. Ou, ainda, o art. 250 do Código Penal, crime de incêndio, que
prevalece sobre o art. 132 do Código Penal, que condiz com expor a perigo a vida
ou a saúde de outrem.

Princípio da consumação: já o princípio da consumação, embora parecido


com o anterior, diferencia-se em decorrência de que o confl ito está entre os fatos
e não entre normas, visto que durante o intercriminis de um delito pode haver
outros delitos, os quais se caracterizam como meios de preparação para a

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Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

execução, mas no resultado fi nal o fato mais grave absorve os demais, atitude
esta também denominada de concurso formal de crime, elencado no art. 70 do
Código Penal. Como exemplo, na lesão corporal, se o agente resolve matar a
vítima, ele responderá somente por homicídio.

No entanto, resta observar ainda que há no nosso ordenamento jurídico o


concurso material de crime, conforme o art. 69 do Código Penal, em que o agente
responde cumulativamente pelos crimes que cometeu, visto que tais delitos foram
o resultado de mais de uma ação ou omissão do agente, de forma distinta. Assim,
com a falsifi cação de uma identidade, o agente pode cometer inúmeros outros
crimes, como por exemplo o de estelionato, e o mesmo responderá pelo crime de
falsifi cação de documentos cumulado com o crime de estelionato.

Princípio da alternatividade: tal princípio estabelece vários tipos penais


para chegar à consumação do delito, ou melhor, o agente, ao praticar algum dos
tipos penais elencados na norma incriminadora, já estará consumando o delito
descrito, não sendo necessário que ele cometa todos os tipos penais descritos no
artigo para que seja responsabilizado pela prática daquele delito. É o que ocorre,
por exemplo, com o artigo 33 da Lei 11.343/2006 (tráfi co ilícito de entorpecentes),
que discrimina dezoito formas de cometer tal crime.

Portanto, o direito penal hoje está intimamente ligado à norma e à pena


imposta. Já o direito criminal, embora um dia tenha sido sinônimo de direito penal
(nomenclatura trazida pelos portugueses), hoje se vincula referida ciência com
a criminologia, que nada mais é que o estudo do crime, relacionando a pessoa
do infrator, a vítima e a relação social do comportamento criminoso, algo que se
verifi cará no item seguinte.

Atividade de Estudos:

1) Conceitue direito penal.


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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

2) O que é a teoria objetiva e subjetiva do direito penal?


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3) Qual é a função do direito penal?


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4) Qual o objeto do direito penal?


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5) Cite e explique os princípios do direito penal.


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Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

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6) Atualmente, qual é a principal diferença entre direito penal e direito


criminal?
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Teoria Geral do Delito


Para cada crime há certa especifi cidade, no entanto podemos
Para cada crime há
encontrar características que são comuns a todos eles e esse é o certa especificidade.
papel da teoria geral do delito.

Como vimos anteriormente, os tipos penais nem sempre eram tipifi cados, ou
seja, nem sempre existiu lei que relacionasse objetivamente uma conduta social
humana como crime. O princípio da legalidade começou a ser levado em conta
no período humanitário da pena, na época do iluminismo, a partir do século XVIII.

Antes disso, tinha-se como delito o fato social considerado injusto ou


antijurídico, que nada mais é do que a desaprovação do ato praticado e a
culpabilidade, que é a vinculação do ato ao autor.

Através desses dois institutos, antijuridicidade e culpabilidade, consegue-


se defi nir outros elementos do delito. Segundo Conde (1988, p. 03),

Na primeira, incluem-se a ação ou omissão, os meios e formas


em que se realiza, seus objetos e sujeitos, a relação causal
e psicológica entre elas e o resultado. Na culpabilidade, as
faculdades psíquicas do autor (a chamada imputabilidade ou

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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

capacidade de culpabilidade), o conhecimento por parte do


autor do caráter antijurídico do ato e a exigibilidade ao autor de
um comportamento diverso.

Foi então que, a partir de um dado momento histórico, passou-se


Passou-se a
a compor também nesse conceito de delito a tipicidade, que nada mais
compor também
é que o fato de ter essa conduta reprovada pela sociedade (antijurídica)
nesse conceito
de delito a prevista em lei, que atribui ao culpado uma pena. O ato de tipifi car é
tipicidade, que enquadrar o fato social a uma norma preexistente que o estabelece
nada mais é que como crime.
o fato de ter essa
conduta reprovada Então, o ponto de partida para a análise de um delito é defi nir se
pela sociedade o mesmo está tipifi cado no ordenamento jurídico pátrio, para a partir
(antijurídica)
daí investigar sua antijuridicidade e culpabilidade, visto que o agente
prevista em lei, que
pode estar protegido por excludentes que não o responsabilizarão pelo
atribui ao culpado
uma pena. O ato de delito cometido; excludentes essas que serão explanadas na disciplina
tipificar é enquadrar de Direito Penal, parte geral.
o fato social a uma
norma preexistente Outros ordenamentos jurídicos consideram a punibilidade como
que o estabelece parte integrante da teoria geral do delito, no entanto a doutrina pátria
como crime. não a considera como tal, visto que a punibilidade é constada, tão
somente, após a verifi cação e confi rmação dos demais requisitos
(tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) e está mais vinculada à
pena do que ao delito em si.

Assim sendo, é importante saber os requisitos de um delito, visto que a Lei de


Introdução ao Código Penal (Decreto Lei 3.914/1941), no art. 1º, conceitua o que é
crime e contravenção penal. Na verdade, o referido artigo traz uma diferenciação
técnica de crime e contravenção, não elencando totalmente os três elementos
constitutivos do delito (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade). Identifi ca-
se apenas a tipicidade e a antijuridicidade, mas com relação à culpabilidade é
omisso. No entanto, quanto à previsão da culpabilidade, esta pode ser verifi cada
no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

Nesta senda, prevalece no Brasil a classifi cação bipartida dos delitos,


evidenciando apenas os crimes e as contravenções penais, sendo crime o que “[...]
a lei comina pena de reclusão ou detenção, [...]” e contravenção “[...] a infração
penal a que a lei comina, isoladamente, penas de prisão simples ou de multa,
ou ambas, alternativamente ou cumulativamente”, conforme o art. 1º da Lei de
Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei 3.914/1941), sendo que ambos possuem
em seu conteúdo a mesma estrutura de delito, conforme apresentado anteriormente.

Resta observar que na América Latina, pelo menos na maioria dos países,
tem-se essa classifi cação bipartida dos delitos nos Códigos Penais. Muito embora
em alguns países tal classifi cação ou conceito de crime ou contravenções não
30
Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

esteja previsto no Código Penal (como no caso do Brasil), há uma classifi cação
em crimes de maior potencial ofensivo e crimes de menor potencial ofensivo
(contravenções); não há uma uniformização na nomenclatura, podendo, por
exemplo, ser encontrada a expressão “delitos” em lugar de “crimes” e “faltas” no
lugar de “contravenções”, como é o caso do Código Penal do Paraguai (art. 1º),
Venezuela (art. 1º, inc. 2) e Nicarágua (art. 4º), por exemplo.

Há, também, países que estabelecem uma divisão tripartida nos delitos,
como é o caso do Chile (art. 3º e 4º) e de Honduras (art. 3º), que classifi cam
as infrações penais em crimes, simples delitos e faltas, mas lembra-se que a
tendência atual é pela classifi cação bipartida.

Atividade de Estudos:

1) Conceitue crime e contravenção penal.


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2) Quais são os três elementos constitutivos do delito?


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3 Qual é o conceito de crime formal e material?


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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

AlGumas ConsideraÇÕes
Neste Capítulo foi possível recordar alguns tópicos sobre a história do direito
penal, alguns princípios do direito penal e também uma breve análise da teoria
geral do delito.

A partir da recordação feita se observa que toda cultura humana se


desenvolve num corpo de obrigações, proibições e leis que devem ser cumpridas
por motivos práticos, morais ou emocionais e que o direito penal é um dos
mecanismos mais efi cientes desse controle social.

A convivência em sociedade e a constante interação social exigem que os


desvios dos padrões de convivência, em especial as divergências relacionadas
com a agressividade, sejam punidos.

A punição, por um longo período, foi marcada pela vingança. A vingança


caracterizada na punição corporal recíproca, usada sem controle nos primeiros
grupos ou clãs sociais, passa a ser gerida pelo Estado, que a fundamenta pela
famosa Lei de Talião. Surgem códigos e leis que disciplinam diversas formas de
punições e que, independentemente de ser de cunho divino ou laico, no tempo e
espaço, sempre estavam ligadas à punição corporal do agente.

O segundo período, denominado humanitário, tem início na transição do


absolutismo para o iluminismo. Nesse período, a prescrição dos delitos e das
penas é determinante para que a punição deixe de ser caracterizada nas penas
do sacrifício corpóreo e passem a controlar a liberdade, numa tentativa de punir a
atitude do indivíduo que infringe um dispositivo legal estatal.

Por fi m, o período científi co, ou criminológico, que tem como principal


prerrogativa o estudo do homem em suas atitudes, visto que para cada crime
existiria sempre alguma razão determinante que ocasionou o agente a negar o
livre arbítrio. O livre arbítrio pode ser negado pelas condições antropológicas,
sociológicas e jurídicas. Assim, ainda que a pena tenha a fi nalidade de proteção
social, que se realiza através da coerção, na perspectiva humanista, a sociedade
deve defender medidas que proporcionem a adaptação do condenado ao
convívio social.

Ainda vimos que no Brasil, na sua origem como colônia de Portugal, as


ordenações disciplinavam sobre as penas e refl etiam o Direito Penal Medieval.

No entanto, proclamada a independência, previa a Constituição de 1824 que


se elaborasse uma nova legislação penal em que um esboço de individualização da
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Capítulo 1 DIREITO PENAL NA HISTÓRIA

pena previa a existência de atenuantes e agravantes, estabelecia um julgamento


especial para os menores de 14 anos e disciplinava sobre a pena de morte.

Com a proclamação da República foi editado o Código Criminal da República,


que aboliu a pena de morte, a de galés e a de banimento judicial.

O atual Código Penal, de dezembro de 1940, observou as modernas ideias


doutrinárias e aquilo de mais aconselhável das legislações que existiam naquela
época, e foi declarado no Congresso de Santiago do Chile, em 1941, como “um
notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua técnica e
avançadas instituições que contém”.

Diante do contexto histórico que se apresentou foi necessário entender como


atualmente se fundamenta o Direito Penal. A breve análise sobre os princípios
penais possibilitou recordar pontos importantes.

Ainda que para muitos permaneça o questionamento sobre a diferença do


direito criminal para o direito penal, pode-se afi rmar que o direito penal é um
conjunto de normas que tipifi cam um ou vários atos do ser humano como crime,
estabelecendo, por conseguinte, medidas de segurança como forma de correção
e coerção da sociedade para esses infratores, tutelando, portanto, a proteção dos
valores fundamentais, tais como: vida, patrimônio, propriedade, liberdade, saúde,
etc., através das penas e do poder de punir do Estado, estabelecendo também os
limites punitivos do poder público.

Nos ordenamentos jurídicos atuais os fundamentos do direito penal se


situam mais no aspecto de socialização e ressocialização do que no de punição,
sustentados por alguns princípios, tais como: da legalidade; da anterioridade;
da reserva legal; da irretroatividade; da especialidade; da subsidiariedade; da
consumação; da alternatividade.

A teoria geral do delito nos fornece as características que são comuns


a cada crime, ainda que cada crime tenha certa especifi cidade. O crime passa
a ser punido quando confi rmados os requisitos de tipicidade, antijuridicidade e
culpabilidade.

Assim, esperamos, com os temas aventados no capítulo que acabamos


de estudar, ter contribuído para o surgimento de novos elementos de pesquisas
sobre o direito penal.

33
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

ReFerÊncias
BIBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. São Paulo: Edições Paulinas, 1990.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 13ª edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 2009. v.1.

CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Fabris, 1998.

DUARTE, Maércio Falcão. Evolução histórica do Direito Penal. Jus Navigandi,


Teresina, ano 4, n. 34, 1 ago. 1999. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/
texto/932>. Acesso em: 1 jul. 2011.

GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 2 ed. Tradução de A. M.


Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1995.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. 17 ed. São Paulo: Atlas,
2001. v. 1.

NUCCI, Luiz Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5


ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo:


Saraiva, 2002.

PETTA, Nicolina Luiza de; OJETA, Eduardo Aparício Baez. História: uma
abordagem integrada. São Paulo: Moderna, 2001.

34
C APÍTULO 2
Direito Penal Internacional

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Identifi car os fundamentos do direito penal internacional e sua dinâmica no


cenário mundial atual.

 Analisar e diferenciar as competências dos tribunais penais e cortes


internacionais.
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

ConteXtualiZaÇÃo
Embora os primeiros princípios do direito internacional tenham surgido com
grandes pensadores como Francisco Suarez, Hugo Grotius, Francisco de Vitória
entre outros, somente em tempos contemporâneos as nações despertaram para
a necessidade de punir os criminosos de guerra e outros que cometem crimes
contra a humanidade.

A violação dos direitos à vida e à dignidade humana fez com que as nações
se organizassem a fi m de estabelecer princípios elementares para que as regras
do direito humanitário fossem respeitadas.

O século XX foi marcado por diversos confl itos que ocasionaram horrores à
população, desde genocídios até tentativas de limpeza étnica, mesmo estando
sob a égide das convenções de Genebra (1854), São Petersburgo (1868) e de
Haia (1899 e 1907), que estabeleciam as leis e costumes da guerra, mas que não
produziam efeitos na prática.

No entanto, após dois confl itos de âmbito mundial (a Primeira e a Segunda


Guerra Mundial), em 1919 e 1945, é que as nações passaram a priorizar o
julgamento dos responsáveis pelas atrocidades cometidas nas guerras. A
Convenção sobre o Genocídio, em 1948, e as demais Convenções de Genebra,
em 1949, sobre confl itos armados, já previam a instalação de uma corte
internacional, mas só com a aprovação de um Projeto em 1996 é que foi possível
o início da materialização do Direito Internacional Penal que culminou com a
aprovação, em julho de 1998, de um Tribunal Penal Internacional, instalado em
2002, em Haia.

O caminho percorrido foi longo. No capítulo a seguir, você, pós-graduando(a),


vai encontrar apontamentos sobre os Tribunais Militares Internacionais que
julgaram os criminosos de Guerra. Os TMIs, de Nuremberg e de Tóquio, tiveram
papel fundamental para a instituição do Tribunal Penal Internacional.

O capítulo a seguir será de importância ímpar para a compreensão das


relações internacionais na globalização. É certo que os povos evoluíram em
seus sistemas de comunicação, possibilitando grandes avanços e melhorias na
vida humana. No entanto, a criminalidade também continuou se propagando e
sob o véu da guerra muitos crimes contra a vida foram cometidos dolosamente.
A necessidade de demonstrar que os crimes contra a vida humana não poderiam
fi car impunes fez com que a comunidade internacional discutisse pontos
específi cos no direito internacional penal.

Pós-graduando(a), você encontrará indicativos para melhor compreender os


Tribunais Militares Internacionais, a justiça após a Segunda Guerra, a instituição

37
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

dos Tribunais Penais Internacionais, a formalização das Cortes Permanentes de


Justiça Internacional e o papel da ONU e os Estados-Nações.

Os TriBunais Militares
Internacionais: NuremBerG e Tóquio
De fato a Segunda Guerra Mundial contribuiu muito para o
Segunda Guerra
Mundial contribuiu surgimento dos Tribunais Militares Internacionais, em consonância
muito para o com as atrocidades que tinham como responsáveis os governos da
surgimento dos Alemanha em face da Europa, principalmente dos judeus, e do Japão
Tribunais Militares em face da China.
Internacionais
Mas o surgimento dos Tribunais Militares Internacionais não
ocorreu imediatamente após a Segunda Guerra Mundial. Ainda
durante a mesma se observou a necessidade de punir os responsáveis pelos
crimes cometidos.

a) O Tribunal Militar Internacional de Nuremberg

Nas conferências de Teerã e Moscou, em 1943, e de Potsdam, em 1945,


Estados Unidos da América, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e Grã-
Bretanha, as três maiores potências econômicas e armamentistas na época,
fecharam acordo para que os responsáveis pelos crimes de guerra fossem
processados, julgados e punidos.

Assim, em 08 de agosto de 1945, na capital inglesa (Londres),


Em 08 de agosto
criou-se o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, sendo signatários
de 1945, na capital
inglesa (Londres), os três países anteriormente citados e a França.
criou-se o Tribunal
Militar Internacional No art. 1º de seu estatuto fi cou estabelecido que o Tribunal Militar
de Nuremberg. Internacional de Nuremberg foi criado especifi camente para julgar
e punir “[...] os grandes criminosos de guerra dos países europeus
do Eixo” (GONÇALVES, 2001, p. 75). Os “países europeus do Eixo”
citados no referido artigo correspondem à Alemanha e à Itália, pois ainda que
o Japão tivesse sido aliado desses dois países, não foi inserto. O julgamento
dos criminosos de guerra do Japão iria ter seu próprio tribunal, o Tribunal Militar
Internacional de Tóquio.

