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PROJETO DE PESQUISA
NÍVEL: MESTRADO
CAMPINAS
2016
Resumo: O trabalho de mestrado a ser desenvolvido pretende realizar leitura cerrada
das duas obras principais do ensaísta Gilberto Freyre, Casa-grande & senzala e
Sobrados e mucambos, com o objetivo de descrever aspectos de seu estilo de escrita até
o momento pouco aprofundados nos principais estudos sobre o autor. Visa-se descrever
como outros traços literários que permeiam suas descrições e suas ligações mais nítidas
com outros autores literários. Insere-se, assim, na polêmica discussão sobre a linguagem
do autor, já elogiada por sua modernidade e seu caráter literário, mas também criticada
por seu caráter manipulador de informações, uma descrição mais detalhada dessas
pensador pernambucano.
close reading of two of Gilberto Freyre’s most notable works: Casa-grande & senzala
and Sobrados e mucambos. It aims to describe aspects of his style hitherto unexplored
in depth in the most accomplished critical readings of the author. It will describe in
detail such matters as: syntax, the balance between colloquialisms and academic
figurative language – along with other literary features which characterize his
descriptions – and his closest links with other literary authors. A more detailed
description, therefore, of a language at once complimented for its modernity and literary
values and criticized for its manipulative character, should fill a gap in the heated debate
Grande & Senzala1 deixam a nítida impressão de que seus leitores tinham muito a dizer
sobre o estilo de Gilberto Freyre. Se, de um lado, seu texto era tido como “descentrado”,
sem organicidade, inconclusivo (GIUCCI, G.; LARRETA, E. R., 2002, pp. 935-6), de outro,
indubitável (idem, p. 931). Com esses adjetivos, poderíamos tencionar descrever uma
por exemplo, na conclusão da resenha de Agripino Grieco, que parece descrever dois ou
três livros diferentes, e por isso mesmo ilustra o caráter contraditório que marcará a
fortuna crítica sobre a obra principal de Freyre: "Está aqui uma espécie de história do
1934:1985, p. 74.) Sobre seu estilo, porém, há uma percepção geral de grande influência
É natural que se destaque esse aspecto da obra de Freyre, uma vez que o próprio
capítulo IV de Casa-grande & senzala (FREYRE, 2002, pp. 340-344, mas também no
capítulo II, pp. 170-171). É conhecido seu detalhamento dos sentidos da variada
1Reunidos por Edson Nery da Fonseca em Casa-grande e senzala e a crítica brasileira de 1933 a 1944.
Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1985.
fala do senhor juntamente com a do escravo, do filho, da mulher, “antagonismos
impacto político tremendo que o conteúdo de suas ideias sobre o Brasil exerceu. E não
por acaso. Em 1935, Freyre já era convidado pelo Ministério da Educação para
impacto institucional que sua figura e suas ideias exerceriam naquela década e nas
seguintes, quando seria emissário brasileiro oficial a vários países e ministraria aulas em
diversas universidades nos EUA e na Europa. Dez anos depois daqueles primeiros
Eduardo Gomes, e no ano seguinte, 1946, seria eleito deputado federal, retomando uma
carreira política que duraria até a década de 1960 (idem, pp. 669-686).3
ensaio sugere, o retrato do Brasil que o escritor pernambucano apresentou em sua obra
Moreira Leite em 1968: “Freyre é hoje, pelo menos no Brasil, um intelectual de direita,
aceito pelos grupos no poder, mas não pelos jovens intelectuais.” (LEITE, 1968:2007, p.
despojamento em seu estilo será alvo de duras críticas no campo acadêmico. Já havia
2Veja-se, por exemplo, trecho do estudo de Rugai Bastos (2003, pp. 161-167) em que a autora
contextualiza essa caracterização dos pronomes no âmbito das leituras do escritor basco Miguel de
Unamuno por parte de Freyre.
