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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social


Disciplina: Marxismos e Leituras do Mundo
Professora: Adriana Facina
Aluno: Dennis Novaes

Da Terra ao Céu: Notas sobre Fanon e o Pensamento


Marxista

Definir o foco deste artigo requer que algumas expectativas sugeridas por seu
título aparentemente pretensioso sejam deixadas de lado. Meu objetivo é abordar
brevemente alguns cruzamentos nas reflexões produzidas por Marx e Engels –
especialmente na Ideologia Alemã – e por Frantz Fanon em Pele negra, máscaras
brancas. O percurso que norteará minhas reflexões será o de explorar a metáfora
sugerida por Marx e Engels que descreveram seu exercício epistemológico como uma
ascensão da terra ao céu. Este, me parece, é um bom elo entre os empreendimentos dos
autores aqui elencados. Quais os cruzamentos entre o capitalismo e o racismo? Como se
produzem e se reproduzem os sistemas de dominação? Como compreendê-los
criticamente e lutar por transformações? São algumas das questões que busco tangenciar
aqui. Num primeiro momento irei concentrar-me no trabalho de Marx e Engels – pela
influência que estes autores exerceram sobre Fanon – para em seguida discorrer sobre o
pensador antilhano.

A Revolução de Marx e Engels


No livro A Ideologia Alemã, diversos pontos-chave do pensamento de Marx e
Engels se fazem presentes. Ao longo de todo o texto é possível perceber dois
movimentos: o de crítica ao pensamento dos neo-hegelianos e, simultaneamente, a
proposição de uma nova base epistemológica que deu suporte à posterior produção
intelectual dos autores. O cerne da crítica aos hegelianos está no idealismo que os
caracterizaria:
“Para os jovens hegelianos as representações, os pensamentos, os conceitos – em uma palavra, a
produção da consciência transformada por eles em autônoma – são considerados os verdadeiros
grilhões da humanidade (....) e assim se torna evidente que os jovens hegelianos têm de lutar
simplesmente contra essas ilusões da consciência” (Marx e Engels: 2005, p.43).
Esta forma de interpretar o mundo carrega uma postura necessariamente conservadora:
transformar a consciência não é o mesmo que transformar o mundo real existente, mas
apenas outro jeito de interpretar o que já está dado. Por meio de um exercício filosófico
muito semelhante ao de filósofos iluministas, estes ideólogos desenvolviam reflexões
sobre “O Homem”, “O Mundo”, etc. entidades universais que poderiam ser alcançadas
pelo exercício lógico do pensamento: abstração tomada por eles como compreensão. É
justamente por conta deste exercício de pensamento que Marx e Engels, ao criticarem os
principais expoentes da matriz neo-hegeliana, apelidam com prenomes de “santos”
autores como Bruno Bauer e Max Stirner – respectivamente São Bruno e São Max –,
assinalando que mesmo quando questionam o cristianismo estes autores reproduzem os
fundamentos da filosofia cristã.
Marx e Engels, por outro lado, clamavam por um sistema de pensamento que
tivesse suas bases nos “indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida,
tanto aquelas que eles já encontraram elaboradas quanto aquelas que são o resultado de
sua própria ação” (Idem: 2005, p.44). O primeiro argumento dos autores é de caráter
filogenético: o ser humano se distingue dos animais na medida em que começa a
produzir os seus meios de existência. Consequentemente (2), o modo de produção
coincide com a existência dos indivíduos, eles são o que e como produzem. Por fim (3),
o aumento populacional e a consecutiva necessidade de troca estabelecem uma divisão
do trabalho, engendrando assim uma dada estrutura política e social em constante
reinvenção, mas sempre em diálogo com a reprodução material da existência. Desta
forma, Marx e Engels deslocam as bases de sua argumentação, diferenciando-se dos
neo-hegelianos: não se trata de compreender o ser humano através de um exercício
abstrato de pensamento, mas os indivíduos materiais, pertencentes a uma determinada
sociedade e estrutura política, dentro de um determinado sistema de divisão do trabalho
e um modo de produção específico.
A produção de ideias, de representações e da consciência está, no princípio, diretamente
vinculada à atividade material e o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida
real. As representações, o comércio espiritual entre os homens, aparecem aqui como emanação
direta de seu comportamento material. O mesmo ocorre com a produção espiritual, tal como
aparece na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc., de um povo.
