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A CRUZADA ANTIVERMELHA -
DEMOCRACIA, DEUS E TERRA CONTRA A FORÇA COMUNISTA:
representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí da década de 1960.
Teresina – PI
2008
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A CRUZADA ANTIVERMELHA -
DEMOCRACIA, DEUS E TERRA CONTRA A FORÇA COMUNISTA:
representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí da década de 1960.
Teresina – PI
2008
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CDD – 98/.22
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A CRUZADA ANTIVERMELHA -
DEMOCRACIA, DEUS E TERRA CONTRA A FORÇA COMUNISTA:
representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí da década de 1960.
Aprovada em 23 /04/2008
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Prof. Francisco Alcides do Nascimento (Orientador)
Doutor em História Social
Universidade Federal do Piauí
___________________________________________________________________
Prof. Jorge Ferreira
Doutor em História Social
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________________________________
Prof. Pedro Vilarinho Castelo Branco
Doutor em História Cultural
Universidade Federal do Piauí
5
AGRADECIMENTOS
Lembrar de todas as pessoas que fizeram parte da construção deste trabalho é uma
tarefa muito difícil, já que foram tantos os que ajudaram em diferentes momentos. Alguns
auxiliaram na busca das fontes, outros na construção da escrita, uns apenas dedicando atenção
e outros indicando obras e leituras que foram determinantes, por isso é tão difícil, neste
momento, enumerá-los. Agradeço a todos que, de forma direta ou indireta, colaboraram para
que esta dissertação se construísse.
Contudo, mesmo correndo o risco de esquecer alguém, algumas pessoas precisam
ser mencionadas.
Gostaria de agradecer, de forma especial, ao meu orientador e amigo Prof. Dr.
Francisco Alcides do Nascimento. Professor dedicado, profissional exemplar e um ser
humano incrível. Sou grata pela confiança e apoio que me dedicou durante todos esses anos
que convivemos, principalmente, durante o período da escrita deste trabalho. Nutri um grande
respeito e admiração não só pelo professor responsável, honrado e digno que ele sempre
demonstrou ser, mas, sobretudo, pela generosidade com que trata seus orientandos, agindo
com tamanha humildade e sinceridade, que nos perdemos em acreditar que somos iguais,
mesmo quando sabemos que estamos a milhões de passos distantes de um mestre tão capaz e
competente. Obrigada pelas oportunidades, pela generosidade e, sinceramente, pela grande
amizade que construímos.
Agradeço, também de forma especial, ao meu marido, Tágory. Obrigada por
sempre acreditar em mim, por me dedicar um amor incondicional, mesmo quando estava
distante. Por ouvir falar desta dissertação, incansavelmente, e ainda continuar me amando.
Obrigada por TUDO.
À minha irmã, Marysol, meu irmão Maycon, minha mãe Raimunda e meu pai
Arimatéa, eu agradeço por compreenderem a distância e por me incentivaram sempre.
Agradeço aos professores do programa: Dr. Alcides Nascimento, Dr. Pedro
Vilarinho Castelo Branco, Drª. Áurea Paz Pinheiro, Dr. Edwar Castelo Branco, Drª. Teresinha
Queiroz, Dr. Paulo Ângelo Meneses, pela dedicação e ajuda durante as disciplinas cursadas.
Dentre os professores, faço um agradecimento especial aos que participaram da
minha banca de qualificação: Drª. Teresinha Queiroz e Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco.
Agradeço pelas idéias, sugestões e indicações de livros. Tenho certeza de que a melhor parte
do presente trabalho se deve às observações feitas durante o exame de qualificação.
7
Especialmente, devo agradecer ao Prof. Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco, por
me permitir utilizar a sua vida e de sua família como fonte de minha pesquisa, e por ainda me
emprestar os livros anticomunistas que pertenciam ao seu pai.
Agradeço às funcionárias do mestrado: dona Eliete e minha amiga Lêda, pela
dedicação com que me ajudaram durante esse período.
Aos funcionários do Arquivo Público do Piauí, do Arquivo Público do Ceará e do
Instituto Dom Barreto, por permitirem o acesso às fontes, tão preciosas para o trabalho do
historiador.
Agradeço, de forma especial, a meus entrevistados: Iracema Monteiro da Silva
Torres, Luís Raimundo Coimbra, Manoel Ricardo Arraes, Marcos de Paiva Igreja e Pedro
Vilarinho Castelo Branco. Obrigada por me permitirem adentrar suas memórias e fazê-las
parte da história do Piauí.
Um obrigada especial aos meus grandes e adoráveis amigos de mestrado e de
grupo de estudo. Agradeço à Emília Nery pela leitura sempre atenta dos meus textos, mas o
agradecimento maior é pela grande amizade e companheirismo que construímos durante esses
dois anos. À grande conquista do ano de 2006, a amizade de Warrington Veras, meu amigo
“mais importante”, obrigada pela ajuda na escrita deste trabalho, por não se mudar e, também,
continuar perto de mim. Agradeço a minha irmã-amiga Luciana Lima pela ajuda, pela
amizade e por sempre me incentivar. Um obrigada especial a MESTRE Nilsângela Cardoso,
pela paciência, amizade e por sempre estar disposta a ajudar os amigos, obrigada por estar
sempre por perto e ser um referência de ser humano. Agradeço ao meu amigo de graduação e
mestrado, Demétrios Galvão, por ter o privilégio de compartilhar de suas idéias e de sua
companhia, tenho nossa amizade como uma grande conquista. Ao meu amigo do coração e
de grupo de estudo, Elson Rabelo, mente brilhante, ser humano exemplar e amigo estimável,
ter você como amigo é uma das maiores alegrias da minha vida. Ao meu grande amigo de
graduação e de grupo de estudo Mairton Celestino, obrigada por sempre me fazer pensar e
refletir sobre aquilo que eu acreditava ser óbvio, sua amizade é um bem inestimável.
Obrigada, também, a pernambucana Rosário Trancilin, que acrescentou poesia em minha vida
durante esse dois anos, obrigada por ter promovido os melhores momentos em grupo nos anos
de 2006 e 2007. Agradeço de forma especial ao meu amigo José Maria, por me ensinar como
podemos ser um intelectual sem ser arrogante ou esnobe, sendo um exemplo de ser humano
repleto de generosidade e competência, obrigada pela amizade. Ana Cristina, obrigada pela
amizade, sempre tão discreta, mas tão imprescindível nos momentos especiais. Agradeço
Eliane, minha amiga de graduação e agora de mestrado, por sempre tornar momentos tensos
da escrita em momentos de alegria e calma, a sua ajuda foi imprescindível.
8
À minha amiga de vida, a filósofa Hellen Maria de Oliveira, obrigada por sempre
estar disposta a escutar a escrita desta dissertação e por sempre acreditar em mim.
Agradeço a leitura e amizade da Prof. Ms. Elizângela Cardoso. Obrigada por ser
tão generosa e amiga, dispensando o tempo que seria destinado à escrita de sua tese, para
ajudar na construção do presente trabalho.
Agradeço, também, a Profª. Drª. Socorro Magalhães pela revisão atenta e pela
prazerosa conversa sobre o Piauí de sua infância.
E, finalmente, obrigada a CAPES, pela bolsa que me concedeu durante esses dois
anos, ajuda financeira essencial, no momento em que me voltei exclusivamente à pesquisa e
elaboração deste trabalho. Sem esse apoio, certamente, as dificuldades seriam ainda maiores.
9
[...] Antes de falar de mim, mal ou bem, o sujeito deve ler o meu livro para saber
o que eu acho, para saber do meu anticomunismo, saber do meu horror a Marx...
Marx não toma conhecimento da morte. E nós exigimos de Marx a devolução de
nossa alma imortal. Tudo isso está no livro. Agora, eu tenho uma virtude única,
que é a seguinte: não tenho medo de passar por reacionário. Querem me chamar
de reacionário, chamem; querem me pichar como reacionário, pichem; querem
me pendurar num galho de árvore como ladrão de cavalo, pendurem. Mas eu sou
homem que não aceita essa impostura gigantesca dos chamados países
socialistas. Por mais que eu tenha horror da política, há muita política no meu
livro. Eu acho que a política corrompe qualquer um, mas ela é um fato. Aliás,
vocês querem saber de uma coisa? Eu comecei a ficar anticomunista aos 11 anos
de idade. Eu era um rato de jornal e nessa ocasião comecei a freqüentar o jornal
A Nação, do Leônidas de Rezende, um comunista tremendo. Então, um dia assim
sem mais nem menos, um rapaz me disse que, se o partido mandasse, ele
estrangularia a sua própria mãe. Era só o partido mandar. A ONU, por exemplo,
não considera o Brejnev um canalha. Para ela, o fato de existirem intelectuais
internados em hospícios não representa um ato atentatório aos direitos humanos.
Agora, vou te dizer uma coisa: eu pensei muito quando dei ao meu livro o título
de O Reacionário. Porque no duro, no duro, eu não sou reacionário. A mais cruel
forma de reacionarismo está nos países socialistas, na Rússia, em Cuba, na
China, etc. Realmente, eu sou um libertário. Veja você: dois pobres-diabos
cidadãos soviéticos seqüestraram um avião para deixar o paraíso e foram parar
na Finlândia. Entregaram-se ao governo finlandês, que os devolveu ao Brejnev.
Vão ser naturalmente fuzilados. Pois bem: quem protestou contra isso? Onde está
o manifesto dos intelectuais com 3.999 assinaturas? No duro eu sou um
libertário. Eles, marxistas, é que são reacionários. Repito mais uma vez: os
marxistas é que são reacionários....
Nelson Rodrigues
10
RESUMO
ABSTRATC
This work represents and analyzes the main anti-communists representations, appropriations
and practices in the 1960’s decade in Piauí. The years of 1960 represented a Brazil plunged in
a debate about the implementation of Base reforms. The political disputes between the left-
wingers and the right-wingers created an environment of general uncertainty. Is in this
complex environment that will arise the representations of the communism, produced by the
anti-communists. Piauí was also inserted in this context of national uncertainties, keeping,
however, some local particularities. In this sense, we try to verify the incidence of these anti-
communists representations during this period of time. They classified the newspapers, books,
and mainly, the radio as means of propagation of the anti-communists. The representations,
appropriations and practices notions used in this work, take as basis the theoretical
perspective of Roger Chartier, in which the representations compose the social world,
Implying the creation of multiple appropriations and several practices. The spoken history is
also used as a comprehension method of the multiple appropriations that were generated by
the individuals that lived in the whirlwind years of 1960 in Piauí. The work shows a Piauí
marked by the speeches of backwardness and constituted by big groups denominated as anti-
communists slope. A conservatism group, the private property group and the religious group,
denominated as big representative segments of the anti-communism in Piauí and that were
responsible for the construction of the main anti-communist representations and practices in
the State. The anti-communism is a pretext to the understanding of the political culture of the
piauiense during the 1960’s , permeating, the elements that compose the construction of the
political and social reality of the State referred.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 06 Carta que compõe o dossiê de Dom Fragoso nos arquivos do DOPS.... 65
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................... 14
ANEXOS.................................................................................................................. 265
.
16
Introdução
1
Projeto de Iniciação Científica financiado pelo CNPq-PIBIC/UFPI, no período de julho de 2004 a agosto de
2005, com o título: Teresina dos Anos Dourados aos Anos de Chumbo: o processo de modernização e
intervenção do Estado autoritário, orientado pelo Professor do Departamento de Geografia e História da
Universidade Federal do Piauí, Drº Francisco Alcides do Nascimento.
2
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução: Maria de Lourdes Menezes. 2ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 56.
3
Para Pierre Nora tudo que é considerado memória, nos dias de hoje, não o é, mas sim história. NORRA, Pierre.
Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução: Yara Aun Khoury. Proj. História. São Paulo, 10
dez 1993. p.07-28.
17
Esse trecho nos fez ver que os jornais eram apenas mais uma forma de
representar o comunismo no Estado do Piauí. Em nenhum momento, nos jornais pesquisados,
encontramos frases como: comunista come criancinhas, ou, mulher de comunista é mulher de
todo mundo. Percebemos que existia algo mais para pensar o anticomunismo. Na tentativa de
entender esse hiato entre o que os jornais diziam e o que as pessoas pensavam fora desse
espaço das palavras fixadas, decidimos modificar a pergunta que lançamos inicialmente para a
escrita do trabalho monográfico, e que era dirigida apenas aos jornais, para algo mais amplo o
qual propomos como questão central desta dissertação: quais foram e como se constituíram as
representações e apropriações anticomunistas no Piauí na década de 1960? Dessa questão
central houve um desdobramento em outras: quais os veículos de propagação das
representações anticomunistas no Piauí? Que práticas anticomunistas eram exercidas naquele
momento no Estado?
4
OLIVEIRA, Marylu Alves de. Considerações sobre o discurso anticomunista no período de 1959-1969: uma
análise a partir do jornal O Dia. Teresina, 2005. 130 p. Monografia (conclusão de curso). Departamento de
História e Geografia, Universidade Federal do Piauí.
5
A entrevista mencionada fazia parte de um projeto sobre as memórias do Piauí, que comporiam o Núcleo de
História Oral do Instituto Dom Barreto. Atualmente o projeto está parado.
6
IGREJA, Marcos de Paiva. Depoimento concedido a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. NHOIDB, Teresina, 2005.
18
7
A expressão “Matizes” é utilizada por Ricardo Antônio de Sousa Mendes como denominação a linhas de
pensamento que no discurso anticomunista justificavam a sua construção. MENDES, Ricardo Antônio Souza. As
Direitas e o anticomunismo no Brasil. LOCUS: Revista de História, Juiz de Fora, v. 10, n. 01, 2003. Para
Rodrigo Patto Sá Motta, os aspectos caracterizadores do discurso anticomunista são chamados de Matrizes e
dividem-se apenas em três: Nacionalismo, Religioso e Liberalismo. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda
contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectivas/FAPESP, 2002.
8
Para Roger Chartier “Dos ouvintes reunidos em torno de um texto lido em voz alta: a leitura é aqui uma
audição de uma palavra leitora”. CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações.
Tradução: Maria Manuela Galhardo. Lisboa, São Paulo: DIFEL, BERTRAND. 1990. p. 124.
9
“A História Cultural, tal como a entendemos, tem por principal objetivo identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo
supõe vários caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que organizam a
apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e apreciação do real”. Idem, p. 16.
19
No entanto, segundo Roger Chartier, cada indivíduo, ou grupo, quer que a sua
forma de ver o mundo seja válida e aceita pelos outros membros da sociedade em que ele faz
parte. É nesse sentido, que o autor apontou para a existência das chamadas “lutas de
representações”11, aspecto que deve ser observado, uma vez que:
10
Idem, p. 20.
11
Roger Chartier afirma que: “As lutas de representação têm tanta importância como as lutas econômicas para
compreender os mecanismos pelos quais um grupo se impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social,
os valores que são os seus, e o seu domínio”. Idem, Ibdem.
12
Idem. p. 17.
13
Para o conceito de Memória Coletiva, Ver: HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução: Beatriz
Sidou. – São Paulo: Centauro, 2006.
14
Michel Pollak “Ao contrário de Maurice Halbwachs, [...] acentua o caráter destruidor, uniformizador e
opressor da memória coletiva nacional”, nesse sentido Michel Pollak aponta para idéia de memórias
subterrâneas, que vão de encontro a essas memórias oficiais. Apesar de entender que a memória é conflito, o
nosso objetivo nesse texto não é trabalhar com conflito de memórias, mas com a multiplicidade de memórias que
tinham o comunismo como algo nocivo à sociedade. Desta forma, aponto para a proposta de Maurice Halbwachs
quando percebe as funções positivas da memória comum como coesão social, não pela coerção, mas pela adesão
afetiva ao grupo, que o autor denominou de “comunidade afetiva”. Ver: POLLAK, Michel. Memória,
esquecimento e silêncio. Revista de Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 02, n.03, 1989, p.03-15; Também:
HALBWACHS, M. Op. Cit.
20
Roger Chartier, através das quais, os grupos lutam para impor, ou tentar impor, a sua
concepção de mundo, os seus valores e o seu domínio. Nesse sentido, e apesar da
multiplicidade de aspectos que caracterizaram o discurso anticomunista, conseguimos
visualizar que as representações anticomunistas que prevaleceram, no Estado do Piauí,
giraram em torno de três vertentes: a da propriedade privada, a do conservadorismo e a
religiosa.15
Um outro aspecto essencial, para a construção desse trabalho, dentro da
perspectiva chartieriana, é a noção de prática, que está intimamente relacionada à noção de
representação, no sentido de que “mesmo as representações coletivas mais elevadas só têm
existência, só são verdadeiramente tais, na medida em que comandam atos”.16 Como exemplo
de práticas relacionadas ao anticomunismo, podemos citar a materialização dessas
representações nos textos impressos em jornais, nos livros e até mesmo nas prisões dos
comunistas na década de 1960. No entanto, não podemos esquecer que assim como as
representações geraram as práticas, da mesma forma, as práticas constituíram novas
representações.
A última noção que Roger Chartier aponta e que utilizaremos, em nosso trabalho,
é a de apropriação. Segundo o autor, a apropriação de textos deve ser entendida como um ato
criativo, e não apenas como uma atitude de passividade diante daquilo que é transmitido. É
significante ressaltar o retorno da importância que Roger Chartier dá à ação do sujeito e a sua
capacidade de modificar determinados aspectos em sociedade, sendo um receptador-criador.
Idéia essa que, em certo sentido, é tomada de empréstimo de Michel de Certeau.17 No entanto,
Roger Chartier aponta para essa ação do sujeito na prática da leitura, afirmando que,
Apesar de ser criador, esse sujeito também é condicionado por fatores externos,
conforme Roger Chartier aponta no trecho acima, fatores esses que podem ser explícitos ou
implícitos. É nesse sentido que adotaremos em nosso trabalho a idéia de “leitor das
representações anticomunistas”.19 Este leitor fez a sua leitura sobre as representações
anticomunistas condicionado implícita ou explicitamente pelos autores destas representações,
no entanto, ele teve a sua liberdade de entendimento, ou mesmo a liberdade de não as
entender.
Em um ponto este trabalho propõe uma diferenciação da perspectiva chartieriana,
decorrente da periodização que estabelecemos. Na década de 1960, o ato da leitura de textos
impressos ainda era restrito a uma pequena parcela da população piauiense, no entanto,
acreditamos, com base na proposta de Roger Chartier, que “Dos ouvintes reunidos em torno
de um texto lido em voz alta: a leitura é aqui uma audição de uma palavra leitora”, e é nessa
perspectiva que, para entender essa apropriação anticomunista, não utilizamos apenas os
textos impressos (como os jornais e livros da década de 1960), como fez Roger Chartier,20
introduzimos nessa formulação das representação anticomunistas um outro meio de
comunicação, que ainda estava em sua era de ouro no Piauí: o rádio.21 As transmissões
radiofônicas possibilitaram uma maior propagação do anticomunismo, tanto pela linguagem,
que devia ser acessível para abranger os mais variados segmentos sociais, quanto pelo
alcance, pois poderia ser ouvido nos mais longínquos recantos do Piauí. Dessa forma,
18
CHARTIER, R. Op. Cit. 1990. p. 123-24.
19
É o sujeito receptador-criativo que ao ler as representações anticomunistas, é, em certo sentido, condicionado
por aspectos determinados pelo autor do texto, no entanto tem a liberdade para uma interpretação particular
sobre o anticomunismo, o que provocaria a constituição de novas representações.
20
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Tradução: Álvaro Lorencini. São Paulo:
Editora UNESP, 2004.
21
Havia colunas, nos jornais piauienses, que relatavam o que se noticiava no rádio, e transcreviam discursos na
íntegra que eram transmitidos por este meio de comunicação, o que permite visualizar a incidência dos discursos
22
Como o próprio Roger Chartier refletiu, é a pesquisa que, de certa forma, indica
os caminhos que devemos seguir, e a História Oral para a construção dessa pesquisa se fez
necessária para entendimento das apropriações anticomunistas.
Foi a partir dessas noções de representação, prática e apropriação que
construímos o nosso trabalho, fazendo, de certa forma, uma transmutação conceitual, no
sentido de utilizar as chaves conceituais propostas pelo autor, incorporando-as a pesquisa.
anticomunistas também neste meio de comunicação. No entanto, não existe no acervo das rádios locais,
nenhuma gravação preservada daquela década.
23
22
DIAS, Claudete Maria Miranda. Roger Chartier: entrevista. In.: CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar.
NASCIMENTO, Francisco Alcides e PINHEIRO, Áurea paz (org). Histórias: Cultura, sociedade e cidades.
Recife: Bagaço, 2005, p. 288-289.
23
OLIVEIRA, Marcus Roberto. A ideologia anticomunista no Brasil. Revista de Sociologia e Política. Curitiba,
n. 23, nov. 2004, p.185
24
Idem, Ibdem.
25
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).
São Paulo: Perspectivas/FAPESP, 2002.
26
SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: Imaginários anticomunistas (1931-1934). Porto Alegre: EDIPUCRS,
24
2001. p.16
27
Para os trabalhos dessa autora, ver: RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário
anticomunista e Igreja católica no Rio grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediupf, 1998. RODEGHERO,
Carla Simone. Contribuições para o estudo do anticomunismo sobre o prisma da recepção. In.: PESAVENTO,
Sandra Jatahy (Org). História cultural: Experiências de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
RODEGHERO, Carla Simone. Religião e patriotismo: O anticomunismo católico nos Estados Unidos e no Brasil
nos anos de Guerra Fria. Revista Brasileira de História. Vol 22, nº. 44, São Paulo 2002.
28
A História Oral na avaliação de Sônia Maria Freitas pode ser qualificada desta forma, porque é um método de
pesquisa que utiliza a técnica da entrevista, além de outros procedimentos articulados entre si, no registro de
narrativas de experiência de vida. FREITAS, Sônia Maria de. História Oral: possibilidades e procedimentos.
São Paulo. Humanistas/FFLCH/USP: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
29
Para Michel Pollak as “memórias subterrâneas que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de
maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados. A memória
entra em disputa. Os objetos de pesquisa são escolhidos de preferência onde existe conflito e competição entre
memórias concorrentes”. POLLAK, M. Op. cit. p.02.
30
Para Maurice Halbwachs a memória individual está sempre remetida a participação dos indivíduos em grupos,
pois apesar de ter suas lembranças pessoais o indivíduo está sempre interagindo com os grupos do qual ele faz
parte, desta forma, a memória coletiva tem a importante função de fazer com que as pessoas expressem a
sensação de pertencimento a um grupo, segmento, instituição. Ela garante um sentimento de identidade ao
indivíduo calcado não só no campo do histórico, mas também no campo das representações e símbolos.
HALBWACHS, M. Op. Cit.
25
existem muitas memórias coletivas”.31 Refletimos sobre a memória de grupos que tinham o
comunismo como algo nocivo à sociedade, no entanto cada grupo possuía a sua memória
anticomunista, que se unia aos outros grupos, muitas vezes, apenas pelo fato de lutarem
contra o comunismo.
Onde encontrei o anticomunismo?
31
HALBWACHS, Op. Cit. p.105.
26
32
CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos de uma memória oculta em
meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação
de Mestrado.
27
o seu modo de vida, ou seu modo de pensar aos demais grupos. Nesse capítulo, verificamos a
existência de no mínimo três vertentes anticomunistas: uma religiosa, outra relacionada ao
conservadorismo e a ligada à propriedade privada, que se pode chamar de grandes segmentos
representativos, onde encontramos os que lutaram mais veementemente contra o comunismo
naquele momento. A partir dessas vertentes, apontamos para uma gama de representações
anticomunistas. Ainda nesse capítulo, acreditando que as representações estão intimamente
relacionadas às praticas, assinalamos algumas práticas anticomunistas no Piauí.
No terceiro e último capítulo, refletimos sobre os meios de divulgação
anticomunista e como a apropriação desses meios produziram novas representações.
Elegemos três grandes meios propagadores do anticomunismo no Piauí: o rádio, os jornais e
os livros. Tentamos captar as múltiplas formas de apropriação do mesmo texto por públicos
diferenciados. Neste capítulo, também, analisamos quatro entrevistas de forma mais
específica com o objetivo de compreender como as apropriações podem ser percebidas a
partir de sua multiplicidade, uma vez que os entrevistados, tendo acesso aos mesmos meios de
propagação das representações anticomunistas, produziram novas e diferenciadas
interpretações sobre o comunismo. E, para finalizar, tentamos analisar as representações que
se constituíram a partir dessas apropriações.
Enfim, o anticomunismo foi uma característica do modo de fazer política no
Brasil, durante a maior parte do século XX. É nesse sentido, que o utilizamos como viés para
a compreensão da década de 1960, especialmente no Piauí. Os antivermelhos daquele
momento, tingiram-se de cores múltiplas: verde, amarelo e, sobretudo, o preto, para decretar a
morte do comunismo. No entanto, a constituição de suas representações foi decisiva para
estabelecer uma espécie de ressurreição constante do comunismo, principalmente quando se
precisava utilizar essa palavra como maneira de estabelecer um desprestígio de algo ou
alguém, ou mesmo para se posicionar politicamente diante dos acontecimentos. E foi nessa
margem entre a morte e o reviver, nas páginas dos jornais e na memória coletiva que se
tornou possível, nos dias atuais, a escrita desta dissertação.
28
Emir Sader, no texto acima, refletiu sobre um aspecto que, nos dias atuais,
segundo o próprio autor, apresenta-se “deslocado” no tempo, que é a utilização dos discursos
anticomunistas. O que chamou a nossa atenção, nesse trecho da crônica, foi a percepção do
autor de como a imprensa ainda utiliza um discurso anticomunista, mesmo com o fim da
“Guerra Fria”.34 Emir Sader ironizou essa prática apontando para algo deslocado no tempo,
como, se por falta de criatividade ou mesmo de capacidade de percepção da realidade atual do
mundo, vários segmentos jornalísticos utilizassem ainda, nos dias de hoje, um discurso que
não possui nenhum significado: o medo da ameaça comunista.
Essa percepção do autor apontou para um aspecto interessante na construção de
qualquer trabalho científico: a mudança do sentido das palavras, noções, representações e
práticas, com o passar do tempo. A ironia de Emir Sader apontou justamente para essa falta de
sentido dos escritos anticomunistas nos últimos anos, é como se o autor fizesse a seguinte
pergunta: por que ter medo do comunismo hoje? Emir Sader refletiu sobre a palavra
comunismo, a partir do contexto mundial dos dias atuais. Talvez, por essa razão, apresentou-
nos um comunismo que se constrói através de discursos anticomunistas ou, até mesmo, por
comunistas incrédulos, uma vez que seu amigo comunista “se deliciava em ler a sobrevivente
literatura anticomunista, porque dá a impressão que o mundo está à beira do comunismo, que os dias
do capitalismo estão contados”.
33
SADER, Emir. A indústria do anticomunismo. In.: site:
http://www.correiodobrasil.com.br/noticia.asp?c=83875 Acessado em 20 de fevereiro de 2006.
34
“Guerra Fria é um conceito de conflito ideológico, criado após a Segunda Guerra Mundial e a divisão da
Alemanha entre soviéticos e os americanos. Indica também os desacordos entre Estados Unidos e União
Soviética e a política de influência e de espionagem que estas duas potências vão realizar sobre os países em
todos os continentes, até 1991”. FERRAZ, Socorro. Às vésperas do golpe militar de 1964. In.: Clio. Revista de
30
36
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo:
Editora UNESP, 2004. p.46
37
Expressão utilizada por Eric Hobsbawm para definir os países que tentaram implantar regimes comunistas no
século XX. A idéia de fracasso desses regimes também é apontada por esse autor quando diz: “Os sistemas
políticos do mundo socialista, essencialmente modelados no sistema soviético, não tinham equivalente real em
outros países. Baseavam-se num partido único fortemente hierárquico e autoritário, que monopolizava o poder
do Estado - na verdade, às vezes praticamente substituía o estado -, operando uma economia centralmente
planejada e (pelo menos em teoria) impondo uma única ideologia marxista-leninista compulsória aos habitantes
do país. A segregação ou auto-segregação do ‘campo socialista’ (como a terminologia soviética passou a chamá-
la em fins da década de 1940) foi desmoronando aos poucos nas décadas de 1970 e 1980.” HOBSBAWM, Eric.
Era dos extremos: o breve século XX: 1914 –1991. Tradução: Marcos Sabtarrita; São Paulo: companhia das
Letras, 1995. p.365.
38
Em nossa opinião, a aversão ao comunismo na imprensa brasileira, nos dias atuais, está, mesmo que de forma
menos expressiva, relacionada à imagem dos presidentes Latino-Americanos que se auto-intitulam “novos
socialistas” como Hugo Chávez e Evo Morales.
39
Para parte da esquerda brasileira, na década de 1960, o momento político do país exigia confronto e não
conciliação com a direita. É sobre essa perspectiva que, segundo Jorge Ferreira, o próprio João Goulart foi
“acusado” de ser um conciliador. Ver: FERREIRA, Jorge. A frente de mobilização popular: a esquerda brizolista
e a crise política de 1964. In.: Clio. Revista de Pesquisa Histórica. Recife: editora Universitária da UFPE, n. 22,
2006. p. 108.
32
que essa palavra era compreendida naquele momento da história brasileira e mundial. É nesse
sentido, que entendemos ser necessário uma reflexão sobre a noção de comunismo, naquele
momento, uma vez que, essas noções não são algo dado naturalmente, mas o que foi sendo
definido como comunismo, deve ser entendido a partir da historicização das representações
feitas à época, encontradas nas mais variadas fontes.
Diante do que foi exposto, o objetivo do presente capítulo é fazer uma análise
sobre as percepções anticomunistas do sentido da palavra “comunismo”, tendo como base os
discursos que circularam no Estado do Piauí na década de 1960. Entendemos que, para se
opor a esse regime socioeconômico, os formuladores das representações anticomunistas
tinham, em certo sentido, uma necessidade de dar a sua conceituação. Para compor este
capítulo partimos do pressuposto de que toda palavra tem seu caráter semântico móvel e
variável, e que até mesmo durante a própria década de 1960 a significação do comunismo foi
sendo modificado, permeado de continuidades e rupturas. No entanto, os anticomunistas, ao
definirem o comunismo, tentavam construir um sentido invariável e universal, levando o
leitor a uma idéia de coerência. Sendo indispensável, segundo nosso ponto de vista,
compreender como essa palavra possuiu um conjunto complexo de conceitos de valores e
sentidos ao longo da década de 1960.
40
A frase original que se encontra no final do Manifesto do Partido Comunista é: "Proletários de todos os países,
uni-vos". MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. In: REIS FILHO, Daniel Aarão
(Org). O manifesto comunista 150 anos depois. São Paulo: Perseu Abramo, 1998. p. 41.
33
na República, de Platão, onde este filósofo propunha, como fator determinante para não haver
conflitos entre os interesses privados e o Estado, a supressão da propriedade privada. Propôs
também a supressão da família, pois a afetividade entre os seus membros seria um fator
determinante para o enfraquecimento da devoção dos indivíduos ao bem público.41 Desta
forma, poderíamos apontar para o conceito orgânico de comunismo como um sistema
econômico e social baseado na propriedade coletiva, onde todos os indivíduos privilegiassem
o bem público em detrimento de seus interesses particulares. Seria simples afirmar que o
anticomunismo faz oposição a esse conceito. No entanto, mesmo partindo dessa formulação
embrionária da política comunista, não conseguiríamos abranger a complexidade de
significados que esta noção alcançou nas sociedades ocidentais anticomunistas do século XX,
se não mencionássemos a teoria socioeconômica desenvolvida por Karl Marx.42
Um dos escritos mais conhecidos e lidos de Karl Marx, certamente foi o Manifesto
do Partido Comunista.43 Segundo Carlos Nelson Coutinho, “embora a construção do
marxismo se inicie antes do Manifesto, é nesse pequeno texto que, pela primeira vez, Marx e
Engels expressam de modo sistemático os fundamentos de sua teoria política, ou mais
precisamente, da teoria histórico-materialista do Estado e da Revolução”.44 Devemos lembrar
que o período em que essa obra foi escrita reflete um profundo estado de transformações das
grandes cidades européias, resultante da Revolução Industrial. A concepção marxiana de
comunismo tem “como fundamento essencial a organização industrial do mundo moderno”.45
Os escritos de Karl Marx e Friederich Engels estão direcionados à ação dos proletários
citadinos e ao desenvolvimento propiciado pela burguesia nas grandes indústrias.
Para Karl Marx, o comunismo representava o fim da luta de classes. Utilizando o
41
BEDESCHI, Giuseppe. Comunismo. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola e PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. Vol. um: de A a J. Tradução: Carmen C. Varriale [et al]. 5. ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000.
42
Para a construção de valores embrionários que constituíram a noção de comunismo nas sociedades ocidentais,
poderíamos citar vários autores, como: Thomas More e sua obra Utopia (1516), uma vez que esse livro
demonstra explicitamente que nos regimes políticos em que predominam a propriedade privada e onde o
dinheiro é a medida de todas as coisas, não vigorariam a justiça e a prosperidade. Também poderíamos citar –
escrito em plena Revolução Francesa – o autor François Nôel Babeuf que escreveu sua obra inspirado em
Rousseau e Morrelly, tendo como obra-síntese de suas idéias: manifeste des plébéis, que propõe uma
administração comum da terra, e a supressão da propriedade privada. Outro intelectual importante foi Charles
Fourier, formulador dos “falanstérios”, pequenas comunidades não mais influenciadas pela livre concorrência,
com os indivíduos tendo uma vida comunitária e executando todos os trabalhos juntos. Porém preferimos
trabalhar Marx e Engels, principalmente utilizando o Manifesto Comunista (1848) por imaginar que o manifesto
demonstra pressupostos essenciais para a concepção dos valores contemporâneos sobre o comunismo e também
porque nas análises que foram realizadas nos jornais locais percebemos que as referências à construção dos
valores comunistas estavam ligadas majoritariamente as idéias marxistas. Idem.
43
“Escrito entre 1847 e o início de 1848, provavelmente ele foi redigido apenas por Marx, que utilizou a versão
final de um esboço preliminar elaborado por Engels, intitulado Princípios do comunismo”. COUTINHO, Carlos
Nelson. O lugar do manifesto na evolução da teoria política marxista. In.: REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). O
manifesto comunista 150 anos depois. São Paulo: Perseu Abramo, 1998. p.43.