3Freyre tivera alguns cargos políticos de nível estadual antes de publicar Casa-grande & senzala,
(PALLARES-BURKE, 2005, pp.245-6) mas nada próximo à escala internacional de sua fama posterior.
Sérgio Buarque de Holanda criticado esse aspecto da escrita de Freyre na década de 50.
Para o colega ensaísta, segundo Monteiro (2015), “por meio de sua linguagem
político do Brasil com o golpe militar de 1964. Freyre, como se sabe, tinha postura
português na África no século XX. (LEITE, op. cit., p. 271 e outros.) É naquele
Nesse período, que coincide, além de tudo, com uma expansão do ambiente
acadêmico e da pesquisa universitária no país (de que faz parte a própria criação da
Unicamp), críticos e pensadores acadêmicos como Carlos Guilherme Mota, Luiz Costa
Lima e o já citado Dante Moreira Leite concentram o foco do que fazem para avaliar o
“demasiado materialista” de Agripino Grieco. Moreira Leite, por exemplo, afirma que
fundamentais de sua obra.” (op. cit., p. 370) Por conseguinte, “sua obra é
mais arraigados na classe dominante brasileira.” (p. 371). Carlos Guilherme Mota chega
4Note-se que Meira Monteiro cita dois estudos estilísticos, um deles dissertação de mestrado, da prosa
de Sérgio Buarque de Holanda. (op. cit., Parte I, Cap. 3, nota 102.)
generosidade a se destinar para o aspecto estético de seu texto. “O eruditismo e o bem
oligarquias regionais”, diz o historiador. (idem, p. 59). Luiz Costa Lima, por sua vez,
interpretações mais recentes. Elas também lhes contrapõem, porém, o papel que o autor
teve ao desbancar em larga medida o mito do determinismo racial, tão corrente nas
Euclides da Cunha e Paulo Prado, refutação essa que era trabalho intelectual
de sua linguagem imprecisa (GIUCCI et al., op. cit., pp. 943-4.). Em resposta à
Guilherme Merquior que, mesmo nas poucas páginas de seu estudo dos elementos
Segundo o crítico, “Gilberto Freyre era o nosso mais completo anti-Rui Barbosa.
Merquior mais tarde parece vê-lo no contexto de uma adequação entre forma e
conteúdo: “Adotando um estilo ostensivamente mesclado, totalmente adequado a seu
humor.”(1990, p. 348.)
Pode-se dizer, pois, que desde a morte do escritor, em 1987, estudos críticos de
de seu retrato do Brasil. Relativamente afastadas das polêmicas políticas que cercaram a
obra do pensador pernambucano por décadas, essas interpretações têm concentrado seu
foco em outros aspectos, como a sua orientação estética e simbólica e suas influências
intelectuais. É isto que se depreende dos estudos essenciais sobre o autor das últimas
(destacam-se dentre estes, para meus propósitos, o breve estudo estilístico do principal
faz uma espécie de arqueologia do que o autor veria como uma tendência conciliatória
no pensamento dos ensaístas ingleses que lhe serviam de inspiração, inclusive estética;
trata de suas influências não-inglesas, detalhando sua relação com o professor Franz
Boas (idem, ibid., pp. 297-327), frequentemente lembrado como a principal base teórica
em Walter Pater, nos textos do periódico The Spectator e no crítico William Hazlitt um
Edson Nery da Fonseca (2002, pp. 870-876) mencionado acima. Um dos maiores
Trata-se de uma raridade nos estudos freyreanos: uma pesquisa que procura demonstrar
especificamente cada uma das características de estilo do autor sem apenas descrevê-las
estudo em questão: não realizar estudo exaustivo do estilo do autor, e sim apenas
demonstrar o seu caráter literário. Note-se, finalmente, que este estudo é feito em tom
década de 1940 por alguns de seus resenhistas (op. cit., pp. 3-5). O segundo é a
adverbialização profusa, por vezes insólita, -- mas que, para Fonseca, “sempre se revela
Freyre daria pano para as mangas, isto é – falando menos gilbertianamente – forneceria
material para toda uma dissertação de mestrado em língua portuguesa” (idem, ibid.).
