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UFPI – UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CCHL - CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL

MARYLU ALVES DE OLIVEIRA

A CRUZADA ANTIVERMELHA -
DEMOCRACIA, DEUS E TERRA CONTRA A FORÇA COMUNISTA:
representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí da década de 1960.

Teresina – PI
2008
2

MARYLU ALVES DE OLIVEIRA

A CRUZADA ANTIVERMELHA -
DEMOCRACIA, DEUS E TERRA CONTRA A FORÇA COMUNISTA:
representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí da década de 1960.

Dissertação apresentada ao curso de Pós-


Gradução em História, do Centro de Ciências
Humanas e Letras, da Universidade Federal do
Piauí, para a obtenção do grau de Mestre em
História do Brasil.
Orientador: Professor Dr. Francisco Alcides do
Nascimento.

Teresina – PI
2008
3

O48c Oliveira, Marylu Alves de.


A cruzada antivermelha – democracia, Deus e terra contra a força
comunista: representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí
da década de 1960. / Marylu Alves de Oliveira. -- Teresina, 2008.
274f.: il.

Dissertação (Mestrado em História do Brasil) – Universidade Federal do


Piauí, 2008.
Orientador: prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento.

1. História – Piauí. 2. Anticomunismo – Piauí.


3. História – Brasil. I. Título.

CDD – 98/.22
4

MARYLU ALVES DE OLIVEIRA

A CRUZADA ANTIVERMELHA -
DEMOCRACIA, DEUS E TERRA CONTRA A FORÇA COMUNISTA:
representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí da década de 1960.

Dissertação apresentada ao curso de Pós-


Gradução em História, do Centro de Ciências
Humanas e Letras, da Universidade Federal do
Piauí, para a obtenção do grau de Mestre em
História do Brasil.
Orientador: Professor Dr. Francisco do Alcides
Nascimento.

Aprovada em 23 /04/2008

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________
Prof. Francisco Alcides do Nascimento (Orientador)
Doutor em História Social
Universidade Federal do Piauí

___________________________________________________________________
Prof. Jorge Ferreira
Doutor em História Social
Universidade Federal Fluminense

_____________________________________________________________________
Prof. Pedro Vilarinho Castelo Branco
Doutor em História Cultural
Universidade Federal do Piauí
5

Ao Tágory, pelo amor e carinho.


6

AGRADECIMENTOS

Lembrar de todas as pessoas que fizeram parte da construção deste trabalho é uma
tarefa muito difícil, já que foram tantos os que ajudaram em diferentes momentos. Alguns
auxiliaram na busca das fontes, outros na construção da escrita, uns apenas dedicando atenção
e outros indicando obras e leituras que foram determinantes, por isso é tão difícil, neste
momento, enumerá-los. Agradeço a todos que, de forma direta ou indireta, colaboraram para
que esta dissertação se construísse.
Contudo, mesmo correndo o risco de esquecer alguém, algumas pessoas precisam
ser mencionadas.
Gostaria de agradecer, de forma especial, ao meu orientador e amigo Prof. Dr.
Francisco Alcides do Nascimento. Professor dedicado, profissional exemplar e um ser
humano incrível. Sou grata pela confiança e apoio que me dedicou durante todos esses anos
que convivemos, principalmente, durante o período da escrita deste trabalho. Nutri um grande
respeito e admiração não só pelo professor responsável, honrado e digno que ele sempre
demonstrou ser, mas, sobretudo, pela generosidade com que trata seus orientandos, agindo
com tamanha humildade e sinceridade, que nos perdemos em acreditar que somos iguais,
mesmo quando sabemos que estamos a milhões de passos distantes de um mestre tão capaz e
competente. Obrigada pelas oportunidades, pela generosidade e, sinceramente, pela grande
amizade que construímos.
Agradeço, também de forma especial, ao meu marido, Tágory. Obrigada por
sempre acreditar em mim, por me dedicar um amor incondicional, mesmo quando estava
distante. Por ouvir falar desta dissertação, incansavelmente, e ainda continuar me amando.
Obrigada por TUDO.
À minha irmã, Marysol, meu irmão Maycon, minha mãe Raimunda e meu pai
Arimatéa, eu agradeço por compreenderem a distância e por me incentivaram sempre.
Agradeço aos professores do programa: Dr. Alcides Nascimento, Dr. Pedro
Vilarinho Castelo Branco, Drª. Áurea Paz Pinheiro, Dr. Edwar Castelo Branco, Drª. Teresinha
Queiroz, Dr. Paulo Ângelo Meneses, pela dedicação e ajuda durante as disciplinas cursadas.
Dentre os professores, faço um agradecimento especial aos que participaram da
minha banca de qualificação: Drª. Teresinha Queiroz e Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco.
Agradeço pelas idéias, sugestões e indicações de livros. Tenho certeza de que a melhor parte
do presente trabalho se deve às observações feitas durante o exame de qualificação.
7

Especialmente, devo agradecer ao Prof. Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco, por
me permitir utilizar a sua vida e de sua família como fonte de minha pesquisa, e por ainda me
emprestar os livros anticomunistas que pertenciam ao seu pai.
Agradeço às funcionárias do mestrado: dona Eliete e minha amiga Lêda, pela
dedicação com que me ajudaram durante esse período.
Aos funcionários do Arquivo Público do Piauí, do Arquivo Público do Ceará e do
Instituto Dom Barreto, por permitirem o acesso às fontes, tão preciosas para o trabalho do
historiador.
Agradeço, de forma especial, a meus entrevistados: Iracema Monteiro da Silva
Torres, Luís Raimundo Coimbra, Manoel Ricardo Arraes, Marcos de Paiva Igreja e Pedro
Vilarinho Castelo Branco. Obrigada por me permitirem adentrar suas memórias e fazê-las
parte da história do Piauí.
Um obrigada especial aos meus grandes e adoráveis amigos de mestrado e de
grupo de estudo. Agradeço à Emília Nery pela leitura sempre atenta dos meus textos, mas o
agradecimento maior é pela grande amizade e companheirismo que construímos durante esses
dois anos. À grande conquista do ano de 2006, a amizade de Warrington Veras, meu amigo
“mais importante”, obrigada pela ajuda na escrita deste trabalho, por não se mudar e, também,
continuar perto de mim. Agradeço a minha irmã-amiga Luciana Lima pela ajuda, pela
amizade e por sempre me incentivar. Um obrigada especial a MESTRE Nilsângela Cardoso,
pela paciência, amizade e por sempre estar disposta a ajudar os amigos, obrigada por estar
sempre por perto e ser um referência de ser humano. Agradeço ao meu amigo de graduação e
mestrado, Demétrios Galvão, por ter o privilégio de compartilhar de suas idéias e de sua
companhia, tenho nossa amizade como uma grande conquista. Ao meu amigo do coração e
de grupo de estudo, Elson Rabelo, mente brilhante, ser humano exemplar e amigo estimável,
ter você como amigo é uma das maiores alegrias da minha vida. Ao meu grande amigo de
graduação e de grupo de estudo Mairton Celestino, obrigada por sempre me fazer pensar e
refletir sobre aquilo que eu acreditava ser óbvio, sua amizade é um bem inestimável.
Obrigada, também, a pernambucana Rosário Trancilin, que acrescentou poesia em minha vida
durante esse dois anos, obrigada por ter promovido os melhores momentos em grupo nos anos
de 2006 e 2007. Agradeço de forma especial ao meu amigo José Maria, por me ensinar como
podemos ser um intelectual sem ser arrogante ou esnobe, sendo um exemplo de ser humano
repleto de generosidade e competência, obrigada pela amizade. Ana Cristina, obrigada pela
amizade, sempre tão discreta, mas tão imprescindível nos momentos especiais. Agradeço
Eliane, minha amiga de graduação e agora de mestrado, por sempre tornar momentos tensos
da escrita em momentos de alegria e calma, a sua ajuda foi imprescindível.
8

À minha amiga de vida, a filósofa Hellen Maria de Oliveira, obrigada por sempre
estar disposta a escutar a escrita desta dissertação e por sempre acreditar em mim.
Agradeço a leitura e amizade da Prof. Ms. Elizângela Cardoso. Obrigada por ser
tão generosa e amiga, dispensando o tempo que seria destinado à escrita de sua tese, para
ajudar na construção do presente trabalho.
Agradeço, também, a Profª. Drª. Socorro Magalhães pela revisão atenta e pela
prazerosa conversa sobre o Piauí de sua infância.
E, finalmente, obrigada a CAPES, pela bolsa que me concedeu durante esses dois
anos, ajuda financeira essencial, no momento em que me voltei exclusivamente à pesquisa e
elaboração deste trabalho. Sem esse apoio, certamente, as dificuldades seriam ainda maiores.
9

[...] Antes de falar de mim, mal ou bem, o sujeito deve ler o meu livro para saber
o que eu acho, para saber do meu anticomunismo, saber do meu horror a Marx...
Marx não toma conhecimento da morte. E nós exigimos de Marx a devolução de
nossa alma imortal. Tudo isso está no livro. Agora, eu tenho uma virtude única,
que é a seguinte: não tenho medo de passar por reacionário. Querem me chamar
de reacionário, chamem; querem me pichar como reacionário, pichem; querem
me pendurar num galho de árvore como ladrão de cavalo, pendurem. Mas eu sou
homem que não aceita essa impostura gigantesca dos chamados países
socialistas. Por mais que eu tenha horror da política, há muita política no meu
livro. Eu acho que a política corrompe qualquer um, mas ela é um fato. Aliás,
vocês querem saber de uma coisa? Eu comecei a ficar anticomunista aos 11 anos
de idade. Eu era um rato de jornal e nessa ocasião comecei a freqüentar o jornal
A Nação, do Leônidas de Rezende, um comunista tremendo. Então, um dia assim
sem mais nem menos, um rapaz me disse que, se o partido mandasse, ele
estrangularia a sua própria mãe. Era só o partido mandar. A ONU, por exemplo,
não considera o Brejnev um canalha. Para ela, o fato de existirem intelectuais
internados em hospícios não representa um ato atentatório aos direitos humanos.
Agora, vou te dizer uma coisa: eu pensei muito quando dei ao meu livro o título
de O Reacionário. Porque no duro, no duro, eu não sou reacionário. A mais cruel
forma de reacionarismo está nos países socialistas, na Rússia, em Cuba, na
China, etc. Realmente, eu sou um libertário. Veja você: dois pobres-diabos
cidadãos soviéticos seqüestraram um avião para deixar o paraíso e foram parar
na Finlândia. Entregaram-se ao governo finlandês, que os devolveu ao Brejnev.
Vão ser naturalmente fuzilados. Pois bem: quem protestou contra isso? Onde está
o manifesto dos intelectuais com 3.999 assinaturas? No duro eu sou um
libertário. Eles, marxistas, é que são reacionários. Repito mais uma vez: os
marxistas é que são reacionários....

Nelson Rodrigues
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RESUMO

Este trabalho apresenta e analisa as principais representações, apropriações e práticas


anticomunistas no Piauí da década de 1960. Os anos de 1960 apresentavam um Brasil imerso
em um debate sobre a implantação das Reformas de Base. As disputas políticas travadas entre
os esquerdistas e os direitistas provocavam um clima de intranqüilidade geral. É nesse
ambiente complexo que vão se avivar as representações sobre o comunismo, produzidas pelos
anticomunistas. O Piauí também se inseriu nesse contexto de intranqüilidade nacional,
mantendo, contudo, algumas particularidades locais. Nesse sentido, procurou-se verificar a
incidência dessas representações anticomunistas no Estado a partir dos textos que circularam
no período. Classificaram-se os jornais, livros, e, principalmente, o rádio, como meios de
propagação das representações anticomunistas. As noções de representação, apropriação e
prática, utilizadas neste trabalho, tomam como base a perspectiva teórica de Roger Chartier,
em que as representações compõem o mundo social, implicando a constituição de múltiplas
apropriações e práticas diversas. A História Oral também é utilizada como método de
compreensão das múltiplas apropriações que foram geradas pelos indivíduos que viveram no
turbilhão dos anos de 1960 no Piauí. O trabalho mostra um Piauí marcado pelos discursos do
atraso e constituído por grandes grupos denominados como vertentes anticomunistas: grupo
do conservadorismo, o grupo da propriedade privada e o grupo religioso, denominados como
grandes segmentos representativos do anticomunismo no Piauí e que foram responsáveis pela
construção das principais representações e práticas anticomunistas no Estado. O
anticomunismo é um pretexto para o entendimento da cultura política piauiense durante a
década de 1960, adentrando, dessa forma nos elementos que compuseram a construção da
realidade social e política do referido Estado.

PALAVRAS-CHAVE: Anticomunismo; Representações; Apropriações; Piauí; Década de


1960.
11

ABSTRATC

This work represents and analyzes the main anti-communists representations, appropriations
and practices in the 1960’s decade in Piauí. The years of 1960 represented a Brazil plunged in
a debate about the implementation of Base reforms. The political disputes between the left-
wingers and the right-wingers created an environment of general uncertainty. Is in this
complex environment that will arise the representations of the communism, produced by the
anti-communists. Piauí was also inserted in this context of national uncertainties, keeping,
however, some local particularities. In this sense, we try to verify the incidence of these anti-
communists representations during this period of time. They classified the newspapers, books,
and mainly, the radio as means of propagation of the anti-communists. The representations,
appropriations and practices notions used in this work, take as basis the theoretical
perspective of Roger Chartier, in which the representations compose the social world,
Implying the creation of multiple appropriations and several practices. The spoken history is
also used as a comprehension method of the multiple appropriations that were generated by
the individuals that lived in the whirlwind years of 1960 in Piauí. The work shows a Piauí
marked by the speeches of backwardness and constituted by big groups denominated as anti-
communists slope. A conservatism group, the private property group and the religious group,
denominated as big representative segments of the anti-communism in Piauí and that were
responsible for the construction of the main anti-communist representations and practices in
the State. The anti-communism is a pretext to the understanding of the political culture of the
piauiense during the 1960’s , permeating, the elements that compose the construction of the
political and social reality of the State referred.

Key-words : Anti-communism; Representations; Appropriations ; Piauí; The 1960’s decade


12

LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 01 Primeira capa da revista de circulação nacional Veja............................ 26

Fotografia 02 Trecho do discurso de Ruy Barbosa publicado no jornal Estado do


Piauí........................................................................................................ 42

Fotografia 03 Senador Sigefrêdo Pacheco.................................................................... 45

Fotografia 04 Manchete do jornal O Dia sobre a morte de Carlos Marighela.............. 60

Fotografia 05 Dom Antônio Fragoso............................................................................ 63

Fotografia 06 Carta que compõe o dossiê de Dom Fragoso nos arquivos do DOPS.... 65

Fotografia 07 Charge com elementos relativos a Cuba................................................ 68

Fotografia 08 Charge com elementos relativos a Cuba................................................ 76

Fotografia 09 Charge indicando a participação de Chagas Rodrigues no movimento


das Ligas Camponesas........................................................................... 78

Fotografia 10 Chagas Rodrigues sendo cumprimentado por Leonel Brizola............... 83

Fotografia 11 Dom Avelar Brandão Vilela ajudando as vítimas da enchente de


1960........................................................................................................ 86

Fotografia 12 Declaração do Arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela......................... 87

Fotografia 13 Declaração do Arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela......................... 88

Fotografia 14 Congresso Eucarístico ocorrido em Teresina no ano de 1960. Dom


Avelar Brandão Vilela, Núncio Apostólico, Chagas Rodrigues e a
primeira dama dona Maria do Carmo Rodrigues................................... 94

Fotografia 15 Exposição do material “subversivo” apreendido pelo Exército............. 114

Fotografia 16 Matéria do jornal Folha da Manhã sobre a relação de Chagas


Rodrigues com o Comunismo................................................................ 119

Fotografia 17 Governador Chagas Rodrigues. 120

Fotografia 18 Matéria no jornal O Dominical sobre as diferenças entre católicos e


comunistas.............................................................................................. 127

Fotografia 19 Matéria sobre o Círculo Operário no Piauí............................................ 137

Fotografia 20 Passeata da Família com Deus pela Liberdade na Avenida Frei


Serafim................................................................................................... 139
13

Fotografia 21 Clichê de fotos com o “material subversivo” apreendido pelo


militares no Comitê do partido comunista em Teresina......................... 143

Fotografia 22 Presidente João Goulart e o governador piauiense Petrônio Portella


(1963-1966) nas comemorações da Central de Abastecimento de
Água do Piauí. ....................................................................................... 154

Fotografia 23 Deoclécio Dantas.................................................................................... 164

Fotografia 24 José Lopes dos Santos............................................................................ 165

Fotografia 25 Capa do livro Kremlin ou Vaticano?...................................................... 183

Fotografia 26 Contracapa do livro Kremlin ou Vaticano?............................................ 185

Fotografia 27 Imagens de Lênin e Nossa Senhora de Fátima e a relação com o ano


de 1917................................................................................................... 187

Fotografia 28 Capa do Livro A filosofia do comunismo............................................ 191

Fotografia 29 Pedro Vilarinho Castelo Branco............................................................. 200

Fotografia 30 José Ferreira Castelo Branco.................................................................. 202

Fotografia 31 Luís Raimundo Lima Coimbra, 2007..................................................... 209

Fotografia 32 Luís Raimundo Lima Coimbra, 2007..................................................... 216

Fotografia 33 Manoel Ricardo Arraes, 2007................................................................ 218

Fotografia 34 Capa do Livro de Felisberto de Carvalho. 221

Fotografia 35 Páginas do Livro de Felisberto de Carvalho, o segundo livro de


leitura, com a história do “demônio”..................................................... 221

Fotografia 36 Páginas do Livro de Felisberto de Carvalho, o segundo livro de


leitura, com a história do “demônio”..................................................... 221

Fotografia 37 Manoel Ricardo Arraes, 2007................................................................ 224

Fotografia 38 Iracema Monteiro da Silva Torres, 2007................................................ 231

Fotografia 39 Iracema Monteiro da Silva Torres, 2007................................................ 237


14

SUMÁRIO

Introdução............................................................................................................... 14

1 Mas afinal, o que era mesmo o comunismo?..................................................... 26

1.1. Proletários de todos os países, uni-vos contra o comunismo! As


possibilidades de ser anticomunista.......................................................................... 30

1.2 Lembranças de um Piauí................................................................................. 38

1.3 Mas afinal, o que era mesmo o comunismo?.................................................. 42

1.4 Considerações iniciais sobre o (anti)comunismo........................................... 66

2 Contra a Foice e o Martelo: representações e práticas anticomunistas


piauienses na década de 1960................................................................................... 68

2.1 Quem é Deus e o Diabo na terra do sol? A questão da propriedade privada


e o anticomunismo na década de 1960..................................................................... 76

2.1.1 Reforma Agrária - Na lei ou na marra!......................................................... 78

2.1.2 A Igreja Católica e a opção pelos mais pobres: sem-terras......................... 85

2.1.3 A terra é minha: fora comunistas maus!....................................................... 94

2.2 As pessoas na sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer:


conservadorismo piauiense e o anticomunismo....................................................... 102

2.2.1 ORDEM e progresso: o anticomunismo e a proposta de manutenção da


democracia................................................................................................................ 111

2.2.2 O bem amado socialista: a política partidária e o anticomunismo................ 115

2.3 O comunismo é o ópio do povo: A religião católica e o anticomunismo no


Piauí, na década de 1960.......................................................................................... 123

2.4 Polvo, Câncer, Demônio Vermelho: representações comuns do


comunismo................................................................................................................ 131

2.5 Práticas anticomunistas no Piauí.................................................................... 136

3 Comunismo?! Ouvi dizer que é.......................................................................... 158

3.1 Nas ondas vermelhas: a apropriação das representações anticomunistas 162


através do rádio no Piauí na década de 1960............................................................

3.2 Manchete de hoje: os jornais impressos e o anticomunismo............................ 175

3.3 Os livros vermelhos: a apropriação do anticomunismo nos livros que


15

circularam no Piauí na década de 1960.................................................................... 179

3.4 Sobre apropriações e anticomunismo............................................................ 194

3.5 Memórias do anticomunismo piauiense......................................................... 198

3.5.1 Uma Ave Maria pela conversão da Rússia: a fé católica e o


anticomunismo.......................................................................................................... 199

3.5.2 O Exército é quem salva a nação: anticomunismo e o militar..................... 208

3.5.3 Terras do silêncio: o anticomunismo e a reforma agrária............................. 218

3.5.4 Mulher de comunista! A condição feminina e o anticomunismo................. 230

Considerações Finais.............................................................................................. 240

REFERÊNCIAS E FONTES................................................................................. 244

ANEXOS.................................................................................................................. 265

.
16

Introdução

Perseguindo os antivermelhos: como se constrói um objeto de pesquisa.

No ano de 2004, participamos de um trabalho de pesquisa que tinha como


objetivo estudar as transformações ocorridas no espaço urbano da cidade de Teresina
agenciadas pela intervenção do poder executivo, durante as décadas de 1950 a 1970.1 Durante
o período de catalogação das fontes, percebemos um grande número de reportagens
relacionadas ao comunismo, principalmente no período compreendido entre os anos de 1960 a
1969. Chamou-nos atenção a forma insistentemente negativa e pejorativa com que o
comunismo era abordado e, sobretudo, como alguns cronistas, jornalistas e editores
acreditavam na possibilidade iminente daquele sistema ser implantado no Brasil, e,
conseqüentemente, no Estado do Piauí. Causaram-nos estranheza aquele evidente medo e
aversão ao comunismo vistos nos jornais. Diante daquele material, houve um crescente
interesse de nossa parte em fazer uma reflexão sobre o anticomunismo no Piauí.
A percepção da existência de um “outro” modo de estar em sociedade, provocou-
nos uma sensação de distanciamento. Michel de Certeau, em sua Escrita da História, aponta
para essa reação como parte do ofício do historiador, que, em sua função escriturária,
comanda um “rito de sepultamento”, ou mesmo faz ver a “beleza do morto”, pois, como
afirma este autor: “O discurso sobre o passado tem como estatuto ser o discurso do morto”.2
A partir do momento que aquele assunto fugiu às preocupações das sociedades atuais, é
porque ele já não pertence mais a essas sociedades, o que existe, de fato, são os últimos fios
de memória, que sob a ação dos historiadores vão desaparecer, serão enterrados, e passarão a
ser história.3 Pensando dessa forma, a pesquisa nas fontes hemerográficas da década de 1960
resultou no nosso trabalho de conclusão de curso de graduação, que propôs uma análise sobre

1
Projeto de Iniciação Científica financiado pelo CNPq-PIBIC/UFPI, no período de julho de 2004 a agosto de
2005, com o título: Teresina dos Anos Dourados aos Anos de Chumbo: o processo de modernização e
intervenção do Estado autoritário, orientado pelo Professor do Departamento de Geografia e História da
Universidade Federal do Piauí, Drº Francisco Alcides do Nascimento.
2
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução: Maria de Lourdes Menezes. 2ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 56.
3
Para Pierre Nora tudo que é considerado memória, nos dias de hoje, não o é, mas sim história. NORRA, Pierre.
Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução: Yara Aun Khoury. Proj. História. São Paulo, 10
dez 1993. p.07-28.
17

o discurso anticomunista a partir da leitura de um dos maiores jornais do Piauí, O Dia.4


No entanto, durante entrevista realizada no Núcleo de História Oral do Instituto
Dom Barreto (NHOIDB)5, com o Senhor Marcos Igreja, um ex-comunista que foi preso
durante a década de 1960, percebemos a existência de outros aspectos que os jornais não
abordavam, como mostra no trecho abaixo:

[...] e diziam, eu não sei se isso é verdade, ou se é deboche, que comunista


comia criancinha no almoço, comunista era bicho muito malvado, a mulher
de comunista era de todos, comunista não respeitava lei nenhuma, e é o
contrário comunista era um cara muito respeitador da lei [...]. [grifo nosso]6

Esse trecho nos fez ver que os jornais eram apenas mais uma forma de
representar o comunismo no Estado do Piauí. Em nenhum momento, nos jornais pesquisados,
encontramos frases como: comunista come criancinhas, ou, mulher de comunista é mulher de
todo mundo. Percebemos que existia algo mais para pensar o anticomunismo. Na tentativa de
entender esse hiato entre o que os jornais diziam e o que as pessoas pensavam fora desse
espaço das palavras fixadas, decidimos modificar a pergunta que lançamos inicialmente para a
escrita do trabalho monográfico, e que era dirigida apenas aos jornais, para algo mais amplo o
qual propomos como questão central desta dissertação: quais foram e como se constituíram as
representações e apropriações anticomunistas no Piauí na década de 1960? Dessa questão
central houve um desdobramento em outras: quais os veículos de propagação das
representações anticomunistas no Piauí? Que práticas anticomunistas eram exercidas naquele
momento no Estado?

Roger Chartier: representações, práticas e apropriações do anticomunismo.

Ao analisarmos os discursos anticomunistas dos jornais piauienses, na década de


1960, percebemos que as opiniões e análises sobre o comunismo eram, em certo sentido, uma
forma de apresentação daquele sistema. Essa apresentação pública estava divida em matizes,

4
OLIVEIRA, Marylu Alves de. Considerações sobre o discurso anticomunista no período de 1959-1969: uma
análise a partir do jornal O Dia. Teresina, 2005. 130 p. Monografia (conclusão de curso). Departamento de
História e Geografia, Universidade Federal do Piauí.
5
A entrevista mencionada fazia parte de um projeto sobre as memórias do Piauí, que comporiam o Núcleo de
História Oral do Instituto Dom Barreto. Atualmente o projeto está parado.
6
IGREJA, Marcos de Paiva. Depoimento concedido a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. NHOIDB, Teresina, 2005.
18

ou matrizes,7 que apontavam os aspectos negativos relacionados ao comunismo. Por outro


lado, não detectamos nenhum discurso de membros do Partido Comunista ou mesmo de
simpatizantes daquele sistema. Esse espaço não preenchido pelos discursos favoráveis
permitiu que os discursos anticomunistas apresentassem também aos leitores uma visão de
algo que estava ausente, ou seja, que não possuía a sua própria expressão nos jornais. Desta
forma, refletimos que os discursos constituíam e reproduziam representações anticomunistas,
que eram apropriadas pelos leitores das mais variadas formas, pois só apenas o jornal, como
exemplo, poderia ser lido: em grupos, nas praças; em casa, de forma silenciosa; nas reuniões
partidárias; nas celebrações religiosas - neste lugar escutado pelos mais variados segmentos
sociais -; e era, inclusive, lido através das imagens, ou ouvido pelos que não sabiam ler.8
Apreendemos que cada forma de propagar o anticomunismo (jornais, livros ou rádio),
proporcionava formas variadas de recepção que constituíam múltiplas interpretações sobre o
comunismo. Partindo dessa constatação, percebemos que a chave conceitual que poderia
permear toda a elaboração deste trabalho é a proposta de Roger Chartier relacionada às
práticas de leitura e apropriação dos textos.
Roger Chartier membro da vertente francesa da chamada História Cultural,9
apresenta três formas de percepção do vivido: as representações, as apropriações e as práticas.
Sobre a noção de representação, o autor recorre à acepção antiga do termo, retirada do
Dicionário Furetière, segundo o qual, representação resulta de duas ordens de razão, “por um
lado, a representação como dando a ver uma coisa ausente; por outro, a representação como
exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou de alguém”.10
As representações, para o autor, são essas formas de pensar o mundo, dar a ler
uma leitura da sociedade em que os indivíduos vivenciam as suas práticas cotidianas. Na
década de 1960, os anticomunistas apresentaram uma forma de ver o mundo, a partir das
representações sobre o comunismo. O comunismo naquele momento ajudou a significar atos e
implementar formas de viver, em especial, alimentada pelas suas representações negativas e
pejorativas.

7
A expressão “Matizes” é utilizada por Ricardo Antônio de Sousa Mendes como denominação a linhas de
pensamento que no discurso anticomunista justificavam a sua construção. MENDES, Ricardo Antônio Souza. As
Direitas e o anticomunismo no Brasil. LOCUS: Revista de História, Juiz de Fora, v. 10, n. 01, 2003. Para
Rodrigo Patto Sá Motta, os aspectos caracterizadores do discurso anticomunista são chamados de Matrizes e
dividem-se apenas em três: Nacionalismo, Religioso e Liberalismo. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda
contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectivas/FAPESP, 2002.
8
Para Roger Chartier “Dos ouvintes reunidos em torno de um texto lido em voz alta: a leitura é aqui uma
audição de uma palavra leitora”. CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações.
Tradução: Maria Manuela Galhardo. Lisboa, São Paulo: DIFEL, BERTRAND. 1990. p. 124.
9
“A História Cultural, tal como a entendemos, tem por principal objetivo identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo
supõe vários caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que organizam a
apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e apreciação do real”. Idem, p. 16.
19

No entanto, segundo Roger Chartier, cada indivíduo, ou grupo, quer que a sua
forma de ver o mundo seja válida e aceita pelos outros membros da sociedade em que ele faz
parte. É nesse sentido, que o autor apontou para a existência das chamadas “lutas de
representações”11, aspecto que deve ser observado, uma vez que:

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à


universalidade de uma diagnóstico fundado na razão, são sempre
determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam. Daí, para cada caso,
o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de
quem os utiliza.12

Partindo dessa noção de representação, apontada por Roger Chartier, e ao


analisarmos o anticomunismo, na década de 1960, no Estado do Piauí, percebemos a
existência de discursos concorrentes na sua formulação. Alguns grupos dentro da Igreja
Católica, na política nacional e local, em parte da corporação militar, no meio rural e em
parcelas da sociedade civil organizada, representaram o comunismo como um mal que
precisava ser contido. Cada grupo recusou-o como uma possibilidade de regime econômico-
político para o Brasil, no entanto, cada segmento enfatizava o aspecto negativo que era mais
importante no seu combate. Apesar da multiplicidade de interesses que cada grupo possuía
nas formulações das representações, estabeleceu-se na memória coletiva13 uma espécie de
“homogeneidade” sobre o comunismo, - e quando nos referimos a uma homogeneidade,
estamos apontando para uma adesão afetiva14 de determinados segmentos sociais ao
anticomunismo. Não afirmamos que houvesse uma memória única anticomunista, pois cada
um destes segmentos enfatizava diferentes aspectos que considerava negativo com relação ao
comunismo – constituindo, dessa forma, uma espécie de memória oficial que prevaleceu, pelo
menos na década de 1960, sobre o que era o comunismo. Um dos motivos para esse
estabelecimento de uma memória oficial remete às “lutas de representações”, citadas por

10
Idem, p. 20.
11
Roger Chartier afirma que: “As lutas de representação têm tanta importância como as lutas econômicas para
compreender os mecanismos pelos quais um grupo se impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social,
os valores que são os seus, e o seu domínio”. Idem, Ibdem.
12
Idem. p. 17.
13
Para o conceito de Memória Coletiva, Ver: HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução: Beatriz
Sidou. – São Paulo: Centauro, 2006.
14
Michel Pollak “Ao contrário de Maurice Halbwachs, [...] acentua o caráter destruidor, uniformizador e
opressor da memória coletiva nacional”, nesse sentido Michel Pollak aponta para idéia de memórias
subterrâneas, que vão de encontro a essas memórias oficiais. Apesar de entender que a memória é conflito, o
nosso objetivo nesse texto não é trabalhar com conflito de memórias, mas com a multiplicidade de memórias que
tinham o comunismo como algo nocivo à sociedade. Desta forma, aponto para a proposta de Maurice Halbwachs
quando percebe as funções positivas da memória comum como coesão social, não pela coerção, mas pela adesão
afetiva ao grupo, que o autor denominou de “comunidade afetiva”. Ver: POLLAK, Michel. Memória,
esquecimento e silêncio. Revista de Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 02, n.03, 1989, p.03-15; Também:
HALBWACHS, M. Op. Cit.
20

Roger Chartier, através das quais, os grupos lutam para impor, ou tentar impor, a sua
concepção de mundo, os seus valores e o seu domínio. Nesse sentido, e apesar da
multiplicidade de aspectos que caracterizaram o discurso anticomunista, conseguimos
visualizar que as representações anticomunistas que prevaleceram, no Estado do Piauí,
giraram em torno de três vertentes: a da propriedade privada, a do conservadorismo e a
religiosa.15
Um outro aspecto essencial, para a construção desse trabalho, dentro da
perspectiva chartieriana, é a noção de prática, que está intimamente relacionada à noção de
representação, no sentido de que “mesmo as representações coletivas mais elevadas só têm
existência, só são verdadeiramente tais, na medida em que comandam atos”.16 Como exemplo
de práticas relacionadas ao anticomunismo, podemos citar a materialização dessas
representações nos textos impressos em jornais, nos livros e até mesmo nas prisões dos
comunistas na década de 1960. No entanto, não podemos esquecer que assim como as
representações geraram as práticas, da mesma forma, as práticas constituíram novas
representações.
A última noção que Roger Chartier aponta e que utilizaremos, em nosso trabalho,
é a de apropriação. Segundo o autor, a apropriação de textos deve ser entendida como um ato
criativo, e não apenas como uma atitude de passividade diante daquilo que é transmitido. É
significante ressaltar o retorno da importância que Roger Chartier dá à ação do sujeito e a sua
capacidade de modificar determinados aspectos em sociedade, sendo um receptador-criador.
Idéia essa que, em certo sentido, é tomada de empréstimo de Michel de Certeau.17 No entanto,
Roger Chartier aponta para essa ação do sujeito na prática da leitura, afirmando que,

Por um lado, a leitura é prática criadora, atividade produtora de sentidos


singulares, de significações de modo nenhum redutíveis às intenções dos
autores de textos ou dos fazedores de livros: ela é uma ‘caça furtiva’, no
dizer de Michel de Certeau. Por outro lado, o leitor é, sempre pensado pelo
autor, pelo comentador e pelo editor como devendo ficar sujeito a um
sentido único, a uma compreensão correta, a uma leitura autorizada. Abordar
a leitura é, portanto, considerar, conjuntamente, a irredutível liberdade dos
15
Essa é uma possibilidade de classificação, como qualquer classificação é arbitrária, e parte de nossa
perspectiva de reflexão, pois durante a análise das fontes percebemos essas três vertentes como as mais
importantes. No entanto, não estamos afirmando que estas vertentes sejam únicas, nem que estejam
completamente separadas, pelo contrário elas ao mesmo tempo em que se relacionam, complementam-se, bem
como a ênfase dada a cada uma dessas vertentes está relacionada ao lugar social dos grupos que as constituíram.
16
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In.: Estudos Avançados. jan-abr. São Paulo: USP. 11(5),
1991. p. 173-191.
17
Para Michel de Certeau “A presença e a circulação de uma representação (ensinada como código da promoção
sócio-econômica por pregadores, por educadores ou por vulgarizadores) não indicam de modo algum o que ela é
para os seus usuários. É ainda necessário analisar a sua manipulação pelos praticantes que não a fabricam.”
CERTEAU, Michel. A Invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Tradução: Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1994. p.40.
21

leitores e os condicionamentos que pretendem refreá-la. Esta tensão


fundamental pode ser trabalhada pelo historiador através de uma dupla
pesquisa: identificar a diversidade de leituras antigas a partir dos seus
esparsos vestígios e reconhecer as estratégias através das quais autores e
editores tentavam impor uma ortodoxia do texto, uma leitura forçada. Dessas
estratégias, umas são explícitas, recorrendo ao discurso (nos prefácios,
advertências, glosas e notas), e outras implícitas, fazendo do texto uma
maquinaria que, necessariamente, deve impor uma justa compreensão.
Orientado ou colocado numa armadilha, o leitor encontra-se, sempre,
inscrito no texto, mas por seu turno, este se inscreve diversamente nos seus
leitores. Daí a necessidade de reunir duas perspectivas, frequentemente
separadas: o estudo da maneira como os textos, e os impressos que lhe
servem de suporte, organizam a leitura que deles deve ser feita e, por outro
lado, a recolha das leituras efetivas, captadas nas confissões individuais ou
reconstruídas à escala das comunidades”. 18

Apesar de ser criador, esse sujeito também é condicionado por fatores externos,
conforme Roger Chartier aponta no trecho acima, fatores esses que podem ser explícitos ou
implícitos. É nesse sentido que adotaremos em nosso trabalho a idéia de “leitor das
representações anticomunistas”.19 Este leitor fez a sua leitura sobre as representações
anticomunistas condicionado implícita ou explicitamente pelos autores destas representações,
no entanto, ele teve a sua liberdade de entendimento, ou mesmo a liberdade de não as
entender.
Em um ponto este trabalho propõe uma diferenciação da perspectiva chartieriana,
decorrente da periodização que estabelecemos. Na década de 1960, o ato da leitura de textos
impressos ainda era restrito a uma pequena parcela da população piauiense, no entanto,
acreditamos, com base na proposta de Roger Chartier, que “Dos ouvintes reunidos em torno
de um texto lido em voz alta: a leitura é aqui uma audição de uma palavra leitora”, e é nessa
perspectiva que, para entender essa apropriação anticomunista, não utilizamos apenas os
textos impressos (como os jornais e livros da década de 1960), como fez Roger Chartier,20
introduzimos nessa formulação das representação anticomunistas um outro meio de
comunicação, que ainda estava em sua era de ouro no Piauí: o rádio.21 As transmissões
radiofônicas possibilitaram uma maior propagação do anticomunismo, tanto pela linguagem,
que devia ser acessível para abranger os mais variados segmentos sociais, quanto pelo
alcance, pois poderia ser ouvido nos mais longínquos recantos do Piauí. Dessa forma,

18
CHARTIER, R. Op. Cit. 1990. p. 123-24.
19
É o sujeito receptador-criativo que ao ler as representações anticomunistas, é, em certo sentido, condicionado
por aspectos determinados pelo autor do texto, no entanto tem a liberdade para uma interpretação particular
sobre o anticomunismo, o que provocaria a constituição de novas representações.
20
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Tradução: Álvaro Lorencini. São Paulo:
Editora UNESP, 2004.
21
Havia colunas, nos jornais piauienses, que relatavam o que se noticiava no rádio, e transcreviam discursos na
íntegra que eram transmitidos por este meio de comunicação, o que permite visualizar a incidência dos discursos
22

consideramos o rádio, um dos meios de propagação das representações anticomunistas,


responsável também por um número grande de apropriações. É de suma importância ressaltar
que não é possível observar a grande maioria das representações constituídas a partir do rádio,
em decorrência das emissoras não possuírem arquivos das gravações do período. No entanto,
conseguimos visualizar a construção de algumas dessas representações através dos jornais
escritos, uma vez que vários discursos que eram transmitidos pelo rádio eram transcritos nos
jornais locais, até mesmo porque muitos dos que trabalhavam nos jornais escritos eram
também locutores das emissoras de rádio.
Para uma compreensão das apropriações anticomunistas no Piauí, a História Oral,
nesse percurso, é essencial. E a opção por trabalhar com a História Oral na investigação das
apropriações, segundo nosso entendimento, não subverteu a proposta de Roger Chartier,
apenas acrescentou elementos à investigação histórica, pois o próprio Roger Chartier afirma
que:

As práticas de pesquisa dependem da natureza do trabalho que se faz. Se


trabalhamos essencialmente, como eu faço, com textos impressos, estamos
diante de um trabalho de análise clássico, e que suponho, já se praticava no
século XVII. Trata-se de ler o máximo de instrumentos de leitura e de
compreensão possíveis – quer sejam bibliográficos, filosóficas,
hermenêuticas, etc. Se trabalhamos nos arquivos, as mesmas exigências
possuem uma forma particular como mostra, maravilhosamente, os livros de
Arlette Farge. Se trabalhamos sobre o mundo contemporâneo podemos
também colocar a exigência de uma história oral que supõe outras técnicas
de pesquisa. Creio que as especificidades nas práticas de pesquisa dependem
do objeto que se escolheu ou se construiu. 22

Como o próprio Roger Chartier refletiu, é a pesquisa que, de certa forma, indica
os caminhos que devemos seguir, e a História Oral para a construção dessa pesquisa se fez
necessária para entendimento das apropriações anticomunistas.
Foi a partir dessas noções de representação, prática e apropriação que
construímos o nosso trabalho, fazendo, de certa forma, uma transmutação conceitual, no
sentido de utilizar as chaves conceituais propostas pelo autor, incorporando-as a pesquisa.

anticomunistas também neste meio de comunicação. No entanto, não existe no acervo das rádios locais,
nenhuma gravação preservada daquela década.
23

Anticomunismo, com quem dialogo?

Quando se abordava o anticomunismo nas obras que tratavam da história política


brasileira, este sempre foi percebido como um coadjuvante, principalmente relacionado aos
períodos ditatoriais no Brasil, nas décadas de 1930 e 1960, pois

Como se pode observar, tais obras elegem determinados atores


como núcleos desencadeadores das crises políticas. A nosso ver, o problema
dessas interpretações reside em compreender os movimentos de 1937 a 1964
a partir de um único prisma, não estabelecendo uma relação articulada do
sentimento anticomunista como as questões políticas e econômicas que
permeavam os posicionamentos conservadores da época.23

No final da década de 1990 e no início desta década, é possível perceber um


número crescente de trabalhos tendo o anticomunismo como motivo de reflexão central em
estudos acadêmicos. No entanto, esse tema ainda é bastante recente na historiografia
brasileira, pois desde o fim do regime militar, a maior parte das análises relacionadas às ações
políticas na década de 1960 priorizava a atuação das esquerdas revolucionárias. 24
No entanto, Rodrigo Patto Sá Motta, 25 desenvolveu uma abrangente avaliação do
impacto exercido pelo anticomunismo no Brasil. O pesquisador destaca dois momentos
particularmente críticos para a história do país, 1935-1937 e 1961-1964, quando o comunismo
foi o principal argumento para as rupturas institucionais. Dentre os vários aspectos
trabalhados pelo autor, o que contribuiu de forma mais significativa para esta pesquisa foi a
maneira como fez um levantamento do universo de representações produzidas pelos
anticomunistas, que ele denominou de imaginário anticomunista.
Para Carla Luciana Silva, é a partir da década de 1930 que no Brasil se articulou
“de uma forma clara o forjamento de propostas totalitárias justificadas em torno do perigo
comunista”.26 Esta autora fez um estudo sobre os imaginários anticomunistas no Brasil em um
período anterior à instalação da ditadura do Estado Novo. A autora acredita que, mesmo antes

22
DIAS, Claudete Maria Miranda. Roger Chartier: entrevista. In.: CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar.
NASCIMENTO, Francisco Alcides e PINHEIRO, Áurea paz (org). Histórias: Cultura, sociedade e cidades.
Recife: Bagaço, 2005, p. 288-289.
23
OLIVEIRA, Marcus Roberto. A ideologia anticomunista no Brasil. Revista de Sociologia e Política. Curitiba,
n. 23, nov. 2004, p.185
24
Idem, Ibdem.
25
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).
São Paulo: Perspectivas/FAPESP, 2002.
26
SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: Imaginários anticomunistas (1931-1934). Porto Alegre: EDIPUCRS,
24

da criação da Aliança Nacional Libertadora, ou do que os militares chamaram de “Intentona


Comunista” de 1935, houve uma tentativa de demonstrar a existência de um perigo real da
revolução comunista no país. O “inimigo vermelho” foi construído e idealizado por diferentes
segmentos sociais no decorrer da década de 1930. A autora aponta, ainda, para aspectos
importantes das representações anticomunistas na sociedade brasileira, principalmente quando
admite que estas foram forjadas por vários segmentos sociais, idéia que foi de extrema
importância para a construção desta pesquisa.
Carla Simone Rodeghero,27 ajudou-nos a entender a relação entre o
anticomunismo e a Igreja Católica. No entanto, o que tem de mais importante em seus
trabalhos sobre o anticomunismo, em nossa opinião, foi a utilização que fez da História Oral,
para entender a recepção dos discursos anticomunistas no Rio Grande do Sul.
A História Oral é apontada como parte essencial na construção deste trabalho,
para tanto entendemos que, ao se utilizar esse método-técnica,28 não se pode fugir às
discussões sobre a memória. Embora, reconhecendo que os trabalhos atuais apontam para
uma percepção de memória relacionada aos conflitos, o que demonstra, sob essa perspectiva,
uma preocupação da academia com as memórias subterrâneas,29 o nosso intuito neste estudo,
é apreender uma memória coletiva,30 que foi constituída pelo anticomunismo no Piauí na
década de 1960. Este trabalho não se construiu sobre memórias subterrâneas que são, nas
palavras do próprio Michel Pollak, escondidas, mas sobre a memória coletiva “oficial”,
aquela que podia ser dita abertamente sem receio de ser contida, que não possuía o corte de
outra memória, mas que cortava várias memórias, todos os dias. Apontamos ainda para
percepção de memórias coletivas múltiplas, como afirma Maurice Halbwachs: “Na realidade

2001. p.16
27
Para os trabalhos dessa autora, ver: RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário
anticomunista e Igreja católica no Rio grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediupf, 1998. RODEGHERO,
Carla Simone. Contribuições para o estudo do anticomunismo sobre o prisma da recepção. In.: PESAVENTO,
Sandra Jatahy (Org). História cultural: Experiências de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
RODEGHERO, Carla Simone. Religião e patriotismo: O anticomunismo católico nos Estados Unidos e no Brasil
nos anos de Guerra Fria. Revista Brasileira de História. Vol 22, nº. 44, São Paulo 2002.
28
A História Oral na avaliação de Sônia Maria Freitas pode ser qualificada desta forma, porque é um método de
pesquisa que utiliza a técnica da entrevista, além de outros procedimentos articulados entre si, no registro de
narrativas de experiência de vida. FREITAS, Sônia Maria de. História Oral: possibilidades e procedimentos.
São Paulo. Humanistas/FFLCH/USP: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
29
Para Michel Pollak as “memórias subterrâneas que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de
maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados. A memória
entra em disputa. Os objetos de pesquisa são escolhidos de preferência onde existe conflito e competição entre
memórias concorrentes”. POLLAK, M. Op. cit. p.02.
30
Para Maurice Halbwachs a memória individual está sempre remetida a participação dos indivíduos em grupos,
pois apesar de ter suas lembranças pessoais o indivíduo está sempre interagindo com os grupos do qual ele faz
parte, desta forma, a memória coletiva tem a importante função de fazer com que as pessoas expressem a
sensação de pertencimento a um grupo, segmento, instituição. Ela garante um sentimento de identidade ao
indivíduo calcado não só no campo do histórico, mas também no campo das representações e símbolos.
HALBWACHS, M. Op. Cit.
25

existem muitas memórias coletivas”.31 Refletimos sobre a memória de grupos que tinham o
comunismo como algo nocivo à sociedade, no entanto cada grupo possuía a sua memória
anticomunista, que se unia aos outros grupos, muitas vezes, apenas pelo fato de lutarem
contra o comunismo.
Onde encontrei o anticomunismo?

O trabalho está composto por fontes hemerográficas, fontes orais, documentos


oficiais, livros de memórias - de pessoas que viveram a década de 1960 no Piauí -, e livros
anticomunistas que circularam no Piauí no período.
Para a constituição das representações anticomunistas, utilizei as fontes
hemerográficas. Os jornais pesquisados foram: Estado do Piauí (1961, 1963, 1965, 1969);
Folha da Manhã (1960-1964); Jornal do Comércio (1960-1964); Jornal do Piauí (1955,
1957, 1961-1962, 1968-1969); O Dia (1959-1969); O Semanário (1879); encontrados no
Arquivo Público do Estado. O Dominical (1955 -1969) Pesquisado no Arquivo da Cúria
Metropolitana. As revistas foram: Veja (1968-1970) pesquisada no Instituto Dom Barreto, O
Cruzeiro (1951-52) pesquisado na Biblioteca Pública Cromwell de Carvalho, Fatos e Fotos
(1967-1969) e Seleções do Reader's Digest (1961-1969) pesquisados na Biblioteca Pública do
Ceará.
Refletimos sobre as práticas (discursivas, ou não) através de jornais, livros de
memórias, algumas entrevistas e também através de vários documentos, como cartas,
fotografias, encontrados na biblioteca do Padre Raimundo José Ayremorais e no arquivo
pessoal do Padre Tony Batista, e alguns documentos do DOPS que encontramos no Arquivo
Público do Estado do Ceará.
Para compreendermos as apropriações das representações anticomunistas
utilizamos alguns livros e fontes orais. Os livros que circulavam na época no Estado do Piauí
e possibilitaram a construção de novas representações anticomunistas: O livro vermelho da
Igreja perseguida, que data de 1959; Igreja católica e comunismo ateu, escrito pelo arcebispo
de Cambrai (Portugal), Monsenhor Guerry, datando de 1960, obras pesquisadas na biblioteca
particular do padre Raimundo José Ayremorais; A filosofia do comunismo, escrito por Dom
Agnelo Rossi, Bispo de Barra do Pirai (Brasil), datando de 1958; e Kremlin ou Vaticano?
escrito por João Henriques (s/d), cedidos da biblioteca particular do Professor Pedro Vilarinho
Castelo Branco; e o Catecismo anticomunista, com a data da 2 ed. de 1963, escrito por Dom
Geraldo Proença Sigaud, Bispo de Diamantina, Minas Gerais.

31
HALBWACHS, Op. Cit. p.105.
26

Sobre as fontes orais, utilizamos os depoimentos de Marcos Igreja (2005) e Irlane


Gonçalves (2005), encontrados no Núcleo de História Oral do Instituto Dom Barreto; Ana
Maria Pires Lopes da Silva (2002), Carlos Augusto de Araújo Lima (2002), José Lopes do
Santos (2001), Marcos Igreja (2005), Maria do Carmo Bomfim (2003), Palmira Luzia Soares
(2003), Deoclécio Dantas (2002), José de Ribamar Aquino Pernambuco (2001), Joel Silva
(2002), Jesus Elias Tajra (2002) pesquisados no Núcleo de História Oral da Universidade
Federal do Piauí; Antônio José Medeiros Castelo Branco (1997), Manoel Emílio Burlamarqui
de Oliveira (1998), Pe. Raimundo José Ayremorais Soares (1998), Palmira Luiza Soares
(1997), depoimentos pesquisados nos anexos da dissertação de mestrado de Maria do Amparo
Alves de Carvalho;32 Pedro Vilarinho Castelo Branco (2007); Luís Raimundo Lima Coimbra
(2007), Manoel Ricardo Arraes (2007), Iracema Monteiro da Silva Torres (2007), entrevistas
concedidas à pesquisadora.

Como escrevi sobre os anticomunistas?

Com esses pressupostos teóricos e metodológicos, o trabalho aqui apresentado se


divide em três capítulos. No primeiro capítulo, fazemos uma análise sobre a percepção
anticomunista do sentido da palavra “comunismo”. Para se opor a esse regime
socioeconômico, os formuladores das representações anticomunistas tinham, em certo
sentido, uma necessidade de dar a sua conceituação sobre comunismo. É necessário entender
que, para compor esse capítulo, partimos do pressuposto de que toda palavra tem seu caráter
semântico móvel e variável, de modo que, até mesmo durante a década de 1960, o sentido do
comunismo foi se modificando, permeado de continuidades e rupturas. No entanto, o
significado que foi atribuído a comunismo tinha justamente a tentativa de construir um
sentido invariável e universal, levando o leitor a uma idéia de coerência. Sendo indispensável,
segundo nosso ponto de vista, compreender como a palavra comunismo possuiu um conjunto
complexo de conceitos de valores e sentidos, ao longo da década de 1960, no Piauí.
No segundo capítulo, elencamos as representações constituídas sobre o
comunismo e como se deram essas formulações, no intuito de apreender as lutas de
representações, que remetem aos segmentos sociais que se enfrentaram na tentativa de impor

32
CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos de uma memória oculta em
meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação
de Mestrado.
27

o seu modo de vida, ou seu modo de pensar aos demais grupos. Nesse capítulo, verificamos a
existência de no mínimo três vertentes anticomunistas: uma religiosa, outra relacionada ao
conservadorismo e a ligada à propriedade privada, que se pode chamar de grandes segmentos
representativos, onde encontramos os que lutaram mais veementemente contra o comunismo
naquele momento. A partir dessas vertentes, apontamos para uma gama de representações
anticomunistas. Ainda nesse capítulo, acreditando que as representações estão intimamente
relacionadas às praticas, assinalamos algumas práticas anticomunistas no Piauí.
No terceiro e último capítulo, refletimos sobre os meios de divulgação
anticomunista e como a apropriação desses meios produziram novas representações.
Elegemos três grandes meios propagadores do anticomunismo no Piauí: o rádio, os jornais e
os livros. Tentamos captar as múltiplas formas de apropriação do mesmo texto por públicos
diferenciados. Neste capítulo, também, analisamos quatro entrevistas de forma mais
específica com o objetivo de compreender como as apropriações podem ser percebidas a
partir de sua multiplicidade, uma vez que os entrevistados, tendo acesso aos mesmos meios de
propagação das representações anticomunistas, produziram novas e diferenciadas
interpretações sobre o comunismo. E, para finalizar, tentamos analisar as representações que
se constituíram a partir dessas apropriações.
Enfim, o anticomunismo foi uma característica do modo de fazer política no
Brasil, durante a maior parte do século XX. É nesse sentido, que o utilizamos como viés para
a compreensão da década de 1960, especialmente no Piauí. Os antivermelhos daquele
momento, tingiram-se de cores múltiplas: verde, amarelo e, sobretudo, o preto, para decretar a
morte do comunismo. No entanto, a constituição de suas representações foi decisiva para
estabelecer uma espécie de ressurreição constante do comunismo, principalmente quando se
precisava utilizar essa palavra como maneira de estabelecer um desprestígio de algo ou
alguém, ou mesmo para se posicionar politicamente diante dos acontecimentos. E foi nessa
margem entre a morte e o reviver, nas páginas dos jornais e na memória coletiva que se
tornou possível, nos dias atuais, a escrita desta dissertação.
28

1 Mas afinal, o que era mesmo o comunismo?

Fotografia 01. Primeira capa da revista de circulação nacional, Veja.


Fonte: Veja. São Paulo. 11 set. 1968, n.01.

O comunismo é um programa político contrário ao


regime democrático, democracia de partido totalitário,
onde se negam e suprimem os direitos do homem, os
direitos fundamentais da personalidade humana, -
partido, portanto, visceralmente contrário a ordem
social, jurídica e política da República Brasileira.
MENDES, Simplício. Comunismo em ação. Jornal
Folha da Manhã, 01 out. 1960, n.815, p.04.
29

O fim da URSS e do campo socialista deixou um tipo particular de viúva: os


que viviam da "guerra fria". Na Argentina, no momento da morte de Perón,
um antiperonista radical - do Partido Radical - escreveu, desconsolado:
"Nesse caixão vai metade da minha vida. Eu que cresci e vivi como
antiperonista, o que vai ser de mim, de onde vou tirar o sentido da minha
vida?" No desespero, sentia-se traído por Perón, que o abandonava à sua
própria sorte.
Um comunista me dizia outro dia que se deliciava em ler a sobrevivente
literatura anticomunista, porque dá a impressão que o mundo está à beira do
comunismo, que os dias do capitalismo estão contados. Essa fauna encontra
vários exemplares por aí, viúvas da "guerra fria", que tratam de viver do
anticomunismo: colunistas de uma (ainda) bem vendida revista semanal,
filho de um marqueteiro; um articulista de duvidosa existência (há quem
diga que é pseudônimo de um esquerdista, que criou esse grotesco
personagem para desmoralizar a direita), um editor cultural promovido por
um assassino - todos personagens jurássicos, deslocados, que têm que criar o
fantasma do comunismo para aparecerem como valorosos "salvadores do
capitalismo", cobrando polpudos salários por esse papel que se auto-
atribuem.33

Emir Sader, no texto acima, refletiu sobre um aspecto que, nos dias atuais,
segundo o próprio autor, apresenta-se “deslocado” no tempo, que é a utilização dos discursos
anticomunistas. O que chamou a nossa atenção, nesse trecho da crônica, foi a percepção do
autor de como a imprensa ainda utiliza um discurso anticomunista, mesmo com o fim da
“Guerra Fria”.34 Emir Sader ironizou essa prática apontando para algo deslocado no tempo,
como, se por falta de criatividade ou mesmo de capacidade de percepção da realidade atual do
mundo, vários segmentos jornalísticos utilizassem ainda, nos dias de hoje, um discurso que
não possui nenhum significado: o medo da ameaça comunista.
Essa percepção do autor apontou para um aspecto interessante na construção de
qualquer trabalho científico: a mudança do sentido das palavras, noções, representações e
práticas, com o passar do tempo. A ironia de Emir Sader apontou justamente para essa falta de
sentido dos escritos anticomunistas nos últimos anos, é como se o autor fizesse a seguinte
pergunta: por que ter medo do comunismo hoje? Emir Sader refletiu sobre a palavra
comunismo, a partir do contexto mundial dos dias atuais. Talvez, por essa razão, apresentou-
nos um comunismo que se constrói através de discursos anticomunistas ou, até mesmo, por
comunistas incrédulos, uma vez que seu amigo comunista “se deliciava em ler a sobrevivente
literatura anticomunista, porque dá a impressão que o mundo está à beira do comunismo, que os dias
do capitalismo estão contados”.