44
Idem, p. 44.
45
BEDESCHI, G. Op. Cit. p. 208.
34
Dicionário do Pensamento Marxista, Ricardo Antônio de Sousa Mendes afirma que Marx
refere-se ao comunismo sob duas formas “como encaminhamento da luta realizada pelos
trabalhadores e como uma forma de sociedade a ser organizada pela classe operária”.46
Assim como podemos afirmar que a obra de Karl Marx fundamentou
teoricamente o comunismo moderno, essa obra também foi o ponto de partida para a
construção do ideal anticomunista no mundo, no século XX. Apesar de as formulações
orgânicas do comunismo remeterem à Antiguidade, o anticomunismo toma grande proporções
depois das formulações teóricas de Karl Marx. Este intelectual é considerado o pai do
comunismo moderno e por esse motivo a figura mais citada pelos anticomunistas deste
período. A grande maioria dos anticomunistas, principalmente os piauienses, acreditava que
estava formulando discursos contra Marx e a obra marxiana. Constantemente visualizamos
que a palavra comunismo é utilizada, principalmente pelos piauienses, mas não só eles, como
sinônimo de marxismo, pela associação do comunismo com a obra marxiana e os estudos
marxistas.
No entanto, não se pode simplificar o anticomunismo do século XX como pura
oposição à obra de Karl Marx e dos marxistas. Luciano Bonet reflete que, antes de ser
puramente uma aversão ao comunismo, o “anticomunismo assume necessariamente valores
bem mais profundos que o de simples oposição de princípios”.47
Em um primeiro momento, podemos refletir que a elaboração de uma ideologia
que se contrapusesse à teorização marxista deve ser entendida como uma proposta de combate
a um novo formato de organização das sociedades ocidentais, que parecia estar se
consolidando na Europa Ocidental. O sistema regido pelo capital, em um determinado
momento da história, parecia perder lugar para a consolidação de uma outra forma de
estruturação social real e possível, que era o comunismo.
Contudo, a construção dos discursos anticomunistas contou com formulações
teóricas ligadas a interesses políticos dos mais diferentes segmentos sociais, tanto da direita,
quanto da própria esquerda. Para esta consideração, Luciano Bonet afirma que:
49
RODEGHERO, Carla Simone. Religião e patriotismo: O anticomunismo católico nos Estados Unidos e no
Brasil nos anos de Guerra Fria. Revista Brasileira de História. Vol 22, nº 44, São Paulo 2002. p.01
50
BONET, L. Op.Cit. p.34.
51
MENDES, R. A. S. Op. Cit. p.79.
52
Idem, p.80.
36
53
Idem, Ibdem.
37
54
BONET, L. Op. Cit.
55
SPINDEL, Arnaldo. O que é comunismo? 18 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. p.63.
38
afirmando que o anticomunismo não foi utilizado para esses fins e muito menos que não
contou com a participação dessas instituições, acreditamos que também teve essa finalidade e
corroboramos com a idéia do autor.56 No entanto, não podemos deixar de perceber que
56
O autor faz uma opção por desenvolver seu trabalho sobre o anticomunismo delimitando como campo de
pesquisa as direitas brasileiras, principais as instituições oficiais.
57
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964)
São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002.
58
SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931-1934). Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2001. (Coleção História).
59
Esse trabalho coloca de modo claro que pretende justificar a existência do anticomunismo no Brasil antes de
1935, ou da intentona comunista, para isso refuta as idéias centrais do trabalho de Eliane Dutra, ver: DUTRA,
Eliane Regina de Freitas. O ardil autoritário: imaginário político no Brasil dos anos 30. Rio de Janeiro: Ed.
UFRJ, Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997. 412p.
60
SILVA, C. L. Op. Cit. p.48.
39
61
Idem, p.49.
62
Podemos citar outros autores que são importantes para a compreensão do anticomunismo no Brasil, ver:
MEZZAROBA, orides. Plano Cohen: a consolidação do anticomunismo no Brasil. Revista
BuscaLegis.ccj.ufsc.br. Revista n.24, 1992, p.92-101. Site:
file:///Platao/www/arquivos/RevistaCCI/Seque_A_Consolidação_do_Anticomunismo_no_Brasil-html. Acessado
em setembro de 2007.
40
nos anos de 1960, acreditamos que seja interessante apresentá-lo através dos textos escritos no
período, bem como através da memória de piauienses que viveram aquele momento.
A imagem que os piauienses tinham de si mesmos, pelo menos durante a maior
parte da década de 1960, não era positiva. Tantos os jornais, quanto na memória dos
entrevistados, o Piauí era considerado muito pobre e ainda sofria com o estigma de Estado
mais atrasado da nação. Era comum se ler em todos os jornais do período frases como: “O
PIAUÍ é o Estado mais pobre da Federação e o mais esquecido pelo Governo Federal [...]”
[grifo da autora].63
Estado com modos provincianos, era visto assim o Piauí. Sua capital, Teresina, na
década de 1960 contava apenas com uma única banca de revistas, que, para os habitantes da
cidade, era uma “loja de revistas”.64 As famosas inovações tecnológicas que fizeram parte das
características da década de 1960 em todo o mundo, no Piauí, chegavam através das revistas,
dos jornais e do rádio, sendo este último o maior veículo responsável pela propagação de
notícias no Estado. As revistas davam conta do panorama nacional e mundial, também
traziam o colorido das fotos e a reportagens dos grandes astros e estrelas do cinema nacional e
internacional, mas sempre chegavam às bancas com grande atraso, devido a sua vinda do Sul
do País. Os jornais, apesar de grande parte ser produzido na capital piauiense, tinham falhas
periódicas nas suas publicações e pelos mais variados motivos: os constantes cortes de
energia na cidade, restrições financeiros, falta de papel, entre tantos outros motivos que
conseguimos visualizar nas páginas dos noticiosos. Mas nada tinha tamanho alcance e
profunda admiração como o rádio na década de 1960. Neste período, o rádio ainda estava em
sua “era de ouro” no Piauí.65 E era a escuta atenta dos noticiários que fez a conexão dos
piauienses com o resto do Brasil e com o mundo durante este período.66 A notícia do golpe
63
BASTOS, Teresa Raulino. Reforma Agrária. Jornal do Comércio, 08 abr. 1962, n.2.944, p.04.
64
ABREU, Irlane Gonçalves de. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, NHOIDB,
2005.
65
A “era de ouro” do rádio no Brasil ocorreu nas décadas de 1930-1940. No entanto, no Estado do Piauí, onde as
primeiras rádios forma implantadas apenas na década de 1940, esta classificação como “era de ouro” do rádio,
muda substancialmente para o período compreendido entre as décadas de 1940-1970.
66
A primeira emissora de rádio do Estado data de 03 de maio de 1940, Rádio Educadora de Parnaíba. Seis anos
depois, é instalada a primeira rádio na capital, Rádio Difusora de Teresina, que só vai ao ar em 18 de julho de
1948. As duas emissoras são instituídas, respectivamente, 18 e 28 anos após a fundação da primeira emissora no
Brasil. Para Francisco Alcides do Nascimento, esse retardamento pode ser entendido mediante alguns aspectos:
“[...] a questão central era, antes de tudo, a falta de recursos financeiros e, de forma secundária, o tamanho e a
densidade demográfica das principais cidades piauienses, já que a maioria da população ainda morava no meio
rural”.Essas dificuldades fizeram com que a “era de ouro” do rádio no Piauí tivesse seu início retardado, com
relação à outras capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, e, conseqüentemente, também terminasse depois, na
década de 1970, período em que, devido à chegada dos primeiros televisores no Estado, o rádio teve que dividir
a audiência com a TV como principal meio de comunicação para os piauienses, e assim, readaptar-se aos novos
tempos. Nos anos de 1960, recorte que estabelecemos para a pesquisa, o Piauí contava com o número de 05
emissoras de rádio: Rádio Educadora de Parnaíba, Rádio Difusora de Teresina, Rádio Educadora de Floriano,
Rádio Pioneira de Teresina e Rádio Clube de Teresina. Ver: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Fios de
41
militar de 1964, por exemplo, foi escutada por muitos através do rádio, e boca a boca se
espalhou rápido, principalmente na capital do Estado. 67
Teresina, apesar de ser a capital, “Era pequena, era acanhada, os serviços públicos
muito raros, transporte público uma negação, saneamento básico inexistente”.68 Nessa época,
também, sofria-se muito com o problema de falta de gêneros alimentícios, como sugere um
morador da capital dos anos de 1960: “Mas aqui além da carestia, a gente tinha que entrar, eu
entrei em fila pra comprar carne, o capitalismo era primitivo. Pra comprar leite tinha que
entrar, ir de madrugada pras vacarias [...]”.69
Mas mesmo com modos acanhados, a capital ainda foi, no Estado, o local de
fermentação de novas posturas políticas, principalmente no início da década de 1960. Os
jovens universitários piauienses já tinham como vilão o “imperialismo norte-americano”, e as
reivindicações nacionalistas também foram ouvidas nos gritos da juventude. Muitos até
reivindicavam de uma forma bastante particular contra o imperialismo, como lembra, na
época o jovem estudante, Jesualdo Cavalcanti: “Não raro, no ingênuo propósito de punir os
EUA, os jovens da minha geração evitavam tomar coca-cola, embora em geral gostassem de
cuba-livre. Que sacrifício!”. 70
No que tange à política partidária, o local de confronto de idéias, preferido pelos
políticos, era a sombra das árvores da Praça Rio Branco.71 Os políticos locais se achavam
isolados do restante do Brasil, tanto que, em 1964, quando se falava em cassação, a grande
maioria dos políticos ocupantes de cargos eletivos apontavam para a sua falta de prestígio
frente à situação nacional, já que poucos foram os piauienses cassados. O mais curioso é que,
no Piauí, para alguns, ser preso por estar envolvido com atos subversivos ou pela acusação de
comunismo, às vezes, significava prestígio nacional, pois só foi preso ou acusado quem tinha
alguma projeção em nível nacional naquele momento. O jornal O Dia, publicou um diálogo
entre dois políticos piauienses que não tiveram seus mandatos cassados:
CASSAÇÃO
- Para alguma coisa – afirmava o político piauiense – valeu essa nossa falta
de prestígio. Não entramos em lista de cassação. Dizia o outro:
- Engana-se. O Clidenor entrou.
Arrebatava o primeiro:
memória: história do rádio. In.: CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar, NASCIMENTO, Francisco Alcides e
PINHEIRO, Áurea Paz. História: Cultura, sociedade e cidade. Recife: Bagaço, 2005. p.05-24.
67
BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Tempo de contar (o que vi e vivi nos idos de 1964). Teresina: Gráfica do
povo, 2006.
68
SILVA, Joel. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
69
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. Teresina, 2005.
70
BARROS, J. C. Op. Cit p.146.
71
Praça localizada no centro da capital piauiense.
42
DELEGACIA DE COSTUMES74
Nota Oficial
A Delegacia de Costumes, tendo em vista as constantes e seguidas
reclamações de famílias da sociedade teresinense, acerca de cenas e atos
indecorosos e atentadores à moral e ao pudor, verificando em diversos
pontos da cidade, em plena via pública, ruas e praças da capital, onde casais
de namorados se entregam a prática de ações ofensivas e desrespeitadoras
aos bons costumes, vem de público, apelar aos pais e responsáveis, no
sentido de dispensarem devida atenção às suas filhas e dependentes, evitando
assim que sejam adotadas providências drásticas e enérgicas.
Comunica, outrossim, que, para coibir tais abusos e irregularidades, se
encontram escalados policiais, o quais receberam severas recomendações.
Teresina, 22 de julho de 1961.
José Maranhão Silva – Delegado.75
72
PELO CANO. O Dia. Teresina, 18 jun. 1964, n.1.267, p.04.
73
Segundo o jornalista Carlos Castello Branco, Petrônio Portella estava “incluído no rol dos sete governadores
que se compunham numa espécie de dissidência ao mesmo tempo do udenismo e do populismo [...]. Incluíam-se
nessa equipe, além de Petrônio, Aluísio Alves, Seixas Dória, Virgílio Távora, Nei Braga e o governador de
Pernambuco Miguel Arraes [...].” CASTELLO BRANCO, Carlos. Roteiro político de Petrônio. In.: OLIVEIRA,
Osvaldo Lemos de. Petrônio Portella: Depoimentos à história política brasileira. Teresina. Piauí, 1993. p.105.
74
Todas as citações referentes aos jornais da década de 1960 passaram por uma atualização ortográfica.
75
DELEGACIA de costumes. Jornal do Comércio. Teresina 25 jul. 1961, n.2.842, p.02.
43
Era este o Piauí. Necessitava de mudanças, mas evitava que elas ocorressem. Não
fugia dos valores tradicionais e questionava as novas modas comportamentais. É nesse Estado
que iremos verificar a produção de representações anticomunistas. Se o medo das mudanças
era uma constante, apesar de existirem forças que as queriam no Estado, é nesse momento que
o comunismo representava a maior proposta de mudança, não só para o país como para o
mundo, por essa razão, ele foi o alvo privilegiado dos discursos daquele momento. É, por esse
motivo, que, de certa forma, ele permaneceu na memória oral e escrita como um mal, que
deveria ser contido, sob as mais variadas justificativas.
76
GRANDES problemas da cidade. Folha da Manhã. Teresina, 29 jan. 1964, n.1.704, p.06.
77
LIMA, prof. Benedito. As Maravilhas da Humanidade. Folha da Manhã. Teresina, 06 nov 1963, n.1.644, p.02.
44
Fotografia 02. Trecho do discurso de Ruy Barbosa publicado no jornal Estado do Piauí.
Fonte: BARBOSA, Ruy. O Comunismo...Estado Piauí. Teresina,18 mar. 1965, s/n. p. 04
comunismo, apesar de grande parte dos anticomunistas acreditarem que as suas críticas
mantinham-se coerentes e direcionadas ao comunismo apresentado por Karl Marx.
Poucos, porém, eram os anticomunistas que leram Karl Marx. Segundo a memória
de um comunista piauiense, nem mesmo os comunistas tinham leituras aprofundadas da obra
marxiana, na década de 1960:
Veja só, tem muito comunista como eu, naquele tempo, que diz: é
comunista, é comunista; eu fui ler comunista na prisão com 17 anos e meio,
que eu fui preso de menor, tá? Eu virei comunista antes de conhecer, de abrir
uma linha sobre Marx, eu estou sendo sincero com você, não só fui eu não,
os outros dizem: eu comecei a ler Marx com treze anos; ninguém lê Marx
aos treze anos, rapaz, é muito difícil, você sabe disso. Então, a gente era
subversivo. Nós éramos contra o regime militar e contra os americanos,
contra a opressão da camarilha americana, os gorilas, então, aquela, aquele
linguajar que você conheceu também. E as pessoas, os reacionários, os
adversários, a chamada direita é que nos cognominava de comunista, então a
gente achou que era melhor deixar pra lá, do que ir explicar que não era
comunista.78
Como Marcos Igreja apontou no trecho citado, as suas ações, por mais que fossem
atos de pura subversão, eram denominados de atos comunistas. Nesse sentido, podemos
perceber que foram várias as definições atribuídas ao comunismo. Permanências e rupturas
seria a melhor maneira de entender a constituição dessas definições. Percebemos que, para
(re)significar o comunismo, os anticomunistas apontavam para elementos fixos, pois estes
seriam marcas dessas representações, estabelecendo um ponto de apoio para que o leitor das
representações anticomunistas percebesse a coerência na construção do sentido atribuído ao
comunismo ao longo da década de 1960. No entanto, outros aspectos foram se modificando
com o passar dos anos e diante das conjunturas políticas e sociais.
Para entendermos como o comunismo foi significado como algo maléfico - nesse
sentido uma permanência negativa foi preservada durante toda a década de 1960 -, é
necessário perceber como os discursos anticomunistas estavam permeados pelo medo do
"outro". Eram freqüentes as transcrições nos jornais piauienses de relatos de viajantes que
tinham visitado países comunistas e, ao retornar, narravam as suas experiências. Geralmente,
era o discurso dos países capitalistas sobre o comunismo. Acreditamos que essas reportagens
eram muito bem aceitas, pela freqüência com eram publicadas, mas também, porque tinham
uma relação com a construção de uma realidade por quem havia visto ou vivido de perto
aquele outro regime econômico, político e social. Essas narrativas pairavam como um relato
fantástico sobre um outro mundo. Descreviam-se as roupas, a comida, o cotidiano, a
78
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de Oliveira.
Teresina, 2005.
46
educação, e tudo que pudesse parecer como diferente do modo de vida dos países capitalistas.
No entanto, as descrições apontavam para as desvantagens do regime comunista, como sugere
o trecho:
79
CALDO entornado. O Dominical. Teresina, 12 jun. 1960, n. 24/60, p.04
80
SIGEFREDO Pachêco fala a O Dia sobre União Soviética. O Dia. Teresina, 21 nov. 1963, n.1.143, p.01.
47
Esse olhar do estrangeiro é apresentado como algo que deve ser levado em
consideração, e que dever ser lido com seriedade, já que o narrador teve a possibilidade de
experimentar as duas realidades, tanto a capitalista, quanto a comunista. Nesse sentido, para
entender a significação do comunismo, é interessante ressaltar que boa parte do que foi dito
sobre comunismo, com a intenção de dar um sentido a essa palavra, foi pronunciado a partir
do olhar do estrangeiro, do forasteiro, do “outro”, como ocorreu com os relatos dos viajantes.
Dentre os aspectos que permaneceram na (re)significação do comunismo durante
a década de 1960, podemos perceber a necessidade dos anticomunistas em manifestar que as
suas críticas ao comunismo tinham como base os valores centrais formulados por Karl Marx.
A maior parte dos anticomunistas piauienses acreditavam que as suas críticas eram
direcionadas àqueles valores puros da obra marxiana, como aponta o trecho a seguir: “É que o
81
JORNALISTA católico visita Moscou. O Dominical. Teresina, 17 jul. 1960, n. 29/60, p.02.
48
Essa definição, além de apontar para a "doutrina de Karl Marx" como suporte dos
ideais anticomunistas, também definiu um outro aspecto importante para a compreensão do
comunismo naquele momento: a crença na universalidade da obra de Marx, podendo, segundo
apontavam os anticomunistas, ser aplicada em qualquer nação ocidental livre. A obra de
Marx, ao tempo em que significava uma forma de organização social nas cidades industriais,
criava a possibilidade de abrir novas perspectivas, como foi na União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), na China e em Cuba, pois, na opinião de alguns
anticomunistas, “[....] a política comunista é objetiva -, suas metas seguem a maior
objetividade, suas linhas são traçadas e dirigidas pelo mais rigoroso e estudado realismo
político”.84 Dessa forma, apesar de países como URSS, China e Cuba adotarem estratégias
diferenciadas de condução da proposta marxista, todos esses países, na avaliação dos
anticomunistas, significavam o "comunismo real".
Por traçar metas de acordo com as possibilidades políticas, e tendo a objetividade
como marca significativa na elaboração dos programas destinados a cada país, segundo a
visão dos anticomunistas, o comunismo também foi visto, nesse momento, como oportunista:
“Mas o comunismo é assim – uma ideologia de dialética materialista, oportunista e
consignada numa máquina política destinada a explorar o proletariado mundial, servindo-se
dele para propagar-se, vencer e submeter os povos aos postulados do materialismo
histórico”.85 A idéia de oportunismo relacionada ao comunismo, como uma tática para se
ampliar pelo mundo, é corriqueira, ou seja, o comunismo traçava planos de ação para cada
país, de acordo com a situação política, com o objetivo oportunista de conquistar cada nação
e, conseqüentemente, o mundo: “A moral marxista é oportunista, acompanha e varia as
82
MENDES, Simplício de Sousa. Ópio do povo. Folha da Manhã. Teresina, 26 abr. 1961, n.960, p.04.
83
ANTUNES, J. C. O dogmatismo dos marxistas. Jornal do Comércio. Teresina, 23 jan 1963, n. 3.050, p.02.
84
MENDES, Simplício de Sousa. Conveniências sobrepujam princípios. Folha da Manhã. Teresina, 18 set.
1960, n.804, p.04.
49
85
MENDES, Simplício de Sousa. As ditaduras marxistas. Folha da Manhã. Teresina, 12 mar. 1960, n.665, p.04.
86
Idem, Ibdem.
87
MENDES, Simplício de Sousa. Teria renegado o comunismo. Folha da Manhã. Teresina, 22 mar. 1960,
n.670, p.04.
88
A RÚSSIA quer defender-se do vírus da liberdade. O Dia. Teresina, 29 mai. 1968, n.2.430, p.03.
89
MENDES, Simplício de Sousa. Quem cultiva colhe. Folha da Manhã. Teresina, 21 mar. 1962, n.1.209, p.06.
90
MENDES, Simplício de Sousa. Resenha internacional. Folha da Manhã. Teresina, 15 mai. 1960, n.712, p.04.
91
COMUNISMO se opõe literalmente ao cristianismo: doutrina e métodos. O Dia. Teresina, 25 nov. 1963,
n.1.144, p.03.
50
92
AFRONTA a civilização. O Dominical. Teresina, 08 mai. 1961, n.40/61, p.03.
93
A FRAQUEZA do comunismo. O Dominical. Teresina, 14 mai. 1961, n.19/61, p.01.
94
MENDES, Simplício de Sousa. Família Cristã. Folha da Manhã, 11 abr. 1962, n.1.226, p.04.
95
KRUTSCHEV e Deus. O Dominical. Teresina, 02 abr. 1961, n.14/61, p.01.
96
MENDES, Simplício de Sousa. Terror comunista. O Dia. Teresina, 11 abr. 1964, n.1214, p.03.
97
Idem.
98
Idem.
51
99
MENDES, Simplício de Sousa. Pseudonacionalismo. Folha da Manhã. Teresina, 10 mar. 1960, n.663, p.04.
100
NACIONALISMO vermelho. Folha da Manhã. Teresina, 11 mar. 1960, n.664, p.02.
101
WALTER, José. Marxistas latentes. O Dia, 22 set. 1960, n.809, p.01.
102
MOTTA, R. P. S. Op. Cit.
52
em lacaios de Wall Street, mas vivem a gritar contra o que eles chamam de
processo espoleativo(sic). Vez por outra, uma vez por mês falam no perigo
comunista, para afirmar que ele não existe, pois a Rússia está muito longe.
Mas não falam que a Rússia está muito longe de Cuba....E negam com
veemência a sua condição de comunistas.107
107
O POVO brasileiro deixará também enganar-se? Estado Piauí. Teresina, 03 mar. 1963, n. 522, p.03.
108
A BONDADE vermelha. Jornal do Piauí. Teresina, 18 jan. 1962, n.991, p.04.
MAURICIUS, Petrus. O “vermelho” e o “Verde”. O Dia. Teresina, 21 jul. 1960, n. 791, p.
109
01.
54
dentro”.110
Com o fim das eleições e a vitória de Jânio Quadros, alguns anticomunistas
atribuíram essa vitória não apenas ao candidato, mas, sobretudo, significava uma vitória
contra o comunismo:
110
Idem, Ibdem.
111
NACIONALISMO ou traição cubana? Jornal do Comércio. Teresina, 17 nov. 1960, n. 1.745, p.04.
112
“Tratava-se de um conjunto de medidas que visava alterar as estruturas econômicas, sociais e políticas do
país, permitindo o desenvolvimento econômico autônomo e o estabelecimento da justiça social. Entre as
principais reformas, contavam a bancária, fiscal, administrativa, urbana, agrária e universitária, além da extensão
do voto aos analfabetos e oficiais não-graduados das Forças Armadas e a legalização do PCB”. FERREIRA, J.
Op. Cit. p.105.
113
MENDES, Simplício de Sousa. Ligas Camponesas. Folha da Manhã. Teresina, 17 ago. 1960, n. 782, p.04.
114
MENDES, Simplício de Sousa. Atividades comunistas no Brasil III. Folha da Manhã. Teresina, 20 ago.
1960, n.785, p.04.
55
homens do campo deveriam continuar utilizando as denominações que já lhe havia atribuído a
literatura brasileira, como: roceiro, sertanejo, agricultor, entre outras. Mas essa é só uma
forma de demonstrar a infiltração comunista no campo, segundo alguns anticomunistas, o
maior prejuízo que era trazido por essa penetração estava na propagação de ideais
comunizantes, por esse motivo, existia um grande temor de que os trabalhadores do campo se
auto-denominassem camponeses, demonstrando, assim, a intensidade da propaganda
comunista no ambiente rural.
Mesmo a obra marxiana apontando para uma preocupação com os trabalhadores
das cidades e das indústrias, boa parte dos anticomunistas piauienses acreditavam que a
revolução comunista brasileira e piauiense partiria do campo. Nesse sentido, quando era
mencionado o fim da propriedade privada, no Piauí, isto era quase que exclusivamente
compreendido como fim das propriedades rurais. Desta forma, qualquer proposta de pensar a
situação do homem do campo, naquele momento, era sinônimo de comunismo. Um exemplo
interessante sobre essa relação, deu-se a partir da instalação da SUPRA (Superintendência da
Reforma Agrária) no Piauí, segundo alguns jornais da época, vários nomes foram indicados
para assumirem cargos naquela instituição, no entanto esse órgão era visto como uma
"organização tipicamente comunista". Perguntado sobre a relação entre essa instituição e o
comunismo, um representante da UDN, deputado Valdemar Macedo, respondeu ironizando a
excessiva necessidade de atribuir a denominação comunista a qualquer aspecto relacionado ao
campo: "Bem, o comunismo do Deputado Deusdedit Ribeiro eu sei que é pra valer. Mas esse
comunismo do Alfredo [Nunes], Petrônio [Portella], Chagas Rodrigues e SUPRA....nesse eu
115
estou dentro". Os próprios jornais da época ironizavam essa relação entre a SUPRA e o
comunismo com notas cômicas:
115
A SUPRA. O Dia. Teresina, 04 nov. 1963, n.1.129, p.04.
116
PELO CANO - nada com a SUPRA. O Dia. Teresina, 28 mai. 1964, n.1250, p.04.
56
homem do campo, como aconteceu com Dom Carmelo Mota e os Bispos do Nordeste, são
classificados de comunistas pela imprensa alugada. Até Dom Avelar117, em Teresina, já é
chamado de comunista”.118
A terra deveria ser um bem comum, pregavam os comunistas, no entanto, para
determinados segmentos anticomunistas, esse era o chavão comunista para implantar o seu
regime nos mais variados países, como sugere o trecho a seguir: " 'A terra para os
camponeses'. Este slogan ajudou todos os regimes comunistas a conquistarem o poder. Todos
eles em determinado momento decretaram a reforma agrária e depois....Depois, confiscaram
as terras distribuídas" [grifo do autor].119 Era dessa forma que a Reforma Agrária era
entendida, como slogan para a consolidação de um regime comunista: “Reforma Agrária é o
slogan número um dessa revolução comunista. É o primeiro degrau da escada comunizante: -
'Terra, pão e liberdade'.”120.
Nos últimos anos da década de 1960, o comunismo estava relacionado a dois
sentidos bastante diferenciados: ao terrorismo, ou seja, terrorista e comunista eram sinônimos,
e a ação promovida por padres subversivos.121 É necessário ressaltar que, nesse momento, a
aproximação entre os ideais comunistas e parte do clero não ocorreu apenas no Brasil, mas em
toda a América Latina.
Logo após o golpe civil-militar de 1964, e depois de uma perseguição aos
comunistas brasileiros, em nome de ideais democratizantes e cristãos, a significação do
comunismo vai ser permeada por duas ações, primeiramente pelas organizações de esquerda,
com a ação da luta armada e, em segundo, pela resistência e denúncias contra o regime militar
organizado por parcela da Igreja Católica. Acreditamos que existiam essas duas formas, que
podemos afirmar como visíveis, na qual houve uma caracterização ou significação do
comunismo, no período compreendido entre 1965 e 1969. Se por um lado, o crescimento das
organizações de esquerda dava um caráter de terrorismo ao comunismo, por outro lado, e de
117
No segundo capítulo trataremos mais detalhadamente sobre a relação do Arcebispo de Teresina, na época,
Dom Avelar e o comunismo. No final desse capítulo alguns elementos sobre a atuação de Dom Avelar no Piauí
também serão analisados.
118
GUILHERME, Olimpio. Assembléia Legislativa. Folha da Manhã. Teresina, 15 nov. 1963, n. 1.652, p.08.
119
LEITE, Cristina. Uma Lição para o Brasil. O Dia. Teresina, 23 abr. 1964, n.1.222, p.03.
120
MENDES, Simplício de Sousa. Socialismo e Reforma Agrária. Folha da Manhã. Teresina, 20 dez. 1960,
n.869, p.04.
121
No segundo capítulo classificamos uma vertente religiosa anticomunista que se fundamentou nos discursos da
Igreja Católica no Piauí. Não estamos caindo em contradição ao afirmar que parcela da Igreja Católica produziu
representações anticomunistas e também foi associada e significada como comunista. Devemos ressaltar que a
produção de representações anticomunistas pela Igreja Católica foi mais expressiva entre os anos de 1960 a
1964, a partir de 1965 as construções discursivas anticomunistas diminuíram, mas não desapareceram. No
entanto, nos periódicos não católicos, a partir daquele momento, começaram a aparecer claramente a relação
entre alguns padres e o comunismo, significando parte da Igreja Católica como comunista.
57
forma decisiva, após o Concílio Vaticano II122, a posição assumida por alguns membros da
Igreja, deu a tônica para a relação entre a ação social de determinados grupos da Igreja
Católica e o comunismo.
Esse último aspecto pode ser compreendido de uma forma específica. Não
estamos afirmando que toda a Igreja Católica apoiasse os ideais comunistas. Por parte de
alguns membros do clero, a relação de segmentos da Igreja Católica e a sua identificação com
o comunismo foi, durante todo esse período, duramente criticada. No entanto, como aponta
Michael Löwy, "O pontificado de João XXIII e o Concílio do Vaticano II (outubro de 1962 a
dezembro de 1965) vão legitimar e sistematizar essas novas orientações, constituindo assim o
ponto de partida para uma nova época na história da Igreja".123 A despeito de não
concordarmos totalmente com a idéia de uma "nova época", uma vez que a Igreja Católica
continuou apoiada em valores tradicionais que remetiam a outros concílios como:
insolubilidade do casamento, a negação ao aborto, entre outros, acreditamos que, apesar da
importância do Concílio Vaticano II na condução de novas posturas na América Latina, isso
não refletiu a postura da Igreja como um todo naquele momento. Entendemos que parcela
significativa do clero também resignificou a sua postura diante do comunismo, nos anos finais
da década de 1960, no Brasil. Acreditamos que a tentativa dessa aliança de forças foi
entendida como necessária, por grupos religiosos e de esquerda, para o enfrentamento da
ditadura no país.
Várias foram as reportagens publicadas no Piauí, no período compreendido entre
meados dos anos de 1967 a 1969, que significavam o comunismo como terrorismo. Com o
início das atividades das guerrilhas urbanas e rurais, e antes do Ato Institucional AI-5, quando
as notícias sobre os comunistas ficaram escassas, foi possível ainda vislumbrar nos jornais
essa associação.
em Minas e na Guanabara.
[...]
A "vanguarda Popular Revolucionária" era uma organização subversiva,
constituída por marginais de toda a espécie, inclusive prostitutas, sendo
todas de alta periculosidade, porque calculistas e sangüinários.124
Tira-Gosto
Quem quiser que se dê mal,
Quem quiser, ache ruim!
O Governo Federal
É muito bom pra mim!
Porque, só mau elemento
Acha que não está certo,
Mas, eu acho cem por cento,
O novo horizonte aberto!
O Marechal Presidente
Vai levando esse País,
Com patriotismo ardente
Para um futuro feliz!
O nosso Brasil vai crescer,
sem roubos, sem marmeladas,
Pois, vamos agradecer
As nossas forças armadas
Condenemos os terroristas,
Perigosos assaltantes,
Corruptos e comunistas,
Perversos em cada instante! [grifos nosso] 127
124
DESBARATADA perigosa quadrilha terrorista. O Dia. Teresina, 26 mar. 1969, n.2.686, p.08.
125
EXPLODIU bomba na FAFI. O Dia. Teresina, 20 mar. 1969, n.2.681, p.08.
126
COMUNISTAS bombardeiam prédios. O Dia. Teresina, 13 jul 1967, n.2170, p.08.
127
TIRA-GÔSTO. Estado do Piau. Teresina, 23 fev. 1969, n.1126, p.03.
59
DECÁLOGO DA SEGURANÇA
1 – Os terroristas jogam com o medo e o pânico. Somente um povo
prevenido e valente poderá combatê-lo. Ao ver um assalto ou alguém em
atitude suspeita, “não fique indiferente, não finja que não viu, não seja
conivente”. Avise logo a polícia ou quartel mais próximo. As autoridades lhe
dão toda a garantia inclusive do anonimato.
2 – Antes de formar uma opinião, verifique se ela é realmente sua, ou se não
passa de influência de “amigo” que o envolveu. Não estará sendo você uma
“inocente útil” numa guerra que visa destruir você, sua família e tudo o que
mais ama nessa vida?
3 – Aprenda a ler jornais, ouvir rádio ou assistir televisão “com certa
malícia”. Aprenda a captar mensagens indiretas e intenções ocultas com tudo
o que você vê ou ouve. Você vai se divertir muito com o jogo daqueles que
pensam que são mais inteligentes do que você e estão tentando fazer você de
bobo com um simples jogo de palavras.
4 – Se for convidado ou sondado, ou conversado sob assuntos que lhe
pareçam estranhos ou suspeitos, finja que concorda e cultive relações com a
pessoa que assim o sondou e avise a polícia ou o quartel mais próximo. As
autoridades lhe dão toda garantia inclusive o anonimato.
5 – Aprenda a observar e guardar na memória alguns detalhes marcantes das
pessoas, viaturas e objetos nas ruas, nos bares, nos cinemas, teatros e
auditórios, nos ônibus, nos edifícios comerciais e residenciais, nas estações
ferroviárias, nos trens, nos aeroportos, nas estradas, nos lugares de maior
movimentação ou aglomeração de gente.