O Tribunal Militar Internacional de Nuremberg:


38
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

[...] é composto por quatro membros. Cada país aliado envia


um titular e um suplente com a missão de garantir um processo
e uma punição justos e rápidos para os principais criminosos
de guerra nazistas. Os juízes não são contestáveis e cabe a
cada signatário dos acordos substituir o juiz e o seu suplente
no caso de problemas de saúde. A presidência é assegurada
sucessivamente pelas quatro potências, seja por acordo
interno no tribunal, seja por voto da maioria de pelo menos três
juízes. As decisões são tomadas pela maioria e, no caso de
empate, o voto do presidente é decisivo. (BAZELAIRE, 2004,
p. 21).

O art. 6º do Estatuto desse Tribunal estabelece a jurisdição, a competência


material e as diretrizes:

Artigo 60 [...]

a) os crimes contra a paz: isto é, a direção, a preparação,


o desencadeamento ou a continuidade de uma guerra de
agressão, ou de uma guerra violando tratados, garantias
ou acordos internacionais, ou a participação em um plano
orquestrado ou em um complô para o cumprimento de
qualquer um dos atos anteriores;

b) os crimes de guerra: isto é, as violações das leis e


costumes de guerra. Essas violações compreendem, entre
outras, o assassinato, os maus tratos e a deportação para
os trabalhos forçados ou com qualquer outro objetivo das
populações civis nos territórios ocupados, o assassinato ou
os maus-tratos dos prisioneiros de guerra ou das pessoas
no mar, a execução dos reféns, a pilhagem dos bens
públicos ou privados, a destruição sem motivo das cidades
e dos vilarejos ou a devastação que não se justifi quem pelas
exigências militares;

c) os crimes contra a humanidade: isto é, o assassinato, o


extermínio, a escravização, a deportação e qualquer outro ato
desumano cometido contra qualquer população civil, antes ou
durante a guerra, ou as perseguições por motivos políticos,
raciais ou religiosos, quando esses atos ou perseguições,
quer tenham constituído ou não uma violação do direito interno
do país onde foram perpetrados, tenham sido cometidos em
decorrência de qualquer crime que faça parte da competência
do Tribunal, ou estejam vinculados a esse crime.

Os dirigentes, organizadores, provocadores ou cúmplices que


tomaram parte na elaboração ou na execução de um plano
orquestrado ou de um complô para cometer qualquer um dos
crimes acima defi nidos são responsáveis por todos os atos
realizados por qualquer pessoa na execução desse plano.
(SOARES, 2006, p. 1212, grifo meu).

39
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

O princípio do devido processo legal também é respeitado no processamento


do Tribunal Militar Internacional (TMI) de Nuremberg, e está fundamentado no
artigo 16 de seu Estatuto, posto que as acusações devam sempre ser detalhadas
e em uma língua que o acusado compreenda e entregues ao mesmo em um
prazo razoável, antes do julgamento. O acusado terá o direito de ampla defesa
de todas as acusações imputadas a ele, podendo relacionar todas as provas que
pretende produzir, pessoalmente ou por seu advogado, além de fazer perguntas
às testemunhas de acusação e sustentar eles próprios ou por intermédio de um
advogado sua defesa perante o Tribunal e durante o interrogatório. Durante todo
o processo deverá haver a tradução para uma língua que o acusado compreenda.

Sugiro que assista ao fi lme: O Julgamento de Nuremberg

Sinopse

Com o fi m da Segunda Guerra


Mundial, os países aliados reuniram-
se em Nuremberg, na Alemanha,
para decidirem o destino de ofi ciais
nazistas, julgados por seus bárbaros
crimes, cometidos nos campos de
concentração, em nome da loucura
do III Reich. Entre eles está o notório
Hermann Goering (Brian Cox, de
Coração Valente). Com os ombros
pesados pela responsabilidade e
todos os olhos do mundo voltados
para aquela corte, o promotor Robert
Jackson (Alec Baldwin, de O Sombra)
questiona os direitos dos acusados. É como fazer valer a justiça no
mais importante julgamento da história. Com ricos detalhes sobre O
Julgamento de Nuremberg, este fi lme – cuja produção executiva é
co-assinada por Alec Baldwin – manteve-se fi el até às transcrições
das fi tas gravadas na corte, aqui também reproduzida fi elmente. Todo
o drama e dilema dos acusadores foram minuciosamente recriados
nesta produção inquestionavelmente perfeita.

Fonte: O JULGAMENTO de Nuremberg. Direção de: Yves


Simoneau. Canadá/EUA: Distribuição: Warner Home Vídeo,
2000. 1 DVD (169 min.): DVDRip, color. Legendado. Port.

40
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

O Estatuto do TMI de Nuremberg não prevê recursos, no entanto seu artigo


29 prevê que o Conselho de Controle na Alemanha tem a possibilidade de reduzir
ou modifi car de outra forma as decisões, podendo tomar medidas mais severas.

As penas previstas no Estatuto do TMI de Nuremberg podem ser consideradas


bem amplas e subjetivas pois, além da pena de morte, o artigo 27 prevê que quaisquer
outros tipos de pena podem ser aplicados, desde que o Tribunal as considere justas,
no entanto, não conceitua especifi camente o que seria uma punição justa para cada
crime, fi cando a cargo, portanto, unicamente dos julgadores do Tribunal.

O artigo 22 do Estatuto do TMI de Nuremberg estabeleceu Berlim, na


Alemanha, como sede permanente do Tribunal, mas o primeiro processamento
ocorreu em Nuremberg, na Alemanha, sendo que os demais lugares fi carão à
escolha do próprio Tribunal.

Em 18 de outubro de 1945, na Corte Suprema de Berlim, ocorreu a


audiência de estreia do TMI, esta presidida pelo juiz soviético Iola T. Nikitchenko,
oportunidade em que foram apresentadas as acusações contra 24 (vinte e quatro)
criminosos nazistas e 06 (seis) organizações criminosas.

O processo durou quase um ano (20 de novembro de 1945 a 1º de outubro


de 1946). Foram 218 (duzentos e dezoito) dias de audiência, tendo sido feita a
oitiva de 360 (trezentas e sessenta) testemunhas.

Os acusados resolveram se declarar inocentes das acusações, no entanto,


os veredictos, dados em 30 de setembro e 1º de outubro de 1946, foram de três
absolvições, nove condenações à prisão temporária ou perpétua, os quais a partir
do dia 18 de julho de 1947 foram transferidos para a prisão dos Aliados em Berlim-
Spandau, especialmente reservada aos criminosos de guerra, e doze condenações
à morte. Os condenados à morte, no dia 16 de outubro de 1946, foram enforcados
no ginásio da prisão de Nuremberg e seus corpos, em seguida, foram incinerados
em Munique e suas cinzas depositadas em um afl uente do rio Isar.

Os “Aliados” na Segunda Guerra Mundial correspondiam aos


países opositores da tríade do “Eixo”: Estados Unidos, Reino Unido,
União Soviética, China, Polônia, França, Austrália, Nova Zelândia,
Nepal, África do Sul, Canadá, Noruega, Bélgica, Luxemburgo,
Países Baixos, Grécia, Iugoslávia, Panamá, Costa Rica, República
Dominicana, El Salvador, Haiti, Honduras, Nicarágua, Guatemala,
Cuba, Coreia, Tchecoslováquia, México, Etiópia, Iraque, Bolívia, Irã,
Colômbia, Libéria, Romênia, Bulgária, San Marino, Albânia, Hungria,
Equador, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela, Turquia, Líbano,
Arábia Saudita, Argentina, Chile, Dinamarca e Brasil.

41
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

b) O Tribunal Militar Internacional de Tóquio

Quanto ao Tribunal Militar Internacional de Tóquio, que também


Tribunal Militar
é conhecido por Tribunal Militar Internacional para o Extremo
Internacional
de Tóquio, Oriente, seus ideais tiveram base na Conferência do Cairo em 1º de
que também é dezembro de 1943, quando China, Grã-Bretanha e Estados Unidos
conhecido por da América declararam que o fi m comum da guerra é fi nalizar e punir
Tribunal Militar a agressão japonesa.
Internacional para o
Extremo Oriente
Assim, quando do ato de rendição dos japoneses, em 02 de
setembro de 1945, foram estipuladas todas as questões concernentes
ao tratamento e detenção dos criminosos de guerra e, concomitantemente, a
Comissão de Crimes das Nações Unidas recomendou que se estabelecesse um
tribunal militar internacional para a questão dos japoneses.

Na Conferência de Moscou, os Ministros das Relações Exteriores da China,


Estados Unidos da América, Grã-Bretanha e União Soviética, concordaram que o
TMI fosse estabelecido em Tóquio, no Japão, sendo que, em janeiro de 1946, o
general Douglas Mac Arthur aprovou a Carta do TMI de Tóquio.

Nessa senda, em 03 de maio de 1946, o TMI do Extremo


Em 03 de maio
de 1946, o TMI do Oriente iniciou suas atividades, com a abertura de 28 (vinte e oito)
Extremo Oriente processos contra criminosos de guerra japoneses, de um total de 80
iniciou suas (oitenta) detidos.
atividades.
O tribunal é composto de juízes provenientes de 11 nações
aliadas: Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, França,
Grã-Bretanha, Índia, Países Baixos, Nova Zelândia, Filipinas
e União Soviética.

O procurador-chefe, Joseph Keenan, é norte americano; cada


país aliado designa um procurador adjunto. (BAZELAIRE,
2004, p. 28).

O Estatuto do TMI de Tóquio é bem semelhante ao Estatuto do TMI de


Nuremberg, muito embora conte com apenas 17 artigos.

O artigo 5º do Estatuto, por exemplo, estabelece a jurisdição sobre as


pessoas e sobre os crimes, especifi cando também a competência material do TMI
de Tóquio:

Artigo 5º[...]

a) Crimes contra a paz. Isto é, o fato de ter planejado,


preparado, desencadeado ou dado continuidade a uma guerra

42
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

de agressão, declarada ou não, ou a uma guerra violando o


direito internacional, os tratados, acordos ou garantias, ou de
ter participado em um plano comum ou em um complô visando
a cometer um dos atos evocados.

b) Crimes contra as Convenções da Guerra. Isto é, as


violações das leis e costumes de guerra.

c) Crimes contra a Humanidade. Isto é, assassinato,


extermínio, escravização, deportação e qualquer outro ato
desumano cometido contra qualquer população civil, antes
ou durante a guerra, ou perseguições por motivos políticos
ou raciais, na execução ou na relação com qualquer crime
que recaia na jurisdição do Tribunal, esteja ou não violando
a legislação interna do país onde foi perpetrado o crime.
Os chefes, organizadores, provocadores e cúmplices que
tomaram parte na elaboração ou na execução de um plano
comum ou em um complô para cometer qualquer um dos
crimes enunciados são responsáveis por todos os atos
realizados por qualquer pessoa na execução desse plano.
(SOARES, 2006, p. 1223, grifo meu).

O devido processo legal também é respeitado, segundo o artigo 9º do


Estatuto do TMI de Tóquio, mas contém algumas peculiaridades.

Além de a acusação dever ser clara e concisa, para cada crime imputado ao
acusado, deverá a mesma ser inscrita na língua que o acusado compreenda. O
acusado terá direito somente a um advogado, podendo o Tribunal desaprovar o
advogado escolhido pelo acusado. Se o acusado não tiver advogado e requisitar
a assistência de um profi ssional, o Tribunal poderá nomear um advogado para
ele. E mesmo sem o acusado solicitar, o Tribunal, se assim entender necessário
para a equidade do julgamento, poderá nomear um advogado ao acusado.

No mais, o depoimento somente poderá ser prestado ou pelo acusado ou


pelo advogado constituído ou nomeado, e nunca por ambos.

Na mesma forma que no TMI de Nuremberg, a pena, segundo o artigo 16,


poderá ser a de morte ou qualquer pena que o Tribunal considerar justa.

Também não há recursos, no entanto, segundo o artigo 17 do Estatuto, o


Comandante-chefe Supremo, no momento da execução da pena, poderá a
qualquer momento atenuar ou modifi car a sentença, sendo defeso agravá-la.

Os processos foram realizados no auditório do prédio que abrigou o Ministério


da Guerra do Japão. Como dito anteriormente, foram iniciados em 03 de maio de
1946 e duraram dois anos e meio, ou seja, até novembro de 1948, levando nove
civis e dezenove militares de carreira a julgamento.
43
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

A acusação os censura por ter elaborado e executado um


plano de conquista baseado na realização de um programa de
assassinatos, ter subjugado prisioneiros de guerra e submetido
civis a experiências médicas, trabalhos forçados em condições
desumanas, pilhagem de bens públicos e privados, destruições
de cidades e vilarejos sem necessidades militares, e de uma
forma geral assassinatos, estupros e crueldades em massa em
todos os territórios invadidos. (BAZELAIRE, 2004, p.30).

No TMI de Tóquio não houve nenhuma absolvição, no entanto, foi considerado


um verdadeiro fracasso, posto que deixou de fora fi guras como o imperador
japonês Hirohito, imperador que ordenou o ataque a Pearl-Harbor, além de vários
criminosos japoneses serem libertados sem nenhum processo, e nenhum médico
japonês foi processado, em decorrência das experiências médicas realizadas nas
pessoas durante a guerra.

Assim, inicialmente, dos 28 (vinte e oito) processados, 02 (dois) morreram


durante o processo; 01 (um) teve um problema mental sério durante o processo
e foi libertado em 1948; 18 (dezoito) foram condenados à prisão perpétua ou
temporária, sendo que até 1955 praticamente todos já estavam livres; alguns
morreram na prisão e 07 (sete) condenados à pena de morte foram executados
por enforcamento.

Após os 28 (vinte e oito) processos iniciais, outros foram instaurados


pelo mundo, sendo que 215 (duzentos e quinze) japoneses chegaram a ser
processados e destes, 92 (noventa e dois) foram condenados à morte.

De breve análise sobre os tribunais acima citados, verifi ca-se claramente


uma diferença estrutural entre o TMI de Nuremberg e o de Tóquio. Salientam-se,
também, as diferenças concernentes às infrações e às pessoas ou organizações
a serem julgadas:

[...] Apenas os crimes contra a paz com contornos incertos


e violações caracterizadas das leis de guerra são retidos
em Tóquio, enquanto em Nuremberg, outras categorias de
crimes são visadas pela acusação. Enfi m, em Tóquio são
julgadas apenas pessoas físicas, enquanto em Nuremberg
organizações como a Gestapo são acusadas. (BAZELAIRE,
2004 p.38).

Cumpre ressaltar ainda que os Tribunais foram compostos somente pelos


países “vencedores” da guerra, ou seja, os “Aliados”. Os países do “Eixo”,
“perdedores”, não tinham nenhuma representatividade perante as decisões nos
julgamentos. É fato dizer que a justiça foi feita pelas mãos dos países vencedores.
Isso signifi ca dizer que, por serem atingidos pela barbárie da guerra, o sentimento
de vingança contribuiu nas decisões dos julgamentos. A parcialidade dos

44
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

julgamentos foi amenizada pelas três absolvições que ocorreram no TMI de


Nuremberg. No entanto, pode-se confi rmar que foram respeitados o devido
processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

Atividade de Estudos:

Responda “V” para verdadeiro e “F” para falso nas assertivas


abaixo, explicando nas assertivas falsas o que está errado.

1) Quanto ao Tribunal Militar Internacional de Nuremberg:

a) ( ) Os países signatários para a criação deste Tribunal foram


somente: Estados Unidos da América, União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas e Grã-Bretanha.
____________________________________________________
____________________________________________________

b) ( ) O Tribunal foi criado para julgar os criminosos de guerra dos


países europeus do “Eixo”.
____________________________________________________
____________________________________________________

c) ( ) é composto por quatro membros. Cada país aliado envia um


titular e um suplente.
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

d) ( ) A presidência é assegurada sucessivamente pelos quatro


países, devendo o presidente indicar o seu sucessor.
____________________________________________________
____________________________________________________

e) ( ) As decisões são tomadas pela maioria e, no caso de empate,


o voto do presidente é decisivo.
____________________________________________________
____________________________________________________

f) ( ) Os crimes de competência deste Tribunal são os crimes


contra a paz e a humanidade, além dos crimes de guerra.
____________________________________________________
____________________________________________________
45
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

g) ( ) O acusado responderá ao processo na língua do país em


que está sendo processado, tendo o direito de ser nomeado um
advogado que compreenda a língua daquele país.
____________________________________________________
____________________________________________________

h) ( ) Há somente um tipo de recurso das decisões tomadas pelo


Tribunal, direcionada ao Conselho de Controle na Alemanha.
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

i) ( ) A única pena que pode ser aplicada é a pena de morte.


____________________________________________________
____________________________________________________

j) ( ) A sede permanente do Tribunal é em Berlim.