33
SADER, Emir. A indústria do anticomunismo. In.: site:
http://www.correiodobrasil.com.br/noticia.asp?c=83875 Acessado em 20 de fevereiro de 2006.
34
“Guerra Fria é um conceito de conflito ideológico, criado após a Segunda Guerra Mundial e a divisão da
Alemanha entre soviéticos e os americanos. Indica também os desacordos entre Estados Unidos e União
Soviética e a política de influência e de espionagem que estas duas potências vão realizar sobre os países em
todos os continentes, até 1991”. FERRAZ, Socorro. Às vésperas do golpe militar de 1964. In.: Clio. Revista de
30

Desde o primeiro momento em que analisamos a construção das representações


anticomunistas no Piauí, na década de 1960, observamos a evidência dessa relação entre o
sentido dado as palavras e a sua ligação com o tempo em que elas foram proferidas, ou seja,
percebemos a historicidade da palavra comunismo.
Com passar dos anos, as noções de determinadas palavras vão se modificando.35
Permeadas por aspectos que resistem, mas também por fissuras de significação, as palavras
vão estabelecendo formas de significar o mundo, ao tempo em que se modifica o seu sentido,
modifica-se também as formas dos indivíduos se relacionarem. A palavra comunismo e a sua
significação, na década de 1960, foi um desses termos que estabeleceu uma forma dos
indivíduos se relacionarem em sociedade. Por que uma palavra, que foi tão expressiva em um
determinado momento, para alguns grupos, em uma dada sociedade, influenciando
decisivamente na forma como esses grupos se relacionam com o mundo, com o passar dos
anos, perdeu aquele sentido que lhe foi atribuído inicialmente, e se tornou um termo
deslocado para tantos indivíduos?
Roger Chartier, ao refletir sobre as representações nos textos impressos e as
apropriações dos franceses desses escritos, no Antigo Regime, lembra-nos a importância do
sentido móvel das palavras. Ao tentar compreender como os homens e mulheres do século
XVI e XVIII entendiam a noção de civilidade, o autor admite que procurou “entrar no coração
de uma sociedade antiga, que muitas vezes nos é opaca”. Dessa forma, o trabalho acadêmico
que pretende compreender como uma sociedade pensa sobre determinado fenômeno, como é
o caso do comunismo, deve levar em consideração algumas dificuldades para a construção
dessa pesquisa, pois como aponta Roger Chartier:

Por um lado, mesmo privilegiando os textos que manifestam os usos mais


comuns (dicionários, jornais, memórias, manuais, tratados etc.), o corpus
constituído dos empregos da noção não poderá jamais ser fechado nem
necessário. Por outro, e de maneira mais grave, toda noção é tomada dentro

Pesquisa Histórica. Recife: editora Universitária da UFPE, n. 22, 2006. p. 146.


35
Reinhart Koselleck avaliou a própria mudança de sentido dado à história a partir do século XVIII em meio as
mudanças sociais naquele momento: “Exemplo paradigmático dessa dupla direção da relação entre linguagem e
mundo se encontra no conceito de história. Se até meados do século XVIII o termo história [Historie] era usado
no plural para designar as diversas narrativas particulares e descosidas entre si que a tradição historiográfica
acumulara (a história da guerra do Peloponeso, a história de Florença, etc), Koselleck sustenta que, a partir
daquela época, é cada vez mais freqüente o uso do termo História [Geschichte] no singular para designar, de
modo confluente, tanto a seqüência unificada dos eventos que constituem a marcha da humanidade, como o seu
relato (a História da civilização ou dos progressos do espírito humano). A essa 'singularização' semântica da
História, que expressa a inclusão de toda a humanidade em um único processo temporal, corresponde a sua
transformação em objeto de teorias políticas e filosóficas que imaginam poder apreender o passado e o futuro
como uma tonalidade dotada de sentido previamente definido”. JASMIN, Marcelo. Apresentação. In.:
KOSELLEK, Reinhart. Futuro passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução: Wilma
Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto: Editora PUC, 2006. p. 11.
31

de um campo semântico ao mesmo tempo extenso, móvel e variável.36

Essa mobilidade de sentido dada a determinadas palavras, através do tempo, pôde


nos fazer compreender que o sentido que hoje atribuímos ao comunismo, como fez Emir
Sader na crônica inicial, é muito distinto do sentido dado a essa palavra na década de 1960. O
comunismo hoje já não provoca o mesmo medo, pânico e até práticas tão expressivas na
grande maioria das pessoas, porque, em certo sentido, apesar de continuar significando uma
possibilidade de regime econômico-social, a conjuntura política atual no mundo reflete os
fracassos das sociedades que implementaram um "socialismo real".37 No entanto, isso não
significa dizer que o sentido foi completamente rompido, o próprio Emir Sader aponta para o
medo gerado pelo comunismo como algo que perdura até os dias atuais, pelo menos nos
textos de alguns jornalistas anticomunistas.38
Jorge Ferreira também nos indica como o sentido de determinados termos pode
ser variável nos mais diferentes segmentos sociais. O autor refletiu sobre a noção de
“conciliador”, na década de 1960, segundo este: “conciliação, aliás, era o termo mais ofensivo
entre as esquerdas naquele momento”.39 Jorge Ferreira apontou para a mudança de sentido das
palavras determinada pelos grupos sociais que as utilizavam. Segundo este autor, a palavra
conciliação era entendida pelas esquerdas brasileiras, durante a década de 1960, como uma
espécie de vacilação política. É interessante ressaltar que outras palavras também tinham a
sua significação alterada dependendo dos grupos que a utilizassem, como exemplo podemos
citar o comunismo que não tinha o mesmo significado para a direita e para a esquerda, e ainda
teve seu sentido alterado por esses segmentos durante a própria década de 1960.
É preciso compreender o que está sendo definido como comunismo na década de
1960. A noção de comunismo, nos dias atuais, não pode ser confundida com a maneira como

36
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo:
Editora UNESP, 2004. p.46
37
Expressão utilizada por Eric Hobsbawm para definir os países que tentaram implantar regimes comunistas no
século XX. A idéia de fracasso desses regimes também é apontada por esse autor quando diz: “Os sistemas
políticos do mundo socialista, essencialmente modelados no sistema soviético, não tinham equivalente real em
outros países. Baseavam-se num partido único fortemente hierárquico e autoritário, que monopolizava o poder
do Estado - na verdade, às vezes praticamente substituía o estado -, operando uma economia centralmente
planejada e (pelo menos em teoria) impondo uma única ideologia marxista-leninista compulsória aos habitantes
do país. A segregação ou auto-segregação do ‘campo socialista’ (como a terminologia soviética passou a chamá-
la em fins da década de 1940) foi desmoronando aos poucos nas décadas de 1970 e 1980.” HOBSBAWM, Eric.
Era dos extremos: o breve século XX: 1914 –1991. Tradução: Marcos Sabtarrita; São Paulo: companhia das
Letras, 1995. p.365.
38
Em nossa opinião, a aversão ao comunismo na imprensa brasileira, nos dias atuais, está, mesmo que de forma
menos expressiva, relacionada à imagem dos presidentes Latino-Americanos que se auto-intitulam “novos
socialistas” como Hugo Chávez e Evo Morales.
39
Para parte da esquerda brasileira, na década de 1960, o momento político do país exigia confronto e não
conciliação com a direita. É sobre essa perspectiva que, segundo Jorge Ferreira, o próprio João Goulart foi
“acusado” de ser um conciliador. Ver: FERREIRA, Jorge. A frente de mobilização popular: a esquerda brizolista
e a crise política de 1964. In.: Clio. Revista de Pesquisa Histórica. Recife: editora Universitária da UFPE, n. 22,
2006. p. 108.
32

que essa palavra era compreendida naquele momento da história brasileira e mundial. É nesse
sentido, que entendemos ser necessário uma reflexão sobre a noção de comunismo, naquele
momento, uma vez que, essas noções não são algo dado naturalmente, mas o que foi sendo
definido como comunismo, deve ser entendido a partir da historicização das representações
feitas à época, encontradas nas mais variadas fontes.
Diante do que foi exposto, o objetivo do presente capítulo é fazer uma análise
sobre as percepções anticomunistas do sentido da palavra “comunismo”, tendo como base os
discursos que circularam no Estado do Piauí na década de 1960. Entendemos que, para se
opor a esse regime socioeconômico, os formuladores das representações anticomunistas
tinham, em certo sentido, uma necessidade de dar a sua conceituação. Para compor este
capítulo partimos do pressuposto de que toda palavra tem seu caráter semântico móvel e
variável, e que até mesmo durante a própria década de 1960 a significação do comunismo foi
sendo modificado, permeado de continuidades e rupturas. No entanto, os anticomunistas, ao
definirem o comunismo, tentavam construir um sentido invariável e universal, levando o
leitor a uma idéia de coerência. Sendo indispensável, segundo nosso ponto de vista,
compreender como essa palavra possuiu um conjunto complexo de conceitos de valores e
sentidos ao longo da década de 1960.

1.1 Proletários de todos os países, uni-vos contra o comunismo! As possibilidades de ser


anticomunista.40

Antes de iniciarmos uma reflexão sobre a significação dada ao comunismo nos


textos que circularam no Piauí, durante a década de 1960, pensamos ser necessário relacionar
alguns estudos que determinaram uma concepção sobre o anticomunismo, uma vez que
faremos uma delimitação do sentido de comunismo, construída unicamente pelos textos
anticomunistas.
O anticomunismo se fundamenta como oposição ao comunismo, no entanto, mesmo
parecendo um truísmo, essa afirmação não pode ser entendida como algo simples, uma vez
que as bases que, teoricamente, fundamentaram o ideal comunista foram se modificando de
acordo com os contextos históricos. As formulações teóricas sobre sociedades com base
comunais é bastante antiga. O ideal político comunista teve sua primeira formulação orgânica

40
A frase original que se encontra no final do Manifesto do Partido Comunista é: "Proletários de todos os países,
uni-vos". MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. In: REIS FILHO, Daniel Aarão
(Org). O manifesto comunista 150 anos depois. São Paulo: Perseu Abramo, 1998. p. 41.
33

na República, de Platão, onde este filósofo propunha, como fator determinante para não haver
conflitos entre os interesses privados e o Estado, a supressão da propriedade privada. Propôs
também a supressão da família, pois a afetividade entre os seus membros seria um fator
determinante para o enfraquecimento da devoção dos indivíduos ao bem público.41 Desta
forma, poderíamos apontar para o conceito orgânico de comunismo como um sistema
econômico e social baseado na propriedade coletiva, onde todos os indivíduos privilegiassem
o bem público em detrimento de seus interesses particulares. Seria simples afirmar que o
anticomunismo faz oposição a esse conceito. No entanto, mesmo partindo dessa formulação
embrionária da política comunista, não conseguiríamos abranger a complexidade de
significados que esta noção alcançou nas sociedades ocidentais anticomunistas do século XX,
se não mencionássemos a teoria socioeconômica desenvolvida por Karl Marx.42
Um dos escritos mais conhecidos e lidos de Karl Marx, certamente foi o Manifesto
do Partido Comunista.43 Segundo Carlos Nelson Coutinho, “embora a construção do
marxismo se inicie antes do Manifesto, é nesse pequeno texto que, pela primeira vez, Marx e
Engels expressam de modo sistemático os fundamentos de sua teoria política, ou mais
precisamente, da teoria histórico-materialista do Estado e da Revolução”.44 Devemos lembrar
que o período em que essa obra foi escrita reflete um profundo estado de transformações das
grandes cidades européias, resultante da Revolução Industrial. A concepção marxiana de
comunismo tem “como fundamento essencial a organização industrial do mundo moderno”.45
Os escritos de Karl Marx e Friederich Engels estão direcionados à ação dos proletários
citadinos e ao desenvolvimento propiciado pela burguesia nas grandes indústrias.
Para Karl Marx, o comunismo representava o fim da luta de classes. Utilizando o

41
BEDESCHI, Giuseppe. Comunismo. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola e PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. Vol. um: de A a J. Tradução: Carmen C. Varriale [et al]. 5. ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000.
42
Para a construção de valores embrionários que constituíram a noção de comunismo nas sociedades ocidentais,
poderíamos citar vários autores, como: Thomas More e sua obra Utopia (1516), uma vez que esse livro
demonstra explicitamente que nos regimes políticos em que predominam a propriedade privada e onde o
dinheiro é a medida de todas as coisas, não vigorariam a justiça e a prosperidade. Também poderíamos citar –
escrito em plena Revolução Francesa – o autor François Nôel Babeuf que escreveu sua obra inspirado em
Rousseau e Morrelly, tendo como obra-síntese de suas idéias: manifeste des plébéis, que propõe uma
administração comum da terra, e a supressão da propriedade privada. Outro intelectual importante foi Charles
Fourier, formulador dos “falanstérios”, pequenas comunidades não mais influenciadas pela livre concorrência,
com os indivíduos tendo uma vida comunitária e executando todos os trabalhos juntos. Porém preferimos
trabalhar Marx e Engels, principalmente utilizando o Manifesto Comunista (1848) por imaginar que o manifesto
demonstra pressupostos essenciais para a concepção dos valores contemporâneos sobre o comunismo e também
porque nas análises que foram realizadas nos jornais locais percebemos que as referências à construção dos
valores comunistas estavam ligadas majoritariamente as idéias marxistas. Idem.
43
“Escrito entre 1847 e o início de 1848, provavelmente ele foi redigido apenas por Marx, que utilizou a versão
final de um esboço preliminar elaborado por Engels, intitulado Princípios do comunismo”. COUTINHO, Carlos
Nelson. O lugar do manifesto na evolução da teoria política marxista. In.: REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). O
manifesto comunista 150 anos depois. São Paulo: Perseu Abramo, 1998. p.43.
44
Idem, p. 44.
45
BEDESCHI, G. Op. Cit. p. 208.
34

Dicionário do Pensamento Marxista, Ricardo Antônio de Sousa Mendes afirma que Marx
refere-se ao comunismo sob duas formas “como encaminhamento da luta realizada pelos
trabalhadores e como uma forma de sociedade a ser organizada pela classe operária”.46
Assim como podemos afirmar que a obra de Karl Marx fundamentou
teoricamente o comunismo moderno, essa obra também foi o ponto de partida para a
construção do ideal anticomunista no mundo, no século XX. Apesar de as formulações
orgânicas do comunismo remeterem à Antiguidade, o anticomunismo toma grande proporções
depois das formulações teóricas de Karl Marx. Este intelectual é considerado o pai do
comunismo moderno e por esse motivo a figura mais citada pelos anticomunistas deste
período. A grande maioria dos anticomunistas, principalmente os piauienses, acreditava que
estava formulando discursos contra Marx e a obra marxiana. Constantemente visualizamos
que a palavra comunismo é utilizada, principalmente pelos piauienses, mas não só eles, como
sinônimo de marxismo, pela associação do comunismo com a obra marxiana e os estudos
marxistas.
No entanto, não se pode simplificar o anticomunismo do século XX como pura
oposição à obra de Karl Marx e dos marxistas. Luciano Bonet reflete que, antes de ser
puramente uma aversão ao comunismo, o “anticomunismo assume necessariamente valores
bem mais profundos que o de simples oposição de princípios”.47
Em um primeiro momento, podemos refletir que a elaboração de uma ideologia
que se contrapusesse à teorização marxista deve ser entendida como uma proposta de combate
a um novo formato de organização das sociedades ocidentais, que parecia estar se
consolidando na Europa Ocidental. O sistema regido pelo capital, em um determinado
momento da história, parecia perder lugar para a consolidação de uma outra forma de
estruturação social real e possível, que era o comunismo.
Contudo, a construção dos discursos anticomunistas contou com formulações
teóricas ligadas a interesses políticos dos mais diferentes segmentos sociais, tanto da direita,
quanto da própria esquerda. Para esta consideração, Luciano Bonet afirma que:

Se existe o anticomunismo de cunho clerical, reacionário, fascista, etc.;


também pode haver o que se inspira nos princípios liberais, ou sendo de
esquerda, nos princípios da social-democracia. Nestes últimos anos tem-se
dado até a retomada de um certo anticomunismo radical libertário que muitas
vezes ocupa posições de extrema esquerda.48
46
MENDES, Ricardo Antônio Souza. As direitas e o anticomunismo no Brasil. LOCUS: Revista de História,
Juiz de Fora, v. 10, n. 01, 2003. p. 79.
47
BONET, Luciano. Anticomunismo. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco.
Dicionário de política. Vol. um: de A a J. Tradução: Carmen C. Varriale [et al]. 5. ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000. p.34.
48
Idem, Ibdem.
35

Em relação à noção de anticomunismo proposta por Luciano Bonet, Carla Simone


Rodeghero também reflete que “o fenômeno do anticomunismo diz respeito a uma postura de
oposição sistemática ao comunismo ou aquilo que é a ele identificado, uma oposição que se
adapta a diferentes realidades e se manifesta por meio de representações e práticas
diversas.”49
Partindo dessas noções expostas e para entendermos como os anticomunistas
deram a sua significação ao comunismo, devemos pensar na multiplicidade do ser
anticomunista. Cada país possuía seus grupos, ou mesmo apenas indivíduos, que lutavam
contra o comunismo de formas diferenciadas, cada um levando em consideração as
especificidades locais. É por demais complexo apresentar uma única definição ao
anticomunismo, pois, como podemos perceber anteriormente, até mesmo grupos de ideologias
diferenciadas, faziam ou fazem oposição ao comunismo. Nesse sentido, o anticomunismo
pode ser percebido como “um fenômeno complexo, ideológico e político ao mesmo tempo,
explicável, além disso, à luz do momento histórico, das condições de cada um dos países, e
das diversas origens ideais e políticas em que se inspira”.50 É com base nessa perspectiva que
entendemos que o anticomunismo no Brasil só pode ser compreendido e submetido a
qualquer tipo de definição, mediante a relação com o momento histórico.
Sobre os estudos do anticomunismo, alguns autores estabeleceram periodizações,
relacionadas ao seu crescimento e propagação, tanto no Brasil, quanto no mundo.
Apontaremos alguns desses autores.
O anticomunismo no mundo, segundo a visão de Ricardo Antônio de Sousa
Mendes, em termos gerais, pode ser percebido da seguinte forma: o anticomunismo antes da
Revolução de Outubro de 1917 e o anticomunismo depois da Revolução de 1917. As
características do anticomunismo até final da década de 1920 eram representadas por uma
“oposição do status quo contra uma ideologia que articulasse a luta da classe trabalhadora”.51
Após 1917, o anticomunismo ganha outra conotação, isto é, “de uma luta contra tentativas de
organização de uma sociedade controlada pela classe trabalhadora”.52 Esta segunda conotação
dada ao anticomunismo expressa, mesmo que de forma limitada, a idéia do regime que deu
origem à União Soviética. O autor reflete que, nesta segunda fase, o maior propagador do
anticomunismo era os Estados Unidos da América. Sobre a luta ideológica contra o
anticomunismo assumida pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, Ricardo

49
RODEGHERO, Carla Simone. Religião e patriotismo: O anticomunismo católico nos Estados Unidos e no
Brasil nos anos de Guerra Fria. Revista Brasileira de História. Vol 22, nº 44, São Paulo 2002. p.01
50
BONET, L. Op.Cit. p.34.
51
MENDES, R. A. S. Op. Cit. p.79.
52
Idem, p.80.
36

Antônio de Sousa Mendes afirma que:

Nos Estados Unidos o macarthismo apresentou-se como símbolo da mais


violenta onda anticomunista. Perseguiu políticos, funcionários públicos e
pessoas dos mais diversos extratos da sociedade americana. Pode-se afirmar
que o anticomunismo foi utilizado internamente como instrumento eleitoral,
mas também como forma de sustentar uma política externa que se afastava,
em muito, do isolacionismo estadunidense característico de períodos
anteriores. Neste sentido, a propagação de uma perspectiva de real ameaça
comunista respaldava o novo papel que o governo americano buscava
exercer no mundo. Gradativamente, o foco da política de contenção vai
redirecionar-se da Europa para Ásia e, posteriormente para a América
Latina. 53

Ao fazer um relato da intenção americana em propagar o anticomunismo, Ricardo


Antônio de Sousa Mendes conseguiu avaliar que a utilização do próprio discurso comunista,
que desejava se expandir por todos os países, respaldou significativamente as intenções
americanas, pois a “real ameaça comunista” serviu de pretexto para que os Estados Unidos
saíssem de uma linha isolacionista na qual vivera em outros tempos. Na tentativa de conter a
“real ameaça comunista”, a política americana passou a tentar direcionar sua estratégia
internacional, primeiro na Europa, depois na Ásia e, por fim, na América Latina. O esforço de
contenção do comunismo na América Latina se tornará mais significativo depois da deposição
do ditador Fulgêncio Batista, em Cuba, por um grupo de guerrilheiros apoiados pela
população, que vivia em um estado de miséria generalizada. A Revolução Cubana no “quintal
americano” intensificou a propagação das idéias comunistas na América Latina e, por
conseguinte, a propagação de um anticomunismo de linha americana.

No entanto, e como já foi apontado por Luciano Bonet,54 o anticomunismo é


muito mais complexo do que simplesmente um jogo de influências, como refletiu em sua
periodização Ricardo Antônio de Sousa Mendes. Se pensássemos dessa maneira, cairíamos na
velha dicotomia de comunismo apoiado pela União Soviética e anticomunismo apoiado pelos
Estados Unidos. Sabemos, porém, que as configurações políticas e sociais apontavam para
maneiras próprias de se pensar o comunismo e o anticomunismo nos mais variados países,
portanto, no Brasil não poderia ser diferente.
Na história do anticomunismo no Brasil, Ricardo Antônio de Sousa Mendes
destaca no mínimo três momentos. No primeiro deles, a propagação dos discursos contra o
comunismo esteve relacionada com a contenção da organização da classe trabalhadora. Do
nascente movimento operário, que teve um peso maior dos anarquistas do que dos próprios
comunistas, até a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), no ano de 1922, a

53
Idem, Ibdem.
37

abrangência do discurso anticomunista estava mais voltado para uma necessidade de


desmonte das organizações trabalhistas. Nesse sentido,

[...] pressionado pelo governo inglês, com quem negociava um empréstimo


de vulto, o governo Washisgton Luís (para quem a questão social era uma
questão de polícia) faz aprovar uma lei criminal, conhecida como Lei
Celerada, que objetivava reprimir o movimento operário. Pressionando a
opinião pública pela veiculação de notícias sobre supostos planos de
revoluções comunistas no país, durante toda a fase em que o projeto de lei
encontrava-se em estudos o governo não tem qualquer dificuldade em fazê-
lo aprovar, impondo a volta do PCB à ilegalidade, em agosto de 1927. 55

No primeiro governo de Getúlio Vargas, ocorreu o movimento que os militares


chamaram de Intentona Comunista, no ano de 1935, servindo como eixo para o que Ricardo
Antônio de Sousa Mendes apontou como um segundo momento do anticomunismo no Brasil.
No entanto, é nesse momento que o Brasil, segundo o autor, encontra as "raízes"
anticomunistas, ou seja, é a partir desse momento que as ações anticomunistas vão ser
efetuadas, respaldadas pela ação dos comunistas no ano de 1935. Neste período, o discurso
anticomunista envereda por uma simpatia fascista, fazendo parte das estratégias do governo.
Homens e mulheres foram acusados de serem comunistas apenas por manifestarem opiniões
divergentes daquelas professadas pelo governo. O anticomunismo, nesse momento, foi um
dos motivos de manutenção da ditadura varguista.
Em fins de 1950, o discurso americano contra o comunismo entra em cena e se
consolida na elite econômica brasileira. Em seguida, o sonho consumista e capitalista também
bate à porta da classe média. Já na década de 1960, e sob a embriaguez da terceira fase
anticomunista, aconteceu a junção entre segmentos da elite econômica nacional, os militares,
o capital estrangeiro, as instituições favoráveis à propriedade privada, partidos conservadores
e parcela da sociedade civil organizada, com o intuito de depor o presidente João Goulart,
tendo como um dos motivos principais, segundo estes segmentos sociais, a condição
propiciada pelo presidente para a implantação do comunismo no Brasil.
No entanto, Ricardo Antônio de Souza Mendes, apesar de fazer uma classificação
bastante pertinente, reduz as justificativas dessa classificação, segundo o nosso entendimento,
ao argumento de golpes e repressão organizados por instituições, como o Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD),
assim como partidos políticos e as Forças Armadas, ou seja, o autor aponta para as três fases
do anticomunismo no Brasil unicamente como uma arma para dar golpes de Estado e para a
repressão das organizações de trabalhadores, articulada por grandes instituições. Não estamos

54
BONET, L. Op. Cit.
55
SPINDEL, Arnaldo. O que é comunismo? 18 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. p.63.
38

afirmando que o anticomunismo não foi utilizado para esses fins e muito menos que não
contou com a participação dessas instituições, acreditamos que também teve essa finalidade e
corroboramos com a idéia do autor.56 No entanto, não podemos deixar de perceber que

Houve grupos e indivíduos (não necessariamente fanáticos) que


sinceramente acreditaram na existência de um risco real. Mobilizaram-se e
combateram por temor que os comunistas chegassem ao poder. [...] A
motivação anticomunista resultou de intrincada mistura de
instrumentalização (ou manipulação) e convicção, que se combinaram em
medida diferente ao longo da história.57

Essa é a opinião de Rodrigo Patto Sá Motta, que estabeleceu outra classificação


para o desenvolvimento e propagação do anticomunismo no Brasil. Este autor percebe a
“Intentona Comunista” de novembro de 1935, episódio também assinalado por Antonio
Ricardo de Souza Mendes, como maior responsável pela disseminação e divulgação do
anticomunismo no Brasil, ato que, segundo o autor, criou as bases para uma sólida tradição
anticomunista no país. Rodrigo Patto Sá Motta também aponta três momentos de grande
crescimento do anticomunismo no Brasil: de 1935-1937, período posterior a Intentona; de
1946 a 1950, quando, após um breve período de legalidade, o PCB foi proscrito e perseguido;
e o último momento, que está relacionado à crise de 1964.
Uma terceira periodização é refletida por uma autora que estuda o imaginário
anticomunista no Brasil, Carla Luciana Silva.58 O argumento central do seu trabalho59 é a
negação de que o anticomunismo no Brasil tenha sido intensamente propagado e disseminado
somente após 1935. A autora aponta que o movimento anticomunista desponta no Brasil, com
os movimentos de greve e manifestações populares que, via de regra, independiam da história
dos partidos comunistas e do movimento anarquista. Segundo Carla Lucina Silva,

O anticomunismo brasileiro apareceu junto com os movimentos populares,


manifestações e greves, os quais já existiam desde o século XIX no cenário
político brasileiro. Mas o governo provisório pretendia acabar com eles, e
percebia que essas manifestações tendiam a aumentar à medida que crescia a
organização de um partido comunista, que reivindicava para si a tarefa de
implantar no Brasil um regime semelhante ao soviético.60

56
O autor faz uma opção por desenvolver seu trabalho sobre o anticomunismo delimitando como campo de
pesquisa as direitas brasileiras, principais as instituições oficiais.
57
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964)
São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002.
58
SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931-1934). Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2001. (Coleção História).
59
Esse trabalho coloca de modo claro que pretende justificar a existência do anticomunismo no Brasil antes de
1935, ou da intentona comunista, para isso refuta as idéias centrais do trabalho de Eliane Dutra, ver: DUTRA,
Eliane Regina de Freitas. O ardil autoritário: imaginário político no Brasil dos anos 30. Rio de Janeiro: Ed.
UFRJ, Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997. 412p.
60
SILVA, C. L. Op. Cit. p.48.
39

A estudiosa, através de vasta documentação, aponta para a existência de discursos


anticomunistas antes mesmo da criação do Partido Comunista do Brasil (PCB), no entanto, "é
após 1930, que se iniciam vastas campanhas anticomunistas, pela grande imprensa e pelo
mercado editorial, o que permite inferir a existência de políticas anticomunistas”[grifo da
autora].61
O painel aqui traçado procurou historicizar o anticomunismo no Brasil.62
Consideramos que o anticomunismo não foi um, mas vários, tanto no mundo como no Brasil,
em razão das conjunturas que o determinavam e ao qual ele ajudava a determinar, como nos
golpes de 1937 e 1964, momentos que foram definidos como de grandes práticas
anticomunistas, apontados por Ricardo Antônio de Sousa Mendes e Rodrigo Patto Sá Motta.
A caracterização do discurso anticomunista brasileiro leva em consideração as especificidades
do país, da mesma forma, a construção de um discurso anticomunista no Piauí foi
caracterizado pelo contexto no qual estava inserido a sociedade piauiense.
Assim como o termo comunismo só pode ser analisado, conforme as
representações que eram feitas sobre ele na década de 1960, jamais sendo confundido com o
que hoje pensamos sobre o comunismo, pois cairíamos em um anacronismo semântico,
também não podemos esquecer que os formuladores dessas representações eram determinados
pela sociedade da qual faziam parte. De maneira alguma podemos afirmar que o
anticomunismo brasileiro seguia plenamente a linha norte-americana, apesar de sabermos de
sua influência, assim como também entendemos que o anticomunismo no Brasil não foi
uniforme. Dessa forma, o Piauí, apesar da influência trazida pelos jornais, livros e revistas
nacionais, que circulavam no Estado, produziu as representações anticomunistas com as
particularidades locais, o que, de certa forma, também refletiu na maneira como os
anticomunistas piauienses pensavam o comunismo.

1.2 Lembranças de um Piauí.

Como era, afinal, o Piauí da década de 1960, que produziu as representações e


práticas anticomunistas? Como este é um trabalho que trata de representações construídas

61
Idem, p.49.
62
Podemos citar outros autores que são importantes para a compreensão do anticomunismo no Brasil, ver:
MEZZAROBA, orides. Plano Cohen: a consolidação do anticomunismo no Brasil. Revista
BuscaLegis.ccj.ufsc.br. Revista n.24, 1992, p.92-101. Site:
file:///Platao/www/arquivos/RevistaCCI/Seque_A_Consolidação_do_Anticomunismo_no_Brasil-html. Acessado
em setembro de 2007.
40

nos anos de 1960, acreditamos que seja interessante apresentá-lo através dos textos escritos no
período, bem como através da memória de piauienses que viveram aquele momento.
A imagem que os piauienses tinham de si mesmos, pelo menos durante a maior
parte da década de 1960, não era positiva. Tantos os jornais, quanto na memória dos
entrevistados, o Piauí era considerado muito pobre e ainda sofria com o estigma de Estado
mais atrasado da nação. Era comum se ler em todos os jornais do período frases como: “O
PIAUÍ é o Estado mais pobre da Federação e o mais esquecido pelo Governo Federal [...]”
[grifo da autora].63
Estado com modos provincianos, era visto assim o Piauí. Sua capital, Teresina, na
década de 1960 contava apenas com uma única banca de revistas, que, para os habitantes da
cidade, era uma “loja de revistas”.64 As famosas inovações tecnológicas que fizeram parte das
características da década de 1960 em todo o mundo, no Piauí, chegavam através das revistas,
dos jornais e do rádio, sendo este último o maior veículo responsável pela propagação de
notícias no Estado. As revistas davam conta do panorama nacional e mundial, também
traziam o colorido das fotos e a reportagens dos grandes astros e estrelas do cinema nacional e
internacional, mas sempre chegavam às bancas com grande atraso, devido a sua vinda do Sul
do País. Os jornais, apesar de grande parte ser produzido na capital piauiense, tinham falhas
periódicas nas suas publicações e pelos mais variados motivos: os constantes cortes de
energia na cidade, restrições financeiros, falta de papel, entre tantos outros motivos que
conseguimos visualizar nas páginas dos noticiosos. Mas nada tinha tamanho alcance e
profunda admiração como o rádio na década de 1960. Neste período, o rádio ainda estava em
sua “era de ouro” no Piauí.65 E era a escuta atenta dos noticiários que fez a conexão dos
piauienses com o resto do Brasil e com o mundo durante este período.66 A notícia do golpe

63
BASTOS, Teresa Raulino. Reforma Agrária. Jornal do Comércio, 08 abr. 1962, n.2.944, p.04.
64
ABREU, Irlane Gonçalves de. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, NHOIDB,
2005.
65
A “era de ouro” do rádio no Brasil ocorreu nas décadas de 1930-1940. No entanto, no Estado do Piauí, onde as
primeiras rádios forma implantadas apenas na década de 1940, esta classificação como “era de ouro” do rádio,
muda substancialmente para o período compreendido entre as décadas de 1940-1970.
66
A primeira emissora de rádio do Estado data de 03 de maio de 1940, Rádio Educadora de Parnaíba. Seis anos
depois, é instalada a primeira rádio na capital, Rádio Difusora de Teresina, que só vai ao ar em 18 de julho de
1948. As duas emissoras são instituídas, respectivamente, 18 e 28 anos após a fundação da primeira emissora no
Brasil. Para Francisco Alcides do Nascimento, esse retardamento pode ser entendido mediante alguns aspectos:
“[...] a questão central era, antes de tudo, a falta de recursos financeiros e, de forma secundária, o tamanho e a
densidade demográfica das principais cidades piauienses, já que a maioria da população ainda morava no meio
rural”.Essas dificuldades fizeram com que a “era de ouro” do rádio no Piauí tivesse seu início retardado, com
relação à outras capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, e, conseqüentemente, também terminasse depois, na
década de 1970, período em que, devido à chegada dos primeiros televisores no Estado, o rádio teve que dividir
a audiência com a TV como principal meio de comunicação para os piauienses, e assim, readaptar-se aos novos
tempos. Nos anos de 1960, recorte que estabelecemos para a pesquisa, o Piauí contava com o número de 05
emissoras de rádio: Rádio Educadora de Parnaíba, Rádio Difusora de Teresina, Rádio Educadora de Floriano,
Rádio Pioneira de Teresina e Rádio Clube de Teresina. Ver: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Fios de
41

militar de 1964, por exemplo, foi escutada por muitos através do rádio, e boca a boca se
espalhou rápido, principalmente na capital do Estado. 67
Teresina, apesar de ser a capital, “Era pequena, era acanhada, os serviços públicos
muito raros, transporte público uma negação, saneamento básico inexistente”.68 Nessa época,
também, sofria-se muito com o problema de falta de gêneros alimentícios, como sugere um
morador da capital dos anos de 1960: “Mas aqui além da carestia, a gente tinha que entrar, eu
entrei em fila pra comprar carne, o capitalismo era primitivo. Pra comprar leite tinha que
entrar, ir de madrugada pras vacarias [...]”.69
Mas mesmo com modos acanhados, a capital ainda foi, no Estado, o local de
fermentação de novas posturas políticas, principalmente no início da década de 1960. Os
jovens universitários piauienses já tinham como vilão o “imperialismo norte-americano”, e as
reivindicações nacionalistas também foram ouvidas nos gritos da juventude. Muitos até
reivindicavam de uma forma bastante particular contra o imperialismo, como lembra, na
época o jovem estudante, Jesualdo Cavalcanti: “Não raro, no ingênuo propósito de punir os
EUA, os jovens da minha geração evitavam tomar coca-cola, embora em geral gostassem de
cuba-livre. Que sacrifício!”. 70
No que tange à política partidária, o local de confronto de idéias, preferido pelos
políticos, era a sombra das árvores da Praça Rio Branco.71 Os políticos locais se achavam
isolados do restante do Brasil, tanto que, em 1964, quando se falava em cassação, a grande
maioria dos políticos ocupantes de cargos eletivos apontavam para a sua falta de prestígio
frente à situação nacional, já que poucos foram os piauienses cassados. O mais curioso é que,
no Piauí, para alguns, ser preso por estar envolvido com atos subversivos ou pela acusação de
comunismo, às vezes, significava prestígio nacional, pois só foi preso ou acusado quem tinha
alguma projeção em nível nacional naquele momento. O jornal O Dia, publicou um diálogo
entre dois políticos piauienses que não tiveram seus mandatos cassados:

CASSAÇÃO
- Para alguma coisa – afirmava o político piauiense – valeu essa nossa falta
de prestígio. Não entramos em lista de cassação. Dizia o outro:
- Engana-se. O Clidenor entrou.
Arrebatava o primeiro:

memória: história do rádio. In.: CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar, NASCIMENTO, Francisco Alcides e
PINHEIRO, Áurea Paz. História: Cultura, sociedade e cidade. Recife: Bagaço, 2005. p.05-24.
67
BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Tempo de contar (o que vi e vivi nos idos de 1964). Teresina: Gráfica do
povo, 2006.
68
SILVA, Joel. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
69
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. Teresina, 2005.
70
BARROS, J. C. Op. Cit p.146.
71
Praça localizada no centro da capital piauiense.
42

- Só entrou porque não era mais piauiense. Tornara-se de âmbito nacional.72

Sobre as questões políticas, dois governadores tiveram grande expressão no


período e resistiram nas memórias dos piauienses: Francisco das Chagas Caldas Rodrigues
(Partido Trabalhista Brasileiro-PTB, 1959-1962), cujo governo analisaremos, detalhadamente,
a partir dos discursos anticomunistas, e Petrônio Portella (União Democrática Nacional-UDN,
1963-1966), que conseguiu expressão nacional naquela mesma década, mas também esteve
prestes a perder o seu mandato por ter feito carta de apoio ao presidente João Goulart logo
após a deflagração do golpe civil-militar de 1964. Esses dois políticos e seus governos foram
profundamente afetados pelos acontecimentos políticos e sociais daquele período. O primeiro
foi tachado de comunista e cassado logo após o Ato Institucional nº 05. Já o segundo, foi um
dos sete governadores que apoiaram João Goulart, após o golpe de 1964, também foi o único
que não perdeu o mandato, pelo contrário tornou-se um símbolo do regime que se instalara e
freqüentou a memória dos piauienses como nome certo para ocupar o cargo de presidente da
República com o fim da ditadura militar, caso não tivesse morrido em 1980.73
Apesar da década de 1960 ser um marco com relação às mudanças
comportamentais em todo o mundo, no Piauí, pelo menos nos meios públicos, tentava-se
controlar os comportamentos daqueles rapazes e moças que pretendiam ter namoros mais
avançados. No Jornal do Comércio, no ano de 1961, a delegacia de costumes foi obrigada a
intervir para regulamentar esses comportamentos:

DELEGACIA DE COSTUMES74
Nota Oficial
A Delegacia de Costumes, tendo em vista as constantes e seguidas
reclamações de famílias da sociedade teresinense, acerca de cenas e atos
indecorosos e atentadores à moral e ao pudor, verificando em diversos
pontos da cidade, em plena via pública, ruas e praças da capital, onde casais
de namorados se entregam a prática de ações ofensivas e desrespeitadoras
aos bons costumes, vem de público, apelar aos pais e responsáveis, no
sentido de dispensarem devida atenção às suas filhas e dependentes, evitando
assim que sejam adotadas providências drásticas e enérgicas.
Comunica, outrossim, que, para coibir tais abusos e irregularidades, se
encontram escalados policiais, o quais receberam severas recomendações.
Teresina, 22 de julho de 1961.
José Maranhão Silva – Delegado.75

72
PELO CANO. O Dia. Teresina, 18 jun. 1964, n.1.267, p.04.
73
Segundo o jornalista Carlos Castello Branco, Petrônio Portella estava “incluído no rol dos sete governadores
que se compunham numa espécie de dissidência ao mesmo tempo do udenismo e do populismo [...]. Incluíam-se
nessa equipe, além de Petrônio, Aluísio Alves, Seixas Dória, Virgílio Távora, Nei Braga e o governador de
Pernambuco Miguel Arraes [...].” CASTELLO BRANCO, Carlos. Roteiro político de Petrônio. In.: OLIVEIRA,
Osvaldo Lemos de. Petrônio Portella: Depoimentos à história política brasileira. Teresina. Piauí, 1993. p.105.
74
Todas as citações referentes aos jornais da década de 1960 passaram por uma atualização ortográfica.
75
DELEGACIA de costumes. Jornal do Comércio. Teresina 25 jul. 1961, n.2.842, p.02.
43

Sobre as questões religiosas, a Igreja Católica ainda tinha forte domínio e


prestígio entre os piauienses na década de 1960. Outras formas de manifestações religiosas
eram vistas como problemas graves, como noticiava o jornal Folha da Manhã, no ano de
1964: “A macumba é como um ritual bárbaro, em que seus prosélitos, nas suas práticas pagãs,
se entregam as mais torpes orgias, se agitam em danças violentas [...]. A Macumba é
geralmente invocada para o mal, na proliferação natural da luta do irmão contra o irmão, do
homem contra o homem [...]”.76
É certo que os piauienses dos anos de 1960 temiam o fim do mundo, por causa de
uma possível guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética. Em vários momentos o
medo do fim do mundo rondou a mente dos piauienses, esse medo esteve regado, em certo
sentido, pela idéia de que a qualquer instante haveria uma tentativa de tomada do poder
político pelos comunistas, dando-se início a uma hecatombe nuclear.
Por outro lado, se não houvesse um fim definitivo através das armas atômicas, o
possível fim dos brasileiros e, também, dos piauienses, se daria pelas mãos dos dominadores
comunistas, como sugere o trecho a seguir:

Estamos à beira da DESGRAÇA. Os nossos dias estão contados. Ninguém


escapará as torturas dos FUZILAMENTOS e do PAREDON, seremos
arrastados aos campos de concentrações e nossos filhos arrancados de nossos
braços como fizeram na última guerra da Alemanha com milhares de
crianças. Nossos pais serão queimados, porque na invalidez nada produzem.
[grifos do autor] 77

Era este o Piauí. Necessitava de mudanças, mas evitava que elas ocorressem. Não
fugia dos valores tradicionais e questionava as novas modas comportamentais. É nesse Estado
que iremos verificar a produção de representações anticomunistas. Se o medo das mudanças
era uma constante, apesar de existirem forças que as queriam no Estado, é nesse momento que
o comunismo representava a maior proposta de mudança, não só para o país como para o
mundo, por essa razão, ele foi o alvo privilegiado dos discursos daquele momento. É, por esse
motivo, que, de certa forma, ele permaneceu na memória oral e escrita como um mal, que
deveria ser contido, sob as mais variadas justificativas.

1.3 Mas afinal, o que era mesmo o comunismo?

76
GRANDES problemas da cidade. Folha da Manhã. Teresina, 29 jan. 1964, n.1.704, p.06.
77
LIMA, prof. Benedito. As Maravilhas da Humanidade. Folha da Manhã. Teresina, 06 nov 1963, n.1.644, p.02.
44

Fotografia 02. Trecho do discurso de Ruy Barbosa publicado no jornal Estado do Piauí.
Fonte: BARBOSA, Ruy. O Comunismo...Estado Piauí. Teresina,18 mar. 1965, s/n. p. 04

O socialismo marxista ou comunismo russo


combate o capitalismo privada, e em lugar dele
institui o capitalismo integral ou de Estado,
capitalismo único, em nome do partido comunista,
cujo chefe é o ditador.
Faz guerra de morte à propriedade privada, à
iniciativa individual, à economia particular e livre,
porque são os fatores básicos da democracia, que,
por sua vez, tem e encontra, no regime capitalista
privado, a sua razão de existência.
MENDES, Simplício. O capitalismo. Jornal Folha
da Manhã, 11 out. 1960, n.823, p.04.

Mas afinal, o que era mesmo o comunismo? Como refletimos anteriormente, a


definição do que era o comunismo, na década de 1960, sofreu variações. Quando fazemos
essa pergunta, estamos limitando o número de interlocutores que deverão respondê-la, pois,
na produção deste texto, a questão é direcionada aos anticomunistas. Deste modo,
acreditamos que seja necessário ter historicizado, nos subtópicos anteriores, tanto a própria
noção de comunismo, desde sua formulação orgânica com Platão, até a construção dos
valores comunistas que vão influenciar o século XX, contida na obra Manifesto do Partido
Comunista, de Karl Marx e Friederich Engels. Ressaltamos, igualmente, as possibilidades de
ser anticomunista, a partir da classificação de alguns autores, que apontaram como o
anticomunismo foi se redefinido ao longo dos anos devido às especificidades de cada
conjuntura, no Brasil e no mundo. Entendemos que essa reflexão foi necessária para
percebemos como houve, na década de 1960, formas de ser anticomunista, devido às
conjunturas políticas e sociais do Brasil, levando a uma (re)significação da palavra
45

comunismo, apesar de grande parte dos anticomunistas acreditarem que as suas críticas
mantinham-se coerentes e direcionadas ao comunismo apresentado por Karl Marx.
Poucos, porém, eram os anticomunistas que leram Karl Marx. Segundo a memória
de um comunista piauiense, nem mesmo os comunistas tinham leituras aprofundadas da obra
marxiana, na década de 1960:

Veja só, tem muito comunista como eu, naquele tempo, que diz: é
comunista, é comunista; eu fui ler comunista na prisão com 17 anos e meio,
que eu fui preso de menor, tá? Eu virei comunista antes de conhecer, de abrir
uma linha sobre Marx, eu estou sendo sincero com você, não só fui eu não,
os outros dizem: eu comecei a ler Marx com treze anos; ninguém lê Marx
aos treze anos, rapaz, é muito difícil, você sabe disso. Então, a gente era
subversivo. Nós éramos contra o regime militar e contra os americanos,
contra a opressão da camarilha americana, os gorilas, então, aquela, aquele
linguajar que você conheceu também. E as pessoas, os reacionários, os
adversários, a chamada direita é que nos cognominava de comunista, então a
gente achou que era melhor deixar pra lá, do que ir explicar que não era
comunista.78

Como Marcos Igreja apontou no trecho citado, as suas ações, por mais que fossem
atos de pura subversão, eram denominados de atos comunistas. Nesse sentido, podemos
perceber que foram várias as definições atribuídas ao comunismo. Permanências e rupturas
seria a melhor maneira de entender a constituição dessas definições. Percebemos que, para
(re)significar o comunismo, os anticomunistas apontavam para elementos fixos, pois estes
seriam marcas dessas representações, estabelecendo um ponto de apoio para que o leitor das
representações anticomunistas percebesse a coerência na construção do sentido atribuído ao
comunismo ao longo da década de 1960. No entanto, outros aspectos foram se modificando
com o passar dos anos e diante das conjunturas políticas e sociais.
Para entendermos como o comunismo foi significado como algo maléfico - nesse
sentido uma permanência negativa foi preservada durante toda a década de 1960 -, é
necessário perceber como os discursos anticomunistas estavam permeados pelo medo do
"outro". Eram freqüentes as transcrições nos jornais piauienses de relatos de viajantes que
tinham visitado países comunistas e, ao retornar, narravam as suas experiências. Geralmente,
era o discurso dos países capitalistas sobre o comunismo. Acreditamos que essas reportagens
eram muito bem aceitas, pela freqüência com eram publicadas, mas também, porque tinham
uma relação com a construção de uma realidade por quem havia visto ou vivido de perto
aquele outro regime econômico, político e social. Essas narrativas pairavam como um relato
fantástico sobre um outro mundo. Descreviam-se as roupas, a comida, o cotidiano, a

78
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de Oliveira.
Teresina, 2005.
46

educação, e tudo que pudesse parecer como diferente do modo de vida dos países capitalistas.
No entanto, as descrições apontavam para as desvantagens do regime comunista, como sugere
o trecho:

A prova disso [a prova de um regime econômico cheio de restrições, nos


dizeres do cronista] é encontrada por quem viaja pela Rússia, mesmo sob
vivência dos "guias" soviéticos. Os visitantes notam que o povo usavam
roupas grosseiras, sapatos mal feitos, não se encontrando uma só mulher que
se vista bem pois os trajes são estandardizados, fabricados em massa, nas
oficinas do Estado.79

As reportagens, de uma forma geral, enfatizavam que os viajantes que foram à


países comunistas, apesar de serem conduzidos naquela realidade pelos próprios nativos,
sempre percebiam algo além do que aqueles indivíduos tentavam mostrar, como apontou o
trecho anterior. Os viajantes, em quase todos os relatos, colocavam-se como missionários que
deveriam narrar aos outros países o que viram, e o que foram obrigados a ver. Em 1963, o
senador piauiense Sigefredo Pachêco foi conhecer a União Soviética, ao chegar ao aeroporto
de Teresina foi recebido de imediato por uma equipe de jornalistas que esperavam ouvir os
relatos da viagem. Apesar de ser muito interessante a narrativa do senador, o que mais nos
chamou a atenção nessa entrevista, foi a sua finalização. O repórter argumenta que o senador
teria muito mais a dizer sobre a sua viagem, contudo, além do barulho dos aviões, havia
interrupções constantes de "alguns, querendo, inclusive 'ver de perto como volta à sua terra
um cidadão que recentemente visitou a União Soviética, berço do comunismo ateu'”. Ainda,
segundo o repórter, o senador tinha voltado "pesando mais 2 quilos e bem disposto".80 Os
relatos sobre a distante e exótica União Soviética eram, para alguns, um verdadeiro encontro
com outro
mundo.

79
CALDO entornado. O Dominical. Teresina, 12 jun. 1960, n. 24/60, p.04
80
SIGEFREDO Pachêco fala a O Dia sobre União Soviética. O Dia. Teresina, 21 nov. 1963, n.1.143, p.01.
47

Fotografia 03: senador Sigefrêdo Pacheco.


Fonte: SENADOR Sigefredo Pachêco. Estado do Piauí. Teresina, 31 jan. 1963, n.514, p.06

A própria narrativa dos viajantes é produzida como se fosse um romance em que o


personagem central, o viajante-narrador, conta todas as suas aventuras em uma terra distante,
com um sistema econômico, político e social, profundamente diferente do seu:

Cheguei à capital Soviética num sábado à tarde. Fazia um frio horroroso, de


vários graus abaixo de zero, e no aeroporto, mal iluminado, não se notava
calefação.
Os viajantes ficavam na grande sala de espera, apesar de trazerem quase
todos, gabões grossos, gorros de pele e alguns, até, altas botas.
Fui diretamente ao escritório do Inturist, agência oficial de turismo, na
esperança de ser bem recebido, pois tinha reservado aposento num hotel [...]
Da minha surpresa e desgosto pode ter idéia qualquer turista que chegue a
uma cidade "com tudo em ordem" e fique sabendo que, no escritório local de
viagens, não têm conhecimento de nada, absolutamente nada. [...]
Finalmente, após consultar muitos papéis afirmaram que a coisa estava
resolvida e que havia um automóvel disponível para os "turistas
estrangeiros". Tratava-se de um carro do ano de 1949, todo desengonçado,
mas que nessa oportunidade vinha a ser quase de luxo.81

Esse olhar do estrangeiro é apresentado como algo que deve ser levado em
consideração, e que dever ser lido com seriedade, já que o narrador teve a possibilidade de
experimentar as duas realidades, tanto a capitalista, quanto a comunista. Nesse sentido, para
entender a significação do comunismo, é interessante ressaltar que boa parte do que foi dito
sobre comunismo, com a intenção de dar um sentido a essa palavra, foi pronunciado a partir
do olhar do estrangeiro, do forasteiro, do “outro”, como ocorreu com os relatos dos viajantes.
Dentre os aspectos que permaneceram na (re)significação do comunismo durante
a década de 1960, podemos perceber a necessidade dos anticomunistas em manifestar que as
suas críticas ao comunismo tinham como base os valores centrais formulados por Karl Marx.
A maior parte dos anticomunistas piauienses acreditavam que as suas críticas eram
direcionadas àqueles valores puros da obra marxiana, como aponta o trecho a seguir: “É que o

81
JORNALISTA católico visita Moscou. O Dominical. Teresina, 17 jul. 1960, n. 29/60, p.02.
48

comunismo é um credo materialista, - já afirmava o catecismo legado por Marx e Engels”.82


As críticas ao comunismo apontam para a obra marxiana como parte fundamental na
interpretação dos valores contrários a uma sociedade cristã e livre. Nesse sentido, a obra
daquele autor promovia a sustentação dos pilares das acusações desenvolvidas pelos
anticomunistas, como sugere o trecho a seguir:

Podemos definir o comunismo como uma "seita internacional que segue a


doutrina de Karl Marx e trabalha para destruir a sociedade humana baseada
na lei de Deus e do Evangelho, bem como para instaurar o reino de Satanás
neste mundo, implantando um Estado ímpio e revolucionário, e organizando
a vida dos homens de sorte que esqueçam de Deus e da eternidade". 83

Essa definição, além de apontar para a "doutrina de Karl Marx" como suporte dos
ideais anticomunistas, também definiu um outro aspecto importante para a compreensão do
comunismo naquele momento: a crença na universalidade da obra de Marx, podendo, segundo
apontavam os anticomunistas, ser aplicada em qualquer nação ocidental livre. A obra de
Marx, ao tempo em que significava uma forma de organização social nas cidades industriais,
criava a possibilidade de abrir novas perspectivas, como foi na União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), na China e em Cuba, pois, na opinião de alguns
anticomunistas, “[....] a política comunista é objetiva -, suas metas seguem a maior
objetividade, suas linhas são traçadas e dirigidas pelo mais rigoroso e estudado realismo
político”.84 Dessa forma, apesar de países como URSS, China e Cuba adotarem estratégias
diferenciadas de condução da proposta marxista, todos esses países, na avaliação dos
anticomunistas, significavam o "comunismo real".
Por traçar metas de acordo com as possibilidades políticas, e tendo a objetividade
como marca significativa na elaboração dos programas destinados a cada país, segundo a
visão dos anticomunistas, o comunismo também foi visto, nesse momento, como oportunista:
“Mas o comunismo é assim – uma ideologia de dialética materialista, oportunista e
consignada numa máquina política destinada a explorar o proletariado mundial, servindo-se
dele para propagar-se, vencer e submeter os povos aos postulados do materialismo
histórico”.85 A idéia de oportunismo relacionada ao comunismo, como uma tática para se
ampliar pelo mundo, é corriqueira, ou seja, o comunismo traçava planos de ação para cada
país, de acordo com a situação política, com o objetivo oportunista de conquistar cada nação
e, conseqüentemente, o mundo: “A moral marxista é oportunista, acompanha e varia as

82
MENDES, Simplício de Sousa. Ópio do povo. Folha da Manhã. Teresina, 26 abr. 1961, n.960, p.04.
83
ANTUNES, J. C. O dogmatismo dos marxistas. Jornal do Comércio. Teresina, 23 jan 1963, n. 3.050, p.02.
84
MENDES, Simplício de Sousa. Conveniências sobrepujam princípios. Folha da Manhã. Teresina, 18 set.
1960, n.804, p.04.
49

conformidades com os interesses e as rodadas da ideologia materialista, cuja proposta é


universalizar-se, é reformar ou revirar a civilização humana”.86
Toda essa formulação sobre as táticas de expansão comunista só poderiam ser
analisadas, de acordo com a perspectiva anticomunista, tendo como suporte as propostas
marxistas: “Mas o comunismo tem a sua moral oportunista ligada ao êxito marxista, que por
qualquer meio pretende universalizar-se, impondo-se ao império mundial, como uma crença
de ilusórias e fementidas promessas imateriais”.87 O comunismo, na significação
anticomunista, tinha como um dos seus princípios a universalização da doutrina marxista,
sendo necessário para alcançar seus objetivos traçar táticas de propagação eficientes, e, para
isso, a melhor tática utilizada, segundo os anticomunistas, era a violência: "[...] o único
recurso é a violência, que os partidários de Moscou espalharam também pelas nossas
cidades".88 O comunismo era entendido como um sistema baseado na violência do homem
contra o homem: “É um regime de fuzilamentos, de violência, onde o direito é o direito da
força, é o direito [...] no qual desaparece toda a base ética”.89 O comunismo, na visão dos
anticomunistas, não era instalado em um país por vontade popular, sempre era a violência a
grande dominadora das populações, submetendo os indivíduos ao controle do Estado:
“Regime de força, criada pela força – só a força mantém a união da Rússia, dos seus povos e
dos povos e nações satélites”.90 Era a violência a grande arma comunista, pois "enquanto o
cristianismo se universalizou através da simples pregação da verdade, sendo alvo dela e não
praticando a violência, o comunismo, até hoje, não dominou nenhuma Nação ou atingiu o
poder pelos meios legais, mas sempre através da traição e do derramamento de sangue".91
Como um regime implantado por imposição aos povos, determinado pela
violência, o comunismo não poderia ser significado de outra forma, durante a década de 1960,
se não como um regime ditatorial, sendo o caso de Cuba exposto como emblemático, no
intuito de mostrar como o comunismo poderia ser entendido dessa forma: "Em recanto da
América, numa ilha do Mar das Caraíbas, terra de vivo amor à liberdade, foi instalada pela
Rússia um Consulado de Moscou [...]. São constantes as agressões da Ditadura vermelha de
Havana contra a ordem e a paz do hemisfério".92 Significado como ditadura, o comunismo,
para se manter, além da violência, dependia também da mentira e da ilusão: "Para dominar,

85
MENDES, Simplício de Sousa. As ditaduras marxistas. Folha da Manhã. Teresina, 12 mar. 1960, n.665, p.04.
86
Idem, Ibdem.
87
MENDES, Simplício de Sousa. Teria renegado o comunismo. Folha da Manhã. Teresina, 22 mar. 1960,
n.670, p.04.
88
A RÚSSIA quer defender-se do vírus da liberdade. O Dia. Teresina, 29 mai. 1968, n.2.430, p.03.
89
MENDES, Simplício de Sousa. Quem cultiva colhe. Folha da Manhã. Teresina, 21 mar. 1962, n.1.209, p.06.
90
MENDES, Simplício de Sousa. Resenha internacional. Folha da Manhã. Teresina, 15 mai. 1960, n.712, p.04.
91
COMUNISMO se opõe literalmente ao cristianismo: doutrina e métodos. O Dia. Teresina, 25 nov. 1963,
n.1.144, p.03.
50

ele se alicerça na desfaçatez, no embuste, na mentira".93


Outro aspecto que permeia todo a significação do comunismo, para os
anticomunistas, é a sua negação a valores tradicionais, dentre esses, a família seria a mais
prejudicada, pois “o objetivo da República Comunista, tal qual a de Fidel Castro em Cuba, é,
primeiramente, destruir por completo a família cristã”.94
O comunismo, durante toda a década de 1960, também é significado como seita,
credo, regime "ateu", nesse sentido, existe uma reportagem bastante emblemática, intitulada
"Krutschev e Deus", onde o cronista questiona a veracidade de uma frase dita pelo Primeiro
Ministro da União Soviética: " 'Deus está de nosso lado". - blasonou Krutschev durante sua
famosa visita aos Estados Unidos. Mas se Deus não existe, como afirma Kruteschev, como
pode Ele estar do lado dos comunistas?".95 Esse trecho é interessante para demarcar bem a
significação do que era o comunismo: regime ateu. Não cabendo aos representantes do
comunismo utilizarem Deus nem mesmo como um discurso ostentatório.
Não obstante propagasse o ateísmo comunista, alguns anticomunistas entendiam o
comunismo como uma "seita", que tinha como principal profeta, Marx, e como primeiro
discípulo e propagador, Lênin.96 Essa tentativa de significar o comunismo como uma espécie
de religião, deve-se muito ao fato de alguns anticomunistas acreditarem que o ateísmo
comunista tomaria o lugar das religiões tradicionais, sendo pregado, inclusive, nas escolas. Os
anticomunistas tentavam demonstrar que nada "se colhe na seita comunista", sem quem tenha
sido adubado com o sangue das vítimas das execuções.97 O comunismo também foi entendido
como um credo: "o comunismo é um credo, uma crença, uma ideologia materialista e
fanatizante [...]".98
Com relação aos aspectos que se modificaram na (re)significação do comunismo,
para os anticomunistas, podemos iniciar pela definição atribuída a esse regime em
conseqüência das eleições presidenciais do ano de 1960. Dois candidatos tiveram grande
apoio no Estado do Piauí: Jânio Quadros, que foi o vencedor das eleições, e o Marechal
Henrique Teixeira Lott. O segundo candidato denominava-se nacionalista e contou com o
apoio do Partido Comunista do Brasil (PCB). Muito criticado e acusado de ser um traidor da
Pátria, por estar recebendo o apoio dos comunistas, o Marechal Lott tentou explicar, durante
toda a campanha presidencial, que lutava por ideais nacionalistas e não comunistas. No Piauí,