6 - Não receba estranhos em sua casa – mesmo que sejam da polícia – sem
antes pedir-lhes a identidade e observá-los e guardá-los na memória alguns
detalhes, número da identidade, repartição que expediu, roupa, aspecto
128
GERMANO FILHO. Ação comunista na América Latina. O Dia. Teresina, 22 mar. 1966, n.1.804, p.07.
129
MONTENEGRO, Antônio. Labirintos do medo: o comunismo (1950-1964). In.: Clio. Revista de Pesquisa
Histórica. Recife: editora Universitária da UFPE, n. 22, 2006. p.226.
60
130
DECÁLOGO de Segurança. Jornal do Piauí. Teresina, 19 dez 1969, n.3.153, p.02.
131
CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar. Deslumbramento e susto: maravilhas tecnológicas, captura social e
fuga identitária nos anos sessenta. In.: ______. Todos os dias de paupéria: Torquato Neto e a invenção da
tropicália. São Paulo: Annablume, 2005, p.78.
132
Carlos Marighela foi importante membro do Partido Comunista no Brasil (PCB). No ano de 1966 optou pela
luta armada contra a ditadura militar e fundou ALN (Ação Libertadora Nacional). Em novembro de 1969 foi
morto em São Paulo pelos agentes do DOPS. Para saber mais sobre Carlos Marighela ver: NÓVOA, Cristiane,
NÓVOA, Jorge. Carlos Marighela: o homem por trás do mito. São Paulo, Editora UNESP, 1999. 560 p.
61
Mesmo com esse discurso conciliador, Dom Avelar tinha uma preocupação com a
ação de determinados setores que poderiam provocar uma fragmentação no seio da Igreja
Católica no Brasil, pois, segundo o prelado, aquela época estava sendo rica no florescimento
de correntes de pensamento. Dentre essas correntes a que mais preocupou o arcebispo é o que
ele denominou de "corrente profética":
Dom Avelar, nesse trecho, reflete sobre algo preocupante para a Igreja Católica
naquele momento: a ação armada por partes de alguns membros do clero. A significação de
comunista como terrorista já era uma constante nos jornais da época. Dom Avelar cogita
sobre essa possibilidade de significação de terroristas aos membros do clero, nesse sentido
toma cuidado em afirmar que as ações desses membros da Igreja Católica podem ser
entendidas como "mais ou menos radicais". O maior temor é que parcela do clero promovesse
o conflito, o confronto, em especial, o armado, atitudes próprias dos terrorista-comunistas.
Nesse sentido, a significação de terrorista recairia também sobre parcela da Igreja Católica,
como de fato acabou ocorrendo.
Mesmo não concordando com algumas atitudes tomadas por setores da Igreja
Católica, Dom Avelar defende a unidade cristã no seio da Igreja Católica. E é por isso que o
Arcebispo de Teresina se fez contrário à ameaça de prisão do bispo de Crateús, Dom Antônio
Batista Fragoso. 139
138
VILELA, Dom Avelar Brandão. ORAÇÃO por um dia feliz. 22 de fevereiro de 1969 (documento da
biblioteca do padre Raimundo José Ayremorais)
139
Sobre a reação de Dom Avelar à prisão de Dom Fragoso ver as seguintes reportagens: DOM Avelar protesta
contra ameaça ao Bispo de Crateús. Jornal do Piauí. 23 nov. 1968, n.1946, p.01; D. AVELAR preocupado com
a prisão de Dom Fragoso. O Dia. Teresina, 23 nov. 1968, n.2583, p.01.
64
Dom Antônio Fragoso fez várias visitas ao Piauí. E ficou conhecido aqui como
um bispo esquerdista, como relata Marcos Igreja.
[...] tinha um padre também que vinha de vez em quando aqui, Dom
Fragoso, um bispo, bispo de Sobral, não, Crateús, era o esquerdista do
nordeste, muito boas as palestras dele, e os padres do Diocesano que cediam
toda vez que precisava, por exemplo, o Dom Fragoso vinha fazer uma
palestra aqui, e a repressão queria proibir a palestra e os padres italianos do
Diocesano enfrentaram a repressão e cederam, foi o único local em que ele
fez a palestra, cederam seu espaço, isso mais ou menos em 1967, Dom
Fragoso veio aí e fez uma palestra muito boa, [...].141
140
ANEXO, de artigo no documento: CONFIDENCIAL, do Ministério do Exército. IV Exército. 10ª R.M. -
Q.G. EMG. 2ª Seção. Fortaleza- CE, 1º de fevereiro de 1974.
141
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. NHOIDB, Teresina, 2005.
142
Antônio José Castelo Branco Medeiros foi seminarista, participou do movimento estudantil e foi preso várias
vezes pela ditadura militar como comunista e subversivo, na década de 1960.
65
143
MEDEIROS, Antônio José Castelo Branco. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho.
Teresina, 1997. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos
de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI.
Teresina, 2006. 229p. Dissertação de Mestrado.
66
Fotografia 06. Carta que compõe o dossiê de Dom Fragoso nos arquivos do DOPS.
Fonte: Dossiê de Dom Fragoso nos arquivos do DOPS.
pergunta constante que se fazia era: como padre comunista, se o comunismo é ateu? Ou ainda,
podemos repetir a pergunta feita durante o interrogatório do padre dominicano, Frei Betto,
preso pela ditadura militar no ano de 1969 como subversivo: Como um cristão pode colaborar
com um comunista?144 Mesmo com essa profunda divergência, várias ações católicas foram
associadas ao comunismo, e tiveram a sua significação como tal. No Piauí, os casos mais
celebrados foram o do Padre Carvalho, visto por muitos como comunista, por sua atuação em
favor dos operários e camponeses, e o do MEB (Movimento de Educação de Base),
movimento que se propunha a ajudar na alfabetização de moradores do campo, promovido
pela Igreja Católica no Piauí, teve vários de seus membros detidos, acusados de propagarem
ideais comunizantes.
Esse texto não é da década de 1960 ou 1970, encontra-se hoje na internet, assim
como várias outras publicações anticomunistas146. A batalha travada constantemente na mídia
144
LÖWY, M. Op. Cit. p.62.
145
O LIVRO negro do comunismo. In.: site: http://www.renascebrasil.com.br/campos/comunismo.htm
Acessado em 25 de abril de 2006.
146
Uma das últimas publicações recentes de teor anticomunista foi: USTRA, Carlos Alberto Brilhante. A verdade
sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça. 2ª ed. Brasília: Editora Ser, 2006. Segundo
nosso ponto de vista, a escrita desse livro parte de uma tentativa do autor em justificar as ações do DOI-CODI,
contra a esquerda armada. O autor do livro é um militar da reserva que está respondendo processo por tortura,
ação que, no livro, argumenta nunca ter cometido. Neste livro, é necessário perceber alguns aspectos:
1. o autor não chama "golpe" ou "revolução" de 64, mas contra-revolução, pois de acordo com seu argumento, já
havia muitos anos sucessivas tentativas de tomada de poder pelos comunistas.
68
2. Para o autor existiram três marcos centrais, que ele estabeleceu como tentativas fracassadas dos comunistas
tomarem o poder: a. 1935 - "intentona comunista"; b. 1964 - com a articulação dos movimentos esquerdistas; c.
1968 - com as manifestações populares.
3. Argumenta positivamente as ações do Exército, e aprova a criação dos DOI-CODIs, ao qual teve o II Exército
situado em São Paulo sob o seu comando.
4. O livro é um instrumento interessante para se entender o anticomunismo como uma tradição da cultura
política brasileira, pois, segundo o autor, a tentativa de tomada de poder pelos comunistas não terminou,
sobrevive reorganizado em outros movimentos sociais e partidos políticos como o PT e o MST.
69
147
“Conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão origem e significação a um processo político, pondo
em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseiam os seus atores”. KUSHINIR, Carina e CARNEIRO,
Leandro Piquet. As dimensões subjetivas da política cultural, política e antropologia. In.: Revista de Estudos
Históricos. nº 24, Rio de Janeiro, 1999/2, p.227.
148
Expressão utilizada por Michel de Certeau para designar o lugar social na escrita historiográfica, no entanto,
entendemos que qualquer forma de escrita “[...] está, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em
particularidades”. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução: Maria de Lourdes Menezes. 2 ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.66.
149
CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela Galhardo.
Lisboa, São Paulo: DIFEL, BERTRAND. 1990, p.17.
150
Paulo Henrique Martins, estudando a Cultura Autoritária no Brasil, reflete sobre termo brasilidade, que
segundo este autor, pode ser entendido como "um conjunto de significações identitárias, ao mesmo tempo
próximas e contraditórias". Ver: MARTINS, Paulo Henrique. Cultura autoritária e aventura da brasilidade. In.:
BURITY, Joanildo A. Cultura e identidade: perspectivas interdisciplinares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.66.
151
As discussões sobre identidade nos dias atuais refletem a condição de crise da modernidade. Nesse sentido,
aceitamos que a identidade pode e deve ser entendida como algo que não é fixo, essencialista ou permanente.
Ver: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. 9 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
71
cuja concepção não partilhamos, parte de uma noção que teve influência de um pensamento
positivista ainda muito cultivado na década de 1960, pelo menos entre os grupos mais
conservadores no Brasil, o que remete, substancialmente, a algo essencial que ligava os
indivíduos, algo que cobre qualquer fissura.
É nesse momento, que a união dos grupos de “esquerda” e dos grupos de “direita”
provocou uma luta no sentido de impor uma identidade política brasileira orgânica e
autêntica. De um lado, as “esquerdas” pretendiam mostrar que o Brasil foi e continuava sendo
um país em que as desigualdades sociais atrapalhavam o desenvolvimento da nação, o que
implicaria uma necessária reforma nos mais variados setores sociais. Por outro lado, as
“direitas” investiam em uma suposta “tradição democrática brasileira”, considerando que esta
não poderia ser deixada de lado, pois, segundo o entendimento desses grupos, todos os
brasileiros eram favoráveis aos ideais democratizantes.152
Observando essas propostas, reivindicações e conservações sociais, é possível
perceber como a década de 1960, possibilitou à alguns brasileiros153 se articular entre um
desses lados: ou se era "esquerdista", ou "direitista". Nesse momento da história política do
país, mesmo que os indivíduos não se posicionassem claramente em nenhum dos lados, a
divisão de postura política fazia com que os participantes de determinada ala classificassem
os indivíduos de acordo com o que eles acreditavam que eram atitudes próprias de cada
grupo. Mesmo concordando com Edwar de Alencar Castelo Branco,154 quando argumenta que
os anos sessenta assistiram ao surgimento de um novo modo de ser, subterrâneo ou
undergroup, em que a expressão "cair fora" era a palavra de ordem, entendemos que a
classificação desses indivíduos que se encontravam fora da esfera de luta macropolítica, era
feita sem o menor constrangimento pelos indivíduos que se autodenominavam direitistas ou
esquerdistas. Para estes últimos grupos, a postura de indiferença com relação à macropolítica
não existia. Um bom exemplo disso, é dado pelo próprio Edwar Castelo Branco, ao analisar
os conflitos entre diferentes segmentos jovens nos anos 1960, o autor aponta para um conflito
significativo ocorrido entre as experiências tropicalistas e os segmentos ligados ao Centro de
Cultura Popular da União Nacional dos Estudantes, estes últimos "tendiam a projetar, nas
manifestações culturais não engajadas - como, do seu ponto de vista eram as manifestações
152
Segundo Jorge Ferreira, entre os anos de 1945 a 1964, observar-se uma divisão de projetos para o Brasil “De
um lado a esquerda [...] com o projeto nacional estadista [...]; de outro, os liberais-conservadores de direita.”
FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.14.
153
Não podemos atribuir uma participação e, muito menos, divisão de postura política à todos os brasileiros da
década de 1960, como veremos no terceiro capítulo, algumas pessoas se furtavam ao debate outras nem mesmo
entendiam esses acontecimentos políticos.
72
159
CARVALHO E SILVA. F. de Assis. Grande Dilema. Estado do Piauí. Teresina, 21 nov. 1963, n.594, p.01.
160
FERREIRA, Jorge. A frente de mobilização popular: a esquerda brizolista e a crise política de 1964. In.: Clio.
Revista de Pesquisa Histórica. Recife: editora Universitária da UFPE, n. 22, 2006. p.120.
161
NOSSA homenagem. O Dia. Teresina, 30 mar. 1968, n.2391, p.01.
162
HOBSBAWM, Eric. Introdução. HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (org.). A invenção das
Tradições. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1997, (Coleção pensamento Crítico) p.09.
163
“Por ‘tradição inventada’ entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou
abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de
comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado”.
Idem, Ibdem.
74
sem dúvida, a homenagem aos soldados mortos na "Intentona Comunista". Todos os anos, em
vários Estados, inclusive no Piauí, prestavam-se homenagens aos heróicos soldados que
morreram tentando preservar a democracia no País, contra a ditadura do comunismo, como
sugerem os trechos abaixo:
Todos esses discursos (em jornais diferentes e anos variados) têm características
comuns, permaneciam com a idéia de que o povo brasileiro sempre preferiu o regime
democrático a qualquer outra forma de governo. Nesse sentido, para que uma tradição se
consolide, é necessário, além de sua constituição em momentos de crise, ser constantemente
lembrada, reforçada, pois, segundo Eric Hobsbawm “Em poucas palavras, [as invenções de
tradições] elas são reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a
situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que
obrigatória”.168 A invenção de uma tradição democrática brasileira segue em meio à intensa
propagação de uma proposta identitária política nacional, e tinha como um dos seus grandes
pilares o anticomunismo.
164
PROSSEGUEM em todo país..., Jornal do Piauí. Teresina, 26 nov. 1961, n.976, p.01.
165
INTENTONA comunista de 1935. Jornal do Comércio. Teresina, 28 nov. 1962, n.3.026, p.04.
166
TAJRA, Jesus Elias. Intentona Comunista. Folha da Manhã. Teresina, 27 nov. 1963, n.1.659, p.05.
167
NEGREIROS, Sebastião. A Intentona comunista de 1935. O Dia. Teresina, 01/02 dez. 1968, .2.595, p.04.
168
HOBSBAWN, E. Op. Cit. p.10.
75
169
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In.: SILVA, Tomaz
Tadeu da. (org.) Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. 2 ed. Vozes. Petropólis, RJ. 2000,
p.17.
170
HALL, S. Op.Cit. p.51.
76
de competições”.171
Assim, procuramos identificar as representações anticomunistas, na década de
1960, no Estado do Piauí, no intuito de analisar os discursos concorrentes que, de certa forma,
estabeleceram na memória coletiva172 uma “homogeneidade” sobre o comunismo, enquanto
algo negativo. Problematizamos nessas representações três vertentes: a da propriedade
privada, a do conservadorismo e a religiosa. Não estamos afirmando que estas vertentes
estejam completamente separadas, pelo contrário, elas, ao mesmo tempo em que se
relacionam, se complementam, bem como a ênfase dada a cada uma dessas vertentes esteve
relacionada ao lugar social dos que as constituíram.
171
CHARTIER, R. Op. Cit, p.17
172
Ver: HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. SP: Vértice, Editora Revista Tribunais, 1990.
77
Teresina. No entanto, é necessário fazer uma ressalva sobre a análise dessa vertente. As
representações anticomunistas que se constituíram em torno da vertente propriedade privada,
estavam em sua grande maioria relacionadas a duas questões: a Reforma Agrária e a
estatização de bens. Nos jornais locais a Reforma Agrária teve maior destaque, segundo a
nossa opinião, porque refletia o contexto histórico pelo qual o Brasil estava atravessando,
mergulhado no debate das Reformas de Base, mas também pelas particularidades piauienses,
pois este Estado teve como princípio colonizador os grandes latifúndios173. Era o discurso
citadino que se fazia sobre o campo, porque a cidade, sendo o ímã catalisador de gente,
novidades e avanços técnicos, portanto supostamente superior àquele outro segmento,
produziu seu discurso sobre o que era bom e mau para o campo. Se, por um lado, os donos
das terras, argumentavam que o campo deveria continuar como sempre esteve, e que a
desordem que estava ocorrendo era o resultado da penetração de forças estranhas ao meio
agrário, motivadas pelos comunistas; Por outro lado, havia uma tentativa de ajudar os
trabalhadores rurais a terem uma condição de vida melhor. Foi assim, por conta desse apoio
aos trabalhadores do campo, que membros da Igreja Católica, do governo e alguns reformistas
passaram a ser acusados de comunistas.
173
“A população do Piauí em 1950, alcançava 1.045.696 habitantes com 83,7% destes na zona rural. Com isso
tinha o Estado, aproximadamente para cada 6 habitantes, apenas 1 na zona urbana”. MARTINS, Agenor de
79
Fotografia 09. Charge indicando a participação de Chagas Rodrigues no movimento das Ligas Camponesas.
Fonte: CHARGE Ligas Camponesas e Chagas Rodrigues. Jornal do Piauí. Teresina, 25 dez 1962, n.1.084.
Sousa [et al]. Piauí: evolução, realidade e desenvolvimento. 2 ªed. Teresina: Fundação CEPRO, 2002. p.34.
174
A fundação e organização das Ligas Camponesas pelo Partido Comunista remete à década de 1940. Sobre as
Ligas Camponesas ver: DABAT, Christine Rufino. “Depois que Arraes entrou, fomos forros outra vez”: Ligas
Camponesas e Sindicatos de trabalhadores rurais: a luta de classes na zona canavieira de Pernambuco segundo os
cortadores de cana. In.: Clio. Revista de Pesquisa Histórica. Recife: editora Universitária da UFPE, n. 22, 2006.
p.149-188.
80
contavam com o apoio do deputado federal Francisco Julião. Este movimento incentivou o
nascimento de outras organizações camponesas, em outros Estados, com o mesmo nome de
Ligas Camponesas, inclusive no Estado do Piauí. Reunidos e mobilizados, os camponeses
começaram a lutar pela Reforma Agrária.
É nesse mesmo momento, e diante de uma conjuntura instável nacionalmente, 175
que ocupa o cargo de governador do Estado do Piauí, Francisco das Chagas Caldas Rodrigues
(1959-1962).176 Sua postura era a de aproximação com os movimentos populares,
conduzindo seu governo de uma forma distinta das promovidas até aquele momento no
Estado do Piauí:
A proposta de um contato mais constante com a população fez com que Chagas
Rodrigues utilizasse um veículo de comunicação, que, no Estado do Piauí, ainda estava em
seu apogeu: o rádio. Segundo Francisco Alcides do Nascimento, naquele momento para o
Piauí ainda era a “Era do Rádio”.178 A aproximação do governador com as camadas mais
pobres da população, através dos meios de comunicação de massa, não foi bem vista por
muitos segmentos políticos, especialmente quando os discursos transmitidos, através de rádios
175
Para Daniel Aarão Reis Filho, no plano nacional, aguçavam-se as contradições. A burguesia vacilava devido à
não confiança total no governo e também pelo temor do socialismo. Reconhecia-se que esse pânico, forjado, ou
não, paralisava o ímpeto reformista. Ainda havia a postura de João Goulart, que, para Daniel Aarão Reis Filho,
era a de um zig-zag na procura de apoio, posicionando-se ambiguamente frente aos acontecimentos. O autor
também não poupou as posições do próprio PCB, refletindo que o Partido ao tempo em que apoiava o governo,
ia as ruas incentivar as pressões populares contra o próprio governo. REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução
faltou ao encontro. Os Comunistas no Brasil. Brasiliense. São Paulo. 1990.
176
Em 1959 é eleito governador do Piauí, Francisco das Chagas Caldas Rodrigues, candidato da oposição pela
coligação PTB-UDN. Chegou ao poder devido a uma fatalidade, a morte de Demerval Lobão e Marcos Parente,
candidatos a governador e senador pela oposição. O acidente automobilístico que tirou as vidas dos dois
políticos, que viajavam, para fazer um comício na cidade de Água Branca, ficou conhecido como Desastre da
Cruz do Cassaco, e a morte dos candidatos, provocou uma comoção na população piauiense. Porém, o clima foi
bem explorado pelas lideranças oposicionistas, José Cândido Ferraz e Matias Olympio, que, para substituir o
candidato a governador que morrera, indicaram o parnaibano Chagas Rodrigues. Sobre esse assunto ver:
MEDEIROS, Antonio José. Movimentos Sociais e participação política. Teresina (PI), CEPAC, 1996;
TAVARES, Zózimo. 100 fatos do Piauí no século 20. Teresina: Halley, 2000. 122p.
177
MEDEIROS, Antonio José. Movimentos Sociais e participação política. Teresina (PI), CEPAC, 1996, p.69
81
ou pelo jornal escrito, reforçavam o apoio às organizações que lutavam pela Reforma Agrária.
Desse modo, foi por meio do rádio que houve uma maior penetração dos discursos dos
homens da cidade no campo.
No ano de 1961, a decisão de apoio do governador às Ligas Camponesas do
Estado foi uma das iniciativas mais polêmicas, como podemos observar neste trecho de uma
reportagem do jornal Estado do Piauí:
A reportagem indicou que as Ligas Camponesas não eram bem aceitas por alguns
segmentos jornalísticos. Para alguns proprietários rurais, jornalistas e membros de partidos
oposicionistas, era uma audácia o governador trazer ao palácio de Karnak, sede do governo
(que era um lugar civilizado, citadino, digno de homens cultos e poderosos), trabalhadores
analfabetos, rudes e sem modos. Mas a decisão de apoiar as Ligas Camponesas no Estado
esteve vinculada à forma de governo proposta por Chagas Rodrigues. No entanto, essa não era
uma forma que agradava muito às antigas elites políticas e rurais.
O Piauí, desde a colonização, possuiu uma elite detentora da maior parte das
propriedades rurais. Em tempos mais recentes, em geral, esses latifundiários se agregavam em
um ou outro partido político. As práticas de coronelismo, nas décadas de 1940 e 1950, ainda
eram muito comuns no interior do Estado, como relata Marcos Igreja, comunista na década de
1960:
[...] o meu pai, [...] foi morar no interior, [...] ele ocupou a Ilha Grande da
Conceição pra fazer uma roça, e o coronel Gervásio Costa, que era dono das
terras, das terras do outro lado do Maranhão, se achava também dono da
ilha, e aí foi lá com os jagunços pra botar meu pai pra fora, aí meu pai jogou
na cara dele a autorização da capitania dos portos, esse homem ficou com
uma raiva, [...] porque nas terras de Gervásio Costa o que prevalecia era a
ordem dele, se dava chicotada em caboclo desobediente, comprava o côco
pela metade do que os vizinhos compravam, não se pegava em dinheiro, ele
dava um valezinho. Você ia, levava dez quilos de côco, que digamos
valessem dez reais, você consumia de mercadoria cinco reais aí recebia, vale
este cinco reais, [...] os caboclos chamavam (o vale) de “sunguelo”, depois
ele evoluiu e cunhou uma moeda, acho que ainda hoje tem, ele, o Gervásio
178
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Fios da memória: histórias do rádio. In.: CASTELO BRANCO,
Edward de Alencar, NASCIMENTO, Francisco Alcides do e PINHEIRO, Áurea Paz (org.). História: cultura,
sociedade, cidade. Recife: Bagaço, 2005. p.5-24.
179
CABRAL, Sérgio. Liga do Piauí têm apoio do governo e da igreja. Estado do Piauí. Teresina, 26 out. 1961, n.
353, p. 06.
82
Costa, era tão, era um coronel tão forte que cunhou duas moedas lá nas terras
dele; do lado do Piauí valia o Gonçalves Dias, 5 Gonçalves Dias, 10
Gonçalves Dias, 15 Gonçalves Dias e do lado do Maranhão era o Novo Nilo,
10 Novos Nilos, 20 Novos Nilos. Não tinha o cruzeiro, que era moeda da
época, só se pegava em cruzeiro quando vinha pra capital, e tinha que
justificar perante o capataz dele, que era muito mais um feitor, às vezes,
justificar porque queriam, iariam precisar daquele dinheiro, (por)que o Novo
Nilo não valia nem em União, a moeda chamada Novo Nilo não valia nem
em União e nem em Teresina, então, tinham que vir com o cruzeiro, mas era
essa opressão econômica. Se fosse hoje viveriam, estavam aí nesse negócio
de trabalho escravo. Então, meu pai se insurgiu contra o Gervásio Costa e
também teve que vir embora de lá.180
180
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. Teresina, 2005.
83
rompe com o PTB em nível local. Os principais motivos foram: o jogo eleitoral que estava
previsto para o ano seguinte e o apoio aberto do governador à questão da Reforma Agrária,
sendo esse segundo aspecto o acelerador do processo de ruptura da coligação.
Apesar das organizações no campo terem, naquele momento, um nítido avanço,
pouco se acreditava em uma concretização da proposta de Reforma Agrária, e um dos motivos
era a relação entre os latifundiários e os partidos políticos, como sugere o texto:
181
MEDEIROS, A. J. Op. Cit. p.72
182
ALENCAR, Guedes. Reforma Agrária. Estado do Piauí. Teresina, 11 de fev. de 1960, nº 216, p.03.
84
Isto foi tão marcante em seu governo que, mesmo após o golpe militar-civil de
1964, o ex-governador, Chagas Rodrigues e os que o acompanharam eram relacionados à
praga comunista que se alastrou no Piauí. Dizia-se: “[...] Gafanhoto devoradores dos
carnaubais do patrimônio público [...] Vorazes devoraram tudo, alimentando até a praga
183
MENDES, Simplício de Sousa. Folha do Nordeste. Teresina, 03 dez. 1962, s/n, p. 04.
85
comunista dos Honoratos e Esperidiões184 das Ligas Camponesas daquele ensaio nos
arredores de Teresina”. 185
O título de comunista não coube apenas ao governador. Quem apoiasse a Reforma
Agrária também estaria na lista dos vermelhos. Sobre esta associação entre reformistas e
comunistas, Iracema Santos Rocha escreveu:
Iracema Rocha sabia que ser acusado de comunista era fator de perda de
credibilidade perante o povo, pois afirmava que essa atitude era tomada pela oposição para
desqualificar os apoiadores da reforma agrária, entre eles, o próprio governador, que era do
mesmo partido político da cronista. Entretanto, pode-se perceber, na crônica, que a sua
opinião sobre o comunismo não se distanciava em nada daqueles que o combatiam. Os termos
para [des] qualificar aqueles que combatiam a proposta de reforma agrária eram praticamente
os mesmos para agredir aos comunistas.
Em relação ao “comunista” Chagas Rodrigues, não faltaram vozes, após o golpe,
pedindo sua cassação, como o fez Simplício de Sousa Mendes, Presidente da Academia
Piauiense de Letras187, à época, em um artigo que, a princípio, não tinha nenhuma ligação
com aspectos comunistas. Tratando sobre uma estrada que ligava a cidade de União a Miguel
Alves, apenas por título de curiosidade, o professor Simplício Mendes afirmou que esta tinha
sido construída no período do governo de Chagas Rodrigues, aproveitando o ensejo, indagou:
O fato de ser visto como apoiador das Ligas Camponesas e suposto comunista,
imagem que, mesmo após o seu governo, continuou vigorando, ajudou na cassação de seu
mandato, logo após edição do Ato Institucional n. 05, em 1968.
O discurso anticomunista no Estado já existia bem antes do apoio do
governador àquela organização camponesa. No entanto, é a partir da adesão à
causa dos agricultores, determinada também pela conjuntura nacional, que o
discurso anticomunista, articulado pelos defensores da propriedade privada,
intensificou-se no Piauí, num primeiro momento, encarnado na figura do então
governador Chagas Rodrigues.
188
MENDES, Simplício de Sousa. As fontes de subversão. O Dia. Teresina, 28 maio 1964, n. 1.250, p. 03.
189
Movimento de caráter conservador fundado por leigos e bispos Católicos com o intuito de defender valores
cristãos, lutar a favor da propriedade privada, em especial contra a Reforma Agrária, e contra o comunismo. Para
87
“As mudanças ocorridas na Igreja Católica do Piauí se fizeram sentir a partir da chegada de
Dom Avelar, que passou a administrar a Arquidiocese de Teresina em 1956”.190
Fotografia 11. Dom Avelar Brandão Vilela ajudando as vítimas da enchente de 1960.
Fonte: Foto do arquivo pessoal do Padre Tony Batista.
saber mais sobre a TFP ver: MACHADO, Antonio Augusto Borelli e CAMPOS FILHO, Abel de Oliveira. Meio
século de epopéia anticomunista. Vera Cruz, São Paulo. 1980. Coleção Tudo Sobre a TFP.
190
CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em
meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação
de Mestrado. p.49.
191
Idem, p.75.
88
[o] Papa, considerando que o sindicato não tem apenas um papel defensivo,
vê nele um organismo mais construtivo. O sindicato deve ser concebido – e
eis o texto em que se apóia o documento comunista para lhe negar o papel de
defesa – não como uma arma exclusivamente destinada a uma guerra
defensiva, ou ofensiva, que provoque reações e represálias, nem como um
rio transbordante que submerge e separar, mas como uma ponte que une [...]
o papel do sindicato não se limita à missão exclusiva de defesa; é mais
positivo: aproxima as duas partes e une-as, para que, no respeito dos direitos
e interesses defendidos, tendam em conjunto a organizar o bem comum da
profissão duma maneira mais estável, e a desempenhar uma missão superior
na economia nacional. [grifos do autor] 192
esquerda do país”.193
Apesar de ser uma citação bastante longa, ela é determinante para se entender a
postura da Igreja Católica frente à questão agrária no Piauí. Dom Avelar afirmou que o
primeiro fator que deveria ser levado em consideração, com relação à questão agrária é o de
que no Piauí existia um problema relacionado à terra, e esse problema merecia ser
solucionado, desta forma, a Igreja Católica se colocava como uma facilitadora. Segundo o
prelado, os sindicatos haviam aparecido como uma possibilidade de solucionar o problema
agrário. Nesse sentido, a Igreja Católica admitia a existência dos sindicatos como uma forma
de luta pacífica pela causa do trabalhador rural. É sobre essa questão dos sindicatos que, em
sua carta, Dom Avelar faz as diferenciações entre a forma como a Igreja Católica conduz o
movimento sindical no campo das outras formas, pois, na condução empreendida pela Igreja
Católica deveria ser dado ênfase à negociação pacífica, nada de luta de classes, no sentido
leninista–marxista, ou muito menos revoluções sangrentas, as conquistas deveriam ser
resultado: parte da consciência dos patrões e parte da luta pacífica dos trabalhadores.
194
Este documento nos foi doado pelo Pe. Raimundo José Ayremorais, possuindo ainda meia página em que
justifica a escolha de Manuel Emílio Burlamarqui como coordenador da campanha da causa agrária e nomeando
duas comissões: uma de Assuntos Agrários e a outra de Relações Públicas. Todo o texto está repleto de
correções feitas de caneta, tentamos colocar o texto mais fiel o possível do original, no entanto colocamos em
anexo para qualquer dúvida. CARTA, Dom Avelar Brandão Vilela. Arquivo pessoal do Pe. Raimundo José
Ayremorais. 03 de setembro de 1963.
92
Qualquer tipo de relação com o comunismo não seria tolerada, pois, para Dom Avelar, a
Igreja “não aceita a invasão de terras, pura e simples, como se não existisse o direito da
propriedade particular”.
Para ajudar nos esclarecimentos sobre como agiam os sindicatos rurais, apoiados
pela Igreja Católica no Piauí, bem como o seu distanciamento de qualquer movimento de
cunho comunista, Dom Avelar Brandão Vilela apoiou a criação de um programa de rádio, na
emissora católica de Teresina, rádio Pioneira. “Desperta Camponês” era apresentado por
Manoel Emílio Burlamaqui. O programa foi classificado por muitos como instigador dos
movimentos subversivos no campo e, principalmente, propagador do comunismo.195
197
MENDES, Simplício de Sousa. D. Avelar. O Dia. Teresina, 23 abr. 1964, n. 1222, p. 03.
198
MENDES, Simplício de Sousa. Democracia e Socialismo. O Dia. Teresina, 24 abr. 1964, n. 1223, p. 03.
199
Carlos Augusto trabalhou na rádio católica Pioneira, e conviveu com Dom Avelar Brandão Vilela.
200
LIMA, Carlos Augusto de Araújo. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
94
Eu me lembro que uma vez estava numa reunião social onde tinha vários
militares, inclusive um comandante da 10ª região, general, um oficial virou
para mim e disse: “Jesus, você não acha que Dom Avelar é meio comunista”,
eu disse: “não de jeito nenhum, por quê?”. [oficial:] “Não porque o pessoal
da Igreja fala muito em negócio de pobre, camponês, não sei o quê?” [Jesus
Tjara:] “Desde quando falar de pobre é comunismo? Isso não é privilégio de
comunista não, o senhor está enganado. Não é assim não”.202
201
Político piauiense, já assumiu vários cargos no poder executivo, e atualmente é dono de uma das maiores
emissoras de televisão do Piauí. Foi Diretor da Rádio Pioneira, rádio católica, no período em que Dom Avelar
era Arcebispo metropolitano.
202
TAJRA, Jesus Elias. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
95
Fotografia 14. Congresso Eucarístico ocorrido em Teresina no ano de 1960. Da direita para a esquerda, em
destaque Dom Avelar Brandão Vilela, Núncio Apostólico, Chagas Rodrigues e a primeira dama dona Maria do
Carmo Rodrigues.
Fonte: Foto do arquivo pessoal do Padre Tony Batista.
96
204
COSTA, Olimpio. A Origem das Revoluções. O Dia. Teresina, 11 mar. 1962, n. 957, p.01.
205
MENDES, Simplício de Sousa. Congresso de Operários e Camponeses. Folha da Manhã. Teresina, 30 abr.
1961, n.964, p.04.
206
Médico e ex-prefeito da cidade de Campo Maior. Filiado ao PSD e depois do golpe de 1964 à ARENA. Sobre
Sigefredo Pachêco ver: SANTOS, José Lopes dos. Política e Políticos: Eleições 86. Vol. I. Teresina, Gráfica
Mendes, 1988.
207
SIGEFREDO Pachêco fala a O Dia sôbre União Soviética. O Dia. Teresina, 21 nov. 1963, n.1.143, p.01.
98
208
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na literatura. Tradução de Paulo Henriques Brito. –
São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.11.
209
Idem, ibdem.
99
210
BRASIL, Asfalto e Comunismo. O Dia. Teresina, 26 nov. 1961, n.928, p.01.