____________________________________________________
____________________________________________________

k) ( ) O Tribunal abriu a possibilidade de fazer acusações em face


de pessoas físicas e organizações criminosas.
____________________________________________________
____________________________________________________

l) ( ) Das 24 (vinte e quatro) acusações contra os nazistas não


houve absolvições.
____________________________________________________
____________________________________________________

2) Quanto ao Tribunal Militar Internacional de Tóquio:

a) ( ) Também é conhecido como Tribunal Militar Internacional


para o Extremo Oriente.
____________________________________________________
____________________________________________________

b) ( ) O Tribunal é composto 11 (onze) juízes das nações aliadas

46
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

(Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, França, Grã-


Bretanha, Índia, Países Baixos, Nova Zelândia, Filipinas e União
Soviética), além de um juiz nomeado pelo Japão.
____________________________________________________
____________________________________________________

c) ( ) O Tribunal possuía um procurador-chefe, que era norte-


americano.
____________________________________________________
____________________________________________________

d) ( ) Os crimes de competência do Tribunal eram somente os


crimes contra a paz e a humanidade.
____________________________________________________
____________________________________________________

e) ( ) Neste Tribunal também era possível fazer acusações em


face de pessoas físicas e organizações criminosas.
____________________________________________________
____________________________________________________

f) ( ) As acusações deveriam ser claras, concisas e na língua que


o acusado compreendesse.
____________________________________________________
____________________________________________________

g) ( ) O Tribunal poderia desaprovar o advogado escolhido pelo


acusado, podendo nomear outro em seu lugar.
____________________________________________________
____________________________________________________

h) ( ) O depoimento somente poderia ser prestado ou pelo


acusado ou pelo advogado constituído ou nomeado e nunca por
ambos.
____________________________________________________
____________________________________________________

i) ( ) Somente existia a pena de morte prevista no Estatuto do


Tribunal.
____________________________________________________
____________________________________________________

j) ( ) Não havia recursos e nem possibilidade de modifi cação das


sentenças
47
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

____________________________________________________
____________________________________________________

k) ( ) Neste Tribunal não houve nenhuma absolvição.


____________________________________________________
____________________________________________________

A JustiÇa APós a SeGunda Guerra


Mundial
O resultado das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial
foi decisivo para que se buscasse uma forma de punir seus responsáveis. O fi m
do confl ito no campo militar passou a ser decidido no campo jurídico. A busca da
punição pela via jurídica foi uma forma de demonstrar que a Guerra
não era motivo para o desrespeito à vida e à dignidade humana.
O fim do conflito
Também foi uma forma para não deixar às vítimas um sentimento de
no campo militar
passou impunidade, pois no campo militar se deduzia apenas a derrota de um
a ser decidido no exército mais fraco em face de um exército mais forte, sem que fossem
campo jurídico. externados os atos criminosos cometidos. Em contrapartida, ocorrendo
no campo jurídico a punição dos responsáveis pelos atos criminosos
praticados no campo militar, seria, como foi, uma forma de demonstrar
que a humanidade não aceitaria mais a impunidade de criminosos, mesmo que
acobertados por supostos atos de guerra.

É cediço que a ONU (Organizações das Nações Unidas) foi criada após
a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1945, substituindo assim a
Liga das Nações, com o principal objetivo de evitar novas guerras entre países, e
deveria ser uma plataforma para diálogos.

A partir desse momento os países fi caram mais interligados e as convenções


e tratados internacionais sobre crimes de guerra ou contra a humanidade foram
surgindo mais frequentemente, como por exemplo:

• Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio (1948);

• Convenção de Genebra para a melhoria da sorte dos feridos, enfermos dos


exércitos em campanha (1949);

• Convenção de Genebra para a melhoria da sorte dos feridos, enfermos e


náufragos das forças armadas no mar (1949);
48
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

• Convenção de Genebra relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra


(1949);

• Convenção de Genebra relativa à proteção dos civis em tempo de guerra


(1949);

• Convenção para a supressão do tráfi co de pessoas e da exploração da


prostituição de outrem (1950);

• Convenção sobre o alto-mar (1958);

• Convenção sobre infrações e certos outros atos praticados a bordo de


aeronaves (1963);

• Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de


discriminação racial (1965);

• Convenção para a repressão ao apoderamento ilícito de aeronaves (1970);

• Convenção para a Repressão de atos ilícitos contra a segurança da aviação


civil (1971);

• Convenção sobre a proibição de desenvolvimento, produção e armazenamento


de armas bacteriológicas (biológicas) e armas tóxicas e sobre a sua destruição
(1972);

• Convenção sobre a proibição da utilização de técnicas de modifi cação


ambiental para fi ns militares ou quaisquer outros fi ns hostis (1976);

• Convenção de Genebra relativa à proteção das vítimas dos confl itos armados
internacionais (1977);

• Convenção internacional contra a tomada de reféns (1979);

• Convenção sobre a proibição ou limitação do uso de certas armas


convencionais que podem ser consideradas como produzindo efeitos
traumáticos excessivos ou ferindo indiscriminadamente e protocolos I, II e III
(1980);

• Convenção sobre a proteção física de materiais nucleares (1980);

• Convenção das Nações Unidas contra o tráfi co ilícito de estupefacientes e


substâncias psicotrópicas (1988);

49
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

• Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos


forçados (1992);

• Convenção sobre o direito do mar (1982);

• Convenção internacional sobre a supressão de atentados terroristas com


bombas (1997);

• Convenção internacional para a eliminação do fi nanciamento do terrorismo


(1999);

• Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada


transnacional (2000);

Entre muitas outras convenções e tratados não menos importantes:

DOLINGER, Jacob; SOARES, Denise de Souza. Direito


internacional penal: tratados e convenções. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006.

Assim, verifi ca-se que toda a legislação internacional penal foi


Verifica-se que
frequentemente criada ou atualizada no período pós-guerra, tendo-se
toda a legislação
internacional penal em vista a necessidade também de compor o conceito de crimes contra
foi frequentemente a humanidade e crimes de guerra, além daqueles defi nidos no Estatuto
criada ou atualizada do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg.
no período
pós-guerra. Em 1968, a ONU reconheceu a imprescritibilidade desses crimes,
talvez uma medida que teve início na França em 1964, quando o
parlamento francês votou a Lei nº 64/1326, que prevê que os crimes
contra a humanidade são imprescritíveis. Um ato súbito e pertinente da França,
visto que a Alemanha havia reconhecido a prescrição vintenária de tais delitos de
guerra em seu país.

Mas, é bem óbvio pensar que, com a criação da ONU, o principal avanço
na esfera internacional penal foi a maior facilidade na instituição dos tribunais
penais internacionais ad hoc, tendo-se como os de maior notoriedade os Tribunais
Internacionais Penais de Ruanda e da ex-Iugoslávia.

Cumpre ressaltar que estava prevista a instituição de uma Corte Internacional

50
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Penal, no art. 6o da Resolução 260, de 09 de dezembro de 1948, da Assembleia


Geral das Nações Unidas:

As pessoas acusadas de genocídio ou de qualquer dos outros


atos enumerados no artigo III serão julgadas pelos tribunais
competentes do Estado em cujo território foi o ato cometido
ou pela corte penal internacional competente com relação às
Partes - contratantes que lhe tiverem reconhecido a jurisdição
(SEITENFUS, 2009, p. 144).

Demorou meio século para que esta Corte fosse defi nitivamente instituída.
No entanto, é importante salientar que a culpa por tal demora ocorreu devido à
instabilidade política/militar entre os blocos econômicos, durante a Guerra Fria.
Os dois blocos econômicos existentes na época não estavam propensos a instituir
uma justiça penal internacional na qual eles próprios teriam que prestar contas de
seus atos.

Em 1990, a Comissão de Direito Internacional demonstrou, perante a


Assembleia Geral da ONU, a necessidade de um tribunal internacional penal
permanente, coincidentemente, na mesma época em que eclodiram os confl itos
da ex-Iugoslávia e de Ruanda.

A Assembleia, por sua vez, solicitou que a Comissão permanecesse com


seus trabalhos e a Comissão em conferência habilitou o projeto de um estatuto da
Corte Internacional Penal.

Entre os anos de 1995 a 1998 a Assembleia Geral formou dois comitês


que, durante treze semanas, trabalharam para dar origem ao Anteprojeto do
Estatuto para o Tribunal Penal Internacional. Em 13 de abril de 1998, a tarefa foi
completada na Conferência Diplomática de Plenipotenciários com a fi nalidade de
estabelecer um tribunal internacional penal.

Os TriBunais Penais Internacionais


Conforme dito anteriormente, os dois tribunais internacionais penais ad
hoc que o mundo presenciou foram o da ex-Iugoslávia e o de Ruanda, cujas
audiências e julgamentos aconteceram em Haia e Arusha, respectivamente. Tais
tribunais foram anteriores à instituição da Corte Internacional Penal pela ONU, em
1998, e por isso merecem um estudo à parte.

Antes, porém, de discutir as peculiaridades de cada um desses Tribunais é

51
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

mister salientar as diferenças entre os TMIs (Tribunais Militares Internacionais) e


os TPIs (Tribunais Penais Internacionais):

• Inicialmente, tem-se que os primeiros são cortes internacionais em que se


discute a responsabilidade penal dos militares, e os segundos processam a
responsabilidade penal de pessoas civis;

• outra realidade é que nos TMIs os países vencedores julgaram os vencidos,


enquanto que nos TPIs são julgadores países não envolvidos no ato delituoso
e nem são partes;

• nos TMIs, pelo fato de os países vencedores estarem nos territórios dos países
vencidos, a obtenção de provas documentais foi mais facilitada, enquanto que
nos TPIs as provas testemunhais têm mais valia, pela difi culdade de obter
outro meio de prova;

• nos julgamentos dos TMIs não houve limitação geográfi ca, enquanto que os
TPIs são específi cos para determinado confl ito e país;

• além disso, no TMI de Nuremberg houve o julgamento tanto das pessoas


quanto das organizações, enquanto que nos TPIs, até o momento, somente
pessoas foram julgadas;

• nos TMIs os estupros não foram considerados como crimes, no entanto, nos
TPIs foram considerados como crimes contra a humanidade se praticados em
tempos de guerra.

Apesar das diferenças apontadas o objetivo é o mesmo, a saber: não deixar


impunes os responsáveis pelas atrocidades presenciadas pela humanidade,
garantindo assim a ordem e a paz mundial.

a) O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia

A ex-República Socialista Federativa da Iugoslávia desintegrou-


se pela guerra civil étnica desencadeada nos princípios da década de
1990. As várias etnias que a compõem: sérvios, croatas, eslovênios,
montenegrinos, albaneses e macedônicos.

52
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Figura 1 - Confl ito nos Bálcãs

Fonte: Disponível em: <http://www.mundovestibular.com.br/articles/6515/1/


Confl itos-nos-Balcas/Paacutegina1.html>. Acesso em: 29 ago. 2011.

Em 1991, iniciou-se uma guerra entre a Bósnia e a Sérvia


No dia 09 de
devido às perseguições étnicas que os albaneses estavam sofrendo fevereiro de 1993,
naquela região. o Conselho de
Segurança da ONU
Assim, por meio da Resolução 780 do Conselho de Segurança resolveu instituir
da ONU, o secretário geral da época (1992) formou uma comissão um Tribunal Penal
Internacional.
de especialistas para averiguar os acontecimentos naquela região
(ex-Iugoslávia). Através de um relatório prévio apresentado por aquela
comissão no dia 09 de fevereiro de 1993, o Conselho de Segurança da ONU
resolveu instituir um Tribunal Penal Internacional.

Assim, em 25 de maio de 1993, através da Resolução 827 do Conselho de


Segurança da ONU foi criado o Tribunal Penal Internacional ad hoc para julgar,
especifi camente, os crimes contra a humanidade cometidos na antiga Iugoslávia,
no período de 01 de janeiro de 1991 até o fi m da guerra.

O Tribunal foi composto para laborar com onze juízes, no entanto, atualmente
está funcionando com 25 (vinte e cinco) juízes, sendo 16 (dezesseis) permanentes
e 9 (nove) juízes provisórios, e uma corte de apelação, que a saber é a mesma do
Tribunal de Ruanda, que será explanado posteriormente.

53
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

O funcionamento do Tribunal está ocorrendo em Haia, cidade da atual sede


da Corte Internacional de Justiça e da Corte Penal Internacional, na Holanda.

Talvez a maior publicidade que se deu ao referido Tribunal decorreu do


fato de, pela primeira vez, um chefe de Estado ter sido acusado e detido por um
tribunal internacional (Slobodan Milosevic). No entanto, Slobodan Milosevic nunca
foi julgado, visto que, dias antes de seu julgamento, foi encontrado morto na cela
onde estava recolhido em Haia, na Holanda.

Embora tenha ocorrido a morte de Slobodan Milosevic, o Tribunal não


perdeu seu objeto ou efi cácia, pois foram constatadas 57 (cinquenta e sete)
acusações referentes às demais pessoas envolvidas diretamente com as
atrocidades na Ex-Iugoslávia.

O Tribunal acredita que até 2014 todos os processos sejam concluídos, com
o julgamento, inclusive, de seus recursos.

b) O Tribunal Penal Internacional para Ruanda

A questão social estabelecida no confl ito em Ruanda foi estritamente étnica.

Durante a colonização de Ruanda pela Europa, sobretudo pela Alemanha


e Bélgica, foi reforçada a diferenciação étnica entre Hutus e Tutsis, quando se
chegou ao absurdo de diferenciar as pessoas pela aparência.

Os Hutus, segundo o que preconizavam na região, eram pessoas de baixa


estatura e mais fortes, enquanto que os Tutsis eram pessoas maiores, magras e
com feições mais europeias.

Sinopse

Em Ruanda, no ano de 1994, um confl ito político levou à morte


quase um milhão de ruandenses, em apenas cem dias. O mundo
fechou os olhos para Ruanda. Mas um homem abriu seus braços
e coração e fez a diferença. Paul Rusesabagina era gerente de um
sofi sticado hotel na capital de Ruanda, quando o confl ito começou.
Munido apenas de sua coragem, ele abrigou no hotel mais de 1200
adultos e crianças. Indicado a três Oscar®, Hotel Ruanda conta a
história real de Paul para contar a história de Ruanda como um alerta
ao mundo.

54
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Fonte: HOTEL Ruanda: Uma História real. Produção de Terry George.


São Paulo: Distribuidora Imagem Filmes, 2004. 1 DVD
(121min.): son., color. Legendado. Port.

O confl ito entre essas duas etnias sempre existiu, mas entre os anos de
1990 a 1994 restou insustentável, visto que a minoria Tutsi atacou o governo de
Uganda com a intenção de depor o então presidente, Juvenal Habyarimana. Em
1991, o presidente Habyarimana terminou sua ditadura militar no país.

Em 1993, os membros do partido de Habyarimana começaram a recrutar


mais pessoas para as milícias locais, já planejando um ataque aos Tutsis, além de
distribuir armas de fogo e, principalmente, facões para o “extermínio” dos Tutsis.

Em 06 de abril de 1994, o avião de Habyarimana foi abatido e esse momento


foi o estopim para desencadear um verdadeiro genocídio naquele país.

Jean Kambada tornou-se primeiro-ministro do governo interino de Ruanda


em 09 de abril de 1994 e foi um dos principais responsáveis pelo
genocídio ocorrido no país, pois distribuiu armas e munições para a
Em 08 de novembro
população Tutsi, além de se omitir para a contenção dos massacres de 1994, através
que estavam ocorrendo em seu país, algo que deveria ser de sua da Resolução no
responsabilidade, visto que estava como presidente na época. No 955 do Conselho de
Tribunal Internacional Penal para Ruanda se declarou réu confesso. Segurança da ONU,
foi criado o Tribunal
Internacional Penal
Acredita-se que houve cerca de 800.000 (oitocentos mil) Tutsis
para Ruanda (TIPR).
mortos, durante os confl itos em Ruanda.

55
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

Assim, em 08 de novembro de 1994, através da Resolução no 955 do


Conselho de Segurança da ONU, foi criado o Tribunal Internacional Penal para
Ruanda (TIPR), seguindo o modelo do recém-criado Tribunal Internacional Penal
para a Ex-Iugoslávia.

O TIPR teve sede em Arusha, na Tanzânia. Seu principal objetivo, além


de julgar os responsáveis pelo genocídio e outras violações humanitárias
internacionais ocorridas em Ruanda entre 1o de janeiro de 1994 e 31 de dezembro
de 1994, era contribuir para a reconciliação social e manter a paz na região.

O Tribunal, além de Jean Kambada, também condenou à prisão perpétua por


crime de genocídio: Jean-Paul Akayesu, Theoneste Bagosora, Aloys Ntabakuze e
Anatole Nsengiyumya.

O Tribunal Internacional de Ruanda terminou seus trabalhos em 2010,


conforme Resolução n0 1824, de 18 de julho de 2008, do Conselho de Segurança
da ONU.