O artigo de Bastos, por sua vez, descreve (em resumo de trabalho posterior da
escritor parece ter encontrado inspiração para seu impressionismo e sua nostalgia; em
2002, p. 808.) Ortega y Gasset, por sua vez, define a ideia de que os povos
mediterrâneos são diversos dos germânicos no sentido de que são mais sensíveis do que
de Freyre], mas busca fazer com que não comprometa a importância de seu objeto.”
(LIMA, 1994, p. 9.) Com efeito, Benzaquen aponta justamente para a ambiguidade
5Gilberto Freyre e o pensamento hispânico: entre Dom Quixote e Afonso El Bueno. Bauru: EDUSC-
ANPOCS, 2003.
constitutiva da obra de Freyre, analisando-a no seu aspecto imaginativo e, nesse
processo, valorizando-a.
ampla do estilo de Freyre; aliás, sua interpretação desse estilo constitui a própria
conclusão de sua análise. Neste segmento, citando um dos primeiros intelectuais que se
aspecto da oralidade de Freyre, com o objetivo, não de analisar o seu estilo por si
Benzaquen afirma:
189.)
da história íntima e a perspectiva da casa-grande são vistos como mais um reflexo dos
função argumentativa:
OBJETIVOS
apresentada acima. Um estudo com esse objetivo, a meu ver, retomaria o aspecto das
obras de Freyre que primeiro impactou seus leitores e o exploraria com maior rigor e
proximidade.6 Por exemplo: costuma-se tratar, de maneira genérica, de um discurso
informal, coloquial, oralizado ou anti-retórico de Freyre, como visto acima. Mas essa
sua linguagem, podemos depreender, acredito, tanto uma tendência oralizante como
e Mucambos.
tematiza. Há muito mais que se dizer sobre essas frases nominais, entretanto. Há um
sua especificidade, considerando-se que estamos olhando para o resumo das condições
norma, transforma o que já seria uma frase pouco predicativa em duas frases nominais,
6Registrem-se estas palavras de Luiz Costa Lima: “A marca basilar da linguagem de Gilberto Freire como
auditiva não deverá obscurecer o fato de se impor um estudo exaustivo de seu estilo, porquanto aquela
marca, negativa do ponto de vista de uma reflexão científica, não impede que existam ao lado
propriedades que merecem ser melhor conhecidas para a constituição de uma prosa alternativa.
Lamentavelmente, as posições do autor, não me refiro tanto a seu conservadorismo crescente, como a
atitudes e denúncias ditadas pelo oportunismo, pela vaidade e pelo revanchismo pessoal, parecem
tornar impossível, por muito tempo ainda, a isenção necessária para um tal tipo de estudo.” (LIMA,
1981, p. 27.)
com função de substantivo e adjetivo, conferindo ritmo à sequência. O que só se pode
profundamente explorado em Casa Grande & Senzala, retomado por essa imagem tão
cotidiana e tão reduzida. Mas se é de especificidade que estamos falando, que dizer da
descrição dos “homens muito anchos” que vem a seguir, também ritmada por vírgulas e
Fora dos travessões, temos uma frase que expressa um argumento a ser
Dentro deles, alongando seu período quase simples, uma descrição ligeiramente oral,
Para que não se creia que se trata apenas de uma introdução criativamente
trechos intercalados não são apenas visuais. Há uma imagem tátil nos beijos na mão
engordurada de D. João VI, um misto de visual e tátil nos seus “gestos moles”, uma
justamente no espaço privado de que uma análise mais pudica desviaria, está no centro
MATERIAL E MÉTODO
cada parágrafo do texto de Freyre. Assim como esses dois parágrafos foram
7Ver, por exemplo, FREYRE, op. cit., p. 320.