211
Idem.
100
O certo é que os movimentos que lutavam pela Reforma Agrária, nesse momento,
tinham recebido o nome de organizações comunistas, por maior parte de anticomunistas
ligados à propriedade privada. A Reforma Agrária, nesse momento, parecia uma desculpa
para a implantação de um novo regime, como aponta o jornalista:
pode possuir mais do que meio hectare de terra onde construir sua casa.
Nessa pequena área pode lavrar a terra dispondo livremente de seu produto.
E pode possuir uma vaca. Apenas uma.
- Perguntei ao presidente da Karkov – declara textualmente o representante
do Piauí no Senado da República: “O possuidor de uma vaca daqui a dez
anos certamente já disporá de dez vacas”. A resposta foi rápida: “Todos os
produtos da vaca são vendidos ao Governo. E ao cabo de dez anos o
camponês continua apenas com uma vaca”.
Face a essa situação argumenta o doutor Sigefredo:
Se considerarmos a situação do agregado brasileiro, que além de usufruir a
terra como bem entende, pagando ao proprietário somente um quinto da
produção, e ainda podendo criar o seu gado bovino, ouvino e caprino
etc...sem quem ninguém lhes reclame direito, ficamos sem compreender
porque no Brasil se faz tanta celeuma em torno das Ligas Camponesas,
Sindicatos e outros organismos de fonte duvidosa que giram em torno da
Reforma Agrária, num país onde dois têrços da terra continuam
despovoados. 218
218
SIGEFREDO Pacheco fala a O Dia sobre União Soviética. O Dia. Teresina, 21 nov. 1963, n.1.143, p.01
103
BRASILEIROS!
A Revolução de 31 de março salvou o Brasil do
Comunismo. Aqui há liberdade não há "PAREDON".
(mensagem de comemoração pelo primeiro ano do
golpe de 1964) BRASILEIROS. O Dia, 24 mar. 1965,
n.1493, p.01.
219
Utilizamos a palavra conservadorismo, ao invés de conservador, porque "O substantivo conservadorismo
implica a existência de um conceito; o adjetivo conservador qualifica simplesmente atitudes, práticas ou idéias".
BONAZZI, Tiziano. Conservadorismo. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola e PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. Vol. um: de A a J. Tradução: Carmen C. Varriale [et al]. 5 ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000. p.242.
220
Idem, Ibdem.
221
Idem, p.245
222
Idem, Ibdem.
104
pesadelo do Conservadorismo".223
Como pensar esse conservadorismo em plena década de 1960, entendida, por
alguns autores como um momento em que a juventude procurou romper com determinados
valores, e em que a sociedade sublunar224 se apresentava?
A década de 1960 é considerada um período de convulsão mundial. Foi nesse
momento que ocorreu um desejo de transformação profunda em boa parte das sociedades
ocidentais, principalmente relacionada aos comportamentos e as questões políticas. Os
movimentos organizados por minorias começam a reivindicar abertamente seus direitos: as
mulheres queimavam sutiãs decretando o fim da sua opressão ao longo da história, os negros
gritavam em praças públicas para serem ouvidos, os homossexuais se organizavam para
combater os constantes atos de violência que lhes eram dirigidos. No tocante ao universo
religioso cristão, a grande mudança se deu no seio da Igreja Católica com o Concílio Vaticano
II, convocado por João XXIII, que transformou profundamente a relação dessa instituição
com as populações cristãs, em especial na América Latina. Também essa foi uma época em
que se evocou a paz, o amor e a liberdade de expressão através do corpo, das roupas, dos
cabelos, com os hippies, determinando dessa forma novas condutas e comportamentos em boa
parte dos países ocidentais. No campo político, Cuba tornou-se comunista em plena Guerra
Fria, sob os olhares do seu vizinho Estado Unidos. Grande parte das colônias africanas e
asiáticas se rebelaram contra seus colonizadores. E em Paris, “berço” da cultura
intelectualizada, os jovens se revoltavam contra a cultura dos seus pais e avós e berravam nas
barricadas: É proibido proibir! Na dimensão espacial, um acontecimento marcante para aquele
período: o homem foi à Lua, mudando, desta forma, repentinamente a concepção que os
indivíduos possuíam dos seus limites espaciais. A década de 1960, de forma geral, é
compreendida sob o signo desses acontecimentos.
No Brasil também se desejou e se lutou intensamente por mudanças
principalmente nos campos comportamental e político. As lutas que aqui foram travadas
também visavam a ruptura com as estruturas sociais e políticas dominantes. Para Zuenir
Ventura,225 naquele momento as mudanças comportamentais e engajamentos políticos da
juventude eram entendidos como uma espécie de moda, principalmente entre os filhos da
classe média e alta dos grandes centros urbanos. Havia uma ânsia juvenil de oposição aos
valores tradicionais, tanto relacionados às questões políticas quanto às questões
comportamentais. Para Edwar de Alencar Castelo Branco é necessário "[....] pensar os anos
223
Idem, p.246.
224
É a classificação dada as sociedades contemporâneas após a ida do homem à lua.
225
VENTURA, Zuenir Carlos. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1988.
105
PROMISCUIDADE SEXUAL
O Congresso da ex-UNE pode ser apontado como um verdadeiro escândalo.
Os estudantes não tinham outro objetivo senão "aproveitar a chance para
fazer bacanais". O mais deprimente é que o SNI e os órgãos de segurança do
Exército lançaram mão de "escalas de serviços" contendo a relação nominal
das moças (universitárias) que estavam disponíveis naquele dia para a
prática de atos sexuais. Foram encontrados alguns frascos de
anticoncepcionais, bem como excitantes e bebidas alcoólicas.
Um líder estudantil do Ceará, ao ser ouvido em depoimento quando se
encontrava preso em São Paulo, declarou taxativamente que não havia
levado consigo a sua irmã mais velha - também universitária - porque ela
não era prostituta. Em Brasília dois estudantes estupraram uma universitária,
tornando-a louca. 227
226
CASTELO BRANCO, E. A. Op. cit. p.63.
227
BACANAIS e orgias nos congressos estudantis. O Dia. Teresina, 26 mar. 1969, n.2686, p.07.
228
QUEIROZ, Teresinha. Juventude, cultura e linguagens na década de 1960. In.: MATOS, Kelma Socorro
Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda e FERREIRA, Maria Dalva Macedo. Jovens e crianças: outras imagens.
Fortaleza: Edições UFC, 2006. (Coleção Diálogos Intempestivos, 37), p.158.
229
Idem.
230
Eu quis cantar/ minha canção iluminada de sol/ soltei os panos sobre os mastros no ar/ soltei os tigres os leões
nos quintais/ mas as pessoas na sala de jantar/ são ocupadas em nascer e morrer/ mande fazer/ de puro aço
luminoso punhal/ para matar o meu amor e matei/ às cinco horas na avenida central/ mas as pessoas na sala de
jantar/ são ocupadas em nascer e morrer/ mandei plantar/ folhas de sonho no jardim do solar/ as folhas sabem
procurar, procurar/ pelo sol e as raízes procurar, procurar/ mas as pessoas na sala de jantar/ são ocupadas em
nascer e morrer/ essas pessoas na sala de jantar [....] PAIANO, Enor, Tropicalismo: bananas ao vento no coração
do Brasil. São Paulo. Scipione, 1996, p.64 APUD: QUEIROZ, Teresinha. Juventude, cultura e linguagens na
década de 1960. In.: MATOS, Kelma Socorro Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda e FERREIRA, Maria
Dalva Macedo. Jovens e crianças: outras imagens. Fortaleza: Edições UFC, 2006. (Coleção Diálogos
Intempestivos, 37), p.169.
106
esquerda, faz arte, faz política, consome e faz apologia da maconha e constata que, qualquer
que seja seu ato, ele não reverbera na sala de jantar, figuração do estabelecido - poder
familiar, ou poderes em todas as teias sedentárias".231 Apesar de entendermos que a escrita da
história deve levar em consideração as relações (como as de gênero, ou gerações), a escrita
desse trabalho não pretende refletir sobre os que subverteram, no caso os "jovens" dos anos
sessenta, mas sobre os que continuaram na sala de jantar, sobre o seu conservadorismo.
O anticomunismo da vertente conservadorista sempre enalteceu os valores morais
da sociedade brasileira, em detrimento de uma degeneração da moralidade nos países em que
se instalara o regime comunista. Com relação aos comportamentos na década de 1960, os
políticos eram, ou deveriam ser, a imagem ideal dos valores tradicionais, em um mundo onde
as notícias tinham um grande alcance e uma rápida propagação, era necessário aos que faziam
parte da política partidária mostrarem a sua imagem da melhor maneira possível fazendo
oposição à degeneração dos princípios comunistas. O bom político conservadorista era:
casado, pai, democrata, religioso e anticomunista.
Uma figura que podemos considerar como símbolo desse conservadorismo no
Estado do Piauí foi o professor de Direito, desembargador, jornalista e presidente da
Academia Piauiense de Letras na década de 1960, Simplício de Sousa Mendes.232 As colunas,
por ele assinadas, em vários jornais piauienses, mantiveram sempre a mesma denominação:
“Televisão”. Apesar de o título da coluna se apresentar sobre a égide das novas tecnologias,
demonstrando, dessa forma, a sua relação com o novo, o professor sempre preferiu às
tradições da moralidade cristã. Bastante preocupado com os rumos políticos do país, alertava
constantemente os jovens sobre os perigos materialistas:
Entre nós vejo com incontida tristeza que a mocidade se rescente dêsse
fenômeno geral. (Influenciada por essas idéias inferiores, torna-se, a olhos
vistos, pragmatista). Já se desinteressa das elevadas atividades intelectuais e
artísticas. É assim que os moços não cultivam com a mesma fascinação a
poesia, as boas letras, o prazer literário. Pouco impressiona o ideal estético,
social ou filosófico. Domina, sobretudo, o utilitarismo individual e egoístico,
demandando o êxito material imediato, condições de prazer, de bem-estar, de
231
Idem.
232
"Simplício de Sousa Mendes nasceu em União (PI), 1882. Bacharel pela Faculdade de Direito de Recife
(1908). Juiz de Direito em Piracuruca e Miguel Alves (PI). Um dos fundadores da faculdade de Direito do Piauí
e seu professor catedrático de Teoria Geral do Estado. Professor de Direito Constitucional, membro do Tribunal
Regional Eleitoral e presidente da Academia Piauiense de Letras. Diretor da Imprensa Oficial do Piauí.
Presidente do Conselho Estadual de Cultura; Jornalista de grande atuação na imprensa piauiense. Jurista.
Publicou 'O Homem, a sociedade, o direito'. Faleceu em Teresina, 1971. Foi presidente do Tribunal de Justiça do
Piauí. Sociólogo e jurista". TITO FILHO, Arimathéa. Sua Excelência o egrégio. (síntese histórica). Teresina,
1978, p.68. Sobre Simplício de Sousa Mendes ver também: GONÇALVES, Wilson Carvalho. Dicionário
enciclopédico piauiense ilustrado. Halley. Teresina, 2003, p.261; COELHO, Celso Barros. Homens de Idéias e
de Ação. Júnior. Teresina, 1991. p.77-92; CASTELO BRANCO, Lili. Vida e Obra Romanceada de Simplício de
Sousa Mendes. Academia Piauiense de Letras e Fundação Cultural do Piauí. Teresina, 1987.
107
233
ORAÇÃO do Acadêmico Simplício de Sousa Mendes, recebendo o noviço imortal Adelmar Rocha. Revista
da Academia Piauiense de Letras. Papelaria Piauiense. Teresina. Piauí. Dezembro de 1962, ano XLV – n.21
(março 1963), p. 31.
234
MENDES, Simplício de Sousa. Teria renegado o comunismo. Folha da Manhã. Teresina, 22 mar. 1960,
n.670, p.04.
235
MENDES, Simplício de Sousa. Conferência de Paris. Folha da Manhã. Teresina, 19 mai. 1960, n.715, p.04.
236
MENDES, Simplício de Sousa. Situação Internacional. Folha da Manhã. Teresina, 18 jun. 1960, n.737, p.04.
108
Por diversas vezes, ele repetiu esse discurso contra o homem do campo, muitas
vezes a caracterização brotava em mil adjetivos negativizantes: “Em geral o lavrador roceiro é
um homem rude, grosseiro nos hábitos, iletrado ou analfabeto, imprevidente, alcoólatra,
festeiro, quando não é preguiçoso, ladrão e criminoso”.238
Depois do golpe civil-militar e de sua consolidação, o professor Simplício de
Sousa Mendes foi determinante em relembrar a figura de Chagas Rodrigues, relacionando-o
aos políticos já cassados como subversivos e aos comunistas piauienses, que já estavam
presos, o que, de certa forma, acreditamos, ajudou na cassação do ex-governador, logo após a
edição do Ato Institucional nº 05.
O seu anticomunismo, na nossa avaliação, é configurado como o mais completo,
uma vez que reconhecemos nos seus discursos todos os aspectos que caracterizam o discurso
anticomunista da época. Vejamos um dos artigos do autor:
defesa.
A quinta coluna vermelha está por toda parte e age subterrânea e é o olho de
Moscou – vigilante, corruptor, coleante, traiçoeiro e sempre ativo.
O que mais admira é que seus adeptos do credo marxista, simpatizantes da
ideologia subversiva, - cripto-comunista, existam nas classes esclarecidas,
nas mais altas esferas intelectuais das nações ocidentais. E, no entanto,
presas de ambições pessoais, eles querem mando discricionário - , que não
leva em contas as liberdades inalienáveis e a dignidade da pessoa humana , -
rebaixada, por direito, ao nível das tarefas de trabalho obrigatório, - sob
penas desumanas.
O comunismo nega todos valores espirituais e diviniza a matéria.
Todos princípios educacionais e familiares da civilização cristã são negados.
Portanto a catástrofe entre nós, no Brasil, seria profundamente incalculável-
rebaixando-nos ao nível de Cuba –[...]
Não é só o comunismo que agita. Até um certo ponto a ideologia marxista
serve de instrumento dos que não se conformam com a ordem jurídica, o
término dos mandatos e a limitação de poderes, - da própria democracia.
Querem mais: - querem ficar, querem continuar, embora arruinando a
República e as instituições, a que juraram servir.
E é por isso, que estamos, imprudentemente a brincar de comunismo e
revolução.
O país está e vai cada vez mais assustado com essas intranqüilizadoras
perspectivas.
E até quando? E aonde nos querem levar? [grifos do autor]239
O trecho citado foi apenas um dos vários que sempre tinham a mesma seqüência
de raciocínio. Suas construções discursivas seguiam a seguinte linha de pensamento, qual
seja: comentava sobre as infiltrações comunistas; demonstrava o que isso poderia acarretar
para o país; e, no final, explicitava alguns temas como democracia, religião e Reforma
Agrária. Entre as peculiaridades que eram próprias dos discursos de Simplício de Sousa
Mendes, notamos uma excessiva adjetivação negativa.
O extremo negativismo de Simplício de Sousa Mendes, relacionado ao
comunismo, fez com que ele recebesse o título de “Soldado da Democracia” pela redação do
jornal O Dia. Porém, esse título teve um motivo especial para acontecer! Foi-lhe concedido
como recompensa porque, dentre os anticomunistas que existiam no Piauí, seu nome constava
dentre os primeiros a ir ao famoso PAREDON em uma lista supostamente encontrada pelo
comando da Guarnição Federal, quando houve desbaratamento da secção do Partido
Comunista, localizado na rua Santa Luzia em Teresina. A lista divulgada no jornal foi a
seguinte:
Mas fazer justiça aos civis que, de longa data, arrastando malquerenças,
ódios e até inclusão do nome em “LISTAS FATAIS” dos que iriam
inaugurar o “PAREDON”, tomaram a peito a defesa da democracia, num
combate sem tréguas aos inimigos do regime. Entre esses civis, cumpre
destacar o eminente jornalista – SIMPLÍCIO DE SOUSA MENDES, por
sinal nosso brilhante colaborador.
Quem vem acompanhando os passos do conceituado e abalisado jurista e
filósofo, sabe que a sua pena, nos últimos anos, tem estado quase
exclusivamente a serviço da Pátria, contra os que desejavam comunizar, aqui
e alhures. É, por esse motivo, odiado pelos que pensavam em transformar o
Brasil em simples capitania da União Soviética. Ódio que, para ele, deve se
transformar em orgulho inusitado, porque, graças às idéias que vinha
expondo em seus notáveis artigos, tem parte nas glórias do triunfo e é
acatado e venerado pela imensa maioria de brasileiros, sobretudo pela quase
totalidade de piauienses, que vêem nele, um líder a receber os aplausos a que
faz jus como legítimo e destemeroso SOLDADO DA DEMOCRACIA241.
A reação de Simplício de Sousa Mendes foi imediata, ao saber que seu nome
constava na suposta lista dos que iriam morrer no PAREDON, escreveu artigo alertando os
piauienses sobre a proximidade da Revolução Comunista. Para tanto argumentou que as listas
para o PAREDON já estavam prontas:
240
REVOLUÇÃO Comunista estava por um fio: marcados para morrer. O Dia. Teresina, 09 abr. 1964, n. 1.212,
p. 01.
241
EDITORIAL. Soldado da democracia. O Dia. Teresina, 11 abr. 1964, n. 1214, p. 08.
111
piauiense caracterizada pela não substituição da ordem vigente, pela não admissão de novas
idéias e, principalmente, pela preservação do status quo. Partindo dessa reflexão, percebemos
que o conservadorismo determinou a produção das representações anticomunistas no Piauí de
forma consistente antes de pleitos eleitorais e, principalmente, antes do golpe civil-militar de
1964.
O texto sugere que o homem brasileiro244, em seu cotidiano, levava uma vida
completamente indiferente ao regime político estabelecido no Brasil, nesse sentido a
manutenção da ordem estabelecida é ideal para as suas práticas cotidianas. No entanto, com a
emergência de novas possibilidades de organização social no mundo, como é o caso do
comunismo, era necessário, então, mostrar a esse homem como o regime em que ele vivia era
o melhor de todos.
242
MENDES, Simplício de Sousa. Materialismo: fonte de ódio. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964, n. 1213, p. 03.
243
É PRECISO compreender os estudantes. O Dia. Teresina, 23 jul. 1968, n.2483, p.01.
244
A palavra homem, no texto, não está sendo utilizada no sentido universal relacionado ao ser humano, mas
remetendo às práticas masculinas, como sugere a seguinte frase: dar um passeio com a namorada. Esse é apenas
um exemplo do conservadorismo social empregado nesses discursos, uma vez que sugere apenas a participação
112
A VOZ DE UM DEMOCRATA
NESTA luta que os democratas se decidiram, afinal, aceitar, contra a
comunização do País, portanto pela própria sobrevivência, é atentador
verificar que os homens de elevada estatura moral não desejam continuar
silenciosos. Começaram a definir-se.
O Marechal Eurico Dutra, Ex-presidente da República, [...] decidiu falar em
defesa das instituições democráticas.245
247
EZEQUIAS Costa fala ao jornal. O Dia. Teresina, 16 jun. 1964, n.1.265, p.08.
248
FERREIRA, J. Op.Cit. 2006. p.124.
249
PRESIDENTE do poder judiciário no Piauí interpreta os últimos acontecimentos. O Dia. Teresina, 07 abr.
1964, n.1210, p.01.
250
PRONUNCIAMENTO do Sr. Presidente repercutiu no Tribunal de Justiça. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964,
n.1213, p.01.
114
citado anteriormente, não tem o menor receio em construir um conceito de democracia. Para
ele, a democracia era um governo de elite, cabendo a uma minoria as decisões. Segundo
Simplício Mendes, para o povo, a democracia permitia apenas o ato de votar, e o autor deixa
claro que o que ele entende por povo, exclui a participação dos analfabetos. Sobre o mesmo
material comunista mencionado por Simplício de Sousa Mendes, alguns políticos também
demonstraram a sua indignação com aquela "infiltração". De um modo geral, a preocupação
desses políticos era de uma mudança súbita em suas vidas, em um regime como o
comunismo, especialmente no que se referiam às práticas trabalhistas:
251
MENDES, Simplício de Sousa. Apresentava-se a Revolução. O Dia. Teresina, 19 abr. 1964, n.1220, p.03.
115
Se quiser lançar uma vista sobre o recente passado do Piauí - ver-se-á que o
governo do atual deputado Chagas Rodrigues - foi todo de malversações, -
governo populista, descambado para a aliança com os comunistas, o
incentivo e a acolhida dos vermelhos na sua corrompida e corrupta política.
[...]
A infiltração comunista nas atividades políticas do Piauí, - aprofundou-se e
cresceu de importância e de audácia, nas promoções indecorosas desse
governo malsão, assinalado entre os mais perniciosos que temos tido e
sofrido.
[...]
O comunismo ressurgiu no Piauí e exaltou-se naquela fonte subversiva do
252
A PALAVRA de João Calmon. O Dia. Teresina, 02 fev. 1964, n.1206, p.02.
253
Governador piauiense (1947-1951)
254
João Clímaco D'Almeida, político piauienses, vice do candidato ao governo do Estado na chapa de Petrônio
Portella, principal concorrente de Chagas Rodrigues na eleição de 1962.
255
DUARTE, Fonseca. Comunismo das oposições. O Dia. Teresina, 26 set. 1962, n. 975, p.04.
117
256
MENDES, Simplício de Sousa. As fontes da subversão. O Dia. Teresina, 28 maio 1964, n. 1.250, p. 03.
257
VÁ PRA China , governador! Estado do Piauí. Teresina,01 out. 1961, n.379, p.01.
258
MENDES, Simplício de Sousa. Sem ética e sem decência. Folha da Manhã. Teresina, 27 out. 1961, n.1103,
p.06.
118
259
MENDES, Simplício de Sousa. Anonimato. Folha da Manhã. Teresina, 31 out. 1961, n.1106, p.06.
260
CARNAÚBA, Zé. Vá às favas, velhinho! Jornal do Comércio. Teresina, 29 out. 1961, n. 2.865, p.04.
261
MENDES, Simplício de Sousa. Bem amado, Catavento. Folha da Manhã. Teresina, 26 nov. 1961, n.1126,
p.06.
119
Fotografia 16. Matéria do jornal Folha da Manhã sobre a relação de Chagas Rodrigues com o Comunismo.
Fonte: CONFIRMADO; Chagas é comunista! Folha da Manhã. Teresina, 11 jan. 1962, n.1158, p.01.
262
NÃO negamos ao Sr. Chagas Rodrigues....Jornal do Piauí. Teresina, 01 abr. 1962, n.1.011, p.01.
263
Com alguns variações de acordo com a reportagem: Bem Barbudo ver: REPETIMOS: Chagas é comunista.
Folha da Manhã. Teresina, 13 jan. 1962, n.1.160, p.06.
264
SALVE Leitor. Folha da Manhã. Teresina, 13 jan. 1962, n.1.160, p.01.
120
265
DEGRADAÇÃO da autoridade. Jornal do Piauí. Teresina, 11 fev. 1962, n.997, p.04.
121
Mas a nota mais saliente desse evangelho comunista, foi, sem dúvida, o
aviltamento do Estado e do povo piauiense, pela presença do seu incrível,
inconseqüente e inverossímil governador, Chagas Rodrigues ao lado do
palanque que, ombro a ombro com o comunista Chico Julião, discursando e
aplaudindo-o quando ele dizia que Cuba era o modelo e que o Brasil seguiria
Fidel Castro, pela revolução e pelas armas comunistas.
Brizola e Mauro Borges convidados esquivaram-se, lá não foram.
Só Chagas Rodrigues - o escudeiro foi o único governador que compareceu
à baderna. Somente resta exclamar-se: - pobre Piauí, a quanto te avilta o teu
desleal e inconsciente governador!. 267
Mesmo com a defesa calorosa, as acusações foram intensas até o final do período
sucessório, pois o período de maior propagação das acusações a Chagas Rodrigues ocorreu no
ano da eleição para sucessão governamental. O candidato indicado por Chagas Rodrigues, - já
que, naquele momento, não havia reeleição - Constantino Pereira, perdeu as eleições. O
266
Idem.
267
MENDES, Simplício de Sousa. Piauí Aviltado. Folha da Manhã. Teresina, 12 jan. 1962, n. 1.159, p.06.
268
CARNAÚBA, José. Mamão, pijama e cidreira. Jornal do Comércio. Teresina, 21 jan. 1962, n. 2.915, p.04.
122
próprio Chagas Rodrigues não conseguiu se eleger ao Senado, vencendo apenas as eleições
para deputado federal, uma vez que a lei eleitoral permitia o lançamento de mais de uma
candidatura. Sua candidatura era por muitos insistentemente mostrada como organizada pelos
comunistas do Estado:
269
Clínica psiquiátrica sediada no Bairro Porenquanto em Teresina – PI, que teve como proprietário o psiquiatra
Clidenor de Freitas Santos.
270
COMUNISTAS. Folha da Manhã. Teresina, 20 set. 1962, n.1.353, p.02.
123
271
Para ver análise sobre o anticomunismo católico e a sua construção a partir das encíclicas e em oposição ao
mundo moderno, ver: RODEGHERO, Carla Simone. O Diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja
Católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediufp, 1998.
272
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).
São Paulo: Perspectiva, FAPESP, 2002.
273
LÖWY, Michel. Marxismo e teologia da libertação. Traduzido por Myrian Veras Baptista. São Paulo:
Cortez: Autores Associados, 1991. (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.39) p.30
274
Desde fins dos anos 1950, percebe-se já a emergência de diferentes correntes dentre os bispos e o clero, no
[Brasil]. As três correntes mais influentes são os tradicionalistas, os modernistas conservadores e os reformistas:
[naquele momento] todos partilham uma repugnância comum, ser contrário ao 'comunismo ateu'. Idem, p. 52.
275
Entre o final de década de 1960 e o início da década de 1970, setores da Igreja Católica formulam uma nova
corrente de pensamento aproximando-se do marxismo, esse movimento foi denominado de Teologia da
Libertação, e teve grande repercussão na América Latina, em especial no Brasil. Foram as ordens religiosas e o
124
Proença Sigaud. Na década de 1960, Dom Geraldo Sigaud foi um dos fundadores da TFP
(Tradição, Família e Propriedade) movimento ligado à Igreja Católica, que tinha como
principais objetivos: lutar pela preservação da propriedade privada e combater o comunismo.
Em 1963, Dom Geraldo Sigaud lançou um livro, juntamente com outros membros da TFP, de
grande repercussão nacional, Reforma agrária, questão de consciência, que teve grande
divulgação na imprensa do Piauí, no momento em que o comunismo estava sendo associado à
luta pela terra. Esse bispo foi uma das vozes da Igreja Católica, que, ainda na década de 1970,
continuavam fazendo campanha anticomunista abertamente, mesmo sendo em uma escala
menor do que na década anterior. Em uma entrevista concedida à revista Veja, no ano de
1970, Dom Geraldo Sigaud fala sobre o comunismo relacionado à Igreja Católica,
principalmente na figura de Dom Helder Câmara, bispo de Recife e Olinda, como segue no
trecho:
[..] ele [Dom Helder Câmara] tem tomado atitudes que favorecem
enormemente a causa comunista. Por exemplo, apresentando o perigo
americano como idêntico ao perigo comunista - o perigo russo - , quando nós
sabemos que, na ordem prática, o perigo americano não existe, ao passo que
o perigo russo é um perigo iminente. A atitude de Dom Helder, em geral, é
enfraquecer as resistências ao comunismo, equiparando duas coisas que são
completamente diferentes [....] e não há formas de comunismo que se possa
aceitar.276
1) O que é o comunismo?
• O comunismo é uma seita internacional, que segue a doutrina de Karl
Marx, e trabalha para destruir a sociedade humana baseada na lei de Deus e
padres estrangeiros os maiores responsáveis pelas novas práticas e reflexões na teologia. ver: LÖWY, Michel.
Op. Cit.
276
SE for assim, sou reacionário. Veja. São Paulo, 14 out. 1970. n.110, p.03.
277
SIGAUD, Dom Geraldo de Proença. Catecismo anticomunista. 5. ed., São Paulo: Vera Cruz, 1963.
125
278
Idem, p.05.
279
RODEGHERO, Carla Simone. Religião e patriotismo: O anticomunismo católico nos Estados Unidos e no
Brasil nos anos de Guerra Fria. Revista Brasileira de História. Vol 22, nº 44, São Paulo 2002. p.03.
126
ensinam e do grau em que ensinem, vocês terão sempre a mesma importante tarefa - cultivar
uma perspectiva materialista entre os alunos e educar os jovens a serem verdadeiros ateus".281
Para os anticomunistas religiosos, a educação, pelo menos na União Soviética, possuía uma
única intenção, a divulgação do excesso materialista: "As escolas soviéticas de todos os ciclos
e de todos os graus não têm feito outra coisa se não martelar incessantemente na cabeça dos
alunos que Deus não existe, que a alma é um mito, que só há matéria, matéria, matéria...".282
O comunismo, segundo o discurso religioso católico, deveria ser combatido, porque, se não o
fosse, obrigaria seu ateísmo ao mundo. E como combater um regime ateu?
280
PORQUE renasce a religião na Rússia. O Dominical. Teresina, 05 jun. 1960, n.23/60, p.03.
281
PROFESSORES soviéticos - e o ateísmo - O Dominical. Teresina, 02 abr. 1961, n.14/61, p.02.
282
ROCHA, João Batista. Marx e Lenin convencem menos certos marxistas muito mais progressistas. O Dia.
Teresina, 22 e 23 jun. 1969, n.2758, p.06.
283
P.C. Para repensar o comunismo. O Dominical. Teresina, 22 out. 1961, n.42/61, p.01.
284
FARSA cruel terminação dos povos sob o jugo do comunismo. O Dominical. Teresina, 10 set 1961, n.36/61,
p.02.
127
Fotografia 18. Matéria no jornal O Dominical sobre as diferenças entre católicos e comunistas.
Fonte: CATÓLICOS ou comunistas. O Dominical. Teresina, 28 jan. 1962, n.04/62, p.04.
285
SÃO inteiramente incompatíveis o comunismo e o cristianismo. O Dominical. Teresina, 01 mai. 1960,
n.18/61, p.01.
286
A PALAVRA do Papa. O Dominical. Teresina, 15 jul. 1962, n.28/62, p.04.
128
entre os povos".287
A religião era algo que os países comunistas negavam aos indivíduos. Nesse
sentido, a fé católica é evidenciada como perseguida nos países onde o regime comunista
havia se instalado: "Assim, onde quer que se tenha estabelecido, o comunismo criou toda
espécie de organismo com a finalidade de arrancar, pacífica ou violentamente, o senso
religioso dos povos, até a raiz".288 Nos relatos sobre as práticas religiosas em países
comunistas, em sua grande maioria, mostravam-se os fiéis reunidos nas poucas Igrejas que
restavam e a coragem dos poucos padres que resistiram às perseguições. Os relatos de prisões
e perseguições de padres eram freqüentes nos jornais locais: ''Agentes fidelistas desenvolvem
em toda Cuba uma campanha persecutória contra sacerdotes, religiosos e militantes católicos
[....]. Um sacerdote foi preso e torturado mentalmente três horas [...] porque distribuía
mantimentos aos pobres".289 Era comum, também, serem transcritos os supostos julgamentos
dos padres em países comunistas, de modo geral, a acusação era a de que estes sacerdotes
insistiam em orientar religiosamente a juventude, como aponta o trecho de um desses
julgamentos:
Promotor: Isto quer dizer, que o senhor tem exercido as suas atividades
legalmente, sem nenhuma ordem do governo. É verdade, que o senhor
ensinou aos jovens religião, leu a bíblia e ensaiou canções eclesiásticas com
eles?
Padre Lenhard: Como existe ensino particular em diversas matérias, por
exemplo língua russa, tcheco ou [não está legível], deve haver ensino em
religião. Mesmo sendo proibido pelo governo o ensino dessas matérias pelas
escolas, eu como sacerdote ensino a todos que vêm me procurar, posso
afirmar ao senhor que eram inúmeros.
Promotor: De onde o senhor conseguiu os livros de ensino? É verdade que
os mesmo foram escondidos no sofá? É verdade que o senhor mostrou a seus
alunos imagens de Deus?
Padre Lenhard: Não precisava mostrar Deus, pois Ele está firmemente
ancorado no espírito dEles. Não conheço nenhuma lei, que proíbe colocar
livros em cima de um sofá ou debaixo dos colchões de um sofá.
[...]
Promotor: Se o condenamos, como o Senhor vai passar as suas horas na
prisão?
Padre Lenhard: Uma pergunta estúpida, preparo-me à morte, à eterna
felicidade. Rezarei por todos aqueles, que tanta injustiça cometem hoje a
mim e aqueles povos que estão sendo mantidos no estado de escravidão.290
287
Idem, ibdem.
288
ROCHA, João Batista. Marx e Lenin convencem menos certos marxistas muito mais progressistas. O Dia.
Teresina, 22 e 23 jun. 1969, n.2758, p.06.
289
FONSECA, Jaime. A Igreja em Cuba - Sinais de perseguição. O Dominical. Teresina, 06 nov. 1960, n.45/60,
p.02.
290
GOERGEN, Herman M. O sacerdote perante os juízes comunistas. Estado do Piauí. Teresina, 20 ago. 1961,
n.367, p.03.
129
O Dominical. Luciana Pereira analisou como a Igreja Católica, através do jornal O Dominical,
na década de 1950, indicava caminhos a serem adotados pelos cristãos católicos frente ao
comunismo, como podemos observar no seguinte texto:
[..] o comunismo era mostrado aos leitores como um mal absoluto, que
deveria ser evitado a qualquer custo. De acordo com as mensagens do jornal
católico isso só poderia ser feito com eficiência se os católicos teresinenses
reforçassem seus laços com a Igreja, assim, com Deus, através da obediência
sem restrições aos princípios e à moral católicos, além de se comprometerem
a entrar na campanha, juntamente com o episcopado contra o comunismo
por intermédio da formação de movimentos da Ação Católica, em especial
ao lado da União dos Moços Católicos. 291
291
PEREIRA, Luciana Lima. O discurso da Igreja Católica de Teresina e a formação do ideário cristão através
de “O Dominical”. Teresina, 2005. 100 p. Monografia (conclusão de curso). Departamento de História e
Geografia, Universidade Federal do Piauí. p.45.