São os homens os produtores de suas representações, de suas ideias, etc., mas os homens reais e
atuantes tal como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças
produtivas e das relações a eles correspondentes, até chegar às suas mais amplas formações. (...)
Ao contrário do que sucede na filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui se ascende da
terra ao céu (Ibidem: 2005, p. 51).
A moral, a metafísica, a religião, são frutos de um processo material e histórico do
desenvolvimento humano e não universais absolutos. A consciência é, assim, um
produto social e por conseqüência ela nunca é uma consciência “pura”, pois desde o
começo “pesa sobre ‘o espírito’ a maldição de estar ‘contaminado pela matéria” (Marx e
Engels: 2005, p. 56).
Os autores distinguem ainda três momentos: o da força de produção, marcada
pelas relações com a natureza e o modo de produção da sociedade; o “estado social”,
percepção de que é necessário estabelecer relações com outros indivíduos; e a
consciência que surge a partir de uma divisão entre o trabalho material e o espiritual
A partir daí a consciência pode efetivamente imaginar ser algo distinto da práxis existente, que
ela representa de fato algo sem representar algo real; desde então, a consciência está em
condições de emancipar-se do mundo e entregar-se à criação da teoria, da teologia, da filosofia
da moral, etc., ‘puras’. (Idem: 2005, p.58)
É a partir deste último movimento que se inicia uma contradição, pois uma vez que as
atividades materiais e espirituais se dividem, a produção e o consumo, bem como o
trabalho e a fruição, destinam-se a indivíduos diferentes. Este descompasso só pode ser
superado com o fim da divisão do trabalho, proposição do comunismo; ou seja, não é a
partir de qualquer exercício crítico filosófico que tal sistema de desigualdade pode ser
resolvido, mas através de uma revolução que transforme suas causas. Destacada da
práxis, a falsa consciência – ideologia – sedimenta-se como instrumento da classe
dominante que lhe produz:
As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes; ou seja, a classe
que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual
dominante. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe também dos meios de
produção espiritual, o que faz com que sejam a ela submetidas, ao mesmo tempo, as ideias
daqueles que não possuem os meios de produção espiritual. As ideias dos dominantes são, pois,
nada mais que a expressão ideal das relações materiais dominantes. (Ibidem: 2005, p.80)
Consolidando-se na forma de Estado, os interesses da classe dominante se impõem
como representantes de uma coletividade ilusória, pretensamente universal,
fundamentados pela base real do sistema de dominação: a relação entre o modo de
produção, a divisão do trabalho, etc.
A cada período histórico corresponde uma classe dominante e um conjunto
dominante de ideias. Dessa forma, a classe revolucionária – o que a burguesia
representou para a aristocracia e o proletariado representa para a burguesia – precisa
necessariamente dar às suas ideias ares de universalidade. A luta do proletariado precisa
se afirmar não apenas como interesse de classe, mas como representante de toda a
massa dominada em busca da superação de uma única classe dominante. Para tal é
necessário que esta revolta não seja direcionada apenas a uma ou outra condição
específica da sociedade, mas a todo o modo de “produção da vida” vigente; ou seja, a
classe proletária precisa revolucionar as bases do sistema de dominação burguês.
O movimento efetuado por Marx e Engels – escolhido como mote deste texto – é
descrito é descrito pelos próprios autores como uma ascensão da terra ao céu. Não se
trata, como faziam os neo-hegelianos, de elaborar abstrações universalistas sobre a
moral, o direito, a religião e a filosofia, mas de compreender como se desenvolvem
sistemas de dominação e a forma estes sistemas estão ligados à base material de uma
determinada sociedade em determinado período histórico. A ideologia é uma
interpretação do mundo que se pretende universal e “pura” ocultando seu lugar de
classe, o contexto social que lhe dá sentido:
se, em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem de cabeça para baixo como numa
câmera escura, este fenômeno resulta do seu processo histórico de vida, da mesma forma como a
inversão dos objetos na retina resulta de seu processo de vida imediatamente físico. (Marx e
Engels: 2007, p.94)
Estão lançadas as bases de uma revolucionária e engajada ciência do social cujo foco
não é apenas uma interpretação do mundo, mas os meios de transformá-lo (Idem: 2007,
p. 94).

