GILBERTO BERCOVICI
Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de S40 Paulo
CONSULTA
Em virtude de varias manifestagies, juridicas politicas, segundo as
quais a atual Presidente da Republica teria incorrido em comportamentos
caracterizadores de crime de responsabilidade, o ilustre advogado FLAVIO
CROCCE CAETANO, apresenta as seguintes questées:
1. Qual o alcance e o significado do artigo 86, §4° da
Constituigaéo Federal? Para fins de eventual responsabilizacao por
impedimento, em hipétese de reeleigao presidencial, pode-se cogitar
de continuidade de mandato ou sio mandatos auténomos? Em
sintese, pode haver resxponsabilizagdéo no segundo mandato por
conduta eventualmente ocorrida em mandato anterior? Como
interpretar o artigo 15 da Lei n° 1079/1950 a luz do artigo 86, §4° da
Constituigdo Federal?
2. Em se tratando da pratica de eventual crime de
responsabilidade, o Presidente da Reptiblica podera responder tanto
por conduta comissiva como omissiva? Pode ser responsabilidade
apenas na modalidade dolox# ou na culposa também?
8. Eventual parecer do Tribunal de Contas da Unido pela
rejeigdo de contas presidenciais precisa ser aprovado pelo Conyresso
Nacional? Qual quérum deve ser obedecido?
4. A reprovacao das contas presidenci
is pode ser utilizada
como fundamento de eventual dentincia por crime de
responsabilidade?
5. Considerando 0 teor do artigo 86, caput da Constituigao
Federal, que estabelece o regime juridico a ser observado em crime
de responsabilidade, poder-se-ia admitir que 0 plenario da Camara
dos Deputados, por maioria simples, acolhesse recurso contra a
decisdo de arquivamento de deniincia do Presidente da Casa?
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PARECER
01. O impeachment nada mais é que um “proceso legal de apuragio
de responsabilidade politica do Presidente da Republica”. Nao se trata de um
instrumento passivel de ser utilizado em virtude da baixa popularidade de
um governo ou da sua falta de apoio parlamentar, Portanto, nao se pode
confundir o impeachment com o voto de desconfianca, existente nos paises de
sistema parlamentarista, ou com outros institutos como o recall de cargos
eletivos, presente em alguns Estados norte-americanos, como a California, ou
como o referendo revogatério de mandato, previsto no artigo 72 da
Constituigio da Venezuela de 1999.
Por se tratar de um processo de apuracao de responsabilidade politica
do Chefe do Executivo, o impeachmeni deve observar rigorosamente as
exigéncias determinadas no texto da Constitui
, No caso brasileiro, as
larmente nos artigos 85 e 86 do texto constitucional de 1988.
Alifs, sobre u neceasidade do respeito as limitagdes constitucionais existentes
Raoul
previstas part
no processo de impeachment, esclarcce o jurista norte-nmerica
Berger:
“Por fim, uma consideragdo apropriada sobre o propisito
dos Mundadores, uma determinagdo em evitar os excessux
que estigmatizaram para sempre o julgamento do caso
Johnson, deveria obrigar 0 Congresso a declinar de
qualquer poder ilimitado e a agir dentro dos limites
constitucionais. Se hé, de fato, ‘limites’ ao poder de
impeachment, 0 Senado néo poderé exceder a tais limites
* Paulo BROSSARD, 0 Impeachment: Aspectos da Responsabilidade Politica do Presidente
da Repiiblica, 8* ed, Sio Paulo, Saraiva, 1982, p. 7.
2 Laurence H. TRIBE, American Constitutional Law, 3° ed, New York, Foundation Press,
2000, vol. 1, pp. 152-154. Sobre a interpretacio chamada do “legalista’ das regras
‘constitucionais e legais no processo de impeachment, vide Jeffrey K. TULIS, “Impeachment
in the Constitutional Order” in Joseph M. BESSETTE & Jeffrey K. TULIS (orgs.), The
Constitutional Presidency, Baltimore/London, The John Hopkins University Press, 2008, pp.
229-285. Vide, ainda, Paulo BROSSARD, O Impeachment cit. pp. 182-183.
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quando age judicialmente’ tanto quanto ndo pode quando
age ‘egislativamente’. Todos os poderes do Estado estéo
confinados aos ‘Timites’ determinados pela Constituigdo, ¢ 0
propésito fundamental de tais Timites’ foi o de estipular
barreiras ao tdo temido poder legislativo. Nao se deixou &
disericionariedade ilimitada daquele poder a possibilidade
de interferir nos demais poderes pelo recurso ao poder de
impeachment”.
02. Os crimes de responsabilidade sio atos do Presidente da Republica
que atentem contra # Constituiggo, devendo ser previamente definidos em lei
especial federal. Nao sio ilicitos penais propriamente ditos, mas atos cuja
'o, politica, no penal. Isto nao impede que a legislagio
preveja, em certos casos, a dupla sancio, implicando cm um procesto penal
paralelamente ao proceso politicot. A fungi do imp
individuos, mas proteger o pais de danos ou umexcus por parte de um
governante que abuss do seu poder ou subverte a Constituigio’. A
Constitnigdo brasileira de 1984 assim estabeleco, em seu artigo 85:
sangio & em prin:
chment nao é punir
“Sao crimes de responsabilidad ox atox do Presidente da
Reptiblica que alentem contra a Constituigéo Federal e,
especialmente, contra: I - a existéncia da Unidio; IT 0 livre
*No onginal: “Finally, a decent regard for the design of the Founders, a resolve to avoid the
‘exoesses which forever stigmatized the Johnson trial, should constrain the Congress to
disclaim unlimited power and to act within conatitutional confines. If there are indeed limite’
t0 the impeachment power, the Senate may no more act in excease of those limits when it acts
judicially’ than when it acts legislatively’. Bvery branch of government is confined to the
‘Timits’ drawn in the Constitution, and the chief purpose of those limits’ was to fence in the
much-feared legislative branch, It was not left 10 the unlimited discretion of that branch to
disrupt the other branches through resort to the impeachment power” in Raoul BERGER,
Impeachment: The Constitutional Problems, reimpr., Cambridge (Ms)/London, Harvard
University Presa, 1999, pp. 313-314,
+ Paulo BROSSARD, O Impeachment cit., pp. 71-75. Para o debate norte-americano sabre 0
‘contesido ¢ alcance das condutas criminosas pasalveis de atribuicio ao Chefe do Executivo em
caso de impeachment, vide Raoul BERGER, Impeachment cit,, pp. 56-107. Vide, sinda,
Laurence H. TRIBE, American Constitutional Law cit., vol. 1, pp. 155-156 e 169-175,
* Paulo BROSSARD, O Impeachment cit., pp. 127-128 e Laurence H. TRIBE, American
Constitutional Law eit, vol. t, p. 158
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