92
AFRONTA a civilização. O Dominical. Teresina, 08 mai. 1961, n.40/61, p.03.
93
A FRAQUEZA do comunismo. O Dominical. Teresina, 14 mai. 1961, n.19/61, p.01.
94
MENDES, Simplício de Sousa. Família Cristã. Folha da Manhã, 11 abr. 1962, n.1.226, p.04.
95
KRUTSCHEV e Deus. O Dominical. Teresina, 02 abr. 1961, n.14/61, p.01.
96
MENDES, Simplício de Sousa. Terror comunista. O Dia. Teresina, 11 abr. 1964, n.1214, p.03.
97
Idem.
98
Idem.
51

a campanha presidencial se deu de uma forma inusitada, as propagandas foram elaboradas de


uma forma mais intensa contra a candidatura do nacionalista Marechal Lott, do que a favor do
preferido, Jânio Quadros. Nesse sentido, no ano de 1960, a definição do que vinha a ser
comunista estava muito relacionado aos ideais nacionalistas, como aponta o trecho abaixo:

São os comunistas - e os pseudonacionalistas intoxicados de ideologias


totalitárias – desvirtuadores das instituições livres sabotadores dos regimes,
encobertos por várias formas e por vários modos de ação e de traidores da
República.
Insinuam-se nos partidos, nas classes estudantis, - nas vigas mestres da
defesa nacional e do continente americano, em todas as fontes e bases da
vitalidade nacional e continental, - tudo, intimamente ao serviço de uma
ideologia anticristã, anti-democrática e duma (sic) potência oriental que tudo
junge (sic) e escraviza à vontade absoluta dos czares vermelhos.99

Comunismo e nacionalismo, naquele momento, apontam para uma proximidade,


que gerou até um termo recorrente nos jornais locais: nacionalismo vermelho.100 Essa
perspectiva é, muitas vezes, apontada como tática soviética - já que este país era a maior
referência comunista, pois acreditava-se que "o nacionalismo é um velho chavão da URSS,
dele se aproveitando para fazer pressão política nas nações pequenas e subdesenvolvidas,
cumprindo assim sua ideologia de escravizar o mundo”.101
Sobre a significação do comunismo enquanto um movimento nacionalista,
propomos uma análise diferenciada de Rodrigo Patto Sá Motta.102 Enquanto este autor vê no
nacionalismo uma das matrizes do discurso anticomunista, entendemos que o nacionalismo,
pelo menos nos primeiros anos da década de 1960, foi significado como o próprio
comunismo. Refletimos que os anticomunistas também articulavam os seus discursos, com
base nos programas de ação dos comunistas. Nesse sentido, quando ocorreu em novembro de
1954 o IV Congresso do Partido Comunista do Brasil, o PCB adotou novas posturas, como
podemos observar no seguinte discurso: “O PCB vai reforçar sua linha nacionalista,
transformando agora sua política antiimperialista em geral, em ataques direcionados contra os
E.U.A., sobretudo na questão das riquezas minerais. A reforma agrária e a instalação de um
governo democrático de libertação nacional constituíram igualmente teses aprovadas no
congresso”.103 O PCB explicitava nas suas teses que a instalação de políticas nacionalistas
eram lutas do partido, o que pode ter afetado a percepção de muitos anticomunistas,
promovendo uma ligação entre qualquer indivíduo que se intitulasse nacionalista e as teses
propostas pelo PCB. Refletimos dessa forma, quando em 1964, é escrito no jornal O Dia, um

99
MENDES, Simplício de Sousa. Pseudonacionalismo. Folha da Manhã. Teresina, 10 mar. 1960, n.663, p.04.
100
NACIONALISMO vermelho. Folha da Manhã. Teresina, 11 mar. 1960, n.664, p.02.
101
WALTER, José. Marxistas latentes. O Dia, 22 set. 1960, n.809, p.01.
102
MOTTA, R. P. S. Op. Cit.
52

artigo, visando contar a história do Partido Comunista Brasileiro. O cronista relatava as


mudanças ocorridas na “linha do partido”, e dentre essas mudanças, revelava a adoção pelo
PCB da “linha nacionalista”: “Estabeleceu-se a imposição de uma nova ‘linha’, segundo a
qual os comunistas passariam a pregar um ‘nacionalismo’ modelado pela direção do
Cominform e traduzido, primordialmente, em hostilidade aos Estados Unidos”.104
Na política nacional, naquele momento, havia certa confusão entre a cor
comunista e as cores nacionais, principalmente por causa do apoio do famoso ex-
integralista105, Plínio Salgado, à candidatura do Marechal Lott. A política de apoios, tanto dos
vermelhos como de alguns ex-camisas verdes, foi registrada nas páginas dos jornais locais
como uma mistura de cores que podiam corresponder à confusa postura adotada pelo então
candidato nacionalista, Marechal Lott:

Designando-se as correntes político-sociais pelas cores, teremos o vermelho


na extrema esquerda, o comunismo, o verde na extrema direita, o
integralismo, e o branco, expressando a paz e a ordem social livre, com a
democracia e política social da Igreja Católica.
Mas o Marechal Lott, candidato à Presidência da República infelizmente é
daltônico: - não distingue as cores, baralhando todas nos seus cartazes de
pleiteante à alta magistratura do País.
Confunde o vermelho, o verde e o branco nas suas perspectivas de homem
público.
Para a preponderância militar do ilustre candidato – tanto o vermelho, como
o verde e o branco, podem ser a mesma coloração política, em torno de sua
centralizadora de católico – democrata e de totalitário – materialista
comunista ou neo-fascista ao mesmo tempo.106

No Brasil, nos primeiros anos da década de 1960, a política nacional apontava


para um processo de nacionalização, os comunistas, como oportunistas, na visão dos
anticomunistas, certamente, apoderaram-se dessa noção de nacionalismo e propagavam os
seus ideais, o que significava que as suas formas de ação estavam relacionadas às
especificidades da conjuntura política que se instalara no Brasil:

Aqui no Brasil os comunistas relegaram a segundo plano a técnica de


apresentar os democratas como lacaios de Wall Street e agentes do
imperialismo Ianque. [...]
Os expoentes da nova geração de agentes de Moscou no Brasil se
apresentam como nacionalistas, líderes das forças populares, poucos falam
103
SPINDEL, A. Op. Cit. p.78
104
A HISTÓRIA DO PCB. O Dia, 06 mai.1964, n.1.232, p.03.
105
A Ação Integralista Brasileira foi fundada no ano de 1932. Com tendências nazistas e fascistas, esse
movimento foi liderado pelo jornalista e escritor Plínio Salgado. Os integralistas tinham como principais ações:
publicações de livros, fundação de núcleos pelo país, promoviam manifestações nas ruas, recebendo um
considerável apoio popular e eram contrários ao comunismo. Utilizavam um uniforme verde, em decorrência
dessa vestimenta surgiu a denominação dos participantes desse movimento de “Camisas-verdes”. Ver:
TRINDADE, Hélio. Integralismo – O fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1974.
106
MENDES, Simplício de Sousa. Marechal e as cores. Folha Manhã. Teresina, 02 out. 1960, n.816. p.04.
53

em lacaios de Wall Street, mas vivem a gritar contra o que eles chamam de
processo espoleativo(sic). Vez por outra, uma vez por mês falam no perigo
comunista, para afirmar que ele não existe, pois a Rússia está muito longe.
Mas não falam que a Rússia está muito longe de Cuba....E negam com
veemência a sua condição de comunistas.107

No Piauí, a associação entre nacionalismo e comunismo não foi diferente das


análises dos anticomunistas sobre a conjuntura nacional. Aqui a situação era considerada
muito mais grave, segundo a visão dos anticomunistas piauienses, uma vez que, no plano
nacional, eles ainda estavam a pleitear cargos, enquanto no Piauí esses "nacionalistas" já se
encontravam na própria sede do governo do Estado: "Teresina conta com um número crescido
de comunistas, até o momento rotulados de 'nacionalistas' e 'trabalhistas', sendo que 99,5%
são funcionários do Palácio do Governo, ou têm, lá, cadeira cativa para as merendas gostosa e
altas deliberações".108
Esta associação, entre comunistas e nacionalistas, vai ser feita por diversas vezes,
durante os primeiros anos da década de 1960. Contudo, tomou maiores proporções, nas
páginas do jornal O Dia, durante a vinda da filha do Marechal Lott ao Piauí. O Dia publicou
duas matérias de capa, fazendo referência ao comício organizado para a campanha do
Marechal, feito por sua filha, Edna Lott. A matéria já se inicia da seguinte forma: “Atuando
em faixa nacional-marxista, chegou, enfim, até nós, depois de espera opressiva e ao longo da
peregrinação, nem sempre tranqüila, pela Seca e pela Meca da política pátria, a Srª. Edna Lott,
que conseguiu realizar aquilo que se viu, há algumas noites na Praça Pedro II”.109
A expressão “aquilo”, utilizada pelo jornalista, é percebida no sentido de
desqualificar o comício realizado na capital que, pelo que percebemos, aconteceu com o apoio
de várias lideranças locais, como “General Gaioso e o Deputado Constantino”. Quando
descreve a atuação de Edna Lott na campanha do seu pai, pelo Nordeste, o jornalista refere-se
a uma atuação “nacional-marxista”, tentativa de relacionar a imagem do Marechal Lott, que se
intitulava nacionalista, às atuações marxistas. E é justamente nesta tentativa de unir o verde –
nacionalista – ao vermelho – comunista – que o autor vai chamar essa coloração de
“melancia”: “Acentuadas colorações cercam, desde a chegada, a filha do Marechal candidato.
Verdes, em certos pontos, essa coloração não tardavam em congestionar-se no rubor
inconfundível que se coloriza a chamada revolução proletária, conseguindo atingir, assim, o
amalgama famoso que denominara-se de coloração “melancia”, verde por fora e vermelho por

107
O POVO brasileiro deixará também enganar-se? Estado Piauí. Teresina, 03 mar. 1963, n. 522, p.03.
108
A BONDADE vermelha. Jornal do Piauí. Teresina, 18 jan. 1962, n.991, p.04.
MAURICIUS, Petrus. O “vermelho” e o “Verde”. O Dia. Teresina, 21 jul. 1960, n. 791, p.
109

01.
54

dentro”.110
Com o fim das eleições e a vitória de Jânio Quadros, alguns anticomunistas
atribuíram essa vitória não apenas ao candidato, mas, sobretudo, significava uma vitória
contra o comunismo:

As forças comunistas e pseudo-nacionalistas receberam o mais virtual


repúdio do povo brasileiro nas últimas eleições. Do pleito de 3 de outubro
saiu fortalecida a democracia. É decisivo, porém, que a vitória conquistada
nas urnas sirva de ponto de partida para derrotar definitivamente a ação dos
grupos vermelhos, estimulados, ou orientados por Moscou. Não é mais
possível a atribuição dos valores falsos às palavras nacionalismo,
desenvolvimento e colonialismo, a fim de que as mesmas passem a servir
não aos interesses da Pátria, mas aos propósitos dominadores do bloco de
nações comunistas.111

Ainda no final do ano de 1960 e estendendo-se até o ano de 1964, o comunismo


encontra outra definição, dessa vez ligada à idéia do fim da propriedade privada,
principalmente a propriedade rural. Essa significação do comunismo estava diretamente
ligada à propagação das Ligas Camponesas e às organizações sindicais do campo no Brasil e,
em especial, no Piauí, ocorridas nos anos de 1961, 1962 e 1963. Mas, também, a proposta de
Reforma de Base112 lançada no governo João Goulart, que teve grande propagação entre os
anos de 1963 e 1964. Assim, várias discussões foram registradas nos jornais locais, inclusive,
com acusações de infiltração dos comunistas no campo, influenciando a própria denominação
do trabalhador rural:

Camponês ou campônio é fórmula vernáculo, mas pouco usada na literatura


nacional e na linguagem vulgar.
[...] Sertanejo é a mais comum designação do homem rústico, lavrador,
habitante do sertão – o ruralista, roceiro, criador, proprietário ou vaqueiro.
[...] Mas camponês está ligado à revolução de Lenin e Trotsky, e desde então
adquiriu marca de insurreição. 113

Camponeses: - Até o termo não se usa aqui – é russo – soviético, é


comunista. 114

A grande maioria dos anticomunistas recusava-se a chamar os trabalhadores rurais


de camponeses, vendo nesta palavra uma adesão aos ideais comunistas. Acreditavam que os

110
Idem, Ibdem.
111
NACIONALISMO ou traição cubana? Jornal do Comércio. Teresina, 17 nov. 1960, n. 1.745, p.04.
112
“Tratava-se de um conjunto de medidas que visava alterar as estruturas econômicas, sociais e políticas do
país, permitindo o desenvolvimento econômico autônomo e o estabelecimento da justiça social. Entre as
principais reformas, contavam a bancária, fiscal, administrativa, urbana, agrária e universitária, além da extensão
do voto aos analfabetos e oficiais não-graduados das Forças Armadas e a legalização do PCB”. FERREIRA, J.
Op. Cit. p.105.
113
MENDES, Simplício de Sousa. Ligas Camponesas. Folha da Manhã. Teresina, 17 ago. 1960, n. 782, p.04.
114
MENDES, Simplício de Sousa. Atividades comunistas no Brasil III. Folha da Manhã. Teresina, 20 ago.
1960, n.785, p.04.
55

homens do campo deveriam continuar utilizando as denominações que já lhe havia atribuído a
literatura brasileira, como: roceiro, sertanejo, agricultor, entre outras. Mas essa é só uma
forma de demonstrar a infiltração comunista no campo, segundo alguns anticomunistas, o
maior prejuízo que era trazido por essa penetração estava na propagação de ideais
comunizantes, por esse motivo, existia um grande temor de que os trabalhadores do campo se
auto-denominassem camponeses, demonstrando, assim, a intensidade da propaganda
comunista no ambiente rural.
Mesmo a obra marxiana apontando para uma preocupação com os trabalhadores
das cidades e das indústrias, boa parte dos anticomunistas piauienses acreditavam que a
revolução comunista brasileira e piauiense partiria do campo. Nesse sentido, quando era
mencionado o fim da propriedade privada, no Piauí, isto era quase que exclusivamente
compreendido como fim das propriedades rurais. Desta forma, qualquer proposta de pensar a
situação do homem do campo, naquele momento, era sinônimo de comunismo. Um exemplo
interessante sobre essa relação, deu-se a partir da instalação da SUPRA (Superintendência da
Reforma Agrária) no Piauí, segundo alguns jornais da época, vários nomes foram indicados
para assumirem cargos naquela instituição, no entanto esse órgão era visto como uma
"organização tipicamente comunista". Perguntado sobre a relação entre essa instituição e o
comunismo, um representante da UDN, deputado Valdemar Macedo, respondeu ironizando a
excessiva necessidade de atribuir a denominação comunista a qualquer aspecto relacionado ao
campo: "Bem, o comunismo do Deputado Deusdedit Ribeiro eu sei que é pra valer. Mas esse
comunismo do Alfredo [Nunes], Petrônio [Portella], Chagas Rodrigues e SUPRA....nesse eu
115
estou dentro". Os próprios jornais da época ironizavam essa relação entre a SUPRA e o
comunismo com notas cômicas:

NADA COM A SUPRA


O tabelião acabava de ler a escritura e convidou os presentes a assinarem-na.
Foi quando um deles desconfiado pediu:
- Quer repetir as duas palavras finais do aditivo, por favor?
E o tabelião:
- Pois, não. "Data SUPRA".
- Faça outra que esta eu não assino. Com SUPRA pelo meio eu não assino
nem pelo diabo. 116

Os próprios políticos que apoiavam a Reforma Agrária no Estado do Piauí já


sabiam que, ao declarar publicamente o seu apoio, a pecha de comunista lhes seria lançada,
como argumenta o então deputado estadual, pelo PTB, Themístocles Sampaio: “Por isso [...]
não temo ser tachado de comunista, pois todo aquele que defende os humildes, os pobres e o

115
A SUPRA. O Dia. Teresina, 04 nov. 1963, n.1.129, p.04.
116
PELO CANO - nada com a SUPRA. O Dia. Teresina, 28 mai. 1964, n.1250, p.04.
56

homem do campo, como aconteceu com Dom Carmelo Mota e os Bispos do Nordeste, são
classificados de comunistas pela imprensa alugada. Até Dom Avelar117, em Teresina, já é
chamado de comunista”.118
A terra deveria ser um bem comum, pregavam os comunistas, no entanto, para
determinados segmentos anticomunistas, esse era o chavão comunista para implantar o seu
regime nos mais variados países, como sugere o trecho a seguir: " 'A terra para os
camponeses'. Este slogan ajudou todos os regimes comunistas a conquistarem o poder. Todos
eles em determinado momento decretaram a reforma agrária e depois....Depois, confiscaram
as terras distribuídas" [grifo do autor].119 Era dessa forma que a Reforma Agrária era
entendida, como slogan para a consolidação de um regime comunista: “Reforma Agrária é o
slogan número um dessa revolução comunista. É o primeiro degrau da escada comunizante: -
'Terra, pão e liberdade'.”120.
Nos últimos anos da década de 1960, o comunismo estava relacionado a dois
sentidos bastante diferenciados: ao terrorismo, ou seja, terrorista e comunista eram sinônimos,
e a ação promovida por padres subversivos.121 É necessário ressaltar que, nesse momento, a
aproximação entre os ideais comunistas e parte do clero não ocorreu apenas no Brasil, mas em
toda a América Latina.
Logo após o golpe civil-militar de 1964, e depois de uma perseguição aos
comunistas brasileiros, em nome de ideais democratizantes e cristãos, a significação do
comunismo vai ser permeada por duas ações, primeiramente pelas organizações de esquerda,
com a ação da luta armada e, em segundo, pela resistência e denúncias contra o regime militar
organizado por parcela da Igreja Católica. Acreditamos que existiam essas duas formas, que
podemos afirmar como visíveis, na qual houve uma caracterização ou significação do
comunismo, no período compreendido entre 1965 e 1969. Se por um lado, o crescimento das
organizações de esquerda dava um caráter de terrorismo ao comunismo, por outro lado, e de

117
No segundo capítulo trataremos mais detalhadamente sobre a relação do Arcebispo de Teresina, na época,
Dom Avelar e o comunismo. No final desse capítulo alguns elementos sobre a atuação de Dom Avelar no Piauí
também serão analisados.
118
GUILHERME, Olimpio. Assembléia Legislativa. Folha da Manhã. Teresina, 15 nov. 1963, n. 1.652, p.08.
119
LEITE, Cristina. Uma Lição para o Brasil. O Dia. Teresina, 23 abr. 1964, n.1.222, p.03.
120
MENDES, Simplício de Sousa. Socialismo e Reforma Agrária. Folha da Manhã. Teresina, 20 dez. 1960,
n.869, p.04.
121
No segundo capítulo classificamos uma vertente religiosa anticomunista que se fundamentou nos discursos da
Igreja Católica no Piauí. Não estamos caindo em contradição ao afirmar que parcela da Igreja Católica produziu
representações anticomunistas e também foi associada e significada como comunista. Devemos ressaltar que a
produção de representações anticomunistas pela Igreja Católica foi mais expressiva entre os anos de 1960 a
1964, a partir de 1965 as construções discursivas anticomunistas diminuíram, mas não desapareceram. No
entanto, nos periódicos não católicos, a partir daquele momento, começaram a aparecer claramente a relação
entre alguns padres e o comunismo, significando parte da Igreja Católica como comunista.
57

forma decisiva, após o Concílio Vaticano II122, a posição assumida por alguns membros da
Igreja, deu a tônica para a relação entre a ação social de determinados grupos da Igreja
Católica e o comunismo.
Esse último aspecto pode ser compreendido de uma forma específica. Não
estamos afirmando que toda a Igreja Católica apoiasse os ideais comunistas. Por parte de
alguns membros do clero, a relação de segmentos da Igreja Católica e a sua identificação com
o comunismo foi, durante todo esse período, duramente criticada. No entanto, como aponta
Michael Löwy, "O pontificado de João XXIII e o Concílio do Vaticano II (outubro de 1962 a
dezembro de 1965) vão legitimar e sistematizar essas novas orientações, constituindo assim o
ponto de partida para uma nova época na história da Igreja".123 A despeito de não
concordarmos totalmente com a idéia de uma "nova época", uma vez que a Igreja Católica
continuou apoiada em valores tradicionais que remetiam a outros concílios como:
insolubilidade do casamento, a negação ao aborto, entre outros, acreditamos que, apesar da
importância do Concílio Vaticano II na condução de novas posturas na América Latina, isso
não refletiu a postura da Igreja como um todo naquele momento. Entendemos que parcela
significativa do clero também resignificou a sua postura diante do comunismo, nos anos finais
da década de 1960, no Brasil. Acreditamos que a tentativa dessa aliança de forças foi
entendida como necessária, por grupos religiosos e de esquerda, para o enfrentamento da
ditadura no país.
Várias foram as reportagens publicadas no Piauí, no período compreendido entre
meados dos anos de 1967 a 1969, que significavam o comunismo como terrorismo. Com o
início das atividades das guerrilhas urbanas e rurais, e antes do Ato Institucional AI-5, quando
as notícias sobre os comunistas ficaram escassas, foi possível ainda vislumbrar nos jornais
essa associação.

Perigosa quadrilha terrorista de orientação chinesa, composta de frios e


sanguinários marginais e responsável por inúmeros assaltos a bancos, as
casas de dinamites e a quartéis militares e pelo assassinato de diversas
pessoas, está sendo desmantelada no centro-sul do país. [...]
O bando subversivo que se cognominou de "Vanguarda Popular
Revolucionária", atuava no eixo São Paulo, Mato Grosso e provavelmente
122
O Concílio Vaticano II foi um concílio ecumênico da Igreja Católica, conclamado pelo papa João XXIII, que
teve inicio no dia 11 de outubro de 1962, e foi encerrado pelo papa Paulo VI em 08 de dezembro de 1965.
Segundo os documentos do concílio, o seu objetivo era: "O sagrado Concílio propõe-se fomentar a vida cristã
entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de mudança, promover
tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, e fortalecer o que pode contribuir para chamar a
todos ao seio da Igreja. Julga, por isso, dever também se interessar de modo particular pela reforma e incremento
da Liturgia". In.: SACROSANCTUM Concilium. Documentos do Concílio Vaticano II. site:
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-
ii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html. Acessado em 17 de setembro de 2007.
123
LÖWY, Michael. Marxismo e Teologia da Libertação. Traduzido por Miriam Veras Baptista. São Paulo:
Cortez: Autores Associados, 1991. (Coleção polêmicas do nosso tempo).p.34
58

em Minas e na Guanabara.
[...]
A "vanguarda Popular Revolucionária" era uma organização subversiva,
constituída por marginais de toda a espécie, inclusive prostitutas, sendo
todas de alta periculosidade, porque calculistas e sangüinários.124

A idéia de significar o comunismo como um regime violento, ganha mais força


nesse momento. Existe uma tentativa de apontar qualquer ação não identificada pela polícia
como fruto do comunismo, que passa a ser visto como "terrorismo". Exemplo claro pode ser
observado no ano de 1969, quando uma bomba foi colocada na Faculdade de Filosofia do
Piauí: " 'A bomba que explodiu na Faculdade Católica de Filosofia, ontem à noite, faz parte
de um plano nacional de terrorismo' - eis a conclusão a que teriam chegado as autoridades e
observadores em geral.125 As ações dos comunistas eram noticiadas com estardalhaço, sempre
em letras garrafais e eram, em sua grande maioria, seguindo a seguinte tônica:
"COMUNISTAS BOMBARDEIAM PRÉDIOS".126 Até mesmo em forma de poesia se
denunciava a atuação desses comunista-terroristas:

Tira-Gosto
Quem quiser que se dê mal,
Quem quiser, ache ruim!
O Governo Federal
É muito bom pra mim!
Porque, só mau elemento
Acha que não está certo,
Mas, eu acho cem por cento,
O novo horizonte aberto!

O Marechal Presidente
Vai levando esse País,
Com patriotismo ardente
Para um futuro feliz!
O nosso Brasil vai crescer,
sem roubos, sem marmeladas,
Pois, vamos agradecer
As nossas forças armadas
Condenemos os terroristas,
Perigosos assaltantes,
Corruptos e comunistas,
Perversos em cada instante! [grifos nosso] 127

Também eram relatadas minuciosamente as táticas de ataques desses comunistas:


"Recentemente a esposa de um deputado democrata recebeu um 'presente de natal' destinado
ao seu marido e ao abri-lo foi atingida por uma bomba que se encontrava no interior desse

124
DESBARATADA perigosa quadrilha terrorista. O Dia. Teresina, 26 mar. 1969, n.2.686, p.08.
125
EXPLODIU bomba na FAFI. O Dia. Teresina, 20 mar. 1969, n.2.681, p.08.
126
COMUNISTAS bombardeiam prédios. O Dia. Teresina, 13 jul 1967, n.2170, p.08.
127
TIRA-GÔSTO. Estado do Piau. Teresina, 23 fev. 1969, n.1126, p.03.
59

presente, vindo a falecer em conseqüência da explosão [....]”.128


A significação do comunismo como terrorismo também é refletida por Antônio
Montenegro, em estudo sobre o medo do comunismo nas décadas de 1950 e 1960 em
Pernambuco. Para este autor, houve, por parte da imprensa pernambucana, naquele momento,
uma tentativa de culpar os comunistas pelos grandes e numerosos incêndios que ocorriam nos
canaviais, tendo como um dos motivos, aumentar o medo em relação aos comunistas.
Analisando uma reportagem sobre um incêndio, em que a testemunha central tinha sido uma
criança que jurava ter visto um avião "vermelho" pouco antes do incêndio se iniciar, o autor
afirma que mesmo não sendo a criança uma fonte confiável e mesmo que a investigação
apontasse novos rumos, como posteriormente ocorreu: "Percebe-se [...] que a relação entre
incêndio e atividade comunista, terrorista, desestabilizadora da ordem, está cimentada de
forma indubitável”.129 O medo fazia parte do aparato anticomunista na tentativa de significar
o comunismo como terrorismo, como apontou Antônio Torres Montenegro. E os jornais
incentivam esse pânico, publicando formas de como os indivíduos deveriam agir em caso de
contato com os supostos Comunista-terroristas.

DECÁLOGO DA SEGURANÇA
1 – Os terroristas jogam com o medo e o pânico. Somente um povo
prevenido e valente poderá combatê-lo. Ao ver um assalto ou alguém em
atitude suspeita, “não fique indiferente, não finja que não viu, não seja
conivente”. Avise logo a polícia ou quartel mais próximo. As autoridades lhe
dão toda a garantia inclusive do anonimato.
2 – Antes de formar uma opinião, verifique se ela é realmente sua, ou se não
passa de influência de “amigo” que o envolveu. Não estará sendo você uma
“inocente útil” numa guerra que visa destruir você, sua família e tudo o que
mais ama nessa vida?
3 – Aprenda a ler jornais, ouvir rádio ou assistir televisão “com certa
malícia”. Aprenda a captar mensagens indiretas e intenções ocultas com tudo
o que você vê ou ouve. Você vai se divertir muito com o jogo daqueles que
pensam que são mais inteligentes do que você e estão tentando fazer você de
bobo com um simples jogo de palavras.
4 – Se for convidado ou sondado, ou conversado sob assuntos que lhe
pareçam estranhos ou suspeitos, finja que concorda e cultive relações com a
pessoa que assim o sondou e avise a polícia ou o quartel mais próximo. As
autoridades lhe dão toda garantia inclusive o anonimato.
5 – Aprenda a observar e guardar na memória alguns detalhes marcantes das
pessoas, viaturas e objetos nas ruas, nos bares, nos cinemas, teatros e
auditórios, nos ônibus, nos edifícios comerciais e residenciais, nas estações
ferroviárias, nos trens, nos aeroportos, nas estradas, nos lugares de maior
movimentação ou aglomeração de gente.
6 - Não receba estranhos em sua casa – mesmo que sejam da polícia – sem
antes pedir-lhes a identidade e observá-los e guardá-los na memória alguns
detalhes, número da identidade, repartição que expediu, roupa, aspecto
128
GERMANO FILHO. Ação comunista na América Latina. O Dia. Teresina, 22 mar. 1966, n.1.804, p.07.
129
MONTENEGRO, Antônio. Labirintos do medo: o comunismo (1950-1964). In.: Clio. Revista de Pesquisa
Histórica. Recife: editora Universitária da UFPE, n. 22, 2006. p.226.
60

pessoal, sinais especiais e etc. - O documento também pode ser falso.


7 – Nunca pare seu carro solicitado por estranhos e nem lhes dê “carona”.
Ande sempre com as portas de seu carro trancadas por dentro. Quando
deixar o seu carro em algum estacionamento de posto de serviço, procure
guardar alguns detalhes das pessoas que os cercaram.
8 – Há muitas linhas telefônicas cruzadas. Sempre que encontrar uma delas
“mantenha-se na escuta” e informe logo a polícia ou o quartel mais próximo.
As autoridades lhe dão toda garantia inclusive o anonimato.
9 – Quando um novo morador se mudar para o seu edifício ou para o seu
quarteirão, avise logo à polícia ou o quartel mais próximo. As autoridades
lhe dão toda garantia inclusive o anonimato.
10 – A nossa desunião será a maior força do nosso inimigo. Se soubermos
nos manter “compreensivos, cordiais, informados confiantes e unidos
ninguém nos vencerá”. 130

Os movimentos organizados por estudantes, que tiveram uma grande visibilidade


no ano de 1968, foram significados como atos de subversivos comunistas que estariam
infiltrados nas universidades e escolas brasileiras. As reivindicações estudantis que se
espalharam por todo o Brasil, "passaram a ser significados como guerrilha urbana, termos
mais apropriados aos interesses cerceadores das autoridades”.[grifos do autor]131
O terrorismo comunista estava em todos os lugares. Das faculdades às igrejas. É,
nesse sentido, que vamos fazer um ponto de ligação entre o comunismo, significado como
terrorismo, e a ação de alguns padres católicos. No ano de 1969, foi noticiado com grande
sensação nas páginas dos jornais locais o envolvimento de padres com grupos comunistas que
promoviam ações armadas. A matéria "Metralhado e morto Carlos Marighela”,132 foi capa de
um dos principais jornais da cidade de Teresina.

Fotografia 04. Manchete do jornal O Dia sobre a morte de Carlos Marighela.


Fonte: METRALHADO e morto Carlos Marighela. O Dia. Teresina, 06 nov. 1969, n.2.848, p.01.

130
DECÁLOGO de Segurança. Jornal do Piauí. Teresina, 19 dez 1969, n.3.153, p.02.
131
CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar. Deslumbramento e susto: maravilhas tecnológicas, captura social e
fuga identitária nos anos sessenta. In.: ______. Todos os dias de paupéria: Torquato Neto e a invenção da
tropicália. São Paulo: Annablume, 2005, p.78.
132
Carlos Marighela foi importante membro do Partido Comunista no Brasil (PCB). No ano de 1966 optou pela
luta armada contra a ditadura militar e fundou ALN (Ação Libertadora Nacional). Em novembro de 1969 foi
morto em São Paulo pelos agentes do DOPS. Para saber mais sobre Carlos Marighela ver: NÓVOA, Cristiane,
NÓVOA, Jorge. Carlos Marighela: o homem por trás do mito. São Paulo, Editora UNESP, 1999. 560 p.
61

A reportagem apontava que Marighela tinha sido morto no momento em que


tentava se encontrar com sacerdotes para "elaboração de um plano subversivo".133A crescente
oposição ao regime militar no Brasil promoveu uma radicalização, entre os anos de 1967 e
1968, da postura de alguns membros de ordens religiosas, como os dominicanos, que
passaram a apoiar a resistência armada, fornecendo esconderijos aos militantes e ajudando,
inclusive, a sua saída do país. Essa tomada de posição frente à situação política brasileira fez
com muitos religiosos fossem tachados de comunistas. Nesse momento, a Igreja Católica,
para os anticomunistas, estava se cobrindo com o manto vermelho do comunismo.
A aproximação entre alguns membros da Igreja Católica e o comunismo, vai
ocorrer com mais freqüência, após o Concílio Vaticano II. As palavras dos padres, logo após
o Concílio, são apontadas como inovações assustadoras, como sugere a reportagem abaixo:

Em recente visita ao Brasil, o padre jesuíta De Certeau disse que as atuais


posições da Igreja e a dos comunistas estão tomando "rumos paralelos", pois
o catolicismo há de se libertar das abstrações. Ainda segundo o Padre De
Certeau, a recente encíclica "Populorum Progressio", do Papa Paulo VI, vai
levar a Igreja a trilhar novos rumos, abandonando as posições teóricas dos
debates extraterrenos, e a participação da Igreja nos problemas modernos vai
fazê-la mais atuante e condizente com a sua época.
Essa tese da Igreja e comunismo em rumos paralelos corresponde a "dois
companheiros de viagem" é defendida pelos católicos progressistas, ou de
esquerda [...].134

E o articulista continua, mostrando a nova postura católica, "O Padre Bezerra


Melo, da ARENA de São Paulo, pretende, se houver oportunidade ainda neste ano, apresentar
uma emenda à constituição, introduzindo o divórcio no Brasil".135 As posições apontadas pelo
articulista são as de uma Igreja que rompe com as suas próprias convicções, como no caso do
divórcio, nesse sentido, poderia muito bem ter como "companheira de viagem" o comunismo.
E ainda, o autor faz questão de ressaltar que a Igreja Católica deixou de se preocupar apenas
com os valores "extraterrenos", o que implicaria uma opção pela preocupação com os
problemas modernos e a vida mundana.
Eram os padres, nacionais ou estrangeiros, freiras e alguns membros de
movimentos católicos, responsáveis pelo clima de intranqüilidade no final da década de 1960,
para os anticomunistas, em especial os piauienses:

A POSIÇÃO extremada que assumem alguns bispos, padres e frades diante


da questão política e social do Brasil, constitui, sem dúvida, o problema mais
133
METRALHADO e morto Carlos Marighela. O Dia. Teresina, 06 nov. 1969, n.2.848, p.01.
134
DANTAS, Deoclécio. Notas e Fatos. O Dia. Teresina, 04 agos. 1967, n.2.190, p.04
135
Idem, Ibdem.
62

grave de nossa atualidade e a ameaça mais séria à paz política que a


Revolução de 31 de março pensou instituir.
NÃO é possível fugir às conseqüências que eventualmente poderá ter essa
participação crescente de membros do clero, tanto nacionais como
estrangeiros, no trabalho da sedução psicológica das massas, principalmente
de jovens estudantes e operários, para a cruzada de estabelecer no Brasil um
regime político, social e econômico diferente daquele que possuímos.
JÁ AGORA pela palavra de dois prestigiosos Arcebispos, os srs. Dom
Hélder Câmara e Dom José Távora, sabemos que a meta é a instalação aqui
de um regime semelhante ao da Iugoslávia e Checoslováquia. [grifos do
autor] 136

No Piauí, Dom Avelar Brandão Vilela, Arcebispo da arquidiocese de Teresina


(1956-1971), possuía um programa de grande audiência na Rádio Pioneira do Piauí. Todos os
dias, comunicava-se com os ouvintes através de uma oração que tinha como título "Oração
por um dia feliz". Nesse programa, refletia sobre vários temas. Percebendo essa aproximação
entre as causas do materialismo e a providência divina, passou a escrever mensagens em seu
programa, orientando os cristãos para uma conciliação, entre a luta de seus ideais e a prática
religiosa. Dom Avelar reforçava a prática de parcela da Igreja na América Latina, no final da
década de 1960, orientando os cristãos pela busca da justiça social, sem esquecer os valores
divinos. Nesse sentido,

[...] tudo se harmoniza. Nem a confiança suprema e única no homem, como


se Deus não existisse, nem a idéia errônea de que se deve esperar que Deus
venha resolver os problemas dos homens, cada um per si.
É preciso que o homem compreenda que Deus quer sua atividade, sua luta
pelos ideais, sua determinação de levar adiante o desenvolvimento de todos
os povos.137

Mesmo com esse discurso conciliador, Dom Avelar tinha uma preocupação com a
ação de determinados setores que poderiam provocar uma fragmentação no seio da Igreja
Católica no Brasil, pois, segundo o prelado, aquela época estava sendo rica no florescimento
de correntes de pensamento. Dentre essas correntes a que mais preocupou o arcebispo é o que
ele denominou de "corrente profética":

A corrente que se denomina profética, ou que age como se merecesse esse


nome, aquela que avança, que se faz pioneira de novos critérios, métodos, e
não se conforma com a situação atual da Igreja e do mundo. Diante de falhas
que provocaram crises, defende soluções mais ou menos radicais.[...]
Somos, por índole, por formação, por função, avesso a todo radicalismo.
Mesmo quando, em movimentos patrocinados pela Igreja surgiram, surgem
ou virão a surgir excessos propriamente ditos, não foram feitos, não se
fazem, nem se farão pela expressão intrínseca de nossa vontade.
Adiantamos, porém, que não consideramos excesso aquelas atitudes serenas
136
META Vermelha. Jornal do Piauí. Teresina, 22 dez. 1968, n. 1.978, p.02.
137
VILELA, Dom Avelar Brandão. ORAÇÃO por um dia feliz. (s/d) fevereiro de 1969. (documento da
biblioteca do padre Raimundo José Ayremorais)
63

e fortes que significam denúncias de injustiças sociais.[...]


Quando, porém, essa preocupação assume o desafio puro e simples da
autoridade, ou o tipo de contestação que conduz irreversivelmente ao
conflito armado, ou se traduz por intolerâncias que separam profundamente
os grupos humanos, com finalidades conspiratórias, tudo isso já se excede as
nossas intenções e ultrapassam as normas comuns da orientação da Igreja.
[grifo nosso] 138

Dom Avelar, nesse trecho, reflete sobre algo preocupante para a Igreja Católica
naquele momento: a ação armada por partes de alguns membros do clero. A significação de
comunista como terrorista já era uma constante nos jornais da época. Dom Avelar cogita
sobre essa possibilidade de significação de terroristas aos membros do clero, nesse sentido
toma cuidado em afirmar que as ações desses membros da Igreja Católica podem ser
entendidas como "mais ou menos radicais". O maior temor é que parcela do clero promovesse
o conflito, o confronto, em especial, o armado, atitudes próprias dos terrorista-comunistas.
Nesse sentido, a significação de terrorista recairia também sobre parcela da Igreja Católica,
como de fato acabou ocorrendo.
Mesmo não concordando com algumas atitudes tomadas por setores da Igreja
Católica, Dom Avelar defende a unidade cristã no seio da Igreja Católica. E é por isso que o
Arcebispo de Teresina se fez contrário à ameaça de prisão do bispo de Crateús, Dom Antônio
Batista Fragoso. 139

138
VILELA, Dom Avelar Brandão. ORAÇÃO por um dia feliz. 22 de fevereiro de 1969 (documento da
biblioteca do padre Raimundo José Ayremorais)
139
Sobre a reação de Dom Avelar à prisão de Dom Fragoso ver as seguintes reportagens: DOM Avelar protesta
contra ameaça ao Bispo de Crateús. Jornal do Piauí. 23 nov. 1968, n.1946, p.01; D. AVELAR preocupado com
a prisão de Dom Fragoso. O Dia. Teresina, 23 nov. 1968, n.2583, p.01.
64

Fotografia 05. Dom Antônio Fragoso.


Fonte: PRIMEIRO Bispo de Crateús. O Nordeste. Fortaleza, 19. mai. 1964, n.9.887, p.01.

Ao pesquisarmos no arquivo público do Ceará, encontramos documentos do IV


Exército, 10ª Região Militar, que relatavam as atividades de Dom Antônio Fragoso, inclusive
no Piauí. Em um recorte de jornal, que faz parte do dossiê elaborado pelo Exército, relatava-
se até o conteúdo dos discursos do bispo de Crateús no Piauí. Diz o documento:

O BISPO VERMELHO DE CRATEÚS, rezando na cartilha comunista, e em


comunhão com o diabo e com o Arcebispo de São Paulo, o Arcebispo de
Olinda e Recife, o Arcebispo de Goiânia, o Bispo de Goiás, o Bispo de São
Félix, e muitos outros de menos expressão na CNBB (Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil), que é organização de frente do Partido Comunista da
União Soviética, vêm promovendo agitações, instigando pressões,
ressaltando seculares antagonismo sociais, com a finalidade de subverter a
ordem pública [...] em conferência pronunciada em Teresina o Bispo [...]
disse que "Crateús é uma terra de analfabetos onde não se lê jornais e nem se
toma conhecimento do que ocorre no resto do Brasil". [...]140

Dom Antônio Fragoso fez várias visitas ao Piauí. E ficou conhecido aqui como
um bispo esquerdista, como relata Marcos Igreja.

[...] tinha um padre também que vinha de vez em quando aqui, Dom
Fragoso, um bispo, bispo de Sobral, não, Crateús, era o esquerdista do
nordeste, muito boas as palestras dele, e os padres do Diocesano que cediam
toda vez que precisava, por exemplo, o Dom Fragoso vinha fazer uma
palestra aqui, e a repressão queria proibir a palestra e os padres italianos do
Diocesano enfrentaram a repressão e cederam, foi o único local em que ele
fez a palestra, cederam seu espaço, isso mais ou menos em 1967, Dom
Fragoso veio aí e fez uma palestra muito boa, [...].141

Uma outra lembrança da presença do "bispo esquerdista", no Piauí foi apresentada


Antônio José Medeiros142:

140
ANEXO, de artigo no documento: CONFIDENCIAL, do Ministério do Exército. IV Exército. 10ª R.M. -
Q.G. EMG. 2ª Seção. Fortaleza- CE, 1º de fevereiro de 1974.
141
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. NHOIDB, Teresina, 2005.
142
Antônio José Castelo Branco Medeiros foi seminarista, participou do movimento estudantil e foi preso várias
vezes pela ditadura militar como comunista e subversivo, na década de 1960.
65

Em 68 nós trouxemos o Bispo de Crateús, Dom Fragoso, para fazer uma


palestra aqui em Teresina, lá na faculdade, aliás, foi até no Diocesano a
palestra, uma palestra que deu mais de 300 pessoas, foi assim, um
acontecimento na cidade, nós gravamos, depois transcrevemos [....] e depois
quando eu fui preso até que eles diziam que eu fazia parte do grupo Dom
Fragoso, que de fato esse grupo não tinha esse nome, era um grupo de
pessoas, um grupo muito informal que o objetivo era mais debate de
denúncia.143

143
MEDEIROS, Antônio José Castelo Branco. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho.
Teresina, 1997. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos
de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI.
Teresina, 2006. 229p. Dissertação de Mestrado.
66

Fotografia 06. Carta que compõe o dossiê de Dom Fragoso nos arquivos do DOPS.
Fonte: Dossiê de Dom Fragoso nos arquivos do DOPS.

A figura dos padres comunistas vai constituir a significação do comunismo. A


67

pergunta constante que se fazia era: como padre comunista, se o comunismo é ateu? Ou ainda,
podemos repetir a pergunta feita durante o interrogatório do padre dominicano, Frei Betto,
preso pela ditadura militar no ano de 1969 como subversivo: Como um cristão pode colaborar
com um comunista?144 Mesmo com essa profunda divergência, várias ações católicas foram
associadas ao comunismo, e tiveram a sua significação como tal. No Piauí, os casos mais
celebrados foram o do Padre Carvalho, visto por muitos como comunista, por sua atuação em
favor dos operários e camponeses, e o do MEB (Movimento de Educação de Base),
movimento que se propunha a ajudar na alfabetização de moradores do campo, promovido
pela Igreja Católica no Piauí, teve vários de seus membros detidos, acusados de propagarem
ideais comunizantes.

1.4. Considerações iniciais sobre o (anti)comunismo

O anticomunismo instituiu uma tradição política no Brasil. Atualmente, na


internet e em publicações recentes, percebemos a sua existência/sobrevivência. Não é difícil
encontrarmos textos que tentam justificar as ações anticomunistas cometidas, no Brasil nas
décadas de 1960 e 1970, pelo regime militar. Como sugere o trecho a seguir:

Por mais lamentáveis que sejam, as violências e torturas denunciadas no


Brasil, no período da ditadura militar, tornam-se insignificantes perto das
brutalidades do comunismo cubano, minudenciadas no "Livre noir".
O regime comunista de Fidel Castro fuzilou entre 15 mil e 17 mil pessoas
(sendo 10 mil só na década de 60), o número de mortos e desaparecidos no
Brasil, entre 1964 e 1979, seria em torno de 288, segundo a Comissão de
Direitos Humanos da Câmara Federal; e de 224 casos comprovados segundo
a Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça. Portanto, os
males causados pela ditadura militar brasileira perdem de longe para os
males causados pelo “socialismo real” cubano. 145

Esse texto não é da década de 1960 ou 1970, encontra-se hoje na internet, assim
como várias outras publicações anticomunistas146. A batalha travada constantemente na mídia

144
LÖWY, M. Op. Cit. p.62.
145
O LIVRO negro do comunismo. In.: site: http://www.renascebrasil.com.br/campos/comunismo.htm
Acessado em 25 de abril de 2006.
146
Uma das últimas publicações recentes de teor anticomunista foi: USTRA, Carlos Alberto Brilhante. A verdade
sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça. 2ª ed. Brasília: Editora Ser, 2006. Segundo
nosso ponto de vista, a escrita desse livro parte de uma tentativa do autor em justificar as ações do DOI-CODI,
contra a esquerda armada. O autor do livro é um militar da reserva que está respondendo processo por tortura,
ação que, no livro, argumenta nunca ter cometido. Neste livro, é necessário perceber alguns aspectos:
1. o autor não chama "golpe" ou "revolução" de 64, mas contra-revolução, pois de acordo com seu argumento, já
havia muitos anos sucessivas tentativas de tomada de poder pelos comunistas.
68

sobre os benefícios e malefícios do comunismo no mundo, utiliza-se de significados que


foram atribuídos ao comunismo naquele momento. Alguns desses aspectos permanecem em
sua significação, assim como também o comunismo ganhou novos contornos do mundo Pós-
Guerra Fria, provocando algumas fissuras com relação ao significado que lhe foi atribuído
durante a década de 1960, ou seja, permanências e rupturas continuam a dar sentido ao
comunismo também nos dias atuais.
O importante para nosso trabalho é perceber o combate a esse projeto social
durante toda a década de 1960. Permeado por rupturas e permanências, o significado que lhe
era atribuído, além de se sustentar em pontos fixos, para que o leitor das representações
anticomunistas percebesse uma coerência das formulações discursivas, também, possuía a sua
(re)significação relacionada aos contextos políticos e sociais, no Brasil e no mundo. Os
pontos fixos eram referentes: ao comunismo como uma formulação marxista, ao seu caráter
oportunista e estratégico, ao uso da violência como característica primordial para a
implantação de ditaduras e a proposta de ruptura com os valores tradicionais das sociedades
ocidentais, como a família e a religião. Os pontos que se modificaram dentre tantos que
escaparam as nossas análises, apontavam para: a política nacional e as eleições presidenciais,
para a questão agrária no Brasil, o terrorismo e as ações de alguns membros da Igreja
Católica. O que o comunismo significou para cada grupo anticomunista gerou múltiplas
representações, aspecto que será investigado no próximo capítulo.

2. Para o autor existiram três marcos centrais, que ele estabeleceu como tentativas fracassadas dos comunistas
tomarem o poder: a. 1935 - "intentona comunista"; b. 1964 - com a articulação dos movimentos esquerdistas; c.
1968 - com as manifestações populares.
3. Argumenta positivamente as ações do Exército, e aprova a criação dos DOI-CODIs, ao qual teve o II Exército
situado em São Paulo sob o seu comando.
4. O livro é um instrumento interessante para se entender o anticomunismo como uma tradição da cultura
política brasileira, pois, segundo o autor, a tentativa de tomada de poder pelos comunistas não terminou,
sobrevive reorganizado em outros movimentos sociais e partidos políticos como o PT e o MST.
69

2 Contra a Foice e o Martelo: representações e práticas anticomunistas piauienses


na década de 1960

Fotografia 07. Charge com elementos relativos a Cuba.


Fonte: CHARGE. Folha da Manhã. Teresina, s/d, out. 1964, s.n, p.04.
70

O objetivo do presente capítulo é elencar as principais representações sobre o


comunismo, construídas pelos anticomunistas no Estado do Piauí, na década de 1960, no
intuito de apreender a constituição das lutas de representações. Percebemos que determinados
segmentos sociais lutavam para tentar impor o seu modo de vida, ou seu modo de pensar aos
demais grupos. Acreditando que as representações estão intimamente relacionadas às praticas,
neste capítulo, damos visibilidade também a algumas práticas anticomunistas neste Estado.
O anticomunismo foi importante na construção da cultura política147 brasileira
durante a maior parte do século XX. As representações anticomunistas que foram construídas
através dos meios de comunicação, estavam, em grande parte, permeadas por topografia de
interesses148. Deste modo, “as representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnostico fundado na razão, são sempre determinadas pelos
interesses de grupos que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos
discursos proferidos com a posição de quem os utiliza”.149
O anticomunismo não pode ser entendido como uma unanimidade no pensamento
político brasileiro, talvez fosse mais próprio utilizar o termo “anticomunismos”, pelo fato de
se apresentar como uma realidade construída por grupos diversos. O que unia, então, grupos
diversos na luta contra o comunismo?
Na década de 1960, no Brasil, as questões políticas e sociais, apresentavam-se
através dos jornais, revistas e rádio dentro de uma conjuntura instável. Grupos civis
organizados e as instituições tradicionais buscavam se articular de forma a apreender os
fatores comuns à sociedade brasileira que pudessem unir os cidadãos, com o propósito de
constituir um sentimento de brasilidade,150 mas também com a intenção de cooptar apoio para
as suas lutas. Havia uma tentativa de tais grupos para impor uma identidade151 política
nacional naquele momento. A idéia do que era identidade, que nos referimos nesse texto, de

147
“Conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão origem e significação a um processo político, pondo
em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseiam os seus atores”. KUSHINIR, Carina e CARNEIRO,
Leandro Piquet. As dimensões subjetivas da política cultural, política e antropologia. In.: Revista de Estudos
Históricos. nº 24, Rio de Janeiro, 1999/2, p.227.
148
Expressão utilizada por Michel de Certeau para designar o lugar social na escrita historiográfica, no entanto,
entendemos que qualquer forma de escrita “[...] está, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em
particularidades”. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução: Maria de Lourdes Menezes. 2 ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.66.
149
CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela Galhardo.
Lisboa, São Paulo: DIFEL, BERTRAND. 1990, p.17.
150
Paulo Henrique Martins, estudando a Cultura Autoritária no Brasil, reflete sobre termo brasilidade, que
segundo este autor, pode ser entendido como "um conjunto de significações identitárias, ao mesmo tempo
próximas e contraditórias". Ver: MARTINS, Paulo Henrique. Cultura autoritária e aventura da brasilidade. In.:
BURITY, Joanildo A. Cultura e identidade: perspectivas interdisciplinares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.66.
151
As discussões sobre identidade nos dias atuais refletem a condição de crise da modernidade. Nesse sentido,
aceitamos que a identidade pode e deve ser entendida como algo que não é fixo, essencialista ou permanente.
Ver: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. 9 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
71

cuja concepção não partilhamos, parte de uma noção que teve influência de um pensamento
positivista ainda muito cultivado na década de 1960, pelo menos entre os grupos mais
conservadores no Brasil, o que remete, substancialmente, a algo essencial que ligava os
indivíduos, algo que cobre qualquer fissura.
É nesse momento, que a união dos grupos de “esquerda” e dos grupos de “direita”
provocou uma luta no sentido de impor uma identidade política brasileira orgânica e
autêntica. De um lado, as “esquerdas” pretendiam mostrar que o Brasil foi e continuava sendo
um país em que as desigualdades sociais atrapalhavam o desenvolvimento da nação, o que
implicaria uma necessária reforma nos mais variados setores sociais. Por outro lado, as
“direitas” investiam em uma suposta “tradição democrática brasileira”, considerando que esta
não poderia ser deixada de lado, pois, segundo o entendimento desses grupos, todos os
brasileiros eram favoráveis aos ideais democratizantes.152
Observando essas propostas, reivindicações e conservações sociais, é possível
perceber como a década de 1960, possibilitou à alguns brasileiros153 se articular entre um
desses lados: ou se era "esquerdista", ou "direitista". Nesse momento da história política do
país, mesmo que os indivíduos não se posicionassem claramente em nenhum dos lados, a
divisão de postura política fazia com que os participantes de determinada ala classificassem
os indivíduos de acordo com o que eles acreditavam que eram atitudes próprias de cada
grupo. Mesmo concordando com Edwar de Alencar Castelo Branco,154 quando argumenta que
os anos sessenta assistiram ao surgimento de um novo modo de ser, subterrâneo ou
undergroup, em que a expressão "cair fora" era a palavra de ordem, entendemos que a
classificação desses indivíduos que se encontravam fora da esfera de luta macropolítica, era
feita sem o menor constrangimento pelos indivíduos que se autodenominavam direitistas ou
esquerdistas. Para estes últimos grupos, a postura de indiferença com relação à macropolítica
não existia. Um bom exemplo disso, é dado pelo próprio Edwar Castelo Branco, ao analisar
os conflitos entre diferentes segmentos jovens nos anos 1960, o autor aponta para um conflito
significativo ocorrido entre as experiências tropicalistas e os segmentos ligados ao Centro de
Cultura Popular da União Nacional dos Estudantes, estes últimos "tendiam a projetar, nas
manifestações culturais não engajadas - como, do seu ponto de vista eram as manifestações

152
Segundo Jorge Ferreira, entre os anos de 1945 a 1964, observar-se uma divisão de projetos para o Brasil “De
um lado a esquerda [...] com o projeto nacional estadista [...]; de outro, os liberais-conservadores de direita.”
FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.14.
153
Não podemos atribuir uma participação e, muito menos, divisão de postura política à todos os brasileiros da
década de 1960, como veremos no terceiro capítulo, algumas pessoas se furtavam ao debate outras nem mesmo
entendiam esses acontecimentos políticos.
72

tropicalistas - a dimensão de 'vazio' e 'alienado'".155 De acordo com os segmentos ligados ao


Centro de Cultura, a alienação das experiências tropicalistas projetava uma aproximação com
a direita, pois não questionava as suas ações e discursos. Nesse momento, qualquer tentativa
de indefinição frente à situação política da época não era aceita, como aponta o texto:

De vez em quando, na fraseologia universal, surge um termo que toma


grande voga e é transformado em estribilho paulificante, pois na verdade
significa o contrário daquilo que se pretende impingir. Ultimamente isso está
acontecendo com a palavra "neutralismo", inventada pelos cripto-comunistas
ou partidários do imperialismo moscovita para afastar da órbita democrática
os países que não têm coragem de afirmar suas tendências políticas. 156

No trecho acima, os que adotam posturas neutras, na verdade, segundo o cronista,


são partidários de Moscou, ou como ele mesmo se referiu "cripto-comunistas". A indefinição
não era bem vista, naquele momento na política brasileira, pois, "[..] no mundo de hoje não há
lugar para 'neutros' e 'não comprometidos' ".157 Por conta desse processo de nomear e
classificar, vários grupos, instituições, partidos políticos, muitas vezes, com propostas
diferenciadas, e até mesmo opostas, vão se unir na década de 1960 para lutar por alguns
objetivos comuns, procurando definir a sua posição política.158
Para os indivíduos que viveram nesse momento ficava evidente quais os caminhos
que deveriam ser seguidos:

Estamos mais do que convictos de que, atualmente, no Brasil, só existem


dois caminhos que podem ser seguidos. De um lado vislumbramos a
Democracia, com todos os defeitos, porém como o regime que mais nos
convém, justamente porque entre outras cousas, considera a pessoa humana
como imagem e semelhança de Deus – princípio esse que cala
profundamente na índole do nosso povo. De outro vemos o comunismo, o
totalitarismo que é anti-cristão e, sobretudo anti-humano, relegando o
homem, o direito e Deus a um plano secundário.
É essa a situação por que passa o nosso país presentemente. Não há exagero.
Ninguém em sã consciência, poderá contestar o que acima dissemos. É uma
154
CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar. Deslumbramento e susto: maravilhas tecnológicas, captura social e
fuga identitária nos anos sessenta. In.: Todos os dias de paupéria: Torquato Neto e a invenção da tropicália. São
Paulo: Annablume, 2005. p.49-96 .
155
Idem, p.82.
156
TIPOS de neutralidade. O Dominical. Teresina, 11 nov. 1961, n.45/61, p.03
157
COMUNISMO, maior inimigo do Brasil de hoje, diz General Freitas Rolim. O Dominical. Teresina, 16 dez.
1962, n.48/62, p.03.
158
O estudo sobre a aproximação entre culturas políticas divergentes e concorrentes, articulando-se em torno de
um objetivo comum, parte de um estudo de Fábio André G. das Chagas, que em sua tese de doutorado está
desenvolvendo um estudo sobre a união entre comunistas e trabalhistas no cenário político da década de 1960. O
autor afirma que em meio ao processo de fragmentação das esquerdas, muito evidente na historiografia, há uma
aproximação entre culturas políticas distintas e concorrentes, como é o caso dos comunistas e trabalhistas. Nessa
mesma perspectiva entendemos as diversas culturas políticas de direita na década de 1960 e a sua relação com o
comunismo. CHAGAS, Fábio André G. das. Comunistas e Trabalhistas no cenário político brasileiro dos anos
1960: notas sobre o trânsito entre culturas políticas. In.: Revista Cantareira. 6ª ed - on line. Site:
www.historia.uff.br/cantareira . Acessado em março de 2006.
73

realidade palpável, inconteste e insofismável. 159

Segundo Jorge Ferreira, no início da década de 1960 "tanto os direitistas quanto as


esquerdas escolheram como estratégia o enfrentamento. O clima era de radicalização e o
presidente [João Goulart], até então, procurara conciliar o inconciliável".160 Nessa luta para
impor uma identidade política aos brasileiros, as “direitas”, assim com as esquerdas,
aglutinaram um grande número de indivíduos, dos mais diversos segmentos sociais, em torno
das suas propostas. Assim, se a identidade é marcada pela diferença (ou seja, o indivíduo se
constitui por aquilo que ele não é), um dos fatores que unia as “direitas” era a idéia de que “o
outro”, no caso o comunismo, iria atentar contra as tradicionais instituições políticas
nacionais. De certa forma, esta pode ser uma interpretação para a união dos mais variados
grupos naquele momento, a constituição de uma identidade política brasileira, pautada nos
“tradicionais” princípios democratizantes e contra o comunismo.
As representações construídas, naquele momento sobre o comunismo são guiadas
por essa ótica identitária. É comum observar na imprensa escrita que os discursos
anticomunistas eram justificados em nome da “tradição democrática brasileira”: "As Forças
Armadas souberam, pelo heroísmo da Revolução de março de 1964, reintegrar o país ao
respeito e a legalidade constitucional de uma Nação livre e independente, digna de suas
tradições democráticas" [grifo nosso].161 Mas, seria o Brasil República um país democrático
por tradição? Ou melhor, como pensar a sustentação dos discursos das “direitas”, na década
de 1960, justificado pela “tradição democrática brasileira”?
Para Eric Hobsbawm, “muitas vezes, tradições que parecem ou são consideradas
antigas são bastante recentes, quando não são inventadas”.162 A idéia de “tradição
democrática brasileira”, foi uma invenção163 que, dentre outros fatores, teve como
reforço/sustentação à conjuntura instável brasileira da década de 1960, ou seja, o clima de
instabilidade política e social foi propício para a reforçar/sustentar a invenção de uma
tradição, que era, muitas vezes, legitimada pela visitação constante a acontecimentos do
passado.
Um dos acontecimentos que reafirmava a "tradição democrática brasileira" foi,

159
CARVALHO E SILVA. F. de Assis. Grande Dilema. Estado do Piauí. Teresina, 21 nov. 1963, n.594, p.01.
160
FERREIRA, Jorge. A frente de mobilização popular: a esquerda brizolista e a crise política de 1964. In.: Clio.
Revista de Pesquisa Histórica. Recife: editora Universitária da UFPE, n. 22, 2006. p.120.
161
NOSSA homenagem. O Dia. Teresina, 30 mar. 1968, n.2391, p.01.
162
HOBSBAWM, Eric. Introdução. HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (org.). A invenção das
Tradições. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1997, (Coleção pensamento Crítico) p.09.
163
“Por ‘tradição inventada’ entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou
abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de
comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado”.
Idem, Ibdem.
74

sem dúvida, a homenagem aos soldados mortos na "Intentona Comunista". Todos os anos, em
vários Estados, inclusive no Piauí, prestavam-se homenagens aos heróicos soldados que
morreram tentando preservar a democracia no País, contra a ditadura do comunismo, como
sugerem os trechos abaixo:

Prosseguem em todo o país as homenagens cívicas prestadas às vítimas da


intentona comunista de 1935. O Piauí não pode ficar indiferente a essas
manifestações a qual, com emoção, se associa.164

A Guarnição Federal de Teresina, em solenidades cívicas e religiosas, com o


apoio das autoridades, reverenciou os mortos na intentona comunista de
1935, como sucedeu em todo o país.
[...] a intentona de 1935 mancha que nos envergonha e que se fez
responsável pela morte de oficiais e praças do Exército Brasileiro, heróis
defensores da democracia liberal e da integridade nacional.165

Transcorre hoje mais um ano do sangrento acontecimento que enlutou a


família brasileira em 1935 [....].
Ao reverenciar a memória daqueles que, em defesa da Pátria e da
Democracia, tombaram ante a barbárie dos comunistas, queremos que o
povo brasileiro [fique] de sobreaviso quanto a uma nova investida, que agora
se prepara em maiores proporções.[...]
Esperemos que o sacrifício dos que caíram em defesa da Democracia,
vítimas da indisiosa e traiçoeira ação comunista, não tenha sido em vão.166

Ao ensejo em que se presta tão significativa homenagem póstuma às vítimas


da Intentona Comunista de 1935, formulamos votos a Deus para que a
unidade das Fôrças Armadas lideradas pelo Exército de Caxias, saiu de todas
as investidas que tem sofrido da parte das ideologias inaceitáveis pelo
espírito democrático dos brasileiros incólumes, para a maior tranqüilidade da
imensa família cristã deste País [...]167

Todos esses discursos (em jornais diferentes e anos variados) têm características
comuns, permaneciam com a idéia de que o povo brasileiro sempre preferiu o regime
democrático a qualquer outra forma de governo. Nesse sentido, para que uma tradição se
consolide, é necessário, além de sua constituição em momentos de crise, ser constantemente
lembrada, reforçada, pois, segundo Eric Hobsbawm “Em poucas palavras, [as invenções de
tradições] elas são reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a
situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que
obrigatória”.168 A invenção de uma tradição democrática brasileira segue em meio à intensa
propagação de uma proposta identitária política nacional, e tinha como um dos seus grandes
pilares o anticomunismo.