130
Católica estavam, pelo menos nos primeiros anos da década de 1960, mais relacionadas ao
cotidiano e às práticas dos fiéis. A aproximação com as questões sociais fez com que a Igreja
Católica adotasse, pelo menos no Nordeste, a postura de apoio a movimentos populares, como
os sindicatos rurais, na condição de incentivadora e organizadora. Mas, também, uma das
razões para esse apoio foi, sem dúvida, ocupar um lugar que os comunistas estavam tomando
diante da questão rural no Brasil, segundo Rodrigo Patto Sá Motta, “o despertar da hierarquia
católica para o problema social e a conseqüente proposição de programas visando à ‘justiça
social’ decorreu fundamentalmente, embora não exclusivamente, da percepção de que os
comunistas ameaçavam a cidadela católica”.293 E é justamente por essa preocupação com
aspectos sociais, tendo como objetivo substituir as ações comunistas, que a Igreja Católica vai
ser acusada de estar lado a lado com o comunismo, aspecto recusado e repudiado nos
editoriais do jornal católico piauiense:
Mesmo apontando para uma reflexão dos cristãos católicos frente à realidade de
sua época, a missão dos membros da Igreja Católica era, basicamente, promover a justiça
social na terra, sem esquecer das ações divinas, nesse sentido "o Episcopado Brasileiro no seu
conjunto jamais aceitou e jamais aceitará uma opção marxista".295 Para tanto, era necessário
apontar a situação dos países que implantaram o comunismo, como prova da destruição dos
valores cristãos, e da falta de progresso científico e social. Só a Igreja Católica, naquele
momento, poderia criar um ambiente que levaria a harmonia e o bem-estar entre os povos.
É como redentora e salvadora dos males do mundo moderno que a Igreja Católica
se apresentou aos fiéis católicos na década de 1960, e assim, construiu as suas representações
anticomunistas relacionadas ao mundo terreno.
296
MISSÃO da Igreja. O Dominical. Teresina, 20 mar. 1960, n.12/60, p.02.
132
trecho: “A Rússia continua em pleno São João, soltando bombas, bombinhas atômicas, que
são a espoleta da super bomba de cem megatons. O que quer dizer cem mil vezes mais
poderosa que a de Hiroshima. A que acabou com a guerra no Japão. Que, por acaso, já
encontrou radioatividade no leite consumido e no ar”.298 A atmosfera de medo era o principal
ponto de apoio dos discurso, era necessário, antes de se apresentar as representações descrever
o momento tenso da política mundial. Construir um ambiente de medo era necessário para
que as representações anticomunistas prevalecessem. Algumas dessas construções apontavam
a certeza de uma outra guerra mundial. A possível existência de uma 3ª Guerra Mundial,
assombrava os cronistas, que sempre colocavam os países comunistas como possíveis
detonadores desses eventos.
Contudo, o maior medo era o da implantação de um regime comunista no país, ou
mesmo no Piauí. Muitas vezes, os jornais relatavam esse pavor excessivo que rondava a
sociedade: “Em nosso país, como em outros do mundo livre interessados em preservar a
liberdade, tem-se muito alertado o povo contra o excessivo temor do comunismo”.299 É
também sob o signo do medo que surgiram representações anticomunistas. E para conseguir
tal efeito algumas representações foram elaboradas no sentido de transformar o comunismo
em figuras pavorosas, como sugere Carla Simone Rodeghero: “micróbios, monstros, e outros
animais: abutres, gatos, lobos disfarçados de ovelhas, polvo, serpentes, dragões, etc”300, e
ainda, continua a autora, “determinadas características, normalmente atribuídas a tais animais
era transferidas para os comunistas”.301
Nesse sentido, vamos apontar algumas dessas representações do comunismo,
construídas na década de 1960, que foram comuns as três vertentes anteriormente analisadas.
O comunismo era apresentado sob a forma das mais variadas doenças, como
câncer, porém, era uma constante: "Cuba é um tumor maligno no organismo da América".302
A idéia de tumor, em geral, referia-se ao aspecto de devastação que o câncer poderia causar
ao corpo humano, da mesma forma que o comunismo causaria ao organismo social. Era
necessário a força dos anticomunistas, para destruir tão grave doença, o "câncer
comunista".303
A associação do comunismo aos animais permeava grande parte dos discursos
anticomunistas. A representação animalesca tendia a associar o comunismo a espécies que
297
MOTTA, R. P. S. Op. Cit. p.47.
298
ACOLÁ. Estado do Piauí. Teresina, 10 set. 1961, n. 373, p.06.
299
O MÊDO do comunismo. Folha da Manhã. Teresina, 11 mar. 1962, n.1.202, p.06.
300
RODEGHERO, C. S. Op. Cit. 1998, p.30.
301
Idem.
302
A SITUAÇÃO em Cuba. O Dominical. Teresina, 04 set. 1960, n.36/60, p.04.
303
OPERAÇÃO Limpesa (sic). O Dia. Teresina, 15 abr. 1964, n.1217, p.08.
133
possuíam uma significação perigosa ou asquerosa. Dentre os animais mais citados, o polvo
era associado pelos numerosos tentáculos, uma metáfora sobre as ações do comunismo, no
sentido de pensá-lo enquanto monstro que envolveria e sufocaria toda a humanidade: "Em
toda parte, onde os estadistas condescenderam com o comunismo, lançaram o país nos
tentáculos do terrível polvo da revolução e da tirania"304, ou ainda: "Se as potências da
América Latina se deixarem envolver nos tentáculos do polvo bolchevista, veremos essa
parcela da Humanidade Livre reduzida à condição da China esfomeada [...].305
Muitas vezes, os países que adotavam um regime político-econômico baseado em
ideais marxistas, eram considerados o próprio sinônimo do comunismo. Nesse sentido, as
representações zoomórficas dos comunistas denominavam Cuba como “mosca das
Antilhas”.306 A alusão que serve, em nosso ponto de vista, como um metáfora dos animais que
transmitem doenças, a mosca, nesse caso, denominou o país cubano por ser considerado um
“impertinente, que se propõe a contaminar a América”.307
Assim como o regime era representado de forma animalesca, os líderes
comunistas também eram representados como animais, Nikita Krutchev, por exemplo,
imitava a “política do gato, - usa dos processos felídeos: - rosna, faz corcunda e ameaça com a
potência destruidora, arrazadora (sic) de que se diz detentora a Rússia atômica dos teleguiados
[...]. É sempre assim a política soviética. É felina e traiçoeira”.308
Muitas vezes o animal não era denominado, pois existia um processo
zoormofização309 havendo uma relação entre o humano e o animal, pois, na visão desses
anticomunistas, o comunista possuía garras310, ou eram "tigrinos e feras humana"311 e até
mesmo monstruosos.312 Como também poderia ser entendido como algo destruidor, nesse
sentido, recebia o nome comum a insetos que atacam plantas e animais: "praga".313
A representação do comunismo ligado ao diabo, ou como sendo algo demoníaco,
apesar de existir em pequena quantidade, não é uma característica única das representações
puramente religiosas.314 Alguns discursos apontavam para essa característica demoníaca do
comunismo, como sugere o trecho: "Falemos mais claro: há nele algo de intrinsecamente
diabólico, caracterizando-lhe o ideal, suas atividades, imprimindo ao seu expansionismo uma
304
GESTO de solidariedade. O Dominical Teresina,. 17 set. 1961, n. 37/61, p.01.
305
CANCRO da democracia. O Dominical. Teresina, 01 abr. 1962, n.13/62, p.03.
306
MENDES, Simplício de Sousa. Mosca das Antilhas. Folha da Manhã. Teresina, 22 set. 1960, n.807, p.04.
307
Idem.
308
MENDES, Simplício de Sousa. A política do gato. Folha da Manhã. Teresina, 28 fev. 1960, n.657, p.06.
309
MOTTA, R. P. S. Op. Cit.
310
DOIS TÓPICOS. 1. O Dia. Teresina, 12 mai. 1964, n.1236, p.02.
311
MENDES, Simplício de Sousa. Materialismo: fonte de ódio. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964, n.1213, p.03.
312
Idem.
313
MENDES, Simplício de Sousa. A mensagem de Petrônio. O Dia. Teresina, 04 abr. 1964, n. 1.208, p. 03.
134
314
Carla Simone Rodeghero afirma que no Rio Grande do Sul no discurso anticomunista católica predominaram
as representações do comunismo como diabo, satanás e demônio. Ver: RODEGHERO, C. S. Op.cit. 1998. p.27.
315
P.C. Para repensar o comunismo. O Dominical. Teresina, 22 out. 1961, n.42/61, p.01
316
NETO, H. Glória do Piauí. O Dia. Teresina, abr. 1964, n.1216, p.02.
317
VIOLÊNCIA, corrupção e mentira para disfarçar o fracasso do regime imposto por Fidel Castro. Estado do
Piauí. Teresina, 17 set. 1961, n. 375, p.03.
318
ONDE está o perigo. O Dominical. Teresina, 03 jun. 1962, n.22/62, p.03.
319
OS SINDICALISTAS cristãos repeliram o anzol comunista - pretendia implicá-los numa central única
latinoamericana. O Dominical. Teresina, 28 out. 1962, n.42/62, p.02.
320
MENDES, Simplício de Sousa. Os sindicatos. O Dia. Teresina, 25 abr. 1964, n.1224, p.03.
321
MENDES, Simplício de Sousa. A alma cívica do povo: - vibrou espontânea. O Dia. Teresina, 17 abr. 1964,
n.1218, p.03.
322
MENDES, Simplício de Sousa. Mosca das Antilhas. Folha da Manhã. Teresina, 22 set. 1960, n.807, p.04.
323
MENDES, Simplício de Sousa. As ditaduras marxistas. Folha da Manhã. Teresina, 12 mar. 1960, n.665,
p.04.
324
LIGAS Camponesas em Teresina. Jornal do Piauí. Teresina, 22 mar. 1962, n.1.008, p.06.
325
BRIZOLITE. O Dominical. Teresina, 29 jul. 1962, n.30/62, p.04.
326
PESSOA, Lenildo Tabosa. Inimigos da Paz. O Dia. Teresina, 11 out. 1967, n.2242, p.02.
327
MENDES, Simplício de Sousa. A revolução apenas começa. O Dia. Teresina, 14 mai. 1964, n.1238, p.03.
328
PELA VIGILÂNCIA da democracia. Folha da Manhã. Teresina, 23 abr. 1963, n.1.491, p.02.
329
MENDES, Simplício de Sousa. As ditaduras marxistas. Folha da Manhã. Teresina, 12 mar. 1960, n.665, p.04
330
SILVA, Maria Leite Pereira da. Uma questão de consciência. O Dominical. Teresina, 08 jul. 1962, n.27/62,
p.04.
135
331
SALVE Leitor. Folha da Manhã. Teresina, 13 jan. 1962, n.1.160, p.01.
136
332
Referência completa de todos os livros no final da dissertação nas Fontes.
333
A conspiração que deu origem ao golpe civil-militar, principalmente no que se refere ao Exército, teve como
principal motivo a infiltração comunista no governo de João Goulart, como podemos observar nos depoimentos
dos militares no livro: D’ARAÚJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon e CASTRO, Celso. (org.)
Visões do Golpe: A memória militar de 1964. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
334
MISSA em ação de graças pela vitória da democracia. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964, n. 1213, p.08.
137
COMERCIANTE!
É indispensável e necessária a sua colaboração à MARCHA DA FAMILIA
COM DEUS PELA LIBERDADE.
Na terça à tarde espera-se que o comércio cerre as portas às 15 horas, para
que empregadores e empregados estejam presentes à MARCHA.
Espera-se que cada comerciante de tecido contribua com uma faixa para o
desfile, contendo o “slogan” de alusão ao perigo comunista e de aplausos às
nossas Forças Armadas.336
MOTORISTA!
Dê sua contribuição à MARCHA DA FAMILIA COM DEUS PELA
LIBERDADE.
Transporte gratuitamente as pessoas pobres, do subúrbio, na terça-feira à
tarde, a fim de que todos possam tomar parte no movimento.
Com Deus pela Liberdade em defesa da Democracia (negrito nosso)337
Realizada no dia 14 de abril de 1964, alguns dias após o golpe, contou com a
participação de mais de 50 mil pessoas, segundo o jornal O Dia. Não podemos confirmar se
realmente compareceu este número de pessoas à marcha, como anunciado pelo jornal, no
entanto, o jornal acrescenta que, marcada sua saída para às 17 horas, a marcha teve de ser
antecipada em meia hora devido à grande quantidade de pessoas que se encontravam na
Avenida Frei Serafim.
335
PIAUIENSE. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964, n.1213, p. 01.
336
COMERCIANTE. O Dia. Teresina,14 abr. 1964, n. 1216, p. 05.
337
MOTORISTA. O Dia. Teresina, 14 abr. 1964, n. 1216, p. 07.
138
Fotografia 20. Passeata da Família com Deus pela Liberdade na Avenida Frei Serafim.
Fonte: MARCHA da família com Deus pela liberdade. O Dia. Teresina,14 abr. 1964, n.1216, p.01.
Assim como a marcha foi organizado por civis, apesar do cunho religioso, outro
movimento civil, que teve uma tônica anticomunista em sua organização, mandou uma
comitiva ao Piauí em fevereiro de 1965: “Movimento de Rearmamento Moral".338 Segundo o
anticomunista Simplício de Sousa Mendes, este movimento representava: "[...] a reação da
consciência espiritual e social do século, contra todos esses nefastos e catastróficos efeitos
dêsse mundo puramente material".339
Uma outra organização também chamou atenção, nesse período, foi a organização
dos proprietários de terra do Estado do Piauí. Como havíamos refletido anteriormente,
qualquer organização dos trabalhadores do campo era entendida, principalmente pelos
anticomunistas donos de terra, como um movimento de cunho comunista. Não que houvesse
uma organização instituída legalmente, mas os proprietários de terra passaram a manter
338
Sobre a visita da comitiva do movimento de Rearmamento Moral ao Piauí, ver as seguintes reportagens:
INTÊRESSE em torno da visita da comitiva do rearmamento moral. O Dia. Teresina, 07 fev. 1965, n.1457, p.01;
COMITIVA de rearmamento moral visitou Teresina. O Dia. Teresina, 08 fev. 1965, n. 1458, p.01; MENDES,
Simplício de Sousa. Rearmamento moral. O Dia. Teresina, 08 fev. 1965, n. 1458, p. 03.
339
MENDES, Simplício de Sousa. Rearmamento moral. O Dia. Teresina, 08 fev. 1965, n. 1458, p. 03.
139
constantes reuniões para discutir sobre a questão agrária no Piauí.340 Mesmo não tendo esse
cunho oficial os latifundiários passaram a se reunir, principalmente na capital Teresina, para
demonstrar o seu descontentamento através dos meios de comunicação do período. Em 1963,
os latifundiários do Piauí começaram a travar uma lutar contra os supostos comunistas do
campo. De acordo com o jornal Folha da Manhã, na coluna destinada à Assembléia
Legislativa do Estado, no dia 15 de novembro de 1963, foi reproduzida a fala do deputado
Deusdeth Ribeiro, contra as ações desses proprietários de terra, pois segundo o deputado:
Não temos como comprovar que o incêndio criminoso, teve como mentores os
latifundiários, todavia tais práticas eram comuns no Brasil e no Piauí. Temos convicção que
os movimentos organizados pelos trabalhadores incomodavam os latifundiários, e as suas
organizações era motivo de discussões acaloradas, com as que ocorreram entre os
latifundiários e o Arcebispo metropolitano Dom Avelar Brandão Vilela. Foi encaminhado
pedido dos latifundiários a Dom Avelar Brandão Vilela para que a Igreja parasse com o apoio
aos sindicatos rurais, pedido que não foi atendido pelo Arcebispo. Até que, no ano de 1964,
foram presas todas as lideranças do campo, tanto os dirigentes das Ligas Camponesas no
Estado, como os líderes dos sindicatos rurais promovidos pela Igreja Católica. Um desses
presos foi Emílio Burlamaqui, indicado por Dom Avelar para a organização dos sindicatos
agrários no Piauí. Segundo ele, “houve uma oposição, digamos, violenta, por parte dos
proprietários”.342
As práticas políticas de cunho anticomunista estavam mais relacionadas às prisões
e cassações de mandatos políticos de supostos comunistas no Estado do Piauí. As acusações
que pesavam sobre os comunistas eram as mais variadas: subversão da ordem, infiltração em
órgãos públicos, aliciamento e o próprio fato de ser um comunista, dentre tantos outros
motivos. A apresentação dos nomes de comunistas foi realizada a partir de 1964, quando a
Operação Limpeza entra em ação no Estado do Piauí. Entre os nomes relacionados
340
Para ver o início dessa movimentação dos proprietários, ver editora de O Dia: EDITORIAL. Reforma Agrária.
O Dia. Teresina, 03 out. 1963, n. 1.129, p. 04.
341
GUILHERME, Olímpio. Assembléia Legislativa. Folha da Manhã. Teresina, 15 nov. 1963, n. 1.652, p.08.
342
OLIVEIRA, Manoel Emílio Burlamarqui de. Entrevista a Maria do Amparo Alves de Carvalho. Teresina,
1998. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos de uma
memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006.
229p. Dissertação de Mestrado.
140
343
ATO institucional: Piauí acelera inquéritos. O Dia. Teresina, 03 jun. 1964, n. 1.207, p. 01.
344
OPERAÇÃO Limpeza em ação. O Dia. Teresina, 05 jun. 1964, n. 1.209, p. 01.
345
DESBARATADO o partido comunista, secção do Piauí. O Dia. Teresina, 05 abr. 1964, n. 1.209, p. 01.
346
Sobre Honorato, vários são os artigos que o chamam de líder comunista. Dentre eles, destacamos:
DESBARATADO o partido comunista, secção do Piauí. O Dia. Teresina, 05 abr. 1964, n. 1.209, p. 01;
MENDES, Simplício. Terreno Minado. O Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 03; AÇÃO Comunista. O
Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 08; MENDES, Simplício. Penosa viagem. O Dia. Teresina, 15 abr.
1964, n. 1.217, p. 03; MENDES, Simplício. Apresenta-se a revolução comunista. O Dia. Teresina, 19 abr. 1964,
n. 1.220, p. 03; MENDES, Simplício. Os sindicatos. O Dia. Teresina, 25 abr. 1964, n. 1.224, p. 03.
347
DESBARATADO o partido comunista, secção do Piauí. O Dia. Teresina, 05 abr. 1964, n. 1.209, p. 01; Ação
Comunista. O Dia, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 08.
348
GUARNIÇÃO Federal de Teresina – Nota Oficial - O Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 08.
349
Estes três foram citados na reportagem: REVOLUÇÃO Comunista estava por um fio. O Dia. Teresina, 09
abr. 1964, n. 1.212, p. 01.
350
SEBASTIÃO Leal fala à imprensa sôbre atividades de sua secretaria. O Dia. Teresina, 24 maio 1964, n.
1.247, p. 01.
351
PROSSEGUEM diligências e prisões. O Dia. Teresina, 22 mai. 1964, n.1245, p.01.
141
352
As cédulas foram, dentre o material encontrado, as que provocaram um maior número de reportagens,
sustentando que a infiltração comunista já estava pronta para promover a revolução no país, já que as cédulas
com a esfinge de Lênin eram a prova cabal desta intenção. Cópia das cédulas em anexo.
353
DESBARATADO o partido comunista, secção do Piauí. O Dia, 05 abr. 1964, n. 1.209, p. 01; AÇÃO
Comunista. O Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 08.
354
Sobre a exposição do ano de 1965 ver nota da Guarnição Federal: GUARNIÇÃO federal de Teresina. O Dia.
Teresina, 24 mar. 1965, n.1493, p.01.
142
Fotografia 21. Clichê de fotos com o “material subversivo” apreendido pelo militares no Comitê do Partido
Comunista em Teresina.
Fonte: MATERIAL Comunista. O Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p.08.
Gomes Martins (que já havia sido preso como comunista), Antônio Ubiratan de Carvalho e
José Francisco Paes Landim.356
Ainda sobre as cassações, um caso ficou bastante conhecido na imprensa
piauiense. Preso, acusado de subversão, o vereador Jesualdo Cavalcanti Barros teve seu
mandato cassado pelos seus colegas de Câmara. O nome subversivo, no período, era sinônimo
de comunista, como podemos perceber no caso do vereador Jesualdo Cavalcanti. Por conta da
militância estudantil na Faculdade de Direito e de ser um político apoiador das Reformas de
Base, propostas pelo Presidente da República João Goulart, que era do mesmo partido do
vereador. Esse político foi o primeiro vereador cassado após o golpe civil-militar na cidade de
Teresina. O motivo de sua cassação: “estar envolvido com movimento de caráter subversivo
que visava à queda do regime democrático”, como consta no oficio da Guarnição Federal,
expedido para a Câmara Municipal de Teresina, recebido e assinado pelo presidente, Dr.
Raimundo Wall Ferraz, nesses termos:
Porém, Jesualdo não foi visto como subversivo apenas pelo regime que acabara de
se instalar. Também os seus companheiros de Câmara, em manifestações orais, durante a
sessão de cassação, reafirmaram o envolvimento do vereador com ações subversivas e
oficializaram a perda do mandato, como no discurso do Sr. Rodrigues Filho, transcrito da ata
da Câmara Municipal de Teresina, de 11 de abril de 1964, a seguir:
[...] Devo dizer a Vossas excelências que acato as decisões dos comandos
militares responsáveis pela preservação do Regime Democrático e da Ordem
Pública. Considero que com a vigência do ato Institucional está ressalvando
a responsabilidade desta casa para cassação do mandato do vereador
Jesualdo. Propuz-me [sic] a votar o impedimento, de que Vossas
Excelências são testemunhas. Tenham Vossas Excelências em vista a
cassação dos mandatos de vários Deputados Federais, que não dependeram
do pronunciamento [do] Congresso; as autoridades Militares, como ficou
patente, têm autoridade para fazê-lo. Abstenho-me de votar resguardando-me
o direito de respeitar, contudo, as decisões dos Comandos Militares. Esta
decisão que agora tomo, o faço, em respeito, mesmo, ao ato institucional,
ressalvando a minha responsabilidade quanto a iniciativa de cassação do
mandato do vereador. Trago a consciência tranqüila. Nada existe que
358
ATA da Câmara Municipal de Teresina, referente à Cassação do mandato do vereador Jesualdo Cavalcanti
Barros. Teresina, 11 de abril de 1964. Cópia do documento, em anexo, cedido pelo Dr. Jesualdo Cavalcanti para
a pesquisadora.
145
359
ATA da Câmara Municipal de Teresina, referente à Cassação do mandato do vereador Jesualdo Cavalcanti
Barros. Teresina, 11 de abril de 1964. Cópia do documento, em anexo, cedido pelo Dr. Jesualdo Cavalcanti para
a pesquisadora.
360
CASSADO o mandato do vereador Jesualdo Cavalcanti. Jornal O Dia. Teresina, 12 abr. 1964, n. 1.215, p.
01.
361
VOTO do vereador Paulo Rubens na cassação de Jesualdo Cavalcante. Jornal O Dia. Teresina, 15 abr. 1964,
n. 1.217, p. 06.
146
Mas não me livrei da pressão psicológica e das ameaças que fazia (soldados?
capitães?), gritando do lado de fora: - "hoje à noite nós vamos ajustar nossas
contas. E será no rio Poti!".
[...]
Não demoraria a juntar-me aos demais presos. Não obstante o crescente
número de estudantes, trabalhadores e intelectuais que se amontoavam nos
quartéis do 25º BC e do 2º BEC, o capitão não se dava por satisfeito e dizia:
- "Hoje são vocês, logo virão Petrônio e dom Avelar!".363
366
MEDEIROS, Antônio José Castelo Branco. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho.
Teresina, 1997. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos
de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI.
Teresina, 2006. 229p. Dissertação de Mestrado.
367
Idem.
368
Idem.
369
Padre Raimundo José Ayremorais foi reitor da Faculdade de Filosofia no Piauí durante a ditadura militar.
Atualmente é professor no Seminário Maior da cidade de Teresina.
370
SOARES, Pe. Raimundo José Ayremorais. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho.
Teresina, 1998. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos
de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI.
Teresina, 2006. 229p. Dissertação de Mestrado.
148
Um certo dia nós estávamos assistindo aula quando chegou uma pessoa,
ficou na porta da nossa sala e disse: “Não pode sair ninguém daqui, fica todo
mundo dentro da sala”. E ficamos sem saber o que estava acontecendo, na
sala ao lado, minha irmã que também estudava lá, estudava um ano
adiantada de mim. Minha irmã era mais velha, estava assistindo aula do
Professor que é irmão do padre [Raimundo] José é... é professor, não estou
lembrada do nome, [o nome do professor é Diogo Ayremoraes] como eu
estava dizendo, na sala ao lado estava dando aula o professor irmão do padre
Raimundo José, que era professor da minha irmã. Então, Agentes da Polícia
Federal, isso nós só fomos saber depois, Agentes da Polícia Federal entraram
na sala, prenderam o professor e uma aluna também, depois nós viemos
saber, eles fazia parte do Movimento Comunista. [grifo nosso]373
Aqui nós de fato sofremos pressões, nossa programação de rádio era toda
acompanhada, toda gravada, tinha gente mesmo gravando, fomos chamados
várias vezes a responder por essa programação, eu mesma, que fazia a
programação tive que comparecer duas vezes ao DOPS, duas vezes no 25º
BC, a última vez que eu estive lá respondi a um interrogatório.376
Segundo Palmira Luiza Sousa, além de vários outros membros do MEB serem
chamados para interrogatório, alguns foram presos, como Cleber do Rego Monteiro.377 Assim
como tantos outras pessoas que não se reconheciam como comunistas, Palmira Sousa disse
que foi considerada comunista. Da mesma forma que Antônio José Medeiros, Palmira não se
reconhece como comunista, mas teve tratamento igual ao dado a indivíduos que se
371
Idem.
372
Ana Maria viveu a década de 1960 em Teresina. Foi aluna do Instituto de Educação Antonino Freire, colégio
em que Diogo Ayremorais ministrava aulas, e trabalhou como discotecária na Rádio Pioneira.
373
SILVA, Ana Maria Pires Lopes da. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
374
Era um movimento, promovido pela Igreja católica, que visava à educação dos trabalhadores rurais. Com uma
metodologia apoiada no dia-a-dia desses trabalhadores, utilizava o rádio como meio educativo e propagador das
aulas.
375
Palmira Luiza de Sousa foi educadora do MEB entre os anos de 1962 e 1973. Atualmente é professora
aposentada da Universidade Federal do Piauí.
376
SOUSA, Palmira Luiza. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho. Teresina, 1997. Cf.:
ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos de uma memória
oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p.
Dissertação de Mestrado.
377
Idem.
149
[...] na Faculdade FAFI tinha espiões para todo lado, a gente não sabia, e
olhe, depois um dia me disseram, e eu fiquei seriamente preocupada, tinha
uma pessoa que se dava comigo, me convidava pra eu sair com ela, até fui
almoçar com ela, essa pessoa foi colocada pra me espionar, então essa
pessoa tinha como objetivo me ouvir pra levar o que eu falava pra eles [...]
Então teve dessas coisas, coisas terríveis mesmo, colega nosso, um que é
meu compadre lá de dentro do MEB, [...] um senhor me disse: Olha Palmira
não sei como Dom Avelar colocou fulano lá dentro do MEB, você pode ficar
certa que o material que vocês trabalham, cartazes, livros, todos os tipos de
divulgação, textos de estudo, tá tudo lá no Exército, então eu disse pra ele
que eu não acreditava. Quando o negócio engrossou mesmo, que começaram
a nos pressionar, eu estava preparando uma programação, quando ele chegou
lá, eu disse: olha, compadre, me disseram isso, você leva nosso material pra
lá, que você é um elo de ligação (sic) entre o Exército e nós do MEB. Eu não
acreditei, mas aí quando ele falou, você sabe assim o movimento facial da
pessoa, parece que ele se tocou com o que eu disse e os músculos do rosto
dele parece que caíram. 378
Um militar capitão da polícia, formado de qualquer jeito, [...] mas como eles
mesmo dizem na caserna, feito nas coxas, sem nenhum preparo, [era o]
Astrogildo Sampaio, [...] ele se notabilizou primeiro como prendedor de
magarefe e talhador de carne, na periferia da cidade, [...] no governo Castello
Branco tinha a tabela de preço, então, ele começou a prender magarefe e sair
nos jornais da cidade, então, ficou famoso, como ele ficou famoso
prendendo magarefe acharam por bem colocá-lo como diretor do DOPS,
Departamento de Ordem Política e Social, então, ele era Marcathista, todo
mundo que ele via: comunismo, comunismo, comunismo, e ele foi quem
criou esse clima. E, andou prendendo quem devia ser preso e quem não
devia ser preso, aí ele perseguia os padres que davam apoio ao movimento. E
foi a Dom Avelar pedir a cabeça do padre José, Antônio José, para prender, -
ele era ousado, - do padre Carvalho, do Diogo, acho que eram só esses três
mesmos, tinha outro aí, parece que o padre Juvenal, um italiano que estava
na vila, e Dom Avelar, segundo nós sabemos, tirou o anel de arcebispo e
entregou para ele [e disse]: Capitão, então, me prenda também. E ele ficou
com vergonha, pediu desculpa e foi embora. Mas não era comunista Dom
Avelar.384
382
SEBASTIÃO Leal fala à imprensa sobre atividades de sua secretaria. O Dia. Teresina, 24 mai. 1964, n.1247,
p.01.
383
OPERAÇÃO Limpeza últimas notícias. O Dia. Teresina, 24 mai. 1964, n.1247, p.08.
384
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. Teresina, 2005.
151
boatos e mexericos de alguns piauienses. E os boatos podem fazer parte das práticas
anticomunistas? Acreditamos que sim, uma vez que pode ser considerada a possibilidade de
uma sociedade ver determinados acontecimentos e acreditar neles como parte de sua
realidade. Não é à toa que boa parte dos comunistas que ficou guardado na memória da
população, não se considerava comunista na década de 1960. Por causa desses boatos de
prisões e rumores de cassação de mandatos, muitas notícias, depois do golpe de 1964, foram
publicadas nos jornais desmentindo esses mal-entendidos. Um caso interessante foi o do
radialista e vereador Álvaro Lebre, mas conhecido como Al Lebre, narrado pelo jornal O Dia
de 04 de abril de 1964:
Indagaram:
- Dr. João, você está do lado de quem?
E ele:
- Quem foi que ganhou?386
Fotografia 22. Presidente João Goulart e o governador piauiense Petrônio Portella (1963-1966) nas
386
CADEIRA do barbeiro. O Dia. Teresina, 04 abr. 1964, n.1.208, p.04.
387
PELO CANO. O Dia. Teresina, 05 abr. 1964, n. 1.209, p.08.
153
[...] Toda esta introdução é para apresentar um assunto que ouvi e que
acredito que seja piada. Verdade é que não pode ser:
- Trata-se do movimento comunista fracassado em hora que os anjos se
inclinavam, benévolos, para a terra de Santa Cruz; e consta que as nações do
bloco soviético, financiavam em conjunto, a comunização do país. A Rússia,
na partilha do bolo, ficaria com São Paulo, a China, com a Guanabara; o
pobre Piauí caberia ao barbudo.
Mudar-se-iam os costumes, as tradições, as bandeiras, a moeda. O nosso
herói seria Lênin. Sua efígie estaria nas cédulas, a fim de que todo mundo
conhecesse um dos fundadores e o maior benfeitor dos brasileiros! A língua,
naturalmente substituída seria. E eu que tanto gosto da língua espanhola, se
não sucumbisse no PAREDON, teria de odiá-la [...]. 389
388
PAULA, Ana. Dizendo o que penso. O Dia. Teresina,10 abr. 1964, n.1.213, p.07.
389
LEITE, Cristina. Gente Patriota. O Dia. Teresina, 14 abr. 1964, n.1.216, p.07.
154
jornal O Dia, segundo esse jornal: “Adoeceu uma pessoa na residência do soldado, que, aflito,
saiu atrás do médico. Bateu à porta do Dr. B. A. (Não é “boa ação” de bandeirantes). Êle, ao
ver o soldado, sem mais nem menos, foi dizendo: - Mas eu não fiz nada!”.391 Essa nota,
demonstra como as pessoas se sentiam ameaçadas, pois a qualquer momento poderiam ser
presas, sem ao mesmo terem envolvimentos com movimentos subversivos.
Nesse sentido, as práticas de exclusão dos que já haviam sido presos também
eram comuns, por causa do medo de associação com o comunismo, como refletiu em
entrevista a senhora Ana Maria Pires Lopes da Silva: “Eu tinha o maior medo de ser igual a
ela [amiga de sua irmã que foi presa], eu tinha medo de ser presa, porque a minha mãe passou
para mim que quem era preso era bandido, porque meu pai era da Polícia e tinha esse
conceito, só está na grade quem é bandido, e eu tinha muito medo de ser bandida, então, eu
seguia uma outra trilha, porque tinha medo de ser presa”.392 Essa aversão da associação ao
comunismo, levou muitos dos que tinham a fama de ser ou que realmente eram comunistas, a
serem excluídos do convívio social, como lembra o comunista Marcos Igreja: “eu perdi
muitos amigos, as mães e os pais proibiam meus amigos de andar comigo, de sair comigo,
porque eu era comunista”.393 E muitos foram embora por causa da discriminação “[...] eu fui
me embora daqui porque me senti muito discriminado, pô! Pra todo lugar que eu ia era
comunista, até os times que eu jogava bola, eu gostava de jogar, ficavam...Ninguém sabia o
que era comunista, só sabia que era uma coisa muito ruim”.394
O medo fez com que muitos passassem a se mostrar totalmente favoráveis ao
movimento instalado em 1964. O simples fato de ser acusado de compactuar com o
comunismo fez com que muitos piauienses tomassem atitudes radicais como a delação e o
apoio incondicional a atos anticomunistas, como sugere Jesualdo Cavalcanti:
390
COMANDO da Guarnição Federal. O Dia. Teresina, 08 abr. 1964, n.1.211, p.08.
391
PELO CANO. O Dia. Teresina, 24 mai. 1964, n.1.247, p.04.
392
SILVA, Ana Maria Pires Lopes da. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
393
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de Oliveira.