As Cortes Permanentes de JustiÇa


Internacional
A Corte Penal Internacional, ou Tribunal Penal Internacional, foi estabelecida
no ano de 2002, com a ratifi cação de seu estatuto por sessenta países. Sua sede
foi fi xada em Haia, cidade dos Países Baixos, onde teve sua base ideológica, de
corte permanente, desde a época que antecedeu a Primeira Guerra Mundial.

a) A primeira Corte Permanente Internacional de Justiça

Sem levar em consideração os métodos de solução de controvérsias


internacionais através da arbitragem que são anteriores aos ideais da Corte
Internacional de Justiça, a Corte foi idealizada pela Liga das Nações, organização
antecessora da ONU, por meio do art. 14 da Convenção da Liga das
Nações, que atribuía ao Conselho da Liga a competência para instituir
O primeiro projeto uma Corte Permanente Internacional de Justiça, sendo que seria de
de um Tribunal
sua competência o conhecimento e o julgamento de qualquer disputa
Permanente
de Justiça com caráter internacional que fosse submetida pelas partes em confl ito
Internacional saiu e exaurir pareceres sobre qualquer litígio ou questão encaminhada pelo
entre junho-julho de Conselho ou pela Assembléia da Liga das Nações.
1920, no Palácio da
Paz – Haia / Assim, o primeiro projeto de um Tribunal Permanente de Justiça
Países Baixos.
Internacional saiu entre junho-julho de 1920, no Palácio da Paz – Haia

56
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

/ Países Baixos, onde o “Comitê dos Dez” elaborou referido documento. Até
setembro de 1921, a maioria dos países da Liga das Nações já havia assinado
e ratifi cado o Estatuto da Corte Permanente Internacional de Justiça (CPIJ), que
entrou em vigor naquele mês.

De 1922 a 1940 a CPIJ analisou e julgou 29 (vinte e nove) casos entre


Estados, e emitiu ainda 27 (vinte e sete) pareceres consultivos.

A última sessão da CPIJ foi em 04 de dezembro de 1939. Depois disso não


mais tratou de qualquer assunto e nem elegeu outros juízes para os cargos, sendo
que em 1940 a Corte removeu o único juiz e alguns funcionários do Cartório para
Genebra, em decorrência do eminente perigo de guerra.

Vale destacar ainda que a CPIJ não deve ser confundida com a Corte
Penal Internacional. Aquela foi a primeira corte permanente para assuntos
internacionais envolvendo os Estados membros e esta é uma corte internacional
para responsabilizar os indivíduos, como pessoas físicas, pelos crimes elencados
no art. 5o do Estatuto de Roma.

b) A Corte Penal Internacional

Então, depois da Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, após as


Em 17 de julho de
abusividades presenciadas nos casos da ex-Iugoslávia e de Ruanda,
1998, cento e vinte
a comunidade internacional viu a necessidade de novamente constituir Estados adotaram o
uma Corte Permanente e específi ca para julgar os crimes de guerra, Estatuto de Roma,
contra a paz e contra a humanidade. que estabelece a
criação da Corte
Nessa senda, em 17 de julho de 1998, cento e vinte Estados Penal Internacional
permanente.
adotaram o Estatuto de Roma, que estabelece a criação da Corte
Penal Internacional permanente.

O Estatuto de Roma entrou em vigor somente em 1º de julho de 2002, quando


se constatou que 60 (sessenta) países haviam ratifi cado referido documento em
sua legislação interna.

Assim, a partir do momento em que o Estado passa a fazer parte do Estatuto,


ele aceita a competência do Tribunal para os crimes mencionados no art. 5º
e assim conceituados nos arts. 6º, 7º e 8º do Estatuto de Roma. E o Tribunal
exercerá sua competência sobre os indivíduos como pessoas físicas e não sobre
os Estados.

O art. 21 do Estatuto de Roma estabelece o direito aplicável nos julgamentos

57
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

perante o Tribunal, que segue a seguinte ordem hierarquizada: o próprio Estatuto


de Roma; os tratados e princípios de direito internacional; princípios gerais do
direito, incluindo do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes;
princípios e normas de direito já aplicados em decisões anteriores.

Em consonância com o art. 29 do Estatuto e confi rmando o entendimento


internacional quanto à matéria, os crimes de competência do Tribunal, elencados
no art. 5º do Estatuto, não prescrevem.

O Tribunal é composto (art. 34 do Estatuto de Roma) por:

• presidência: que por sua vez é composta por um presidente, um primeiro


vice-presidente e um segundo vice-presidente, eleitos por maioria absoluta
dos juízes, com mandato de três anos ou até o término de seu mandato como
juiz, podendo ser reeleitos uma única vez;

• uma seção de recursos: é o segundo grau de jurisdição do Tribunal e será


alcançado através das decisões que o Procurador ou o condenado acharem
que se enquadrem nos termos do art. 81 do Estatuto de Roma;

• uma seção de julgamento em primeira instância: também poderá exercer


as funções do juízo de instrução, no entanto exerce mais especifi camente
a função de conduzir o processo, com a maior celeridade possível, a um
julgamento equitativo e justo;

• uma seção de instrução: é o juízo de investigação do Tribunal, com


o objetivo de recolher dados e provas para o devido processo legal e a
preservação da prova;

• o gabinete do procurador: atua de modo independente no tribunal; compete


a ele colher informações e comunicações, devidamente fundamentadas,
a fi m de examinar, investigar e exercer a ação penal perante o Tribunal.
O procurador poderá possuir procuradores adjuntos que o auxiliarão na
realização dos trabalhos. Será eleito por voto secreto e por maioria absoluta
de votos dos membros da Assembléia dos Estados Partes. Os procuradores
adjuntos serão eleitos da mesma forma, mas dentre uma lista apresentada
pelo procurador. O mandato é de nove anos, sem reeleição;

• a secretaria: é responsável pelas funções não judiciais da administração do


Tribunal, sendo subordinada diretamente ao Presidente do Tribunal. (AMBOS;
CARVALHO, 2005).

As línguas ofi ciais do Tribunal, segundo o art. 50 do Estatuto de Roma, são:

58
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

árabe, chinesa, espanhola, francesa, inglesa e russa, mas as línguas francesa e


inglesa são as línguas de trabalho do Tribunal.

As decisões do Tribunal serão sempre fundamentadas e considerarão,


exclusivamente, as provas produzidas ou examinadas na audiência de
julgamento, sendo que as deliberações do juízo de julgamento em primeira
instância serão secretas.

As penas aplicáveis no Tribunal estão previstas no art. 77 do Estatuto de


Roma, e a prisão perpétua é o grau máximo de punição da presente corte.
(AMBOS; CARVALHO, 2005).

Atualmente, a Corte Penal Internacional está tratando de casos como o da


República Democrática do Congo, de Uganda, da República Central Africana, de
Darfur, no Sudão, e da República de Kenya. Os detalhes dos referidos processos
podem ser vistos no site da Corte Penal Internacional.

Site da Corte Penal Internacional: http://www.icc-cpi.int

Atividade de Estudos:

1) Quais as diferenças entre os Tribunais Militares Internacionais


(TMIs) e os Tribunais Penais Internacionais (TPIs) ad hoc’s?
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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

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2) Como é composta a Corte Penal Internacional permanente?


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3) Quais os crimes de competência da Corte Penal Internacional


permanente?
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ONU e os Estados-NaÇÕes
Nesta seção, o objeto de estudo é a relação triangular da Corte Internacional
Penal / ONU / Estados–Nações.

A situação a se pensar é simples, visto que a maioria dos Estados membros


60
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

da ONU são democráticos e possuem uma política soldada na repartição de


poderes, em pelo menos, no legislativo, no executivo e no judiciário. Simples,
imaginar-se-ia que não seria diferente com a Corte Penal Internacional como
órgão judiciário, que embora vinculada à ONU na nomeação de seus juristas, teria
certa independência de trabalho.

Assim também defendeu Carla Del Ponte, procuradora dos dois Tribunais
Penais Internacionais ad hoc (Iugoslávia e Ruanda), onde se dirigiu ao Conselho
de Segurança da ONU: “É essencial, para o sucesso do Tribunal, que os Estados
não tenham a possibilidade de ditar suas vontades ao procurador no que diz
respeito ao que deve ou não ser objeto de investigações.” (BAZELAIRE, 2004,
p. 91).

Portanto, a independência da justiça penal internacional se caracterizaria por


três pontos:

O primeiro é relativo à forma de requisitar a autoridade


de acusação que é o procurador. O segundo é articulado
com referência aos princípios de complementaridade ou de
primazia. O terceiro é analisado através da ajuda prestada
pelos Estados para a execução dos mandados e das sanções
tornadas defi nitivas. (BAZELAIRE, 2004, p. 92).

Os Tribunais Militares Internacionais de Nuremberg e Tóquio, como os


Tribunais Penais Internacionais ad hoc da Ex-Iugoslávia e Ruanda, trabalhavam
de forma independente. O procurador não precisava de autorizações ou queixas
prévias de um Estado para prosseguir com as acusações e o processo, mas
se levava em consideração que os poderes daqueles procuradores já estavam
previamente limitados ao tempo e espaço de cada tribunal.

De certa forma há uma signifi cativa diferença quando nos direcionamos para
a Corte Penal Internacional, que não possui um limitador espaçotemporal e que
em tese poderia julgar qualquer caso de violação dos crimes de competência
da corte. Em tese, pois os Estados signatários do Estatuto de Roma resolveram
vincular o trabalho do procurador a um exame, validando assim seus atos antes
da continuidade do processo, conforme artigo 15.3 do Estatuto de Roma.

Mas os Estados-partes e o Conselho de Segurança da ONU também


possuem legitimidade para fazer denúncias à Corte Penal Internacional (art. 13
e 14 do Estatuto de Roma), denúncias essas que devem ser endereçadas ao
procurador da Corte e este procede na forma do art. 15.3 do Estatuto de Roma.

Quanto à efetividade da Corte Penal Internacional em face do ordenamento

61
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

jurídico interno de um país, estabeleceu-se, através do art. 1º do Estatuto de


Roma, o princípio da complementaridade.

Tal princípio alude que o papel da Corte é complementar à jurisdição penal


interna de um país, ou seja, o papel da Corte será efi caz para coibir a impunidade
aos casos atentatórios à humanidade, caso o Estado originário fi que inerte na
investigação e julgamento dos responsáveis.

Com isso, pode-se afi rmar que há certa incoerência entre os crimes de
competência da Corte e que, em tese, há uma universalidade declarada e o
controle estatal da situação no âmbito territorial, prejudicando assim a efetividade
coercitiva da Corte perante aquele Estado.

Muito embora o Estado que tenha ratifi cado o Estatuto de Roma esteja sujeito
à jurisdição da Corte Penal Internacional, esta somente poderá julgar os casos se
realmente fi car caracterizada a inércia estatal para a investigação e o julgamento
dos crimes praticados, de acordo com o art. 19.2, alínea “b” do Estatuto de Roma:

Artigo 19 Impugnação da Jurisdição do Tribunal ou da


Admissibilidade do Caso [...]

2. Poderão impugnar a admissibilidade do caso, por um dos


motivos referidos no artigo 17, ou impugnar a jurisdição do
Tribunal: [...]

b) Um Estado que detenha o poder de jurisdição sobre um


caso, pelo fato de o estar investigando ou julgando, ou por já o
ter feito antes; [...]. (SEITENFUS, 2009, p. 155).

Assim, mesmo que o Estado seja signatário do Estatuto de Roma, a jurisdição


da Corte Penal Internacional torna-se relativa, visto que o Estado pode atrair para
si a responsabilidade de julgar o caso transcorrido em seu âmbito territorial.

Diferentemente aconteceu com os Tribunais Penais Internacionais ad hoc,


que tinham primazia sobre as jurisdições nacionais e podiam até
mesmo impor aos Estados a renúncia a seu favor, benefi ciando-se da
A Corte Penal
Internacional não força coercitiva do Conselho de Segurança da ONU.
possui coerção
legítima e muito Mas, mesmo que ainda vigore a força coercitiva do Conselho de
menos poder Segurança da ONU, para a Corte Penal Internacional ainda resta a
militar para impor difi culdade de executar suas decisões, pois depende da boa vontade
aos Estados a
dos Estados. (JAPIASSÚ, 2007).
efetividade de
suas sentenças.
A Corte Penal Internacional não possui coerção legítima e muito

62
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

menos poder militar para impor aos Estados a efetividade de suas sentenças,
fi cando à mercê dos Estados e, como dito anteriormente, do poder coercitivo do
Conselho de Segurança da ONU.

Atividade de Estudos:

1) O que é o princípio da complementariedade da Corte Internacional


Penal?
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2) A jurisdição da Corte Penal Internacional é absoluta sobre os


Estados?
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63
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

AlGumas ConsideraÇÕes
Os avanços tecnológicos que ocorreram no século XX possibilitaram
também grandes avanços na organização do direito positivo, em especial, no
âmbito internacional.

O Direito Internacional Penal, um ramo do Direito Internacional Público,


que por séculos parecia não ter signifi cado, uma vez que o Direito Internacional
se incumbia apenas de discutir o direito da guerra e da paz, agora passa a ter
fundamental importância nas relações diplomáticas, pois a punição daqueles
que atentam contra os direitos humanos ou tolhem a vida humana de forma
inescrupulosa deve ser a condenação.

É certo que todos os tratados e convenções, tribunais e cortes, não são


ações isoladas e estão em sintonia umas com as outras. O Direito Internacional
Penal trata dos crimes que vão além das atrocidades cometidas em tempos
de guerra. As nações procuraram e procuram se organizar para interromper os
avanços contínuos dos crimes que ultrapassam fronteiras e que vêm atentando
contra os direitos humanos.

As nações já formalizaram convenções e tratados para enfrentar o crescente


aumento do tráfi co internacional de drogas, que alicia dezenas de milhares de
pessoas anualmente, inclusive crianças. A criminalidade atua como uma rede,
pois um crime pode conduzir o agente a outro. Com o tráfi co internacional de
entorpecentes, cresce também a prostituição infantil e o tráfi co de menores, que
em sua maioria são meninas.

As nações, também, já formalizaram convenções sobre pirataria, lavagem de


dinheiro, falsifi cação de moeda, corrupção, entre outras, na tentativa de estancar
os males causados na ordem econômica e política de muitos países, pois muitas
organizações criminosas chegam a estruturar um poder paralelo aos governos
formais na tentativa de angariar lucros.

Diversamente dos Estados politicamente estruturados, cuja fi nalidade é o


bem comum, muitos criminosos e suas organizações criminosas que ultrapassam
fronteiras possuem objetivos estritamente privados e o fi m para eles é o lucro
através de atos ilícitos contra a vida e contra os direitos da pessoa humana.

Portanto, caro(a) pós-graduando(a), seu estudo sobre a ordem política


internacional deve ser constante. Não é possível viver em uma ilha, sem ser
afetado pelos acontecimentos internacionais. Se a globalização trouxe inúmeros
benefícios para o desenvolvimento tecnológico e do bem-estar social, é inegável,
64
Capítulo 2 DIREITO PENAL INTERNACIONAL

também, que trouxe consigo uma gama enorme de crimes que precisam ser
enfrentados por todos.

Em que pese a dualidade bem/mal ainda ser aceita, tal assertiva não
permite aceitar a criminalidade, pois ela não assume a verdadeira identidade.
A criminalidade não benefi cia o convívio social. Contrariando, reforça-se a
perspectiva de que a sociabilidade é necessária para qualquer inovação e
evolução humana. Assim, é certo que o caminho trilhado pelas Nações ainda está
longe de ser o melhor, no entanto, é possível encontrar soluções nos inúmeros
tratados e convenções que já foram assinados e ratifi cados pelas nações.

O estudo detalhado e a divulgação de informações são o caminho que


conduzirá a humanidade à paz e à felicidade.

ReFerÊncias
AMBOS, Kai; CARVALHO, Salo de (org.) O Direito Penal no Estatuto de
Roma: Leituras Sobre os Fundamentos e a Aplicabilidade do Tribunal Penal
Internacional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.

BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua


evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Barueri: Manole, 2004.

GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: a gênese de


uma nova ordem no direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano...[et al]. Direito Internacional Penal:


Estrangeiro e Comparado. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

SEITENFUS, Ricardo (Org.). Legislação internacional. 2. ed. Barueri : Manole,


2009.

SOARES, Denise de Souza. Direito Internacional Penal: tratados e


convenções. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

65
C APÍTULO 3
Direito Penal Constitucional

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Conhecer as principais teorias dos direitos e garantias constitucionais penais e


a defesa dos direitos humanos.

 Aplicar os direitos e garantias constitucionais de natureza penal em defesa dos


direitos humanos.
68
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

ConteXtualiZaÇÃo
No capítulo a seguir serão abordados os aspectos essenciais do Direito Penal
na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, observando de modo
especial os direitos e garantias constitucionais, os princípios penais, limitações e
proibições da pena.

É certo que todo ordenamento jurídico de uma nação civilizada deve estar
amparado na sua constituição vigente. Tal assertiva não poderia ser diferente
no Brasil e, por isso, analisar os direitos e garantias constitucionais permitirá
ao operador do direito compreender que a efi cácia da sanção penal não resulta
exclusivamente da pena que é aplicada ao agente infrator da norma legal.

Os direitos e garantias constitucionais estão estritamente ligados à


compreensão dos princípios constitucionais que disciplinam as penas, pois é a
partir deles que o Código Penal terá sua fundamentação e sua efi cácia.

Não obstante, a constituição brasileira também apresenta certas limitações e


proibições na esfera penal, visando à garantia e à segurança jurídica dos direitos
humanos de todos os cidadãos tutelados por ela.

Direitos e Garantias Constitucionais


de NatureZa Penal Os direitos e
as garantias
Os direitos e as garantias constitucionais de natureza penal constitucionais de
natureza penal
estão elencados em todo o corpo da Constituição da República
estão elencados
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 1988), mas basicamente no em todo o corpo
Título II (Direitos e Garantias Fundamentais) da CRFB 1988 constam da Constituição
especifi camente os direitos e deveres individuais e coletivos dos da República
indivíduos perante o poder punitivo do Estado. Federativa do Brasil.