164
PROSSEGUEM em todo país..., Jornal do Piauí. Teresina, 26 nov. 1961, n.976, p.01.
165
INTENTONA comunista de 1935. Jornal do Comércio. Teresina, 28 nov. 1962, n.3.026, p.04.
166
TAJRA, Jesus Elias. Intentona Comunista. Folha da Manhã. Teresina, 27 nov. 1963, n.1.659, p.05.
167
NEGREIROS, Sebastião. A Intentona comunista de 1935. O Dia. Teresina, 01/02 dez. 1968, .2.595, p.04.
168
HOBSBAWN, E. Op. Cit. p.10.
75

A partir dessa perspectiva, é necessário atentar para um fator central, as


representações anticomunistas serviram com um ponto comum para diversos grupos, uma vez
que,

A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos


por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-se como
sujeitos. É por meio dos significados produzidos pelas representações que
damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos [...]. A representação,
compreendida como um processo cultural, estabelece identidades individuais
e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem
possíveis respostas às questões: quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem
eu poderia ser? Os discursos e os sistemas de representação constroem os
lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos
quais podem falar.169

As representações são percebidas como construtoras de identidades individuais e


coletivas. As representações anticomunistas, de forma especial, ajudaram na consolidação da
idéia de um Brasil democrático por tradição. Estava se evidenciando, pelo menos em nível de
discurso, uma cultura nacional, pois:

As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais,


mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um
discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto
nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos [...] As culturas
nacionais, ao produzir o sentido sobre “a nação”, sentidos com os quais
podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão
contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que
conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas.
Como argumentou Benedict Anderson (1983), a identidade nacional é uma
“comunidade imaginada”. [grifos do autor] 170

As representações anticomunistas ajudaram a construir uma tradição política


brasileira durante a maior parte do século XX. Construindo sentidos sobre o país e
estabelecendo formas dos indivíduos se definirem em sociedade.
Assim, considerando que as representações anticomunistas, ao serem geradas,
também são reflexos das topografias de interesses, construídas pelos indivíduos, como
também pelos grupos sociais dos quais eles fazem parte, entendemos que estas foram
constituídas por interesses diversos, sendo também fruto de representações concorrentes. No
entanto, percebemos que apenas algumas representações prevaleceram, demonstrando, dessa
forma, como as representações podem ser visualizadas como um “campo de concorrências e

169
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In.: SILVA, Tomaz
Tadeu da. (org.) Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. 2 ed. Vozes. Petropólis, RJ. 2000,
p.17.
170
HALL, S. Op.Cit. p.51.
76

de competições”.171
Assim, procuramos identificar as representações anticomunistas, na década de
1960, no Estado do Piauí, no intuito de analisar os discursos concorrentes que, de certa forma,
estabeleceram na memória coletiva172 uma “homogeneidade” sobre o comunismo, enquanto
algo negativo. Problematizamos nessas representações três vertentes: a da propriedade
privada, a do conservadorismo e a religiosa. Não estamos afirmando que estas vertentes
estejam completamente separadas, pelo contrário, elas, ao mesmo tempo em que se
relacionam, se complementam, bem como a ênfase dada a cada uma dessas vertentes esteve
relacionada ao lugar social dos que as constituíram.

171
CHARTIER, R. Op. Cit, p.17
172
Ver: HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. SP: Vértice, Editora Revista Tribunais, 1990.
77

2.1 Quem é Deus e o Diabo na terra do sol? A questão da propriedade privada e o


anticomunismo na década de 1960.

Fotografia 08. Charge com elementos relativos à Cuba.


Fonte: CHARGE. O Dia. Teresina, 06 out. 1964, n.1354, p.01.

A charge acima remete a uma preocupação dos anticomunistas da década de 1960:


a tentativa dos comunistas de iludirem o homem do campo. Esta charge apresenta-se de
maneira educativa, ilustrando o papel dos comunistas. No primeiro quadro, uma figura que
podemos apresentar como Fidel Castro, desenhado como se fosse um grande homem, mostra
a alguém onde encontrar um sistema sem miséria. O pequeno camponês, sugerido assim pelo
chapéu de palha, (em nossa opinião, talvez essa representação de camponês esteja mais
relacionada com o trabalhador rural da América Central do que com o agricultor brasileiro)
segue a direção apontada por Fidel Castro, mas não acreditando totalmente nas palavras ditas,
uma vez que no segundo quadro sobre o camponês é desenhado um ponto de interrogação. No
terceiro quadro, o camponês vê uma figura em estado sonolento, que supostamente seria Che
Guevara, mostrando placas que remetiam a uma situação oposta à anunciada por Fidel Castro.
O camponês ironiza, dizendo, a sorrir, a seguinte frase: não há nada!
Esta charge ilustra como a introdução de militantes comunistas na orientação do
homem do campo, na década de 1960, era uma preocupação naquele momento. Nesse sentido,
percebemos que uma grande quantidade de indivíduos se posicionou contrário ao comunismo,
levantando como bandeira de luta, a preservação da propriedade privada, em especial a
propriedade rural.
A vertente anticomunista da propriedade privada foi, entre o período de 1961 a
1964, a mais enfatizada, defendida e, acima de tudo, determinante para a construção das
demais representações anticomunistas no Estado do Piauí, mas principalmente na cidade de
78

Teresina. No entanto, é necessário fazer uma ressalva sobre a análise dessa vertente. As
representações anticomunistas que se constituíram em torno da vertente propriedade privada,
estavam em sua grande maioria relacionadas a duas questões: a Reforma Agrária e a
estatização de bens. Nos jornais locais a Reforma Agrária teve maior destaque, segundo a
nossa opinião, porque refletia o contexto histórico pelo qual o Brasil estava atravessando,
mergulhado no debate das Reformas de Base, mas também pelas particularidades piauienses,
pois este Estado teve como princípio colonizador os grandes latifúndios173. Era o discurso
citadino que se fazia sobre o campo, porque a cidade, sendo o ímã catalisador de gente,
novidades e avanços técnicos, portanto supostamente superior àquele outro segmento,
produziu seu discurso sobre o que era bom e mau para o campo. Se, por um lado, os donos
das terras, argumentavam que o campo deveria continuar como sempre esteve, e que a
desordem que estava ocorrendo era o resultado da penetração de forças estranhas ao meio
agrário, motivadas pelos comunistas; Por outro lado, havia uma tentativa de ajudar os
trabalhadores rurais a terem uma condição de vida melhor. Foi assim, por conta desse apoio
aos trabalhadores do campo, que membros da Igreja Católica, do governo e alguns reformistas
passaram a ser acusados de comunistas.

173
“A população do Piauí em 1950, alcançava 1.045.696 habitantes com 83,7% destes na zona rural. Com isso
tinha o Estado, aproximadamente para cada 6 habitantes, apenas 1 na zona urbana”. MARTINS, Agenor de
79

2.1.1 Reforma Agrária - Na lei ou na marra!

Fotografia 09. Charge indicando a participação de Chagas Rodrigues no movimento das Ligas Camponesas.
Fonte: CHARGE Ligas Camponesas e Chagas Rodrigues. Jornal do Piauí. Teresina, 25 dez 1962, n.1.084.

Em 1961, a questão agrária estava em voga no Brasil. No Nordeste, as Ligas


Camponesas,174 no ano de 1955, no engenho Galiléia, município de Vitória do Santo Antão,
localizado a 60 quilômetros de Recife, mobilizava os trabalhadores rurais contra a exploração
efetuada pelos latifundiários. Com o apoio do Partido Comunista, estes trabalhadores
organizaram a Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPP) e

Sousa [et al]. Piauí: evolução, realidade e desenvolvimento. 2 ªed. Teresina: Fundação CEPRO, 2002. p.34.
174
A fundação e organização das Ligas Camponesas pelo Partido Comunista remete à década de 1940. Sobre as
Ligas Camponesas ver: DABAT, Christine Rufino. “Depois que Arraes entrou, fomos forros outra vez”: Ligas
Camponesas e Sindicatos de trabalhadores rurais: a luta de classes na zona canavieira de Pernambuco segundo os
cortadores de cana. In.: Clio. Revista de Pesquisa Histórica. Recife: editora Universitária da UFPE, n. 22, 2006.
p.149-188.
80

contavam com o apoio do deputado federal Francisco Julião. Este movimento incentivou o
nascimento de outras organizações camponesas, em outros Estados, com o mesmo nome de
Ligas Camponesas, inclusive no Estado do Piauí. Reunidos e mobilizados, os camponeses
começaram a lutar pela Reforma Agrária.
É nesse mesmo momento, e diante de uma conjuntura instável nacionalmente, 175
que ocupa o cargo de governador do Estado do Piauí, Francisco das Chagas Caldas Rodrigues
(1959-1962).176 Sua postura era a de aproximação com os movimentos populares,
conduzindo seu governo de uma forma distinta das promovidas até aquele momento no
Estado do Piauí:

Chagas Rodrigues definiu um estilo de governo antes desconhecido no Piauí,


com mobilização popular e forte utilização da mídia. Apoiou a instalação da
Rádio Clube e ali mantinha o programa semanal “Falando com o Povo”;
recebia sindicatos e associações no palácio do governo, instituiu audiências
populares aos sábados [...]; recebia a imprensa semanalmente e concedia
longas entrevistas coletivas transmitidas ao vivo pelo rádio, quando
retornava de viagens mais demoradas [...]; chegou mesmo a promover uma
concentração popular, após seis meses de governo, para “prestar contas” [...];
programações do governo eram organizadas em promoção conjunta com
sindicatos [...]. Sobretudo, o governo era uma “fábrica de idéias” – que, na
maioria das vezes, não passaram de idéias, mas que alimentaram sonhos de
um Piauí novo e melhor. [grifo do autor] 177

A proposta de um contato mais constante com a população fez com que Chagas
Rodrigues utilizasse um veículo de comunicação, que, no Estado do Piauí, ainda estava em
seu apogeu: o rádio. Segundo Francisco Alcides do Nascimento, naquele momento para o
Piauí ainda era a “Era do Rádio”.178 A aproximação do governador com as camadas mais
pobres da população, através dos meios de comunicação de massa, não foi bem vista por
muitos segmentos políticos, especialmente quando os discursos transmitidos, através de rádios

175
Para Daniel Aarão Reis Filho, no plano nacional, aguçavam-se as contradições. A burguesia vacilava devido à
não confiança total no governo e também pelo temor do socialismo. Reconhecia-se que esse pânico, forjado, ou
não, paralisava o ímpeto reformista. Ainda havia a postura de João Goulart, que, para Daniel Aarão Reis Filho,
era a de um zig-zag na procura de apoio, posicionando-se ambiguamente frente aos acontecimentos. O autor
também não poupou as posições do próprio PCB, refletindo que o Partido ao tempo em que apoiava o governo,
ia as ruas incentivar as pressões populares contra o próprio governo. REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução
faltou ao encontro. Os Comunistas no Brasil. Brasiliense. São Paulo. 1990.
176
Em 1959 é eleito governador do Piauí, Francisco das Chagas Caldas Rodrigues, candidato da oposição pela
coligação PTB-UDN. Chegou ao poder devido a uma fatalidade, a morte de Demerval Lobão e Marcos Parente,
candidatos a governador e senador pela oposição. O acidente automobilístico que tirou as vidas dos dois
políticos, que viajavam, para fazer um comício na cidade de Água Branca, ficou conhecido como Desastre da
Cruz do Cassaco, e a morte dos candidatos, provocou uma comoção na população piauiense. Porém, o clima foi
bem explorado pelas lideranças oposicionistas, José Cândido Ferraz e Matias Olympio, que, para substituir o
candidato a governador que morrera, indicaram o parnaibano Chagas Rodrigues. Sobre esse assunto ver:
MEDEIROS, Antonio José. Movimentos Sociais e participação política. Teresina (PI), CEPAC, 1996;
TAVARES, Zózimo. 100 fatos do Piauí no século 20. Teresina: Halley, 2000. 122p.
177
MEDEIROS, Antonio José. Movimentos Sociais e participação política. Teresina (PI), CEPAC, 1996, p.69
81

ou pelo jornal escrito, reforçavam o apoio às organizações que lutavam pela Reforma Agrária.
Desse modo, foi por meio do rádio que houve uma maior penetração dos discursos dos
homens da cidade no campo.
No ano de 1961, a decisão de apoio do governador às Ligas Camponesas do
Estado foi uma das iniciativas mais polêmicas, como podemos observar neste trecho de uma
reportagem do jornal Estado do Piauí:

Um congresso sindical de trabalhadores e camponeses realizado em fins de


abril deste ano, no Piauí, constitui, no Estado, as Ligas Camponesas, que já
estão confortavelmente instaladas no próprio Palácio do Governo. O senhor
Chagas Rodrigues, governador do Estado, é o patrocinador das Ligas
Piauienses, que por causa disso, estão em melhores condições de que todas
as ramificações da instituição espalhadas no Nordeste, embora não contem
com a popularidade das Ligas de Pernambuco. 179

A reportagem indicou que as Ligas Camponesas não eram bem aceitas por alguns
segmentos jornalísticos. Para alguns proprietários rurais, jornalistas e membros de partidos
oposicionistas, era uma audácia o governador trazer ao palácio de Karnak, sede do governo
(que era um lugar civilizado, citadino, digno de homens cultos e poderosos), trabalhadores
analfabetos, rudes e sem modos. Mas a decisão de apoiar as Ligas Camponesas no Estado
esteve vinculada à forma de governo proposta por Chagas Rodrigues. No entanto, essa não era
uma forma que agradava muito às antigas elites políticas e rurais.
O Piauí, desde a colonização, possuiu uma elite detentora da maior parte das
propriedades rurais. Em tempos mais recentes, em geral, esses latifundiários se agregavam em
um ou outro partido político. As práticas de coronelismo, nas décadas de 1940 e 1950, ainda
eram muito comuns no interior do Estado, como relata Marcos Igreja, comunista na década de
1960:

[...] o meu pai, [...] foi morar no interior, [...] ele ocupou a Ilha Grande da
Conceição pra fazer uma roça, e o coronel Gervásio Costa, que era dono das
terras, das terras do outro lado do Maranhão, se achava também dono da
ilha, e aí foi lá com os jagunços pra botar meu pai pra fora, aí meu pai jogou
na cara dele a autorização da capitania dos portos, esse homem ficou com
uma raiva, [...] porque nas terras de Gervásio Costa o que prevalecia era a
ordem dele, se dava chicotada em caboclo desobediente, comprava o côco
pela metade do que os vizinhos compravam, não se pegava em dinheiro, ele
dava um valezinho. Você ia, levava dez quilos de côco, que digamos
valessem dez reais, você consumia de mercadoria cinco reais aí recebia, vale
este cinco reais, [...] os caboclos chamavam (o vale) de “sunguelo”, depois
ele evoluiu e cunhou uma moeda, acho que ainda hoje tem, ele, o Gervásio
178
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Fios da memória: histórias do rádio. In.: CASTELO BRANCO,
Edward de Alencar, NASCIMENTO, Francisco Alcides do e PINHEIRO, Áurea Paz (org.). História: cultura,
sociedade, cidade. Recife: Bagaço, 2005. p.5-24.
179
CABRAL, Sérgio. Liga do Piauí têm apoio do governo e da igreja. Estado do Piauí. Teresina, 26 out. 1961, n.
353, p. 06.
82

Costa, era tão, era um coronel tão forte que cunhou duas moedas lá nas terras
dele; do lado do Piauí valia o Gonçalves Dias, 5 Gonçalves Dias, 10
Gonçalves Dias, 15 Gonçalves Dias e do lado do Maranhão era o Novo Nilo,
10 Novos Nilos, 20 Novos Nilos. Não tinha o cruzeiro, que era moeda da
época, só se pegava em cruzeiro quando vinha pra capital, e tinha que
justificar perante o capataz dele, que era muito mais um feitor, às vezes,
justificar porque queriam, iariam precisar daquele dinheiro, (por)que o Novo
Nilo não valia nem em União, a moeda chamada Novo Nilo não valia nem
em União e nem em Teresina, então, tinham que vir com o cruzeiro, mas era
essa opressão econômica. Se fosse hoje viveriam, estavam aí nesse negócio
de trabalho escravo. Então, meu pai se insurgiu contra o Gervásio Costa e
também teve que vir embora de lá.180

Essa narrativa ilustra a situação da posse de terra no Piauí, alguns latifundiários,


não se achavam donos apenas da terra, mas também da vida dos que nela moravam como
agregados. Esse quadro narrado por um filho de agricultor, reflete a questão da posse de terra,
em um período recente a este que está sendo analisado neste trabalho. É possível pensar em
um quadro completamente diferente deste em apenas uma década? A situação agrária no
Estado do Piauí tinha a sua tradição histórica. Nesse sentido, ao apoiar as Ligas Camponesas,
e, sobretudo a Reforma Agrária, o governador Chagas Rodrigues nitidamente propôs uma
ruptura com uma tradição piauiense.
No entanto, as propostas de mudança não se davam apenas com relação às
questões das propriedades rurais. Passado apenas um ano de seu mandato, Chagas Rodrigues
já propunha mudanças, pelo menos em nível de discurso, das antigas promessas políticas:

Ora, desde maio, talvez desiludido com as perspectivas de atuação mais


imediata e impactante da SUDENE no Piauí, Chagas Rodrigues passara a
assumir um discurso mais radical. Nas comemorações de 1º de maio de
1960, o governador se posiciona com veemência: 1) deve ser construído um
mundo novo sobre o mundo velho de atraso e de pauperismo; 2) o homem
não será mais explorado pelo próprio homem; 3) havemos de forjar um
mundo onde o sol brilha para todos; 4) o capitalismo é um mal e o mundo
capitalista se esboroa; 5) estamos no século das nacionalidades para sacudir
o jugo do colonialismo e combater o subdesenvolvimento; 6) pretendo
imprimir novo sentido à política agrária, no sentido de que as terras sejam
postas à disposição dos trabalhadores e suas famílias; 7) tudo farei contra o
latifúndio para desapropriar terras e entregá-las aos trabalhadores e sua
famílias” (resumo feito pelo jornalista A.Tito Filho, em DIA: 05.05.60).
[grifos do autor] 181

Apesar do desgosto dos latifundiários com as declarações do governador, os


ânimos eram aplacados devido à coligação do partido do governador, PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro), com a UDN (União Democrática Nacional). No entanto, esse jogo
político durou pouco, logo após João Goulart assumir a Presidência da República, a UDN

180
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. Teresina, 2005.
83

rompe com o PTB em nível local. Os principais motivos foram: o jogo eleitoral que estava
previsto para o ano seguinte e o apoio aberto do governador à questão da Reforma Agrária,
sendo esse segundo aspecto o acelerador do processo de ruptura da coligação.
Apesar das organizações no campo terem, naquele momento, um nítido avanço,
pouco se acreditava em uma concretização da proposta de Reforma Agrária, e um dos motivos
era a relação entre os latifundiários e os partidos políticos, como sugere o texto:

Embora ansiosamente desejada por aqueles que são desfavorecidos da sorte,


embora se baseie em princípios de sã moral em normas de igualdade e
fraternidade, e em preceitos humanitários e cristãos, não se deve acreditar na
concretização do plano da reforma agrária. [...]
Aos políticos, notadamente os que são latifundiários, senhores feudais dos
tempos modernos, a eles não agrada essa reforma; e poderão dizer: o Brasil é
muito grande não há necessidade de reforma agrária, se o ‘Zé ninguém’
quiser terras que vá para o Mato Grosso, Goiás, Pará ou Amazonas, o
governo que lhes dê lá..... 182

A questão agrária, na década de 1960, estava no olho do furacão. A posse de João


Goulart reavivou o debate. Chagas Rodrigues, por ser do mesmo partido político do
presidente e seu notório apoiador, comunga das posições do governo de Jango. Não só
caminhou com Jango, mas também estabeleceu relação com personalidades nacionais,
reconhecidas como esquerdistas, como sugere a foto a seguir:

181
MEDEIROS, A. J. Op. Cit. p.72
182
ALENCAR, Guedes. Reforma Agrária. Estado do Piauí. Teresina, 11 de fev. de 1960, nº 216, p.03.
84

Fotografia 10. Chagas Rodrigues sendo cumprimentado por Leonel Brizola.


(O Governador Chagas Rodrigues ao Chegar a Porto Alegre, foi recebido cordialmente pelo chefe do Executivo
Gaúcho. Na foto, os dois governadores ainda no aeroporto – Leonel Brizola e Chagas Rodrigues, trocam
cumprimentos)
Fonte: CLICHÊ: foto Brizola e Chagas. Estado do Piauí. Teresina, 16 abr. 1961, n 331, p. 01.

A determinação inovadora do governador e suas alianças políticas vão gerar


problemas para a sua administração e, posteriormente, para a sua sucessão, pois a pecha de
comunista foi lançada a Chagas Rodrigues.

O governador do Piauí, Sr. Francisco das Chagas Rodrigues está entrosado


nesse plano - consciente ou inconsciente, - certo é que anda metido nessa
agitação socialista, toda em atividade para de qualquer maneira, transplantar
o comunismo cubano para o Brasil. Pelo menos com regime de República, -
contra as tradições liberais e políticas do povo brasileiro. 183

Isto foi tão marcante em seu governo que, mesmo após o golpe militar-civil de
1964, o ex-governador, Chagas Rodrigues e os que o acompanharam eram relacionados à
praga comunista que se alastrou no Piauí. Dizia-se: “[...] Gafanhoto devoradores dos
carnaubais do patrimônio público [...] Vorazes devoraram tudo, alimentando até a praga

183
MENDES, Simplício de Sousa. Folha do Nordeste. Teresina, 03 dez. 1962, s/n, p. 04.
85

comunista dos Honoratos e Esperidiões184 das Ligas Camponesas daquele ensaio nos
arredores de Teresina”. 185
O título de comunista não coube apenas ao governador. Quem apoiasse a Reforma
Agrária também estaria na lista dos vermelhos. Sobre esta associação entre reformistas e
comunistas, Iracema Santos Rocha escreveu:

Mas o que estamos vendo, atualmente, no Piauí, é um acirramento


reacionário, cego e obtuso, de oposição, para com o conceito objetivo de
Reforma Agrária. E o chavão preferido desonesto, malicoso e dúbio, que
tem sido usado por essa reação para conter uma etapa de desenvolvimento
espontâneo e irreprimível, é de que a Reforma seria ato de comunista. [grifo
nosso] 186

Iracema Rocha sabia que ser acusado de comunista era fator de perda de
credibilidade perante o povo, pois afirmava que essa atitude era tomada pela oposição para
desqualificar os apoiadores da reforma agrária, entre eles, o próprio governador, que era do
mesmo partido político da cronista. Entretanto, pode-se perceber, na crônica, que a sua
opinião sobre o comunismo não se distanciava em nada daqueles que o combatiam. Os termos
para [des] qualificar aqueles que combatiam a proposta de reforma agrária eram praticamente
os mesmos para agredir aos comunistas.
Em relação ao “comunista” Chagas Rodrigues, não faltaram vozes, após o golpe,
pedindo sua cassação, como o fez Simplício de Sousa Mendes, Presidente da Academia
Piauiense de Letras187, à época, em um artigo que, a princípio, não tinha nenhuma ligação
com aspectos comunistas. Tratando sobre uma estrada que ligava a cidade de União a Miguel
Alves, apenas por título de curiosidade, o professor Simplício Mendes afirmou que esta tinha
sido construída no período do governo de Chagas Rodrigues, aproveitando o ensejo, indagou:

E o Sr. Chagas Rodrigues ainda não teve seu mandato cassado?


No governo do Estado promoveu o comunismo, Ligas Camponesas e cercou-
se de comunistas – estes mesmos que agora se acham presos e de mandato
cassado. E ele – elemento de ligação da China Comunista, que fez ele
Chagas, para escapar de uma justa punição?
Deixa, assim, sós, gramando prisões, - o Honorato, o Esperidião e outros
comunas, - camaradas de sua ação comunizante, à custa de magros cofres
estaduais?
184
Honorato e Esperidião são dois dos mais famosos comunistas do Piauí no início da década de 1960, sobre os
dois trataremos mais a frente.
185
MENDES, Simplício de Sousa. A mensagem de Petrônio. O Dia. Teresina, 04 abr. 1964, n. 1.208, p. 03.
186
ROCHA, Iracema Santos. Sobre Reforma Agrária. O Dia. Teresina, 08 abr. 1962, n. 965, p. 05.
187
Ainda neste capítulo analisaremos o anticomunismo de Simplício de Sousa Mendes.
86

Por quê? [grifos do autor]. 188

O fato de ser visto como apoiador das Ligas Camponesas e suposto comunista,
imagem que, mesmo após o seu governo, continuou vigorando, ajudou na cassação de seu
mandato, logo após edição do Ato Institucional n. 05, em 1968.
O discurso anticomunista no Estado já existia bem antes do apoio do
governador àquela organização camponesa. No entanto, é a partir da adesão à
causa dos agricultores, determinada também pela conjuntura nacional, que o
discurso anticomunista, articulado pelos defensores da propriedade privada,
intensificou-se no Piauí, num primeiro momento, encarnado na figura do então
governador Chagas Rodrigues.

2.1.2 A Igreja Católica e a opção pelos mais pobres: sem-terras....

A década de 1960 foi um momento de reflexão e de mudanças profundas na Igreja


Católica. Deve-se ressaltar que a Igreja Católica nunca foi uma instituição homogênea, no
entanto, no Brasil é evidente a tendência a dividir a postura política da Igreja na década de
1960: no primeiro momento como apoiadora do golpe civil-militar de 1964; em um segundo
momento, próxima aos movimentos contrários a ditadura, sendo ela, neste segundo momento,
um grande ímã na junção de diversos grupos. No nosso entender, a Igreja Católica foi uma
instituição determinante em todos os movimentos políticos da década de 1960.
Mesmo com as tentativas do Vaticano de impor uma postura única ao cristão
católico, nunca houve por parte dos membros da Igreja Católica uma homogeneidade de
pensamento. Este aspecto torna-se claro na década de 1960, principalmente no que tange à
questão da terra. Assim como em 26 de julho de 1960, em São Paulo, foi fundado a TFP
(Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade),189 instituição que, desde
a sua origem, se intitulava anticomunista e favorável à propriedade privada, no mesmo
período Dom Helder Câmara, bispo denominado progressista, ia às televisões anunciar o seu
apoio à Reforma Agrária. Mesmo não tendo uma posição única, o que é visível, neste
momento, é que a Igreja Católica começava a uniformizar a sua preocupação com o campo.
É nesse mesmo período, de nítidas divisões de posicionamento no seio da Igreja,
que chegou ao Piauí Dom Avelar Brandão Vilela. Para Maria do Amparo Alves de Carvalho

188
MENDES, Simplício de Sousa. As fontes de subversão. O Dia. Teresina, 28 maio 1964, n. 1.250, p. 03.
189
Movimento de caráter conservador fundado por leigos e bispos Católicos com o intuito de defender valores
cristãos, lutar a favor da propriedade privada, em especial contra a Reforma Agrária, e contra o comunismo. Para
87

“As mudanças ocorridas na Igreja Católica do Piauí se fizeram sentir a partir da chegada de
Dom Avelar, que passou a administrar a Arquidiocese de Teresina em 1956”.190

Fotografia 11. Dom Avelar Brandão Vilela ajudando as vítimas da enchente de 1960.
Fonte: Foto do arquivo pessoal do Padre Tony Batista.

Prelado reconhecido nacionalmente, formulador de vários projetos de ações


sociais para o Piauí, Dom Avelar Brandão Vilela também foi um dos defensores da
organização dos sindicatos agrícolas no estado. Essa postura adotada pela Igreja Católica no
território piauiense, fez surgir uma “nova realidade que despontava com a criação dos
sindicatos, desagradando consideravelmente as elites agrárias piauienses, que chegaram a
sugerir a Dom Avelar que mandasse suspender aquelas atividades no campo”.191
Em vários episódios, Dom Avelar tenta expor a posição da Igreja Católica
piauiense diante dos problemas agrários, como exemplo, podemos lembrar a publicação de
uma reportagem afirmando que as Ligas Camponesas no Estado eram apoiadas pelo governo

saber mais sobre a TFP ver: MACHADO, Antonio Augusto Borelli e CAMPOS FILHO, Abel de Oliveira. Meio
século de epopéia anticomunista. Vera Cruz, São Paulo. 1980. Coleção Tudo Sobre a TFP.
190
CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em
meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação
de Mestrado. p.49.
191
Idem, p.75.
88

e pela Igreja Católica. Diante da afirmação, o Prelado divulga a seguinte nota:

Fotografia 12. Declaração do Arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela.


“Declaramos, para conhecimento de todo os piauienses, que a reportagem do JORNAL DO BRASIL - “Ligas do
Piauí têm apoio do Govêrno e da Igreja” não tem fundamento, no que tange à posição da Igreja. Demos apoio ao
Congresso Sindical de Trabalhadores e Camponeses do Piauí, jamais às chamadas Ligas Camponesas originadas
de Pernambuco. Teresina, 27 de outubro de 1961”.
Fonte: DOM AVELAR BRANDÃO VILELA. DECLARAMOS, para conhecimento de todos os
piauienses...(Dom Avelar Brandão Vilela). Estado do Piauí. Teresina, 29 de out. de 1961, n.387, p.01.

Dom Avelar tentou explicar as posições da Igreja Católica no Piauí, evidenciando


que, por trás das atitudes tomadas pela instituição, encontravam-se ordens estabelecidas pelo
Vaticano, no sentido de formar sindicatos agrícolas longe da influência dos comunistas, visto
que os sindicatos tinham outro papel, pois:

[o] Papa, considerando que o sindicato não tem apenas um papel defensivo,
vê nele um organismo mais construtivo. O sindicato deve ser concebido – e
eis o texto em que se apóia o documento comunista para lhe negar o papel de
defesa – não como uma arma exclusivamente destinada a uma guerra
defensiva, ou ofensiva, que provoque reações e represálias, nem como um
rio transbordante que submerge e separar, mas como uma ponte que une [...]
o papel do sindicato não se limita à missão exclusiva de defesa; é mais
positivo: aproxima as duas partes e une-as, para que, no respeito dos direitos
e interesses defendidos, tendam em conjunto a organizar o bem comum da
profissão duma maneira mais estável, e a desempenhar uma missão superior
na economia nacional. [grifos do autor] 192

A proposta de junção de forças entre os camponeses e os donos das terras, para a


construção de uma situação mais humana e digna no campo, confronta-se com a proposta de
“lutas de classes” divulgadas pelos comunistas. Contudo, mesmo com posições contrárias ao
comunismo, Dom Avelar ainda foi acusado de compactuar com as idéias dos comunistas.
Segundo Maria do Amparo Alves de Carvalho “a Igreja Católica teve a sua imagem associada
ao comunismo pelas elites e por um grupo católico mais conservador, pois o discurso e a
prática social em defesa dos oprimidos coincidiram com aquela defendida pelos grupos de
89

esquerda do país”.193

Fotografia 13. Declaração de Dom Avelar Brandão Vilela.


Fonte: DECLARAÇÃO. Dom Avelar Brandão Vilela. Folha da Manhã. Teresina, 31 mar. 1962, n. 1.217, p.06.

No entanto, Dom Avelar tenta desvencilhar a imagem da Igreja da imagem do


comunismo, como mostra o documento que o prelado deixa aos cuidados do Pe. Raimundo
José, reitor da Faculdade de Filosofia, antes de sua viagem para participar do Concílio
Vaticano II:

Estou de partida para o Concílio Ecumênico Vaticano II, convocado pelo


Santo Padre Paulo VI.
Estarei em Roma até dezembro, quando se presume seja concluído o
segundo período desse memorável conclave.
Com toda probabilidade, ainda haverá uma terceira convocação, em 1964.
Deixo o Piauí, com algumas preocupações graves, em face de certos
acontecimentos que estão sendo interpretados, sem a devida reflexão.
Sobre a posição da Igreja, relativamente aos problemas agrários, devo
declarar o seguinte:
1. – existe um problema a resolver, na zona rural, que não é dado a
ninguém desconhecê-lo.
192
GUERRY, Monsenhor. (arcebispo de Cambrai). Igreja Católica e o comunismo ateu. Coleção livraria
sampedro Editora. 1960, p.17.
193
CARVALHO, M. A. A de. Op. Cit. p.56.
90

2. – várias forças estão penetrando no meio rural, com a intenção de ajudá-


lo ou de convulsioná-lo.
3. – A arquidiocese de Teresina, ao lado de todas as arquidioceses do
Nordeste, resolveu também tomar posição diante do problema.
4. – O assunto não é desses que se possam resolver pela simples cogitação,
mas pela ação in loco, dentro das normas do direito, da verdade, da
justiça e do amor.
5. – E foram surgindo os sindicatos rurais, órgãos de classe, para os
trabalhadores do campo, já conscientes de sua situação, e de que devem
se esforçar para melhorá-la, nessa data de reivindicações comprovadas.
6. – A Igreja olha o sindicato como um instrumento de luta pacífica, mas
decidida pela causa justa do trabalhador rural.
7. – Os sindicatos rurais não representam tudo que a Igreja pensa acerca da
agricultura nacional, convém afirmá-lo, sem subterfúgios.
8. – Embora saiba a Igreja que os sindicatos possam ser trabalhados por
elementos contrários a seus ideais, não há de ser por isso, que irá
abandonar o campo a própria sorte. Pelo contrário, essa consideração
deve levá-la a compreender em maior profundidade a urgência de sua
ação equilibrada em favor da causa comum.
9. – Aviso à opinião pública do Piauí que, além dos sindicatos rurais,
outros movimentos trabalham no meio do campo, movimentos cujas
intenções desconheço em sua plenitude, e cujos métodos e objetivos não
coincidem com aqueles adotados pela Igreja.
10. – Dito isso, para orientação dos proprietários e dos trabalhadores do
campo, desejo salientar que a Igreja deseja a promoção do homem rural,
mas não admite a luta de classe, dentro do conceito leninista-marxista.
Não quer a luta de uma classe contra a outra, luta de extermínio, luta que
pretendesse destruir tudo para instalar a ditadura do proletariado, à
procura de uma sociedade sem classe que não existe em lugar nenhum.
11. - Não admitindo a luta de classe no seu sentido original, a Igreja, nem
por isso, deixa de reconhecer a necessidade de que os direitos da pessoa
humana sejam colocados em termos de justa reivindicação. Essa justa
reivindicação faz apelo à compreensão, à consciência cristã bem
esclarecida e a justiça social. É também uma exigência do bem comum,
dentro do quais os direitos e os deveres devem ser levados em
consideração.
12. - Não aceita, pois, a Igreja qualquer atitude de violência em si mesma,
não aceita revolução sangrenta, como instrumento de conquistas sociais
– não aceita a invasão de terras, pura e simples, como se não existisse o
direito da propriedade particular.
13. - Mas, por outro lado, não concebe o direito de propriedade senão como
direito e jamais como processo de exploração do homem pelo homem.
Por isso mesmo distingue o uso do abuso desse direito. E lembra que o
direito da propriedade está limitado pelo direito primário e fundamental
determinado pelo destinado universal dos bens da terra. (Pio XII)
14. – Acho que, nesse trabalho de implantação de reformas, há necessidade
de criar-se um clima de confiança mútua entre proprietários e
camponeses, de tal modo que nem um queira ser o explorador, nem o
outro fabricador sistemático de casos.
15. – Chamo a atenção de todos para o seguinte: - ninguém suponha que
tudo está bem como está. É preciso modificar as estruturas, encontrar
novos métodos de trabalho, mais preocupação na valorização do homem
e de seu esforço na obra de desenvolvimento econômico e social.
16. – Novas experiências estão sendo feitas no mundo inteiro. As
experiências coletivistas determinadas pela força têm fracassado
continuamente. Ou o homem não está preparado para enfrentá-las, ou
não encontra estimulo no esforço supremo que realiza em favor do
91

Estado, ou se cansa de tanto empregar-se pelo coletivo, sem jamais


conseguir elevar-se como pessoa e como grupo social. E tais
experiências haverão sempre de fracassar, uma vez que são atentadores
dos direitos e interesses da pessoa humana.
17. Enquanto isso, sente-se a necessidade de que, neste século da civilização
do trabalho, se compreenda que o trabalho não é escravo do capital, mas
é atividade de um ser humano, de milhares de seres humanos
empenhados na vitória da causa, na realização de um ideal.
18. - Deve ser o trabalhador, tratado dignamente, colaborador que é do
capital, na realização do bem comum. O trabalho deve proporcionar ao
trabalhador não apenas a estrita satisfação de suas necessidades
____(não dá para entender), mas também a possibilidade de uma
ascensão humana, honesta, justa e merecida.
19. – Sei que a grande maioria dos proprietários compreende essas
necessidades, e não imagina seja o trabalhador rural ignorante e sem
direito a ser um dia instruído e melhor tratado; mas, sei também, de
outro lado, que se sente impossibilitado de o fazer, pela falta de recurso
e de meios adequados.
20. – É aí que se percebe a urgência de uma reforma que não seja
espoliativa, mas que não seja paliativa, e venha em socorro do direito de
propriedade ameaçado em defesa do camponês impedido de melhorar
suas condições de vida.
21. Se não encontrarmos esse novo caminho, não vejo como podermos
garantir a segurança de que precisamos para um trabalho tranqüilo e
fecundo, neste Nordeste subdesenvolvido, batido pelas sêcas e pelas
inundações, cheio de analfabetismo, de doença, e de tantos outros
problemas acumulados. [....] 194

Apesar de ser uma citação bastante longa, ela é determinante para se entender a
postura da Igreja Católica frente à questão agrária no Piauí. Dom Avelar afirmou que o
primeiro fator que deveria ser levado em consideração, com relação à questão agrária é o de
que no Piauí existia um problema relacionado à terra, e esse problema merecia ser
solucionado, desta forma, a Igreja Católica se colocava como uma facilitadora. Segundo o
prelado, os sindicatos haviam aparecido como uma possibilidade de solucionar o problema
agrário. Nesse sentido, a Igreja Católica admitia a existência dos sindicatos como uma forma
de luta pacífica pela causa do trabalhador rural. É sobre essa questão dos sindicatos que, em
sua carta, Dom Avelar faz as diferenciações entre a forma como a Igreja Católica conduz o
movimento sindical no campo das outras formas, pois, na condução empreendida pela Igreja
Católica deveria ser dado ênfase à negociação pacífica, nada de luta de classes, no sentido
leninista–marxista, ou muito menos revoluções sangrentas, as conquistas deveriam ser
resultado: parte da consciência dos patrões e parte da luta pacífica dos trabalhadores.

194
Este documento nos foi doado pelo Pe. Raimundo José Ayremorais, possuindo ainda meia página em que
justifica a escolha de Manuel Emílio Burlamarqui como coordenador da campanha da causa agrária e nomeando
duas comissões: uma de Assuntos Agrários e a outra de Relações Públicas. Todo o texto está repleto de
correções feitas de caneta, tentamos colocar o texto mais fiel o possível do original, no entanto colocamos em
anexo para qualquer dúvida. CARTA, Dom Avelar Brandão Vilela. Arquivo pessoal do Pe. Raimundo José
Ayremorais. 03 de setembro de 1963.
92

Qualquer tipo de relação com o comunismo não seria tolerada, pois, para Dom Avelar, a
Igreja “não aceita a invasão de terras, pura e simples, como se não existisse o direito da
propriedade particular”.

Para ajudar nos esclarecimentos sobre como agiam os sindicatos rurais, apoiados
pela Igreja Católica no Piauí, bem como o seu distanciamento de qualquer movimento de
cunho comunista, Dom Avelar Brandão Vilela apoiou a criação de um programa de rádio, na
emissora católica de Teresina, rádio Pioneira. “Desperta Camponês” era apresentado por
Manoel Emílio Burlamaqui. O programa foi classificado por muitos como instigador dos
movimentos subversivos no campo e, principalmente, propagador do comunismo.195

A associação entre os sindicatos apoiados pela Igreja e os movimentos


organizados com a ajuda dos comunistas foi constante nos jornais piauienses do período, pois,
apesar de terem posições diferenciadas na condução das organizações rurais, assemelhavam-
se nas propostas de melhoria de condição de vida para o homem do campo. Muitos dos
jornalistas que davam as suas opiniões sobre a questão da terra eram grandes latifundiários,
como Simplício de Sousa Mendes. Ele foi jornalista, professor da Faculdade de Direito,
Desembargador e Presidente da Academia Piauiense de Letras. Entre os meses de abril e
maio, o professor lançou uma série de artigos no jornal piauiense O Dia falando da atuação da
Igreja Católica nos sindicatos rurais. No entanto, Simplício Mendes, diferente de Dom Avelar,
era contrário aos sindicatos porque estes, segundo ele, eram filhos da famosa frase de Marx:
“Proletários de todo mundo uni-vos”.196 Nos seus comentários, Simplício Mendes reflete
sobre o papel da Igreja Católica junto às ações sociais e, principalmente, sobre os sindicatos
agrícolas:

Desde que chegou aqui e assumiu o governo espiritual da Arquidiocese de


Teresina, que eu acompanho e observo as diretrizes de S. Exa. D. Avelar, -
sempre apostolando o bem, evangelizando o amor do próximo, que é a
caridade e, sempre e sempre, a alta e inegável sensibilidade de Pastor
inteligente e dinâmico, vivamente preocupado com a Justiça Social, com as
obras de assistência as classes mais pobres e mais necessitadas de amparo.
[....] Com este espírito elevado e sensivelmente voltado par o bem, S. Exa. -
Pastor da mais nobre e edificante espiritualidade da Igreja Católica, teria,
forçosamente, que se interessar pelo problema máximo do momento
brasileiro: - o baixo nível de vida do homem do ruralismo nacional, com
especialidade o da sua jurisdição eclesiástica: - Piauí – o mais aviltado e
humilhante por ser o do Estado menos desenvolvido da Federação.
Aí está a doutrina social da Igreja, a que as últimas Encíclicas Pontifícias
deram o máximo relevo – focalizaram a justiça Social e a necessidade de
solução para o problema da terra [...].
195
Após o golpe de 1964 o programa teve a sua transmissão proibida e o apresentador, que também coordenava
os assuntos agrários para a Igreja Católica, foi preso como subversivo.
196
MENDES, Simplício de Sousa. Democracia e Socialismo. O Dia. Teresina, 24 abr. 1964, n. 1223, p. 03.
93

Mas problema complexo, como é esse, entre nós, da propriedade de terra, - a


iniciativa de S. Exa. não passou de ensaios. E não resta dúvida, que as suas
intenções elevadas, eqüitativas e humanitárias, - de teor patriótico – foram
deturpadas por fatores negativos, imprevistos pelo Eminente Prelado, -
partindo de fora, e mesmo motivados pelas deficiências do meio tão
desfavorável, quanto é o nosso. Esse assunto é importante e ficará para outra
coluna.
Mas daí acoimar-se D. Avelar de comunista, - é cegueira, é paixão, é rastilho
incabível e deplorável de insensatez, que não calha com a minha formação.
[grifos do autor].197

Nesse trecho do artigo, o professor Simplício Mendes reflete sobre as ações de


Dom Avelar no “pobre” Estado do Piauí. No que tange à questão das terras, ele afirma que
é um assunto complexo sobre o qual a Igreja está se posicionando, no entanto, Dom
Avelar, mesmo diante de tal conjuntura, não se coloca, segundo a sua posição, no rol dos
comunistas locais.

Em um outro artigo tratando sobre as diferenças entre “Socialismo e


Democracia”,198 Simplício de Sousa Mendes fala sobre a Reforma Agrária e diz que o erro
de Dom Avelar, assim como do episcopado, foi o de proporem uma Reforma Agrária no
mesmo período em que se cogitava uma reforma comunista. Assim, os agricultores,
principalmente os do Nordeste, “primários no atraso”, ignorantes e sem condições de
selecionar idéias, não conseguiram compreender direito, a fim de saber fazer a distinção
entre “bem e mal”. E Dom Avelar não encontrando ajuda entre pessoas esclarecidas e
autocríticas, conseguiu o apoio dos sindicalistas que, para Simplício de Sousa Mendes,
constituíam um perigo.

Mesmo com todas as respostas dadas à imprensa local e a preocupação de Dom


Avelar Brandão Vilela em separar os sindicatos organizados pelas Ligas Camponesas dos
Sindicatos Agrários apoiados pela Igreja Católica, na memória popular o prelado tanto
apoiou as Ligas Camponesas como, também, ajudou os comunistas piauienses a escaparem
da prisão, como lembra Carlos Augusto de Araújo Lima199: “Ele, ele estimulou as Ligas
Camponesas, por isso ele era mal visto pela revolução. Os comunistas escaparam dentro do
Palácio [episcopal]. Quando estorou a revolução, foram tudo pra debaixo do manto dele,
né? Lá, quem ia tocar em Dom Avelar, né?”.200 Mas, para alguns anticomunistas, o
Arcebispo não apenas apoiava comunistas, ele mesmo era um comunista, como se lembra

197
MENDES, Simplício de Sousa. D. Avelar. O Dia. Teresina, 23 abr. 1964, n. 1222, p. 03.
198
MENDES, Simplício de Sousa. Democracia e Socialismo. O Dia. Teresina, 24 abr. 1964, n. 1223, p. 03.
199
Carlos Augusto trabalhou na rádio católica Pioneira, e conviveu com Dom Avelar Brandão Vilela.
200
LIMA, Carlos Augusto de Araújo. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
94

o Sr. Jesus Elias Tajra201:

Eu me lembro que uma vez estava numa reunião social onde tinha vários
militares, inclusive um comandante da 10ª região, general, um oficial virou
para mim e disse: “Jesus, você não acha que Dom Avelar é meio comunista”,
eu disse: “não de jeito nenhum, por quê?”. [oficial:] “Não porque o pessoal
da Igreja fala muito em negócio de pobre, camponês, não sei o quê?” [Jesus
Tjara:] “Desde quando falar de pobre é comunismo? Isso não é privilégio de
comunista não, o senhor está enganado. Não é assim não”.202

Em meio a tentativas de organizações rurais e às propostas de Reformas de Base,


surgiram acusações, veladas e explícitas, ao Arcebispo da capital piauiense e ao governador
do Estado de serem ou de apoiarem os comunistas. Essas representações anticomunistas, que
foram construídas pelos grandes proprietários de terras, que de forma geral se encontravam
nas fileiras da política partidária, deram a tônica ao que denominamos de vertente
anticomunista relacionada à propriedade privada. Muitos dos anticomunistas da vertente da
propriedade privada tinham lugar privilegiado nos espaços midiáticos piauienses. Os jornais
escritos, em sua grande maioria, principalmente entre os anos de 1960-1964, noticiavam sobre
a questão agrária. Percebemos que muitos dos que escreviam nesses jornais: ou eram donos
de terras, como o professor Simplício de Sousa Mendes, que herdou de seu pais muitas terras
na região de União ou, simplesmente, eram apoiadores em decorrência da linha editoral do
noticioso de que faziam parte, como foi o caso de José Lopes dos Santos, famoso editor de
jornais escritos e radiofônicos no Piauí daquela década. Mas, como veremos mais adiante,
todos os jornais piauienses tinham também uma linha editorial ligada a um partido político,
nesse sentido apenas o Jornal do Comércio, apoiado pelo PTB, colocou-se favorável a
Reforma Agrária, no entanto, continuou sendo fervorosamente anticomunista.

201
Político piauiense, já assumiu vários cargos no poder executivo, e atualmente é dono de uma das maiores
emissoras de televisão do Piauí. Foi Diretor da Rádio Pioneira, rádio católica, no período em que Dom Avelar
era Arcebispo metropolitano.
202
TAJRA, Jesus Elias. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
95

Fotografia 14. Congresso Eucarístico ocorrido em Teresina no ano de 1960. Da direita para a esquerda, em
destaque Dom Avelar Brandão Vilela, Núncio Apostólico, Chagas Rodrigues e a primeira dama dona Maria do
Carmo Rodrigues.
Fonte: Foto do arquivo pessoal do Padre Tony Batista.
96

2. 1.3 A terra é minha: fora comunistas maus!

Vocês nos acusam, em resumo, de querer acabar com a


sua propriedade privada. De fato é isso que queremos.
Karl Marx.

Karl Marx, ao propor a supressão da propriedade privada,203 analisou um mundo


urbano, industrial. A cidade era o cenário da revolução comunista. No entanto, empenhados
por seus ideais socializantes, os comunistas estabeleceram um regime socialista em países que
não possuíam as estruturas industriais propícias para a implantação do regime proposto por
Karl Marx. Estes países se transformaram no palco do socialismo real no século XX. De
forma geral, como foi no caso russo, havia o predomínio de uma cultura rural. A teoria
marxiana não deixou traçada a forma de condução do regime comunista em países industriais.
Como, então, poderia ser a condução do regime em países rurais, no qual Marx não havia
imaginado uma revolução? A situação das populações foi o que sobrou aos outros países
como exemplo, principalmente aos países anticomunistas.
Em decorrência das transcrições de reportagens nacionais sobre a situação da
União Soviética e sobre a revolução cubana, a idéia de uma “revolução comunista” tornava-se
mais próxima. O interessante das reportagens nesse período é o caráter denunciador.
Comparava-se a situação da Rússia, antes da Revolução de Outubro de 1917, a de Cuba no
período do ditador Fulgêncio Batista e a conjuntura brasileira naquele momento, visando
prevenir as autoridades da possibilidade de acontecer no país uma revolução comunista. Estas
“medidas preventivas” eram difundidas pelo território nacional, de maneira que, no Piauí,
pode-se verificar nos jornais escritos notas que alertavam para o perigo da “onda vermelha”
que se alastrava pelo mundo através da revolução comunista. Olimpio Costa, cronista na
década de 1960, publicou o “alerta vermelho”, como aponta o trecho abaixo:

Assim, a Revolução russa originou-se das exorbitâncias da aristocracia, em


detrimento do equilíbrio popular; também a Revolução cubana foi gerada
pelos desmandos de um continuísmo, prejudicando o povo. [...]
A República dos Estados Unidos do Brasil, contrariamente ao que ocorre nos
Estados Unidos da América do Norte, se não surgirem providências
203
Segundo Karl Marx, para que o proletariado conseguisse derrubar o domínio burguês era necessário suprimir
a propriedade privada. Na teoria marxiana o que caracterizava a luta comunista não era apenas supressão da
propriedade em si, mas a supressão da propriedade burguesa. E, mais contundente, assegurou Karl Marx: “Neste
sentido, os comunistas podem resumir a sua teoria em uma única expressão: supressão da propriedade privada”.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. In: REIS FILHO, Daniel Aarão (Org). O
manifesto comunista 150 anos depois. São Paulo: Perseu Abramo, 1998, p.21
97

extremamente necessárias, de parte dos responsáveis pelo governo, será


atingida, dentro de pouco tempo, por uma situação capaz de provocar uma
revolução de conseqüências imprevisíveis, mas perigosa que a russa e mais
sangrenta que a cubana. 204

Vários foram os artigos e crônicas nos jornais do Piauí que denunciavam a


situação de miséria da população camponesa dos países comunistas, em especial da União
Soviética. As organizações camponesas, como as Ligas Camponesas e os Sindicatos Rurais,
que começaram a se organizar no início da década de 1960 no Piauí dão a tônica para a
preocupação da implantação do comunismo no Estado. É fácil vislumbrar essa reação nos
jornais, mostrando como o processo estava se dando da mesma forma com havia ocorrido na
Rússia e em Cuba:

Congresso de Operários e Camponeses, no Piauí: - ao que nos parece, só


para compor a expressão – 'Operários e Camponeses', tal qual se deu na
Rússia, - onde ao tempo da revolução, também não existia operariado,
porque, aquele o país do Leninismo, não era, nem de longe, um país
industrializado, mas de agricultores e pequenas fábricas, sem vulto
econômico e industrial.205

As comparações continuavam a acontecer, no entanto, mostravam quão


privilegiados eram os brasileiros. Como fez o Senador, pelo Estado do Piauí, Sigefredo
Pacheco,206 depois de retornar de uma viagem da Europa, onde fez escalas em países
comunistas:

Se compararmos o que ganha o operário russo com o salário pago ao


operário brasileiro, mesmo tomando-se por base o salário mínimo vigente no
Piauí, que é o menor do país, chegamos à conclusão de que o nosso mal pago
trabalhador é melhor remunerado do que o russo. Basta dizer que um
trabalhador piauiense, com 9 mil cruzeiros mensais, pode adquirir 25 quilos
de carne ao preço atual, que é dos mais altos, enquanto o russo apenas
adquirirá 15 quilos com os 60 rublos que recebe mensalmente.
- por outro lado – continua Dr. Sigefredo – se levarmos em conta as
diferenças de vida na Rússia, com excessivo frio no inverno, em relação ao
ameno clima brasileiro, chegamos a conclusão evidente de que o nosso
homem do campo tem muito melhor condição de vida.207

O discurso do Senador Sigefredo Pachêco, antes de propor alterações para a


conjuntura socioeconômica brasileira dos anos de 1960, reclamava por sua conservação, visto
que, uma mudança de regime seria inútil, pois a situação do trabalhador brasileiro era melhor

204
COSTA, Olimpio. A Origem das Revoluções. O Dia. Teresina, 11 mar. 1962, n. 957, p.01.
205
MENDES, Simplício de Sousa. Congresso de Operários e Camponeses. Folha da Manhã. Teresina, 30 abr.
1961, n.964, p.04.
206
Médico e ex-prefeito da cidade de Campo Maior. Filiado ao PSD e depois do golpe de 1964 à ARENA. Sobre
Sigefredo Pachêco ver: SANTOS, José Lopes dos. Política e Políticos: Eleições 86. Vol. I. Teresina, Gráfica
Mendes, 1988.
207
SIGEFREDO Pachêco fala a O Dia sôbre União Soviética. O Dia. Teresina, 21 nov. 1963, n.1.143, p.01.
98

do que a situação dos russos após a revolução.