Teresina, 2005. 56p
394
Idem.
395
BARROS, J. C. Op.Cit. p.195.
155
capital e por todo Estado, havendo até quem tivesse visto comunistas que estavam presos,
esculacharem a revolução em plena praça pública, como lembra, sarcasticamente, o acusado:
O que eles falavam, muitas vezes para mim, era uma coisa muito presente,
muito forte. Eu falo aqui porque eu decorei, capturei, guardei na memória,
[...] mas eu me lembro de algumas coisas que meu pai falava, por exemplo,
sempre que aparecia a União Soviética, a Rússia, a União Soviética mesmo
naquele momento, ele sempre fazia muitas críticas, tinha sempre uma
posição muito crítica, com relação aquele país, era muito duro com o [....]
presidente da Rússia, [...] Yuri Brejnev, quer dizer, ele era muito duro com o
Brejnev, dizia assim: Esse velho não morre, um velho desse! mas a raiva que
ele tinha mesmo assim, muito mais do que do Brejnev, muita mais raiva do
que dos russos, ele tinha uma raiva assim terrível do Fidel Castro (risos), o
Fidel Castro para ele era uma figura assim muito, muito dura, ele se referia
ao Fidel Castro sempre com muito desdém, como ditador monstruoso...397.
396
Idem, p.209.
397
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina,
NHOUFPI, 2007.
157
398
Ver: CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Tradução: Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Bertrand,
Rio de Janeiro, 1990.
399
CHARTIER, R. Op. Cit.
158
400
Idem, p.58.
401
Para Michel Pollak as “memórias subterrâneas que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de
maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados. A memória
entra em disputa. Os objetos de pesquisa são escolhidos de preferência onde existe conflito e competição entre
memórias concorrentes”. POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento e Silêncio. Revista de Estudos Históricos.
Rio de Janeiro, vol. 02, n.03, 1989, p.02.
402
Para Maurice Halbwachs a memória individual está sempre remetida a participação dos indivíduos em
grupos, pois apesar de ter suas lembranças pessoais o indivíduo está sempre interagindo com os grupos do qual
ele faz parte, desta forma, a memória coletiva tem a importante função de fazer com que as pessoas expressem a
sensação de pertencimento a um grupo, segmento, instituição. Ela garante um sentimento de identidade ao
indivíduo calcado não só no campo do histórico, mas também no campo das representações e símbolos.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução: Beatriz Sidou. – São Paulo: Centauro, 2006.
403
POLLAK, M. Op. Cit. p.03
159
esses laços de afetividade. No entanto, o que impede que uma memória oficial também seja
transmitida pelos laços de afetividade, ou pela participação dos indivíduos em determinados
grupos? Cremos que essa memória oficial, mesmo tendo uma maior divulgação e sendo,
muitas vezes, manipuladas pelos poderes públicos, também, estimulam o surgimento de
tradições. O que foi o anticomunismo, senão uma das maiores tradições da cultura política
brasileira?
Ao mesmo tempo em que aponta para os conflitos de memória entre a memória
coletiva oficial e as memórias subterrâneas, Michel Pollak cria um conceito que, de certa
forma, está ligado permanentemente ao conceito de memória coletiva, pois só pode haver
memória subterrânea, se houver uma memória oficial que se contraponha a ela. Este autor,
ainda, toma de empréstimo a Maurice Halbwachs as mesmas características que são dadas à
memória coletiva: a seletividade, a longa duração e, sobretudo, a relação que a memória
estabelece com os grupos dos quais o indivíduo fez ou faz parte.
Fizemos essa relação apenas para afirmar que este trabalho não se construiu sobre
memórias subterrâneas que são, nas palavras do próprio Michel Pollak, escondidas, mas
propomos um estudo sobre essa memória coletiva “oficial”, aquela que podia ser dita
abertamente, sem receio de ser contida, que não sofria o corte de outra memória, mas que
cortava várias memórias, todos os dias. Apontamos para percepção de memórias coletivas
múltiplas, como afirma Maurice Halbwachs: “Na realidade existem muitas memórias
coletivas”.404 E, acreditando nessa perspectiva, mostramos a multiplicidade de grupos que
tinham o comunismo como algo nocivo à sociedade, no entanto cada grupo possuía a sua
memória anticomunista, que se unia aos outros grupos, muitas vezes, apenas pelo fato de
lutarem contra o comunismo. O anticomunismo, tornou-se uma tradição, com direito a
homenagens oficiais e manifestações públicas. Nesse sentido, percebemos que ele sobreviveu,
não só nos documentos oficiais, mas também na memória de boa parte da população brasileira
e piauiense.
O objetivo deste capítulo é relacionar alguns dos principais meios de divulgação
dos discursos anticomunistas e, partindo desses meios, utilizar a memória como fonte de
compreensão das apropriações do anticomunismo.
Conseguimos, diante dos documentos, evidenciar que existiram três grandes
meios de divulgação dos discursos anticomunistas: os jornais escritos, os livros e o rádio. E
são sobre esse meios de divulgação do anticomunismo que trataremos agora.
160
3.1 Nas ondas vermelhas: a apropriação das representações anticomunistas através do rádio
no Piauí na década de 1960
No Piauí, essa preferência dos ouvintes pelos noticiários também se fez constante.
Podemos perceber isso na longevidade de um dos programas da Rádio Difusora de Teresina,
que ficou no ar de 1951 a 1980, O Grande Jornal Q-3. Noticioso que era ouvido não apenas
na Capital, mas em todo o Estado.407 Segundo Francisco Alcides do Nascimento, para o
sucesso desse jornal local, a emissora aproveitava o fato de as pessoas se reunirem, antes de
entrar o noticiário oficial, A Voz do Brasil, assim, das 18 às 19 horas, escutavam o Grande
Jornal Q-3, o que acabou se tornando um hábito entre os piauienses. Segundo José de
Ribamar Aquino Pernambuco,408 “o Jornal Q-3 era um jornal que, em Teresina, todo mundo
404
HALBWACHS, Op. Cit. p.105.
405
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Fios de memória: história do rádio. In.: CASTELO BRANCO, Edwar
de Alencar, NASCIMENTO, Francisco Alcides e PINHEIRO, Áurea Paz. História: Cultura, Sociedade e
Cidade. Recife: Bagaço, 2005.
406
NASCIMENTO, Francisco Alcides. História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina: Alínea
Publicações Editora, 2004. p. 49.
407
Idem, p.28-29.
408
Um dos sonoplastas mais antigos do Piauí, trabalhou nas rádios Difusora de Teresina e Clube de Teresina,
atualmente trabalha em uma emissora de TV.
161
conhecia, esse pessoal das antigas sabe o que é o Jornal Q-3”.409 A idéia do rádio como
potente fornecedor de notícia, refletia, inclusive, nas propagandas veiculadas nos jornais
escritos:
O lar é abrigo onde homens se acolhem para repousar das fadigas do dia, ao
lado dos seus. Torne seu lar mais atraente com um rádio Philco que lhe
proporcionará boa música e as mais recentes notícias do mundo. [grifo
nosso] 410
Era o rádio um dos responsáveis pelo acesso de grande parte dos piauienses aos
mais variados lugares do mundo, através das notícias, que, todas as noites, entravam nos lares.
Enfocamos, de certa forma, a importância dos noticiários, porque acreditamos que, em certa
medida, os temas em voga nos jornais escritos eram os mesmo transmitidos pelos jornais
radiofônicos. Nesse sentido, na década de 1960, um dos temas que mais se debatia, no rádio e
nos jornais, era o comunismo. Investigamos os discursos anticomunistas que eram veiculados
a partir do rádio. Talvez, por estar em sua “era de ouro” no Piauí, o rádio é o meio de
comunicação mais lembrado durante as entrevistas. Acreditamos que, devido à sua capacidade
de abranger os mais diversos segmentos sociais, o rádio teve um papel fundamental na
propagação do anticomunismo.
Para um Estado, em que, segundo dados do IBGE, na década de 1960, mais da
metade dos habitantes eram analfabetos,411 o rádio tornou-se uma possibilidade democrática
de transmitir informações.412 Um empecilho, para essa democratização, talvez, fosse a falta de
condições financeiras para a aquisição do aparelho de rádio, possibilidade questionada pelo
ex-radialista Deoclécio Dantas413: “[...] na década de sessenta já não era tanto assim. Já havia
certa facilidade, uma maior facilidade para as pessoas comprarem rádio.414
409
PERNAMBUCO, José de Ribamar Aquino. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento.
Teresina, 2001.
410
O PIAUHY. Ano LVIII, Teresina – PI, Janeiro de 1948. Apud: NASCIMENTO, Francisco Alcides. História
e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2004. p. 33.
411
Na década de 1960, o índice de analfabetismo em pessoas acima de 15 anos e mais de idade era de 64,9%.
Apesar de no Estado do Piauí o analfabetismo ter decrescido, com relação à década de 1950 (72,5 %), o índice
ainda era elevado se comparado à porcentagem de analfabetos no Brasil, que era de 39,8%. MENDES, Felipe.
Economia e desenvolvimento do Piauí.Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003. 458p.
412
Para Francisco Alcides Nascimento, desde a década de 1930, tem-se notícias sobre a existências de rádio
receptores em vários municípios piauienses: “Temos [...] alguns depoimentos que informam sobre a presença do
aparelho de rádio receptor de norte a sul do Piauí. Dois deles chamam a atenção pela dificuldade que era adquiri-
lo. Em um deles o rádio foi comprado com apoio da comunidade, e instalado na Câmara municipal. Desta forma,
o rádio terminara ajudando na manutenção dos laços comunitários. Aliás, as pessoas passaram a marcar
encontros para resolver problemas de outra ordem nas "sessões de rádio", à noite. NASCIMENTO, Francisco
Alcides. Os antecedentes do rádio: apontamentos para a história da radiodifusão no Piauí. Cadernos de Teresina.
Ano XIV, n.34, novembro, 2002, p.34.
413
Ex-radialista da Rádio Pioneira, também foi redator de vários jornais impressos em Teresina na década de
1960.
414
DANTAS, Deoclécio. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
162
Murilo era um bom intérprete, ele lia as crônicas que, em geral, eu escrevia.
[...] não sei se você conheceu o Dielson, Dielson Carvalho era engenheiro,
tinha morado muito tempo no Sul do Estado e por lá se casou, mas veio
passar uma temporada aqui e foi nomeado pelo governador de então, que eu
não me lembro quem era, diretor do Instituto de Águas e Energia Elétrica – I
A E E, mas era comum você está trabalhando e a energia vai se embora, a
água não tem hoje, era um negócio danado. Então o Dielson foi nomeado
como se para corrigir os erros e eu acho até que ele corrigiu mesmo. Eu fiz a
crônica falando dessas coisas do IAEE e o Murilo encontrou uma quadra ou
sextilha que eu pus lá no meio, mas não pra cantar, não é? E eu ficava
ouvindo, pra depois contar, como leitor, e de repente eu ouço o Murilo
cantando: ai, ai que saudade tenho do Dielson, bem que me diziam que ele
415
José Lopes dos Santos foi diretor da Rádio Difusora de Teresina e um dos redatores e apresentadores do
Grande Jornal Q-3, também foi músico e advogado.
416
Murilo Campelo foi apresentador de vários programas de rádio no Piauí e Maranhão.
163
Não obstante a citação seja extensa, o trecho é importante para entendermos como
as notícias, crônicas e informações dadas pelo rádio tinham um caráter diferenciado, em
relação aos textos impressos. Para Ana Rosa Gomes Cabello, as transmissões radiofônicas
exigem dos comunicadores-locutores uma relação diferente com o leitor-ouvinte, uma vez que
o texto lido nos transmissores, diferente dos textos escritos em jornais e revistas, só eram
escutados uma única vez, não tendo o leitor-ouvinte a possibilidade de reler a mensagem:
417
SANTOS, José Lopes dos. Entrevista Concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2001.
418
CABELLO, Ana Rosa Gomes. A expressão verbal na linguagem radiofônica. In.: DEL BIANCO, Nélia R. e
MOREIRA, Sônia Vírginia (org.). Rádio no Brasil: tendências e perspectivas. Rio de Janeiro, São Paulo:
EDURJ, UNB. 1999. p.16
164
Com relação à linguagem radiofônica [...] para escrever textos para o rádio
não basta conhecer as regras gramaticais e de sintaxe; deve-se também
possuir a habilidade de preparar o texto para ser ouvido. [...] a linguagem
radiofônica difere da impressa, [...] o texto radiofônico oral-escrito tem uma
única chance de ser ouvido. Com isso, deve explorar sua única oportunidade
de emissão ao criar imagens mentais, que projetam as palavras, e ao criar
idéias, frases, situações, com um conteúdo tão claro e expressivo, que
praticamente, não exijam esforço do ouvinte.
Exigir demais do ouvinte não é objetivo do trabalho radiofônico. Isso porque
o ouvinte só é capaz de receber frações de construções complexas (isso é
freqüentemente esquecido); as frases complexas são uma barreira à
informação oral (muito mais que a escrita); o locutor no rádio lê uma frase
de 07 linhas em 15-20 segundos; e, assim, sobra muito pouco tempo para
que o ouvinte possa assimilar as informações imediata e totalmente (o
ouvinte não pode "reler" as frases, passa para as informações seguintes).419
419
Idem, p.17.
420
ESCH, Carlos Eduardo. Do microfone ao Plenário: o comunicador radiofônico e seu sucesso eleitoral. in.:
DEL BIANCO, Nélia R. e MOREIRA, Sônia Vírginia (org.). Rádio no Brasil: tendências e perspectivas. Rio de
Janeiro, São Paulo: EDURJ, UNB. 1999. p.71.
165
421
"Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que controlava de maneira férrea, com
censuras prévias e posterior, todo sistema de comunicação do país. Ele encampou emissoras de rádio e lançou no
ar Voz do Brasil, programa veiculado diariamente há mais de 60 anos, e que é porta-voz oficial do governo
federal; [...]. Simultaneamente, o DIP de Vargas passou a editar a revista Cultura Política, que exprimia o
pensamento do regime e divulgava o projeto político-ideológico do Estado Novo". COSTA, Osmani Ferreira da.
Rádio e Política: a aventura eleitoral dos radialistas no século XX. Londrina: Eduel, 2005. p.56
422
Para compreender essa relação entre a impressa escrita e a política ver: RÊGO, Ana Regina. Imprensa
Piauiense: atuação política no século XIX. Teresina, 2000.
423
Segundo Antônio José Medeiros, “Chagas Rodrigues definiu um estilo de governo antes desconhecido no
Piauí, com mobilização popular e forte utilização da mídia. Apoiou a instalação da Rádio Clube e ali mantinha o
programa semanal “Falando com o Povo”; recebia sindicatos e associações no palácio do governo, instituiu
audiências populares aos sábados [...]; recebia a imprensa semanalmente e concedia longas entrevistas coletivas
transmitidas ao vivo pelo rádio, quando retornava de viagens mais demoradas [...]”. MEDEIROS, Antonio José
Castelo Branco. Movimentos Sociais e participação política. Teresina (PI), CEPAC, 1996. p.69.
424
Sobre a relação entre o rádio e a política no Piauí ver o capítulo: A RDT no jogo político partidário do Piauí
(1948-1962). In.: LIMA, Nilsângela Cardoso. Invisíveis asas das ondas ZYQ-3: sociabilidade, cultura e cotidiano
em Teresina (1948-1962). Dissertação de Mestrado. Teresina, UFPI, 2007.
425
Político piauiense, já assumiu vários cargos no poder executivo, é atualmente dono de uma das maiores
emissoras de televisão do Piauí.
166
[...] eu quero só lhe dizer que apesar de ser um político nunca usei a rádio
Pioneira, como não uso a minha televisão, você é testemunha disso, e vê que
lá não existe parcialidade a meu favor. Eu fui candidato várias vezes e nunca
houve restrição a nenhum concorrente meu em nada, lá todo mundo sempre
tem a oportunidade de falar e dizer, como continua até hoje a nossa televisão
tem a sua respeitabilidade no meio em que nós vivemos. E assim era na
Rádio Pioneira sempre mantive uma linha de imparcialidade porque era a
forma de você ser acreditado [...].426
Mas, segundo Nilsângela Cardoso Lima, essa “imparcialidade” pode ser refletida
de uma outra forma, pois do ponto de vista político, cada rádio nascia ligada a uma sigla
partidária, mesmo que, em suas propostas iniciais, primassem a imparcialidade. Sobre a
relação entre a política partidária e a primeira rádio de Teresina, a Rádio Difusora de
Teresina, a autora reflete:
Se os espaços nas rádios locais eram tão imparciais, como disse o diretor da
Rádio Difusora de Teresina, José Eduardo Pereira, no trecho citado por Nilsângela Cardoso,
por que então o governador Chagas Rodrigues fez parte de um empreendimento que resultou
na instalação da Rádio Clube de Teresina, para ter um programa semanal, em que poderia
falar sobre as realizações de seu governo? Por que investir em um empreendimento tão caro,
como uma rádio, naquele período, se o governador poderia utilizar da imparcialidade dos
microfones da Rádio Difusora de Teresina? Ao contrário dessa imparcialidade, percebemos
que o rádio era um meio de propaganda político-partidário, que muitas vezes incomodava os
concorrentes, como sugere a reportagem: “À noite de anteontem, à hora em que deveria ocupar o
microfone da Rádio Clube de Teresina, o governador Chagas Rodrigues, em sua palestra semanal com
o povo piauiense, os fios da linha de som dos transmissores foram cortados por mãos criminosas, na
altura da ponte do Rio Poti”.428
Foi nesse ambiente de contradições e de disputas político-ideológicas que muitos
utilizavam os microfones das rádios para se oporem ao comunismo, principalmente depois do
426
TAJRA, Jesus Elias. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
427
LIMA, Nilsângela Cardoso. A rádio Difusora e a sociedade teresinense. Cadernos de Teresina. Ano XIV,
n.34, novembro, 2002, p. 41.
167
golpe civil-militar de 1964. Notícias vindas de outros Estados davam conta da situação dos
países comunistas, políticos tinham espaços cativos opinando sobre comunismo e,
principalmente, as notícias das ações anticomunistas eram veiculadas nos jornais
radiofônicos, como no episódio da prisão do estudante Antônio José Medeiros, acusado de ser
comunista, no qual foi necessária a intervenção do Arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela
para que a notícia veiculada no rádio tivesse uma “versão mais equilibrada da coisa.....”,429
assim como da prisão do professor da Faculdade de Filosofia, Diogo José Ayremorais,
momento em que alguns militares ocuparam os microfones das rádios da cidade de Teresina,
para afirmar a insubordinação dos padres contra a prisão do professor.430
Não podemos deixar de ressaltar que esse momento da história do Brasil foi muito
difícil em decorrência da censura aos meios de comunicação e que, de certa forma,
modelaram a maneira de se fazer o rádio a partir de 1964. Como aponta Joel Silva431 “o rádio
na década de 60, 70, funcionava como um impositor, ele tinha sua imposição e o público se
limitava a ouvir”.432 Isso ocorria devido ao controle do que era colocado no ar, a fiscalização
do regime militar não poderia admitir falas inesperadas dos ouvintes, nesse sentido, só a
linguagem fiscalizada e censurada poderia ser transmitida, especialmente logo após o AI-5.
O propósito desse tópico é verificar a existência dos discursos anticomunistas no
rádio, para que possamos entender a sua apropriação. No entanto, para alcançar tais objetivos,
foi necessário também a utilização dos jornais, no sentido de investigar quais foram esses
discursos anticomunistas divulgados pelas emissoras. A escuta desse material nos dias atuais
é inviável, pois as emissoras de rádios não tinham preocupação com as fitas nos quais eram
gravados os programas que iam ao ar. Sabemos que a análise pode ser prejudicada em virtude
da falta do material de áudio, pois durante todo este tópico tentamos demonstrar como a
linguagem radiofônica é diferente da linguagem dos jornais impressos, pela sua criatividade,
espontaneidade e acessibilidade. Uma vez que este texto radiofônico foi apropriado pelo
jornal, sabemos que existem mudanças consideráveis e substanciais. No entanto, não tivemos
outra maneira de ter acesso a esse material.
Sobre a incidência desses discursos radiofônicos, conseguimos visualizar que
428
SABOTAGEM contra a rádio Clube de Teresina. Folha da Manhã. Teresina, 30 set 1960, n.814, p.01.
429
MEDEIROS, Antônio José. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho. Teresina, 1997.
Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos de uma
memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006.
229p. Dissertação de Mestrado.
430
SOARES, Pe. Raimundo José Ayremorais. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho.
Teresina, 1998. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos
de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI.
Teresina, 2006. 229p. Dissertação de Mestrado.
431
Radialista da Rádio pioneira desde 1969, ainda hoje tem um programa diário de grande audiência nessa
emissora: Painel da cidade.
168
estes espaços no rádio eram dados a grandes personalidades do Estado do Piauí, e até mesmo
do Brasil. Principalmente, depois do golpe de 1964, os microfones eram abertos às lideranças
políticas da sociedade piauiense, para se colocarem diante dos fatos, mas, sobretudo,
posicionarem-se contra o comunismo. Segundo o jornal O Dia “Quase diariamente figuras
expressivas da intelectualidade piauiense estão realizando palestras de esclarecimento sobre o
papel das Forças Armadas e o perigo que correu o país”.433 Ainda, segundo o jornal, as três
grandes emissoras de rádio do Piauí: Difusora, Clube e Pioneira, transmitiam em cadeia essas
palestras, mais precisamente nos horários destinados aos “principais informativos”.434
Vejamos um trecho de um discurso que tinha essa finalidade:
República no Piauí:
[...] Julgo também que aquela atitude veio restabelecer a paz, a tranqüilidade
e o sossego tão necessários ao desenvolvimento do Brasil. Hoje já podem os
brasileiros viver despreocupados, certos de que têm garantia para os direitos
que a constituição lhes assegura. Certos de que podem trabalhar confiando
no fruto do seu trabalho, certos que já não precisam temer o assalto e o
saque a sua propriedade privada, até então estimulado e fomentado,
principalmente por muitos que tinham o dever e precisavam ter a
hombridade de lhe dispensar o amparo e de defendê-la. 435
435
PROCURADOR da República fala sobre os últimos acontecimentos. O Dia. Teresina, 08 abr. 1964, n. 1.211,
p. 01.
170
custas da Constituição. Percebemos esse aspecto quando ele foi questionado se a constituição
foi respeitada durante a execução do golpe, no que o Procurador respondeu que “foi
respeitada, sim; E talvez esteja sendo respeitada demais”. Para o referido Procurador, a
situação não tinha fugido da legalidade, porém isso poderia acontecer, se fosse para preservar
a Constituição. No discurso do Procurador, a ameaça de violação a Constituição da República
justificaria atos no sentido de mantê-la.
O discurso justificador da paz e da tranqüilidade respalda-se por uma manutenção
da ordem, mas também como desmonte das organizações populares. A preservação do lugar
social era fonte de tranqüilidade para a maior parte dos que construíram discursos contra o
comunismo, e deveria ser também para aqueles que consumiam esses discursos. Eis que a
ruptura com a ordem estabelecida se configurava como perda do lugar social do enunciador
do discurso, no caso, a perda do cargo de Procurador da República.
Sobre essa mesma perspectiva, podemos analisar um outro discurso do então
presidente da Associação Comercial Piauiense, Sr. Jesus Elias Tajra, em uma palestra que fez
na cadeia de emissoras de rádio no Piauí. A palestra tinha como tema “O comunismo e sua
atuação no Brasil”:
436
TAJRA, Jesus Elias. O comunismo e sua atuação no Brasil. Jornal O Dia. Teresina, 11 abr. 1964, n. 1214, p.
01.
171
momento, no Estado do Piauí, poderia mobilizar tão rapidamente a opinião pública como o
rádio? Com certeza, no Piauí da década de 1960, nenhum outro meio de comunicação.
E todos os que precisavam expor a sua posição diante de alguns fatos,
principalmente se fosse algo relacionado ao comunismo, recorriam às rádios. Foi o que fez
também, o Arcebispo Metropolitano de Teresina, quando acusado de compactuar com as
chamadas Ligas Camponesas no Estado. Dom Avelar pregava a melhoria das condições de
vida do homem do campo, e não queria que o movimento organizado pela Igreja, os
sindicatos rurais, fossem confundidos com outro tipo de movimento de postura ideológica
duvidosa e para que a sua posição se propagasse no seio piauiense:
437
Nome dado às Ligas Camponesas no Estado.
438
A PALAVRA da Igreja. Folha da Manhã. Teresina, 27 mar. 1962, n.1.213, p.02.
172
439
Ainda na graduação e pesquisando sobre a cidade de Teresina e as políticas públicas de modernização da
capital piauiense, tivemos contanto com os jornais piauienses da década de 1960, o que chamou a nossa atenção
foi o grande número de reportagens sobre o medo do comunismo e a ameaça comunista no Estado do Piauí.
440
OS SOCIALISTAS. Semanário. Teresina, 15 mar. 1879, n.108, p.02-03.
173
Agora mesmo vemos nas austeras do Estado de São Paulo, de 18/02, 60, sob
a legenda - O comunismo em ação – que há cerca de 400 oficiais do exército,
- simpatizantes e adeptos do totalitarismo moscovita. [....]
E acrescenta o Estado de São Paulo, espécie de Time do Brasil, que houve
da parte desses comunistas uma conspiração ou maquinação qualquer, no
sentido de impedir a nomeação ou mesmo a posse do ex-combatente do 1º
exército, no Ministério [...]. [grifos do autor]441
Mas não eram apenas os jornais do sul do país que tinham a sua ressonância nos
noticiosos locais, jornais do Nordeste também possuíam seus espaços na luta contra o
comunismo: “Agora, nós vemos no Correio do Ceará, de Fortaleza, que o Sr. Arcebispo de
Olinda teme revolução comunista em Pernambuco”.442
A escolha das reportagens a serem transcritas nesses jornais, possivelmente, eram
selecionadas pelos editores dos noticiosos, com base, evidentemente, na linha editoral. Nesse
sentido, todos os jornais pesquisados, eram, comprovadamente, adeptos de transcrições
nacionais anticomunistas. Mas algo deve ser questionado: por que davam prioridade a
transcrições anticomunistas de aspectos políticos?
Os jornais piauienses sempre tiveram nítidas ligações políticas partidárias, cada
jornal era influenciado por um grupo político, como exemplo, podemos citar: o Folha da
Manhã, que era do deputado Joaquim Parente, pertencente à UDN; O Dia, que até 1963,
pertencia aos Senhor Leão Monteiro, simpatizante dos partidários do PTB. Em agosto de
1963 o jornal O Dia foi comprado pelo Coronel Otávio Miranda, que foi um dos apoiadores
do golpe civil-militar de 1964 e que no final da década de 1960 era partidário da ARENA.
Sem qualquer constrangimento, os jornais eram arrendados pelos donos aos partidos políticos,
em véspera de campanha eleitoral, como ocorreu no ano de 1962 com o jornal O Dia: “Na
próxima quarta-feira estará terminado o contrato de arrendamento de 'O Dia', que voltará à
direção de seu proprietário Leão Monteiro”.443
Foi por questões políticas que o jornal Folha da Manhã, ligado politicamente à
UDN, no ano das eleições governamentais de 1962, transcreveu reportagem do jornal O
441
MENDES, Simplício de Sousa. Pseudonacionalismo. Folha da Manhã. Teresina, 10 de mar. 1960, n.663,
p.04.
442
MENDES, Simplício de Sousa. Ligas Camponesas. Folha da Manhã. Teresina, 17 de ago. 1960, n. 782, p.04.
174
443
CONTRATO Terminado. O Dia. Teresina, 28 out. 1962, n. 1.042, p.01.
444
CONFIRMADO: Chagas é comunista! Folha da Manhã. Teresina, 11 jan. 1962, n.1158, p.01.
445
REPETIMOS: Chagas é comunista. Folha da Manhã. Teresina, 13 jan. 1962, n.1.160, p.06.
175
Essa foi a única parte da obra comentada, de forma direta e rápida, o autor
resumiu a obra do jurista vienense. No restante do artigo, o professor continuou a dar a sua
opinião sobre os países comunistas e a opressão que sofriam os povos a ele submetido.
A tentativa de chamar a atenção para os escritos anticomunistas nos jornais
piauienses se deu muito pela forma como eram noticiados. De maneira geral, as reportagens
anticomunistas eram sempre matérias de capa, ou eram estampadas em letras garrafais. Na
grande maioria das vezes, no jornal O Dia, as manchetes sobre o comunismo eram impressas
de cor vermelha, forma mais expressiva de demonstrar a importância da matéria e associá-la à
cor comunista.
Os jornais foram fontes importantes para compreensão de como os indivíduos se
apropriavam das reportagens sobre o comunismo, muitas vezes, os jornalistas comentavam
446
RODEGHERO, Carla Simone. O Diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio
Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediufp, 1998. 1998, p.34-35.
176
sobre as cartas que recebiam contendo as dúvidas e críticas dos leitores. Nessa perspectiva, os
jornais nos ajudaram a ver muitos dos comentários que eram feitos sobre os livros
anticomunistas que circularam no Piauí daquele momento. E é sobre esses livros que
trataremos agora.
3.3 Os livros vermelhos: a apropriação do anticomunismo nos livros que circularam no Piauí
na década de 1960.
Por causa dos preços muito elevados, os livros, muitas vezes, dependiam de uma
situação financeira razoável para fazer parte das estantes dos piauienses. Outro comentário,
muito próximo ao feito pelo universitário a cima, foi feito por F. Marques, no Jornal do
Piauí:
Um outro aspecto que podemos ressaltar para a baixa aquisição dos livros pelos
piauienses, é o mercadológico. Para que investir em livraria em um Estado onde o índice de
analfabetos era muitíssimo elevado? Pensar dessa forma ajuda a entender porque os livros são
tão pouco mencionados nas entrevistas.
De que tratavam, então, esses livros e quem os lia? Podemos refletir sobre alguns
livros que eram lidos e interpretados nos jornais piauienses da década de 1960, para responder
a essa pergunta, mas, também, podemos fazer a nossa análise de alguns livros que circularam
no Piauí no período.
Os jornais davam indicações de livros que deveriam ser lidos pelos leitores, de
forma geral, esse livros tratavam sobre um dos temas mais em voga naquele momento: o
comunismo. Os colaboradores liam os livros, e depois recomendava ao público fazendo a sua
interpretação, como sugere o trecho:
fosse.
E baseado nas respostas que recebeu o dr. Raymond chegou a algumas
conclusões, entre as seguintes:
A maioria do povo russo é anti-soviético. Muitas vezes, no caso dos mais
jovens, êles se consideram comunistas porque jamais conheceram outro
regime. Mas nutrem verdadeiro ódio ao Estado. 451 [grifo do autor]
451
NOS bastidores do mundo. Fluído sem isqueiro. Folha da Manhã. Teresina, 06 out. 1960, p.02.
452
Reportagens sobre o grande sucesso do livro, ver: REPERCUSSÃO excepcional de um grande livro. Folha da
Manhã, 09 jul. 1963, n.1.550, p.05. REAPARECE nas livrarias o livro “Reforma Agrária: questão de
consciência”. Folha da Manhã. Teresina, 06 jul. 1961, n. 2.833, p.02.
179
453
CAMILLO FILHO, José. Russian political Institutions. Folha da Manhã. Teresina, 19 fev. 1961, n. 1.778,
p.04.
454
HENRIQUES, João. Kremlin ou Vaticano? A Rússia também tem profetas. Rio de Janeiro. Editora Jornal das
Môças LTDA, 1967, 191 pág.
455
Ao que tudo indica, o livro foi escrito na década de 1920, sendo editado uma vez em data que o autor não
identifica no livro, mas aponta em uma página dedicada a uma crítica do jornal O Século de Lisboa datado de 24
de setembro de 1951. Sendo então reeditado no Brasil na década de 1960, data apresentada na página 06.
180
Podemos destacar as cores que foram utilizadas. A capa deste livro é ilustrada em
duas cores que se aproximam, no entanto, não se misturam, o vermelho, que simboliza o
comunismo e o amarelo que simboliza o Vaticano. Cada cor está colocada em um plano da
capa, a vermelha encontra-se em cima e a amarela embaixo. No entanto, o espaço que é
destinado ao vermelho é bem menor do que o espaço destinado à cor amarela. Percebemos
que a pequena aproximação que se dá entre as cores acontece na parte central da imagem de
onde aparenta cair do espaço vermelho um pequeno quadrado que se destaca, e que representa
a bandeira da U.R.S.S. Notamos que a cor amarela por baixo da bandeira da U.R.S.S aparece
como uma espécie de sombra, podendo, talvez, indicar a idéia de que o comunismo desloca-
se em direção ao mundo cristão e tenta se sobrepor à Igreja Católica, uma vez que o símbolo
da Igreja Católica, a bandeira do Vaticano, tem uma pequena parte coberta pelo símbolo do
comunismo.
Outros caracteres ainda compõem a capa: como o título e os símbolos que
representam o comunismo, a foice e o martelo, e a coroa papal e as chaves, que representam o
Estado do Vaticano.
O título do livro é uma pergunta: Kremlin ou Vaticano? Pergunta esta que impõe
ao indivíduo a opção por um dos dois lados, ou seja, você está do lado da Igreja Católica ou
do comunismo? Como já havíamos discutido, no início do segundo capítulo, é uma
característica marcante, daquele momento, os indivíduos definirem as suas posições, pois o
181
456
Idem, p.09.
182
Existe todo um aparato que institui o texto em livro. O autor do texto não é o
único dono da própria criação, já que dependente das editoras e impressoras para a
publicação, mas também depende do público, porque de nada adiantaria publicar sem ter
leitores. É nesse sentido que o autor João Henriques resolve mudar, não só por causa do
episódio da crítica anterior, mas, também, pelo medo de não vender o seu livro. Vejamos
como ele resolve mudar de idéia:
Nesse trecho podemos destacar três aspectos: o autor mostra, mesmo sem ser essa
a sua intenção inicial, como a apropriação dos livros pode chegar ao ponto de se opor
completamente a proposta do autor. O presidente da Instituição, para a qual os livros de João
Henriques tinham sido doados, ao consumir apenas a capa do livro, acreditou que se tratasse
de algo favorável ao comunismo, e, desta forma, colocou todos os livros no porão, porque
tinha chegado à conclusão de que era uma leitura perigosa. Um segundo aspecto que pode ser
levado em consideração é a análise do próprio autor sobre esse fato, para ele o problema não
era unicamente o assunto do livro, mas, sobretudo, tinha pesado na decisão do presidente o
fato de ele ser um autor desconhecido, segundo ele, autor de “letras desconhecidas”, o que
teria feito com que tivessem tratado o seu livro daquela forma. E, por fim, a última e
instigante observação que pode ser feita está relacionada à legitimação do trabalho do autor.