A diferença básica entre direitos e garantias constitucionais,


conforme bem explana Pedro Lenza (2011, p. 863), é: “Assim, os
direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional,
enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se
assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou
prontamente os repara, caso violados.”

69
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

Assim, pode-se afi rmar que os direitos constitucionais de natureza


Direitos
penal, explícitos ou implícitos, disciplinam o direito material penal,
constitucionais de
natureza penal enquanto as garantias constitucionais de natureza penal, explícita ou
disciplinam o implícita, aludem à tutela para o processo penal.
direito material
penal, enquanto Nas Constituições contemporâneas, os direitos e as garantias
as garantias individuais de natureza penal explícita têm o condão de restringir o
constitucionais de
natureza penal poder punitivo do Estado, ao mesmo tempo em que resguardam os
aludem à tutela direitos fundamentais de 1ª e 2ª gerações dos indivíduos, quais
para o processo sejam: a liberdade e igualdade, ao exemplo do art. 5º da CRFB 1988.
penal.

Direitos fundamentais de 1ª geração: tiveram início nas


primeiras constituições escritas, com o pensamento liberal-burguês
do século XVIII, marcando a passagem do Estado autoritário para o
Estado de Direito.

Segundo Bonavides:

os direitos de primeira geração ou direitos de liberdades têm


por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-
se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma
subjetividade que é seu traço mais característico; enfi m, são
direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (apud
Art. 5º e incisos LENZA, 2011, p. 860).
da CRFB 1988
fazem parte da Já os Direitos fundamentais de 2ª geração tiveram início
categoria das a partir do século XIX, com a Revolução Industrial europeia,
cláusulas pétreas. e correspondem aos direitos sociais, culturais, econômicos,
Assim, uma vez coletivos, condizentes com os direitos de igualdade.
adicionadas no
texto constitucional
por meio de
uma emenda
Acrescenta-se ainda que o art. 5º e incisos da CRFB 1988 fazem
constitucional,
não mais poderão parte da categoria das cláusulas pétreas, enumeradas no art. 60, §4º
ser objetos de da CRFB 1988. Assim, uma vez adicionadas no texto constitucional por
deliberação. meio de uma emenda constitucional, não mais poderão ser objetos de
deliberação. (LENZA, 2011).

Cláusula pétrea: é uma disposição constitucional insuscetível


de ser objeto de deliberação objetivando sua mudança formal ou a
exclusão dentro do ordenamento jurídico pátrio.

70
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

Não obstante, equiparam-se aos descritos no corpo do texto constitucional


os tratados internacionais de direitos humanos, assinados e ratifi cados pelo Brasil
através do quórum qualifi cado, conforme o §3º do art. 5º da CRFB 1988, que
estão inseridos no ordenamento jurídico brasileiro como emenda à constituição
e, consequentemente, como cláusula pétrea, por se tratar de direitos e garantias
individuais a questão dos direitos humanos.

Vale observar ainda que, em recente entendimento do Supremo


Tribunal Federal (ver as decisões nos Recursos Extraordinários RE
466.343 e RE 349.703), os tratados internacionais que versam sobre
direitos humanos, independente do quórum de aprovação para sua
ratifi cação no Brasil, adentram no ordenamento jurídico pátrio como
norma supra legal.

A supra legalidade da norma aduz que esta se encontra acima


da legislação pátria infraconstitucional e, consequentemente, abaixo
da Constituição Federal. Embora não seja cláusula pétrea, por
não ter conseguido quórum sufi ciente para a sua aprovação como
emenda constitucional, essas normas não podem ser modifi cadas
por legislação ordinária aprovada a posteriori sob o argumento de
que a lei posterior revoga a anterior nas disposições contrárias, visto
seu caráter especial, no entanto, é passível de reforma diante de um
novo tratado internacional de direitos humanos, assinado e ratifi cado
pelo Brasil a posteriori sobre o mesmo assunto, sendo abordado de
forma diversa.

Foi o que ocorreu com a prisão civil do depositário infi el,


Se pode citar que há
que, diante da ratifi cação do Pacto de San José da Costa Rica
direitos e garantias
(Convenção Americana sobre Direitos Humanos) pelo Brasil, constitucionais
sua efi cácia prevista em normas infraconstitucionais e até que possuem
mesmo na própria CRFB 1988, através do art. 5º, inciso LXVII, natureza penal de
foi paralisada. Observa-se que as normas contrárias ao tratado forma implícita,
internacional não foram revogadas, mas tão somente tiveram cuja normatização
é estabelecida
sua efi cácia paralisada, em vista da situação mais benéfi ca
em normas
prevista no Pacto de San José da Costa Rica. infraconstitucionais
dependem de
resposta penal para
que a tutela do bem
Entretanto, também se pode citar que há direitos e garantias jurídico, defendido
constitucionalmente,
constitucionais que possuem natureza penal de forma implícita, como,
seja concretizada.
por exemplo, a proteção ao meio ambiente no art. 225, §3o da CRFB

71
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

1988, cuja normatização é estabelecida em normas infraconstitucionais. O mesmo


ocorre com os condizentes ao trabalho, à tributação, à pesquisa científi ca, às
atividades econômicas públicas e privadas, etc., os quais também dependem de
resposta penal para que a tutela do bem jurídico, defendido constitucionalmente,
seja concretizada.

Portanto, consoante o exposto acima, ressalta-se que a presença de normas


de natureza penal nas Constituições se dá de duas formas: através dos princípios
de direito penal constitucional, de forma expressa e inequívoca, e que facilmente
se verifi ca a sua natureza, e de princípios constitucionais infl uentes em matéria
penal, os quais dependem de normatização penal infraconstitucional para garantir
a sua efi cácia, preservando o bem jurídico que a norma constitucional tutela,
conforme exposto acima.

Atividade de Estudos:

1) O que são direitos e garantias constitucionais de natureza penal?


____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2) Qual a diferença entre os direitos e garantias constitucionais de


natureza penal explícitas e as implícitas?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

PrincÍPios Constitucionais e a Pena


Embora, o princípio da legalidade e suas subdivisões já tenham sido
apresentados no capítulo 1, nesta seção serão explanados de forma mais minuciosa,
72
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

mas no âmbito constitucional. Observar-se-ão, também, outros princípios de suma


importância para o direito penal na relação Estado e indivíduo.

a) Princípio da legalidade

Segundo a doutrina mais contemporânea, o princípio da legalidade se


subdivide em três outros princípios, quais sejam: princípio da reserva legal; da
determinação taxativa e da irretroatividade.

Resumidamente, o primeiro diz respeito às fontes das normas penais


incriminadoras, o segundo aborda a enunciação dessas normas e o último tem
relação com a norma penal no tempo.

• Princípio da reserva legal

Claramente tipifi cado na CRFB 1988, no art. 5º, inciso XXXIX


Não há crime
e também no art. 1º do Código Penal brasileiro, no qual possui o sem lei anterior
seguinte texto: “não há crime sem lei anterior que o defi na, nem que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal;” (BRASIL, 1988), o princípio da pena sem prévia
reserva legal determina que alguém somente pode ser processado e cominação legal.
condenado por crime quando há uma prévia classifi cação desse fato
social como delito e há, também, uma prévia cominação de pena para esse delito.

O princípio da reserva legal, no cenário brasileiro, vem sendo historicamente


proclamado desde a primeira Constituição de 1824 e com o passar dos tempos
permaneceu nas constituições posteriores.

Quanto ao surgimento desse princípio no mundo jurídico, os entendimentos


são bem divergentes. Vincenzo Manzini, por exemplo, alude que a reserva legal
tem origem no direito romano. Outros penalistas, como Nelson Hungria, sustentam
o surgimento desse princípio na Magna Carta Inglesa de 1215. E outros ainda,
como J. Frederico Marques, afi rmam que referido princípio surgiu no período do
direito medieval.

Indiferente do
Indiferente do período no qual o princípio da reserva legal surgiu
período no qual o
na história, o fato é que ele teve maior importância social e política princípio da reserva
no período iluminista, sustentando-se na teoria do contrato social legal surgiu na
daquele período. história, o fato é
que ele teve maior
Assim, com a monarquia absolutista decadente e a instalação importância social e
dos regimes democráticos, o princípio da reserva legal fi cou mais política no período
iluminista
forte, passando a integrar os textos constitucionais e penais de grande
73
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

parte dos países do mundo. Sua necessidade restou mais clarividente através
da Declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão, de 1786, a qual
auxiliou o processo de sua universalização.

Embora tal princípio não tenha sido respeitado no período da Alemanha nazista
(1935) e na União Soviética (1822 a 1958), ele atualmente está praticamente
universalizado. Mesmo em alguns países que não o preveem expressamente em
sua legislação, o princípio está sendo garantido através das decisões judiciais.

Além do mais, vale salientar também que, atualmente, esse princípio é


defendido em convenção internacional e se encontra tipifi cado na Declaração
Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 1948, e à qual os países membros devem efi cácia, mesmo que na sua
legislação interna não esteja tipifi cado o princípio da reserva legal.

Vale ainda destacar que o princípio da reserva legal atinge também a


execução da pena. Relativamente a esse entendimento, encontramos dispositivos
constitucionais como os incisos XLVIII e XLIX do artigo 5º da CRFB 1988, além
do inciso XLVI do mesmo artigo, que disciplina a individualização da pena,
comprovando assim que o princípio da reserva legal está presente também na
execução das penas.

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre


outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII - não haverá penas:


a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do
art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de


acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e


moral. (BRASIL, 1988).

74
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

• Princípio da determinação taxativa


O princípio da
determinação
O princípio da determinação taxativa sustenta que a norma penal taxativa sustenta
incriminadora deve ser clara, certa e precisa, não deixando margem a que a norma penal
ambiguidades, obscuridades ou dúvidas. É claro que referido princípio incriminadora deve
é dirigido ao legislador, e veta que o mesmo formule leis de natureza ser clara, certa
penal vagas, equívocas, de modo que possa ensejar entendimentos e precisa, não
deixando margem
contrastantes ou diversos, fazendo com que o legislador utilize uma
a ambiguidades,
linguagem rigorosa e uniforme. obscuridades ou
dúvidas.
Embora alguns penalistas fundamentem que o princípio da
determinação taxativa alude simplesmente à forma clara e precisa
da norma com o intuito de intimidação do agente, acredita-se que realmente seu
principal objetivo seja eminentemente político, com o propósito de proteger o
cidadão do arbítrio judiciário.

• Princípio da irretroatividade

O princípio da irretroatividade é sem dúvida um complemento do


princípio da reserva legal. Ele sustenta que a lei somente pode atingir O princípio da
os fatos posteriores à vigência desta, vedando o processamento e a irretroatividade é
sem dúvida um
condenação dos fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor no
complemento do
ordenamento jurídico. princípio da reserva
legal. Ele sustenta
O princípio da irretroatividade teve seu ápice de desenvolvimento que a lei somente
a partir da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e desde pode atingir os
então as Constituições começaram a adotar tal princípio. fatos posteriores à
vigência desta.
Em nosso país, esse princípio começou a aparecer a partir da
Constituição de 1934 e na Constituição de 1946 evoluiu o entendimento para
afi rmar que a lei penal somente retroagirá para benefi ciar o réu.

b) Princípio da culpabilidade Atribui-se o princípio


da culpabilidade, ou
A responsabilidade objetiva não é aplicada atualmente ao direito da responsabilidade
penal e o princípio da culpabilidade é o que garante essa premissa no subjetiva, como
meio jurídico, ou seja, nenhum resultado pode ser atribuído a quem também é
conhecido, à
não o tenha produzido por dolo ou culpa.
vontade do agente
em querer o
Atribui-se o princípio da culpabilidade, ou da responsabilidade resultado dito como
subjetiva, como também é conhecido, à vontade do agente em querer delituoso.
o resultado dito como delituoso.
75
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

Mas, nem sempre ocorreu dessa forma. Como visto no capítulo 1, nas
sociedades mais remotas somente se levava em consideração a prática do
delito, sem analisar a vontade do agente. Somente no fi m da Idade Média é que
o direito germânico começou a dar uma importância primitiva para a análise da
culpabilidade do agente, isso nas primeiras décadas do século XVI.

No entanto, atribui-se ainda, como um primeiro resquício do


Atribui-se ainda,
princípio da culpabilidade em legislações mais antigas, as leis
como um primeiro
resquício do espartanas de Licurgo, as leis atenienses de Drácon e Sólon na
princípio da Grécia; em Roma, no século IX antes de Cristo, e a lei das XII Tábuas,
culpabilidade em que atribuíam, para o mesmo fato criminoso, diversas subdivisões,
legislações mais mas no sentido de qualifi car ou atenuar o delito e não analisando
antigas.
especifi camente a intenção do agente.

No século XIX, já no período científi co da pena, formou-se um pensamento


mais elaborado com relação à culpabilidade dos agentes. Franz von Liszt foi
talvez a voz mais importante a atribuir a culpabilidade ao dolo e à culpa.

Franz von Liszt (1851-1919): de origem austríaca, jurista e


político alemão, fi cou conhecido por suas obras no campo do direito
penal e do direito internacional público. Liszt fazia parte de uma
corrente que defendia o comportamento voluntário como ligação
para a ação, a fim de chegar a algum resultado.

A partir de então, começou-se a ter a culpabilidade como reprovação.


“[...]. Reprovação por ter o agente, seja com dolo, seja com culpa, agido em
desconformidade com o direito, podendo agir em consonância com o mesmo, e
tendo, ou podido ter, a consciência do injusto” (LUISI, 2003, p. 36). E, assim, a
partir da segunda década do século XIX se passou a fundamentar o direito penal
através da culpabilidade.

O ordenamento jurídico brasileiro dá ao princípio da culpabilidade status


constitucional, quando observamos os incisos LVII e XLVI do art. 5º da CRFB 1988.
O primeiro inciso citado diz respeito à culpabilidade mediante a comprovação
e declaração desse quesito através de uma sentença transitada em julgado. O
segundo inciso citado alude à individualização da pena, a qual somente é possível
mediante a verifi cação e comprovação do grau de participação (culpabilidade) dos
agentes em um determinado delito.

76
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em


julgado de sentença penal condenatória;

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre


outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos. (BRASIL, 1988).

Verifi ca-se também a importância da culpabilidade no


Art. 19. Pelo
ordenamento jurídico pátrio através do art. 19 do Código Penal: “Art. resultado
19. Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde que agrava
o agente que o houver causado ao menos culposamente”. (apud especialmente a
ZAFFARONI; PIERANGELI, 2007p. 451). pena, só responde o
agente que o houver
causado ao menos
Pelo artigo supracitado, tem-se como um exemplo clássico uma culposamente.
pessoa que agride um hemofílico. Sem saber de seu problema, faz um
pequeno corte no braço e a vítima sangra até a morte. Embora tenha
dado causa à morte, o agente não responde por este delito, visto que não agiu
com dolo ou culpa e muito menos tinha conhecimento do problema de saúde da
vítima, pois se esta fosse uma pessoa saudável, a agressão não resultaria em um
fi m tão trágico.

c) Princípio da intervenção mínima

O princípio da intervenção mínima também se apresenta como


O princípio da
um princípio limitador ao poder discricionário do Estado, visto que intervenção
delimita o direito penal como último recurso a ser utilizado para a mínima também se
resolução de confl itos sociais. apresenta como um
princípio limitador ao
Mas, além de ser dirigido ao legislador, de quem se exige que poder discricionário
do Estado.
tenha cautela ao eleger condutas que sejam criminalmente relevantes,
tal princípio também é dirigido ao operador do direito, a quem se
aconselha que não tipifi que penalmente a conduta do agente, quando perceber
que há a possibilidade de atuação de outros ramos menos agressivos do direito.
77
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

Assim, prevalece a ideia de que o ramo penal em tese só poderia atuar


quando os demais ramos do direito não tivessem mais efi cácia, ou seja, atuaria
somente quando a pena fosse o único meio protetivo do bem jurídico.

Expressamente previsto na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e


do Cidadão, de 1789, no art. 8o: “A lei apenas deve estabelecer penas estrita
e evidentemente necessárias [...]” (DECLARAÇÃO, 1789), põe-se assim como
limitador ao legislador do poder criativo do crime, afi rmando que deverão ser
considerados crimes somente os fatos ilícitos relevantes para a sociedade, para
que assim também não se inche o judiciário.