O medo do comunismo se implantar no Brasil, e no Piauí, era uma constante nos
jornais que circulavam na cidade de Teresina no período entre 1961 a 1964. Marx era o
teórico mais citado nestes periódicos e o fim da propriedade relacionada à implantação do
comunismo era o tema preferido. Mesmo sendo citado por intelectuais, ou por cronistas
eventuais, nunca houve uma reflexão sobre as propostas comunistas com relação ao campo, o
que havia era um amontoado de acusações e os exemplos da Rússia, China e Cuba como
lugares terríveis para a humanidade.
O campo, no início da década de 1960, como já foi visto antes, era assunto tanto
do Estado, como da Igreja e de movimentos interessados na Reforma Agrária. Umas das
questões que chama atenção é a diferenciação entre o rural e o urbano. Pensar que o espaço
urbano é sempre superior à organização rural, era comum nos discursos veiculados nos jornais
locais. Nesse sentido, como admitir que trabalhadores analfabetos pudessem comandar uma
revolução? Não devemos esquecer que o caráter da perda da terra estava em jogo, no entanto
é necessário ressaltar a idéia de superioridade do espaço urbano, intelectualizado civilizado,
diferente do rural, sem modos e atrasado.
Essa diferenciação entre o campo e a cidade não é recente. Raymond Williams fez
uma análise do campo e cidade, na literatura inglesa desde o século XVI até o século XX, e
percebeu que sempre foram feitas diferenciações negativas e positivas para ambas as partes:

O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz,


inocência e virtudes simples. À cidade associou-se a idéia de centro de
realizações – de saber, comunicações, luz. Também constelaram-se
poderosas associações negativas: a cidade como lugar de barulho,
mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e
limitação. 208

O autor afirma que, no contexto histórico, a existência desses segmentos é


“surpreendentemente variada”,209 e afirma que existem uma multiplicidade de formas de ser
do campo e da cidade. No entanto, no Piauí da década de 1960, o que havia era uma nítida
separação, em nível discursivo, entre o homem do campo e o da cidade, nas formulações dos
discursos do período. Sendo Teresina o lugar de moradia da maior parte dos latifundiários,
pois, na sua maioria, eram políticos e intelectuais, os jornais ficavam repletos de críticas à
Reforma Agrária. Críticas que iam aumentando à medida que as propostas das Reformas de
Base estavam sendo divulgadas pela imprensa local. Dessa forma, o aumento da associação

208
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na literatura. Tradução de Paulo Henriques Brito. –
São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.11.
209
Idem, ibdem.
99

entre os proponentes de uma reforma e os comunistas também crescia gradualmente.

Para os defensores dos latifúndios, a culpa dessa mobilização camponesa se


encontrava na educação que estava sendo dirigida aos setores pobres da sociedade, como
reflete o texto:

Mas, ninguém se apercebia que o perigo de uma nação subdesenvolvida


consiste, essencialmente, na alfabetização do povo, que, através das leituras,
do conhecimento, reconhece os seus direitos, passando a encarar a situação
em que vive, sob um aspecto diverso: o que antes era comum e normal passa
a se constituir objeto de estudo, de pesquisas, nascendo os confrontos
perigosos, em que ressaltam as injustiças, as concepções errôneas, os
esbulhos sofridos. 210

Quem levava as orientações aos camponeses? Os comunistas, habitantes da


cidade. Se os camponeses agora olhavam para a terra como um problema, era porque havia
uma orientação no sentido dessa percepção. Tendo consciência de sua situação os
trabalhadores rurais passavam a ver as melhores condições dos habitantes da cidade e até dos
trabalhadores urbanos e de certa forma, se vendo como uma parcela inferior. Devido à suposta
superioridade do espaço urbano, este também era culpado pelas reivindicações que nasciam
no campo, como sugere o fragmento “os que residem nas grandes cidades, nos centros
industriais, onde o conforto é uma condição primacial de vida, jamais lançaram os olhos sobre
os que habitam o campo, dedicando sua atividade ao enriquecimento de segundos, sem
direitos, salvo os de viver num mourejar constante”.211
O homem do campo era inocente, puro e ingênuo, sujeito fácil de ser persuadido
pela lábia do comunista esperto e aproveitador, segundo esses observadores. O acesso ao
conhecimento mudaria essa situação de ingenuidade, segundo os anticomunistas, faria com
que os camponeses tivessem acesso às informações e com a ajuda dos “aproveitadores
comunistas” fizessem comparações entre a sua situação do Piauí e a da Rússia antes da
Revolução. Nesse sentido, a educação do homem do campo era perigosa. Então, se a
educação era perigosa e se os camponeses deveriam permanecer ignorantes, para que oferecer
terras a despreparados? Para alguns “O lavrador [...], nenhuma noção tem do que seja como
fonte de atividade construtiva. Planta como viu seu pai fazer, para colher o estritamente
indispensável à sua subsistência e da família. Não vai, além disso. [...] De que serve, portanto,
entregar-lhe um terreno para cultivá-lo, dispensando-se os conhecimentos técnicos e
científicos?”.212 O que é sugerido, por esses anticomunistas, é a conservação da situação do
homem do campo.

210
BRASIL, Asfalto e Comunismo. O Dia. Teresina, 26 nov. 1961, n.928, p.01.
211
Idem.
100

O homem campesino com qualidades passivas, como o do Estado do Piauí, só


conseguiria pensar em ocupar terras alheias com a ajuda dos promotores da desordem, como
sugere o texto de José Lopes dos Santos, editor de jornais e radialista no período:

No auge da propaganda subversiva que, então, se fazia, tentando preparar o


caboclo pacato do sertão para tomar conta da terra que – no dizer dos
pregadores e promotores da anarquia e da desordem, era bem comum e a
todos devia pertencer, como a água, a luz e o sol, desaparecendo, assim, o
instituto da propriedade privada; - no auge dessa propaganda que ainda ecoa
nos nossos ouvidos, e através da qual se pretendia transformar o Brasil num
satélite de Moscou, ou de Cuba, ou da China Vermelha, tive de envolver-me
em uma séria luta profissional, como advogado, visando à defesa de
constituintes ameaçados e esbulhados no seu direito de propriedade. 213

Essas palavras são de um editor de um grande jornal de Teresina, que sempre em


seus editoriais, empenhava-se em convocar os proprietários de terra a defender o seu
patrimônio contra os comunistas:

Os proprietário de terra vão reunir-se para fundar uma entidade de classe.


Não temos, ao de leve que seja, a veleidade de supor que, para essa
iniciativa, haja influído a advertência constante do artigo de fundo edição de
19/09, no qual, depois de analisar o revoltante desrespeito à propriedade
privada verificado em terras de Teresina, dizíamos:
‘Mas os donos da terra são, em parte, culpados. Por que não se organizaram
eles em sociedade visando à defesa de seu patrimônio! Por que assistem, a
bem dizer impassíveis, à desenfreada demagogia através da qual é
trabalhador aconselhado a apoderar-se da terra que não lhe pertence, sob o
pretexto de dar início, por esse modo, a Reforma Agrária’.
Seja como for, os proprietários começaram a tomar posição, trilhando o
caminho certo.214

No entanto, a divulgação na imprensa sobre o “mal” causado pelas organizações


camponesas, na verdade, ajudou a dar mais impulso as lutas pela terra, pois sabendo que a
acusação de comunistas só recaía sobre os líderes do movimento, e como estes estavam à
frente pela luta dos agricultores, passariam a ser vistos pelos camponeses como homens de
valor, desta forma era a própria imagem do comunismo que se fortaleceria, como sugere a
citação:

Os proprietários inconformados com a organização das associações rurais, e


de seus núcleos, fizeram, sem o desejarem, um grande bem ao movimento,
com a sua rápida divulgação pela imprensa e pelo rádio.
Quanto à qualificação, também, de comunista que dão aos líderes
camponeses, ela já constitui hoje, entre os trabalhadores, alta recomendação,
pois não é raro ouvi-los afirmar que as pessoas que assim são consideradas
212
POLÍTICA Agrária. Folha da Manhã. Teresina, 28 mai. 1961, n.986.p.01.
213
SANTOS, José Lopes. Votos e discursos. Teresina: Cannes Publicidade, 1972, p.133.
214
EDITORIAL. Reforma Agrária. O Dia. Teresina, 03 out. 1963, n. 1.129, p. 04.
101

pelos latifundiários, não passam de sinceros defensores dos sofredores.215

O certo é que os movimentos que lutavam pela Reforma Agrária, nesse momento,
tinham recebido o nome de organizações comunistas, por maior parte de anticomunistas
ligados à propriedade privada. A Reforma Agrária, nesse momento, parecia uma desculpa
para a implantação de um novo regime, como aponta o jornalista:

O fim é aproveitar-se na ignorância popular – para jogar o povo obscurecido


contra a propriedade privada, o patrimônio particular a começar pela
propriedade de terra.
O fim não é dar terra ao caboclo, ao agricultor braçal, não; - isto é êngodo, é
o meio de enganar o pobre trabalhador, lançá-lo criminosamene, contra os
patrões e protetores, - no sentido e nos rumos do comunismo sem moral, sem
Deus – subversivo e tirano. 216

O debate em torno da Reforma Agrária, nesse momento, teve como um de seus


fortes aliados segmentos da Igreja Católica na cidade de Teresina. De certa forma a Igreja
citadina, também dava a sua opinião de como se viver melhor no campo e, que por esta razão,
alguns padres também foram tachados de comunistas:

É digno de nota que enquanto os padres, muito justo e razoavelmente, se


colocam ao lado da associação de trabalhadores, aqui entre nós,
latifundiários e maus patrões dizendo-se defensores da religião, se colocam
contra elas, tachando-as – mesmo com o mínimo de provas - de subversiva.
Mais cristãos que o próprio Cristo, hem?
Ou ignoram que se o Cristo voltasse em corpo a essa terra seria o líder dos
líderes camponeses?
E, conseqüentemente, para os latifundiários desumanos, o maior
comunista!217

No entanto, prevaleceram as representações do comunismo como um mal. Nesse


sentido, havia os constantes exemplos, nos jornais locais, da precária situação dos indivíduos
que habitavam países comunistas, principalmente os trabalhadores do campo. Houve também
uma preocupação com a educação do homem do campo, puro, ingênuo, sendo orientado a
invadir terras alheias pelas mentes perversas dos comunistas da cidade. Mas, de todas as
representações que foram construídas em torno do comunismo para impedir uma Reforma
Agrária no Brasil, a que nos chamou mais atenção foi a posição tomada pelo Senador
Sigefredo Pacheco. Em meio à discussão da Reforma Agrária, o Senador falou sobre a
situação do campo nos países comunistas que ele havia visitado:

Em seguida o nosso entrevistado informa que o camponês soviético não


215
S. D. Guerra. Entre latifundiários e camponeses escravizados, Quem será o maior subversor da ordem? O Dia.
Teresina, 29 mar. 1962, n.926, p.01.
216
MENDES, Simplício de Sousa. Quem Cultiva Colhe. Folha da Manhã. Teresina, 21 mar. 1962, n.1.209, p.06.
217
PADRES protestam. O Dia. Teresina, 26 abr. 1962, n.970, p.03.
102

pode possuir mais do que meio hectare de terra onde construir sua casa.
Nessa pequena área pode lavrar a terra dispondo livremente de seu produto.
E pode possuir uma vaca. Apenas uma.
- Perguntei ao presidente da Karkov – declara textualmente o representante
do Piauí no Senado da República: “O possuidor de uma vaca daqui a dez
anos certamente já disporá de dez vacas”. A resposta foi rápida: “Todos os
produtos da vaca são vendidos ao Governo. E ao cabo de dez anos o
camponês continua apenas com uma vaca”.
Face a essa situação argumenta o doutor Sigefredo:
Se considerarmos a situação do agregado brasileiro, que além de usufruir a
terra como bem entende, pagando ao proprietário somente um quinto da
produção, e ainda podendo criar o seu gado bovino, ouvino e caprino
etc...sem quem ninguém lhes reclame direito, ficamos sem compreender
porque no Brasil se faz tanta celeuma em torno das Ligas Camponesas,
Sindicatos e outros organismos de fonte duvidosa que giram em torno da
Reforma Agrária, num país onde dois têrços da terra continuam
despovoados. 218

A situação dos países comunistas, bem como a de seus trabalhadores rurais,


segundo o Senador Sigefredo Pachêco, não poderia ser exemplo para os trabalhadores
brasileiros, já que a condição do agregado no Brasil era muito mais favorável do que a de um
pequeno proprietário de terra em um país comunista. Essas organizações rurais, para o
Senador, nem precisavam fazer alvoroço, já que o Brasil era praticamente um país
despovoado. Esse exemplo, dado por Sigefredo Pacheco, é a representação do que seria a vida
do camponês brasileiro caso o comunismo fosse implantado no país.
A questão agrária no Piauí, assim como no Brasil, foi fator de disputas políticas e
ideológicas, principalmente no período de 1961 a 1964. As representações anticomunistas que
se constituíram em torno da vertente da propriedade privada estavam diretamente relacionadas
à discussão da Reforma Agrária. Por estarem dispostos a apoiarem os movimentos do campo,
como as Ligas Camponesas e os sindicatos agrícolas, parte da Igreja Católica e do Estado foi
tachada de ser ou de apoiar comunistas. Os discursos que circulavam nos jornais locais,
pregavam um clima de tensão, que deveria ser acalmado, por ameaça de acontecer aqui o que
já havia acontecido em países como a Rússia, Cuba e China. O espaço do campo deveria se
dobrar ao saber da cidade. O campo foi visto sempre como um espaço de ingenuidade e
passividade, não podendo cair nas mãos dos comunistas da cidade. O comunismo, certamente,
era percebido como um mal, e essa representação é a que vai rondar todas as representações
anticomunistas durante vários anos.

218
SIGEFREDO Pacheco fala a O Dia sobre União Soviética. O Dia. Teresina, 21 nov. 1963, n.1.143, p.01
103

2.2 As pessoas na sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer: conservadorismo


piauiense e o anticomunismo.

BRASILEIROS!
A Revolução de 31 de março salvou o Brasil do
Comunismo. Aqui há liberdade não há "PAREDON".
(mensagem de comemoração pelo primeiro ano do
golpe de 1964) BRASILEIROS. O Dia, 24 mar. 1965,
n.1493, p.01.

O termo conservadorismo219 é utilizado nesse trabalho para designar, no sentido


da ciência política, "idéias e atitudes que visam à manutenção do sistema político existente e
dos seus modos de funcionamento, apresentando-se como contraparte das forças
inovadoras"220, mas também como uma tentativa de conservação da ordem vigente, opondo-se
a qualquer forma de ruptura na estrutura política, econômica ou social. A vertente
conservadorista anticomunista está muito relacionada aos segmentos políticos partidários, mas
também aos detentores de funções públicas de grande reconhecimento social, como
procuradores, juízes, militares de altas patentes, entre outros. O conservadorismo, em seu
sentido mais abrangente relacionado ao poder político, aponta para uma necessidade da ação
política na sociedade. Contrário à perspectiva histórica aberta pelo progressismo, que se
apresentou como apolítico, o conservadorismo parte da "consciência dos limites inerentes ao
homem, limites distantes e distanciáveis, mas sempre presentes, reconhece no poder, na
coação política, um fator importante e necessário na sociedade"221 e ainda "o poder político é,
para o conservadorismo, o cimento da sociedade que, seja qual for a sua estrutura, sem ele,
cairia na anarquia"222. Tomando como base essa perspectiva, percebemos que muitos dos
anticomunistas piauienses percebiam o comunismo não apenas como uma ruptura com a
ordem política vigente, mas também como um princípio profundo de desorganização social,
no sentido de entenderem a proposta do comunismo como algo que dissolveria o poder
político entre os trabalhadores. Percebemos, dessa forma, porque a partir do século XX, a
relação do conservadorismo com as massas se tornou ainda mais complexa, uma vez que, "a
entrada das massas na cena política constituiu, na primeira parte deste século, o principal

219
Utilizamos a palavra conservadorismo, ao invés de conservador, porque "O substantivo conservadorismo
implica a existência de um conceito; o adjetivo conservador qualifica simplesmente atitudes, práticas ou idéias".
BONAZZI, Tiziano. Conservadorismo. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola e PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. Vol. um: de A a J. Tradução: Carmen C. Varriale [et al]. 5 ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000. p.242.
220
Idem, Ibdem.
221
Idem, p.245
222
Idem, Ibdem.
104

pesadelo do Conservadorismo".223
Como pensar esse conservadorismo em plena década de 1960, entendida, por
alguns autores como um momento em que a juventude procurou romper com determinados
valores, e em que a sociedade sublunar224 se apresentava?
A década de 1960 é considerada um período de convulsão mundial. Foi nesse
momento que ocorreu um desejo de transformação profunda em boa parte das sociedades
ocidentais, principalmente relacionada aos comportamentos e as questões políticas. Os
movimentos organizados por minorias começam a reivindicar abertamente seus direitos: as
mulheres queimavam sutiãs decretando o fim da sua opressão ao longo da história, os negros
gritavam em praças públicas para serem ouvidos, os homossexuais se organizavam para
combater os constantes atos de violência que lhes eram dirigidos. No tocante ao universo
religioso cristão, a grande mudança se deu no seio da Igreja Católica com o Concílio Vaticano
II, convocado por João XXIII, que transformou profundamente a relação dessa instituição
com as populações cristãs, em especial na América Latina. Também essa foi uma época em
que se evocou a paz, o amor e a liberdade de expressão através do corpo, das roupas, dos
cabelos, com os hippies, determinando dessa forma novas condutas e comportamentos em boa
parte dos países ocidentais. No campo político, Cuba tornou-se comunista em plena Guerra
Fria, sob os olhares do seu vizinho Estado Unidos. Grande parte das colônias africanas e
asiáticas se rebelaram contra seus colonizadores. E em Paris, “berço” da cultura
intelectualizada, os jovens se revoltavam contra a cultura dos seus pais e avós e berravam nas
barricadas: É proibido proibir! Na dimensão espacial, um acontecimento marcante para aquele
período: o homem foi à Lua, mudando, desta forma, repentinamente a concepção que os
indivíduos possuíam dos seus limites espaciais. A década de 1960, de forma geral, é
compreendida sob o signo desses acontecimentos.
No Brasil também se desejou e se lutou intensamente por mudanças
principalmente nos campos comportamental e político. As lutas que aqui foram travadas
também visavam a ruptura com as estruturas sociais e políticas dominantes. Para Zuenir
Ventura,225 naquele momento as mudanças comportamentais e engajamentos políticos da
juventude eram entendidos como uma espécie de moda, principalmente entre os filhos da
classe média e alta dos grandes centros urbanos. Havia uma ânsia juvenil de oposição aos
valores tradicionais, tanto relacionados às questões políticas quanto às questões
comportamentais. Para Edwar de Alencar Castelo Branco é necessário "[....] pensar os anos

223
Idem, p.246.
224
É a classificação dada as sociedades contemporâneas após a ida do homem à lua.
225
VENTURA, Zuenir Carlos. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1988.
105

sessenta como um momento de confronto entre o velho e o novo".226


Na década de 1960 emergiram novas possibilidades de ser, no entanto, forças
conservadoras lutavam a favor dos valores tradicionais. Mesmo que a proposta de mudança da
juventude se desse na esfera micropolítica, era, em geral, no espaço da macropolítica que a
repressão se configurava, como observamos na seguinte reportagem:

PROMISCUIDADE SEXUAL
O Congresso da ex-UNE pode ser apontado como um verdadeiro escândalo.
Os estudantes não tinham outro objetivo senão "aproveitar a chance para
fazer bacanais". O mais deprimente é que o SNI e os órgãos de segurança do
Exército lançaram mão de "escalas de serviços" contendo a relação nominal
das moças (universitárias) que estavam disponíveis naquele dia para a
prática de atos sexuais. Foram encontrados alguns frascos de
anticoncepcionais, bem como excitantes e bebidas alcoólicas.
Um líder estudantil do Ceará, ao ser ouvido em depoimento quando se
encontrava preso em São Paulo, declarou taxativamente que não havia
levado consigo a sua irmã mais velha - também universitária - porque ela
não era prostituta. Em Brasília dois estudantes estupraram uma universitária,
tornando-a louca. 227

Nos discursos de políticos, altos funcionários civis e militares, rejeitavam-se de


forma significativa essas novas práticas comportamentais, que muitas vezes eram
denominadas de subversivas. Enquanto parcelas da juventude pensavam em mudanças
micropolíticas, os conservadores respondiam na esfera da macropolítica. Os comportamentos
que abertamente estavam subvertendo a sociedade brasileira deveriam ser punidos pelo
Estado. Segundo Teresinha Queiroz, a década de 1960 " [...] trata-se de uma época de quase
incomunicabilidade entre gerações e entre frações do social e de composição de repertórios
próprios de grupos".228 Conflito de comportamentos, de posições políticas (ou apolíticas),
conflitos de linguagens.229 O conservadorismo exigia a preservação do seu lugar, de suas
práticas e a manutenção dos seus valores. Ao analisar a letra da música Panis et Circencis,230
Teresinha Queiroz reflete que "de forma alegórica e pejorativa, o jovem, aqui um militante de

226
CASTELO BRANCO, E. A. Op. cit. p.63.
227
BACANAIS e orgias nos congressos estudantis. O Dia. Teresina, 26 mar. 1969, n.2686, p.07.
228
QUEIROZ, Teresinha. Juventude, cultura e linguagens na década de 1960. In.: MATOS, Kelma Socorro
Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda e FERREIRA, Maria Dalva Macedo. Jovens e crianças: outras imagens.
Fortaleza: Edições UFC, 2006. (Coleção Diálogos Intempestivos, 37), p.158.
229
Idem.
230
Eu quis cantar/ minha canção iluminada de sol/ soltei os panos sobre os mastros no ar/ soltei os tigres os leões
nos quintais/ mas as pessoas na sala de jantar/ são ocupadas em nascer e morrer/ mande fazer/ de puro aço
luminoso punhal/ para matar o meu amor e matei/ às cinco horas na avenida central/ mas as pessoas na sala de
jantar/ são ocupadas em nascer e morrer/ mandei plantar/ folhas de sonho no jardim do solar/ as folhas sabem
procurar, procurar/ pelo sol e as raízes procurar, procurar/ mas as pessoas na sala de jantar/ são ocupadas em
nascer e morrer/ essas pessoas na sala de jantar [....] PAIANO, Enor, Tropicalismo: bananas ao vento no coração
do Brasil. São Paulo. Scipione, 1996, p.64 APUD: QUEIROZ, Teresinha. Juventude, cultura e linguagens na
década de 1960. In.: MATOS, Kelma Socorro Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda e FERREIRA, Maria
Dalva Macedo. Jovens e crianças: outras imagens. Fortaleza: Edições UFC, 2006. (Coleção Diálogos
Intempestivos, 37), p.169.
106

esquerda, faz arte, faz política, consome e faz apologia da maconha e constata que, qualquer
que seja seu ato, ele não reverbera na sala de jantar, figuração do estabelecido - poder
familiar, ou poderes em todas as teias sedentárias".231 Apesar de entendermos que a escrita da
história deve levar em consideração as relações (como as de gênero, ou gerações), a escrita
desse trabalho não pretende refletir sobre os que subverteram, no caso os "jovens" dos anos
sessenta, mas sobre os que continuaram na sala de jantar, sobre o seu conservadorismo.
O anticomunismo da vertente conservadorista sempre enalteceu os valores morais
da sociedade brasileira, em detrimento de uma degeneração da moralidade nos países em que
se instalara o regime comunista. Com relação aos comportamentos na década de 1960, os
políticos eram, ou deveriam ser, a imagem ideal dos valores tradicionais, em um mundo onde
as notícias tinham um grande alcance e uma rápida propagação, era necessário aos que faziam
parte da política partidária mostrarem a sua imagem da melhor maneira possível fazendo
oposição à degeneração dos princípios comunistas. O bom político conservadorista era:
casado, pai, democrata, religioso e anticomunista.
Uma figura que podemos considerar como símbolo desse conservadorismo no
Estado do Piauí foi o professor de Direito, desembargador, jornalista e presidente da
Academia Piauiense de Letras na década de 1960, Simplício de Sousa Mendes.232 As colunas,
por ele assinadas, em vários jornais piauienses, mantiveram sempre a mesma denominação:
“Televisão”. Apesar de o título da coluna se apresentar sobre a égide das novas tecnologias,
demonstrando, dessa forma, a sua relação com o novo, o professor sempre preferiu às
tradições da moralidade cristã. Bastante preocupado com os rumos políticos do país, alertava
constantemente os jovens sobre os perigos materialistas:

Entre nós vejo com incontida tristeza que a mocidade se rescente dêsse
fenômeno geral. (Influenciada por essas idéias inferiores, torna-se, a olhos
vistos, pragmatista). Já se desinteressa das elevadas atividades intelectuais e
artísticas. É assim que os moços não cultivam com a mesma fascinação a
poesia, as boas letras, o prazer literário. Pouco impressiona o ideal estético,
social ou filosófico. Domina, sobretudo, o utilitarismo individual e egoístico,
demandando o êxito material imediato, condições de prazer, de bem-estar, de
231
Idem.
232
"Simplício de Sousa Mendes nasceu em União (PI), 1882. Bacharel pela Faculdade de Direito de Recife
(1908). Juiz de Direito em Piracuruca e Miguel Alves (PI). Um dos fundadores da faculdade de Direito do Piauí
e seu professor catedrático de Teoria Geral do Estado. Professor de Direito Constitucional, membro do Tribunal
Regional Eleitoral e presidente da Academia Piauiense de Letras. Diretor da Imprensa Oficial do Piauí.
Presidente do Conselho Estadual de Cultura; Jornalista de grande atuação na imprensa piauiense. Jurista.
Publicou 'O Homem, a sociedade, o direito'. Faleceu em Teresina, 1971. Foi presidente do Tribunal de Justiça do
Piauí. Sociólogo e jurista". TITO FILHO, Arimathéa. Sua Excelência o egrégio. (síntese histórica). Teresina,
1978, p.68. Sobre Simplício de Sousa Mendes ver também: GONÇALVES, Wilson Carvalho. Dicionário
enciclopédico piauiense ilustrado. Halley. Teresina, 2003, p.261; COELHO, Celso Barros. Homens de Idéias e
de Ação. Júnior. Teresina, 1991. p.77-92; CASTELO BRANCO, Lili. Vida e Obra Romanceada de Simplício de
Sousa Mendes. Academia Piauiense de Letras e Fundação Cultural do Piauí. Teresina, 1987.
107

satisfação das solicitações materiais da vida humana.233

Em muitos dos seus artigos, em diferentes jornais da capital piauiense, mesmo de


forma breve, se dirigia exclusivamente aos “moços”: “Alerta! Mocidade veja bem a doutrina
marxista que vê o homem apenas pelas necessidades fisiológicas e nega a base da civilização
cristã, consistente na verdade eterna de que o homem é um composto de corpo e de alma e
não somente uma força material, reduzida ao egoísmo de viver”.234
Anticomunista assumido, o professor Simplício Mendes começou a escrever no
jornal O Dia, no ano de 1964. Foi nesse jornal que publicou o maior número de artigos
coletados pela presente pesquisa. No início do mesmo ano, começou a tecer críticas às figuras
de Leonel Brizola e João Goulart, relacionando a imagem dos dois ao comunismo. Mesmo
antes de 1964, no jornal Folha da Manhã, Simplício Mendes não poupava palavras de fúria
aos que não lhe agradassem, principalmente se fossem comunistas, e fazia isso
constantemente em seus artigos, como certa vez aconteceu, quando se referiu ao Premier
soviético Nikita Krutchev. O motivo detonador da crítica, segundo o professor Simplício de
Sousa Mendes, era a alegação de que o russo teria tornado um fiasco a conferência dos quatro
grandes países, ocorrida em Paris, no ano de 1960: “É um ditador indelicado, intratável,
campônio, aldeão rude e sem tratamento, o que se verifica logo dos seus gestos dramáticos e
espetaculares de inveterado bebedor de vodca”.235 Às vezes, preconceituoso em suas
observações, como no trecho citado anteriormente, o professor desqualifica o Premier
soviético por causa de sua origem operária. O trecho a seguir, de um outro artigo de Simplício
de Sousa Mendes, ainda trata sobre o episódio da Conferência de Paris: “[...] E quando este
tirano é falador, vaidoso e grosseiro da espécie de um Nikita Krutchev, - rude trabalhador de
minas de carvão – então as desgraças estão pendentes e suspensas por teias de aranha”.236 A
aversão aos trabalhadores braçais foi, por várias vezes, mencionada pelo intelectual piauiense,
principalmente no momento em que os trabalhadores do campo começaram a ser organizar no
Estado do Piauí. Para Simplício de Sousa Mendes, a Reforma Agrária era um perigo, uma vez
que poderia deixar o país à mercê de um governo feito por trabalhadores analfabetos. Para o
presidente da Academia Piauiense de Letras, o trabalhador rural brasileiro, nordestino e
especialmente piauiense, era um “ser embrutecido, e primário que é, peso morto, incapaz e
inúltil”, e continua:

233
ORAÇÃO do Acadêmico Simplício de Sousa Mendes, recebendo o noviço imortal Adelmar Rocha. Revista
da Academia Piauiense de Letras. Papelaria Piauiense. Teresina. Piauí. Dezembro de 1962, ano XLV – n.21
(março 1963), p. 31.
234
MENDES, Simplício de Sousa. Teria renegado o comunismo. Folha da Manhã. Teresina, 22 mar. 1960,
n.670, p.04.
235
MENDES, Simplício de Sousa. Conferência de Paris. Folha da Manhã. Teresina, 19 mai. 1960, n.715, p.04.
236
MENDES, Simplício de Sousa. Situação Internacional. Folha da Manhã. Teresina, 18 jun. 1960, n.737, p.04.
108

É forçoso convir que o nosso caboclo em geral, é homem biológico, quase


nada ser social [...] Nômade, falta-lhe até o sentimento de família, em regra
pouco trabalha, nega-se ao esforço e, quando trabalha, não tem a previdência
de poupança. Viciado e festeiro, embriaga-se, gasta tudo, briga, mata,
assasssina, arriba, muda de lugar em constantes e perigosas aventuras.
Em geral, gosta da aguardente, da faca, da espingarda e do rifle.237

Por diversas vezes, ele repetiu esse discurso contra o homem do campo, muitas
vezes a caracterização brotava em mil adjetivos negativizantes: “Em geral o lavrador roceiro é
um homem rude, grosseiro nos hábitos, iletrado ou analfabeto, imprevidente, alcoólatra,
festeiro, quando não é preguiçoso, ladrão e criminoso”.238
Depois do golpe civil-militar e de sua consolidação, o professor Simplício de
Sousa Mendes foi determinante em relembrar a figura de Chagas Rodrigues, relacionando-o
aos políticos já cassados como subversivos e aos comunistas piauienses, que já estavam
presos, o que, de certa forma, acreditamos, ajudou na cassação do ex-governador, logo após a
edição do Ato Institucional nº 05.
O seu anticomunismo, na nossa avaliação, é configurado como o mais completo,
uma vez que reconhecemos nos seus discursos todos os aspectos que caracterizam o discurso
anticomunista da época. Vejamos um dos artigos do autor:

O comunismo ameaça, para propagar-se e submeter as nações ainda em


formação ou em atraso evolutivo, usando todos os processos enganadores e
insidiosos.
Ameaça o mundo ora pelo poder das armas russas, ora por processos
ardilosos e serpejantes, - por enganadoras promessas falsas e coleantes.
Afirmações de paz quando na verdade acarreta a ruína, a adversidade, a
intranqüilidade, os ódios, as paixões e monstruosidades físicas e morais, -
para firmar-se no seio das nações que têm a desgraça de cair nas suas malhas
de força e soluções totalitárias.
Diz-se governo de classe única, - a proletária, mas não escraviza o trabalho
humano, e, em nome apenas dos trabalhadores submetidos à servidão estatal,
- uma pequena minoria mais atilada e menos inescrupulosa investe-se de
poder social totalitário, exercendo, sanguinariamente, as funções de supremo
governo. É assim na Rússia, é assim na China, é assim em todo o leste
europeu comunizado pelas forças das armas pretorianas.
[....]
Hipocrisia é ponto pacífico do clima comunista e comunizante.
Iludir, insinuar-se, enganar o povo ludibriando, - eis o processo de
infiltração, cujos objetivos liberticidas justificam os meios insidiosos de
agitar e revolucionar.
Pela sua tendenciosa diplomacia e as respectivas surcusais comunistas –
operando sobre a orientação subversiva de Moscou em todas as nações, -
intromete-se na vida dos outros países, produzindo agitações, perturbando a
ordem e procurando enfraquecer-lhes as Forças Armadas e as condições de
237
MENDES, Simplício de Sousa. Congresso de Operários e Camponeses. Folha da Manhã. Teresina, 30 abr.
1961, n.964, p.04.
238
MENDES, Simplício de Sousa. Camponês, Reforma Agrária. Folha da Manhã. Teresina, 13 ago. 1961,
n.1.048, p.04.
109

defesa.
A quinta coluna vermelha está por toda parte e age subterrânea e é o olho de
Moscou – vigilante, corruptor, coleante, traiçoeiro e sempre ativo.
O que mais admira é que seus adeptos do credo marxista, simpatizantes da
ideologia subversiva, - cripto-comunista, existam nas classes esclarecidas,
nas mais altas esferas intelectuais das nações ocidentais. E, no entanto,
presas de ambições pessoais, eles querem mando discricionário - , que não
leva em contas as liberdades inalienáveis e a dignidade da pessoa humana , -
rebaixada, por direito, ao nível das tarefas de trabalho obrigatório, - sob
penas desumanas.
O comunismo nega todos valores espirituais e diviniza a matéria.
Todos princípios educacionais e familiares da civilização cristã são negados.
Portanto a catástrofe entre nós, no Brasil, seria profundamente incalculável-
rebaixando-nos ao nível de Cuba –[...]
Não é só o comunismo que agita. Até um certo ponto a ideologia marxista
serve de instrumento dos que não se conformam com a ordem jurídica, o
término dos mandatos e a limitação de poderes, - da própria democracia.
Querem mais: - querem ficar, querem continuar, embora arruinando a
República e as instituições, a que juraram servir.
E é por isso, que estamos, imprudentemente a brincar de comunismo e
revolução.
O país está e vai cada vez mais assustado com essas intranqüilizadoras
perspectivas.
E até quando? E aonde nos querem levar? [grifos do autor]239

O trecho citado foi apenas um dos vários que sempre tinham a mesma seqüência
de raciocínio. Suas construções discursivas seguiam a seguinte linha de pensamento, qual
seja: comentava sobre as infiltrações comunistas; demonstrava o que isso poderia acarretar
para o país; e, no final, explicitava alguns temas como democracia, religião e Reforma
Agrária. Entre as peculiaridades que eram próprias dos discursos de Simplício de Sousa
Mendes, notamos uma excessiva adjetivação negativa.
O extremo negativismo de Simplício de Sousa Mendes, relacionado ao
comunismo, fez com que ele recebesse o título de “Soldado da Democracia” pela redação do
jornal O Dia. Porém, esse título teve um motivo especial para acontecer! Foi-lhe concedido
como recompensa porque, dentre os anticomunistas que existiam no Piauí, seu nome constava
dentre os primeiros a ir ao famoso PAREDON em uma lista supostamente encontrada pelo
comando da Guarnição Federal, quando houve desbaratamento da secção do Partido
Comunista, localizado na rua Santa Luzia em Teresina. A lista divulgada no jornal foi a
seguinte:

Divulgamos hoje, os primeiro nomes da “LISTA FATAL”, os nomes


destinados ao PAREDON COMUNISTA que nos ameaçava, e que hoje, à
mercê de Deus, está desbaratada:
Cel. FRANSCISCO MASCARENHAS FAÇANHA – Comandante da
Guarnição Federal de Teresina.
Cel. LUIZ CORREIA LIMA – Comandante do 25ºBC
239
MENDES, Simplício de Sousa. Comunismo e revolução. O Dia. Teresina, 02 abr. 1964, n. 1206, p. 03.
110

Gen. JOÃO HENRIQUE GAYOSO E ALMENDRA


Des. SIMPLICIO MENDES
Dr. ANÍSIO MAIA
FAMILIA FREITAS.240

A referida lista rendeu um editorial favorável às atuações de Simplício Mendes


como “Soldado da Democracia”, como podemos observar a seguir:

Mas fazer justiça aos civis que, de longa data, arrastando malquerenças,
ódios e até inclusão do nome em “LISTAS FATAIS” dos que iriam
inaugurar o “PAREDON”, tomaram a peito a defesa da democracia, num
combate sem tréguas aos inimigos do regime. Entre esses civis, cumpre
destacar o eminente jornalista – SIMPLÍCIO DE SOUSA MENDES, por
sinal nosso brilhante colaborador.
Quem vem acompanhando os passos do conceituado e abalisado jurista e
filósofo, sabe que a sua pena, nos últimos anos, tem estado quase
exclusivamente a serviço da Pátria, contra os que desejavam comunizar, aqui
e alhures. É, por esse motivo, odiado pelos que pensavam em transformar o
Brasil em simples capitania da União Soviética. Ódio que, para ele, deve se
transformar em orgulho inusitado, porque, graças às idéias que vinha
expondo em seus notáveis artigos, tem parte nas glórias do triunfo e é
acatado e venerado pela imensa maioria de brasileiros, sobretudo pela quase
totalidade de piauienses, que vêem nele, um líder a receber os aplausos a que
faz jus como legítimo e destemeroso SOLDADO DA DEMOCRACIA241.

A reação de Simplício de Sousa Mendes foi imediata, ao saber que seu nome
constava na suposta lista dos que iriam morrer no PAREDON, escreveu artigo alertando os
piauienses sobre a proximidade da Revolução Comunista. Para tanto argumentou que as listas
para o PAREDON já estavam prontas:

[...] Os comunistas tornam-se tigrinos. São feras humanas. E não é de


admirar, que, na revolução, sob os auspícios e proteção do Presidente João
Goulart, contassem logo com o triunfo e organizassem, mesmo no Piauí, a
lista do paredon, - transladada de Cuba, - do matadouro de Castro, para o
belo, livre e democrático país do cruzeiro (...) São monstros e cegos de
espírito242.

Em quase todo o trabalho, nos referimos aos artigos do professor Simplício de


Sousa Mendes. As suas articulações discursivas, logo após o golpe civil-militar de 1964,
deram a tonalidade ao discurso anticomunista nas páginas do jornal O Dia. Foi Simplício de
Sousa Mendes quem primeiro se posicionou contra o comunismo, dando nomes aos
comunistas, ironizando o ex-governador Chagas Rodrigues e até, quando necessário,
desvinculando imagens de pessoas de supostas atitudes subversivas. Contudo, no discurso de
Simplício de Sousa Mendes, ficaram cristalizadas as marcas de um período da história

240
REVOLUÇÃO Comunista estava por um fio: marcados para morrer. O Dia. Teresina, 09 abr. 1964, n. 1.212,
p. 01.
241
EDITORIAL. Soldado da democracia. O Dia. Teresina, 11 abr. 1964, n. 1214, p. 08.
111

piauiense caracterizada pela não substituição da ordem vigente, pela não admissão de novas
idéias e, principalmente, pela preservação do status quo. Partindo dessa reflexão, percebemos
que o conservadorismo determinou a produção das representações anticomunistas no Piauí de
forma consistente antes de pleitos eleitorais e, principalmente, antes do golpe civil-militar de
1964.

2.2.1 ORDEM e progresso: o anticomunismo e a proposta de manutenção da democracia.

Agora os democratas já podem aceitar - e com orgulho -


o apelido de REACIONÁRIO [...].
O DIA antes da revolução. O Dia, 16 mar. 1965,
n.1486, p.01.

Durante a década de 1960, no Piauí, houve, por parte de determinados segmentos,


uma resistência a qualquer proposta de mudança na ordem social, tanto para o Brasil como
para o próprio Estado. As representações sobre o Piauí estavam vinculadas ao regime
democrático, implicando uma representação negativa de qualquer outro regime. Mas, naquele
momento, o regime negativo, por excelência, era o comunista. A idéia de que o regime
democrático no Brasil era exercido, de fato, apontava, muitas vezes, para exemplos desse
exercício democrático no cotidiano do homem brasileiro, como segue no trecho:

Nosso sistema de vida é o que oferece maior liberdade em todo o mundo. O


brasileiro não é um povo que tende a grandes aspirações, se conformando
com pouco. Ele se preocupa mais em tomar o seu traguinho de cachaça,
assistir ao futebol, ir à praia ou à piscina, dar um passeio com a namorada. O
importante, então, é dar ao brasileiro uma visão sobre o que é democracia,
para que êle sinta que a democracia brasileira é a melhor do mundo.243

O texto sugere que o homem brasileiro244, em seu cotidiano, levava uma vida
completamente indiferente ao regime político estabelecido no Brasil, nesse sentido a
manutenção da ordem estabelecida é ideal para as suas práticas cotidianas. No entanto, com a
emergência de novas possibilidades de organização social no mundo, como é o caso do
comunismo, era necessário, então, mostrar a esse homem como o regime em que ele vivia era
o melhor de todos.

242
MENDES, Simplício de Sousa. Materialismo: fonte de ódio. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964, n. 1213, p. 03.
243
É PRECISO compreender os estudantes. O Dia. Teresina, 23 jul. 1968, n.2483, p.01.
244
A palavra homem, no texto, não está sendo utilizada no sentido universal relacionado ao ser humano, mas
remetendo às práticas masculinas, como sugere a seguinte frase: dar um passeio com a namorada. Esse é apenas
um exemplo do conservadorismo social empregado nesses discursos, uma vez que sugere apenas a participação
112

Encontramos, durante a década de 1960, nas páginas dos noticiosos piauienses,


vários discursos com o mesmo argumento: a conservação da ordem vigente. Como nos
referimos anteriormente, esses discursos eram freqüentemente proferidos por políticos e altos
funcionários públicos. A tônica que movia os pronunciamentos desses homens públicos, era a
manutenção da ordem social e política, pautada em ideais democratizantes:

A VOZ DE UM DEMOCRATA
NESTA luta que os democratas se decidiram, afinal, aceitar, contra a
comunização do País, portanto pela própria sobrevivência, é atentador
verificar que os homens de elevada estatura moral não desejam continuar
silenciosos. Começaram a definir-se.
O Marechal Eurico Dutra, Ex-presidente da República, [...] decidiu falar em
defesa das instituições democráticas.245

O comunismo, para esses anticomunistas conservadores, mesmo sendo uma


proposta de projeto socioeconômico, de modo geral, não era percebido como oposição ao
capitalismo, mas como uma oposição à democracia. E como o comunismo era entendido
dessa forma, nada mais justo do que denominá-lo de ditadura, uma vez que o oposto à
democracia era o regime ditatorial. Nesse sentido, uma grande quantidade de artigos
denunciava a escravidão a que eram submetidos os habitantes de países comunistas.
Foi em nome da democracia que o conservadorismo lutou contra o comunismo,
no golpe civil-militar de 1964, como refletiu Simplício de Sousa Mendes:

A reação democrática contra o comunismo e o governo demagogicamente


subversivo de João Goulart, que apoiava, nos comunistas o seu caótico e
indefinido programa de reformas, esta reação, ou melhor este levante das
forças democráticas, em repulsa à avançada comunização do país, - veio pôr
na maior evidência o quanto se apresentam os vermelhos, para um arrojado
assalto ao poder político da República.[grifo do autor]246

Mesmo acreditando estarem pautados em ideais democratizantes, os


anticomunistas da vertente do conservadorismo refletiam que os Atos Institucionais (medidas
de exceção que vigoraram durante os governos militares) eram necessários para o
estabelecimento da democracia, como apontou o deputado udenista Ezequias Costa, em
entrevista concedida a um jornal piauiense:

Apesar do Ato Institucional ter aquela caracterização de uma medida forte,


extrema de exceção, o que se sente é que o seu executor, Presidente Castelo
Branco, não obstante ser um homem de formação militar inflexível, tem se
revelado um grande democrata. [...]
No que se refere ao desempenho dos nossos trabalhos parlamentares -

masculina como determinante na organização social.


245
O DIA antes da revolução. O Dia. Teresina, 17 mar. 1965, n.1487, p.01.
246
MENDES, Simplício de Sousa. Apresentava-se a Revolução. O Dia. Teresina, 19 abr. 1964, n.1220, p.03.
113

continuou o Deputado Ezequias Costa - devo dizer sinceramente que o Ato


Institucional nos trouxe um bem.247

Pode parece estranho, um democrata defender medidas de exceção, no entanto,


para Jorge Ferreira, na década de 1960, "[...] a questão democrática não estava na agenda da
direita e da esquerda. A primeira sempre esteve disposta a romper com tais regras, utilizando-
as para defender seus interesses".248 Toda preocupação com o comunismo deveu-se
justamente pela proposta de uma nova ordem social. A grande inquietação dessa vertente
conservadorista era a quebra do estabelecido, nesse sentido, várias narrativas da proximidade
do golpe comunista eram expostas nos jornais da época, na tentativa de justificar as ações das
Forças Armadas, como fez o desembargador Edgar Nogueira, ao ser questionado se a
movimento organizado pelas Forças Armadas tinha sido um golpe: "[...] muita gente, por aí a
fora, considera que houve um golpe, o que na verdade não se deu".249 A posição do
desembargador foi acompanhada por seus colegas, que em sessão do Tribunal de Justiça
saudaram com salva de palmas a "atitude das Forças Armadas em face dos últimos
acontecimentos verificados no país".250 É interessante ressaltar como os discursos do
conservadorismo percebiam os acontecimentos políticos anteriores e posteriores ao golpe
civil-militar, como fez Simplício de Sousa Mendes, apresentando o material comunista
encontrado pelo Exército no Piauí na sede do Partido Comunista e a intenção dos comunistas
com esse aparato:

No entanto, os vermelhos, armavam-se e preparavam tudo para o golpe


triunfante, nada faltando para a hora decisiva, - até a moeda própria do
comunismo, com a efígie de Lenine e a foice e o signo da foice e do martelo,
- simbolizando o imperialismo de Moscou.
Mais ainda: - além das listas dos que deviam ser fuzilados na primeira hora,
- para o adubo do terror, - até as fardas das milícias, que teriam de substituir
as forças armadas da República. O ativo comunista Honorato, [...] já tinha a
farda completa de coronel da nova organização militar e seria o chefe do
comando do Piauí. Ele dizia-se substituto do Coronel Façanha.
Acrescentam vizinhos, informantes, que esse fardamento foi queimado, -
logo que se evidenciou o fracasso do plano comunista. [...]
Nunca a nossa democracia política, - liberal, jurídica e cristã - enfrentou-se
com situação mais perigosa.
A democracia é um governo de elites - sob o sufrágio do povo, excluindo os
analfabetos. [grifo nosso]251

Ao expor um quadro de perigosa infiltração comunista no Piauí, o autor do texto

247
EZEQUIAS Costa fala ao jornal. O Dia. Teresina, 16 jun. 1964, n.1.265, p.08.
248
FERREIRA, J. Op.Cit. 2006. p.124.
249
PRESIDENTE do poder judiciário no Piauí interpreta os últimos acontecimentos. O Dia. Teresina, 07 abr.
1964, n.1210, p.01.
250
PRONUNCIAMENTO do Sr. Presidente repercutiu no Tribunal de Justiça. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964,
n.1213, p.01.
114

citado anteriormente, não tem o menor receio em construir um conceito de democracia. Para
ele, a democracia era um governo de elite, cabendo a uma minoria as decisões. Segundo
Simplício Mendes, para o povo, a democracia permitia apenas o ato de votar, e o autor deixa
claro que o que ele entende por povo, exclui a participação dos analfabetos. Sobre o mesmo
material comunista mencionado por Simplício de Sousa Mendes, alguns políticos também
demonstraram a sua indignação com aquela "infiltração". De um modo geral, a preocupação
desses políticos era de uma mudança súbita em suas vidas, em um regime como o
comunismo, especialmente no que se referiam às práticas trabalhistas:

Fotografia 15. Exposição do material “subversivo” apreendido pelo Exército.


Fonte: CLICHÊ: RODRIGUES Filho. O Dia. Teresina, 26 abr. 1964, n.1225, p.01.

No clichê anterior, é mostrado a exposição do material comunista sendo vigiado


por um soldado e observado pelo vereador Rodrigues Filho. Na legenda da foto, está escrito a
seguinte frase, atribuída ao vereador: "RODRIGUES FILHO – (pensando) – Só de olhar para
essa foice e pra esse martelo eu me arrepio todo. Ora, quem gosta de sombra e água e fresca
como eu, ter que de uma hora pra outra cuidar da lavoura, Deus me livre". É a mudança que

251
MENDES, Simplício de Sousa. Apresentava-se a Revolução. O Dia. Teresina, 19 abr. 1964, n.1220, p.03.
115

assusta, é a possibilidade de perder o cargo, status e autoridade, para se tornar mais um


cidadão trabalhador do regime comunista.
Um outro aspecto que devemos levar em consideração no conservadorismo
anticomunista, é a presença de caracteres religiosos. De um modo geral, o conservadorismo
aponta para Deus como uma das justificativas de sua aversão ao comunismo, como afirmou o
deputado João Calmon, em discurso, quando falava aos piauienses: "[...] à pregação das
sangrentas reformas, importadas de Moscou, de Pequin ou de Havana, responderemos com a
pregação de reformas cristãs e democráticas condizente com a índole e a tradição do nosso
país, sempre fiel aos ensinamentos da doutrina social [...]".252
O que devemos destacar é que esse anticomunismo da vertente do
conservadorismo foi construído por indivíduos que tinham muito a perder com a mudança da
ordem estabelecida, nesse sentido, houve um grande número de discursos que se
posicionaram favoráveis ao golpe civil-militar de 1964 acreditando que as Forças Armadas
estavam possibilitando uma perpetuação da suposta tradição democrática brasileira. No
entanto, esse conservadorismo também foi bastante expressivo antes dos processos
sucessórios, aspecto que analisaremos em seguida.

2.2.2 O bem amado socialista: a política partidária e o anticomunismo.

Chagas Rodrigues [...] Fez um bom governo, e se o


Simplício de Sousa Mendes o chamava de comunista
naquela coluna que ele tinha, Televisão, é porque ele
também, me desculpe, não sabia direito o que era o
comunismo. O comunismo tem categorias, postulados
que jamais, jamais Chagas Rodrigues abraçaria, [como]
a ditadura do proletariado.
Marcos Igreja – comunista na década de 1960.

Como já havíamos mencionado anteriormente, no tópico que versa sobre a


propriedade privada e o anticomunismo, um político, em especial, sofreu com a pecha de
comunista, o governador do Estado, Francisco das Chagas Caldas Rodrigues (1959-1962).
Seu apoio às Ligas Camponesas foi determinante para que isso ocorresse. No entanto, não foi
o único motivo, parte de suas ações foram entendidas, propositadamente ou não, como ações
de comunista, ou mesmo ações que pudessem permitir a "infiltração comunista" no Piauí. O
fato que devemos levar em consideração, aqui, e que é bastante interessante ressaltar, é que a
116

estratégia de acusar candidatos de comunistas para desqualificar a sua campanha em período


pré-eleitoral não era nova no Estado do Piauí. Segundo o nosso ponto de vista, Chagas
Rodrigues era um governante que não se omitia com relação às questões políticas
predominantes na época, principalmente no que se referia às famosas e controversas Reformas
de Base. O governador piauiense, talvez mais por causa do seu partido do que por convicções
ideológicas, era favorável às Reformas de Base, além de ter apoiado os movimentos de
sindicalização rural e estudantil, mesma estratégia utilizada pelo presidente João Goulart, em
sua política de aproximação com os movimentos sociais já no final do mandato. Como
podemos perceber, é possível que Chagas Rodrigues, estivesse muito mais interessado em se
promover politicamente do que promover qualquer tipo de infiltração comunista no Estado,
como queriam seus opositores. Acreditamos que muitos dos que insuflaram a pecha de
comunista contra Chagas Rodrigues o fizeram mais por questões eleitorais do que por
acreditarem que ele era comunista de fato.
Essa prática de desqualificação através da alcunha de comunista, já havia sido
utilizada antes no Piauí, como sugere o trecho da seguinte reportagem: “Há muitos anos atrás
num desesperado esforço para tentar evitar a vitória certa de Rocha Furtado253, Joqueira254 às
vésperas do pleito, mandou colocar debaixo das portas dos teresinenses, panfletos chamando
o médico católico de comunista, simplesmente porque não conseguiu, a despeito de muita
insistência, que os comunistas votassem com o P.S.D.”.255
Nas eleições do ano de 1962, o episódio também não foi diferente. Muitos
anticomunistas, em especial, Simplício de Sousa Mendes, opositor partidário de Chagas
Rodrigues, classificaram o mandato deste governador como um período de subversão. O
próprio Simplício de Sousa Mendes afirmava categoricamente que tinha sido Chagas
Rodrigues responsável pelo crescimento do comunismo no Piauí.

Se quiser lançar uma vista sobre o recente passado do Piauí - ver-se-á que o
governo do atual deputado Chagas Rodrigues - foi todo de malversações, -
governo populista, descambado para a aliança com os comunistas, o
incentivo e a acolhida dos vermelhos na sua corrompida e corrupta política.
[...]
A infiltração comunista nas atividades políticas do Piauí, - aprofundou-se e
cresceu de importância e de audácia, nas promoções indecorosas desse
governo malsão, assinalado entre os mais perniciosos que temos tido e
sofrido.
[...]
O comunismo ressurgiu no Piauí e exaltou-se naquela fonte subversiva do
252
A PALAVRA de João Calmon. O Dia. Teresina, 02 fev. 1964, n.1206, p.02.
253
Governador piauiense (1947-1951)
254
João Clímaco D'Almeida, político piauienses, vice do candidato ao governo do Estado na chapa de Petrônio
Portella, principal concorrente de Chagas Rodrigues na eleição de 1962.
255
DUARTE, Fonseca. Comunismo das oposições. O Dia. Teresina, 26 set. 1962, n. 975, p.04.
117

petroleiro e fogueteador Sr. Chagas Rodrigues. [grifo do autor] 256

Chagas Rodrigues era um político novo, frente à antiga composição política do


Piauí. Eleito pela coligação PTB-UDN, ao assumir a postura de apoiador da Reforma Agrária,
provocou reações adversas nos quadros udenistas, que levaram a um rompimento da
coligação antes das conversações políticas para a sucessão. Nesse momento, o que estava em
jogo não era apenas uma eleição, mas a reorganização das forças políticas no Estado, uma vez
que Chagas, jovem político, poderia se tornar a mais nova liderança em detrimento dos
antigos políticos que governaram o Piauí até aquele momento.
Antes das eleições governamentais de 1962, as acusações de comunistas já
recaiam sobre o governador Chagas Rodrigues, no entanto, elas passaram a se intensificar, a
partir do processo sucessório. Vários artigos publicados no ano anterior às eleições
relacionavam a sua imagem ao comunismo. Em uma reportagem de 1961 intitulada: Vá pra
China, governador! O cronista apontava a possibilidade de renúncia de Chagas ao governo do
Estado, e demonstrou algumas das possíveis alternativas de futuros cargos que esse
administrador teria. Uma das possibilidades apontada pelo autor do texto, era a indicação de
Chagas Rodrigues à embaixada da China, e sem o menor embaraço pede: "Sr. Governador,
por favor, sim? Vá pra China!"257, indicando que as ações políticas de Chagas Rodrigues
estavam mais próximas da China Comunista do que do Piauí.
De um modo geral, as acusações de comunismo contra Chagas Rodrigues eram
construídas no sentido de ridicularizá-lo, debochavam de sua atuação, ou de sua associação
com elementos "perigosos". Esses textos foram publicados em três jornais da capital
piauiense, Folha da Manhã, Estado do Piauí e Jornal do Piauí. Em contrapartida o Jornal do
Comércio saía em defesa da imagem do então governador. As discussões começaram a se
intensificar depois de um programa de rádio em que o governador supostamente teria acusado
os colaboradores do jornal Folha da Manhã de estarem escrevendo bêbados, provocando a ira
dos articulistas desse jornal, em especial de Simplício de Sousa Mendes: "Somos forçados a
suspender, por hoje, a série de comentários sobre o parlamentarismo. [...] Não sabemos o que
seja o Sr. Chagas Rodrigues, - se socialista, se comunista, se esquerdista, se direitista [...].
Bêbado anda o governador Chagas Rodrigues - Se não de álcool - de ódio, despeito, de
egoísmos contrariados, de planos frustrados e malogrados [...]".258 A partir desse momento as
agressões aumentam, e o chavão preferido para qualificar o governador é o de comunista.