João Henriques acreditava que sua obra para ser publicada e vendida precisava ser legitimada
por personalidades do mundo político, religioso e científico, por isso, nessa edição coloca
uma lista de nomes de personagens conhecidos que, de certa forma, corroboram com o seu
pensamento. Isso demonstra algo que Roger Chartier já tinha avaliado na produção dos textos.
Para Roger Chartier o autor é um:
Seria o autor um refém de sua escrita? Não somente, acreditamos que existem sim
as determinações que lhe são impostas, como foram feitas a João Henriques, quanto ao título
e capa do seu livro, mas o autor também tem a sua liberdade de criação, tem a liberdade de
conduzir o texto e colocar marcas no intuito de evitar que sua obra seja lida de uma forma
457
Idem, p.10-11.
184
completamente diferente do que ele pretendia. Nesse sentido, passamos a análise do conteúdo
do livro.
O livro é iniciado com a inserção de duas imagens lado a lado, Lênin e Nossa
Senhora de Fátima:
Fotografia 27. Imagens de Lênin e Nossa Senhora de Fátima e a relação com o ano de 1917.
Tal interpretação foi fortalecida pela versão de que a santa, num dos
“encontros” com os meninos, teria dito que a Rússia seria convertida. Esta
menção, mais o conteúdo dos “segredos de Fátima” posteriormente
revelados pela Igreja, deram ocasião aos anticomunistas de apresentar a
458
CHARTIER, Roger. A Ordem dos Livros. Passagens. Lisboa, 1997, p.48.
185
459
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o Perigo Vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).
186
lista no início do livro para endossar seu pensamento. Cita trechos das falas de Salazar,
trechos do Concílio Vaticano II e de discursos do governador do Estado da Guanabara, Carlos
Lacerda, tudo isso no intuito de reafirmar o seu pensamento, procurando, dessa forma, dar
legitimidade a sua escrita.
Na nossa opinião, o livro é muito mais anticomunista na capa do que no conteúdo.
Na verdade, é mais uma apologia da existência de Deus do que uma crítica ao comunismo. O
comunismo nesse livro é utilizado muito mais como um ataque à ciência. Mas a sua
linguagem não é simples, ou seja, possui um público alvo, em nossa opinião, o autor destina a
sua escrita a intelectuais e cientistas, que tentam explicar tudo pela matéria. Nesse sentido,
fica evidente a preocupação do autor em fazer uma análise das principais teorias
psicanalíticas, utilizando como referência autores acadêmicos, para refutar a idéia do
materialismo puro e reforçar a crença em Deus.
O segundo livro analisado e que também circulou nas bibliotecas piauienses
durante a década de 1960 foi A Filosofia do Comunismo, 460 do Bispo de Barra do Piraí Dom
Agnelo Rossi. O exemplar do livro que conseguimos para análise está em estado mais frágil
que o livro anteriormente citado, com folhas mais quebradiças e bem mais amareladas. O
livro aparenta ter sido bem manuseado, por ter páginas desalinhadas. Durante nossa análise
tivemos a impressão de que as páginas tinham sido forçadas, numa tentativa de uma leitura
mais detalhada. Mesmo com essas características, o livro também não possui nenhuma
anotação em qualquer canto de página, o que encontramos, durante a nossa leitura, foram
alguns comprovantes de serviço de entregas de encomendas registradas dos Correios, que
datam de 30 de julho de 1962, talvez o livro estivesse com o leitor no ato da entrega das
encomendas postais e os comprovantes tenham sido usados como marcadores de página, e
esquecidos no livro durante todos esses anos. Se não foi lido, pelo menos os comprovantes
demonstram que o livro foi manuseado nos anos de 1960.
A capa do livro não tem um formato especial, criado pelo autor, pois faz parte de
uma coleção da editora Vozes, intitulada Biblioteca da Cultura Católica, que contém 24
volumes que tratam dos mais variados temas como: Volume 03 – Cristo no Protestantismo,
Volume 05 – O Médico Católico, Volume 15 – Filosofia da Liberdade, entre outros. A
Filosofia do Comunismo era o volume 13. Nesse sentido, por fazer parte de uma coleção a
capa era padronizada.
460
ROSSI, Dom Agnelo. A Filosofia do Comunismo. Petrópolis, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, 2ª
ed. Editora Vozes LTDA, 1958, 140 pág. Volume 13 Coleção Biblioteca da Cultura Católica.
461
Idem, p.05.
188
apêndices, sendo que um dos apêndices foi acrescentado na segunda edição. A primeira
edição data da década de 1940, e a segunda do ano de 1958. O apêndice que foi acrescentado
é intitulado: O Sublime Comunismo Russo ou o Retrato de Stálin por Seu Sucessor Kruschev.
Dom Agnelo afirma que o impulso para a escrita desse apêndice dedicado a Stálin foi
motivado pelas denúncias dos seus crimes, feitas durante o XX Congresso do Partido
Comunista URSS, em 1956, pelo seu sucessor Nikita Kruschev.
Sobre o conteúdo do livro, nas primeiras páginas da introdução, Dom Agnelo
apresenta o primeiro conceito, “O marxismo pretende ser não somente uma filosofia da
história com suas aplicações políticas, sociais e econômicas, mas também uma interpretação
científica da realidade total do universo”.462 Para Dom Agnelo, o comunismo é o marxismo.
Nesse sentido, afirma que o marxismo tenta explicar tudo a partir da matéria, mas que “na
verdade, o marxismo não resiste a uma crítica filosófica”.463
Do primeiro ao quinto capítulo, ele tenta historicizar o comunismo. No primeiro
capítulo indica os principais precursores do comunismo. O autor divide em dois momentos:
em um primeiro, mostra os teóricos antigos e medievais e no segundo momento, aponta os
teóricos do socialismo moderno. Dom Agnelo faz todo um percurso teórico até chegar em
Karl Marx, que é o seu objetivo, no segundo capítulo. Neste, analisa a vida e obra, mas
sempre de uma forma a negativizar o teórico. No terceiro e quarto capítulos, reflete a
influência da dialética de Hegel nos escritos marxianos, assim como aponta Feuerbach como
teórico base para o materialismo marxiano. No quinto capítulo afirma: “O que Hegel foi para
Marx no domínio filosófico, Ricardo [..] foi no campo econômico”, nesse momento reflete
sobre a teoria do valor e do lucro.
Do sexto capítulo até o décimo, Dom Agnelo deixa de se posicionar timidamente
contra o comunismo. No sexto e sétimo capítulos ele critica duramente a concepção
materialista da história. Afirma que a discussão com os comunistas é inviável, uma vez que
estes acreditam apenas na sua verdade. Todas as suas críticas ao comunismo têm como base a
religião católica, refutando o materialismo mediante a existência de Deus. Para Dom Agnelo,
a verdadeira luta do comunismo não se dá contra o capitalismo, mas contra a religião, a qual
ele nunca tinha conseguido derrotar nos países comunistas. No oitavo capítulo, o autor faz
uma crítica à teoria da mais-valia e no nono capítulo reflete sobre a inviabilidade do
comunismo, pois, segundo Dom Agnelo, o principal motivo para que o comunismo seja um
regime inviável é a idéia de igualdade, e acrescenta:
464
Idem, p.65-66.
465
Idem, p.73.
190
Lia com o maior interesse os artigos de Simplício Mendes, que trazia o título
permanente Antenas. Os temas eram variados. E o estilo claro e acessível ao
leitor médio. E eu, posto não tivesse ainda, pela minha formação secundária,
condições intelectuais de aprender o sentido integral daquelas colaborações,
quando versavam os temas mais difíceis, via no seu autor, que pessoalmente
não conhecia, um homem culto e um jornalista primoroso. [grifo do autor]467
466
COELHO, Celso Barros. Homens de Idéias e de Ação. Júnior. Teresina, 1991. p.77-92.
467
Idem, p.78.
191
Quando foi agora, veio esta agitação imensa dominando o Brasil inteiro, de
ponta a ponta, a gente ficando em suspenso, mesmo sem saber o que estava
se passando. Pessoas como eu – e são muitas – que não entendem de
política, achavam que o Presidente João Goulart era - não digo o maior, mais
um homem seguro no cargo. O apoio que ele tinha a gente pensava que era
de quase todos.
Foi quando veio aquela história de Minas Gerais, luta contra o governo, luta
contra o comunismo, como toda mulher que professa a religião católica e
tem filhos, sempre tive um medo doido do comunismo, mas sempre na
esperança de que não chegaria, nunca, a tomar conta do Brasil.
Com o levante de Minas passei a tomar gosto pelo assunto ouvindo tudo até
o fim.
Os homens de bem uniram-se. As Forças Armadas estavam do lado bom. A
boa causa triunfou. E ficou provado, novamente, que Deus é brasileiro.
Bem, é isto que penso. Ana Paula. 469
As palavras de Ana Paula tendem a justificar o seu apoio ao golpe por dois
motivos: o primeiro é a falta de conhecimento da política, já que ignorava os fatos políticos,
nesse sentido, os acontecimentos nacionais, ao seu modo de ver, pareceram repentinos. O
segundo aspecto é o fato do comunismo ter sido um dos motivos do levante de Minas Gerais,
o que fez com que ela tivesse se interessado por aquelas questões políticas e começasse a
tomar gosto escutando “tudo até o fim”. Ana Paula, quando se interessou pela política, após o
golpe, só escutou a versão do “ganhador” - as Forças Armadas -, desta forma fica patente que
o suposto “assunto”, ao qual ela começou a tomar gosto foi o que era permitido pelos
“vencedores”, configurado pela legitimidade do golpe baseado na luta contra o comunismo.
Se prestarmos atenção ao texto de Ana Paula, podemos perceber a forma com que ela tomou
conhecimento dos assuntos políticos: através do rádio. Ela faz questão de frisar que “Com o
levante de Minas passei a tomar gosto pelo assunto ouvindo tudo até o fim”. Foi ouvindo que Ana
Paula se apropriou do anticomunismo, e já dissemos que o rádio tem as suas características
especiais, como, por exemplo, o fato de a notícia, diferente do jornal escrito, só poder ser lida
uma única vez, de certa forma, a atenção ao ouvir o rádio se redobrou e faz com que Ana
Paula escutasse com ouvido apurado o assunto. No entanto, ela já consome a idéia da tomada
468
Cronista do jornal piauiense O Dia, o título de sua coluna diária era “Dizendo o que penso”. Esta coluna
tratava de assuntos do cotidiano.
192
de poder dos militares contra o comunismo com outros elementos que compõem a sua
individualidade, como por exemplo, aspectos do mundo feminino e cristão, pois, como ela
mesma afirmou: “como toda mulher que professa a religião católica e tem filhos, sempre tive um
medo doido do comunismo”. O fato de ser mulher, mãe e católica ajudaram de forma
significativa na apropriação que Ana Paula fez dos acontecimentos, demarcando nitidamente
o espaço que caberia a ela durante aquele momento, ou seja, assuntos políticos não eram
assuntos femininos, mas passariam a ser, desde que interferissem na estrutura definida e
demarcada que cabia às mulheres.
Sobre as apropriações femininas do comunismo, temos um outro depoimento
interessante. Irlane Gonçalves, hoje professora da Universidade Federal do Piauí, lembra do
que consumia em sua juventude e aponta como compreendia o discurso anticomunista e as
questões políticas naquele momento:
Na revista “O Cruzeiro”, que tinha o “Amigo da Onça”, com seu humor nem
sempre refinado malhando sogras e mulheres feias, eu lia todas as
reportagens. Às vezes não entendia nada, mas lia....Um destaque especial no
“capítulo leitura” vai para a Revista Seleções do Reader’s Digest, que meu
pai colecionava religiosamente de 1932 até os anos sessenta, quando ela
perdeu público diante da falta de atualidade do que editava. Deixando a
ideologia de lado, pois a revista fazia a apologia da sociedade americana e da
‘guerra fria’ – (os americanos eram bons, os russos comiam criancinhas) –
lia tudo da Seleções, menos os artigos de política, que fugiam a minha
compreensão. 470
O que Irlane nos mostra era como o consumo desse discurso anticomunista era
múltiplo, levando de uma interpretação particular até a falta de compreensão total sobre o
assunto. A professora Irlane, na época estudante refletiu que lia, mas, às vezes, “não entendia
nada”, pois, para ela, os assuntos relacionados à política fugiam a sua compreensão, mas
mesmo assim, ela continuava lendo, e fazendo as suas apropriações com os elementos que ela
dispunha, inclusive a rejeição aos assuntos políticos. Mas, mesmo tendo uma rejeição aos
assuntos daquela natureza, ela chegou a uma conclusão que, talvez, tenha sido alimentada
pelas conversas e outras leituras, uma vez que ela não compreendia os textos políticos das
revistas citadas. A conclusão que ela chegou era que a revista possuía uma ideologia de apoio
aos Estados Unidos, no período da Guerra Fria, sendo que os “americanos eram bons, os
russos comiam criancinhas”.
Em outra entrevista em que lembrou o Piauí da década de 1960, Irlane Gonçalves
469
PAULA, Ana. Dizendo o que penso. Jornal O Dia. Teresina, 04 abr. 1964, n. 1.208, p. 07.
470
ABREU, Irlane Gonçalves de. Lembranças de Teresina. In.: Cadernos de Teresina. Agosto, 1996, Ano X,
nº23, p.58.
193
mencionou a apropriação que sua mãe fazia sobre o comunismo. Diferente de Irlane, que lia
sobre o comunismo, a sua mãe teve acesso às representações anticomunistas apresentadas por
seu marido, pai da entrevistada, segundo Irlane Gonçalves:
Segundo a professora Irlane Gonçalves, seu pai era um leitor que gostava de
jornais e livros, e na sua apropriação das representações anticomunistas repassava à mãe dela,
que não era uma leitora. Eram apropriações que geravam novas apropriações e que
constituíam novas representações anticomunistas, como: comunistas comem criancinhas,
comunistas é assassino, dentre outras.
Essa forma de refletir sobre as apropriações anticomunistas na década de 1960
podem ser melhor compreendidas, a partir dos depoimentos que serão analisados mais à
frente. Resolvemos fazer uma análise mais detalhadas de quatro depoimentos,472 em especial:
de um proprietário de terras, de um militar, de uma dona de casa e de um filho de um católico
praticante. Procuramos entender uma memória coletiva sobre o comunismo, como já foi dito
antes, não como algo homogêneo, mas como uma memória que prevaleceu por causa de uma
negatividade atribuída ao comunismo. Percebemos que as memórias compuseram um quadro
particular, mesmo que não se distanciassem completamente das representações que foram
expostas pelos jornais e livros da época, mas demonstram as multiplicidade das apropriações
e a formulação de novas representações para o comunismo.
471
ABREU, Irlane Gonçalves de. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, NHOIDB,
2005.
472
Três dessas entrevistas foram classificadas como de história de vida e temática e uma apenas como tradição
oral.
194
formuladores como público alvo das representações anticomunistas. Escolhemos sujeitos que
viveram as questões importantes daquela época, resguardados por suas atividades
profissionais e sociais, sem serem vistos como grandes expoentes daquele momento. Nesse
sentido, dentre esses grupos representativos da década de 1960, escolhemos um grande
proprietário rural, um militar, o filho de um professor católico praticante (nesse caso
utilizamos a entrevista de tradição oral, pois o que nos interessava era a relação do pai com o
comunismo) e uma dona de casa. Cada um destes apresentou novas representações sobre o
comunismo, de uma forma particular e relacionadas aos elementos que eles tinham à
disposição, como o sexo, a idade, a condição financeira e intelectual. Passemos então as
análises.
Pedro Vilarinho é o mais novo de seis irmãos, filhos de José Ferreira Castelo
Branco e Teresa Albuquerque Vilarinho Castelo Branco, ambos católicos e moradores no
Piauí da década de 1960. O entrevistado nasceu no dia 18 de maio de 1968 em Teresina,
capital do Estado, onde residiu com seus pais. Utilizamos a narrativa do professor Pedro
Vilarinho como uma possibilidade de chegar ao seu pai, José Ferreira Castelo Branco. Nesse
sentido, o formato de entrevista utilizado foi a de Tradição Oral, caracterizada não pela
história de vida do entrevistado, mas pela memória que se compõe com uma tradição,
memória construída pelo tempo, para preservar uma comunidade, para sustentar uma
composição social, para reafirmar o sentimento de nação ou, como foi o caso do nosso
entrevistado, a memória que reforça os laços de família. São aqueles fatos, episódios ou
acontecimentos que o indivíduo não viveu, mas que os guardou como se fizessem parte de sua
memória individual, que foram compostos ao longo de sua vida pelos grupos dos quais esse
indivíduo fez parte, porque a memória, muito mais do que individual, ela é social e
coletiva.474
As lembranças de Pedro Vilarinho são bastante claras com relação ao
anticomunismo na sua família e na sociedade piauiense daquele momento. As histórias sobre
o comunismo eram narradas pelos familiares, na congregação religiosa, ao qual ele
473
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
197
freqüentava e até mesmo, segundo ele, em conversas de bar, tornando o comunismo algo
próximo, como se recorda o entrevistado:
[...]a União Soviética não aparecia algo exótico para mim, pelo contrário
parecia algo justamente familiar, familiar por quê? Porque se por um lado a
Rússia, a União Soviética era o outro, por outro lado a Guerra Fria fazia com
que a União Soviética aparecesse no noticiário, fazendo com que aquilo
fosse muito presente, e aquilo era muito presente na vida da gente, tanto é
que faziam parte dos debates da gente, das conversas de bar. Então, algo que
fazia parte das conversas de bar, fazia parte do teu cotidiano não pode ser
diferente, não pode ser distante, poderia até criar a imagem de ser o outro, de
ser o teu inimigo.475
Era assim, o que me falavam, [...] ele chegava na padaria e comprava lá:
manteiga, pão, e aí então, acho que desconfiava que tinha acontecido algum
movimento estranho na padaria, e a neurose dele era achar que os
comunistas o perseguiam, e achava que os comunistas queriam matá-lo, e aí
então o que é que ele fazia? Várias vezes comia-se pão, comia-se manteiga,
porque o tio Zezico chegava, vinha visitar nossa casa, aí botava o saco de
pão e ia saindo, e diziam a ele: oh tio Zezico, o senhor não vai levar seus
pães não? Ele dizia: Não, meu filho, olhe, eu comprei esse saco de pão, e a
mocinha lá estava com uma camisa vermelha, eu acho que ela era
comunista, esse pão eu não.. por via das dúvidas eu vou comprar outro em
outra padaria, entendeu? se você quiser desses comunistas vocês comem, eu
não quero nada com esse negócio aí não. [...] Por exemplo, teve uma outra
história que a minha mãe me contou, que meu pai me contou também, nós
compramos um conjunto de cadeira de spaghetti lá em casa e, [....] tinha uma
verde, uma azul, uma amarela, [...] eram quatro, e uma vermelha, [...] E aí
então ele [o tio Zezico] chegou um dia lá em casa e viu a cadeira e disse: É,
num sei se eu venho mais aqui não, vocês estão ficando contra mim,(outra
voz), Mas por quê? É, compraram até uma cadeira vermelha aqui, vermelho
para mim é coisa de comunista. 476
Pedro Vilarinho, por ser o filho mais novo, teve um acesso à década de 1960,
relacionada aos acontecimentos familiares, relatados através do convívio com os pais, irmãos,
474
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. SP: Vértice, Editora Revista Tribunais, 1990.
475
CASTELO BRANCO. P. V. Op.cit.
476
Idem.
198
tios e parentes próximos. Foram a partir dessas narrativas que conseguimos visualizar um
quadro da década de 1960, e a relação de seus familiares, em especial seu pai, com o
comunismo.
José Ferreira Castelo Branco nasceu no ano de 1924, era professor de matemática
e geografia, apesar da formação jurídica. Provedor, como era o costume naquele momento no
Piauí, sustentava uma família de classe média dando aulas durante os turnos da manhã, tarde e
noite.
O fato de ser professor e ter formação superior possibilitou com que tivesse
muitos livros em casa, alguns destes livros, cerca de 800, até hoje estão preservados na
biblioteca particular do professor Pedro Vilarinho Castelo Branco. Por influência materna,
José Ferreira Castelo Branco, desde jovem, participou da União dos Moços Católicos (UMC)
e militou nos Vicentinos. Foi dessa relação muito próxima com a Igreja Católica que José
Ferreira teve acesso aos textos e livros anticomunistas. Segundo lembra Pedro Vilarinho, seu
pai tinha, em casa, muitos livros de conteúdo religioso e jornais da época. É impossível
verificar qual foi exatamente o seu roteiro de livros contra o comunismo, mas fica
199
Eu posso te dizer com toda a certeza, que meu pai... Eu não vou te dizer que
ele leu aqueles livros, que ele consumiu aqueles livros, mas se ele não
chegou a ler o conteúdo, com toda a certeza, ele consumia o livro, porque eu
acredito que existe várias formas de você consumir um livro, até lendo uma
orelha, até vendo a capa do livro, eu acho que é uma forma de você
consumir. [...] alguns livros eu sei que ele leu, alguns artigos do jornal O
Dominical, eu sei disso porque eu tenho alguns jornais O Dominical hoje em
dia guardados, que eram dele, tenho alguns número, uns 10 ou 12 que ele
guardou.477
Como refletiu o próprio Pedro Vilarinho Castelo Branco, consumir não esta
restrito ao conteúdo do livro. A capa, com todas as cores e formas, poderia gerar múltiplas
apropriações sobre o comunismo. Mas o que interessa nesse trecho é a relação de José
Ferreira com os livros e jornais do período, especialmente o jornal católico, O Dominial. A
Igreja Católica mesmo de uma forma não homogênea, na década de 1960, continuava sua
campanha contra o comunismo, e no Piauí, de forma particular, essa campanha se deu pelo
jornal da Igreja, o já mencionado O Dominical. Nesse sentido, José Ferreira Castelo Branco
pela formação religiosa, também, se apropriou de um discurso anticomunista, tendo como
base as reflexões, provindas da Igreja Católica, tornando-se, segundo recorda Pedro
Vilarinho, também um opositor de regimes comunistas.
Mas essa rejeição ao comunismo não era específica do comportamento de José
Ferreira, era uma postura indicada aos católicos praticantes. Para o professor Pedro Vilarinho
Castelo Branco, a rejeição ao comunismo era algo corrente no seio da Igreja Católica do
Piauí, naquele momento, e a forma de se combater o comunismo, segundo esses devotos do
catolicismo, não deveria ser com uma luta física, mas uma luta espiritual. Entendemos dessa
forma, quando o entrevistado lembra um episódio que foi relatado por seu irmão, Castelo, que
era 17 anos mais velho que ele. Após participar de uma reunião dos Vicentinos, o irmão
relatou a Pedro que: “ [...] quando estava lá no meio da adoração, diziam: 'E agora vamos
rezar aqui um pai nosso e três ave Maria pela conversão da Rússia'.”478 Essa era uma prática
dos brasileiros católicos, como já havíamos mencionando durante as análises feitas no jornal
O Dominical, quando tratamos sobre as representações anticomunistas ligadas à vertente
religiosa, determinando, nesse sentido, a necessidade de se combater um mal que era
puramente materialista, com algo essencialmente espiritual.479
477
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
478
Idem.
479
Para Carla Simone Rodeghero a prática de se rezar pela conversão da Rússia também era uma constante no sul
do país. A autora encontrou uma oração publicada com a autorização do Bispo Benedito Zorzi, de Caxias do Sul,
200
Além do jornal e dos livros, José Ferreira Castelo Branco também ouvia rádio,
não só ouvia, como também possuía um programa na rádio Pioneira, “Vicentinos em ação”.
Também era assinante de várias revistas católicas e revistas dos Vicentinos: Pergunte e
Responderemos, Adoremos, o boletim brasileiro da FFVP, revistas da TFP, entre outras.480
Mas diante de tanto meios de propagação de representações anticomunistas, como José
Ferreira se apropriava das representações anticomunistas? Pedro Vilarinho lembra muito mais
do período em que juntos, pai e filho, assistiam aos noticiários, em especial, o Jornal
Nacional, já no final da década de 1970 e início da década de 1980, sobre esse momento
Pedro recorda:
[...] eu me lembro de algumas coisas que meu pai falava, por exemplo,
sempre que aparecia a União Soviética, a Rússia, a União Soviética mesmo
naquele momento, ele sempre fazia muitas críticas, tinha sempre uma
posição muito crítica, com relação aquele país, era muito duro com o
presidente da Rússia, Brejnev, Yuri Brejnev, quer dizer, ele era muito duro
com o Brejnev, dizia assim: Esse velho não morre, um velho desse! mas a
raiva que ele tinha mesmo assim, muito mais do que o Brejnev, muita mais
raiva do que dos russos, ele tinha uma raiva assim terrível do Fidel Castro
(risos), o Fidel Castro pra ele era uma figura assim muito dura, ele se referia
ao Fidel Castro sempre com muito desdém, como ditador monstruoso.481
Pode até ser um comentário feito durante o final da década de 1970, no entanto,
demonstra que houve uma reação adversa maior à possibilidade de comunismo implantado
por Fidel Castro, durante o final da década de 1950 do que a possibilidade de uma
aproximação dos soviéticos. Isso evidencia que os anos que se seguiram à revolução cubana,
observados através dos jornais e rádios do período, demarcaram um espaço maior na memória
de José Ferreira, uma vez que ele acompanhou os comentários e observações que foram feitos
sobre Cuba de forma mais insistente nos jornais, principalmente no católico O Dominical. Na
década de 1960, Cuba foi o foco das atenções dos discursos anticomunistas. Essa pode ser
uma apropriação que José Ferreira fez das representações anticomunistas: Cuba refletindo um
perigo maior para a América Latina do que a União Soviética, por isso, a rejeição maior à
figura de Fidel Castro.
Na memória de Pedro Vilarinho ficaram as reações do pai às notícias sobre Cuba,
que dizia: “Maria, minha mãe e rainha, eu me consagro ao Vosso Imaculado Coração para a salvação da Rússia e
a paz do mundo”. RODEGHERO, C. S. Op Cit. 1998. p.29.
480
Segundo informação fornecida pelo entrevistado, o Senhor José Ferreira Castelo Branco, além de assinante,
seria também uma espécie de agente, para Carla Simone Rodeghero, os agentes “eram assinantes que tinham a
incumbência de divulgar e de distribuir o jornal nos municípios e localidades nas quais ele circulava, escolhidos
entre as lideranças das comunidades católicas, sendo normalmente, pessoas com um nível de instrução um pouco
superior ao da população local – entre eles, professores e padres”.RODEGHERO, C. S. Op Cit. 1998. p.125.
481
CASTELO BRANCO, P. V. Op.Cit.
201
mesmo que fossem notícias sobre os jogos esportivos em que Cuba estivesse participando,
como lembra o entrevistado:
Sempre que tinha o jogo Brasil e Cuba ele gostava de assistir (risos), ele
sempre gostava de assistir o jogo Brasil e Cuba e ficava, eu me lembro, que
ele dava uma gaitada assim que cortava (faz o som da gargalhada) KKKKK
e dizia assim: Numa hora dessa o Fidel deve estar comendo a barba dele,
com os amigos dele em Cuba (risos)! Ele tinha um ódio assim de Fidel
Castro, e ficava muito alegre, e ficava muito eufórico quando via o Brasil
jogar com Cuba, e quando via o Brasil ganhar de Cuba, ele ficava muito
eufórico e dizia assim: ahh eu quero ver, véi Fidel!482
Muito mais do que uma vitória do Brasil, era uma vitória contra o comunismo, e
contra um comunismo muito próximo, talvez pensasse dessa forma José Ferreira Castelo
Branco.
Mas dentro de sua concepção religiosa, e sobre o que se pregava no seio da Igreja
Católica, o comunismo era um atentado à ordem estabelecida, principalmente porque se
fundamentava em um movimento de ruptura com as instituições, e uma das mais tradicionais
e fortalecidas instituições mundiais era a Igreja Católica. José Ferreira entendia isso e não
concordava com as mudanças radicais, principalmente as que seriam levadas a cabo através
de lutas entre os indivíduos, como muitos criam ser a chamada luta de classe, que para alguns
anticomunistas do período, estava sendo deflagrada devido às organizações camponesas na
luta pela Reforma Agrária. Por que estamos afirmando isso? Por causa de uma lista de três
figuras comunistas que José Ferreira elegera como personas non gratas. Recordemos, que na
década de 1960, Dom Avelar Brandão Vilela, mesmo apoiando a organização dos sindicatos
agrícolas no Estado, demonstrou em jornais, no rádio e em cartas, que não admitia nenhum
tipo de relação entre os sindicatos da Igreja e os movimentos de ideologia marxista-leninista,
que visassem à guerra e ao derramamento de sangue, na chamada luta de classe. É nesse
sentido, e com base, talvez, nessa proposta da Igreja Católica piauiense, que José Ferreira, na
memória de seu filho, elegeu três personalidades comunistas: a primeira era João Goulart, que
segundo Pedro Vilarinho, para seu pai era um comunista, mas era o “menos ruim dos três”,
porque vendo a situação complexa em que deixara o país por ter proposto as tais reformas de
base, dentre elas a agrária, foi embora e não voltou mais. Em segundo lugar, ficou a figura do
também comunista Brizola, que, para o senhor José Ferreira, na lembrança do seu filho, era
insuportável: “eu não suporto é esse Brizola que queria jogar o país num derramamento de
482
Idem.
202
sangue, esse comunista aí eu não suporto, eu não tolero, nem com ele eu tenho tolerância”.483
Pelos menos os dois primeiros, tiveram um ressonância grande na década de 1960 no Piauí,
por causa das propostas de Reforma de Base. E por fim, a última personalidade, era, a já
mencionada figura de Fidel Castro.
Mas podemos perceber que a rejeição ao comunismo, na memória de Pedro
Vilarinho sobre o pai, estão centrados em elementos anticomunistas que compuseram as
representações da década de 1960: Cuba como principal país comunista, João Goulart e
Leonel Brizola como comunistas perigosos e odiáveis foram representações típicas da época,
que José Ferreira se apropriou. Percebemos também que a apropriação de José Ferreira,
talvez, por ser um homem de formação intelectual, extrapolava os aspectos puramente
religiosos, ou seja, ele tinha a fé católica como base para a rejeição ao comunismo, mas não
dependia unicamente dela para se opor a ele. Elegia outros elementos importantes nessa
aversão ao comunismo. É interessante percebermos, dessa forma, porque apesar de ter uma
formação religiosa intensa, ela acaba comungando com posturas, digamos assim, mais
comuns de refutação ao comunismo.
Mas, na memória de seu filho, a base essencial para a aversão ao comunismo era a
fé católica: “[...] o anticomunismo do meu pai, muito mais do que uma questão política, eu
diria que era uma questão filosófica, porque os comunistas eram ateus, porque os comunistas
eram anti-religiosos, era nesse sentido dessa pregação comunista contra o catolicismo”.484
Também corroboramos com essa idéia, pois com uma formação católica pode-se explicar a
aversão de José Ferreira também por teóricos cristãos como Leonardo Boff, que tinha como
base o marxismo para compor a sua Teologia da Libertação, e que não era muito mencionado
nos jornais da época, pelo menos no Piauí. A formação religiosa também impediu que José
Ferreira tivesse representado as ações de Dom Avelar Brandão Vilela como ações de
subversão ou de apoio ao comunismo, como lembrou seu filho. Apesar do envolvimento do
Arcebispo de Teresina com os movimentos sociais no período, José Ferreira via nele a força
maior de um representante da Igreja Católica. Isso pode ser percebido como um diferencial
daqueles que não tinham uma formação católica como base para a construção de suas
representações anticomunistas, uma vez que Dom Avelar Brandão Vilela foi visto e
reconhecido por alguns anticomunistas piauienses senão como comunista, pelo menos como
apoiador deles.
Feitas as apropriações, surgem novas representações sobre o comunismo, uma é
singular do senhor José Ferreira Castelo Branco, pelo menos em nossa pesquisa não a
483
Idem.
484
Idem.
203
487
COIMBRA, Luís Raimundo Lima. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
488
Idem.
205
Para chegar ao Exército eu batalhei muito, eu fui quatro vezes, eu fui cinco
vezes ao Exército, primeira vez fui julgado incapaz temporariamente, a
segunda vez incapaz temporariamente, no outro ano eu fui julgado incapaz
definitivamente para o serviço militar. [...] É porque eu tinha altura, mas não
tinha peso. Sempre fui um rapaz gordo (risos) [...] Eu tinha altura, mas não
tinha peso. Aí eu no ano seguinte eu requeri nova inspeção de saúde, em
grau de recurso, é porque a inspeção de saúde veio no ano seguinte, aí eu
tornei a me apresentar, aí eu fui julgado incapaz, mas o cabo véi ali por
debaixo do pano me julgou apto B, porque naquela época era o apto A e apto
B, o apto A era quando tinha altura e peso e o apto B era quando tinha uma
coisa e não tinha outra. E o cabo véi teve pena de mim, já me conhecia,
disse: não, eu vou te colocar aqui um apto B. Raspou lá o C do Tenente, do
médico, e botou o B. E daí eu passei.489
489
Idem.
206
490
Para saber sobre a participação de brasileiro nas Forças de Paz da ONU em Suez, ver: FERRER, Francisca
Carla e MATOS, Júlia Silveira. A construção do Canal de Suez e a formação do conflito: A força de paz
brasileira na Faixa de Gaza. Biblios. Rio Grande, 2006, p.43-53. Acessado no site:
http://www.seer.furg.br/ojs/index.php/dbh/article/viewPDFInterstitial/251/65 em 28 de novembro de 2007.
491
COIMBRA, L. R. L. Op. Cit.
492
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. Teresina, NHOIDB, 2005.