No ordenamento jurídico brasileiro, tal princípio está previsto implicitamente


no texto constitucional, quando no art. 5o, caput da CRFB 1988, alude que
são invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à propriedade, à igualdade e à
segurança, combinado com o art. 1o, inciso III da CRFB 1988, que determina
como fundamento da República Federativa do Brasil a defesa da dignidade da
pessoa humana. Conclui-se que a legitimidade do Estado em privar alguns desses
direitos invioláveis somente decorrerá na ocorrência de um fato penalmente
relevante, em que a sanção penal é o único caminho para garantir o bem jurídico
em questão, ressaltando assim o princípio da intervenção mínima implícita no
texto constitucional.

d) Princípio da humanidade

O princípio da humanidade está eminentemente vinculado ao


O princípio da cumprimento das penas privativas de liberdade, quando veda as penas
humanidade está
de tortura, tratamentos desumanos ou degradantes, cruéis, pena de
eminentemente
vinculado ao morte e perpétua, trabalhos forçados e de banimento, além de vincular
cumprimento das o respeito e proteção à dignidade da pessoa humana do preso e às
penas privativas normas que disciplinam a prisão processual.
de liberdade.
O crescimento desse princípio se deu principalmente nos séculos
XVII e XVIII com o movimento do iluminismo, quando começaram a
surgir os direitos humanos previstos expressamente na constituição dos Estados.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou o


princípio da humanidade em diversos dispositivos, sobretudo do art. 5º, conforme
podemos ver:

Art. 5º. [...]

III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento


desumano ou degradante; [...]

78
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

XLVII - não haverá penas:


a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos
do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos,
de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do
apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física
e moral;
L - às presidiárias serão asseguradas condições para que
possam permanecer com seus fi lhos durante o período de
amamentação; [...]
LXI - ninguém será preso senão em fl agrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, defi nidos em lei;
LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre
serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à
família do preso ou à pessoa por ele indicada;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais
o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência
da família e de advogado;
LXIV - o preso tem direito à identifi cação dos responsáveis por
sua prisão ou por seu interrogatório policial;
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela
autoridade judiciária;
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando
a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fi ança; [...].
(BRASIL, 1988).

A partir desse princípio verifi ca-se também a impossibilidade de a pena passar


da pessoa do condenado, exceto, é claro, com relação à reparação cível, em que
os herdeiros podem responder até o limite da herança deixada pelo agente.

e) Princípio da pessoalidade
O princípio da
Possuindo um certo vínculo com o princípio da humanidade, o pessoalidade, que
princípio da pessoalidade, que também é conhecido como princípio da também é conhecido
personalidade, está consubstanciado no art. 5º, inciso XLV da CRFB como princípio da
personalidade, está
de 1988: “XLV – Nenhuma pena passará da pessoa do condenado consubstanciado no
[...]” (BRASIL,1988), ou seja, a pena é personalíssima e intransferível, art. 5º, inciso XLV da
devendo ser cumprida tão somente pelo agente do crime, visto que CRFB de 1988: “XLV
a pena é uma questão retributiva quanto ao delito praticado e não – Nenhuma pena
passará da pessoa
uma forma de reparação do mesmo. Caso haja reparação por algum
do condenado.
dano sofrido pela vítima, vale salientar que nesse sentido, sim, há

79
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

como passar da pessoa do condenado. Quando de seu falecimento, os herdeiros


responderão pela reparação devida, mas somente nos limites da herança deixada
pelo agente causador do dano.

f) Princípio da individualização da pena

A CRFB 1988 é clara no art. 5º, inciso XLVI: “a lei regulará a


A lei regulará a
individualização da pena [...]”. (BRASIL, 1988).
individualização da
pena [...]
“Por individualização da pena se deve entender o processo para,
- segundo a límpida e notória frase de Nelson Hungria, - ‘Retribuir o
mal concreto do crime, com o mal concreto da pena, na concreta
personalidade do criminoso’”. (LUISI, 2003, p. 52).

A individualização da pena se desenvolve em três espectros: o legislativo, o


judicial e o executório ou administrativo.

O legislativo se dá através das leis que fi xam, para cada tipo penal, uma ou
mais penas, sendo sempre proporcionais à importância do bem jurídico tutelado e
à periculosidade e gravidade da ofensa perante a sociedade.

No campo legislativo também é possível perceber as espécies de pena, a


forma alternativa ou cumulada das penas ou até mesmo as possibilidades de
substituições das penas.

Já no espectro judicial, ou judiciário, vê-se que a objetividade do campo


legislativo fi ca um pouco de lado, em vista da discricionariedade que possui o juiz
ao arbitrar a pena ao caso em concreto.

É só observar o art. 59 do Código Penal brasileiro e atentar o quanto são


subjetivas as questões elencadas nesse artigo. Muito embora esteja prevista
a quantidade das penas para cada tipo penal, o parâmetro inicial é dado pelo
magistrado que está julgando o caso.

Assim, o juiz começa a dar importância não somente para o tipo penal
reprovado pela sociedade, mas para o comportamento da vítima e do acusado
para o caso, os antecedentes criminais do mesmo etc., dando uma certa
proporcionalidade à conduta delitiva e à pena aplicada.

Então, ao mesmo tempo em que o juiz está adstrito às leis penais, também
pode fazer suas “opções”, suas escolhas que melhor se adequarem a cada caso,
havendo assim uma discricionariedade juridicamente vinculada à lei penal.

80
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

Havendo a lei e a aplicação ao caso em concreto, entra-se na última fase da


individualização da pena, que é a fase executória ou administrativa.

A CRFB 1988 é explícita em alguns aspectos com relação à individualização


da pena na fase executória, como já foi citado anteriormente, através dos incisos
XLVI, XLVIII, L do art. 5º.

Com a proteção de tais direitos, resta claro que a pena no Brasil não
possui o conceito eminentemente retributivo, mas também elenca o atributo da
ressocialização do acusado.

Atividade de Estudos:

Explique, resumidamente:

1) O que é o princípio da individualização da pena?


____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2) O que é o princípio da pessoalidade?


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____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

3) O que é o princípio da culpabilidade?


____________________________________________________
____________________________________________________
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____________________________________________________

4) O que é o princípio da irretroatividade?


____________________________________________________
____________________________________________________
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____________________________________________________

81
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

5)O que é o princípio da reserva legal e com quais princípios ele se


une para formar a fundamentação do princípio da legalidade?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

LimitaÇÕes e ProiBiÇÕes na
ConstituiÇÃo: Pena de Morte,
Pena PerPétua, de Banimento, de
TraBalHos ForÇados e Penas Cruéis
À primeira vista parecem claras a limitação e a proibição da CRFB 1988,
concernentes à pena de morte, pena perpétua, de banimento, de trabalhos
forçados e penas cruéis, porém, ressalta-se que, excetuando as penas de
banimento, de trabalhos forçados e penas cruéis, a proibição e as limitações das
demais não são absolutas e sim relativas.

a) Penas cruéis, de banimento e de trabalhos forçados

Em relação às penas de banimento, de trabalhos forçados e cruéis, sua


proibição já é pacífi ca no âmbito nacional e internacional.

Desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948,


Tanto que tais
mais especifi camente no art. 5º, a proibição de “[...] tortura, nem a
proibições foram
reafirmadas na tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (DECLARAÇÃO,
“Declaração sobre 1948) já é entendimento pacífi co na comunidade internacional.
a proteção de todas
as pessoas contra a Tanto que tais proibições foram reafi rmadas na “Declaração sobre
tortura e outras a proteção de todas as pessoas contra a tortura e outras penas ou
penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes” (ONU, 1975), adotada
tratamentos cruéis,
desumanos em dezembro de 1975 pela Assembleia Geral da ONU e ainda através
ou degradantes.” da “Convenção contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis,
(ONU, 1975) desumanos ou degradantes” assinada em 1984 também na ONU.

Não obstante, fi cou em nossa CRFB de 1988, que ratifi cou as convenções

82
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

assinadas anteriormente no seu art. 50º, inciso XLVII alíneas “c”, “d” e “e”, como
também no inciso III do mesmo artigo. Vejamos:

Art. 50 [...]

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento


desumano ou degradante; [...]

XLVII – não haverá penas: [...]

c) de trabalho forçado;
d) de banimento;
e) cruéis. (BRASIL, 1988).

Ainda com relação às penas de banimento, de trabalhos forçados e


cruéis, é importante observar duas situações. A primeira é que a legislação e a
jurisprudência não admitem exceções, como pode ser verifi cado nas penas de
morte e de caráter perpétuo e que serão mais bem explanadas posteriormente.
A segunda situação refere que todo o art. 5º é cláusula pétrea, ou seja, tais
prerrogativas de proibição de penas cruéis não poderão ser objeto de deliberação
pelo poder legislativo, somente havendo a possibilidade de modifi cação através de
um poder constituinte originário, ou seja, com uma nova constituição, pensamento
este que pode ser considerado relativo, visto que o Brasil assinou e ratifi cou
convenções internacionais sobre a matéria e possui responsabilidades perante a
comunidade internacional.

b) Pena de morte

Quanto à pena de morte, a proibição é relativa na legislação pátria. O art. 5º,


inciso XLVII, alínea “a” da CRFB 1988, deixa clara essa relatividade:

“Art. 5º [...] XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra
declarada, nos termos do art. 84, XIX” (BRASIL, 1988).

Então, a relatividade da pena de morte no Brasil é aludida quando o texto


constitucional autoriza referida pena capital em caso de guerra declarada. O art.
84, inciso XIX, possui o seguinte texto:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


[...]

XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira,


autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por
ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas,
e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a
mobilização nacional. (BRASIL, 1988).

83
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

Portanto, a pena de morte em tempos de guerra pode ser utilizada


A pena de morte
em nossa legislação pátria, mas para crimes civis ela permanece
em tempos de
guerra pode ser expressamente proibida.
utilizada em nossa
legislação pátria, Essa proibição não é recente. No ordenamento jurídico pátrio a
mas para crimes pena de morte já não é mais utilizada ofi cialmente desde 1889, quando
civis ela permanece foi proclamada a República, mas de fato ela não vinha sendo mais
expressamente
executada desde 1876, quando a justiça civil brasileira condenou à
proibida.
morte um escravo no estado de Alagoas.

É certo que a posteriori e, principalmente, no período de ditadura militar,


surgiu legislação admitindo a pena de morte no Brasil (a Constituição do Estado
Novo, de 1937, admitiu a instituição da pena de morte em lei infraconstitucional e
a Lei de Segurança Nacional de 1969 permitiu que alguns militares de esquerda
fossem condenados à morte, mas o Superior Tribunal Militar comutou a pena de
morte para a prisão perpétua). No entanto, em nenhuma ocasião tal pena chegou
a ser executada, muito embora se saiba que muitas pessoas foram executadas
sem o devido julgamento. Não se pode dizer que elas foram condenadas à
morte por algum tribunal, mas sim pelas barbáries que o regime ditatorial impôs
na época.

Assim, atualmente, para os crimes cometidos por civis fora de tempo de


guerra é vedada a pena de morte, consoante o disposto na CRFB 1988. Não
obstante, por ser cláusula pétrea, sua modifi cação não pode ser sujeito de
deliberação de emenda constitucional no Congresso Nacional, salvo se for para
benefi ciar o réu, ou seja, tão somente para discutir a exceção que autoriza a pena
de morte no Brasil nos tempos de guerra.

É cediço que c) Pena de caráter perpétuo


muito embora
tenha esse caráter
A pena de caráter perpétuo nada mais é que o encarceramento de
“para o resto da
vida”, na prática um indivíduo para o resto de sua vida.
os indivíduos
condenados ficam É cediço que muito embora tenha esse caráter “para o resto
em média vinte da vida”, na prática os indivíduos condenados fi cam em média vinte
e cinco anos e cinco anos detidos e após são liberados, desde que continuem
detidos e após são
com bom comportamento perante a sociedade. Assim, na verdade,
liberados, desde
que continuem pode-se afi rmar que a prisão perpétua hoje é uma prisão por prazo
com bom indeterminado, não atingindo, portanto, toda a vida do condenado.
comportamento
perante a No Brasil, consoante o disposto no art. 5º, inciso XLVII, alínea
sociedade. “b”, resta vedada no âmbito do território nacional a pena de caráter

84
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

perpétuo. A título de conhecimento, a pena máxima permitida no Brasil de privativa


de liberdade é de 30 (trinta) anos, segundo o art. 75 do Código Penal.

Observa-se que o constituinte, diferentemente do que ocorre com a pena de


morte, não previu nenhuma exceção, visto que se considera a prisão perpétua
uma punição mais gravosa que a pena de morte, pois, diversamente desta, a
prisão perpétua é uma punição continuada, perene e aniquila qualquer perspectiva
ou esperança de liberdade do condenado.

Assim, diante da ausência de exceção concernente à prisão perpétua,


à primeira vista pode-se concluir que a proibição é absoluta para esse tipo de
punição dentro do ordenamento jurídico brasileiro. De fato, torna-se a proibição
absoluta para o Estado no que concerne aos crimes cometidos no âmbito
nacional, em que não se verifi ca a competência do Tribunal Penal Internacional
estabelecida no art. 5º do Estatuto de Roma.

No entanto, denota-se a relatividade da proibição da pena perpétua quando


se passa a analisar os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional,
pois, segundo o Estatuto de Roma no art. 77.1, alínea “b” há a previsão da prisão
perpétua “[...] se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do
condenado o justifi carem”.

Nessa senda, abre-se a discussão se o Estatuto de Roma seria


inconstitucional perante a legislação pátria, em vista da previsão da prisão
perpétua em seu texto e a norma constitucional não atribuir qualquer exceção
para esse tipo de punição.

Ocorre que a presente situação não pode ser considerada inconstitucional,


visto que a Constituição Federal atribui regramentos para o direito interno do país,
não podendo, portanto, obrigar instituições internacionais ou outros países a ter
que seguir o mesmo regramento; foi opção brasileira a ratifi cação do Estatuto
de Roma sem nenhuma ressalva e não obstante o art. 5o, §4o da CRFB 1988
estabelece que:

“§4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja


criação tenha manifestado adesão.”.

Assim, não há como o Estado brasileiro negar a jurisdição e a competência


do Tribunal Penal Internacional, que possui competência para crimes de
relevância mundial / humanitária transcendendo as fronteiras, e a competência
do direito interno brasileiro. Assim sendo, o objeto delituoso está fora do alcance
da legislação pátria e a punição não poderá fi car adstrita, tão somente, às normas
do direito interno brasileiro. Com isso se verifi ca que o Estatuto de Roma em

85
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

nada afronta a Constituição brasileira, pois transcorre de crimes com relevância


extraterritorial, atraindo a competência para o Tribunal Penal Internacional, ao
qual o Brasil deve submissão em prol do bem-estar da humanidade.

Não obstante, embora seja aceita a jurisdição do Tribunal Penal Internacional


no ordenamento jurídico pátrio, a execução da pena de prisão perpétua resta
impossível no território brasileiro, visto que no Brasil não há estabelecimentos
carcerários próprios para o recebimento desse tipo de condenado e, no mais, a
legislação pátria veda expressamente o encarceramento superior a trinta anos.
Assim, em uma provável condenação de um cidadão brasileiro pelo Tribunal
Penal Internacional à prisão perpétua, deverá o condenado ser transferido para
algum país que já possua estabelecimento próprio para prisioneiros punidos à
prisão perpétua.

Conclui-se, portanto, que no entendimento do legislador e jurista, em se


tratando de condenações internas, a proibição da prisão perpétua é absoluta.
Mas, quando se atribui a competência para o Tribunal Penal Internacional, essa
proibição pode ser relativa, posto que no Estatuto de Roma está prevista a
aplicabilidade dessa pena para os crimes mais graves. No entanto, a execução
da pena de prisão perpétua nunca poderá ser executada no Brasil, visto que o
ordenamento jurídico pátrio veda o encarceramento de um indivíduo por mais de
30 (trinta) anos.

Atividade de Estudos:

1) Explique por que a proibição da pena de morte e da pena perpétua


no Brasil é relativa.
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86
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

AlGumas ConsideraÇÕes
Ao concluir o estudo do capítulo é possível chegar a algumas considerações
muito pertinentes ao direito penal.

No que tange ao direito e às garantias constitucionais, pode-se afi rmar


que direitos constitucionais são o suporte da parte do direito penal material e as
garantias constitucionais aludem ao processo penal. Signifi ca dizer que a pena
à pessoa do condenado não pode infringir os princípios estabelecidos, sejam
aqueles ligados diretamente aos direitos, ou sejam aqueles ligados diretamente às
garantias, pois os princípios expostos na constituição estão disciplinados na parte
que não pode ser modifi cada pelas vias simples da forma legislativa. Signifi ca
dizer que são cláusulas pétreas, não podendo ser modifi cadas.

No que se refere especifi camente aos princípios constitucionais, foram


apresentados o principio da legalidade, da culpabilidade, da intervenção mínima,
da humanidade, da pessoalidade e da individualização da pena.

O princípio da legalidade se subdivide em três partes: a reserva legal, que


garante que alguém somente pode ser processado e condenado por crime quando
há uma prévia classifi cação desse fato social como delito e quando também há
uma prévia cominação de pena para esse delito. O princípio da determinação
taxativa sustenta que a norma penal incriminadora deve ser clara, certa e precisa,
não deixando margem a ambiguidades, obscuridades ou dúvidas. O princípio
da irretroatividade sustenta que a lei somente pode atingir os fatos posteriores
à vigência desta, vedando o processamento e a condenação dos fatos ocorridos
antes de sua entrada em vigor no ordenamento jurídico.

O princípio da culpabilidade, ou da responsabilidade subjetiva, como também


é conhecido, tem sua origem nas legislações mais antigas, e se caracteriza na
vontade do agente em querer o resultado dito como delituoso.