256
MENDES, Simplício de Sousa. As fontes da subversão. O Dia. Teresina, 28 maio 1964, n. 1.250, p. 03.
257
VÁ PRA China , governador! Estado do Piauí. Teresina,01 out. 1961, n.379, p.01.
258
MENDES, Simplício de Sousa. Sem ética e sem decência. Folha da Manhã. Teresina, 27 out. 1961, n.1103,
p.06.
118

Surgiu no Jornal do Comércio um articulista com o nome José/Zé Carnaúba,


pseudônimo utilizado para defender o governo de Chagas Rodrigues, principalmente no que
se referia às acusações de comunismo. Esse pseudônimo, segundo Simplício Mendes, foi um
artifício do próprio governador para se esconder, pois para o professor, o Zé Carnaúba era o
próprio Chagas Rodrigues, uma vez que era ele quem financiava o Jornal do Comércio com
verbas públicas.259 Depois da aparição de Zé Carnaúba as acusações contra o governador não
ficaram sem resposta, pois, para esse articulista, Simplício de Sousa Mendes “[...] é professor
desregrado, desmoralizado, curiqueiro, sem compostura e sem decência, triste entulho da
velhacaria e fraqueza, amostra barata de uma velhice despudorada e infame”.260
O “bate-boca” nos jornais virou uma rotina antes das eleições, acusações de
comunismo eram dirigidas ao governador, que as negava, sendo, desta forma, considerado um
demagogo e influenciável, que mudava de posição a cada situação, recebendo o nome de o
"bem-amado cata-vento".261 Essa flexibilidade das posições políticas também foi uma
acusação do Jornal do Piauí: “Não negamos ao Sr. Chagas Rodrigues o direito de ser
discípulo de Marx, de Fidel Castro, ou de quem quer que seja. Apenas condenamos que
chamado a uma tomada de posição, abandone os mestres provisoriamente, para só considerá-
los quando se acha a sós com os aliados comunistas.”262
Se no ano de 1961, a imagem de Chagas Rodrigues ainda estava sendo construído
como comunista, em 1962, após ir a um comício da UNE, vem a confirmação para alguns
políticos opositores:

259
MENDES, Simplício de Sousa. Anonimato. Folha da Manhã. Teresina, 31 out. 1961, n.1106, p.06.
260
CARNAÚBA, Zé. Vá às favas, velhinho! Jornal do Comércio. Teresina, 29 out. 1961, n. 2.865, p.04.
261
MENDES, Simplício de Sousa. Bem amado, Catavento. Folha da Manhã. Teresina, 26 nov. 1961, n.1126,
p.06.
119

Fotografia 16. Matéria do jornal Folha da Manhã sobre a relação de Chagas Rodrigues com o Comunismo.
Fonte: CONFIRMADO; Chagas é comunista! Folha da Manhã. Teresina, 11 jan. 1962, n.1158, p.01.

O comício foi o detonador de uma série de artigos que confirmam a atuação


comunista do então governador Chagas Rodrigues. De bem-amado, o apelido do governador
começa a ser o bem-barbado263, em referência à imagem construída em torno dos comunistas
enquanto barbudos, pois sabemos que o governador Chagas Rodrigues não usava barbas:
“Depois de agradáveis dias nas praias românticas de Copacabana, chegou ontem para rápida
visita ao Piauí, o sr. Chagas 'Che' Rodrigues, hoje conhecido no país como 'Bem Barbado' em
decorrência de suas comprovadas ligações com o perverso e sangüinário líder comunista
cubano”.264

262
NÃO negamos ao Sr. Chagas Rodrigues....Jornal do Piauí. Teresina, 01 abr. 1962, n.1.011, p.01.
263
Com alguns variações de acordo com a reportagem: Bem Barbudo ver: REPETIMOS: Chagas é comunista.
Folha da Manhã. Teresina, 13 jan. 1962, n.1.160, p.06.
264
SALVE Leitor. Folha da Manhã. Teresina, 13 jan. 1962, n.1.160, p.01.
120

Fotografia 17. Governador Chagas Rodrigues.


Fonte: FOTO de Chagas Rodrigues. Jornal do Comércio. Teresina, 31 jan. 1961, n.1771, p.01.

O Jornal do Piauí transcreveu o artigo do jornal carioca Diário Carioca que


noticiava a presença do governador piauiense no comício organizado pela UNE no Rio de
Janeiro. Segundo os jornais piauienses, a reportagem tinha o seguinte teor:

Mas a nota lamentável, mesmo foi a presença num comício realizado na


Guanabara contra o seu governador; do governador de outro Estado, o do
Piauí [...].
Mas o Sr. Chagas Rodrigues não quis perder o "show". Que ele fosse atraído
ao comício compreende-se. O Piauí fica muito longe e os meios de
informação de que dispõem os piauienses sobre o que se passa no resto do
país parece que são escassos. O que, porém, não se pode admitir é que um
governador de Estado que visita outro Estado se preste a assistir de corpo
presente ao espetáculo das injúrias assacadas contra o seu colega da unidade
que o hospeda.265

265
DEGRADAÇÃO da autoridade. Jornal do Piauí. Teresina, 11 fev. 1962, n.997, p.04.
121

A reportagem apenas apontava o desrespeito de um governador contra outro, no


entanto a importância que teve para seus opositores foi maior, uma vez que foi lida na câmara
de vereadores de Teresina pelo presidente daquela casa, Wall Ferraz. O cronista que
transcreveu a reportagem, acrescentou ainda que o jornalista carioca que tinha escrito o texto
acima, ainda não tinha visto nada com relação as ações do governador piauiense, uma vez que
este "simpatiza os vermelhos".266 Para um dos maiores inimigos de Chagas Rodrigues,
Simplício de Sousa Mendes, essa sua aparição no comício da UNE foi mais uma oportunidade
de associá-lo ao comunismo, como sugere o trecho:

Mas a nota mais saliente desse evangelho comunista, foi, sem dúvida, o
aviltamento do Estado e do povo piauiense, pela presença do seu incrível,
inconseqüente e inverossímil governador, Chagas Rodrigues ao lado do
palanque que, ombro a ombro com o comunista Chico Julião, discursando e
aplaudindo-o quando ele dizia que Cuba era o modelo e que o Brasil seguiria
Fidel Castro, pela revolução e pelas armas comunistas.
Brizola e Mauro Borges convidados esquivaram-se, lá não foram.
Só Chagas Rodrigues - o escudeiro foi o único governador que compareceu
à baderna. Somente resta exclamar-se: - pobre Piauí, a quanto te avilta o teu
desleal e inconsciente governador!. 267

Mas a resposta favorável ao governador do Piauí não tardou, e o Jornal do


Comércio respondeu à acusação de comunismo:

O emérito articulista de Televisão, da Manhã, figura respeitável por todos os


títulos, já tem idade suficiente – proveta, aliás – para revertir-se de uma certa
compostura de seriedade, evitando emitir conceitos inconscientes e
inconseqüentes, quase pueris, quando pretende assinalar cada interlocutor
como um agente vermelho, em cada autoridade vislumbrando um comparsa
de Fidel Castro e enxergando na pessoa do governador um êmulo de
Kruschev – o Czar Vermelho.
[...]
Fora melhor tivesse adotado um pouco de moderação, para vencer o último
quartel da vida. Seria mais salutar permanecer repousando em casa, apegar-
se aos chinelos macios, sentir o aconchego dos frouxos pijamas listrados,
devorar fartas talhadas de mamão (o passa raiva indicado), enquanto leria
nos jornais as bobagens dos jovens vermelhos, depois de haver ingerido,
beatamente uma reconfortante chaleira de chá de cidreira.
Isto, sim!.268

Mesmo com a defesa calorosa, as acusações foram intensas até o final do período
sucessório, pois o período de maior propagação das acusações a Chagas Rodrigues ocorreu no
ano da eleição para sucessão governamental. O candidato indicado por Chagas Rodrigues, - já
que, naquele momento, não havia reeleição - Constantino Pereira, perdeu as eleições. O

266
Idem.
267
MENDES, Simplício de Sousa. Piauí Aviltado. Folha da Manhã. Teresina, 12 jan. 1962, n. 1.159, p.06.
268
CARNAÚBA, José. Mamão, pijama e cidreira. Jornal do Comércio. Teresina, 21 jan. 1962, n. 2.915, p.04.
122

próprio Chagas Rodrigues não conseguiu se eleger ao Senado, vencendo apenas as eleições
para deputado federal, uma vez que a lei eleitoral permitia o lançamento de mais de uma
candidatura. Sua candidatura era por muitos insistentemente mostrada como organizada pelos
comunistas do Estado:

O Sr. Chagas Rodrigues, em sua luta inglória e desesperançada, [...] perdeu o


senso da razão. Deveria o ex-governador fazer uma consulta ao dr. Clidenor
e passar logo um tempo de repouso no Meduna269, com tratamento rigoroso,
porque do modo como anda agindo, sua loucura não deixa lugar a dúvidas.
O que fez ele?
Nada mais, nada a menos, que entregar a sua campanha eleitoral na Capital
piauiense a elementos reconhecidamente comunistas. Ou será que o sr.
Honorato não é comunista? Ou será que o sr. Jesualdo Cavalcanti não é
comunista? E os srs. Experidião, José Luiz e Deusdeth Ribeiro?.270

Mesmo depois de encerrado seu governo, o estigma de comunista o perseguiu


ainda, na voz do professor Simplício de Sousa Mendes, que, no ano de 1964, insistia que
Chagas Rodrigues também deveria perder o mandato de deputado, pois ajudara a consolidar o
comunismo no Piauí. Cassação que só se concretizou no ano de 1968, com o Ato Institucional
n.05.
Como havíamos refletido, o anticomunismo da vertente do conservadorismo teve
uma maior incidência antes do golpe de 1964 e das eleições. Não estamos afirmando que ele
foi utilizado unicamente como meio de manipular apoio para os processos sucessório e
cooptar manifestações favoráveis ao golpe, existiram indivíduos que acreditavam que o
comunismo estava definitivamente se estabelecendo no país através de determinadas práticas
políticas. No entanto, não podemos descartar que, principalmente nessa vertente, o
comunismo foi um grande artifício para desqualificar candidatos antes das eleições, como
também uma forma de manobra para cooptar apoio popular em 1964.

2.3 O comunismo é o ópio do povo: A religião católica e o anticomunismo no Piauí, na


década de 1960.

269
Clínica psiquiátrica sediada no Bairro Porenquanto em Teresina – PI, que teve como proprietário o psiquiatra
Clidenor de Freitas Santos.
270
COMUNISTAS. Folha da Manhã. Teresina, 20 set. 1962, n.1.353, p.02.
123

Outra vertente anticomunista é a religiosa.271 A Igreja Católica teve papel


fundamental na construção das representações religiosas anticomunistas no Piauí, na
década de 1960. Embora Rodrigo Patto Sá Motta272 considere que a década de 1960 foi o
período em que houve a substituição da ortodoxia católica por uma espécie de ecumenismo
anticomunista, no Piauí o que se verificou foi um predomínio da influência da Igreja
Católica na condução das representações anticomunistas, pelo menos até o ano de 1965.
Parece ser contraditório, por um lado apontar a Igreja Católica como uma das grandes
construtoras das representações anticomunistas na década de 1960 e, por outro lado, refletir
que a ação de determinados segmentos católicos no final da mesma década foram
significados como comunismo, como foi apontado no primeiro capítulo, mas não podemos
desconsiderar que a realidade social é contraditoriamente construída.

Independentemente das posições conservadoras e progressistas, a ação que movia


os membros do clero, de modo geral, era a idéia de salvação do corpo e alma. De acordo com
Michel Löwy, ao tratar das divisões de posições políticas no seio da Igreja Católica, na
década de 1960, em especial, na América-latina, não podemos esquecer que “[...] se tem
tratado de contradições no seio de uma instituição que, apesar de tudo, conserva a sua
unidade, não apenas porque todas as partes em causa desejam evitar um cisma, mas também
porque seus objetivos aparecem não-redutíveis à arena social e política”.273
Mesmo com divisões e posturas diferenciadas274 sobre determinados problemas
sociais, a coesão com relação ao dever de promover a elevação espiritual dos fiéis era um
propósito inquestionável. Questionável mesmo, por alguns membros do clero, era a maneira
com que determinados segmentos religiosos passaram a conduzir essa missão, no final da
década de 1960.275 No entanto, no que tange ao comunismo, vozes fortemente armadas de um
doutrinação espiritual, voltaram-se contra este, no seio da Igreja Católica, até o final dos anos
1960 e início de 1970, ainda que, no fim da década de 1960, essas vozes tivessem menos
ressonância. Um exemplo claro é o do Bispo de Diamantina, Minas Gerais, Dom Geraldo

271
Para ver análise sobre o anticomunismo católico e a sua construção a partir das encíclicas e em oposição ao
mundo moderno, ver: RODEGHERO, Carla Simone. O Diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja
Católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediufp, 1998.
272
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).
São Paulo: Perspectiva, FAPESP, 2002.
273
LÖWY, Michel. Marxismo e teologia da libertação. Traduzido por Myrian Veras Baptista. São Paulo:
Cortez: Autores Associados, 1991. (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.39) p.30
274
Desde fins dos anos 1950, percebe-se já a emergência de diferentes correntes dentre os bispos e o clero, no
[Brasil]. As três correntes mais influentes são os tradicionalistas, os modernistas conservadores e os reformistas:
[naquele momento] todos partilham uma repugnância comum, ser contrário ao 'comunismo ateu'. Idem, p. 52.
275
Entre o final de década de 1960 e o início da década de 1970, setores da Igreja Católica formulam uma nova
corrente de pensamento aproximando-se do marxismo, esse movimento foi denominado de Teologia da
Libertação, e teve grande repercussão na América Latina, em especial no Brasil. Foram as ordens religiosas e o
124

Proença Sigaud. Na década de 1960, Dom Geraldo Sigaud foi um dos fundadores da TFP
(Tradição, Família e Propriedade) movimento ligado à Igreja Católica, que tinha como
principais objetivos: lutar pela preservação da propriedade privada e combater o comunismo.
Em 1963, Dom Geraldo Sigaud lançou um livro, juntamente com outros membros da TFP, de
grande repercussão nacional, Reforma agrária, questão de consciência, que teve grande
divulgação na imprensa do Piauí, no momento em que o comunismo estava sendo associado à
luta pela terra. Esse bispo foi uma das vozes da Igreja Católica, que, ainda na década de 1970,
continuavam fazendo campanha anticomunista abertamente, mesmo sendo em uma escala
menor do que na década anterior. Em uma entrevista concedida à revista Veja, no ano de
1970, Dom Geraldo Sigaud fala sobre o comunismo relacionado à Igreja Católica,
principalmente na figura de Dom Helder Câmara, bispo de Recife e Olinda, como segue no
trecho:

[..] ele [Dom Helder Câmara] tem tomado atitudes que favorecem
enormemente a causa comunista. Por exemplo, apresentando o perigo
americano como idêntico ao perigo comunista - o perigo russo - , quando nós
sabemos que, na ordem prática, o perigo americano não existe, ao passo que
o perigo russo é um perigo iminente. A atitude de Dom Helder, em geral, é
enfraquecer as resistências ao comunismo, equiparando duas coisas que são
completamente diferentes [....] e não há formas de comunismo que se possa
aceitar.276

No entanto, naquele momento, a condução desse discurso anticomunista tinha


uma ressonância menor do que na década de 1960, a própria revista Veja, ao descrever o Dom
Geraldo Sigaud aponta que, para grande parte da população brasileira, ele era tido como um
reacionário. No entanto, em uma década anterior, os seus livros eram muito bem aceitos. Um
dos livros de Dom Geraldo Sigaud, que circularam no Piauí, foi o Catecismo
anticomunista.277 Esse livro, lançado no ano de 1962, trazia dezessete capítulos, com títulos
que sugeriam uma orientação para o conhecimento do comunismo, como: “O que é o
comunismo e como ele ensina?”; “Atitudes do comunismo perante a religião”; “O papel do
Satanás”; dentre outros. Trechos desse livro foram publicadas nos jornais locais, pois possuía
uma linguagem bem direta e simples, sendo a construção dos capítulos feita em forma de
pergunta, como segue:

1) O que é o comunismo?
• O comunismo é uma seita internacional, que segue a doutrina de Karl
Marx, e trabalha para destruir a sociedade humana baseada na lei de Deus e

padres estrangeiros os maiores responsáveis pelas novas práticas e reflexões na teologia. ver: LÖWY, Michel.
Op. Cit.
276
SE for assim, sou reacionário. Veja. São Paulo, 14 out. 1970. n.110, p.03.
277
SIGAUD, Dom Geraldo de Proença. Catecismo anticomunista. 5. ed., São Paulo: Vera Cruz, 1963.
125

no Evangelho, bem como para instaurar o reino de Satanás neste mundo,


implantando um Estado ímpio e revolucionário, e organizando a vida dos
homens de sorte que se esqueçam de Deus e da eternidade.278

Dom Geraldo Sigaud é um indicativo de que membros da Igreja Católica estavam


presentes e atuantes na luta contra o comunismo na década de 1960, mesmo que no final
dessa década essa propaganda fosse menos ativa. Nesse sentido, percebemos que "Uma das
instituições que mais se dedicavam no combate ao comunismo no Brasil foi a Igreja Católica.
O anticomunismo católico no Brasil se organizava a partir da infra-estrutura já existente na
Igreja e se beneficiava das boas relações que a hierarquia mantinha com governos e grupos
dominantes”.279
No Piauí, o discurso religioso anticomunista é intenso entre os anos de 1960 a
1965. Um dos principais motivos que fez com que a Igreja Católica tentasse unir vários
setores sociais e o próprio meio católico, contra o comunismo, foi justamente o que Igreja
Católica denominou de excesso materialista, que, conseqüentemente, desencadearia uma onda
de ateísmo. A luta da Igreja se fundamentava, principalmente, na idéia de que o comunismo
era ateu, baseado em uma teoria puramente materialista. Nesse sentido, era constantemente
repetida a famosa frase de Marx "A religião é o ópio do povo". O ateísmo comunista era
entendido como uma agressão à fé Católica.
A mensagem dos textos religiosos negava esse materialismo e apontava para a
necessidade humana da busca de Deus. Acreditamos que a idéia da religião como algo
essencial na vida dos seres humanos foi uma das razões para que houvesse tantos textos que
refletiam sobre a religiosidade crescente na União Soviética, como visualizamos em vários
discursos. Em um artigo intitulado "Porque renasce a religião na Rússia", o autor tenta
mostrar que, na União Soviética, e especialmente na Rússia, havia uma busca dos jovens pela
religião. E essa busca pela religião, segundo o autor, foi reflexo de um descontentamento com
o materialismo comunista, pois, segundo ele, "A doutrina oficial marxista-leninista [...] carece
de atrativos para a mente, o coração e a alma das pessoas, especialmente entre os jovens que
estão buscando algo que encha esse vazio: muitos então voltam-se para Deus".280
Ainda podemos perceber, no discurso religioso, que a representação da educação,
em países comunistas, era voltada essencialmente para a formação de um indivíduo ateu. Para
o comunismo, não importava o conteúdo do que se ministrava, contanto que o ateísmo fosse
difundido, como aponta o trecho que segue publicado no jornal O Dominical, e que,
supostamente, teria sido expresso por um comunista: "Camaradas, independente do que

278
Idem, p.05.
279
RODEGHERO, Carla Simone. Religião e patriotismo: O anticomunismo católico nos Estados Unidos e no
Brasil nos anos de Guerra Fria. Revista Brasileira de História. Vol 22, nº 44, São Paulo 2002. p.03.
126

ensinam e do grau em que ensinem, vocês terão sempre a mesma importante tarefa - cultivar
uma perspectiva materialista entre os alunos e educar os jovens a serem verdadeiros ateus".281
Para os anticomunistas religiosos, a educação, pelo menos na União Soviética, possuía uma
única intenção, a divulgação do excesso materialista: "As escolas soviéticas de todos os ciclos
e de todos os graus não têm feito outra coisa se não martelar incessantemente na cabeça dos
alunos que Deus não existe, que a alma é um mito, que só há matéria, matéria, matéria...".282
O comunismo, segundo o discurso religioso católico, deveria ser combatido, porque, se não o
fosse, obrigaria seu ateísmo ao mundo. E como combater um regime ateu?

A única força que se poderá contrapor eficazmente ao comunismo é a força


sobrenatural do cristianismo [....].
Não nos iludamos. Não se poderá combater o ateísmo, a alma das ditaduras
comunistas, com o agnosticismo [...].
Só teremos êxito se os governantes ocidentais se unirem todos no nome do
Altíssimo e, possuíndo uma visão sobrenatural, se empenharem a fundo em
reequilibrar o mundo da paz, como autênticos defensores do Reino de Deus
para conterem o influxo dos inimigos que hoje o querem sufocar [...].
A batalha tem que ser travada em nome de Deus [....].283

Nesse sentido, encontramos algumas reportagens que conclamavam os católicos a


rezarem pela conversão dos países comunistas. Os religiosos de todo Brasil não cansavam de
fazer orações "na intenção dos nossos irmãos de fé, os católicos de Cuba....despojados dos
direitos de autodeterminação dos seus destinos políticos e espoliados de prerrogativas
fundamentais dos cidadãos livres e cristãos".284 A Igreja Católica, hipotecava solidariedade
aos perseguidos cristãos através da oração e pretendia travar uma cruzada anticomunista.

280
PORQUE renasce a religião na Rússia. O Dominical. Teresina, 05 jun. 1960, n.23/60, p.03.
281
PROFESSORES soviéticos - e o ateísmo - O Dominical. Teresina, 02 abr. 1961, n.14/61, p.02.
282
ROCHA, João Batista. Marx e Lenin convencem menos certos marxistas muito mais progressistas. O Dia.
Teresina, 22 e 23 jun. 1969, n.2758, p.06.
283
P.C. Para repensar o comunismo. O Dominical. Teresina, 22 out. 1961, n.42/61, p.01.
284
FARSA cruel terminação dos povos sob o jugo do comunismo. O Dominical. Teresina, 10 set 1961, n.36/61,
p.02.
127

Era totalmente incompatível a relação entre o comunismo e a Igreja Católica,


como sugere o título da reportagem: "São inteiramente incompatíveis o comunismo e o
cristianismo - A Igreja jamais deixará de denunciar os erros e as atrocidades cometidas
pelo materialismo ateu".285 Ou o indivíduo era católico, ou era comunista:

Fotografia 18. Matéria no jornal O Dominical sobre as diferenças entre católicos e comunistas.
Fonte: CATÓLICOS ou comunistas. O Dominical. Teresina, 28 jan. 1962, n.04/62, p.04.

A pretensão comunista de se propagar por outros países era entendida pelos


membros da Igreja Católica como uma verdadeira hecatombe mundial. A situação no mundo
era apresentada como de gravidade, e de extremo cuidado, devendo os católicos escutarem
naquele momento as palavras do seu orientador supremo, o Papa: "Pio XI assevera que o
comunismo é intrinsecamente mau e perverso. Pio XII considera uma apostasia a colaboração
com a política marxista. João XXIII adverte o rebanho fiel do que só os ideais evangélicos
livrarão a terra do extermínio universal. Ouçamos a palavra do Papa”.286 A gravidade da
situação mundial, deveria ser apresentada aos católicos, como uma lição do Papa, para que os
católicos soubessem agir com "[...]repúdio ao comunismo, que tenta incendiar o mundo,
constitui a diretriz que nos dá a palavra do Papa, nesta hora trágica que a Humanidade vive.
[...] só os ideais cristãos poderão salvar a civilização da terceira catastrófica e total guerra

285
SÃO inteiramente incompatíveis o comunismo e o cristianismo. O Dominical. Teresina, 01 mai. 1960,
n.18/61, p.01.
286
A PALAVRA do Papa. O Dominical. Teresina, 15 jul. 1962, n.28/62, p.04.
128

entre os povos".287
A religião era algo que os países comunistas negavam aos indivíduos. Nesse
sentido, a fé católica é evidenciada como perseguida nos países onde o regime comunista
havia se instalado: "Assim, onde quer que se tenha estabelecido, o comunismo criou toda
espécie de organismo com a finalidade de arrancar, pacífica ou violentamente, o senso
religioso dos povos, até a raiz".288 Nos relatos sobre as práticas religiosas em países
comunistas, em sua grande maioria, mostravam-se os fiéis reunidos nas poucas Igrejas que
restavam e a coragem dos poucos padres que resistiram às perseguições. Os relatos de prisões
e perseguições de padres eram freqüentes nos jornais locais: ''Agentes fidelistas desenvolvem
em toda Cuba uma campanha persecutória contra sacerdotes, religiosos e militantes católicos
[....]. Um sacerdote foi preso e torturado mentalmente três horas [...] porque distribuía
mantimentos aos pobres".289 Era comum, também, serem transcritos os supostos julgamentos
dos padres em países comunistas, de modo geral, a acusação era a de que estes sacerdotes
insistiam em orientar religiosamente a juventude, como aponta o trecho de um desses
julgamentos:

Promotor: Isto quer dizer, que o senhor tem exercido as suas atividades
legalmente, sem nenhuma ordem do governo. É verdade, que o senhor
ensinou aos jovens religião, leu a bíblia e ensaiou canções eclesiásticas com
eles?
Padre Lenhard: Como existe ensino particular em diversas matérias, por
exemplo língua russa, tcheco ou [não está legível], deve haver ensino em
religião. Mesmo sendo proibido pelo governo o ensino dessas matérias pelas
escolas, eu como sacerdote ensino a todos que vêm me procurar, posso
afirmar ao senhor que eram inúmeros.
Promotor: De onde o senhor conseguiu os livros de ensino? É verdade que
os mesmo foram escondidos no sofá? É verdade que o senhor mostrou a seus
alunos imagens de Deus?
Padre Lenhard: Não precisava mostrar Deus, pois Ele está firmemente
ancorado no espírito dEles. Não conheço nenhuma lei, que proíbe colocar
livros em cima de um sofá ou debaixo dos colchões de um sofá.
[...]
Promotor: Se o condenamos, como o Senhor vai passar as suas horas na
prisão?
Padre Lenhard: Uma pergunta estúpida, preparo-me à morte, à eterna
felicidade. Rezarei por todos aqueles, que tanta injustiça cometem hoje a
mim e aqueles povos que estão sendo mantidos no estado de escravidão.290

Um grande propagador dessas representações anticomunistas era o jornal católico

287
Idem, ibdem.
288
ROCHA, João Batista. Marx e Lenin convencem menos certos marxistas muito mais progressistas. O Dia.
Teresina, 22 e 23 jun. 1969, n.2758, p.06.
289
FONSECA, Jaime. A Igreja em Cuba - Sinais de perseguição. O Dominical. Teresina, 06 nov. 1960, n.45/60,
p.02.
290
GOERGEN, Herman M. O sacerdote perante os juízes comunistas. Estado do Piauí. Teresina, 20 ago. 1961,
n.367, p.03.
129

O Dominical. Luciana Pereira analisou como a Igreja Católica, através do jornal O Dominical,
na década de 1950, indicava caminhos a serem adotados pelos cristãos católicos frente ao
comunismo, como podemos observar no seguinte texto:

[..] o comunismo era mostrado aos leitores como um mal absoluto, que
deveria ser evitado a qualquer custo. De acordo com as mensagens do jornal
católico isso só poderia ser feito com eficiência se os católicos teresinenses
reforçassem seus laços com a Igreja, assim, com Deus, através da obediência
sem restrições aos princípios e à moral católicos, além de se comprometerem
a entrar na campanha, juntamente com o episcopado contra o comunismo
por intermédio da formação de movimentos da Ação Católica, em especial
ao lado da União dos Moços Católicos. 291

A análise feita pela autora está relacionada predominantemente à década de 1950.


No entanto, no decorrer de nossa pesquisa no jornal O Dominical, o discurso religioso
anticomunista se fez presente na década de 1960, tendo uma maior incidência entre os anos de
1960 a 1965. A Igreja Católica, através do jornal O Dominical no Piauí, prevendo o “perigo”
do comunismo, procurava manter seus fiéis longe dos ideais comunistas através do chamado à
“Casa de Deus”. Posicionando-se contrária às idéias comunista, a Igreja Católica não poupava
comentários, através daquele jornal, difundindo os malefícios que poderiam afligir aqueles
que aderissem ao comunismo. Na década de 1950, a associação do comunismo ao mal,
simbolizado pela figura do demônio e de doenças foi uma constante, como refletiu Luciana
Pereira:

[...] tentava-se desqualificar a doutrina do comunismo, associando-a ao


demônio e/ou comparando-a a doenças e substâncias venenosas. Além disso,
era usado um jogo de expressões adjetivas com o intuito de construir uma
imagem negativa da ideologia e militantes vermelhos. Assim, os comunistas
eram denominados, muitas vezes, de filhos das trevas, traidores da pátria,
inimigos de Deus e de homens diabólicos, ou seja, estes adjetivos são
arraigados de uma simbologia criada por um grupo de católicos que
formaram a sua identidade em “oposição àqueles que o seu discurso e sua
prática denunciam. [grifos da autora]292

No entanto, a partir da década de 1960, podemos observar que estes discursos


religiosos contra o comunismo não se configuraram com a presença de aspectos puramente
demoníacos, essa demonização existia, mas não era mais predominante. A conturbada
situação política e a crescente emergência das organizações sindicais fizeram com que a Igreja
Católica, pelo menos no Estado do Piauí, adotasse uma postura contrária ao comunismo mais
condizente com a conjuntura política e social. É nesse sentido que as posições da Igreja

291
PEREIRA, Luciana Lima. O discurso da Igreja Católica de Teresina e a formação do ideário cristão através
de “O Dominical”. Teresina, 2005. 100 p. Monografia (conclusão de curso). Departamento de História e
Geografia, Universidade Federal do Piauí. p.45.
130

Católica estavam, pelo menos nos primeiros anos da década de 1960, mais relacionadas ao
cotidiano e às práticas dos fiéis. A aproximação com as questões sociais fez com que a Igreja
Católica adotasse, pelo menos no Nordeste, a postura de apoio a movimentos populares, como
os sindicatos rurais, na condição de incentivadora e organizadora. Mas, também, uma das
razões para esse apoio foi, sem dúvida, ocupar um lugar que os comunistas estavam tomando
diante da questão rural no Brasil, segundo Rodrigo Patto Sá Motta, “o despertar da hierarquia
católica para o problema social e a conseqüente proposição de programas visando à ‘justiça
social’ decorreu fundamentalmente, embora não exclusivamente, da percepção de que os
comunistas ameaçavam a cidadela católica”.293 E é justamente por essa preocupação com
aspectos sociais, tendo como objetivo substituir as ações comunistas, que a Igreja Católica vai
ser acusada de estar lado a lado com o comunismo, aspecto recusado e repudiado nos
editoriais do jornal católico piauiense:

[...] O que a Igreja prega é a necessidade de caridade e justiça em todas as


atividades individuais e sociais, no comportamento administrativo, como nas
próprias estruturas políticas-econômicas. [...] Condições digna para a pessoa
humana, ela sempre reclamou e reclama. Por isso, firmou seu ponto de vista
que, no Brasil, se fazem necessárias reformas morais, reformas dos
comportamentos e costumes políticos, bem como as reformas estruturais.
[...]
Só a má fé, ou ignorância irreparável poderiam pretender confundir a
pregação católica com a comunista. Aliás, só por absurdo, lógico e de fato,
seria possível que a Igreja viesse a confundir-se com os comunistas ou
sequer a favorecer os maiores inimigos da evangelização. E na verdade tem-
se sempre que reconhecer que a Igreja é a maior fôrça de resistência ao
comunismo.294

Mesmo apontando para uma reflexão dos cristãos católicos frente à realidade de
sua época, a missão dos membros da Igreja Católica era, basicamente, promover a justiça
social na terra, sem esquecer das ações divinas, nesse sentido "o Episcopado Brasileiro no seu
conjunto jamais aceitou e jamais aceitará uma opção marxista".295 Para tanto, era necessário
apontar a situação dos países que implantaram o comunismo, como prova da destruição dos
valores cristãos, e da falta de progresso científico e social. Só a Igreja Católica, naquele
momento, poderia criar um ambiente que levaria a harmonia e o bem-estar entre os povos.

Nos ásperos dias que a humanidade vive, a Igreja lidera o movimento de


recuperação social, no sentido de proporcionar aos povos um ambiente mais
tranqüilo e confortável. [...]
Contemplamos a terrível agitação comunista, como origem dos grandes
males do nosso século. Em vez de prosperidade e de Segurança, a Ditadura
292
Idem. p.34.
293
MOTTA, R. P. S. Op. Cit. p.20.
294
IGREJA e comunismo. O Dominical. Teresina, 20 mar. 1969, n.20/69, p.02.
295
O EPISCOPADO recusa a colaboração do marxismo. O Dia. Teresina, 30 mar. 1966, n.1811, p.07.
131

Soviética tem trazido às nações escravizadas a tirania da foice e do martelo


um clima de terror, de miséria, e de afronta autêntica aos direitos da pessoa
humana.296

É como redentora e salvadora dos males do mundo moderno que a Igreja Católica
se apresentou aos fiéis católicos na década de 1960, e assim, construiu as suas representações
anticomunistas relacionadas ao mundo terreno.

2. 4 Polvo, Câncer, Demônio Vermelho: representações comuns do comunismo.

O comunismo foi representado das mais variadas formas, ao longo da década de


1960. Segundo Rodrigo Patto Sá Motta, "os comunistas foram representados, ao longo da
história através da utilização de uma farta gama de adjetivos que lhes atribuíam qualidades
negativas".297 Classificamos três vertentes que construíram representações relacionadas aos
seus interesses: os grupos ligados à questão da propriedade privada, os que esperavam uma
conservação da ordem social, ou vertente do conservadorismo, e uma vertente religiosa. No
entanto, como já foi exposto anteriormente, as representações construídas por essas vertentes
não estão completamente separadas, ao mesmo tempo em que se ligam umas às outras,
através de expressões ou posições políticas e sociais, também, se completavam. A vertente
conservadorista, de modo geral, utilizava o discurso religioso para se legitimar, evocando
Deus e a Igreja Católica como baluartes da tradição das sociedades ocidentais. Assim como a
vertente da propriedade privada, em certo sentido, sempre lutou por uma conservação da
ordem social, até mesmo porque era, em grande parte, formada por membros de partidos
políticos. A vertente religiosa, tanto se utilizou da idéia de conservação da ordem social,
assim como também aceitava o direito da propriedade privada como natural. Mas, de um
modo geral, o que prevalecia era a idéia de demonstrar o comunismo como algo
extremamente maléfico à humanidade, em certo sentido, para conseguir que as representações
permanecessem como verdades. Para tanto, era necessário criar uma ambiente de medo, que
tinha como suporte o temor ao comunismo.
Todas as representações elaboradas pelos segmentos que classificamos
anteriormente como grandes construtores de representações comunistas, e os demais
segmentos, conseguiam, em certo sentido, que suas representações tivessem grande
repercussão devido ao clima de terror que foi gerado em torno do comunismo, como sugere o

296
MISSÃO da Igreja. O Dominical. Teresina, 20 mar. 1960, n.12/60, p.02.
132

trecho: “A Rússia continua em pleno São João, soltando bombas, bombinhas atômicas, que
são a espoleta da super bomba de cem megatons. O que quer dizer cem mil vezes mais
poderosa que a de Hiroshima. A que acabou com a guerra no Japão. Que, por acaso, já
encontrou radioatividade no leite consumido e no ar”.298 A atmosfera de medo era o principal
ponto de apoio dos discurso, era necessário, antes de se apresentar as representações descrever
o momento tenso da política mundial. Construir um ambiente de medo era necessário para
que as representações anticomunistas prevalecessem. Algumas dessas construções apontavam
a certeza de uma outra guerra mundial. A possível existência de uma 3ª Guerra Mundial,
assombrava os cronistas, que sempre colocavam os países comunistas como possíveis
detonadores desses eventos.
Contudo, o maior medo era o da implantação de um regime comunista no país, ou
mesmo no Piauí. Muitas vezes, os jornais relatavam esse pavor excessivo que rondava a
sociedade: “Em nosso país, como em outros do mundo livre interessados em preservar a
liberdade, tem-se muito alertado o povo contra o excessivo temor do comunismo”.299 É
também sob o signo do medo que surgiram representações anticomunistas. E para conseguir
tal efeito algumas representações foram elaboradas no sentido de transformar o comunismo
em figuras pavorosas, como sugere Carla Simone Rodeghero: “micróbios, monstros, e outros
animais: abutres, gatos, lobos disfarçados de ovelhas, polvo, serpentes, dragões, etc”300, e
ainda, continua a autora, “determinadas características, normalmente atribuídas a tais animais
era transferidas para os comunistas”.301
Nesse sentido, vamos apontar algumas dessas representações do comunismo,
construídas na década de 1960, que foram comuns as três vertentes anteriormente analisadas.
O comunismo era apresentado sob a forma das mais variadas doenças, como
câncer, porém, era uma constante: "Cuba é um tumor maligno no organismo da América".302
A idéia de tumor, em geral, referia-se ao aspecto de devastação que o câncer poderia causar
ao corpo humano, da mesma forma que o comunismo causaria ao organismo social. Era
necessário a força dos anticomunistas, para destruir tão grave doença, o "câncer
comunista".303
A associação do comunismo aos animais permeava grande parte dos discursos
anticomunistas. A representação animalesca tendia a associar o comunismo a espécies que

297
MOTTA, R. P. S. Op. Cit. p.47.
298
ACOLÁ. Estado do Piauí. Teresina, 10 set. 1961, n. 373, p.06.
299
O MÊDO do comunismo. Folha da Manhã. Teresina, 11 mar. 1962, n.1.202, p.06.
300
RODEGHERO, C. S. Op. Cit. 1998, p.30.
301
Idem.
302
A SITUAÇÃO em Cuba. O Dominical. Teresina, 04 set. 1960, n.36/60, p.04.
303
OPERAÇÃO Limpesa (sic). O Dia. Teresina, 15 abr. 1964, n.1217, p.08.
133

possuíam uma significação perigosa ou asquerosa. Dentre os animais mais citados, o polvo
era associado pelos numerosos tentáculos, uma metáfora sobre as ações do comunismo, no
sentido de pensá-lo enquanto monstro que envolveria e sufocaria toda a humanidade: "Em
toda parte, onde os estadistas condescenderam com o comunismo, lançaram o país nos
tentáculos do terrível polvo da revolução e da tirania"304, ou ainda: "Se as potências da
América Latina se deixarem envolver nos tentáculos do polvo bolchevista, veremos essa
parcela da Humanidade Livre reduzida à condição da China esfomeada [...].305
Muitas vezes, os países que adotavam um regime político-econômico baseado em
ideais marxistas, eram considerados o próprio sinônimo do comunismo. Nesse sentido, as
representações zoomórficas dos comunistas denominavam Cuba como “mosca das
Antilhas”.306 A alusão que serve, em nosso ponto de vista, como um metáfora dos animais que
transmitem doenças, a mosca, nesse caso, denominou o país cubano por ser considerado um
“impertinente, que se propõe a contaminar a América”.307
Assim como o regime era representado de forma animalesca, os líderes
comunistas também eram representados como animais, Nikita Krutchev, por exemplo,
imitava a “política do gato, - usa dos processos felídeos: - rosna, faz corcunda e ameaça com a
potência destruidora, arrazadora (sic) de que se diz detentora a Rússia atômica dos teleguiados
[...]. É sempre assim a política soviética. É felina e traiçoeira”.308
Muitas vezes o animal não era denominado, pois existia um processo
zoormofização309 havendo uma relação entre o humano e o animal, pois, na visão desses
anticomunistas, o comunista possuía garras310, ou eram "tigrinos e feras humana"311 e até
mesmo monstruosos.312 Como também poderia ser entendido como algo destruidor, nesse
sentido, recebia o nome comum a insetos que atacam plantas e animais: "praga".313
A representação do comunismo ligado ao diabo, ou como sendo algo demoníaco,
apesar de existir em pequena quantidade, não é uma característica única das representações
puramente religiosas.314 Alguns discursos apontavam para essa característica demoníaca do
comunismo, como sugere o trecho: "Falemos mais claro: há nele algo de intrinsecamente
diabólico, caracterizando-lhe o ideal, suas atividades, imprimindo ao seu expansionismo uma

304
GESTO de solidariedade. O Dominical Teresina,. 17 set. 1961, n. 37/61, p.01.
305
CANCRO da democracia. O Dominical. Teresina, 01 abr. 1962, n.13/62, p.03.
306
MENDES, Simplício de Sousa. Mosca das Antilhas. Folha da Manhã. Teresina, 22 set. 1960, n.807, p.04.
307
Idem.
308
MENDES, Simplício de Sousa. A política do gato. Folha da Manhã. Teresina, 28 fev. 1960, n.657, p.06.
309
MOTTA, R. P. S. Op. Cit.
310
DOIS TÓPICOS. 1. O Dia. Teresina, 12 mai. 1964, n.1236, p.02.
311
MENDES, Simplício de Sousa. Materialismo: fonte de ódio. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964, n.1213, p.03.
312
Idem.
313
MENDES, Simplício de Sousa. A mensagem de Petrônio. O Dia. Teresina, 04 abr. 1964, n. 1.208, p. 03.
134

unidade tão impressionante que transcende o natural".315 Todas as características atribuídas ao


comunismo, como a sua capacidade de expandir pelo mundo, eram, na visão de alguns
anticomunistas, algo que não poderia ser explicado puramente com elementos terrenos, mas
como algo que transcenderia à naturalidade, e já que os comunistas não acreditavam em Deus,
só caberia ao demônio ser o guia das ações comunistas na terra.
Seria o comunismo responsável por uma "onda satânica",316 que arrancava com
sua força os valores estabelecidos, sendo também culpado pelo "verdadeiro inferno”317 em
que viviam os povos que moravam em países onde este regime havia se implantado.
Nada representa melhor o comunismo do que a cor vermelha. O próprio nome
comunismo, é, por diversas vezes, substituído pela cor. Os comunistas são: líderes
vermelhos318, chefetes vermelhos319, agentes vermelhos320, os vermelhos321, déspotas
vermelhos322, Tzar vermelho323, próceres vermelhos324. E o comunismo era: escravidão
vermelha325, regime vermelho326, política ideológica vermelha327 e terror vermelho328. Os
países que implantaram regimes comunistas também passaram a ter o vermelho em seu nome,
como exemplo, tem-se a China Vermelha.329 O vermelho, muitas vezes, servia como uma
metáfora para o sangue derramado pelas mortes em "paredons", pelas traições, e até mesmo
no ato violento da sua implantação.
O comunismo também foi representado como uma Erva Venenosa: "Quem tem
realmente querido colaborar com a Igreja no sentido de evitar uma catástrofe maior, que seria
o comunismo medrando como erva daninha no solo fértil das subnações?”.330 Muitas vezes, o
comunismo ainda não tinha germinado como planta, mas estava em forma de “semente

314
Carla Simone Rodeghero afirma que no Rio Grande do Sul no discurso anticomunista católica predominaram
as representações do comunismo como diabo, satanás e demônio. Ver: RODEGHERO, C. S. Op.cit. 1998. p.27.
315
P.C. Para repensar o comunismo. O Dominical. Teresina, 22 out. 1961, n.42/61, p.01
316
NETO, H. Glória do Piauí. O Dia. Teresina, abr. 1964, n.1216, p.02.
317
VIOLÊNCIA, corrupção e mentira para disfarçar o fracasso do regime imposto por Fidel Castro. Estado do
Piauí. Teresina, 17 set. 1961, n. 375, p.03.
318
ONDE está o perigo. O Dominical. Teresina, 03 jun. 1962, n.22/62, p.03.
319
OS SINDICALISTAS cristãos repeliram o anzol comunista - pretendia implicá-los numa central única
latinoamericana. O Dominical. Teresina, 28 out. 1962, n.42/62, p.02.
320
MENDES, Simplício de Sousa. Os sindicatos. O Dia. Teresina, 25 abr. 1964, n.1224, p.03.
321
MENDES, Simplício de Sousa. A alma cívica do povo: - vibrou espontânea. O Dia. Teresina, 17 abr. 1964,
n.1218, p.03.
322
MENDES, Simplício de Sousa. Mosca das Antilhas. Folha da Manhã. Teresina, 22 set. 1960, n.807, p.04.
323
MENDES, Simplício de Sousa. As ditaduras marxistas. Folha da Manhã. Teresina, 12 mar. 1960, n.665,
p.04.
324
LIGAS Camponesas em Teresina. Jornal do Piauí. Teresina, 22 mar. 1962, n.1.008, p.06.
325
BRIZOLITE. O Dominical. Teresina, 29 jul. 1962, n.30/62, p.04.
326
PESSOA, Lenildo Tabosa. Inimigos da Paz. O Dia. Teresina, 11 out. 1967, n.2242, p.02.
327
MENDES, Simplício de Sousa. A revolução apenas começa. O Dia. Teresina, 14 mai. 1964, n.1238, p.03.
328
PELA VIGILÂNCIA da democracia. Folha da Manhã. Teresina, 23 abr. 1963, n.1.491, p.02.
329
MENDES, Simplício de Sousa. As ditaduras marxistas. Folha da Manhã. Teresina, 12 mar. 1960, n.665, p.04
330
SILVA, Maria Leite Pereira da. Uma questão de consciência. O Dominical. Teresina, 08 jul. 1962, n.27/62,
p.04.
135

venenosa”,331 que, a qualquer momento, poderia brotar no seio da sociedade.

2.5 Práticas anticomunistas no Piauí.

[...] veio aqui um dirigente nacional chamado Osvaldo


Rocha, por sinal nascido no Piauí, [...], mas ele chegou
aqui com o nome de César, para fazer um levantamento
do potencial de luta nossa aqui, que a gente queria fazer
a revolução armada. Aí [...] ele foi dormir na casa do
Benoni, e o Benoni deu o nome dos militantes e dos
simpatizantes, 64 pessoas, [...] essa mancada, deu o
nome de todo mundo e foram presos. Cometeram a
ingenuidade de passar na frente do DOPS, lá no DOPS
na parede tinha o retrato do Osvaldo, o Benoni já tinha o
dele queimado, na parede ainda tinha o retrato do
Osvaldo como comunista perigoso, procurado. Osvaldo
já tinha jogado uma bomba num rádio em Goiás, ele já
estava mesmo no terrorismo, e aí não teve jeito,
prenderam os dois, foram presos umas nove horas da
manhã, meio dia quando foram revistar o Benoni a lista
ainda estava no bolso, rapaz!
Marcos Igreja – comunista na década de 1960.

De acordo com a noção de representação discutida por Roger Chartier,


percebemos que as representações não estão desvinculadas das práticas (discursivas ou não),
nesse sentido, vamos apontar algumas práticas anticomunistas no Piauí na década de 1960.
Primeiramente, podemos pensar nas práticas discursivas que foram a base para a
construção deste trabalho. Não tivemos dificuldade em detectar esse material, uma vez que
todos os jornais de grande circulação, publicados no Piauí, na década de 1960, traziam
discursos anticomunistas.
A Igreja Católica foi rica na produção de representações e práticas anticomunistas.
No tocante às práticas discursivas, o jornal O Dominical era o órgão oficial da Igreja Católica
no Piauí, tomando para si a tarefa de orientador espiritual, umas das temáticas preferidas
desse jornal era o comunismo e a sua relação com a Igreja Católica e os fiéis. Mantendo uma
linha doutrinária, orientava os católicos piauienses a repudiar o comunismo e suas ações.
Os livros também são bastante expressivos. Na nossa pesquisa sobre os livros
anticomunistas que circularam na década de 1960 no Piauí, a grande maioria constitui-se de
publicações religiosas vinculados à Igreja Católica, entre eles destacamos: O livro vermelho
da Igreja perseguida (1959), A filosofia do comunismo (1958), Kremlin ou Vaticano?(1967),

331
SALVE Leitor. Folha da Manhã. Teresina, 13 jan. 1962, n.1.160, p.01.
136

Catecismo anticomunista (1963).332


Com relação às práticas não discursivas anticomunistas, ainda de cunho religioso,
podemos perceber que parte das ações sociais da Igreja Católica, junto aos trabalhadores, no
início da década de 1960 no Piauí, tinha como propósito evitar a infiltração comunista. Como
exemplo, podemos citar tanto a organização dos sindicatos rurais, como a criação dos círculos
operários, que tinham como objetivo formar líderes trabalhadores longe da influência dos
comunistas. Sobre as atividades da Federação dos Círculos Operários no Piauí, segue a foto:

Fotografia 19. Matéria sobre o Círculo Operário no Piauí.


Fonte: FEDERAÇÃO dos Círculos Operário do Piauí. O Dominical. Teresina, 14 out. 1962, n.40/62, p.04

Logo após o golpe civil-militar de 1964,333 foi organizado em Teresina, por um


grupo de senhoras católicas, uma missa em Ação de Graças pela "vitória da democracia sobre
o comunismo ateu",334 celebrada pelo Arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela. No entanto,
uma das maiores manifestação religiosa anticomunistas, foi a Marcha da Família com Deus e
pela Liberdade. Apesar de não ter sido organizada pela Igreja Católica no Piauí, teve
expressivo caráter religioso, inclusive no sentido de aglutinar um maior número de indivíduos
no combate ao comunismo ateu. Os chamados para essa manifestação aconteceram nos
jornais da seguinte forma:

332
Referência completa de todos os livros no final da dissertação nas Fontes.
333
A conspiração que deu origem ao golpe civil-militar, principalmente no que se refere ao Exército, teve como
principal motivo a infiltração comunista no governo de João Goulart, como podemos observar nos depoimentos
dos militares no livro: D’ARAÚJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon e CASTRO, Celso. (org.)
Visões do Golpe: A memória militar de 1964. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
334
MISSA em ação de graças pela vitória da democracia. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964, n. 1213, p.08.
137

PIAUIENSE! Não se omita. Participe da Marcha da FAMÍLIA com DEUS


pela LIBERDADE.335

COMERCIANTE!
É indispensável e necessária a sua colaboração à MARCHA DA FAMILIA
COM DEUS PELA LIBERDADE.
Na terça à tarde espera-se que o comércio cerre as portas às 15 horas, para
que empregadores e empregados estejam presentes à MARCHA.
Espera-se que cada comerciante de tecido contribua com uma faixa para o
desfile, contendo o “slogan” de alusão ao perigo comunista e de aplausos às
nossas Forças Armadas.336

MOTORISTA!
Dê sua contribuição à MARCHA DA FAMILIA COM DEUS PELA
LIBERDADE.
Transporte gratuitamente as pessoas pobres, do subúrbio, na terça-feira à
tarde, a fim de que todos possam tomar parte no movimento.
Com Deus pela Liberdade em defesa da Democracia (negrito nosso)337

Realizada no dia 14 de abril de 1964, alguns dias após o golpe, contou com a
participação de mais de 50 mil pessoas, segundo o jornal O Dia. Não podemos confirmar se
realmente compareceu este número de pessoas à marcha, como anunciado pelo jornal, no
entanto, o jornal acrescenta que, marcada sua saída para às 17 horas, a marcha teve de ser
antecipada em meia hora devido à grande quantidade de pessoas que se encontravam na
Avenida Frei Serafim.

335
PIAUIENSE. O Dia. Teresina, 10 abr. 1964, n.1213, p. 01.
336
COMERCIANTE. O Dia. Teresina,14 abr. 1964, n. 1216, p. 05.
337
MOTORISTA. O Dia. Teresina, 14 abr. 1964, n. 1216, p. 07.
138

Fotografia 20. Passeata da Família com Deus pela Liberdade na Avenida Frei Serafim.
Fonte: MARCHA da família com Deus pela liberdade. O Dia. Teresina,14 abr. 1964, n.1216, p.01.

Assim como a marcha foi organizado por civis, apesar do cunho religioso, outro
movimento civil, que teve uma tônica anticomunista em sua organização, mandou uma
comitiva ao Piauí em fevereiro de 1965: “Movimento de Rearmamento Moral".338 Segundo o
anticomunista Simplício de Sousa Mendes, este movimento representava: "[...] a reação da
consciência espiritual e social do século, contra todos esses nefastos e catastróficos efeitos
dêsse mundo puramente material".339
Uma outra organização também chamou atenção, nesse período, foi a organização
dos proprietários de terra do Estado do Piauí. Como havíamos refletido anteriormente,
qualquer organização dos trabalhadores do campo era entendida, principalmente pelos
anticomunistas donos de terra, como um movimento de cunho comunista. Não que houvesse
uma organização instituída legalmente, mas os proprietários de terra passaram a manter

338
Sobre a visita da comitiva do movimento de Rearmamento Moral ao Piauí, ver as seguintes reportagens:
INTÊRESSE em torno da visita da comitiva do rearmamento moral. O Dia. Teresina, 07 fev. 1965, n.1457, p.01;
COMITIVA de rearmamento moral visitou Teresina. O Dia. Teresina, 08 fev. 1965, n. 1458, p.01; MENDES,
Simplício de Sousa. Rearmamento moral. O Dia. Teresina, 08 fev. 1965, n. 1458, p. 03.
339
MENDES, Simplício de Sousa. Rearmamento moral. O Dia. Teresina, 08 fev. 1965, n. 1458, p. 03.
139

constantes reuniões para discutir sobre a questão agrária no Piauí.340 Mesmo não tendo esse
cunho oficial os latifundiários passaram a se reunir, principalmente na capital Teresina, para
demonstrar o seu descontentamento através dos meios de comunicação do período. Em 1963,
os latifundiários do Piauí começaram a travar uma lutar contra os supostos comunistas do
campo. De acordo com o jornal Folha da Manhã, na coluna destinada à Assembléia
Legislativa do Estado, no dia 15 de novembro de 1963, foi reproduzida a fala do deputado
Deusdeth Ribeiro, contra as ações desses proprietários de terra, pois segundo o deputado:

[...] os lavradores de Teresina haviam fundado recentemente a “Associação


dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Teresina” com grande
sacrifício, para ver, hoje, tocada fôgo pelos latifundiários e reacionários [...]
que agora começaram pelas sedes das associações para amanhã, talvez,
tocarem fôgo nas próprias residências dos camponeses.341

Não temos como comprovar que o incêndio criminoso, teve como mentores os
latifundiários, todavia tais práticas eram comuns no Brasil e no Piauí. Temos convicção que
os movimentos organizados pelos trabalhadores incomodavam os latifundiários, e as suas
organizações era motivo de discussões acaloradas, com as que ocorreram entre os
latifundiários e o Arcebispo metropolitano Dom Avelar Brandão Vilela. Foi encaminhado
pedido dos latifundiários a Dom Avelar Brandão Vilela para que a Igreja parasse com o apoio
aos sindicatos rurais, pedido que não foi atendido pelo Arcebispo. Até que, no ano de 1964,
foram presas todas as lideranças do campo, tanto os dirigentes das Ligas Camponesas no
Estado, como os líderes dos sindicatos rurais promovidos pela Igreja Católica. Um desses
presos foi Emílio Burlamaqui, indicado por Dom Avelar para a organização dos sindicatos
agrários no Piauí. Segundo ele, “houve uma oposição, digamos, violenta, por parte dos
proprietários”.342
As práticas políticas de cunho anticomunista estavam mais relacionadas às prisões
e cassações de mandatos políticos de supostos comunistas no Estado do Piauí. As acusações
que pesavam sobre os comunistas eram as mais variadas: subversão da ordem, infiltração em
órgãos públicos, aliciamento e o próprio fato de ser um comunista, dentre tantos outros
motivos. A apresentação dos nomes de comunistas foi realizada a partir de 1964, quando a
Operação Limpeza entra em ação no Estado do Piauí. Entre os nomes relacionados

340
Para ver o início dessa movimentação dos proprietários, ver editora de O Dia: EDITORIAL. Reforma Agrária.
O Dia. Teresina, 03 out. 1963, n. 1.129, p. 04.
341
GUILHERME, Olímpio. Assembléia Legislativa. Folha da Manhã. Teresina, 15 nov. 1963, n. 1.652, p.08.
342
OLIVEIRA, Manoel Emílio Burlamarqui de. Entrevista a Maria do Amparo Alves de Carvalho. Teresina,
1998. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos de uma
memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006.
229p. Dissertação de Mestrado.
140

encontramos: Luís Genésio de França343, João Batista do Nascimento344, José Pereira de


Sousa, conhecido como Ceará345, Honorato Gomes Martins (suplente de deputado
estadual)346, Deusdedith Mendes347 (deputado estadual pelo PTB), Esperidião Fernandes348,
Roberto Ribeiro Martins, Osvaldino Medina da Silva, Clovis Bezerra de Almeida349, Sargento
Benoni Miranda350, Ulisses Alves dos Santos, Deolindo da Silva Júnior, José Luís Ribeiro
Gonzales, José Sucupira Lima, José Ribamar Lopes, Paulo de Tarso Resende, Francisco de
Sales Ribeiro, José Inaldo Godoy, Raimundo Nonato Lemos Rio, Samuel Dourado Guerra,
Argemiro de Sousa Lima, Francisco Pereira Lima e Armando Soares Lima.351
Dentre os nomes citados anteriormente, os que tiveram uma maior visibilidade nas
páginas dos jornais locais foram os de: Honorato Gomes, José Pereira de Sousa - o “Ceará”,
Deusdedith Mendes e Esperidião Fernandes. Dois motivos justificam que esses fossem
citados nas páginas do jornal O Dia. Primeiramente, a insistência do Presidente da Academia
Piauiense de Letras, Simplício de Sousa Mendes em relacionar o nome destes ao ex-
governador Chagas Rodrigues, principalmente, os nomes de Honorato, Ceará e Esperidião. O
segundo motivo foi devido à descoberta de um comitê do Partido Comunista localizado na rua
Santa Luzia, o qual possuía duas finalidades, segundo os jornais da época: local de
armazenamento de material de propagação de idéias comunistas e comitê da Frente de
Mobilização Popular. José Ceará era apresentado como secretário do Partido Comunista (PC)
no Piauí e Honorato Gomes, além de já ser suplente de deputado estadual, era responsável
pelo prédio onde funcionava a sede do PC.
Todo o material encontrado nesse prédio serviu de justificativa para a prisão de
José Ceará e Honorato e foi considerado prova da infiltração comunista no Estado. O
material, segundo o jornal O Dia, vinha da Rússia e era composto por: revistas, jornais,
folhetos, faixas, um quepe pertencente ao exército vermelho, uma bolsa para níquel de origem
Russa, um prelo manual para a confecção de boletins de propaganda e ainda uma quantidade

343
ATO institucional: Piauí acelera inquéritos. O Dia. Teresina, 03 jun. 1964, n. 1.207, p. 01.
344
OPERAÇÃO Limpeza em ação. O Dia. Teresina, 05 jun. 1964, n. 1.209, p. 01.
345
DESBARATADO o partido comunista, secção do Piauí. O Dia. Teresina, 05 abr. 1964, n. 1.209, p. 01.
346
Sobre Honorato, vários são os artigos que o chamam de líder comunista. Dentre eles, destacamos:
DESBARATADO o partido comunista, secção do Piauí. O Dia. Teresina, 05 abr. 1964, n. 1.209, p. 01;
MENDES, Simplício. Terreno Minado. O Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 03; AÇÃO Comunista. O
Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 08; MENDES, Simplício. Penosa viagem. O Dia. Teresina, 15 abr.
1964, n. 1.217, p. 03; MENDES, Simplício. Apresenta-se a revolução comunista. O Dia. Teresina, 19 abr. 1964,
n. 1.220, p. 03; MENDES, Simplício. Os sindicatos. O Dia. Teresina, 25 abr. 1964, n. 1.224, p. 03.
347
DESBARATADO o partido comunista, secção do Piauí. O Dia. Teresina, 05 abr. 1964, n. 1.209, p. 01; Ação
Comunista. O Dia, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 08.
348
GUARNIÇÃO Federal de Teresina – Nota Oficial - O Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 08.
349
Estes três foram citados na reportagem: REVOLUÇÃO Comunista estava por um fio. O Dia. Teresina, 09
abr. 1964, n. 1.212, p. 01.
350
SEBASTIÃO Leal fala à imprensa sôbre atividades de sua secretaria. O Dia. Teresina, 24 maio 1964, n.
1.247, p. 01.
351
PROSSEGUEM diligências e prisões. O Dia. Teresina, 22 mai. 1964, n.1245, p.01.
141

razoável de cédulas de cem e duzentos cruzeiros com a esfinge de Lênin, a foice e o


martelo.352 O que mais chamava atenção na reportagem era a quantidade de pessoas
relacionadas em um dos livros encontrado no Comitê que contribuíam com o jornal
distribuído pela Frente de Mobilização Popular. Vejamos como o jornal noticia o fato:

Em um dos livros a reportagem encontrou a anotação de vários contribuintes


de jornais que a Frente de Mobilização Popular fazia distribuir em Teresina e
no interior do estado, havendo bancas de distribuição nos bairros. Entre os
numerosos contribuintes figuram: Armando Lima, Joaquim Pereira de
Sousa, Raimundo Santos, Padre Carvalho, Samuel Dourado Guerra, José
Alexandre, Pedro Marques Barbosa, Jesualdo Cavalcante Barros, Orgamar
Monteiro Gonzalez (trabalha nos correios e foi locutor da Radio Clube),
Paranaguá Neto, Bernardo Sampaio Pereira e Deusdedith Mendes Ribeiro.
(sic)353

Muitos dos nomes citados, entre os quais o do Padre Carvalho e de Deusdedith


Mendes, ficaram na memória popular como envolvidos com atuações comunistas.
Percebemos que essa era exatamente a intenção do jornal, pois os nomes citados não eram,
assim como o de Honorato e José Ceará, classificados como comunistas, porém o fato de
contribuírem com publicações efetuadas e distribuídas pela sede do PC, no Piauí, demonstra,
na intenção do jornal, a aproximação entre os comunistas e os referidos contribuintes.
O material "subversivo" e comunista encontrado no Comitê do Partido Comunista
na rua Santa Luzia, ficou exposto na assembléia legislativa, sendo aberto à visitação pública
durante alguns dias. E um ano mais tarde, no período das comemorações do primeiro
aniversário da "revolução de 1964", esse material é reunido a outros e exposto novamente.354

352
As cédulas foram, dentre o material encontrado, as que provocaram um maior número de reportagens,
sustentando que a infiltração comunista já estava pronta para promover a revolução no país, já que as cédulas
com a esfinge de Lênin eram a prova cabal desta intenção. Cópia das cédulas em anexo.
353
DESBARATADO o partido comunista, secção do Piauí. O Dia, 05 abr. 1964, n. 1.209, p. 01; AÇÃO
Comunista. O Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p. 08.
354
Sobre a exposição do ano de 1965 ver nota da Guarnição Federal: GUARNIÇÃO federal de Teresina. O Dia.
Teresina, 24 mar. 1965, n.1493, p.01.
142

Fotografia 21. Clichê de fotos com o “material subversivo” apreendido pelo militares no Comitê do Partido
Comunista em Teresina.
Fonte: MATERIAL Comunista. O Dia. Teresina, 07 abr. 1964, n. 1.210, p.08.