207
Pra mim o governo Chagas Rodrigues foi um bom governo. [...] mas o
Chagas Rodrigues foi um bom governo porque a época dele foi uma época
meio perigosa da revolução, aquela coisa toda, mas eu gostei do trabalho
do...Embora já fosse militar e não pudesse opinar por nada [...].493
A sua posição pessoal não poderia ser expressa abertamente naquele momento,
uma vez que era um soldado. No entanto, em muitos momentos da entrevista, o Senhor Luís
Raimundo deixava claro a divisão de opiniões. Primeiro ele sempre responde com uma
opinião oficial como militar, para em seguida colocar a sua opinião como civil. Mas, a
opinião do Exército deveria ser levada em consideração, principalmente durante aquele
período. Quando questionado se ele acreditava que o governador Chagas Rodrigues era
comunista, a resposta veio da seguinte forma:
Eu como soldado sabia que ele era [...] veja bem, não é que fosse comunista,
era a tendência de qualquer coisa que você tenha, que fugisse dos padrões da
sociedade, era comunista, viu? Não era que ele fosse tachado, fosse
comunista, eu por mim não tinha nada a ver, eu tinha meu ponto de vista,
mas tive muito trabalho atrás de comunista, andei muito, prendi muitos.494
É interessante esse trecho porque ele fez uma divisão clara da representação do
comunismo para o soldado e para o civil Luís Raimundo Coimbra. É como se tivesse uma
divisão de representações a partir das apropriações que foram feitas. Talvez, a apropriação
pelo rádio ou jornal tenha feito com que chegasse à conclusão de que o governador Chagas
Rodrigues não era comunista, ou melhor, que tudo se tratava, como ele mesmo coloca, de
uma “tendência” da sociedade da época. Mas, como militar, ele tinha que aceitar a idéia de
que o governador Chagas Rodrigues era um comunista.
Na memória de seu Luís Raimundo, os governadores Chagas Rodrigues e
Petrônio Portella foram dois políticos importantes, sendo os únicos dois mencionados no
período. Petrônio Portella, assim como Chagas, também era comunista, na visão militar do
senhor Luís Raimundo. Petrônio Portella, durante muitos anos de sua vida política, foi
acusado de traidor da Revolução, porque no dia da deflagração do golpe, em 01 de abril de
1964, lançou uma carta de apoio a João Goulart, mesmo com essa carta não foi preso, nem
perdeu prestígio político no Estado, muito menos foi tachado abertamente de comunista,
como tinha sido seu antecessor Chagas Rodrigues. Fazendo parte de uma lista de 07
493
COIMBRA, L. R. L. Op. Cit.
494
Idem.
208
governadores que prestaram apoio incondicional a Jango, Petrônio foi o único que não foi
cassado. Várias são as versões para que isso não tivesse ocorrido: a sua falta de prestígio em
âmbito nacional, não sendo levado em consideração seu ato de adesão política a Jango, o
apoio do seu partido que era a UDN e até mesmo a intercessão do senador piauiense José
Cândido Ferraz aos militares. O certo é que, na memória do Senhor Luís Raimundo, a carta de
apoio à Jango não foi mencionada, e Petrônio, segundo ele, visto pelos militares como
comunista, não foi cassado por sua relação com o Comandante da Guarnição Federal aqui em
Teresina naquele momento. Vejamos como ele narra:
[...] olha, quem é que não sabe? todo mundo sabe que o Petrônio
era...Petrônio, quem protegeu o Petrônio chama-se Coronel Façanha [...] na
época ele era o comandante da CSL e da Guarnição, mas o Petrônio só não
entrou porque o Façanha botou a mão por cima.495
Mesmo fazendo toda essa diferenciação, o senhor Luís Raimundo recorda que
nem tudo era ilusão ou jogo político, existiam comunistas no Piauí sim, e eram bastante
perigosos “Tinha bastante, muita gente era comunista, daqueles ferrenhos [...]”.496 Apesar de
acreditar na existência de uma ação comunista organizada no Estado, o entrevistado revela
que, muitas vezes, o suposto comunista era alguém que ameaçava a ordem social, e que não
necessariamente precisava ser ou mesmo se autodenominar comunista. É nesse sentido, que o
entrevistado recorda que muitos dos comunistas na verdade eram desafetos políticos dos
grupos que estavam comandando o Piauí com o apoio dos militares naquele momento. É uma
representação do comunismo que até então tinha sido dada apenas por simpatizantes do
comunismo, ou pessoas que eram tachadas como comunistas. Ao iniciarmos nossa pesquisa,
não tínhamos pensado em encontrar um militar com tal postura, diante das ações
anticomunistas da década de 1960, e que ainda tivesse coragem de dizê-las abertamente. No
caso de nosso entrevistado, ele admite a influência do jogo político na classificação de quem
era comunista no Estado:
Mas, só é questão política, ali é jogo político, entendeu? É o mesmo caso que
eu posso até dizer do Chagas Rodrigues, é jogo político. É porque é de outro
partido, e um partido fica jogando e fazendo e acontecendo. Aqui,
praticamente, no Piauí comunistas não existiam, eram poucos. Tinha um
revoltado, e era tido como comunista. E não acho que eram comunistas, cada
um tem o seu modo de pensar, [...] você pensou diferente daquilo que acho
que é o certo? Então é comunista! e na realidade não é. 497
495
Idem.
496
Idem.
209
Então chega uma denuncia, chega uma coisa, você não quer [não gosta do
indivíduo] e começa a denunciar, começa a marcar. Rapaz a gente tem que
analisar muito bem aqui, eu acho que aqui, no Piauí, foi muito bem, é muito
bem orientado, foi muito bem instruído, foi muito bem dirigido por essas
pessoas aí [Petrônio e Chagas], embora tenha tido alguém que, tem muita
gente que disse que eles não eram [comunistas], não sei o quê, isso e aquilo
outro. Mas é aquilo que eu acabo de dizer, é questão de informação, às vezes
se dá uma informação errada, não gosta do fulano, quer ver ele perseguido e
faz isso, e a pessoa, às vezes, não vai atrás, não foi atrás para saber da
realidade, mas eu acho que o comunismo, comunistas aqui tinha poucos e
foram presos. É tudo questão de informação, questão de definição, às
vezes.501
497
Idem.
498
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Bertrand, Rio de Janeiro, 1990.
499
IGREJA, M. P. Op.cit.
500
COIMBRA, L. R. L. Op. Cit.
501
Idem.
210
lembra o entrevistado: “Tinha, teve muito caso, aqui nós trabalhamos muito. Como o nosso
Piauí é pequeno também, [mas] com relação aos outros Estados, não foi tanto assim”.502
Ao ser questionado sobre a posição dos militares diante das missões e das
acusações e prisões de comunistas piauienses, o Senhor Luís Raimundo reflete: “[...] eu
também como soldado, eu sou....quando a gente faz o serviço militar, a gente se abstém um
pouco dessas questões passa a cumprir só as missões que lhe são delegadas, não muda muito a
política, essa que é a realidade”.503 Caberia aos subordinados militares acatarem as missões e
não questionarem, principalmente, no que se referia à prisão de comunistas: “eu cansei de
receber a missão quando entrava na viatura, o soldadinho só quando descia lá na hora de fazer [....].
504
Por quê? Pra não vazar”. A atuação do Exército era a de desarticular qualquer tipo
organização que levasse à desordem social, nesse sentido, quando questionamos o que era o
comunismo para o Exército, o senhor Luís Raimundo Coimbra nos deu a seguinte reposta: “O
Exército entende por comunismo tudo aquilo que é contra a nação, certo? Tudo que vem
contra a nação o Exército acha que é... não é que seja comunismo, mas que está fugindo às
normas do nosso modo de trabalho, ele recebia as instruções e nós passávamos a cumprir”.505
Mesmo assumindo duas representações: uma como militar e outra como civil, um
aspecto particular nos chamou a atenção nas memórias do Senhor Luís Raimundo Coimbra.
Ao ser questionado sobre as ações dos padres no Piauí, o entrevistado toma uma atitude que
até então não tinha assumido durante a entrevista: silenciou-se. Ao ser perguntado se existiam
padres comunistas no Piauí, o senhor Luís Raimundo refletiu: “nós temos também vários
padres que foram tidos como comunistas”.506 Vejamos que ele não coloca mais a sua posição
militar, e ainda afirma que os padres eram “tidos” como comunistas, e não que fossem
verdadeiramente comunistas. E quando perguntado os nomes desses padres, o senhor Luís
Raimundo disse: “Não, aí eu me reservo”.507 Por que dizer os nomes dos governadores e não
os dos padres? O que determinou o silêncio do senhor Luís Raimundo Coimbra?
Acreditamos que o fato de ser católico, o impediu de se apropriar da imagem dos
padres como praticantes de ações comunistas, ou mesmo de serem vistos como tais. Assim
como na memória do professor Pedro Vilarinho Castelo Branco sobre o seu pai José Ferreira
Castelo Branco, para o senhor Luís Raimundo não houve nenhuma relação entre a Igreja
Católica e o comunismo, naquele momento. Outra personalidade católica que, na época, foi
associada ao comunismo que foge completamente dessa relação nas entrevistas do senhor
502
Idem.
503
Idem.
504
Idem.
505
Idem.
506
Idem.
507
Idem.
211
Luís Raimundo, assim como na memória de Pedro Vilarinho sobre seu pai, é a figura de Dom
Avelar Brandão Vilela. Para o entrevistado, Dom Avelar era digno de admiração, as
lembranças que tinha dele eram “as melhores possíveis”508, até porque um dos seus filhos foi
batizado pelo próprio Arcebispo, com a água do Rio Jordão, que o senhor Luís Raimundo
tinha trazido na época da sua missão em Suez.
O [....] Diogo, irmão do Padre Raimundo José, o Diogo foi preso. Mas
porque acha[vam] que, [...] ele era comunista. Mas não era não. Quando
você é muito inteligente, você não pode se sobressair intelectualmente que é
tido como comunista. Qualquer pessoa que é tido como inteligente,
altamente inteligente, ele é tido como comunista. Isso é que é a realidade.
Porque lê muito, e quem lê muito sabe das coisas.509
508
Idem.
509
Idem.
212
510
IGREJA, M. P. Op.cit.
511
COIMBRA, L. R. L. Op. Cit.
213
512
CHARTIER. R. Op.Cit.
513
ARRAES, Manoel Ricardo. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
514
A memória está em incessante trabalho de construção, é realimentada constantemente pelas lembranças do
grupo social do qual fazemos parte, assim como também vai se modificando ao longo de nossa vida. Ver:
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução Beatriz Sidou – São Paulo, Centauro, 2006.
214
Olha, eu comprei esta propriedade [porque]... eles [os antigos donos da terra]
queriam vender esta propriedade com medo desse negócio de Reforma
Agrária, eles não conheciam [esse] negócio de Reforma Agrária, porque essa
Liga Camponesa é uma coisa e Reforma Agrária era uma [...] coisa
diferente, Reforma Agrária é sagrado. Então eles não entendiam, ou não
conheciam, ou...porque não queriam, porque todos os dois eram formados,
tanto o Zezico como dona Tecla, [ela era] professora universitária. E então,
venderam essa propriedade, que era grande, com medo do pessoal tomar
porque era a Reforma [...].518
515
Na década de 1960, 77% dos habitantes do Estado residiam na zona rural. MENDES, Felipe. Op.Cit.
516
Olho d'água de Dentro é grande parte do que hoje é o Município de Curralinhos, situado aproximadamente 70
quilômetros de Teresina.
517
ARRAES, M. R. Op. Cit.
215
518
Idem.
519
Idem.
520
Idem.
216
Fotografia 35 e 36. Páginas do Livro de Felisberto de Carvalho, o segundo livro de leitura, com a história do
“demônio”.
Fonte: http://www.revista.agulha.nom.br/francisco150.html
521
Idem.
217
Mas, o que podemos afirmar com mais segurança é que a apropriação que o
senhor Manoel Arraes fez das Ligas Camponesas não foi positiva, compartilhando com a
representação predominante do período. Para o entrevistado, o assunto em voga, naquele
momento, era a Reforma Agrária e não as organizações camponesas. E como a Reforma
Agrária deveria partir do governo e “o governo não toma terra de ninguém, a própria Reforma
dá direito ao proprietário”.522 Na sua visão, se a Reforma Agrária partia de um plano oficial,
os proprietários não deveriam ter ficado com medo de perder as suas terras. Para o senhor
Manoel Arraes, a reforma não lhe traria prejuízos, uma vez que o governo não tomava as
terras, mas desapropriava e indenizava. Já as Ligas Camponesas tinham uma representação
negativa para o Senhor Manoel Arraes. Nesse momento, a sua memória associa o movimento
das Ligas Camponesas ao Movimento dos Sem-terra (MST), mesmo que de forma
involuntária: “Agora, essa Liga Camponesa, esse negócio dos Sem-terra, esse é um
movimento, que, na realidade, é muito desagradável”.523 Talvez, essa sensação de desconforto
diante dos movimentos organizados pela posse da terra, sejam resquícios das representações
produzidas sobre as Ligas Camponesas e os Sindicatos Agrícolas no Piauí da década de 1960,
que eram vistos, muitas vezes, como destruidores da ordem pública além de serem
organizados e manipulados pelos comunistas, pois, nesse momento, uma das propostas de luta
do PCB era “a imediata destituição do regime latifundiário por meio de confisco de terra dos
latifundiários e entrega dessas terras ‘gratuitamente e sob a forma de propriedade privada’ aos
camponeses sem-terra ou possuidores de pouca terra ou ainda para todos os que quisessem
nela trabalhar”.524 Podemos perceber ainda, nesse trecho da fala de nosso entrevistado, uma
transposição de significados, dando ao MST a mesma importância que teve as Ligas
Camponesas naquele momento. Talvez, para o Senhor Manoel Arraes a importância das Ligas
Camponesas só possa ser expressa, através dessa associação entre o presente e o passado.
Sobre essa associação Antônio Torres Montenegro reflete:
E a resignificação das Ligas Camponesas para o Senhor Manoel Arraes foi feita pelo
trabalho constante da memória.
Mesmo não tendo por ele nenhuma simpatia, esse movimento dos trabalhadores do
campo não o assustava como proprietário de terra, inclusive porque “As Ligas não eram muito faladas
não”.526 Para o nosso entrevistado, a década de 1960, apresentava-se como algo segredado, ou
seja, das Ligas Camponesas pouco se falava, e sobre o comunismo o silêncio ainda era maior.
Na visão do senhor Manoel Arraes, o comunismo era representado como um segredo:
[....] então embora que eles tivessem aquela atitude comunista, mas eles se
comunicavam, digamos assim, como se fosse a maçonaria, com o grupo, em
grupo, ele não podia em praça pública se declarar: eu sou comunista! Que ia
preso, ia massacrado, como muitos foram mortos, presos, como foi a esposa
daquele Carlos Prestes que morreu na prisão, como vários outros.528
525
MONTENEGRO, Antônio Torres. Rachar as palavras, ou uma história a contrapelo. Revista Ibero
Americana, PUC- RG. 2006.
526
ARRAES, M. R. Op. Cit.
527
Idem.
219
Como leitor e ouvinte dos textos católico, o senhor Manoel Arraes recordou o
famoso programa radiofônico “Oração por um Dia Feliz”, feito por Dom Avelar, “Ali eu tinha
como um dever de assistir”.529 O nosso entrevistado pode muito bem ter compreendido a
diferenciação entre a Reforma Agrária e as Ligas Camponesas feita, inclusive, pelo próprio
528
Idem.
529
Idem.
220
Dom Avelar, que anunciava que as Ligas Camponesas nada tinham a ver com os sindicatos
rurais promovidos pela Igreja Católica.530
Nas palavras de Dom Avelar, a Igreja Católica, no Piauí, naquele momento,
esteve empenhada em conduzir o que seria uma Reforma Agrária justa, sem o conflito entre
patrões e empregados. E um dos principais condutores dessa proposta da Igreja no Piauí foi o
Pároco da Igreja de Nossa Senhora de
Lourdes, no bairro Vermelha, Padre Francisco Carvalho. Mencionamos durante a
dissertação que o Padre Carvalho recebeu a pecha de comunista, por causa desse seu
engajamento nas questões sociais. O pároco foi uma das figuras centrais na famosa caminhada
dos trabalhadores rurais, no ano de 1963, em Teresina.531
Uma das figuras lembradas com muito carinho pelo senhor Manoel Arraes em
nossa entrevista foi a do Padre Carvalho. O entrevistado lembrou-se de sua casa que foi
adquirida no bairro Vermelha, para que seus filhos viessem do interior para estudar. Por conta
desse deslocamento de parte da família, o senhor Manoel Arraes vinha sempre ao bairro
visitar os filhos, sendo católico criou um vínculo com o Pároco do bairro. E recordou: “Olhe,
eu tive esse padre Carvalho, que era nosso amigo aqui na Vermelha, ele passou um mês, o
mês de agosto, um tempo de férias lá em casa, toda noite tinha uma missa, [...]. Todo dia 23
julho ele ia celebrar lá em casa”.533 Nas lembranças do senhor Manoel Arraes o Padre
Carvalho era uma figura bondosa, que ajudava muita gente pobre naquele momento. Mas,
quando questionamos sobre a pecha de comunista que foi lançada ao pároco da Igreja de
Nossa Senhora de Lourdes, o senhor Manoel Arraes nos deu a seguinte resposta, que
promoveu uma outra representação do comunismo:
Ali acontece o seguinte, [..] no sermão dele, ele falava muito..queria aqui e
530
Dom Avelar, em documento deixando com o padre Raimundo José Ayremorais, antes de sua saída para o
concílio Vaticano II, explicita a posição da Igreja Católica no Estado com relação aos sindicatos rurais. Expõe a
posição da Igreja frente aos acontecimentos e principalmente reflete que não é de acordo com as ideologias
Marxista-leninistas que estava atuando no campo, fazendo uma diferenciação entre os sindicatos rurais
promovidos pela Igreja Católica e as outras organizações que eram apoiadas por comunistas. Ver: CARTA, Dom
Avelar Brandão Vilela. Arquivo pessoal do Pe. Raimundo José Ayremorais. 03 de setembro de 1963.
531
IGREJA, M. P. Op.cit.
532
MENDES, Simplício de Sousa. Confusão Demagógica. Folha da Manhã. Teresina, 13 set. 1963, n. 1.604,
p.02.
533
ARRAES, M. R. Op. Cit.
221
acolá na conversa dele, que a gente achava....o sacerdote e o clero todo ele é
tendente, todo ele é tendente um pouquinho ao comunismo querendo imitar
mesmo a vida de Jesus, [...] então o comunismo era isso tudo em comum,
todo mundo dono.534
Olha o comunismo, ao meu ver, eles queriam era imitar, (pausa) uma parte
queria imitar a vida de Jesus, porque Jesus vivia em comum com todo o
povo, então ali tinha uma grande multidão que acompanhava,[...] tudo [se]
tratando como irmão, e então aí o comunismo não é tão ferino como o
pessoal pensa, não é não, porque também [...] o pessoal dizia que o
comunismo tomava tudo que o camarada tinha, aquilo ali não é comunismo,
aquilo é como esses movimento Sem-terra, aquilo nem comunista não é,
porque o próprio comunista não adota um procedimento daquele. [grifos
nosso] 535
534
Idem.
535
Idem.
536
Idem.
537
Idem.
222
momento os comunistas eram ferinos? Esse é um outro silêncio que se fez na memória do
senhor Manoel Arraes.
Mesmo tendo essa influência religiosa, ao ser questionado se o comunismo tinha
algum tipo de relação demoníaca, o entrevistado respondeu prontamente: “Não, não era nada
disso não”.538
Ainda sobre a amizade com o Padre Carvalho o Senhor Manoel Arraes nos narrou
um episódio, que em princípio, só demonstrou um simples convite de férias, no entanto nos
indicou algo a mais, vejamos a narração do entrevistado:
O padre Carvalho sempre foi...sempre teve um bom coração, ele sempre teve
um bom coração, ele sempre gostou de ajudar. Agora, o padre carvalho ele
me fez... quase me mata do coração um dia [...] ele me falou o seguinte, ele
foi celebrar uma missa na Fazenda Nova539, naquele tempo o carro que tinha
lá era o nosso, eu comprei um jipe, jipe 58, [..] e o compadre [..] foi pegar o
carro lá em casa pra buscar o padre e deixar, e quando ele terminou a missa,
eles foram lá por casa que era pra eu vir com eles pra Teresina, e aí o Padre
Carvalho lá naquele terração e andando, disse: ei, mais rapaz aqui, aqui é
muito bom pra gente passar uns tempos de férias, eu disse: pois é padre,
aqui está às suas ordens a casa é sua, qualquer tempo que o senhor quiser
passar uns tempo aqui com a gente é prazer! [...] Aí recebi uma carta dele,
mandando perguntar se aquele negócio ainda estava de pé, aí eu vim
pessoalmente responder pra ele: recebi a sua carta, e quero lhe dizer que o
que lhe disse naquele dia que a casa era sua ainda continua sendo. Ele
disse: pois rapaz, eu vou tirar um mês de férias, eu ia lá pra casa do Carlos
meu irmão [...], mas acontece o seguinte, eu me lembrei de você, e se você
combinar eu vou passar minhas férias lá na sua casa. Eu disse: pois já tá
combinado padre. Aí ele disse: pois dia tal, você vem... tal hora, é de noite,
não quero que ninguém saiba, porque se o pessoal souber que eu estou aqui
no Olho d'água de Dentro, lá na sua casa, aí é casa cheia todo dia vai gente
lá me visitar, [...] vou contar a história que eu vou lá pra casa do meu
irmão, só Dom Avelar vai saber que eu estou na sua casa. [...] Aí cheguei lá,
bati na campainha, saiu uma moça perguntei pelo padre Carvalho, aí ela
disse: viajou, e eu: pra onde? ela disse: pra Minas. [...] E aí ela disse: o
padre Carvalho está lá com Dom Avelar, e ele me pediu que quando o
senhor chegasse que era pra ficar aqui num lugar mais reservado que, que
ele só chega aqui dez horas que era pra que ninguém vê ele entrando [...].
Aí quando o padre chegou nos fomos, mas era pra ninguém saber.540
538
Idem.
539
Comunidade próxima à Olho d'água de Dentro, terras do senhor Manoel Arraes.
540
ARRAES, M. R. Op. Cit.
223
própria cabeça do Padre Carvalho foi pedida pelos militares a Dom Avelar541, o Padre era
tido, por muitos, como um padre comunista, ou mesmo um padre vermelho, expressão de
praxe utilizada por Simplício de Sousa Mendes ao referir-se a ele nos jornais locais. A saída
às escondidas, à noite, e ainda sobre a mentira de que estava na casa do seu irmão, que
morava em Minas Gerais, pareceu-nos uma tentativa de se refugiar da turbulência do período.
Padre Carvalho era uma figura chave em vários movimentos sociais do Piauí, suspeito de
compactuar com os comunistas, o que só deixava a sua situação mais difícil diante dos
acontecimentos políticos. Por que mentir sobre a ida a casa do irmão? Talvez não fosse seguro
naquele momento encontrar-se com a família, o que poderia, de certa forma, comprometer
seus familiares.
Outro aspecto relevante na narrativa apresentada, é demonstrado pela relação de
distância entre a zona urbana da capital e zona rural, pois aparentavam ser maiores naquele
momento, uma vez que Olho D'água de Dentro, propriedade de seu Manoel Arraes, ficava a
apenas 60 quilômetros de Teresina. Mesmo sendo tão próximo, o Padre achou naquelas terras,
um lugar seguro para se refugiar (da população? Ou da polícia?). O que só demonstra que a
comunicação com a zona rural era difícil naquele momento, e é nesse sentido que
compreendemos e retomamos as lembranças do senhor Arraes, em achar que pouco se falava
sobre as Ligas Camponesas, naquele momento. Será que foi a distância que atrapalhou a
entrada dessas informações na zona rural do Piauí?
Para finalizar, as questões políticas pouco foram lembradas pelo Senhor Manoel
Arraes. Ao ser questionado sobre o governo do Senhor Chagas Rodrigues, a sua memória
recorreu a um outro momento:
Dois aspectos dessa fala do senhor Manoel Arraes devem ser destacados.
Primeiramente é a idéia de que as acusações de comunismo que recaíam sobre Chagas era
uma espécie de jogo político, concepção está compartilhada pelo senhor Luís Raimundo
541
IGREJA, M. P. Op.cit.
542
ARRAES, M. R. Op. Cit.
224
Coimbra na entrevista anterior, ou seja, era inveja de sua posição e de seu intelecto que, na
memória do senhor Manoel Arraes, implicitamente, motivaram a classificação de comunista
ao governador Chagas Rodrigues. Segundo, é a transferência de acontecimentos políticos. O
senhor Manoel Arraes ao ser questionado sobre a política da década de 1960, transfere as suas
considerações para décadas anteriores. Como já havíamos mencionado no início da entrevista,
o senhor Manoel Arraes é um homem cauteloso com as palavras, talvez essa tenha sido uma
tentativa de explicar fatos tão complexos, recorrendo a acontecimentos que também marcaram
o Piauí em décadas anteriores.
O conturbado governo de Chagas Rodrigues, na memória do Senhor Manoel
Arraes, de certa forma, só poderia ser comparada ao turbilhão de acontecimentos que
ocorreram no governo do Interventor Leônidas de Castro Melo, entre as décadas de 1930 e
1940, no qual casas de palhas forma incendiadas na capital piauiense, levando várias pessoas
a saírem do centro e irem morar na periferia da cidade.543 A mesma reação de transferir
acontecimentos ocorreu quando perguntamos ao senhor Manoel Arraes o que ele lembrava
dos acontecimentos de março e abril de 1964. A sua memória o levou à Segunda Guerra
Mundial, e ao grande alvoroço que aconteceu na cidade mediante a partida dos pracinhas.
A entrevista foi bastante positiva, no sentido de compreendermos como as
representações sobre o comunismo foram múltiplas. Apropriando-se de vários meios de
propagação do anticomunismo, o senhor Manoel Arraes não levou apenas em consideração a
sua situação de grande proprietário de terras. As novas representações que foram construídas
em sua memória remetem às Ligas Camponesas e ao comunismo como segredos daquele
momento. A própria concepção de Reforma Agrária, que na grande parte das representações
da década de 1960 era vista como proposta do comunismo, para o senhor Manoel Arraes
possuía uma divisão nítida entre a Reforma do governo e a das Ligas Camponesas, que não
implicava necessariamente a existência do comunismo. Interessante perceber a influência dos
representantes da Igreja Católica para a sua visão dos acontecimentos políticos da época, em
especial quando reflete que todo o clero é tendenciosamente comunista. O depoimento do
Senhor Arraes nos ajudou a compreender que as apropriações que eram feitas dos meios de
propagação das representações anticomunistas eram múltiplas, e por mais que pudéssemos
pensar que um grande proprietário terras representaria a proposta de Reforma Agrária no
Brasil da década de 1960 como organização de comunistas, surpreendemo-nos com a sua
concepção dos acontecimentos e as novas representações que foram construídas por sua
subjetividade e individualidade, demonstrando que cada sujeito que viveu aquele momento
225
fez sua apropriação de uma forma única, e ao mesmo tempo, condicionada pelos elementos
que a compunha.
543
Sobre os incêndios ocorridos em Teresina no período, ver: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade
sob o fogo: modernização e violência policial em Teresina (1937-1945). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor
Chaves, 2002.
544
TORRES, Iracema Monteiro da Silva. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
226
545
Idem.
546
Idem.
547
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Bertrand, Rio de Janeiro, 1990.
548
Governador piauiense no final da década de 1940 e início da década de 1950, foi acusado de ser comunista
pelo seu opositor político do período, João Clímaco d'Almeida, porque recebeu o apoio dos comunistas em sua
candidatura ao governo do Estado.
228
549
TORRES, I. M. da S. Op Cit.
550
Idem.
229
de alguns desses comunistas no Estado. Dona Iracema Torres, antes de se casar, também
prestou serviços de cobrança de contas, e o senhor que a tinha indicado para o trabalho era
reconhecido como comunista pela cidade, segundo ela. Em sua memória o fato sobre ele que
mais lhe chamou a atenção era que:
Eles atravessavam o Parnaíba por cima, esse homem [...] que ele arranjou
pra mim cobrar da maçonaria, ele era um dos comunistas, seu Amadeu. Ele
pegava a roupa, amarrava na cabeça, o rio [estava] cheio para atravessar pro
Maranhão. Jogava lá na hora que ele quisesse, voltava [...] era assim, e nunca
mataram ele.551
Para Dona Iracema Torres, uma dos maiores feitos do suposto comunista Amadeu
era atravessar a nado o Rio Parnaíba cheio, para praticar jogos de azar no Maranhão como
bem entendesse, e, ainda, sempre voltando ao Piauí sem nunca ter sido assassinado. Se essa
era um prática dos jogadores piauienses, sair a nado do Piauí para o Maranhão, não sabemos,
temos apenas a informação de que a prática do jogo era proibida no Estado do Piauí, e talvez,
essa ação de atravessar o rio a nado tenha sido uma tentativa utilizada para burlar a
fiscalização efetuada contra os jogadores. No entanto, para Dona Iracema Torres, esse foi um
fato marcante, talvez pelos temores de infância impostos pelos pais de que os rios, quando
cheios, eram perigosos. Mas, o comunista era uma figura mais perigosa do que o rio, pois, o
atravessava sem maiores problemas, para ainda praticar atos ilegais em outro Estado.
Um aspecto deve ser ressaltado, essa era uma prática daquele comunista em
especial, porque dos comunistas de um modo geral, Dona Iracema Torres lembra que suas
ações eram feitas em segredo, idéia essa compartilhada pelo senhor Manoel Arraes na
entrevista anterior. Toda a sociedade piauiense sabia das ocupações sociais desses
comunistas, no entanto, era a única coisa que se sabia sobre as suas ações, como lembra Dona
Iracema Torres:
Não, ninguém sabia o que eles eram, [...] uns tinham alfaiataria, outros tinha
coisa de fazer ouro, essas coisas assim, era ourives, tudo isso aí, ele vivia
disso aí, mas ninguém sabia.... era escondido, se apertasse o tiro, pá! morria,
ninguém sabia por que.552
551
Idem.
230
Se [os comunistas] chegassem em sua casa, a mamãe dizia: olhe, você não...
se tiver a porta fechada não abra, nem fala. [...]
Mas ela dizia, porque eram os comunistas. Aquele ali, se chegasse em sua
casa, se você deixasse entrar em sua casa, ele acertava tudo, aí depois ele
dava o golpe e ninguém podia dizer nada, as moças não podiam dizer
nada.553
Esse trecho da fala de dona Iracema Torres nos chamou a atenção por dois
motivos especiais. Primeiramente, porque é interessante notar que essa representação
anticomunista foi feita pela mãe da entrevistada, o que nos leva a refletir como as
apropriações anticomunistas femininas tendem a se constituir por uma rede familiar,
internamente feminina, ligada a elementos que envolvem o medo da figura masculina, pois
quando se falava em comunista, não era, naquele momento, pelo menos na memória de Dona
Iracema Torres, uma palavra que englobava os dois gêneros, mas o comunista, de forma geral,
era um homem. Um outro aspecto que nos chamou a atenção surgiu com a seguinte expressão
“ele dava o golpe e ninguém podia dizer nada, as moças não podiam dizer nada”, ao reforçar a
frase sobre o silêncio que era imposto logo após o golpe do comunista, na segunda frase ele se
referiu apenas as moças. Por que as moças não poderiam falar sobre o golpe que era dado
pelos comunistas? E qual golpe era esse? Dona Iracema Torres respondeu-nos de forma
direta:
Assim, ele seduzia as filhas, né? Que era o que eles faziam. E aí seu pai nem
podia dar parte, porque ele era bom pra ele, que ela dava isso, que ele fez
isso, então era isso que era comunistas, tá entendendo? Pois era isso aí que
era comunista. 554
552
Idem.
553
Idem.
554
Idem.
231
filha para rejeitar qualquer tipo de comunicação com um comunista: que ia desde abrir a porta
de casa (ou seja, a mulher estava realmente segura no espaço da casa e não da rua, que era um
espaço masculino) até o contato mais íntimo com as palavras (porque era através das palavras
que o comunista começava agir contra as moças). E como lembra Dona Iracema Torres, esse
era um golpe traçado para desvirtuar as moças, uma vez que o comunista conquistava o pai
com presentes e benefício, para que, depois que a filha fosse seduzida, não houvesse queixas
diante da polícia, já que o sedutor tinha conseguido uma relação amigável na casa. O
comunismo é representado pelo medo da desonra feminina, essa é certamente uma
representação construída sobre as relações de gênero, e da perspectiva em que foi colocada na
memória de Dona Iracema Torres, certamente era uma representação anticomunista
predominantemente construída para um público feminino.
232
555
Idem.
556
Idem.
233
Considerações Finais
557
RODEGHERO, Carla Simone. O Diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio
Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediufp, 1998, p.134.
237
da revolução comunista, ou recebendo apoio dos que nela acreditavam, outros utilizando o
comunismo como pretexto para a desqualificação moral e política, tinham na democracia uma
das principais bandeiras empunhadas no combate aos adversários.
238
REFERÊNCIAS E FONTES
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Fontes Imagéticas
Fotos dos entrevistados Luís Raimundo Coimbra, Manoel Ricardo Arraes e Iracema Monteiro
da Silva Torres são do arquivo pessoal da autora.
Fotos de Dom Avelar Brandão Vilela foram gentilmente cedidas do arquivo pessoal do Padre
Tony Batista.
Foto de José Ferreira Castelo Branco foi gentilmente cedida do arquivo pessoal da sua
família.
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Foto do professor Pedro Vilarinho Castelo Branco foi gentilmente do seu arquivo pessoal.
Fontes Orais
ARRAES, Manoel Ricardo. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
BOMFIM, Maria do Carmo Alves. Entrevista concedida a Luciana de Lima Pereira e José
Maria Vieira de Andrade. Teresina, 2003.
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História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja
católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação de
Mestrado.
OLIVEIRA, Manoel Emílio Burlamarqui de. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves
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História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja
católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação de
Mestrado.
SILVA, Ana Maria Pires Lopes da. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento.
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SOARES, Pe. Raimundo José Ayremorais. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de
Carvalho. Teresina, 1998. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de.
História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja
católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação de
Mestrado.