O princípio da intervenção mínima é identifi cado como um princípio limitador


ao poder discricionário do Estado, visto que delimita o direito penal como último
recurso a ser utilizado para a resolução de confl itos sociais. É dirigido ao legislador,
ao qual se exige que tenha cautela em eleger condutas que sejam relevantes
criminalmente e também é dirigido ao operador do direito, ao qual aconselha que
não seja tipifi cada penalmente a conduta do agente quando for possível aplicar
outros ramos menos agressivos do direito.

O princípio da humanidade está eminentemente vinculado ao cumprimento


das penas privativas de liberdade; vincula o respeito e proteção à dignidade da
pessoa humana e às normas que disciplinam a prisão processual.
87
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

O princípio da pessoalidade determina que a pena é personalíssima e


intransferível, devendo ser cumprida tão somente pelo agente do crime, visto que
a pena é uma questão retributiva quanto ao delito praticado, e não uma forma de
reparação do mesmo.

O princípio da individualização da pena tem objetivo retributivo e deve ser


específi co ao agente criminoso, pois também traz o atributo da ressocialização.

Quanto às limitações e proibições de penas na Constituição, dispostas no


artigo 5o, III, “que proíbe a tortura, o tratamento desumano ou degradante”, e
no XLVII, que disciplina que não haverá: pena de morte, perpétua, de trabalho
forçado, de banimento e cruéis, não são ao todo absolutas, pois a pena de morte
pode ser aplicada nos caso do artigo 84 da CF e a de prisão perpétua, por força
do Estatuto Internacional de Roma, também pode ser adotada para cidadãos
brasileiros, desde que a cumpram fora do território brasileiro.

Assim, caro(a) pós-graduando(a), será necessário buscar sempre novas


informações e fundamentações para defender o direito à dignidade da pessoa
humana, pois só assim haverá a prática da Justiça.

ReFerÊncias
BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Emendas constitucionais de revisão. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 13ª edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 2009. v.1.

CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria Constitucional do Direito Penal:


contribuições a uma reconstrução da Dogmática Penal 100 anos depois. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

CUNHA, Maria da Conceição Pereira da. Constituição e Crime. Uma


perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Editora
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DECLARAÇÃO de Direitos do Homem e do Cidadão. França, 26 de Agosto


de 1789. Disponível em: <http://www.unifebe.edu.br/siteprofessor/rvh/textos/
Declaracao_Direitos_Homem_Cidadao.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2011.

88
Capítulo 3 DIREITO PENAL CONSTITUCIONAL

DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela


resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de
dezembro de 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/
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LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15 ed. São Paulo:


Saraiva, 2011.

LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. São


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LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. Porto Alegre: Sergio Antonio


Fabris, 2003.

ONU. Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra a Tortura e


Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Aprovada
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Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/tortura/lex222.htm>.
Acesso em: 26 ago. 2011.

STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade


da função investigatória do Ministério Público. 3 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2006.

STRECK, Maria Luiza Schäfer. Direito Penal e Constituição: a face oculta da


proteção dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2009.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal


Brasileiro. v. 1 – Parte Geral. 7. ed. São Paulo: RT, 2007.

89
C APÍTULO 4
As Normas Penais em Processos
Judiciais e Inquéritos Policiais

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender o processo penal e o inquérito policial consoante


as normas processuais.

 Analisar os processos judiciais e os inquéritos policiais levando em conta a


atual legislação pátria.
92
Capítulo 4 AS NORMAS PENAIS EM PROCESSOS
JUDICIAIS E INQUÉRITOS POLICIAIS

ConteXtualiZaÇÃo
O processo penal no Brasil, desde o período colonial até os dias atuais, teve
signifi cativas transformações procedimentais.

No início do Brasil colônia, havia a forte infl uência das ordenações. Estas
continham um procedimento sumário no qual o réu não precisava ser citado, não
se seguia qualquer solenidade, as testemunhas não precisavam ser ouvidas em
juízo. Assim o réu podia ser condenado e ter sua sentença executada de imediato.
O procedimento sumário era aplicado para os crimes considerados graves,
sodomia-homossexualismo, assalto à mão armada e outros que o rei considerasse
graves. Assim, por exemplo, se o assaltante à mão armada fosse encontrado, era
já executado. Naquele modelo processual presidia a presunção de culpa. Para se
chegar à presunção de inocência decorreram séculos.

O capítulo que você vai estudar não tem o condão de exaurir os pormenores
históricos, mas certamente lhe dará subsídios para compreender a evolução do
modelo acusatório no processo penal.

Na parte das normas penais judiciais será possível entender a função do


Inquérito Penal e como são instauradas as diferentes formas de ação penal
existentes no ordenamento brasileiro.

As dúvidas que restarem a você, pós-graduando(a), poderão ser sanadas no


estudo da parte especial do direito penal.

Modelo Acusatório no Processo


Penal
Diante da evolução histórica do processo penal é possível verifi car o surgimento
de três sistemas processuais: o sistema inquisitivo, o acusatório e o misto.

O sistema inquisitivo surgiu no direito romano, alastrando-se por


O sistema inquisitivo
todo o continente europeu a partir do século XV, com forte infl uência
surgiu no direito
da Igreja, e entrando em declínio somente após a Revolução romano.
Francesa. Caracteriza-se pela ausência de regras como igualdade e
liberdade processual. O juiz poderia iniciar um processo de ofício, que
normalmente era secreto e escrito, sendo que a confi ssão era prova sufi ciente
para a condenação, além de permitir a tortura em face do acusado, para assim
poder arrancar sua confi ssão, ou seja, permitia a utilização de todos os meios de
provas, mesmo os que hoje são considerados ilícitos.
93
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

O sistema acusatório teve início na Grécia e em Roma, já no


O sistema
direito moderno, estabeleceu igualdade entre as partes, ou seja, entre
acusatório teve
início na Grécia e acusador e réu. Estabeleceu também, com o intuito eminentemente
em Roma. de julgar a lide, um agente imparcial, qual seja, o Juiz, que passou a
ser uma pessoa diferente daquela que acusa, sendo vedado ao Juiz
iniciar o processo. Esse início cabe à parte acusadora, que poderá ser
o ofendido ou o representante legal deste, qualquer pessoa ou um órgão estatal;
reconhece o contraditório como garantia do cidadão; o processamento é público,
além de poder ser oral ou escrito. Atualmente é adotado na maioria dos países da
Europa e América.

O sistema misto, também conhecido como acusatório formal, é formado


pela junção dos dois sistemas anteriores, nos quais geralmente a investigação
e a instrução preliminar são realizadas por uma instrução inquisitiva, enquanto
o julgamento é realizado por um juízo contraditório. Teve início em 1670, com as
reformas da Ordenança Criminal de Luiz XIV, mas no século XIX se espalhou pela
Europa continental, principalmente na época de Napoleão e a Code d’Instruction
Criminelle, de 1808. Atualmente, ainda muitos países da Europa possuem o
sistema processual misto em seu ordenamento jurídico, como ocorre também
com a Venezuela, aqui na América Latina.

No ordenamento jurídico brasileiro, a partir da Constituição da


Constituição República Federativa do Brasil de 1988 adotou-se o sistema processual
da República
acusatório, expressamente elencado nos incisos LIII, LIV, LV, LVI, LVII,
Federativa do
Brasil de 1988 LIX, LX do art. 5º e art. 129, inciso I.
adotou-se o
sistema processual Diante disso, estabeleceu-se no ordenamento jurídico pátrio:
acusatório.
• o contraditório e a ampla defesa: princípio constitucional já
tipifi cado no Código de Processo Penal, nos arts. 261 c/c 263, esse
princípio estabelece também a igualdade e a liberdade processual do acusado
perante os fatos que lhe estão sendo imputados, oportunizando assim uma
defesa concisa e um contraditório justo;

• devido processo legal e sua publicidade: o devido processo legal atrai


como consequência o contraditório e a ampla defesa, pois, para que haja uma
condenação, o acusado deverá primeiramente ser processado, defender-se
e contradizer os fatos e o crime que lhe é imputado. Tal processo em regra
é público, em decorrência do princípio da publicidade do processo penal,
segundo o art. 792 do CPP, no entanto poderá ser restrito a um número limitado
de pessoas, quando o juiz verifi car as hipóteses do §1º, do art. 792 do CPP;

• o julgamento por um órgão imparcial e a acusação por um órgão diverso

94
Capítulo 4 AS NORMAS PENAIS EM PROCESSOS
JUDICIAIS E INQUÉRITOS POLICIAIS

daquele que julga: nesse sentido, pode-se verifi car o princípio da ofi cialidade,
em que o Estado cria órgãos para averiguar a persecução penal diversa do
órgão que analisará e julgará o caso. Em consequência disto, verifi ca-se para
esses órgãos o princípio da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal,
pelo qual os mesmos são obrigados a investigar, processar e julgar os fatos
penalmente relevantes, para garantir a ordem pública da sociedade, sendo
que a desistência da ação somente é possível mediante decisão judicial
devidamente fundamentada.

• a presunção de inocência, salvo prova em contrário: o princípio da


presunção de inocência é uma garantia constitucional que garante ao acusado
uma condenação somente em caso de certeza da autoria e materialidade
do fato criminoso imputado a ele, visto que, em caso de dúvida, prevalece o
“indubio pro reo”, ou seja, a favor do acusado. Da mesma forma, o processo
penal se deve estabelecer pela verdade dos fatos, ou melhor, a verdade
real, podendo até mesmo o juiz suscitar outras provas em caso de dúvida,
conforme o art. 156 do CPP.

• as provas a serem produzidas apenas pelas partes: conhecido também


como princípio da iniciativa das partes, em que o processo somente pode ser
impulsionado e as provas produzidas pelas partes e não pelo órgão julgador.

Assim, diante do que preconiza a CRFB 1988, resta impossível imaginar que
o Brasil adotou sistema diverso do acusatório, no entanto, a Lei nº 11.690, de
09/06/2008, reformou vários dispositivos do Código de Processo Penal, dentre
eles o art. 156, relacionado às provas do processo penal, estabelecendo como
redação o seguinte:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fi zer, sendo,


porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção


antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
observando a necessidade, adequação e proporcionalidade
da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir


sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre
ponto relevante. (BRASIL, 2008).

Verifi ca-se nessa reforma que foram abordadas características


eminentemente do sistema inquisitivo, em que se pode observar a iniciativa
probatória do magistrado, podendo o mesmo requerer provas, até mesmo antes
da ação penal. Reforça-se assim a infl uência do magistrado na instrução da
causa, prejudicando, portanto, a igualdade das partes, o contraditório etc.

95
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

Além do mais, diante do princípio da presunção de inocência, as provas


devem ser trazidas pela parte acusadora (Ministério Público, ofendido ou seu
representante legal), não devendo o magistrado assumir esse papel, que na
verdade colocaria em dúvida sua imparcialidade.

Embora seja clara a inconstitucionalidade do art. 156 do Código de Processo


Penal, tal arguição ainda não foi requerida ao Supremo Tribunal Federal. Esse
dispositivo legal ainda se encontra presente em nosso ordenamento jurídico,
por isso, aduzir que no Brasil, atualmente, o processo penal possui um sistema
absolutamente acusatório, diante do que preconiza a CRFB 1988, já não pode
ser confi rmado, mas quem sabe aludir a um sistema processual misto com maior
infl uência do sistema acusatório, já se pode chegar mais próximo da realidade
brasileira atual, diante da mudança no Código de Processo Penal transcorrida no
ano de 2008, pela Lei nº 11.690/2008.

As Normas Penais em Inquéritos


Policiais e Processos Judiciais
Sobre este tema, vamos abordar os seguintes aspectos: inquérito policial e
as ações penais no ordenamento jurídico brasileiro.

a) Inquérito Policial

Procedimento tipifi cado do art. 4º ao art. 23 do Código de


inquérito policial é
um procedimento Processo Penal (CPP), o inquérito policial é um procedimento escrito,
escrito, independente e tem suas peças sigilosas. É destinado a reunir os
independente e elementos necessários para a verifi cação de uma prática delituosa e a
tem suas peças autoria da mesma. Portanto, trata-se de um procedimento administrativo
sigilosas. É
destinado a reunir preliminar de uma possível ação penal, de intuito provisório, preparatório
os elementos e informativo, em que se colhem provas que numa possível ação penal
necessários para a seria difícil colher na instrução processual judicial.
verificação de uma
prática delituosa e a
autoria da mesma. Pode-se concluir, portanto, que a persecução penal no
ordenamento jurídico brasileiro é exercida pelo Ministério Público e
pela polícia judiciária através do inquérito policial, iniciado de ofício, por
requisição do Ministério Público ou a requerimento do ofendido ou de alguém que
possa representá-lo, conforme art. 5º do CPP.

96
Capítulo 4 AS NORMAS PENAIS EM PROCESSOS
JUDICIAIS E INQUÉRITOS POLICIAIS

Segundo Julio Fabbrini Mirabete (2006, p. 57):

“[...] à Polícia cabem duas funções: a administrativa (ou


de segurança) e a judiciária. Com a primeira, de caráter
preventivo, ela garante a ordem pública e impede a prática de
fatos que possam lesar ou pôr em perigo os bens individuais e
coletivos; com a segunda, de caráter repressivo, após a prática
de uma infração penal recolhe elementos que o elucidem para
que possa ser instaurada a competente ação penal contra os
autores do fato.”

Existem duas formas de a autoridade policial receber a notícia do crime


(notitia criminis): a espontânea, quando a autoridade policial está no exercício da
função e fl agra algum ato criminoso, e a provocada, que é para as demais causas
previstas na legislação processual penal, consubstanciada no art. 5º do CPP.

Diante dos crimes de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial


fi ca obrigada a instaurar o inquérito policial e, uma vez regularmente instaurado,
também resta indisponível, ou seja, a autoridade policial não poderá arquivar os
autos de ofício.

Já na ação penal pública condicionada, a representação, e na ação penal


privada, a instauração do inquérito policial somente serão possíveis com o animus
(intenção) da vítima, ou, conforme o caso, pelo Ministro da Justiça.

A representação criminal pelo Ministro da Justiça se dará nas


hipóteses de crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora
do Brasil, contra a honra do presidente da república ou chefe de
governo de outro Estado ou quando além dessas pessoas, outras
autoridades, quando praticados através da imprensa. (Art. 7º, §3º, b,
do Código Penal; Art. 145, parágrafo único do Código Penal e; Art. 23,
I, combinado com art. 40, I, a, da Lei de Imprensa; respectivamente).

A competência para se abrir o inquérito policial se dá pela regra do ratione


loci, ou seja, o lugar onde se consumou o ato delitivo abrangido pela circunscrição
da autoridade policial, no entanto a competência poderá ser dada também por
ratione materiae, ou seja, em razão da matéria, tendo em vista que muitas cidades

97
História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

já possuem delegacias especializadas em certos tipos penais, como por exemplo:


da criança e do adolescente, da mulher, homicídios etc.

Por não ser parte do processo, mas sim um procedimento administrativo


meramente informativo, os possíveis vícios dos inquéritos policiais não servem de
fundamentação para possíveis nulidades processuais; poderá haver a inefi cácia
do ato no caso de uma prisão em fl agrante irregular, por exemplo, mas quanto à
ação penal, seus vícios não a atingem.

Encerradas as investigações, a polícia judiciária fará minucioso relatório do


que foi apurado, sem qualquer manifestação de juízo subjetivo, ou seja, de forma
totalmente objetiva e imparcial, enviando assim os autos ao juiz competente para
a abertura ou não da ação penal.

O inquérito policial, segundo o Código de Processo Penal no seu art. 10,


deverá ser concluído em 10 (dez) dias para o indiciado preso e 30 (trinta) dias para
o indiciado solto, podendo este último prazo ser prorrogado por igual período. No
entanto, é importante salientar que há leis especiais que indicam prazos diversos
para a conclusão do inquérito policial, como por exemplo:

• Nos crimes contra a economia popular: 10 (dez) dias para indiciado preso ou
solto (art. 10, §1º da Lei n. 1.521/1951);

• Nos inquéritos da polícia federal: 15 (quinze) dias para indiciado preso,


podendo o prazo ser prorrogado por igual período (art. 66 da Lei nº
5.010/1966);

• Nos inquéritos militares, prazo de 20 (vinte) dias para indiciado preso e 40


(quarenta) dias para indiciado solto, podendo este último caso ser prorrogado
por mais 20 (vinte) dias (art. 20 do Decreto-lei nº 1.002/1969);

• Nos crimes da lei de drogas: prazo de 30 (trinta) dias para indiciado preso e
90 (noventa) dias para indiciado solto (art. 51 da Lei nº 11.343/2006).

O arquivamento do inquérito policial somente poderá ser feito pelo juiz,


mediante requerimento do Ministério Público, o qual avaliará a existência ou não
de elementos sufi cientes que possam sustentar a acusação.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo:


Atlas, 2006. p. 56 – 84.

98
Capítulo 4 AS NORMAS PENAIS EM PROCESSOS
JUDICIAIS E INQUÉRITOS POLICIAIS

b) As ações penais no ordenamento jurídico brasileiro

A ação penal é:

[...] o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito


penal objetivo a um caso concreto. É também o direito
público subjetivo do Estado - Administração, único titular do
poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação
do Direito Penal objetivo, com a consequente satisfação da
pretensão punitiva. (CAPEZ, 2009, p. 540).