Frantz Fanon e a Revolução do “Eu”


São várias as referências à teoria marxista no trabalho de Fanon, o que não
implica em momento algum o uso dogmático desta matriz de pensamento. Embora
relativamente curto se comparado à Ideologia Alemã, o livro Pele negra, máscaras
brancas é denso e uma de suas marcas é a variedade de matrizes disciplinares com que
dialoga. É possível dizer que ambos os trabalhos se assemelham na positividade do
exercício crítico como forma de construção epistemológica. Fanon questiona, critica, e
desconstrói os argumentos de diversos autores recorrendo a materiais etnográficos,
clínicos, produções literárias e experiências pessoais, tudo isso aliado a um
conhecimento acurado da literatura filosófica Ocidental.
É possível dizer que Marx e Engels buscam salientar a existência de uma relação
entre a ideologia e sistemas materiais de produção e troca; Fanon, por outro, elucida o
como desta relação, escrutinando suas dinâmicas e efeitos. Sua análise escancara uma
“economia simbólica” desigual tanto material quanto racialmente:
A análise que empreendemos é psicológica. No entanto, permanece evidente que a verdadeira
desalienação do negro implica uma súbita tomada de consciência das relaidades econômicas e
sociais. Só há complexo de inferioridade após um duplo processo:
- inicialmente econômico;
- em seguida pela interiorização, ou melhor, pela epidermização dessa inferioridade. (Fanon:
2008, p. 28)
Este trecho presente logo na introdução do trabalho já elucida o tom que acompanhará
toda a exposição do autor. É necessário levar em conta a produção das desigualdades
materiais, mas sem esquecer como elas são capazes de (re)produzir materialmente esta
desigualdade nos corpos dos indivíduos. Voltaremos a esse ponto mais à frente.
Já no primeiro capítulo Fanon demonstra a complexidade dos jogos de
dominação e hierarquia que engendram o racismo. O autor elucida a dinâmica do
contexto colonial a partir da linguagem. A instituição Escola é um ponto essencial deste
processo. Criada na lógica branca e colonizadora esta instituição opera uma espécie de
escalonamento da civilidade: aquele que mais se distancia do sotaque crioulo, que
melhor domina o “francês francês”, é o mais civilizado
Em um grupo de jovens antilhanos, aquele que se exprime bem, que possui o domínio da língua,
é muito temido; é preciso tomar cuidado com ele, é um quase branco. Na França se diz: falar
como um livro. Na Martinica: falar como um branco (Idem: 2008, p. 36)
Esta dinâmica se estende às ocupações no exército. As patentes e as atividades dos
antilhanos costumam ser diferentes das dirigidas aos senegaleses, por exemplo. Longe
de se restringir a posturas de brancos em relação a negros, Fanon demonstra como estes
mecanismos são perpetrados pelos próprios negros: os antilhanos consideram-se menos
selvagens – e, nos termos da lógica racista, menos negros – que os senegaleses por
exemplo. O mesmo comportamento de “soberba” em relação a seus pares pode ser
percebido no negro que conhece a metrópole e volta para seu lugar de origem. O autor
demonstra como esta é uma das faces de um mesmo sistema de dominação: os brancos,
por outro lado, dirigem-se aos negros falando o petit-nègre, subestimando sua
capacidade de compreensão e elocução verbal. As observações de Fanon são muito ricas