selecionados por sua posição inicial em Sobrados e Mucambos, representando a
primeira impressão que seu estilo desperta no leitor, uma seleção ampla, mas não
desenvolvido.
novidade estaria, já dissemos, na leitura cerrada de viés estilístico, o que sugere um foco
que qualquer texto não existe “num cosmos ideal de poemas idealmente iguais” (SAID,
1983, p. 53, tradução sempre minha), como teorias da crítica anteriores parecem propor
(FRYE, 2014, pp.138-142), em especial no caso da crítica estilística, que tem entre seus
texto no mundo, mesmo que ele possa ser considerado também um objeto silente com
suas próprias melodias não ouvidas (op. cit., pp. 49-50), o que é válido para o texto de
Freyre, não só, mas também para o trabalho de crítica estilística sobre o autor (idem, pp.
50-53), que dialoga de maneira dinâmica com leituras concorrentes do mesmo texto
desde o início.
texto de Freyre ao mundo de dois lados, mas com foco direcionado a um deles. Em
primeiro lugar, como se viu, trata-se de interpretação do Brasil que seria fundamental na
mas em sentidos opostos, a que a leitura crítica deve estar atenta; mas aqui com ênfase,
pessoa de Freyre) e do mundo para o texto (sua representação da oralidade, das figuras
Freyre (SOUZA, 2002, p. 1063; MERQUIOR, 1987, p. 347; LINS, 1943:1985, p. 254),
o que é pertinente ao nosso interesse estilístico. Outras obras do autor não receberam tal
tratamento. Portanto, para evitar uma abertura de foco que impeça a concentração no
detalhe necessária a uma leitura cerrada, não as pretendemos incluir neste estudo,
narrativas alternativas sobre o país, como se viu. Esses embates, por sua vez, legaram-
nos, com o desenrolar da história da academia brasileira, pesquisas aprofundadas sobre
e verificabilidade insuficiente de suas teses nas áreas da História e das Ciências Sociais.
estilo do autor feitos por seus primeiros resenhistas e outros, frequentemente não menos
genéricos, feitos por críticos posteriores. Mas no espaço em que deveriam estar as
“estilista” ou até mesmo “poeta” para caracterizá-lo por parte de críticos de autoridade
preencher essa lacuna por meio da leitura cerrada de Casa-Grande & Senzala e
deve encontrar tanto as linhas mestras que orientam a estética de sua escrita, para
autor. Ressalte-se, portanto, que essa leitura da obra de Freyre será realizada lado a lado
observações.8
(julho).
letivo de 2018.
BIBLIOGRAFIA:
FREYRE, G. Casa-grande & senzala. Edição crítica: GIUCCI, G.; LARRETA, E. R.;
8É possível que nos sirvamos de obras de referência como a série Gramática do português falado, de
Ataliba Teixeira de Castilho, e a coleção Gramática do português culto falado no Brasil da Unicamp para
análise de resultados.
__________. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e
Edição crítica: GIUCCI, G. et al. (coordenadores). Madri: ALLCA XX, 2002, pp. 797-
820.
Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: ed. 34, 1994.
FONSECA, E. N. da. Casa-grande & senzala como obra literária In: Casa-grande &
senzala. Edição crítica: GIUCCI, G. et al. (coordenadores). Madri: ALLCA XX, 2002,
pp. 870-876.
de 1933 a 1944. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1985, pp. 61-74. Obra
LEITE, D. M. O caráter nacional brasileiro: História de uma ideologia. 7ª ed. rev.. São
________. Na casa grande dos oitenta. In: As ideias e as formas, Rio de Janeiro, Nova
inglesas. In: Casa-grande & senzala. Edição crítica: GIUCCI, G. et al. (coordenadores).
SAID, E. The World, the Text and the Critic. Cambridge: Harvard University Press,
1983.
senzala. Edição crítica: GIUCCI, G. et al. (coordenadores). Madri: ALLCA XX, 2002,
pp. 1059-1073.