A ação penal é uma resultante das garantias individuais que


tornam o jus puniendi um direito de coação indireta, em virtude
de ninguém poder ser condenado a uma sanção penal a não
ser através da sentença judiciária. É o jus persequendi, ou jus
accusationis, a investidura do Estado no direito de ação, que
signifi ca a atuação correspondente ao exercício de um direito
abstrato, qual seja, o direito à jurisdição. (MIRABETE, 2006,
p. 89).

É um direito autônomo, abstrato, subjetivo e público. Autônomo, pois, não


se confunde com o direito material que pretende defender. Abstrato, visto que
se concentra no processamento e julgamento do fato antijurídico, independendo
assim do resultado fi nal do processo, se será a absolvição ou a condenação do
acusado. Subjetivo, porque depende de pró-atividade do titular para requerer do
Estado-Juiz a prestação jurisdicional. Público, visto que a atividade jurisdicional é
de natureza pública. Além disso, não é de interesse da sociedade a impunidade
dos agentes que cometem algum ato delitivo.

As condições genéricas da ação penal são as mesmas


As condições
encontradas no processo civil, quais sejam: a possibilidade jurídica do genéricas da
pedido, o interesse e a legitimidade para agir. ação penal são
as mesmas
A possibilidade jurídica do pedido diz respeito à análise se o fato encontradas no
em concreto constitui crime à luz do ordenamento jurídico pátrio, visto processo civil,
quais sejam: a
que fatos que ainda não estejam tipifi cados como crimes não podem
possibilidade
ser objetos de ação penal, atendendo ao princípio da legalidade, jurídica do pedido,
conforme já estudado, portanto, haverá possibilidade jurídica do o interesse e a
pedido para os casos que já são previstos como crime e possuem sua legitimidade para
respectiva sanção penal. agir.

O interesse de agir, por sua vez, vincula-se a três aspectos: a necessidade, a


utilidade e a adequação. A necessidade concentra-se no processo penal, visto que
é impossível impor alguma sanção penal sem o devido processo legal, tanto que,
em caso de extinção da punibilidade do acusado, a denúncia não será recebida,
posto que a via processual não seja mais necessária. A utilidade alude à efi cácia

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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

do processo para a satisfação fi nal dos pedidos do autor. Já quanto à adequação,


seria a aplicação da legislação pátria e da sanção penal, seguindo os parâmetros
do devido processo legal.

Em relação à legitimidade para agir, tanto ativa quanto passivamente,


verifi ca-se essa situação quando é possível observar os titulares dos interesses
materiais em confl ito. Digam-se interesses materiais em confl ito o direito de punir,
a pretensão punitiva e o direito à liberdade.

A legitimação ativa é exercida pelo Estado, no entanto, a lei considera


algumas exceções para que a vítima exerça tal papel, através das ações
privadas, muito embora ela esteja representando os interesses do Estado. Já a
legitimidade passiva é exercida por toda pessoa suspeita de ter cometido alguma
prática delitiva.

Embora seja matéria de direito processual penal, a ação penal tem seus
regramentos básicos nos arts. 100 a 106 do Código Penal.

No artigo 100 do Código Penal, podem-se identifi car os tipos de ações penais
disciplinadas no ordenamento jurídico brasileiro:

• Ação penal pública incondicionada

É a ação penal que independe do animus da vítima ou acusado para o seu


prosseguimento, visto que a legitimidade ativa da presente ação é do
Ação penal que Ministério Público, que possui a obrigatoriedade quanto à propositura
independe do da ação a partir do momento em que possui indícios sufi cientes da
animus da vítima ou autoria e materialidade do crime.
acusado para o seu
prosseguimento,
visto que a Outra característica da ação penal pública incondicionada é a
legitimidade ativa sua indisponibilidade. O Ministério Público não pode desistir da ação
da presente ação penal proposta, posto que seria incoerente admitir a obrigatoriedade
é do Ministério da ação penal, concomitantemente com a possibilidade de desistência
Público, que possui da mesma. Vale ressaltar que o Ministério Público pode pedir o
a obrigatoriedade
arquivamento da ação penal, no entanto, tal pedido deverá ser
quanto à
propositura da ação fundamentado e será analisado pelo juiz, que por sua vez julgará se o
a partir do momento pedido procede.
em que possui
indícios suficientes Além disso, a persecução penal fi cou sob a responsabilidade
da autoria e dos órgãos ofi ciais públicos, tanto da autoridade policial no âmbito
materialidade do
extrajudicial, quanto do membro do Ministério Público no âmbito judicial,
crime.
evidenciando assim o princípio da ofi cialidade, visto que somente esses

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Capítulo 4 AS NORMAS PENAIS EM PROCESSOS
JUDICIAIS E INQUÉRITOS POLICIAIS

órgãos possuem fé pública e pressupõem a imparcialidade nas investigações


criminais, devendo essas pessoas agir de ofício, quando do conhecimento de fato
penalmente relevante.

Ainda resta observar uma situação que é um pouco controvertida na


doutrina, com relação à divisibilidade ou indivisibilidade da ação penal pública
incondicionada. Segundo Capez (2009, p. 546), referida ação é indivisível, visto
que a ação deve abranger todos aqueles que cometeram a infração, não podendo
o Ministério Público escolher em face de quem entrará com a ação penal.

Já para Mirabete (2006, p. 98), a ação penal pública incondicionada é


divisível, pois o processo pode ser desmembrado, visto que o Ministério Público
pode fazer o aditamento da denúncia quando verifi car que há maiores indícios
de autoria e materialidade para os demais suspeitos que não foram inicialmente
denunciados.

O STJ já decidiu desta forma:

‘O fato de o Ministério Público deixar de oferecer denúncia


contra quem não reconheceu a existência de indícios de
autoria na prática do delito, não ofende o princípio da
indivisibilidade da ação penal, pois o princípio do art. 48 do
CPP não compreende a ação penal pública, que, não obstante,
é inderrogável’ (RSTJ, 23/145 in: CAPEZ, 2009, p. 547).

Por fi m, vale observar a intranscendência da ação penal pública


incondicionada, que na verdade é uma característica de qualquer ação penal,
que estabelece que atividade jurisdicional somente pode ser exercida em face da
pessoa a quem se imputa a prática delituosa, não podendo ser responsabilizada
qualquer outra pessoa por esse ato.

• Ação penal pública condicionada à representação

Nesta, o Ministério Público ainda continua sendo titular da


ação, mas somente poderá dar continuidade à mesma se houver a O Ministério
Público ainda
autorização do ofendido ou seu representante legal, visto que os crimes
continua sendo
elencados nesse patamar atingem profundamente o íntimo da vítima, titular da ação, mas
restando a ela a escolha para o prosseguimento da ação penal ou não. somente poderá
Ocorre que nem mesmo o inquérito policial poderá ser instaurado sem dar continuidade à
a anuência da vítima ou representante legal da mesma. mesma se houver
a autorização do
ofendido ou seu
No entanto, após a representação ter sido feita pelo ofendido ou
representante legal.
representante legal, o Ministério Público assume incondicionalmente o

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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

processo, ou seja, a vítima não poderá se retratar e o processo será levado até o
fi m, diante do princípio da indisponibilidade.

Os crimes que dependem de representação estão expressamente elencados


no Código Penal brasileiro, sendo que o prazo é de apenas 6 (seis) meses (exceto
os crimes de imprensa, cujo prazo é de três meses) para se fazer a representação
criminal. A representação não necessita de qualquer formalidade, podendo ser
requerida inclusive verbalmente, desde que, é claro, seja levada a termo pela
autoridade competente.

• Ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça

Não diferente das anteriores, o Ministério Público é ainda o titular


O Ministério Público
da ação, no entanto, ao invés de a representação ser do ofendido ou de
é ainda o titular da
ação, no entanto, seu representante legal, cabe ao Ministro da Justiça a requisição para
ao invés de a a investigação a partir da qual o Ministério Público pode prosseguir com
representação ser a ação na investigação, processamento e julgamento do ilícito penal.
do ofendido ou de
seu representante A requisição do Ministro da Justiça não obriga o Ministério Público
legal, cabe ao
a abrir a ação, mas esta se submete ao princípio da obrigatoriedade.
Ministro da Justiça
a requisição para
a investigação a Conforme visto no capítulo anterior, são poucos os delitos
partir da qual o que dependem de requisição do Ministro da Justiça e, segundo
Ministério Público entendimento majoritário, o prazo decadencial perdura enquanto não
pode prosseguir estiver extinta a punibilidade do agente, e por ser pública, a requisição
com a ação na
também é irretratável, até mesmo porque a lei não prevê a possibilidade
investigação,
processamento e de revogá-la.
julgamento do
ilícito penal.
• Ação penal privada exclusiva

Também conhecida como principal, ou propriamente dita, este


Ação penal privada
tipo de ação penal privada será proposta somente pelo ofendido ou
será proposta
somente pelo representante legal, ou seja, o Estado transfere a legitimidade ativa à
ofendido ou vítima, em parte, pois o direito de punir o acusado ainda permanece
representante legal. com o Estado, que é o único detentor desse direito.

Assim a ação penal privada possui como um de seus princípios


a oportunidade ou conveniência, ou seja, o ofendido terá a faculdade de propor
ou não a ação penal, no entanto, deverá propor obrigatoriamente contra todos
os autores do delito, prevalecendo, portanto, a indivisibilidade da ação penal
privada. Assim sendo, o perdão de um a todos alcança, ou seja, se o ofendido

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Capítulo 4 AS NORMAS PENAIS EM PROCESSOS
JUDICIAIS E INQUÉRITOS POLICIAIS

quiser desistir da ação, deverá desistir dela por inteiro e não apenas em relação
a algum agente do delito, observando dessa forma na ação penal privada o
princípio da disponibilidade.

• Ação penal privada personalíssima

Referida ação somente pode ser proposta pelo ofendido, sem


Referida ação
possibilidade de qualquer representação, seja por incapacidade civil
somente pode
ou mental. Atualmente, o único caso previsto é com relação ao art. ser proposta pelo
236 do Código Penal, referente ao induzimento de erro essencial ofendido, sem
e ocultação de impedimento, em que o titular da ação é somente a possibilidade
pessoa enganada. Antigamente, havia também o adultério como ação de qualquer
penal privada personalíssima, mas como é cediço, tal dispositivo foi representação, seja
por incapacidade
revogado no ordenamento jurídico pátrio.
civil ou mental.

• Ação penal privada subsidiária da ação pública

Este tipo de ação somente é cabível em caso de inércia do


Ministério Público nas ações penais públicas quanto à apresentação
Pode ser intentada
da denúncia, que em regra é de cinco dias para o réu preso e de dentro do prazo
quinze para o réu solto. de seis meses
após a data do
Pode ser intentada dentro do prazo de seis meses após a data do encerramento do
encerramento do prazo da denúncia pelo ofendido ou representante prazo da denúncia
pelo ofendido ou
legal mediante queixa, em qualquer das ações penais públicas
representante legal
condicionadas ou incondicionadas, desde que se verifi que a inércia do mediante queixa.
Ministério Público.

Atividade de Estudos:

1) Qual o modelo / sistema processual penal predominante no Brasil,


segundo a CRFB 1988, e quais as fundamentações utilizadas
para se chegar a essa conclusão?
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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

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2) Quanto ao Inquérito policial, qual órgão é responsável pela


investigação e que tipo de competência, em regra, é utilizada
para a sua instauração?
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3) Regra geral, qual o prazo de conclusão do inquérito policial?


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4) Explique, resumidamente, o que é:

a) Ação Penal Pública Incondicionada.


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b) Ação Penal Pública Condicionada a Representação.


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c) Ação Penal Pública Condicionada a Requisição do Ministro da


Justiça.
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Capítulo 4 AS NORMAS PENAIS EM PROCESSOS
JUDICIAIS E INQUÉRITOS POLICIAIS

d) Ação Penal Privada Exclusiva.


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e) Ação Penal Privada Personalíssima.


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f) Ação penal Privada Subsidiária da Ação Pública.


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AlGumas ConsideraÇÕes
O Direito Penal muito evoluiu, ao longo dos tempos, e isso é mais notado na
forma como são investigados e processados os delitos penais.

O sistema processual inquisitivo passou para o acusatório, o que signifi ca


dizer, da presunção de culpa à presunção de inocência.

A forma para apurar os delitos também possui uma ritualística que favorece
a pessoa do acusado, pois os procedimentos devem seguir os dispositivos legais,
ou poderão ser considerados nulos.

Na perspectiva evolutiva em que se apresenta o sistema acusatório brasileiro,


adotado a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, seus
princípios estão bem elencados nos incisos LIII, LIV, LV, LVI, LVII, LIX, LX do art.
5º e inciso I do art. 129.

No entanto, com o advento da Lei nº 11.690 de 09/06/2008, que reformou

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História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal

vários dispositivos do Código de Processo Penal, dentre eles o art. 156,


relacionado às provas do processo penal, estabeleceram-se características
eminentemente do sistema inquisitivo, pois o magistrado pode requerer provas.
Mesmo que pareça um sistema misto, o certo é que tal interferência do magistrado
prejudica o princípio da presunção de inocência.

A nosso ver, a inconstitucionalidade do art. 156 do Código de Processo Penal


está estampada. Mas, tal arguição ainda não foi requerida ao Supremo Tribunal
Federal, circunstância que possibilita que o dispositivo continue fazendo parte
nosso ordenamento jurídico.

Porém, como os princípios constitucionais estabelecem um modelo acusatório


para o processo penal brasileiro, necessário se faz observar os procedimentos
que envolvem o referido processo.

O inquérito policial é um procedimento tipifi cado do art. 4º ao art. 23 do


Código de Processo Penal (CPP), é um procedimento administrativo destinado a
reunir os elementos necessários para a verifi cação de uma prática delituosa e a
autoria da mesma. Deve ser escrito, independente e sigiloso e tem a fi nalidade de
auxiliar com provas para uma possível ação penal.

A Autoridade Policial poderá agir de forma espontânea ou provocada, no


entanto a ação penal sempre será conduzida pelo Ministério Público. A titularidade
da Ação Penal é do Ministério Público por força de sua defi nição constitucional. No
entanto, quando os delitos não forem aqueles enquadrados na ação penal pública
incondicionada, o Ministério Público pode ser acionado pelas demais formas de
ações: a penal pública condicionada à representação e a ação penal privada.

Se, nas palavras de Capez, a ação penal é o direito de pedir ao Estado-Juiz


a aplicação do direito penal objetivo ao caso concreto, Mirabete amplia a defi nição
e afi rma que tal direito de punir deve ocorrer por meio de uma sentença judiciária.
Assim, para que haja a punição daqueles que cometeram um delito penal é
necessária a devida instauração da ação penal, que tem seus regramentos
básicos nos arts. 100 a 106 do Código Penal.

A ação penal pública condicionada independe do animus da vítima ou


acusado para o seu prosseguimento, visto que a legitimidade ativa da presente
ação é do Ministério Público, que possui a obrigatoriedade quanto à propositura
da ação a partir do momento em que possui indícios sufi cientes da autoria e
materialidade do crime. O Ministério Público não pode desistir da ação penal
proposta, posto que seria incoerente admitir a obrigatoriedade da ação penal.
Pode, no entanto, requerer seu arquivamento.

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Capítulo 4 AS NORMAS PENAIS EM PROCESSOS
JUDICIAIS E INQUÉRITOS POLICIAIS

Na ação penal pública condicionada à representação o Ministério Público


ainda continua sendo titular da ação, mas somente poderá dar continuidade
à mesma se houver a autorização do ofendido ou de seu representante legal.
Situação semelhante ocorre na ação penal pública condicionada à requisição
do Ministro da Justiça, o qual, nos crimes disciplinados no ordenamento jurídico
brasileiro, possui a competência para requerer a instauração da ação penal. Esta,
no entanto, é irrevogável.

Além das ações públicas nas quais o titular do direito de agir é do Ministério
Público, que o faz diretamente, por representação ou requisição do Ministro da
Justiça, há duas formas de ação penal privada: a exclusiva e a subsidiária da
ação pública.

Na exclusiva, ou personalíssima, a presença da vítima é elemento essencial


para que não ocorra a perempção. Na subsidiária o Ministério Público pode
intervir, aditar, apresentar denúncia substitutiva e mesmo, no caso de negligência
do querelante, retomar como parte principal.

O ordenamento jurídico brasileiro contempla as diferentes formas de


ação penal visando a coibir o aumento de delitos penais dentro da sociedade
democraticamente organizada.

Caro(a) pós-graduando(a), esperamos que o conteúdo que acaba de estudar


o(a) tenha auxiliado no seu conhecimento técnico e social. Lembre-se de que ao
operador do direito a pesquisa deve ser o guia do dia a dia.

ReFerÊncias
BRASIL. Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008. Casa Civil. Altera dispositivos
do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal,
relativos à prova, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11690.htm>. Acesso em: 26 ago. 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 13. ed. São Paulo: Editora Saraiva,
2009. v.1.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade


da função investigatória do Ministério Público. 3 ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2006.
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