ao demonstrarem, entre outras coisas, como a manutenção desta “estrutura econômico-
psicológica” (p.47) está imbricada à dinâmica de um Estado capitalista e colonial
branco que se atualiza em todos os atores envolvidos nesta relação.
Deslizando da estrutura às suas atualizações psicológicas o autor se debruça
sobre as relações inter-raciais. O amor, o casamento, o desejo sexual, são
inevitavelmente racializados e simultaneamente atravessados por relações econômicas:
como ele destaca em sua crítica ao livro Je suis Martiniquaise “somos brancos a partir
de alguns milhões” (p. 55). O amor autêntico, diz Fanon, é impossível enquanto
prevalecer o sentimento de inferioridade do negro, enquanto persistir a estrutura de
dominação que lhe impinge esta patologia. Tal “conjuntura patológica” pode levar o
indivíduo negro a dois extremos: o de anular-se almejando ser branco; ou ao desejo de
exercer uma espécie semelhante de dominação, “levar os brancos a ter com ele uma
atitude de negros”, vingando-se assim “da imago que o tinha obcecado por tanto tempo:
o preto apavorado, trêmulo, humilhado diante do senhor branco” (p. 67). Ambos os
pólos são expressões do racismo, uma vez que operam dentro da clivagem colocada
pelo branco: “A inferiorização é o correlato nativo da superiorização européia.
Precisamos ter a coragem de dizer: é o racista que cria o inferiorizado” (p. 90).
As críticas de Fanon ao psicanalista francês Octave Mannoni demonstram bem
contra qual tipo de exercício epistemológico Pele Negra, Máscaras Brancas se dirige.
Por meio de generalizações psicologizantes, Mannoni constrói um quadro analítico que
encarcera negros e brancos em “complexos psicológicos” ontologicamente separados,
propondo esquematizações do tipo: “podemos dizer que, quase em todos os lugares em
que os europeus fundaram colônias do tipo aqui ‘em questão’, eles eram esperados e até
mesmo inconscientemente desejados pelos nativos” (Mannoni apud Fanon: 2008, p.
94). O autor francês também traça reflexões incompatíveis com a observação empírica:
“Com efeito, um complexo de inferioridade ligado à cor da pele só se observa nos
indivíduos que vivem em minoria em um ambiente de outra cor” (Mannoni apud Fanon:
2008, p.90). As críticas de Fanon a tais colocações partem da análise de contextos
sociais empíricos e a eles se remete para demonstrar que tais estruturas psicológicas
surgem a partir do encontro colonial e na produção de desigualdades inerentes a ele.
Não é, dessa forma, o “paciente” que desenvolveu sozinho uma determinada patologia,
mas uma sociedade patológica que cria indivíduos doentes – tanto os brancos em seu
complexo de superioridade, quanto os negros em sua inferioridade:
1. Meu paciente sofre de um complexo de inferioridade. Sua estrutura psíquica corre o risco de se
desmantelar. É preciso protegê-lo e, pouco a pouco, libertá-lo desse desejo inconsciente.
2. Se ele se encontra a tal ponto submerso pelo desejo de ser branco, é porque vive em uma
sociedade que torna possível seu complexo de inferioridade, em uma sociedade cuja consistência
depende da manutenção desse complexo, em uma sociedade que afirma a superioridade de uma
raça; é na medida exata em que esta sociedade lhe causa dificuldades que ele é colocado numa
situação neurótica. (Fanon: 2008, p. 95)
Dessa forma, a intervenção do psicanalista deve ser no sentido de conscientizar o