Sobre as prisões de comunistas por aliciamento, em Teresina, no ano de 1969, foi


preso e acusado de estar "seduzindo" indivíduos para a sua ideologia Antônio Newton Vieira.

A polícia conseguiu prender o indivíduo Antônio Newton Vieira que estava


tentando aliciar o Sr. Antônio Juvêncio de Castro para ingressar no Partido
Comunista do Brasil.
No seu trabalho de sedução ideológica, Antônio Newton afirmara para o
Juvêncio que o seu ingresso no Partido Comunista "seria o maior passo que
esse daria na vida". Afirmou na Polícia, que andava policiando elementos
para o partido, a mandado de um Alberoni de Tal.
Trancado no xadrez da central, o novo integrando do Partido Comunista será
encaminhando ao DOPS, devendo a polícia proceder a inúmeras
investigações [...].355

No que tange às cassações políticas, no Piauí, alguns parlamentares foram


cassados por motivos diversos, inclusive, comunismo. Em maio de 1964, durante três sessões
consecutivas e extraordinárias, foram cassados pela Assembléia Legislativa do Estado, os
mandatos dos seguintes deputados e suplentes: Dep. Deusdedith Mendes Ribeiro, Dep.
Temístocles de Sampaio Pereira, Dep. José Alexandre Caldas Rodrigues (irmão do ex-
governador Chagas Rodrigues) e o Dep. Celso Barros Coelho. Os suplentes foram: Honorato
143

Gomes Martins (que já havia sido preso como comunista), Antônio Ubiratan de Carvalho e
José Francisco Paes Landim.356
Ainda sobre as cassações, um caso ficou bastante conhecido na imprensa
piauiense. Preso, acusado de subversão, o vereador Jesualdo Cavalcanti Barros teve seu
mandato cassado pelos seus colegas de Câmara. O nome subversivo, no período, era sinônimo
de comunista, como podemos perceber no caso do vereador Jesualdo Cavalcanti. Por conta da
militância estudantil na Faculdade de Direito e de ser um político apoiador das Reformas de
Base, propostas pelo Presidente da República João Goulart, que era do mesmo partido do
vereador. Esse político foi o primeiro vereador cassado após o golpe civil-militar na cidade de
Teresina. O motivo de sua cassação: “estar envolvido com movimento de caráter subversivo
que visava à queda do regime democrático”, como consta no oficio da Guarnição Federal,
expedido para a Câmara Municipal de Teresina, recebido e assinado pelo presidente, Dr.
Raimundo Wall Ferraz, nesses termos:

Teresina, Pi Em 09/ abr,/64


Do Cel. Cmt. Gu. Fed. Teresina.
Ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Teresina
Assunto: participação de vereador em atividade subversiva (comunica) (sic)

3. Levo ao conhecimento de V. Exa. que o vereador JESUALDO


CAVALCANTE DE BARROS foi preso por ordem deste comando de
guarnição, em virtude de estar comprometido com movimento de
caráter subversivo que visava a queda do regime democrático.
4. Aproveito o ensejo para apresentar a V. Exa. Os protestos de estima e
elevada consideração

As. FRANCISCO MASCARENHAS FAÇANHA


Cel. Cmt. Gu. Fed. Teresina.357

Porém, Jesualdo não foi visto como subversivo apenas pelo regime que acabara de
se instalar. Também os seus companheiros de Câmara, em manifestações orais, durante a
sessão de cassação, reafirmaram o envolvimento do vereador com ações subversivas e
oficializaram a perda do mandato, como no discurso do Sr. Rodrigues Filho, transcrito da ata
da Câmara Municipal de Teresina, de 11 de abril de 1964, a seguir:

Disse que cumprindo com sua obrigação atendeu a convocação do


Presidente para esta sessão extraordinária, sabendo que na mesma seria
tratado assunto de grande importância a qual deu logo a aquiescência. Disse
ser desagradável para todos os vereadores, tratarem de uma sessão para
355
PRÊSO em Teresina aliciador comunista. O Dia. Teresina, 06 nov. 1969, n.2.806, p.07.
356
ASSEMBLÉIA legislativa cassa mandatos de deputados e suplentes. O Dia. Teresina, 09 mai. 1964, n.1234,
p.01.
357
OFÍCIO da Guarnição Federal de Teresina à Câmara Municipal de Teresina, referente ao pedido de cassação
do mandato de Jesualdo Cavalcanti Barros. Teresina, 09 de abril de 1964. Cópia do documento, em anexo,
cedido pelo Dr. Jesualdo Cavalcanti para a pesquisadora.
144

cassação de mandato de um colega que durante um ano trabalhou ao lado do


povo piauiense. Mais diante das informações do Comando da Guarnição
Federal, não poderia deixar de se manifestar a respeito por achar que o
momento não é de omissão e sim de decisão. Todos os vereadores têm que
opinar se estão ao lado do comunismo ou da Democracia e sua campanha
pautou baseada no lema “trabalharei até a última hora contra o comunismo”.
Lamentou a inteligência moça do vereador Jesualdo Cavalcante, que poderia
ir bem longe em sua carreira política se não tivesse enveredado o seu
caminho. Esse legislativo agindo desta natureza nada mais esta fazendo do
que cumprir com a sua obrigação tendo em vista artigo da Lei Orgânica dos
municípios. Finalizando, declarou seu voto favorável à cassação embora
lamentando que tamanha inteligencia fosse usada para o mal.[grifo nosso]358

Já que o vereador Jesualdo Cavalcante foi preso, segundo constava no próprio


ofício enviado pelo comandante da Guarnição Federal, Cel. Façanha, por estar envolvido com
movimentos de caráter subversivo, por que então o seu colega, o vereador Rodrigues Filho,
justificaria seu voto alegando que os vereadores deveriam escolher ou ficar do lado da
democracia ou do lado do comunismo? A resposta só confirma a nossa análise, por mais que
o acusado de atos subversivos não fosse um comunista ou não tivesse sido preso por ser
comunista, a sociedade teresinense, através dos seus legítimos representantes, o acusava de
ser comunista e, desta forma, aprovava o ato que cassava o mandato de Jesualdo Cavalcanti.
Nossa afirmação se justifica na leitura da nota publicada no jornal O Dia, datado de 12 de
abril de 1964. Nela, está explicitada a razão da prisão: O vereador era comunista.
Porém, nem todos os vereadores presentes votaram a favor da cassação de
Jesualdo Cavalcanti e, muito menos, entraram no mérito da questão subversivo-comunismo.
Paulo Rubens, líder da bancada do P.T.B., considerava que, sobre os seus ombros, pesava
uma grande responsabilidade pelo fato de pertencer ao mesmo partido do vereador Jesualdo.
Justificou-se da seguinte maneira:

[...] Devo dizer a Vossas excelências que acato as decisões dos comandos
militares responsáveis pela preservação do Regime Democrático e da Ordem
Pública. Considero que com a vigência do ato Institucional está ressalvando
a responsabilidade desta casa para cassação do mandato do vereador
Jesualdo. Propuz-me [sic] a votar o impedimento, de que Vossas
Excelências são testemunhas. Tenham Vossas Excelências em vista a
cassação dos mandatos de vários Deputados Federais, que não dependeram
do pronunciamento [do] Congresso; as autoridades Militares, como ficou
patente, têm autoridade para fazê-lo. Abstenho-me de votar resguardando-me
o direito de respeitar, contudo, as decisões dos Comandos Militares. Esta
decisão que agora tomo, o faço, em respeito, mesmo, ao ato institucional,
ressalvando a minha responsabilidade quanto a iniciativa de cassação do
mandato do vereador. Trago a consciência tranqüila. Nada existe que
358
ATA da Câmara Municipal de Teresina, referente à Cassação do mandato do vereador Jesualdo Cavalcanti
Barros. Teresina, 11 de abril de 1964. Cópia do documento, em anexo, cedido pelo Dr. Jesualdo Cavalcanti para
a pesquisadora.
145

desabone a minha conduta. [grifo nosso]359.

O vereador acreditava que não era de competência da Câmara de Vereadores


promover a cassação do mandato de Jesualdo. Justificava essa afirmação refletindo que vários
deputados federais foram cassados sem dependerem do pronunciamento do Congresso. Paulo
Rubens se absteve. No entanto, afirmou que não desrespeitaria os Comandos Militares e
acataria a decisão da maioria. A decisão para Paulo Rubens era difícil, ou se colocava como
opositor ao “regime democrático” e votava contra cassação do mandato do colega, o que seria
coerente, já que pertenciam ao mesmo partido político, porém era uma atitude perigosa
naquele momento, porque nos discursos proferidos pelos outros vereadores, Jesualdo era visto
como comunista e, desta forma, Paulo Rubens corria o risco de ser confundido como um
defensor de ações comunistas. Por outro lado, se votasse a favor da cassação, o vereador
poderia se prejudicar perante a sociedade que o escolheu, pois sendo do mesmo partido de
Jesualdo demonstraria vulnerabilidade com relação às decisões políticas, assim também como
poderia ser visto negativamente pelos outros membros do P.T.B.
Contudo, o ato do vereador Paulo Rubens tentando se eximir da cassação do
companheiro de partido teve uma outra interpretação nas páginas do jornal O Dia. Esse jornal,
noticiando a resolução da cassação do mandato, acrescentou, no final do artigo, que Paulo
Rubens foi o único vereador dentre os presentes que se posicionara contra a cassação.360
Como analisamos no início deste capítulo, a neutralidade não era bem aceita nesse momento.
Percebendo a gravidade dessa notícia para o vereador, o presidente da Câmara Municipal de
Teresina, Raimundo Wall Ferraz, solicitou ao jornal a publicação da abstenção do voto, o que
foi realizado nos seguintes termos: “Atendendo a solicitação que nos foi feita pelo Presidente
da Câmara Municipal de Teresina, publicamos a seguir o voto do vereador Paulo Rubens
quanto da cassação do ex-vereador Jesualdo Cavalcante. O registro na ata dos trabalhos é o
teor seguinte [...]” (sic).361
Por conta da intervenção de Wall Ferraz, o pronunciamento do vereador Paulo
Rubens foi transcrito de acordo como estava na ata da Câmara, discurso este que já foi citado
no texto e que, de certa forma, demonstrava à população o respeito daquele vereador pelas
atitudes tomadas pelos comandos militares.
Em livro lançado recentemente, Jesualdo Cavalcanti refletiu que as práticas

359
ATA da Câmara Municipal de Teresina, referente à Cassação do mandato do vereador Jesualdo Cavalcanti
Barros. Teresina, 11 de abril de 1964. Cópia do documento, em anexo, cedido pelo Dr. Jesualdo Cavalcanti para
a pesquisadora.
360
CASSADO o mandato do vereador Jesualdo Cavalcanti. Jornal O Dia. Teresina, 12 abr. 1964, n. 1.215, p.
01.
361
VOTO do vereador Paulo Rubens na cassação de Jesualdo Cavalcante. Jornal O Dia. Teresina, 15 abr. 1964,
n. 1.217, p. 06.
146

anticomunistas não se limitavam às prisões: humilhações e torturas psicológicas, também


corresponderam às ações dos anticomunistas piauienses. Em suas memórias, o ex-vereador
lembrou o ato de sua prisão e os dias nas celas da delegacia, da seguinte maneira:

Nessa mesma tarde [04 de abril de 1964] encaminharam-me para a Dops,


onde pernoitei. [...]. À tarde do dia 05, protagonizaria o primeiro espetáculo
de truculência da nova ordem: seria levado para o 25º Batalhão de Caçadores
na carroceria de um caminhão aberto, sob forte escolta militar, armada de
fuzis e metralhadoras. O caminhão, ao atravessar a diagonal da Praça Pedro
II, diminuiu a marcha, de modo que as pessoas que formavam longas filas
para o cinema das 15 horas pudessem contemplar a cena. E havia muita
gente, pois era domingo.362

Sobre as torturas psicológicas, continua:

Mas não me livrei da pressão psicológica e das ameaças que fazia (soldados?
capitães?), gritando do lado de fora: - "hoje à noite nós vamos ajustar nossas
contas. E será no rio Poti!".
[...]
Não demoraria a juntar-me aos demais presos. Não obstante o crescente
número de estudantes, trabalhadores e intelectuais que se amontoavam nos
quartéis do 25º BC e do 2º BEC, o capitão não se dava por satisfeito e dizia:
- "Hoje são vocês, logo virão Petrônio e dom Avelar!".363

Remetendo-nos ainda às prisões dos comunistas e supostos comunistas, os jornais


locais também divulgaram com grande repercussão a prisão de estudantes piauienses no
famoso congresso da UNE, na cidade de Ibiúna, no ano de 1968.364 Segundo o jornal teriam
sido em número de três os estudantes piauienses presos, no entanto não conseguimos
identificar dois deles, o único que temos a confirmação da prisão foi Antônio José Castelo
Branco Medeiros. Em uma entrevista realizada no ano de 1997, Antônio José falou sobre as
suas várias prisões e as dificuldades de conseguir trabalho, após a libertação, pelo fato de ser
associado ao comunismo. Em um diálogo que travou com o Arcebispo Dom José Freire
Falcão365, Antônio José demonstrou como era a rejeição sofrida pelos comunistas ou supostos
comunistas. Ao ser convidado para fazer análises de conjuntura nas reuniões promovidas pelo
CPT, movimento organizado pela Igreja Católica, já na década de 1970, Antônio José recebeu
a seguinte notícia:

[Fala da organizadora do CPT:] Antônio José nós estamos com um problema


muito sério, Dom José Falcão proibiu de te chamar para assessor. [Antônio
José responde] Mas por quê? Pois eu vou lá conversar com ele. Aí foi
engraçado porque eu cheguei e disse: Dom José, eu soube que o senhor está
362
BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Tempo de contar (o que vi e vivi nos idos de 1964). Teresina: Gráfica do
Povo, 2006. p.187
363
Idem, p.188.
364
ESTUDANTES piauienses presos no congresso. O Dia. Teresina, 17 out. 1968, n.2559, p.01.
365
Arcebispo de Teresina logo após a saída de Dom Avelar Brandão Vilela, no ano de 1971.
147

fazendo restrições a eu assessorar os encontros da CPT. Eu gostaria de saber


por quê? O que o senhor tem contra mim? Sem arrodeio, ele disse: Porque o
senhor é comunista.366

Antônio José, em momento algum se reconhece como comunista, segundo ele,


suas atividades estavam ligadas à chamada esquerda católica. Mas entendemos que o
tratamento dado aos comunistas era igual ao que eram classificados como comunistas. É nesse
depoimento que encontramos o único caso relatado de tortura física a presos políticos no
Piauí. Segundo Antônio José, Oswaldo Rocha, conhecido como César, veio a Teresina
articular um movimento de luta armada e foi preso, segundo o entrevistado, "o César foi
torturado [.....] apanhou de palmatória nos pés e nas mãos".367 No entanto, somente César foi
torturado fisicamente, os outros presos piauienses sofreram torturas psicológicas, como
acrescenta Antônio José: "Uma vez ao ser interrogado estavam um chicote de fio e uma
palmatória em cima da mesa. Quem era o secretário de segurança, era o Sebastião Leal [...]
mas não foi feita nenhuma menção, era mais um negócio lá simbólico pra intimidar".368 Por
que apenas César sofreu torturas físicas, e os supostos comunistas piauienses não?
Acreditamos que Teresina, na década de 1960, ainda era considerada uma cidade pequena, o
que levava os indivíduos presos a terem uma relação de proximidade com os agentes
policiais, sem contar que a repercussão que teria uma notícia como essa em uma cidade
pequena como era capital do Piauí, poderia desqualificar o "movimento revolucionário de
1964". Dessa forma, a tortura física foi praticada apenas com os presos que vinham de outros
Estados. A amenização de ações mais enérgicas com os comunistas e supostos comunistas
piauiense deveu-se muito à atuação de membros da Igreja Católica. Em entrevista concedida
no ano de 1998, o padre Raimundo José Ayremorais369 relata que, quando era reitor da
Faculdade de Filosofia (FAFI), o próprio Secretário de Segurança, Sebastião Leal, foi
procurá-lo para exigir a expulsão de Antônio José Medeiros da FAFI, expulsão que não foi
aceita pelo Padre Raimundo José.370 Mesmo se colocando fortemente contrário a essas ações,
Padre Raimundo José não conseguiu evitar a prisão do seu próprio irmão Diogo José

366
MEDEIROS, Antônio José Castelo Branco. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho.
Teresina, 1997. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos
de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI.
Teresina, 2006. 229p. Dissertação de Mestrado.
367
Idem.
368
Idem.
369
Padre Raimundo José Ayremorais foi reitor da Faculdade de Filosofia no Piauí durante a ditadura militar.
Atualmente é professor no Seminário Maior da cidade de Teresina.
370
SOARES, Pe. Raimundo José Ayremorais. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho.
Teresina, 1998. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos
de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI.
Teresina, 2006. 229p. Dissertação de Mestrado.
148

Ayremorais, que era professor da Faculdade de Filosofia, na década de 1960.371 O episódio da


prisão de Diogo é narrado pela estudante, na época, Ana Maria Pires Lopes da Silva:372

Um certo dia nós estávamos assistindo aula quando chegou uma pessoa,
ficou na porta da nossa sala e disse: “Não pode sair ninguém daqui, fica todo
mundo dentro da sala”. E ficamos sem saber o que estava acontecendo, na
sala ao lado, minha irmã que também estudava lá, estudava um ano
adiantada de mim. Minha irmã era mais velha, estava assistindo aula do
Professor que é irmão do padre [Raimundo] José é... é professor, não estou
lembrada do nome, [o nome do professor é Diogo Ayremoraes] como eu
estava dizendo, na sala ao lado estava dando aula o professor irmão do padre
Raimundo José, que era professor da minha irmã. Então, Agentes da Polícia
Federal, isso nós só fomos saber depois, Agentes da Polícia Federal entraram
na sala, prenderam o professor e uma aluna também, depois nós viemos
saber, eles fazia parte do Movimento Comunista. [grifo nosso]373

Outra prática anticomunista no Piauí foi a solicitação constante de pessoas a


prestarem depoimentos nas delegacias. Várias pessoas iam prestar depoimento como meio de
intimidação, essa prática visava, no entendimento dos agentes da polícia de ordem social,
refrear ações subversivas, muito próximas às práticas comunistas. Uma das pessoas que foi
chamada a depor no DOPS foi a educadora do MEB374 (Movimento de Educação de Base)
Palmira Luiza de Sousa.375 Segundo esta educadora:

Aqui nós de fato sofremos pressões, nossa programação de rádio era toda
acompanhada, toda gravada, tinha gente mesmo gravando, fomos chamados
várias vezes a responder por essa programação, eu mesma, que fazia a
programação tive que comparecer duas vezes ao DOPS, duas vezes no 25º
BC, a última vez que eu estive lá respondi a um interrogatório.376

Segundo Palmira Luiza Sousa, além de vários outros membros do MEB serem
chamados para interrogatório, alguns foram presos, como Cleber do Rego Monteiro.377 Assim
como tantos outras pessoas que não se reconheciam como comunistas, Palmira Sousa disse
que foi considerada comunista. Da mesma forma que Antônio José Medeiros, Palmira não se
reconhece como comunista, mas teve tratamento igual ao dado a indivíduos que se

371
Idem.
372
Ana Maria viveu a década de 1960 em Teresina. Foi aluna do Instituto de Educação Antonino Freire, colégio
em que Diogo Ayremorais ministrava aulas, e trabalhou como discotecária na Rádio Pioneira.
373
SILVA, Ana Maria Pires Lopes da. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
374
Era um movimento, promovido pela Igreja católica, que visava à educação dos trabalhadores rurais. Com uma
metodologia apoiada no dia-a-dia desses trabalhadores, utilizava o rádio como meio educativo e propagador das
aulas.
375
Palmira Luiza de Sousa foi educadora do MEB entre os anos de 1962 e 1973. Atualmente é professora
aposentada da Universidade Federal do Piauí.
376
SOUSA, Palmira Luiza. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho. Teresina, 1997. Cf.:
ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos de uma memória
oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p.
Dissertação de Mestrado.
377
Idem.
149

consideravam comunistas. Percebemos que a classificação a um indivíduo ou as suas


atividades como comunistas eram atribuídas pelo agente da repressão, isso logo após o glope
civil-militar de 1964. Segundo Palmira Sousa, eles espionavam em todos os ambientes:

[...] na Faculdade FAFI tinha espiões para todo lado, a gente não sabia, e
olhe, depois um dia me disseram, e eu fiquei seriamente preocupada, tinha
uma pessoa que se dava comigo, me convidava pra eu sair com ela, até fui
almoçar com ela, essa pessoa foi colocada pra me espionar, então essa
pessoa tinha como objetivo me ouvir pra levar o que eu falava pra eles [...]
Então teve dessas coisas, coisas terríveis mesmo, colega nosso, um que é
meu compadre lá de dentro do MEB, [...] um senhor me disse: Olha Palmira
não sei como Dom Avelar colocou fulano lá dentro do MEB, você pode ficar
certa que o material que vocês trabalham, cartazes, livros, todos os tipos de
divulgação, textos de estudo, tá tudo lá no Exército, então eu disse pra ele
que eu não acreditava. Quando o negócio engrossou mesmo, que começaram
a nos pressionar, eu estava preparando uma programação, quando ele chegou
lá, eu disse: olha, compadre, me disseram isso, você leva nosso material pra
lá, que você é um elo de ligação (sic) entre o Exército e nós do MEB. Eu não
acreditei, mas aí quando ele falou, você sabe assim o movimento facial da
pessoa, parece que ele se tocou com o que eu disse e os músculos do rosto
dele parece que caíram. 378

Os trabalhos do MEB foram insistentemente fiscalizados e vigiados, como


lembrou mais uma de suas educadoras, a professora Maria do Carmo Alves Bomfim379: “[...]
no auge da Ditadura Militar, quer dizer, no início, sob 64 e 68, houve perseguição, pessoas do
MEB foram presas, pessoas que eram fiscalizadas dia-a-dia e indiciadas em inquérito.”380
Espalhava-se um clima de intranqüilidade entre os cidadãos que militavam em
movimentos sociais ou em siglas partidárias, uma vez que qualquer atitude diferente poderia
ser considerada suspeita e classificada como comunista. Essa era uma prática que partia,
principalmente do Exército, já que era exposto a população que os comunistas se encontravam
em todos os lugares, cabendo aos cidadãos denunciá-los:

Guarnição Federal de Teresina


_____Nota_____
O Comando da Guarnição Federal de Teresina solicita aos Srs. Chefes de
Repartições Federais, Autárquicas, Paraestatais, Estaduais e Municipais, para
no prazo de 48 horas informarem a essa Guarnição, da existência ou não de
Funcionários comprometidos com o movimento subversivo, a fim de que
este comando possa tomar as devidas providências, tendo em vista os artigos
7º e 10º do Ato Institucional.
Quartel em Teresina, 21 de maio de 1964.
Francisco Mascarenhas Façanha
Coronel Cmt da Guarnição Federal de Teresina.381
378
Idem.
379
Foi Educadora do MEB, hoje é professora doutora do Centro de Ciências da Educação da UFPI.
380
BOMFIM, Maria do Carmo Alves. Entrevista concedida a Luciana de Lima Pereira e José Maria Vieira de
Andrade. Teresina, 2003.
381
GUARNIÇÃO Federal de Teresina - nota - . O Dia. Teresina, 22 mai. 1964, n.1245, p.01.
150

Essa nota da Guarnição Federal remete-nos a um aspecto interessante, o


afastamento, ou mesmo, expulsão de serviços públicos pelo fato de ser comunista. No Piauí,
ocorreram vários casos, como por exemplo, o do Sargento Benoni Miranda, caso
anteriormente mencionado, devido à sua prisão como comunista. Efetuada a sua prisão, o
Sargento foi sumariamente afastado da Polícia Militar.382 Além da solicitação dos
afastamentos, o Exército prestava contas de suas ações contra os comunistas nos jornais
locais, muitas vezes, relatando a sua procura por pessoas com "ligações políticas de caráter
subversivo com ideologia extremista",383 nas diversas cidades do Estado do Piauí.
Foi o Capitão do Exército Astrogildo Sampaio, segundo a memória de alguns
entrevistados, quem assumiu à “caça às bruxas” aos comunistas piauienses. Teria sido ele um
dos maiores responsáveis pelo clima de “marcathismo” no Estado, perseguindo várias
personalidades, em sua grande maioria religiosos, depois de 1965, como lembra o comunista
Marcos Igreja:

Um militar capitão da polícia, formado de qualquer jeito, [...] mas como eles
mesmo dizem na caserna, feito nas coxas, sem nenhum preparo, [era o]
Astrogildo Sampaio, [...] ele se notabilizou primeiro como prendedor de
magarefe e talhador de carne, na periferia da cidade, [...] no governo Castello
Branco tinha a tabela de preço, então, ele começou a prender magarefe e sair
nos jornais da cidade, então, ficou famoso, como ele ficou famoso
prendendo magarefe acharam por bem colocá-lo como diretor do DOPS,
Departamento de Ordem Política e Social, então, ele era Marcathista, todo
mundo que ele via: comunismo, comunismo, comunismo, e ele foi quem
criou esse clima. E, andou prendendo quem devia ser preso e quem não
devia ser preso, aí ele perseguia os padres que davam apoio ao movimento. E
foi a Dom Avelar pedir a cabeça do padre José, Antônio José, para prender, -
ele era ousado, - do padre Carvalho, do Diogo, acho que eram só esses três
mesmos, tinha outro aí, parece que o padre Juvenal, um italiano que estava
na vila, e Dom Avelar, segundo nós sabemos, tirou o anel de arcebispo e
entregou para ele [e disse]: Capitão, então, me prenda também. E ele ficou
com vergonha, pediu desculpa e foi embora. Mas não era comunista Dom
Avelar.384

Contudo, não foram apenas as prisões e as cassações que compuseram as práticas


políticas anticomunistas, um dos aspectos mais interessantes desse período da história
piauiense foram os boatos sobre os acontecimentos e os indivíduos, relacionando-os ao
comunismo. Muitos foram presos, interrogados e acusados de fato, mas, na sua grande
maioria, as pessoas foram presas, prestaram depoimento e se tornaram comunistas, graças aos

382
SEBASTIÃO Leal fala à imprensa sobre atividades de sua secretaria. O Dia. Teresina, 24 mai. 1964, n.1247,
p.01.
383
OPERAÇÃO Limpeza últimas notícias. O Dia. Teresina, 24 mai. 1964, n.1247, p.08.
384
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. Teresina, 2005.
151

boatos e mexericos de alguns piauienses. E os boatos podem fazer parte das práticas
anticomunistas? Acreditamos que sim, uma vez que pode ser considerada a possibilidade de
uma sociedade ver determinados acontecimentos e acreditar neles como parte de sua
realidade. Não é à toa que boa parte dos comunistas que ficou guardado na memória da
população, não se considerava comunista na década de 1960. Por causa desses boatos de
prisões e rumores de cassação de mandatos, muitas notícias, depois do golpe de 1964, foram
publicadas nos jornais desmentindo esses mal-entendidos. Um caso interessante foi o do
radialista e vereador Álvaro Lebre, mas conhecido como Al Lebre, narrado pelo jornal O Dia
de 04 de abril de 1964:

Dia 02 amanheceu chovendo em Teresina. O Al Lebre, por isso não fez o


seu tradicional VAMOS ACORDAR. E nem compareceu à emissora, de cuja
porta principal tinha a chave, pelo que só lá para as 8 horas a Difusora entrou
no ar. Resultado: muita gente pensou, admitiu e acreditou que o Lebre tinha
sido preso por suas tendências esquerdistas.
Lá para as 9 horas aparece o Lebre lampeiro, fagueiro, satisfeito com a
vitória das Forças Armadas, e, ao saber dos boatos de sua prisão, foi
dizendo:
- Eu, hem? Sou democrata convicto, lacerdista, a serviço das boas causas.
[....]
Bem, o Lebre fez isso mesmo e é lacerdista. Mas, por medida de precaução,
durante as horas mais agudas da crise teve o cuidado de deixar em casa o
distintivo lacerdista que passara a usar a partir de quando voltou do Rio.385
[grifo do autor]

O interessante dessa narrativa é que houve todo um rumor popular especulando a


prisão de Al Lebre por suas tendências “esquerdistas”, mesmo quando o próprio radialista
andava pelas ruas da capital piauiense carregando no peito o distintivo de Carlos Lacerda, um
dos políticos apoiadores do golpe. A nota sobre o radialista Al Lebre serve para ilustrar como
os rumores e boatos sobre as posições políticas eram assuntos constantes entre os teresinenses
pelo menos no ano de 1964.
O jornal O Dia relatou outros episódios interessantes. Um jornalista escreveu que
em sua ida ao barbeiro se especulava sobre os acontecimentos políticos de abril de 1964 e
que, durante o bate-papo, os freqüentadores lembravam outros episódios revolucionários, até
o momento em que o narrador aponta para uma certa figura, que, tudo leva a crer, era um
suposto comunista, pela referência à barba longa. Segundo o jornalista, o diálogo se deu da
seguinte forma:

Contava-se isso na barbearia, quando foi entrando um cidadão dêsses que


andam sempre no mundo da lua e gostam muito pouco de fazer a barba.
385
CERTO e ErRádio, pela equipe de O Dia. O Dia. Teresina, 04 abr. 1964, n.1.208, p.02.
152

Indagaram:
- Dr. João, você está do lado de quem?
E ele:
- Quem foi que ganhou?386

Mais uma referência ao comunismo, ou melhor, aos comunistas como


oportunistas, uma vez que o Dr. João esperava o desenrolar dos acontecimentos políticos para
se posicionar. E o que o Dr. João estaria fazendo em uma barbearia, já que era um daqueles
que “gostam muito pouco de fazer a barba”? Sabemos que a barba, principalmente na década
de 1960, tinha uma associação profunda com o comunismo, o próprio governador do Estado
Chagas Rodrigues, como já foi mencionado, também foi chamado de bem-barbado. Apesar de
se tratar de um momento sério na política brasileira, como podemos perceber, esses rumores
acabavam se tornando piada, nas páginas dos jornais, como aconteceu com o próprio João
Goulart. Acusado de facilitar a infiltração comunista no país, pelos jornais locais, a sua
deposição foi lembrada, em forma de chacota, por outro motivo:

Notícias procedentes do local (incerto) onde se encontra o ex-presidente


Jango, dão conta de que ele teria confidenciado aos mais íntimos:
- Pensando bem, minha derrota começou no Piauí. Eu nunca deveria ter ido
inaugurar em Teresina uma ÁGUA que não existia. Resultado: o clamor dos
teresinenses juntou-se ao clamor dos demais brasileiros e acabei entrando
PELO CANO.387 [grifos do autor]

Fotografia 22. Presidente João Goulart e o governador piauiense Petrônio Portella (1963-1966) nas
386
CADEIRA do barbeiro. O Dia. Teresina, 04 abr. 1964, n.1.208, p.04.
387
PELO CANO. O Dia. Teresina, 05 abr. 1964, n. 1.209, p.08.
153

comemorações da Central de Abastecimento de Água do Piauí.


Fonte: PELO CANO. O Dia. Teresina, 05 abr. 1964, n. 1.209, p.08.

A anedota ilustra a idéia de que o movimento contrário à Jango no Piauí ocorreu,


não por causa do comunismo, mas porque o presidente tinha estado em Teresina para
inaugurar um sistema de abastecimento de água que nunca havia funcionado. Dessa forma, o
jornal explicava a adesão dos piauienses ao golpe. Mas a piada foi interpretada por muito
piauienses como sendo verdade, como sugere a cronista: “Vocês querem saber de uma coisa
muito engraçada? Tem gente acreditando piamente naquela história que foi contada aqui, pelo
jornal O Dia, sobre a derrota de Goulart. Isto é, aquela bagle feita na seção PELO CANO, de
domingo passado, em que se registrou um pseudo pronunciamento do ex-presidente da
República [...]”.388
Se alguns boatos eram muito parecidos com piadas, outros, mesmo parecendo
piada, provocaram verdadeira preocupação entre os piauienses. Esses boatos versavam sobre
os planos de implantação do comunismo no Estado. Existiam os mais variados rumores: desde
as listas dos que iriam aos Paredons da morte até a mudança de costumes e hábitos entre os
indivíduos após a implantação do regime comunista, como sugere o trecho:

[...] Toda esta introdução é para apresentar um assunto que ouvi e que
acredito que seja piada. Verdade é que não pode ser:
- Trata-se do movimento comunista fracassado em hora que os anjos se
inclinavam, benévolos, para a terra de Santa Cruz; e consta que as nações do
bloco soviético, financiavam em conjunto, a comunização do país. A Rússia,
na partilha do bolo, ficaria com São Paulo, a China, com a Guanabara; o
pobre Piauí caberia ao barbudo.
Mudar-se-iam os costumes, as tradições, as bandeiras, a moeda. O nosso
herói seria Lênin. Sua efígie estaria nas cédulas, a fim de que todo mundo
conhecesse um dos fundadores e o maior benfeitor dos brasileiros! A língua,
naturalmente substituída seria. E eu que tanto gosto da língua espanhola, se
não sucumbisse no PAREDON, teria de odiá-la [...]. 389

Mas os boatos eram tantos que o Comandante da Guarnição Federal no Piauí,


Coronel Francisco Mascarenhas Façanha fez um apelo à população de Teresina e do Estado:
“O Comandante da Guarnição Federal, apela para que o povo de Teresina e do Estado
colabore, evitando a propagação de boatos que, longe de ajudar as autoridades têm ainda
efeitos negativos e alarmantes”390.
O surgimento e propagação desses boatos geravam, em certo sentido, uma
apreensão popular, uma vez que qualquer pessoa poderia ser associada ou confundida com os
comunistas. Sobre esse medo generalizado da população uma outra piada foi contada pelo

388
PAULA, Ana. Dizendo o que penso. O Dia. Teresina,10 abr. 1964, n.1.213, p.07.
389
LEITE, Cristina. Gente Patriota. O Dia. Teresina, 14 abr. 1964, n.1.216, p.07.
154

jornal O Dia, segundo esse jornal: “Adoeceu uma pessoa na residência do soldado, que, aflito,
saiu atrás do médico. Bateu à porta do Dr. B. A. (Não é “boa ação” de bandeirantes). Êle, ao
ver o soldado, sem mais nem menos, foi dizendo: - Mas eu não fiz nada!”.391 Essa nota,
demonstra como as pessoas se sentiam ameaçadas, pois a qualquer momento poderiam ser
presas, sem ao mesmo terem envolvimentos com movimentos subversivos.
Nesse sentido, as práticas de exclusão dos que já haviam sido presos também
eram comuns, por causa do medo de associação com o comunismo, como refletiu em
entrevista a senhora Ana Maria Pires Lopes da Silva: “Eu tinha o maior medo de ser igual a
ela [amiga de sua irmã que foi presa], eu tinha medo de ser presa, porque a minha mãe passou
para mim que quem era preso era bandido, porque meu pai era da Polícia e tinha esse
conceito, só está na grade quem é bandido, e eu tinha muito medo de ser bandida, então, eu
seguia uma outra trilha, porque tinha medo de ser presa”.392 Essa aversão da associação ao
comunismo, levou muitos dos que tinham a fama de ser ou que realmente eram comunistas, a
serem excluídos do convívio social, como lembra o comunista Marcos Igreja: “eu perdi
muitos amigos, as mães e os pais proibiam meus amigos de andar comigo, de sair comigo,
porque eu era comunista”.393 E muitos foram embora por causa da discriminação “[...] eu fui
me embora daqui porque me senti muito discriminado, pô! Pra todo lugar que eu ia era
comunista, até os times que eu jogava bola, eu gostava de jogar, ficavam...Ninguém sabia o
que era comunista, só sabia que era uma coisa muito ruim”.394
O medo fez com que muitos passassem a se mostrar totalmente favoráveis ao
movimento instalado em 1964. O simples fato de ser acusado de compactuar com o
comunismo fez com que muitos piauienses tomassem atitudes radicais como a delação e o
apoio incondicional a atos anticomunistas, como sugere Jesualdo Cavalcanti:

Ao lado de pessoas sinceras e ideologicamente identificadas com o novo


regime, não eram poucos os que, marcados por um passado um tanto quanto
nebuloso, tentavam limpar a própria folha corrida apelando para a
deduragem ou mesmo fazendo o possível para mostrar as caras, em fingida
contrição, nas novenas da paróquia de São João da Vila Operária, cujos
padres, estrangeiros todos, esmeravam-se em promover cerrada pregação
anticomunista.395

Fundadas e muitas vezes infundadas, as práticas de delação espalharam-se pela

390
COMANDO da Guarnição Federal. O Dia. Teresina, 08 abr. 1964, n.1.211, p.08.
391
PELO CANO. O Dia. Teresina, 24 mai. 1964, n.1.247, p.04.
392
SILVA, Ana Maria Pires Lopes da. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
393
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de Oliveira.
Teresina, 2005. 56p
394
Idem.
395
BARROS, J. C. Op.Cit. p.195.
155

capital e por todo Estado, havendo até quem tivesse visto comunistas que estavam presos,
esculacharem a revolução em plena praça pública, como lembra, sarcasticamente, o acusado:

[...] o Capitão Clidenor de Moura Lima, um dos mais atuantes membros do


comando militar, achegou-se de minha cela para dizer:
- Eh, Jesualdo, seus inimigos não descansam mesmo...
- Que houve Capitão? perguntei-lhe, curioso.
–Há pouco recebi um telefonema anônimo interessante. Alguém jurava por
A mais B que o viu agora mesmo, na Pedro II, esculhambando a
revolução. E não adiantou eu dizer que isso era totalmente impossível, já
que você se achava preso aqui. O sujeito simplesmente redargüiu que eu
estava era por fora; não sabia de que eram capazes esses comunistas...396

Essas foram algumas práticas anticomunistas no Piauí, produzidas pelas


representações anticomunistas que, em geral, apresentavam o comunismo como um perigo.
Essas práticas também geraram novas representações, uma vez que práticas e representações
não podem ser entendidas separadamente. Mas, percebemos que, para compreendermos de
uma forma mais completa o anticomunismo no Piauí, devemos apontar como se davam as
apropriações dessas representações e práticas. E é sobre apropriações que o próximo capítulo
reflete.
156

3 Comunismo?! Ouvi dizer que é....

O que eles falavam, muitas vezes para mim, era uma coisa muito presente,
muito forte. Eu falo aqui porque eu decorei, capturei, guardei na memória,
[...] mas eu me lembro de algumas coisas que meu pai falava, por exemplo,
sempre que aparecia a União Soviética, a Rússia, a União Soviética mesmo
naquele momento, ele sempre fazia muitas críticas, tinha sempre uma
posição muito crítica, com relação aquele país, era muito duro com o [....]
presidente da Rússia, [...] Yuri Brejnev, quer dizer, ele era muito duro com o
Brejnev, dizia assim: Esse velho não morre, um velho desse! mas a raiva que
ele tinha mesmo assim, muito mais do que do Brejnev, muita mais raiva do
que dos russos, ele tinha uma raiva assim terrível do Fidel Castro (risos), o
Fidel Castro para ele era uma figura assim muito, muito dura, ele se referia
ao Fidel Castro sempre com muito desdém, como ditador monstruoso...397.

396
Idem, p.209.
397
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina,
NHOUFPI, 2007.
157

De que forma os indivíduos que viveram no Piauí, na década de 1960,


consumiram o discurso anticomunista? Quais foram os meios responsáveis por essa
propagação? Como esses discursos eram recebidos e apropriados? Essas são algumas
perguntas instigantes que podem ajudar em uma compreensão do anticomunismo no Piauí.
A preocupação da historiografia com o consumo que são feitos dos discursos
normativos e científicos demonstra uma tentativa de reflexão e crítica em relação à idéia de
que estes modelam e constrangem os comportamentos nas sociedades. Dois intelectuais
franceses, Michel de Certeau e Roger Chartier,398 apontaram que esses discursos condicionam
o viver, contudo, os indivíduos em sociedade estão constantemente em posição de fuga e,
muitas vezes, apropriam-se destes discursos oficiais de formas diferenciadas. Tal atitude pode
ser percebida sem muito esforço nas sociedades atuais, por exemplo: os médicos, que são
percebidos nos discursos científicos como os legítimos possuidores dos saberes sobre a saúde
humana, sempre advertem os pacientes sobre o perigo, para a saúde, do uso de remédios sem
consulta médica, o que não impede que muitas pessoas se automediquem todos os dias e ainda
procurem soluções alternativas, como os curandeiros, benzedeiras, médicos espirituais entre
tantas outras soluções. Essa fuga constante do que está estabelecido nos textos normativos e
científicos pode ser percebida nos mais variados textos.
Para Roger Chartier,399 todo e qualquer texto imprime as suas marcas no leitor, ou
seja, como esse texto deve ser lido, a que gênero ele pertence, qual a posição do autor diante
de determinada conjuntura. No entanto, segundo Roger Chartier, o leitor tem a sua própria
percepção sobre aquele escrito. É uma espécie de jogo que se estabelece entre aquele que
produz um discurso e aquele que consome. A negociação se dá entre as marcas deixadas pelo
autor (data da publicação, gênero textual, destinatário) e os elementos do leitor que
possibilitam o seu consumo daquele texto (o grau de alfabetização, sexo, idade, entre outros
fatores).
Partindo dessa reflexão apontada por Roger Chartier, entendemos que os textos
anticomunistas dados a ler através dos jornais, revistas, livros e até mesmo do rádio,
produziam interpretações múltiplas, variando a sua recepção, a partir das características
atribuídas aos leitores. Nessas apropriações, muitas vezes os comunistas ganhavam novas
características atribuídas por esses leitores das representações anticomunistas, porque o texto
ao ser apropriado “já não contém toda a compreensão possível de sua criação”, o seja, “ler,
olhar, escutar, permitem, na verdade, a reapropriação, o desvio, a desconfiança ou a

398
Ver: CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Tradução: Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Bertrand,
Rio de Janeiro, 1990.
399
CHARTIER, R. Op. Cit.
158

resistência”.400 Mas, como observar essa apropriação múltipla sobre as representações


anticomunistas? Uma das melhores maneiras de identificar as apropriações feitas pelos
leitores das representações anticomunistas na década de 1960, segundo nosso ponto de vista, é
através da memória dos que viveram aquele momento. Embora, reconhecendo que os
trabalhos atuais apontam para uma percepção de memória relacionada aos conflitos, o que
demonstra, sob essa perspectiva, uma preocupação da academia com as memórias
subterrâneas,401 o nosso intuito neste trabalho é apreender uma memória coletiva,402 que foi
constituída pelo anticomunismo no Piauí na década de 1960.
Para melhor explicitar nossa proposta, vamos refletir e relacionar dois dos mais
mencionados estudos sobre memória: a noção de memória subterrânea, de Michel Pollak e a
memória coletiva, de Maurice Halbwachs. Michel Pollak, em seu estudo “Memória,
esquecimento e silêncio”, constrói a noção de "memória subterrânea". O autor acredita na
existência da memória coletiva, que ele denominou de "memória oficial". No entanto, o que o
afasta da perspectiva halbwachsiana é a sua percepção de que a memória coletiva é uma
imposição. É nesse sentido, que Michel Pollak desenvolveu a noção de memória subterrânea
como uma forma de oposição a essa memória coletiva oficial. Entretanto, este autor reforça a
mesma perspectiva de Maurice Halbwachs, apenas mudando os pontos de apoio, no caso,
Halbwachs aponta para uma adesão afetiva relacionada a uma memória oficial e Michel
Pollak aponta essa adesão, que supomos também ser afetiva, relacionada às memórias
subterrâneas. Para reafirmar nossa posição sobre a noção desenvolvida por Michel Pollak,
vejamos como este autor estabelece a sobrevivência das lembranças subterrâneas, que,
segundo ele, são escondidas, traumatizadas, por dezenas de anos: “Ao mesmo tempo, ela [a
memória subterrânea] transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes
familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas
e ideológicas”.403 Acreditamos, juntamente com Michel Pollak que memórias que geram
conflitos têm uma sobrevivência maior nas relações familiares e de amizade, ou seja, essas
memórias conflitantes, uma vez que não podem ser expostas livremente, conservam-se por

400
Idem, p.58.
401
Para Michel Pollak as “memórias subterrâneas que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de
maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados. A memória
entra em disputa. Os objetos de pesquisa são escolhidos de preferência onde existe conflito e competição entre
memórias concorrentes”. POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento e Silêncio. Revista de Estudos Históricos.
Rio de Janeiro, vol. 02, n.03, 1989, p.02.
402
Para Maurice Halbwachs a memória individual está sempre remetida a participação dos indivíduos em
grupos, pois apesar de ter suas lembranças pessoais o indivíduo está sempre interagindo com os grupos do qual
ele faz parte, desta forma, a memória coletiva tem a importante função de fazer com que as pessoas expressem a
sensação de pertencimento a um grupo, segmento, instituição. Ela garante um sentimento de identidade ao
indivíduo calcado não só no campo do histórico, mas também no campo das representações e símbolos.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução: Beatriz Sidou. – São Paulo: Centauro, 2006.
403
POLLAK, M. Op. Cit. p.03
159

esses laços de afetividade. No entanto, o que impede que uma memória oficial também seja
transmitida pelos laços de afetividade, ou pela participação dos indivíduos em determinados
grupos? Cremos que essa memória oficial, mesmo tendo uma maior divulgação e sendo,
muitas vezes, manipuladas pelos poderes públicos, também, estimulam o surgimento de
tradições. O que foi o anticomunismo, senão uma das maiores tradições da cultura política
brasileira?
Ao mesmo tempo em que aponta para os conflitos de memória entre a memória
coletiva oficial e as memórias subterrâneas, Michel Pollak cria um conceito que, de certa
forma, está ligado permanentemente ao conceito de memória coletiva, pois só pode haver
memória subterrânea, se houver uma memória oficial que se contraponha a ela. Este autor,
ainda, toma de empréstimo a Maurice Halbwachs as mesmas características que são dadas à
memória coletiva: a seletividade, a longa duração e, sobretudo, a relação que a memória
estabelece com os grupos dos quais o indivíduo fez ou faz parte.
Fizemos essa relação apenas para afirmar que este trabalho não se construiu sobre
memórias subterrâneas que são, nas palavras do próprio Michel Pollak, escondidas, mas
propomos um estudo sobre essa memória coletiva “oficial”, aquela que podia ser dita
abertamente, sem receio de ser contida, que não sofria o corte de outra memória, mas que
cortava várias memórias, todos os dias. Apontamos para percepção de memórias coletivas
múltiplas, como afirma Maurice Halbwachs: “Na realidade existem muitas memórias
coletivas”.404 E, acreditando nessa perspectiva, mostramos a multiplicidade de grupos que
tinham o comunismo como algo nocivo à sociedade, no entanto cada grupo possuía a sua
memória anticomunista, que se unia aos outros grupos, muitas vezes, apenas pelo fato de
lutarem contra o comunismo. O anticomunismo, tornou-se uma tradição, com direito a
homenagens oficiais e manifestações públicas. Nesse sentido, percebemos que ele sobreviveu,
não só nos documentos oficiais, mas também na memória de boa parte da população brasileira
e piauiense.
O objetivo deste capítulo é relacionar alguns dos principais meios de divulgação
dos discursos anticomunistas e, partindo desses meios, utilizar a memória como fonte de
compreensão das apropriações do anticomunismo.
Conseguimos, diante dos documentos, evidenciar que existiram três grandes
meios de divulgação dos discursos anticomunistas: os jornais escritos, os livros e o rádio. E
são sobre esse meios de divulgação do anticomunismo que trataremos agora.
160

3.1 Nas ondas vermelhas: a apropriação das representações anticomunistas através do rádio
no Piauí na década de 1960

Por esse tempo não tinha televisão, então o rádio


dominava tudo. A cidade ouvia rádio em toda a parte, só
não ouvia rádio quem não tinha rádio, e às vezes quando
não tinha corria atrás do vizinho para ouvir o rádio.
Deoclécio Dantas – jornalista e radialista piauiense

Como já havíamos exposto no início da dissertação, o Piauí ainda tinha o rádio, na


década de 1960, como principal meio de comunicação.405 Para além dos divertimentos
proporcionados pelos programas de auditório, pelas belas músicas, pelas emoções
transmitidas nas rádios-novelas, eram as informações jornalísticas e os comentários das
reportagens que atraiam a atenção da maior parte dos ouvintes. Isso pode ser percebido pela
distribuição da irradiação dos programas, como aponta o trecho a seguir, referindo-se ainda a
década de 1950:

Em termos de segmentação dos programas, têm-se 40.297 horas de


comentários e transmissões jornalísticas; 38.919 horas de comentários e
transmissões esportivas; 29.240 horas de programas de auditório e
humorístico, e apenas 4.024 horas são destinadas a programas de cunho
religioso.406

No Piauí, essa preferência dos ouvintes pelos noticiários também se fez constante.
Podemos perceber isso na longevidade de um dos programas da Rádio Difusora de Teresina,
que ficou no ar de 1951 a 1980, O Grande Jornal Q-3. Noticioso que era ouvido não apenas
na Capital, mas em todo o Estado.407 Segundo Francisco Alcides do Nascimento, para o
sucesso desse jornal local, a emissora aproveitava o fato de as pessoas se reunirem, antes de
entrar o noticiário oficial, A Voz do Brasil, assim, das 18 às 19 horas, escutavam o Grande
Jornal Q-3, o que acabou se tornando um hábito entre os piauienses. Segundo José de
Ribamar Aquino Pernambuco,408 “o Jornal Q-3 era um jornal que, em Teresina, todo mundo

404
HALBWACHS, Op. Cit. p.105.
405
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Fios de memória: história do rádio. In.: CASTELO BRANCO, Edwar
de Alencar, NASCIMENTO, Francisco Alcides e PINHEIRO, Áurea Paz. História: Cultura, Sociedade e
Cidade. Recife: Bagaço, 2005.
406
NASCIMENTO, Francisco Alcides. História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina: Alínea
Publicações Editora, 2004. p. 49.
407
Idem, p.28-29.
408
Um dos sonoplastas mais antigos do Piauí, trabalhou nas rádios Difusora de Teresina e Clube de Teresina,
atualmente trabalha em uma emissora de TV.
161

conhecia, esse pessoal das antigas sabe o que é o Jornal Q-3”.409 A idéia do rádio como
potente fornecedor de notícia, refletia, inclusive, nas propagandas veiculadas nos jornais
escritos:

O lar é abrigo onde homens se acolhem para repousar das fadigas do dia, ao
lado dos seus. Torne seu lar mais atraente com um rádio Philco que lhe
proporcionará boa música e as mais recentes notícias do mundo. [grifo
nosso] 410

Era o rádio um dos responsáveis pelo acesso de grande parte dos piauienses aos
mais variados lugares do mundo, através das notícias, que, todas as noites, entravam nos lares.
Enfocamos, de certa forma, a importância dos noticiários, porque acreditamos que, em certa
medida, os temas em voga nos jornais escritos eram os mesmo transmitidos pelos jornais
radiofônicos. Nesse sentido, na década de 1960, um dos temas que mais se debatia, no rádio e
nos jornais, era o comunismo. Investigamos os discursos anticomunistas que eram veiculados
a partir do rádio. Talvez, por estar em sua “era de ouro” no Piauí, o rádio é o meio de
comunicação mais lembrado durante as entrevistas. Acreditamos que, devido à sua capacidade
de abranger os mais diversos segmentos sociais, o rádio teve um papel fundamental na
propagação do anticomunismo.
Para um Estado, em que, segundo dados do IBGE, na década de 1960, mais da
metade dos habitantes eram analfabetos,411 o rádio tornou-se uma possibilidade democrática
de transmitir informações.412 Um empecilho, para essa democratização, talvez, fosse a falta de
condições financeiras para a aquisição do aparelho de rádio, possibilidade questionada pelo
ex-radialista Deoclécio Dantas413: “[...] na década de sessenta já não era tanto assim. Já havia
certa facilidade, uma maior facilidade para as pessoas comprarem rádio.414

409
PERNAMBUCO, José de Ribamar Aquino. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento.
Teresina, 2001.
410
O PIAUHY. Ano LVIII, Teresina – PI, Janeiro de 1948. Apud: NASCIMENTO, Francisco Alcides. História
e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2004. p. 33.
411
Na década de 1960, o índice de analfabetismo em pessoas acima de 15 anos e mais de idade era de 64,9%.
Apesar de no Estado do Piauí o analfabetismo ter decrescido, com relação à década de 1950 (72,5 %), o índice
ainda era elevado se comparado à porcentagem de analfabetos no Brasil, que era de 39,8%. MENDES, Felipe.
Economia e desenvolvimento do Piauí.Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003. 458p.
412
Para Francisco Alcides Nascimento, desde a década de 1930, tem-se notícias sobre a existências de rádio
receptores em vários municípios piauienses: “Temos [...] alguns depoimentos que informam sobre a presença do
aparelho de rádio receptor de norte a sul do Piauí. Dois deles chamam a atenção pela dificuldade que era adquiri-
lo. Em um deles o rádio foi comprado com apoio da comunidade, e instalado na Câmara municipal. Desta forma,
o rádio terminara ajudando na manutenção dos laços comunitários. Aliás, as pessoas passaram a marcar
encontros para resolver problemas de outra ordem nas "sessões de rádio", à noite. NASCIMENTO, Francisco
Alcides. Os antecedentes do rádio: apontamentos para a história da radiodifusão no Piauí. Cadernos de Teresina.
Ano XIV, n.34, novembro, 2002, p.34.
413
Ex-radialista da Rádio Pioneira, também foi redator de vários jornais impressos em Teresina na década de
1960.
414
DANTAS, Deoclécio. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
162

Fotografia 23. Deoclécio Dantas.


Fonte: DANTAS, Deoclécio. Suplemento Social. Jornal do Piauí. Teresina, 27 nov. 1968, n.1960. p.06.

Conforme essa forma de ler o mundo, existiam apropriações diferenciadas.