indivíduo das estruturas sociais que o colocam sobre o falso dilema de tornar-se branco
ou desaparecer: ele deve ser capaz de escolher entre agir (ou não) no sentido de mudar
as estruturas da sociedade que lhe impinge tal sofrimento.
Os mecanismos de reprodução do racismo são reforçados pela produção
ideológica embasada por esta estrutura desigual. Assim, clivagens como branco/racional
x negro/emocional falam simultaneamente de abstrações sobre a realidade social, mas
também clivagens tornadas matéria pelas bases da sociedade colonial: como toda
ideologia, elas precisam parecer verdade para obterem o efeito de perpetuar um sistema
de dominação. Como dito anteriormente, Fanon reitera que é preciso tomar consciência
desta estrutura para que o negro supere o complexo de inferioridade colocado pela
hegemonia branca, para ser possível lutar pela liberdade. Este ponto abre um dos temas
mais complexos do livro: a crítica à Sartre. Ao discorrer sobre a luta antiracista levada a
cabo pelos negros, o filósofo francês sugere que a negritude seria o “tempo fraco de
uma progressão dialética”, uma noção baseada menos no intelecto que na compreensão
oriunda da experiência, o que comprometeria seu potencial de universalidade. Em
resposta a isso, Fanon reitera que “em termos de consciência, a consciência negra se
considera como densidade absoluta, plena de si própria, etapa anterior a toda fenda, a
qualquer abolição de si pelo desejo” (p.122). A consciência negra à qual o autor faz
referência não é um tempo fraco nascido de uma reatividade:
Não sou uma potencialidade de algo, sou plenamente o que sou. Não tenho de recorrer ao
universal. No meu peito nenhuma probabilidade tem lugar. Minha consciência negra não se
assume como falta de algo. Ela é. Ela é aderente a si própria. (p. 122)
É preciso reconhecer o sistema de dominação branco e como ele é reproduzido
inclusive pelos próprios negros para desenvolver uma consciência libertadora. Mas a
consciência da qual fala Fanon não é uma busca por supremacia: ela se dirige à luta
contra todos os tipos de desigualdade e alienação, contra a sociedade burguesa:
e chamo de sociedade burguesa todas as que se esclerosam em formas determinadas, proibindo
qualquer evolução, qualquer marcha adiante, qualquer progresso, qualquer descoberta, Chamo de
sociedade burguesa uma sociedade fechada, onde não é bom viver, onde o ar é pútrido, as ideias
e as pessoas em putrefação. E creio que um homem que toma posição contra esta morte, é, em
certo sentido, um revolucionário. (p.186)
A escolha do título para esta seção foi baseada num movimento que considero
revolucionário: Fanon propõe uma revolução baseada no “Eu”. Os diversos mecanismos
apontados por ele como perpetradores do racismo baseavam-se na produção do negro
como um “Outro”. A este “Outro” – fruto de uma clivagem criada a partir do branco
universal – estava reservado um lugar pré-estabelecido do ser. A revolução, neste caso,
não deve ser pautada pela eliminação do “Eu” até então hegemônico, mas na luta pelo
reconhecimento do negro não como “outro”, mas como “Eu” cujas potencialidades só
podem ser ditadas por si. Esta chave tão cara às reflexões sobre colonialidade é um dos
grandes desafios dos movimentos sociais contemporâneos e dos dilemas que enfrentam
atualmente.

Da Terra ao Céu: Considerações Finais


O excerto que abre o último capítulo de Pele Negra, Máscaras Brancas, foi
retirado do livro O Dezoito Brumário de Napoleão Bonaparte, de Karl Marx. A
primeira frase do trecho escolhido por Fanon é “A revolução social não pode obter sua
poesia do passado, mas apenas do futuro” (Marx apud Fanon: 2007, p. 185). Nesta
conclusão o psicanalista e filósofo antilhano expõe menos uma análise – como realizou
nos capítulos precedentes – e mais uma “profissão de fé”: o sonho inspirador da luta à
qual ele conclama. Quando recorrem à metáfora de uma ascensão da terra ao céu, Marx
e Engels o fazem num contexto bem específico. Eles se referem ao exercício
epistemológico que propõem em oposição ao feito pelos neo-hegelianos. Trata-se ali de
não considerar as ideias como produtoras do mundo – do céu à terra –, mas sim o
contexto social no qual os indivíduos se inserem como base das ideias que eles
produzem – da terra ao céu.
Este é justamente o exercício que fundamenta todo o texto de Fanon. Em seu
livro, o sistema de classes se mostra constantemente imiscuído à estrutura racista,
tornando possível que os próprios negros introjetem a lógica colonial e ajam como
reprodutores da desigualdade. Mas o autor vai além, desenvolvendo o raciocínio por um
caminho pouco desenvolvido por Marx e Engels. Ao explorar a subjetividade dos
indivíduos dentro de um determinado sistema de dominação, Fanon depara-se com a
enorme força da produção ideológica: ela é capaz de criar e anular existências. O negro,
elo mais explorado dentro de toda a cadeia produtiva e ideológica do capitalismo
colonial, vê-se destituído de todos os mecanismos de representação e afirmação do ser.
Ele não é apenas pobre, porque nem chega a ser.
No esquema proposto por Marx e Engels e citado na primeira seção deste artigo,
o paulatino desenvolvimento da divisão social do trabalho tem como etapa essencial a
consciência da necessidade de troca, que pode culminar – nas civilizações de larga
escala – numa separação entre o trabalho e a fruição. Dentro desta dinâmica existem os
proletários, expropriados do fruto de seu trabalho, e aqueles que detêm o monopólio
dentro do modo de produção. No contexto colonial os negros foram por anos a coisa a
ser trocada dentro de um de uma determinada divisão do trabalho. Parte da genialidade
de Fanon está em não perder de vista que a necessária transformação da estrutura racista
requer a revolução de toda a cadeia de exploração que a fundamenta. Como ele mesmo
ressalta, o processo que instaura o complexo de inferioridade no negro é inicialmente
econômico (p. 28). Fanon vai ao encontro de Marx e Engels também na consciência de
que sua luta, enquanto lado mais subjugado dentro de um sistema de dominação, deve
colocar-se necessariamente como a luta de toda a massa dominada contra uma massa
dominante. Ou seja, não se trata de atender a um ou outro interesse do povo negro, mas
engajar-se numa luta que só faz sentido quando direcionada contra toda forma de
exploração:
Que jamais o instrumento do homem domine o homem. Que cesse para sempre a servidão do
homem pelo homem. Ou seja, de mim por um outro. Que me seja permitido descobrir e querer
bem ao homem, onde quer que ele se encontre. (p.191)
Ou, em outra passagem ainda mais enfática:
Não quero, acima de tudo, ser mal compreendido. Estou convencido de que há grande interesse
em entrar em contato com uma literatura ou uma arquitetura negras do século III a.C. Ficaríamos
muito felizes em saber que existe uma correspondência entre tal filósofo preto e Platão. Mas não
vemos, absolutamente, em que este fato poderia mudar a situação dos meninos de oito anos que
trabalham nas plantações de cana da Martinica ou de Guadalupe. (p. 190)
É a partir da “terra”, das dinâmicas cotidianas de dominação e produção de
desigualdades, da existência material de indivíduos que matam, morrem, comem ou
morrem de fome, que os três autores em questão retiram suas formulações. É na crítica a
toda construção ideológica que, se pretendendo objetiva, reproduz e legitima estruturas
desiguais de distribuição do poder, que eles desenvolvem a potência não só de uma
análise, mas também de um devir. Ascender da terra ao céu é encarar as dores humanas
de frente e diante delas buscar o caminho por um futuro mais justo.

Bibliografia
FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Trad.: SILVEIRA, Renato da.
Salvador: EDUFBA, 2008
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Trad.: MÜLLER, Frank. São
Paulo: Ed. Martin Claret, 2005.
_____________________________. A Ideologia Alemã. Trad.: ENDERLE, Rubens;
SCHNEIDER, Nélio e MARTORANO, Luciano Cavini. São Paulo: Ed. Boitempo,
2007.

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