Diferente do jornal impresso, que é manuseado, ou lido em voz alta, no rádio além da leitura
do texto, há muitas vezes a própria teatralidade, que pode ser um fator determinante para as
apropriações. Existia, como existe até hoje, uma informalidade que, em certo sentido,
aproxima aquele que fala daquele que escuta. Notícias, muitas vezes sérias, como a falta de
energia, podiam se transformar em músicas, como diz José Lopes dos Santos,415 sobre uma
crônica que fez para ser lida no rádio durante o programa de Murilo Campelo416:

Murilo era um bom intérprete, ele lia as crônicas que, em geral, eu escrevia.
[...] não sei se você conheceu o Dielson, Dielson Carvalho era engenheiro,
tinha morado muito tempo no Sul do Estado e por lá se casou, mas veio
passar uma temporada aqui e foi nomeado pelo governador de então, que eu
não me lembro quem era, diretor do Instituto de Águas e Energia Elétrica – I
A E E, mas era comum você está trabalhando e a energia vai se embora, a
água não tem hoje, era um negócio danado. Então o Dielson foi nomeado
como se para corrigir os erros e eu acho até que ele corrigiu mesmo. Eu fiz a
crônica falando dessas coisas do IAEE e o Murilo encontrou uma quadra ou
sextilha que eu pus lá no meio, mas não pra cantar, não é? E eu ficava
ouvindo, pra depois contar, como leitor, e de repente eu ouço o Murilo
cantando: ai, ai que saudade tenho do Dielson, bem que me diziam que ele
415
José Lopes dos Santos foi diretor da Rádio Difusora de Teresina e um dos redatores e apresentadores do
Grande Jornal Q-3, também foi músico e advogado.
416
Murilo Campelo foi apresentador de vários programas de rádio no Piauí e Maranhão.
163

saindo a água também ia acabar sumindo, (cantando) não me lembro mais a


letra, mas estava lá, então na conversa dele. Ele era fabuloso, [...] Ele fazia
tudo isso e cantava... eu nem sabia que ele ia... cantava esse negócios, sabe
como era.... Muitas páginas escrevia para serem apresentadas pelo Murilo,
confesso que gostava de ouvi-lo, gostava de trabalhar com ele.417

Fotografia 24. José Lopes dos Santos.


Fonte: SANTOS, José Lopes dos. Suplemento Social. Jornal do Piauí. Teresina, 27 nov. 1968, n.1960. p.06.

Não obstante a citação seja extensa, o trecho é importante para entendermos como
as notícias, crônicas e informações dadas pelo rádio tinham um caráter diferenciado, em
relação aos textos impressos. Para Ana Rosa Gomes Cabello, as transmissões radiofônicas
exigem dos comunicadores-locutores uma relação diferente com o leitor-ouvinte, uma vez que
o texto lido nos transmissores, diferente dos textos escritos em jornais e revistas, só eram
escutados uma única vez, não tendo o leitor-ouvinte a possibilidade de reler a mensagem:

O rádio por sua vez, torna-se o meio mais fugidio de expressão da


linguagem, [...] [pois] o texto radiofônico tem uma única chance de ser
ouvido. Vê-se, pois, de tal afirmação, que esse texto só pode contar com o
som, quer dizer, com seus próprio recursos (verbais e não verbais) para
atingir o ouvinte. Antes, porém, de apoiar-se na audição e a oralidade, apóia-
se num texto redigido previamente. A este compromisso simultâneo entre a
língua falada e língua escrita, [....] [pode ser chamado de] estilo
comunicativo oral.418

417
SANTOS, José Lopes dos. Entrevista Concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2001.
418
CABELLO, Ana Rosa Gomes. A expressão verbal na linguagem radiofônica. In.: DEL BIANCO, Nélia R. e
MOREIRA, Sônia Vírginia (org.). Rádio no Brasil: tendências e perspectivas. Rio de Janeiro, São Paulo:
EDURJ, UNB. 1999. p.16
164

Percebemos, nesse ponto, uma nítida diferenciação entre uma representação


construída através do jornal escrito e uma representação através do rádio, sendo a linguagem
radiofônica a maior responsável por esse distanciamento, uma vez que, mesmo tendo o texto
escrito como suporte, o comunicador utiliza-se de outros elementos na sua leitura. A
linguagem utilizada no rádio não deve se preocupar apenas com aspectos gramaticais, mas,
sobretudo, se este texto será ouvido de forma a ser compreendido em uma única apresentação.

Com relação à linguagem radiofônica [...] para escrever textos para o rádio
não basta conhecer as regras gramaticais e de sintaxe; deve-se também
possuir a habilidade de preparar o texto para ser ouvido. [...] a linguagem
radiofônica difere da impressa, [...] o texto radiofônico oral-escrito tem uma
única chance de ser ouvido. Com isso, deve explorar sua única oportunidade
de emissão ao criar imagens mentais, que projetam as palavras, e ao criar
idéias, frases, situações, com um conteúdo tão claro e expressivo, que
praticamente, não exijam esforço do ouvinte.
Exigir demais do ouvinte não é objetivo do trabalho radiofônico. Isso porque
o ouvinte só é capaz de receber frações de construções complexas (isso é
freqüentemente esquecido); as frases complexas são uma barreira à
informação oral (muito mais que a escrita); o locutor no rádio lê uma frase
de 07 linhas em 15-20 segundos; e, assim, sobra muito pouco tempo para
que o ouvinte possa assimilar as informações imediata e totalmente (o
ouvinte não pode "reler" as frases, passa para as informações seguintes).419

No trecho em que José Lopes do Santos se surpreende com a inventividade de


Murilo Campelo ao musicalizar o seu texto, ele aponta para o fato de como a leitura no rádio
se torna algo singular. Murilo Campelo, em certo sentido, conseguiu fazer aquilo que Ana
Rosa Gomes Cabello apontou: preocupar-se em tornar o texto radiofônico mais
compreensível, mesmo que, para isso, fosse necessário musicalizá-lo. Nesse sentido, havia, na
tentativa de uma melhor compreensão do texto radiofônico, uma certa subjetividade na fala
dos comunicadores-locutores, que aproximava os produtores desse texto radiofônico dos seus
leitores-ouvintes, como observou Carlos Eduardo Esch:

Estabelece-se, em muitos casos, uma verdadeira interação entre o


comunicador e o ouvinte com desdobramentos importantes. Ao construir,
por intermédio do rádio, uma relação tão próxima com os indivíduos o
comunicador tende a ser incorporado como elemento do cotidiano do seu
público. O trabalho que realiza sofre influências, recebe diferentes
interpretações, gera significados variados e pode interferir de maneiras
distintas no dia-a-dia dos seus ouvintes e dos demais atores sociais. Tudo
conduzido em um clima de amizade e companheirismo que marca a atuação
dos chamados "comunicadores" - profissionais que têm no seu estilo próprio
de comunicação com o ouvinte a marca "companheiros de todas as horas".420

419
Idem, p.17.
420
ESCH, Carlos Eduardo. Do microfone ao Plenário: o comunicador radiofônico e seu sucesso eleitoral. in.:
DEL BIANCO, Nélia R. e MOREIRA, Sônia Vírginia (org.). Rádio no Brasil: tendências e perspectivas. Rio de
Janeiro, São Paulo: EDURJ, UNB. 1999. p.71.
165

Talvez, em decorrência dessa impressão de companheirismo causada pelo rádio, é


que os entrevistados se lembrem sempre dele como instrumento principal de informação
naquele momento. E foi também essa característica de proporcionar uma idéia de “amizade”
entre quem ouve e quem comunica, que vai fazer do rádio o elemento privilegiado dos
discursos políticos e das notícias sobre política, é nesse sentido que o comunismo vai ser
inserido como elemento constituidor da formação política dos piauienses, na década de 1960.
O rádio foi o grande propagador do discurso anticomunista, muitas vezes, utilizado como
forma de desqualificar a campanha do adversário, ou até mesmo como forma de se promover,
uma vez que os grandes anticomunistas tinham espaços cativos nas rádios locais.
Percebendo essa característica de proximidade que o rádio provocava, os políticos
utilizavam muitas vezes os espaços radiofônicos para promoverem uma aproximação com
seus eleitores, como fizeram Getúlio Vargas, nas décadas de 1930 e 1940,421 e o ex-
governador do Estado do Piauí, Chagas Rodrigues, na década de 1960. Essa relação entre a
política partidária e os meios de comunicação já foi analisada com relação aos jornais,422 e
com o rádio não foi diferente. No entanto, através do rádio, a propaganda e defesa das idéias
dos partidos teve seu apogeu na década de 1960 no Piauí, provocado, principalmente, pela
figura do então governador Francisco das Chagas Caldas Rodrigues (1959-1962).423 Na
relação entre rádio e política, no período analisado, havia a certeza de dois caminhos a serem
seguidos no Piauí, ou os políticos se utilizavam do rádio como suporte de propagação de suas
idéias e dos seus partidos, ou o locutor-jornalista utilizava da popularidade trazida pelo rádio
para se candidatar e se colocar na vida pública.424 No entanto, essa nossa análise foi, em certo
sentido, contestada pela memória do ex-diretor da rádio Pioneira, Jesus Tajra.425 como ele
próprio afirma, em relação à condução dos aspectos políticos no rádio:

421
"Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que controlava de maneira férrea, com
censuras prévias e posterior, todo sistema de comunicação do país. Ele encampou emissoras de rádio e lançou no
ar Voz do Brasil, programa veiculado diariamente há mais de 60 anos, e que é porta-voz oficial do governo
federal; [...]. Simultaneamente, o DIP de Vargas passou a editar a revista Cultura Política, que exprimia o
pensamento do regime e divulgava o projeto político-ideológico do Estado Novo". COSTA, Osmani Ferreira da.
Rádio e Política: a aventura eleitoral dos radialistas no século XX. Londrina: Eduel, 2005. p.56
422
Para compreender essa relação entre a impressa escrita e a política ver: RÊGO, Ana Regina. Imprensa
Piauiense: atuação política no século XIX. Teresina, 2000.
423
Segundo Antônio José Medeiros, “Chagas Rodrigues definiu um estilo de governo antes desconhecido no
Piauí, com mobilização popular e forte utilização da mídia. Apoiou a instalação da Rádio Clube e ali mantinha o
programa semanal “Falando com o Povo”; recebia sindicatos e associações no palácio do governo, instituiu
audiências populares aos sábados [...]; recebia a imprensa semanalmente e concedia longas entrevistas coletivas
transmitidas ao vivo pelo rádio, quando retornava de viagens mais demoradas [...]”. MEDEIROS, Antonio José
Castelo Branco. Movimentos Sociais e participação política. Teresina (PI), CEPAC, 1996. p.69.
424
Sobre a relação entre o rádio e a política no Piauí ver o capítulo: A RDT no jogo político partidário do Piauí
(1948-1962). In.: LIMA, Nilsângela Cardoso. Invisíveis asas das ondas ZYQ-3: sociabilidade, cultura e cotidiano
em Teresina (1948-1962). Dissertação de Mestrado. Teresina, UFPI, 2007.
425
Político piauiense, já assumiu vários cargos no poder executivo, é atualmente dono de uma das maiores
emissoras de televisão do Piauí.
166

[...] eu quero só lhe dizer que apesar de ser um político nunca usei a rádio
Pioneira, como não uso a minha televisão, você é testemunha disso, e vê que
lá não existe parcialidade a meu favor. Eu fui candidato várias vezes e nunca
houve restrição a nenhum concorrente meu em nada, lá todo mundo sempre
tem a oportunidade de falar e dizer, como continua até hoje a nossa televisão
tem a sua respeitabilidade no meio em que nós vivemos. E assim era na
Rádio Pioneira sempre mantive uma linha de imparcialidade porque era a
forma de você ser acreditado [...].426

Mas, segundo Nilsângela Cardoso Lima, essa “imparcialidade” pode ser refletida
de uma outra forma, pois do ponto de vista político, cada rádio nascia ligada a uma sigla
partidária, mesmo que, em suas propostas iniciais, primassem a imparcialidade. Sobre a
relação entre a política partidária e a primeira rádio de Teresina, a Rádio Difusora de
Teresina, a autora reflete:

No campo político a Rádio Difusora possuía características governistas, na


medida em que defendia os interesses do Partido Social Democrático [PSD].
Para José Eduardo Pereira [diretor da rádio], não se tratava da rádio ser
essencialmente governista, mas, que, naquela época, o PSD foi o Partido que
soube melhor usufruir de suas vantagens, pois, o "Grande Jornal Q-3" abria
espaço para os prefeitos das cidades piauienses mandarem notícias e
informações sobre os municípios, assim como abria espaço para os partidos
políticos fazerem comentários. Porém, eram poucos os políticos que tinham
essa mentalidade de usar este veículo de comunicação como suporte político.
Na época, o PSD soube utillizar muito bem a Rádio Difusora divulgando as
ações e obras do Governo do Estado.427

Se os espaços nas rádios locais eram tão imparciais, como disse o diretor da
Rádio Difusora de Teresina, José Eduardo Pereira, no trecho citado por Nilsângela Cardoso,
por que então o governador Chagas Rodrigues fez parte de um empreendimento que resultou
na instalação da Rádio Clube de Teresina, para ter um programa semanal, em que poderia
falar sobre as realizações de seu governo? Por que investir em um empreendimento tão caro,
como uma rádio, naquele período, se o governador poderia utilizar da imparcialidade dos
microfones da Rádio Difusora de Teresina? Ao contrário dessa imparcialidade, percebemos
que o rádio era um meio de propaganda político-partidário, que muitas vezes incomodava os
concorrentes, como sugere a reportagem: “À noite de anteontem, à hora em que deveria ocupar o
microfone da Rádio Clube de Teresina, o governador Chagas Rodrigues, em sua palestra semanal com
o povo piauiense, os fios da linha de som dos transmissores foram cortados por mãos criminosas, na
altura da ponte do Rio Poti”.428
Foi nesse ambiente de contradições e de disputas político-ideológicas que muitos
utilizavam os microfones das rádios para se oporem ao comunismo, principalmente depois do

426
TAJRA, Jesus Elias. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
427
LIMA, Nilsângela Cardoso. A rádio Difusora e a sociedade teresinense. Cadernos de Teresina. Ano XIV,
n.34, novembro, 2002, p. 41.
167

golpe civil-militar de 1964. Notícias vindas de outros Estados davam conta da situação dos
países comunistas, políticos tinham espaços cativos opinando sobre comunismo e,
principalmente, as notícias das ações anticomunistas eram veiculadas nos jornais
radiofônicos, como no episódio da prisão do estudante Antônio José Medeiros, acusado de ser
comunista, no qual foi necessária a intervenção do Arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela
para que a notícia veiculada no rádio tivesse uma “versão mais equilibrada da coisa.....”,429
assim como da prisão do professor da Faculdade de Filosofia, Diogo José Ayremorais,
momento em que alguns militares ocuparam os microfones das rádios da cidade de Teresina,
para afirmar a insubordinação dos padres contra a prisão do professor.430
Não podemos deixar de ressaltar que esse momento da história do Brasil foi muito
difícil em decorrência da censura aos meios de comunicação e que, de certa forma,
modelaram a maneira de se fazer o rádio a partir de 1964. Como aponta Joel Silva431 “o rádio
na década de 60, 70, funcionava como um impositor, ele tinha sua imposição e o público se
limitava a ouvir”.432 Isso ocorria devido ao controle do que era colocado no ar, a fiscalização
do regime militar não poderia admitir falas inesperadas dos ouvintes, nesse sentido, só a
linguagem fiscalizada e censurada poderia ser transmitida, especialmente logo após o AI-5.
O propósito desse tópico é verificar a existência dos discursos anticomunistas no
rádio, para que possamos entender a sua apropriação. No entanto, para alcançar tais objetivos,
foi necessário também a utilização dos jornais, no sentido de investigar quais foram esses
discursos anticomunistas divulgados pelas emissoras. A escuta desse material nos dias atuais
é inviável, pois as emissoras de rádios não tinham preocupação com as fitas nos quais eram
gravados os programas que iam ao ar. Sabemos que a análise pode ser prejudicada em virtude
da falta do material de áudio, pois durante todo este tópico tentamos demonstrar como a
linguagem radiofônica é diferente da linguagem dos jornais impressos, pela sua criatividade,
espontaneidade e acessibilidade. Uma vez que este texto radiofônico foi apropriado pelo
jornal, sabemos que existem mudanças consideráveis e substanciais. No entanto, não tivemos
outra maneira de ter acesso a esse material.
Sobre a incidência desses discursos radiofônicos, conseguimos visualizar que

428
SABOTAGEM contra a rádio Clube de Teresina. Folha da Manhã. Teresina, 30 set 1960, n.814, p.01.
429
MEDEIROS, Antônio José. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho. Teresina, 1997.
Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos de uma
memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006.
229p. Dissertação de Mestrado.
430
SOARES, Pe. Raimundo José Ayremorais. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho.
Teresina, 1998. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e Repressão: fragmentos
de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o regime militar em Teresina: UFPI.
Teresina, 2006. 229p. Dissertação de Mestrado.
431
Radialista da Rádio pioneira desde 1969, ainda hoje tem um programa diário de grande audiência nessa
emissora: Painel da cidade.
168

estes espaços no rádio eram dados a grandes personalidades do Estado do Piauí, e até mesmo
do Brasil. Principalmente, depois do golpe de 1964, os microfones eram abertos às lideranças
políticas da sociedade piauiense, para se colocarem diante dos fatos, mas, sobretudo,
posicionarem-se contra o comunismo. Segundo o jornal O Dia “Quase diariamente figuras
expressivas da intelectualidade piauiense estão realizando palestras de esclarecimento sobre o
papel das Forças Armadas e o perigo que correu o país”.433 Ainda, segundo o jornal, as três
grandes emissoras de rádio do Piauí: Difusora, Clube e Pioneira, transmitiam em cadeia essas
palestras, mais precisamente nos horários destinados aos “principais informativos”.434
Vejamos um trecho de um discurso que tinha essa finalidade:

Dr. Valdemar de Ramos Leal, procurador da República no Piauí, foi


entrevistado, sábado último, pela Rádio Difusora de Teresina, pelo grande
jornal Q/3, sobre os últimos acontecimentos.
Eis como o ilustre homem público respondeu as perguntas do repórter:
COMO VÊ OS FATOS
Indagado, inicialmente, como via os fatos, que se desenrolaram no país,
declarou:
Vejo esses fatos como quem acorda de um terrível e asfixiante pesadelo para
uma situação de alívio e de sossego. Realmente vinha o país inteiro em
verdadeiro suspense, todo mundo anoitecendo hoje na incerteza de como
amanheceria no dia seguinte, situação absolutamente inconveniente e mesmo
desastrosa para quem tem e preza a sua responsabilidade, que somente
poderia interessar e convir à súcia de irresponsáveis que, num momento de
desgraça nacional, abocanharam o poder em circunstâncias meramente
acidentais.
A CONSTITUIÇÃO FOI DESREPEITADA
A pergunta sobre se a constituição fora ou não respeitada no recente
episódio, disse o Sr. Valdemar Leal:
Foi respeitada, sim. E talvez esteja sendo respeitada demais. Pois embora
não preconizando para os comunistas o mesmo tratamento que – no caso de
um resultado diverso de movimento de salvação nacional, levado a efeito
pelas nossas gloriosas Forças Armadas – eles certamente nos dariam, a todos
nós que combatemos o comunismo apátrida, essa causa de maus brasileiros
que querem nossa escravização à Rússia, é certo que pelo menos aqui no
Piauí, a ação contra tais elementos tem sido tão branda que praticamente não
se sente que esteja ela sendo adotada ou em curso. Desrespeitar a
constituição era, ao contrário o que queriam os comunistas, procurando-se
aproveitar do espírito liberal do povo brasileiro e da própria liberdade do
nosso regime para destruí-lo, destruindo em primeiro lugar e rasgando a
nossa constituição. Assim a ação do nosso Exército foi de salvar e salvou a
nossa constituição. Aliás, salvou também a nossa bandeira nacional, pois os
comunistas já tinham uma nova e diferente para substituir a nossa bandeira,
metendo-lhes faixos vermelhos e certamente A FOICE E O MARTELO, e
retirando-lhe a ORDEM E O PROGRESSO, sem dúvida para colocar um
dístico soviético ou sovietizante.
O PAPEL DAS FORÇAS ARMADAS
Interpelado sobre o papel das Forças Armadas, respondeu o procurador da
432
SILVA, Joel. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2002.
433
CERTO e ErRádio – pela equipe de O Dia. O Dia. Teresina, 15 abr. 1964, n.1.217, p.02.
434
Idem.
169

República no Piauí:
[...] Julgo também que aquela atitude veio restabelecer a paz, a tranqüilidade
e o sossego tão necessários ao desenvolvimento do Brasil. Hoje já podem os
brasileiros viver despreocupados, certos de que têm garantia para os direitos
que a constituição lhes assegura. Certos de que podem trabalhar confiando
no fruto do seu trabalho, certos que já não precisam temer o assalto e o
saque a sua propriedade privada, até então estimulado e fomentado,
principalmente por muitos que tinham o dever e precisavam ter a
hombridade de lhe dispensar o amparo e de defendê-la. 435

O discurso do procurador da República é importante para entendermos como os


microfones eram abertos, em horário nobre, para a propagação dos discursos anticomunistas.
Como já havíamos afirmado anteriormente, o Procurador Valdemar Leal fala a um noticiário
bastante expressivo e esperado pela população, o Grande Jornal Q-3, que tinha a sua
veiculação em todo o Estado. No entanto, essa publicação no jornal pode ser muito bem
entendida como uma legítima apropriação desse discurso, podemos enunciar alguns fatores:
primeiramente é a apropriação do oral e a transformação dessa oralidade em escrita, que, de
certo modo, modifica substancialmente a forma de se ler a notícia; em segundo, a edição feita
pelo jornal compactando em um espaço reduzido a informação, tanto com relação às linhas,
como às páginas do jornal, que difere muito da forma oral que tem uma expressividade mais
livre; em terceiro lugar a própria intervenção feita pelo jornalista no texto falado pelo
procurador; e por fim a adaptação da linguagem oral para um linguagem mais formal, com
mais regras e com a possibilidade de ser relido. Isso demonstra a multiplicidade de aspectos
que compõem uma apropriação.
Já com relação ao discurso proferido pelo Procurador, no rádio, apontamos
algumas características. Primeiramente a tentativa de utilizar um discurso simples, fugindo da
linguagem jurídica, por causa da característica abrangente do rádio, pois este era consumido
por vários segmentos sociais.
Um segundo aspecto parte do próprio discurso do Procurador. A sensação de
insegurança que pesava sobre o Dr. Valdemar Leal, estava permeada pelo medo de uma
mudança súbita da ordem e de toda a estrutura, já definida e configurada. A insegurança
pressupunha um rompimento, acabando com todos os laços sólidos de sustentação do regime
anterior, inclusive de sua própria posição de Procurador. A fala radiofônica aponta para uma
possibilidade do vir a ser da sociedade brasileira, caso houvesse uma revolução comunista,
nesse sentido a necessidade da ida até o rádio para conseguir um maior apoio popular, uma
vez que o rádio era uma maneira mais democrática e abrangente de propagação.
A sustentabilidade do regime, para o Procurador, deveria ser feita, inclusive, às

435
PROCURADOR da República fala sobre os últimos acontecimentos. O Dia. Teresina, 08 abr. 1964, n. 1.211,
p. 01.
170

custas da Constituição. Percebemos esse aspecto quando ele foi questionado se a constituição
foi respeitada durante a execução do golpe, no que o Procurador respondeu que “foi
respeitada, sim; E talvez esteja sendo respeitada demais”. Para o referido Procurador, a
situação não tinha fugido da legalidade, porém isso poderia acontecer, se fosse para preservar
a Constituição. No discurso do Procurador, a ameaça de violação a Constituição da República
justificaria atos no sentido de mantê-la.
O discurso justificador da paz e da tranqüilidade respalda-se por uma manutenção
da ordem, mas também como desmonte das organizações populares. A preservação do lugar
social era fonte de tranqüilidade para a maior parte dos que construíram discursos contra o
comunismo, e deveria ser também para aqueles que consumiam esses discursos. Eis que a
ruptura com a ordem estabelecida se configurava como perda do lugar social do enunciador
do discurso, no caso, a perda do cargo de Procurador da República.
Sobre essa mesma perspectiva, podemos analisar um outro discurso do então
presidente da Associação Comercial Piauiense, Sr. Jesus Elias Tajra, em uma palestra que fez
na cadeia de emissoras de rádio no Piauí. A palestra tinha como tema “O comunismo e sua
atuação no Brasil”:

Faço questão de ressaltar que esta minha posição anticomunista implicava a


luta pelo aperfeiçoamento da Democracia, visando estruturá-la entre nós
com base na verdade, na justiça, no amor e na liberdade, de que, aliás, já nos
falou o papa João XXIII na sua encíclica PAZ NA TERRA. [...]Procurei
alertar a opinião pública, fazendo coro a outras vozes esparsas, para o perigo,
cada vez mais intenso, do comunismo no Brasil. Mas a intensidade da
propaganda comunista, disfarçada em bandeira de reivindicações populares e
nacionalistas, neutralizava qualquer esforço no sentido de mobilizar e
sensibilizar essa opinião pública, e especialmente os democratas, contra
aquela perigosa ação, subordinada a interesses da união soviética que
pretendia colonizar o Brasil, através das quintas colunas nacionais, os
vendilhões da pátria.436

Essas palavras só reforçam a idéia do discurso anterior. O anticomunismo


precisava ser veiculado através do rádio. Era preciso que a população soubesse do “perigo
comunista”, e essa idéia fica mais evidente no discurso do Sr. Jesus Elias Tajra, por conta da
sua tentativa de alertar a opinião pública do “perigo, cada vez mais intenso, do comunismo,
no Brasil”. Outros elementos podem ser apontados sobre o último discurso radiofônico, como,
por exemplo, a idéia do discurso associado a ação. Quando se tenta alertar sobre o “perigo do
comunismo”, os anticomunistas esperavam no mínimo uma reação de apoio aos seus ideais.
Foi isso que tentou fazer o Sr. Jesus Elias Tajra. E qual outro meio de comunicação, naquele

436
TAJRA, Jesus Elias. O comunismo e sua atuação no Brasil. Jornal O Dia. Teresina, 11 abr. 1964, n. 1214, p.
01.
171

momento, no Estado do Piauí, poderia mobilizar tão rapidamente a opinião pública como o
rádio? Com certeza, no Piauí da década de 1960, nenhum outro meio de comunicação.
E todos os que precisavam expor a sua posição diante de alguns fatos,
principalmente se fosse algo relacionado ao comunismo, recorriam às rádios. Foi o que fez
também, o Arcebispo Metropolitano de Teresina, quando acusado de compactuar com as
chamadas Ligas Camponesas no Estado. Dom Avelar pregava a melhoria das condições de
vida do homem do campo, e não queria que o movimento organizado pela Igreja, os
sindicatos rurais, fossem confundidos com outro tipo de movimento de postura ideológica
duvidosa e para que a sua posição se propagasse no seio piauiense:

D. Avelar Brandão Vilela, falou na noite de sexta-feira última, para trazer a


palavra aos rádio-ouvintes, nesta hora de gravidade porque vimos passando.
D. Avelar com a facilidade de expressão que lhe é peculiar, definiu o papel
dos prelados brasileiros, em face dos problemas nacionais, que atormentam
as classes, notadamente as menos favorecidas da sorte, as que habitam o
interior.
Explicou-nos que a reforma agrária [...] é um regime urgente, a fim de se
poder estabelecer um “modus vivendi” do sertanejo que estão a braços com
dificuldades mil [...].
No final de sua palestra pelo microfone da Difusora de Teresina, S. Excia.
Foi interpelado a respeito da fundação das chamadas “Ligas
Nacionalistas”437 do Piauí, cujo objetivo, está provado, é subverter a ordem
[...]. D. Avelar deu a todas as perguntas as respostas merecidas, isto é,
condenando a atitude dos que desejam implantar no Brasil o regime de força
[....].
Lamentamos não ser possível, da melhor maneira, o comentário que exige da
nossa parte a palavra fulgurante, sincera e autorizada de S. Excia. o sr. Dom
Avelar Brandão Vilela, pronunciada, sexta-feira, no microfone da Difusora
de Teresina. Em todo caso, julgamos que não fomos além da verdade que os
fatos nos conduziram à presença de uma autoridade de incontestável valor
moral e intelectual.438

Esse trecho é fundamental para se entender uma apropriação de um discurso


transmitido através do rádio. Dom Avelar falou aos microfones da rádio Difusora de Teresina
sobre as posições da Igreja Católica diante dos acontecimentos relacionados à questão agrária.
Para o prelado, fazia-se necessário separar o que eram ações da Igreja e ações dos
movimentos rurais liderados por outros grupos. O jornalista que se apropriou do texto
radiofônico de Dom Avelar Brandão Vilela faz a sua própria interpretação do texto
lido/ouvido e segundo ele, o Arcebispo tinha dado as respostas merecidas, ou seja, todas
contrárias à implantação de regimes de força, ou melhor, diga-se da implantação do
comunismo. E no fim, o jornalista acrescenta que procurou ser fiel às respostas do prelado, e
que suas palavras não foram além da verdade.

437
Nome dado às Ligas Camponesas no Estado.
438
A PALAVRA da Igreja. Folha da Manhã. Teresina, 27 mar. 1962, n.1.213, p.02.
172

Dessa forma, apontamos para a divulgação desses discursos no rádio e para a


importância que o rádio tinha, naquele momento no Piauí, por estar em sua “era de ouro”.
Também refletimos sobre muito do que era dito nas emissoras, o que, de certa forma, pode ser
analisado como uma relação permanente entre meios de comunicação e política partidária.

3.2 Manchete de hoje: os jornais impressos e o anticomunismo

A tática de acusar de comunista os adversários foi


largamente usada durante a campanha, não só através do
rádio, como também por meio dos jornais.
Jesualdo Cavalcanti Barros – O que vi e vivi nos idos de
64

De todos os meios de propagação do anticomunismo no Piauí, os jornais locais


foram os veículos que mais se destacaram na nossa pesquisa nas construções discursivas
anticomunistas. Foi a leitura desses jornais que nos inspirou, a idéia de trabalhar com o
anticomunismo no Estado do Piauí.439
As notícias sobre os partidos comunistas e socialistas nos jornais piauienses datam
do século XIX. Visualizamos algumas reportagens, no jornal O Semanário, que destacavam a
atuação dos partidos socialistas na Europa como regicidas.440 Na década de 1960, circularam
pelo Piauí pelo menos seis jornais: O Dominical, O Dia, Estado do Piauí, Jornal do Piauí,
Folha da Manhã (até 1964) e Jornal do Comércio. Todos, sem exceção, publicavam matérias
de conteúdo anticomunista, é verdade que alguns eram mais enfáticos, mas de forma geral,
todos faziam oposição aos ideais comunistas. Uma das explicações possíveis era o fato de que
os mesmos jornalistas escreviam para vários jornais no período em questão. Um bom exemplo
é o do professor Simplício de Sousa Mendes, durante nossa pesquisa encontramos colunas
desse intelectual em dois jornais: O Dia e Folha da Manhã. Não podemos deixar de ressaltar
que ele teve outra coluna no jornal católico O Dominical, intitulada Antena, na década de
1950. Na década de 1960, escreveu para jornal piauiense Folha do Nordeste, noticioso no
qual não pesquisamos, por causa do péssimo estado de conservação em que se encontravam
os poucos exemplares no Arquivo Público do Estado do Piauí.
De forma geral, o jornal escrito era um dos responsáveis pela articulação dos

439
Ainda na graduação e pesquisando sobre a cidade de Teresina e as políticas públicas de modernização da
capital piauiense, tivemos contanto com os jornais piauienses da década de 1960, o que chamou a nossa atenção
foi o grande número de reportagens sobre o medo do comunismo e a ameaça comunista no Estado do Piauí.
440
OS SOCIALISTAS. Semanário. Teresina, 15 mar. 1879, n.108, p.02-03.
173

piauienses com o restante do mundo. Nesses jornais, existiam um número expressivo de


reportagens que eram transcritas dos grandes jornais e revistas de veiculação nacional, dentre
esses, podemos citar: a revista Ação Democrata, O Globo, Diário Carioca, Agência Planalto,
O Estado de São Paulo e Osservatore Romano. Muitas vezes, o jornalista lia matérias
anticomunistas nesses jornais e as repassava ao seu leitor o consumo daquele artigo ou
reportagem, como segue o trecho:

Agora mesmo vemos nas austeras do Estado de São Paulo, de 18/02, 60, sob
a legenda - O comunismo em ação – que há cerca de 400 oficiais do exército,
- simpatizantes e adeptos do totalitarismo moscovita. [....]
E acrescenta o Estado de São Paulo, espécie de Time do Brasil, que houve
da parte desses comunistas uma conspiração ou maquinação qualquer, no
sentido de impedir a nomeação ou mesmo a posse do ex-combatente do 1º
exército, no Ministério [...]. [grifos do autor]441

Mas não eram apenas os jornais do sul do país que tinham a sua ressonância nos
noticiosos locais, jornais do Nordeste também possuíam seus espaços na luta contra o
comunismo: “Agora, nós vemos no Correio do Ceará, de Fortaleza, que o Sr. Arcebispo de
Olinda teme revolução comunista em Pernambuco”.442
A escolha das reportagens a serem transcritas nesses jornais, possivelmente, eram
selecionadas pelos editores dos noticiosos, com base, evidentemente, na linha editoral. Nesse
sentido, todos os jornais pesquisados, eram, comprovadamente, adeptos de transcrições
nacionais anticomunistas. Mas algo deve ser questionado: por que davam prioridade a
transcrições anticomunistas de aspectos políticos?
Os jornais piauienses sempre tiveram nítidas ligações políticas partidárias, cada
jornal era influenciado por um grupo político, como exemplo, podemos citar: o Folha da
Manhã, que era do deputado Joaquim Parente, pertencente à UDN; O Dia, que até 1963,
pertencia aos Senhor Leão Monteiro, simpatizante dos partidários do PTB. Em agosto de
1963 o jornal O Dia foi comprado pelo Coronel Otávio Miranda, que foi um dos apoiadores
do golpe civil-militar de 1964 e que no final da década de 1960 era partidário da ARENA.
Sem qualquer constrangimento, os jornais eram arrendados pelos donos aos partidos políticos,
em véspera de campanha eleitoral, como ocorreu no ano de 1962 com o jornal O Dia: “Na
próxima quarta-feira estará terminado o contrato de arrendamento de 'O Dia', que voltará à
direção de seu proprietário Leão Monteiro”.443
Foi por questões políticas que o jornal Folha da Manhã, ligado politicamente à
UDN, no ano das eleições governamentais de 1962, transcreveu reportagem do jornal O

441
MENDES, Simplício de Sousa. Pseudonacionalismo. Folha da Manhã. Teresina, 10 de mar. 1960, n.663,
p.04.
442
MENDES, Simplício de Sousa. Ligas Camponesas. Folha da Manhã. Teresina, 17 de ago. 1960, n. 782, p.04.
174

Globo, mostrando a participação do governador Francisco das Chagas Caldas Rodrigues em


um comício a favor da UNE, contra um atentado que teria sofrido aquela instituição pelo
MAC – Movimento Anticomunista. O jornal noticiava da seguinte forma: “Confirmado:
Chagas é comunista!”. E o restante da matéria era a transcrição do jornal O Globo, que não
chamava Chagas Rodrigues de comunista, mas transcrevia a sua participação no comício e o
seu discurso contra o MAC e de solidariedade a UNE.444 Em resposta a essa transcrição e
apropriação do jornal O Globo pelo noticioso local, os estudantes piauienses escreveram carta
ao jornal Folha da Manhã, que, apesar de não ter sido transcrita teve a seguinte resposta:

Anima-nos a convicção de que a honrada e digna classe de universitários e


demais estudantes piauienses não pensam da forma com que se expressam
esses pseudo-representantes. Temos plena certeza de que a mocidade
estudiosa do Piauí, com firmeza de caráter que possui, seria como será
incapaz de tomar parte em movimentos subversivos e comunistas, de vez
que essa mocidade é sabedora de que nos seus ombros estão a pesar as mais
sérias responsabilidades no que diz respeito ao futuro da pátria. Estranhamos
que o Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia do Piauí assim se
manifeste em defesa de Julião & caterva. [...]. Não temos dúvida. Ontem foi
“O Globo” quem disse. Hoje dizemos nós: Chagas é comunista. Está claro e
evidente. E quem com os porcos se mistura, farelo come.445

De modo geral, as matérias anticomunistas ganhavam a reportagem de capa dos


noticiosos piauienses, sinal de que o comunismo era mesmo uma preocupação do público
leitor. Os textos que eram escritos sobre o comunismo, de forma geral, não davam conta da
complexidade da esquerda brasileira na década de 1960, segundo o olhar daqueles que
escreviam contra o comunismo: todos eram comunistas e ponto final! Sem explicações sobre
as dissidências, fragmentações ou várias linhas de ações políticas dos comunistas no Brasil.
Não existia uma vontade, por partes dos formuladores das representações anticomunistas em
interpretar a situação da esquerda nacional, mas, simplesmente, havia uma necessidade de
desqualificar o comunismo e todos os que comungassem daquele regime.
Deste modo, a linguagem utilizada era menos complexa do que a utilizada em
livros, mais elaborada do que a pronunciada no rádio. O jornal dava ao seu colaborador um
espaço fixo e limita o número de frases, dessa forma, o jornalista além da preocupação em ser
claro, tinha que se preocupar com o espaço que lhe era oferecido. É nesse sentido, que
entendemos que, muitas vezes, apesar da complexidade que era falar do comunismo, muitas
das representações mais fortes e caricaturais sobre o comunismo foram criadas para suprir
essa falta de espaço e passar ao leitor uma mensagem rápida e eficiente. Era mais seguro fazer

443
CONTRATO Terminado. O Dia. Teresina, 28 out. 1962, n. 1.042, p.01.
444
CONFIRMADO: Chagas é comunista! Folha da Manhã. Teresina, 11 jan. 1962, n.1158, p.01.
445
REPETIMOS: Chagas é comunista. Folha da Manhã. Teresina, 13 jan. 1962, n.1.160, p.06.
175

dessa forma, do que explicar cientificamente as conseqüências da implantação de um regime


comunista. A mesma interpretação teve Carla Simone Rodeghero sobre o anticomunismo nos
jornais gaúchos, segundo essa autora, a estratégia e a linguagem utilizada pelos jornais
“visavam atrair a atenção dos leitores e convencê-los de certas idéias”. Para isso, utilizavam
outras formas de linguagem, como: “quadrinhos, piadas, charges e poesias; a criação de
colunas especiais de acordo com a situação, apresentação de mensagens curtas [...] e os textos
que descreviam a vida nos países comunistas”.446 Como podemos observar, no decorrer da
exposição das representações e práticas anticomunistas piauienses, a reflexão de Carla
Simone Rodeghero está muito próxima da estratégia utilizada pelos jornais do Piauí. Alguns
anticomunistas piauienses até tentaram tratar o comunismo de uma certa forma mais científica
no espaço jornalístico, principalmente porque muitos dos que eram colaboradores dos jornais
locais tinham outras atividades intelectuais, inclusive o magistério. Essa foi uma das missões
assumidas pelo professor e presidente da Academia Piauiense de Letras Simplício de Sousa
Mendes. Em determinados artigos o professor tentava passar ao público a sua análise
acadêmica do comunismo, em alguns textos chegou a fazer “resenhas” de livros
anticomunistas para o grande público leitor, como segue:

Por estes dias haveremos de comentar a doutrina comunista de direito e de


Estado, bem esclarecidos que estamos a respeito, - com a leitura que temos
em mão da obra, sobre o assunto do notável jurista – filósofo vienense –
Hans Kelsen – ultimamente editada em tradução castelhana.
Com todo o fundamento, - o grande e afamado professor da chamada Escola
de Viena demonstra que o comunismo é apenas uma política, à margem do
direito destinada a subverter e conquistar o mundo.447 [grifos do autor]

Essa foi a única parte da obra comentada, de forma direta e rápida, o autor
resumiu a obra do jurista vienense. No restante do artigo, o professor continuou a dar a sua
opinião sobre os países comunistas e a opressão que sofriam os povos a ele submetido.
A tentativa de chamar a atenção para os escritos anticomunistas nos jornais
piauienses se deu muito pela forma como eram noticiados. De maneira geral, as reportagens
anticomunistas eram sempre matérias de capa, ou eram estampadas em letras garrafais. Na
grande maioria das vezes, no jornal O Dia, as manchetes sobre o comunismo eram impressas
de cor vermelha, forma mais expressiva de demonstrar a importância da matéria e associá-la à
cor comunista.
Os jornais foram fontes importantes para compreensão de como os indivíduos se
apropriavam das reportagens sobre o comunismo, muitas vezes, os jornalistas comentavam

446
RODEGHERO, Carla Simone. O Diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio
Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediufp, 1998. 1998, p.34-35.
176

sobre as cartas que recebiam contendo as dúvidas e críticas dos leitores. Nessa perspectiva, os
jornais nos ajudaram a ver muitos dos comentários que eram feitos sobre os livros
anticomunistas que circularam no Piauí daquele momento. E é sobre esses livros que
trataremos agora.

3.3 Os livros vermelhos: a apropriação do anticomunismo nos livros que circularam no Piauí
na década de 1960.

Dentre os divulgadores dos discursos anticomunistas no Piauí, o meio de


propagação que teve uma menor repercussão nas memórias dos entrevistados foram os livros.
Livros ainda eram escassos para a grande maioria dos piauienses, e podemos apontar alguns
fatores que contribuíam para que isso ocorresse: primeiramente, os preços elevados.
Encontramos várias reportagens que dão conta da impossibilidade de que os piauienses
pudessem comprar livros, porque os preços eram incompatíveis com a renda da grande
maioria da população, como narra o trecho a seguir:

Saíamos da nossa faculdade e um professor amigo barrou-nos, por um


instante, o caminho, com ânsia de prestarmos mais uma observação, qual
seja, o de encaminhar-nos aos bons livros, na satisfação de contribuir na
nossa formação cultural.
Ouvimo-los atentos e gratos, tomando nota do indicado. “Tenham pressa
porque é edição nova prestes a se esgotar”, recomendou.
Incontinenti dirigimo-nos à livraria citada pelo mestre. Encontramos o
indicado e o desejado, por todo aquêle que sente a necessidade de ler, de
estudar, de saber.
Perguntamos: Quantos, estes dois exemplares? Mil e setecentos cruzeiros,
obtemos a resposta. A nossa vontade de adquiri-lo pára. O nosso bolso se
acha vazio....
Regresso à casa com as mãos abanando, porém cheio de revolta a que se
elevam as coisas simples deste país.448

Por causa dos preços muito elevados, os livros, muitas vezes, dependiam de uma
situação financeira razoável para fazer parte das estantes dos piauienses. Outro comentário,
muito próximo ao feito pelo universitário a cima, foi feito por F. Marques, no Jornal do
Piauí:

Ontem em uma dessas casas que vendem revista de moda e bordados e


insossas “estórias” em quadrinho, “sentimentais” de amiga que furtou
447
MENDES, Simplício de Sousa. As ditaduras marxistas. Folha da Manhã. Teresina, 12 mar. 1960, n.665,
p.04.
448
SANTOS, Juracy. Sobre a Carestia dos Bons Livros. Folha da Manhã. Teresina, 04 abr. 1963, n. 1.479, p.05.
177

marido da amiga, [...] perguntei o preço de “Átila, o Flagelo de Deus”.


Espantei-me com a resposta, pois a brochura, a última da vitrine, custava
450,00. Minha surpresa foi por ser tão barato porque livros de autores
desconhecidos, sem nome firmado, que recebi há poucos dias do Rio de
Janeiro, acusaram por volume uma média de 920,00. Parece mesmo que
nesse país alguém tem interesse em que o povo não leia, que a massa não
beba dos conhecimentos [...].
Somos obrigados, pela especulação e pela displicência das autoridades a
ficar mesmo na leitura dos jornais, no sensacionalismo de vampiros. [grifos
do autor] 449

Se os livros de autores desconhecidos, como aponta o trecho acima, encontravam-


se em preços altos, o que aconteceria aos autores e livros que estavam na crista da onda? A
resposta nos é dada da seguinte forma:

LIVROS DE MÁRCIO ALVES POR PREÇOS EXTORSIVOS.


Aproveitando-se da onda, certa livraria da cidade está vendendo o livro do
deputado Márcio Alves a preços extorsivos. O volume “O Cristo do Povo” ,
por exemplo, lançado pela editora Sabiá, do Rio, vem sendo vendido a
quatorze mil cruzeiros velhos o exemplar (294 páginas), o que constitui
autêntica exploração contra o público leitor.450

Um outro aspecto que podemos ressaltar para a baixa aquisição dos livros pelos
piauienses, é o mercadológico. Para que investir em livraria em um Estado onde o índice de
analfabetos era muitíssimo elevado? Pensar dessa forma ajuda a entender porque os livros são
tão pouco mencionados nas entrevistas.
De que tratavam, então, esses livros e quem os lia? Podemos refletir sobre alguns
livros que eram lidos e interpretados nos jornais piauienses da década de 1960, para responder
a essa pergunta, mas, também, podemos fazer a nossa análise de alguns livros que circularam
no Piauí no período.
Os jornais davam indicações de livros que deveriam ser lidos pelos leitores, de
forma geral, esse livros tratavam sobre um dos temas mais em voga naquele momento: o
comunismo. Os colaboradores liam os livros, e depois recomendava ao público fazendo a sua
interpretação, como sugere o trecho:

Tenho em mãos um magnífico trabalho intitulado O QUE OS RUSSOS ME


DISSERAM PARA NÃO PUBLICAR. O autor é o dr. Elisworth Raymond,
professor de estudos russos da universidade de New York, e antigo
funcionário da embaixada americana em Moscou.
O dr. Raymond fala fluentemente o russo, fez uma viagem de mais de 10
mil quilômetros pelo território soviético, procurando conversar com o povo.
[...] explicava, ao fazer certas perguntas, que não pretendia publicar as
respostas dando o nome de quem havia respondido fosse de quem quer que
449
MARQUES, F. Livros e Vampiros. Jornal do Piauí Teresina,. 02 set. 1962, n.1.052, p.05.
450
A PROPAGANDA comunista do Coronel. Jornal do Piauí. Teresina, 25 dez. 1968, n.1.979, p.02.
178

fosse.
E baseado nas respostas que recebeu o dr. Raymond chegou a algumas
conclusões, entre as seguintes:
A maioria do povo russo é anti-soviético. Muitas vezes, no caso dos mais
jovens, êles se consideram comunistas porque jamais conheceram outro
regime. Mas nutrem verdadeiro ódio ao Estado. 451 [grifo do autor]

Alguns livros que possuíam um teor anticomunista foram largamente comentados


nos jornais locais, como exemplo, podemos citar o livro: “Reforma Agrária: uma questão de
consciência”, publicado e reeditado na década de 1960. O livro teve uma grande repercussão
tanto no Brasil como no Piauí. A sua escrita contou com a colaboração de grandes
anticomunistas: Dom Geraldo Proença Sigaud (Bispo de Diamantina, já mencionado nesse
trabalho), Dom Antônio de Castro Mayer e o fundador da TFP (Tradição, Família e
Propriedade) Plínio Corrêa de Oliveira.452 Mas esse não foi o único livro que teve sua
repercussão no período. Foi resenhado, no ano de 1961, no Jornal do Comércio o livro
Russian political Institutions, por José Camillo Filho. O jornalista dividiu a apresentação de
sua resenha em quatro momentos, que são compatíveis com os três capítulos e as
considerações finais do livro. Segundo o resenhista, foi necessário falar sobre este livro
porque poderia “[...] proporcionar aos estudantes universitários um bom conhecimento sobre
as instituições russas [...]”.453 Essa é uma boa indicação a quem essas resenhas e indicações de
livros eram feitas, em geral, a um público de nível educacional mais elevado, como os
universitários, público este proposto por Camillo Filho.
Acreditamos que a grande maioria desses livros que circularam no Piauí eram de
pessoas que possuíam uma formação acadêmica, pois os comentários e resenhas eram
destinados ao público universitário, sem contar que os comentários sobre os custos elevados
dos livros eram feitos por estudantes das faculdades piauienses.
Para uma melhor compreensão desse anticomunismo, que era divulgado a partir
dos livros, selecionamos alguns livros que circularam no período. Parte dos livros que
conseguirmos foi doado da biblioteca particular do professor da Universidade Federal do
Piauí, Pedro Vilarinho Castelo Branco. Esses livros pertenceram a seu pai, José Ferreira
Castelo Branco, jurista, professor e católico praticante, na década de 1960, membro da União
dos Moços Católicos e presidente dos Vicentinos no Piauí. Outros livros foram encontrados
na biblioteca do Pe. Raimundo José Ayremorais, antigo reitor da Faculdade de Filosofia do
Piauí, na década de 1960.

451
NOS bastidores do mundo. Fluído sem isqueiro. Folha da Manhã. Teresina, 06 out. 1960, p.02.
452
Reportagens sobre o grande sucesso do livro, ver: REPERCUSSÃO excepcional de um grande livro. Folha da
Manhã, 09 jul. 1963, n.1.550, p.05. REAPARECE nas livrarias o livro “Reforma Agrária: questão de
consciência”. Folha da Manhã. Teresina, 06 jul. 1961, n. 2.833, p.02.
179

Não duvidamos de que esses livros tenham circulado no Piauí e já apontamos


alguns aspectos que nos levam a crer que a aquisição desses livros era pequena. No entanto, é
importante avaliar que, apesar de menos aceitos, os livros foram importante para a formação
de um público anticomunista.
Alguns desses livros são bastante interessantes, no que diz respeito a seu
conteúdo, fugindo substancialmente da perspectiva anticomunista veiculada no jornal e rádio,
como o livro Kremlin ou Vaticano? a Rússia também tem profetas,454 que circulou no Piauí
durante a década de 1960. Este livro possui alguns elementos significativos para uma análise
do anticomunismo religioso naquele período. O exemplar do livro que conseguimos para a
análise está em ótimo estado de conservação e temos a impressão de que pouco foi lido, uma
vez que as páginas, mesmo amareladas pela ação do tempo, continuavam alinhadas. O livro
também não possuí qualquer nota escrita por qualquer leitor, nem mesmo dá a impressão de
que foi forçado entre as páginas, para uma leitura mais detalhada. No entanto, diferentemente
da maior parte dos livros anticomunistas do período a que tivemos acesso, este livro não foi
escrito por um clérigo ou membro de ordem religiosa, mas por um ex-ateu que havia se
convertido à fé católica.
O autor, João Henriques, era português, no entanto, residia no Brasil desde a
década de 1920, período em que escreveu seu livro. Segundo o autor, devido a problemas
financeiros, o livro só foi publicado no Brasil na década de 1960455.
Possuindo 191 páginas, 12 capítulos, duas imagens, uma página que, segundo o
autor, “não pertence ao livro” e um texto que o autor intitula confidencial, o livro Kremlin ou
Vaticano? é uma narrativa com dois personagens: Roderico, que a partir do segundo capítulo
narra todo o livro, e o autor/personagem que inicia a narrativa e depois desaparece. Com
linguagem erudita, o autor aponta para temas importantes do início do século relacionados à
ciências, em especial, a psicanálise e reflete ainda sobre o destino da humanidade.
Pensemos no livro por partes. Primeiramente, levantamos algumas características
relacionadas à capa do livro.

453
CAMILLO FILHO, José. Russian political Institutions. Folha da Manhã. Teresina, 19 fev. 1961, n. 1.778,
p.04.
454
HENRIQUES, João. Kremlin ou Vaticano? A Rússia também tem profetas. Rio de Janeiro. Editora Jornal das
Môças LTDA, 1967, 191 pág.
455
Ao que tudo indica, o livro foi escrito na década de 1920, sendo editado uma vez em data que o autor não
identifica no livro, mas aponta em uma página dedicada a uma crítica do jornal O Século de Lisboa datado de 24
de setembro de 1951. Sendo então reeditado no Brasil na década de 1960, data apresentada na página 06.
180

Fotografia 25. Capa do livro Kremlin ou Vaticano?

Podemos destacar as cores que foram utilizadas. A capa deste livro é ilustrada em
duas cores que se aproximam, no entanto, não se misturam, o vermelho, que simboliza o
comunismo e o amarelo que simboliza o Vaticano. Cada cor está colocada em um plano da
capa, a vermelha encontra-se em cima e a amarela embaixo. No entanto, o espaço que é
destinado ao vermelho é bem menor do que o espaço destinado à cor amarela. Percebemos
que a pequena aproximação que se dá entre as cores acontece na parte central da imagem de
onde aparenta cair do espaço vermelho um pequeno quadrado que se destaca, e que representa
a bandeira da U.R.S.S. Notamos que a cor amarela por baixo da bandeira da U.R.S.S aparece
como uma espécie de sombra, podendo, talvez, indicar a idéia de que o comunismo desloca-
se em direção ao mundo cristão e tenta se sobrepor à Igreja Católica, uma vez que o símbolo
da Igreja Católica, a bandeira do Vaticano, tem uma pequena parte coberta pelo símbolo do
comunismo.
Outros caracteres ainda compõem a capa: como o título e os símbolos que
representam o comunismo, a foice e o martelo, e a coroa papal e as chaves, que representam o
Estado do Vaticano.
O título do livro é uma pergunta: Kremlin ou Vaticano? Pergunta esta que impõe
ao indivíduo a opção por um dos dois lados, ou seja, você está do lado da Igreja Católica ou
do comunismo? Como já havíamos discutido, no início do segundo capítulo, é uma
característica marcante, daquele momento, os indivíduos definirem as suas posições, pois o
181

fato de não a definirem implicaria, na visão dos segmentos concorrentes, um alinhamento


com o outro grupo. Dessa forma, entendemos a intenção do título do livro como uma tentativa
de mostrar quais as possibilidades de escolha existentes desde a década de 1920, período em
que foi escrito o texto que daria origem ao livro, até aquele momento na década de 1960. No
entanto, o autor já aponta para o que seria uma opção seguida por muitos durante o século
XX, e que está inserida no subtítulo da obra: “A Rússia também tem profetas”. Essa frase
evidencia que, assim como a Igreja tinha os seus profetas que alertavam os indivíduos para
seguirem o caminho de Deus, a Rússia também teria seus profetas. Mas que caminho
apontariam os profetas russos?
Ainda sobre o título do livro, o próprio autor reflete que Kremlin ou Vaticano?
não era o título original. A primeira orelha da capa, que, na verdade, é uma outra capa, traz o
que seria a capa original. Segundo o autor, no espaço que ele chama de Confidencial antes de
iniciar o livro, a capa foi retirada, pois, quando foi publicada a sua primeira edição, em
Portugal, um crítico literário e oficial do exército português avisou-o sobre os problemas que
o título e a capa lhe trariam: “A capa deveria ser mudada. O símbolo do pão terrestre está a
propósito, mas para o grande público é inconveniente. Ninguém o empunharia em público, o
que no nosso meio (Portugal) seria algo provocante”.456 Na verdade, a capa original do livro
deveria ser a que contém o subtítulo: “A Rússia também tem profetas”, e o título do livro
também deveria ser esse, por questões editoriais e de vendagens, o autor resolveu mudar.

456
Idem, p.09.
182

Fotografia 26. Contracapa do livro Kremlin ou Vaticano?

Existe todo um aparato que institui o texto em livro. O autor do texto não é o
único dono da própria criação, já que dependente das editoras e impressoras para a
publicação, mas também depende do público, porque de nada adiantaria publicar sem ter
leitores. É nesse sentido que o autor João Henriques resolve mudar, não só por causa do
episódio da crítica anterior, mas, também, pelo medo de não vender o seu livro. Vejamos
como ele resolve mudar de idéia:

De lá pra cá, em 1961, ainda restavam 360 exemplares na livraria


depositária. Deio-os a uma Instituição que organizou uma tômbola para
comprar uma ambulância.
Quatro anos depois, precisando de um exemplar, fui à Instituição:
__ Por acaso, ficou por aí algum exemplar?
__ Não se vendeu nenhum.
__?!
__ O Senhor presidente, quando viu a capa, ficou apavorado e mandou pôr
todos no porão.
Culpa da capa? Ou não será o caso do nosso sistema bancário?
Letras de desconhecidos, sem aceite, aval ou êndosso, não têm vez no
Banco. Dar crédito pela “cara” do cliente é caso único no Rio, e no Mundo, e
o nome do banqueiro tornou-se legenda.
Assim, levando em consideração êstes fatos, mudo a capa e reapresento as
letras com avalistas, aceitantes e endossantes irrecusáveis:
Relação dos nomes dos endossantes, avalistas ou aceitantes:
Dom Sérgio Mendez Arcéo
183

Professor Michel Jouvet


Dr. Nathaniel Kleitman
Dr. Calvin S. Hall
Dr. George E. Keane
Dr. Bernard L. Pacella
Dr. William Dement
Ronaldo de Moraes e Alberto Helena Jr.
Governador Carlos Lacerda
Suzanne Labin
prof. Plínio Corrêa de Oliveira
Dr. António de Oliveira Salazar
Concílio Vaticano II.457

Nesse trecho podemos destacar três aspectos: o autor mostra, mesmo sem ser essa
a sua intenção inicial, como a apropriação dos livros pode chegar ao ponto de se opor
completamente a proposta do autor. O presidente da Instituição, para a qual os livros de João
Henriques tinham sido doados, ao consumir apenas a capa do livro, acreditou que se tratasse
de algo favorável ao comunismo, e, desta forma, colocou todos os livros no porão, porque
tinha chegado à conclusão de que era uma leitura perigosa. Um segundo aspecto que pode ser
levado em consideração é a análise do próprio autor sobre esse fato, para ele o problema não
era unicamente o assunto do livro, mas, sobretudo, tinha pesado na decisão do presidente o
fato de ele ser um autor desconhecido, segundo ele, autor de “letras desconhecidas”, o que
teria feito com que tivessem tratado o seu livro daquela forma. E, por fim, a última e
instigante observação que pode ser feita está relacionada à legitimação do trabalho do autor.
João Henriques acreditava que sua obra para ser publicada e vendida precisava ser legitimada
por personalidades do mundo político, religioso e científico, por isso, nessa edição coloca
uma lista de nomes de personagens conhecidos que, de certa forma, corroboram com o seu
pensamento. Isso demonstra algo que Roger Chartier já tinha avaliado na produção dos textos.
Para Roger Chartier o autor é um:

Dependente: não é senhor do sentido e as suas intenções que sustentam a


produção do texto não se impõem necessariamente nem àqueles que
transformam esse texto em livro (editores-livreiros ou impressores) nem
àqueles que dele se apropriam através da leitura. Constrangido: suporta as
múltiplas determinações que organizam o espaço social da produção literária
ou que, de modo mais geral, delimitam as categorias e as experiências que
constituem as próprias matrizes da escrita.458

Seria o autor um refém de sua escrita? Não somente, acreditamos que existem sim
as determinações que lhe são impostas, como foram feitas a João Henriques, quanto ao título
e capa do seu livro, mas o autor também tem a sua liberdade de criação, tem a liberdade de
conduzir o texto e colocar marcas no intuito de evitar que sua obra seja lida de uma forma

457
Idem, p.10-11.
184

completamente diferente do que ele pretendia. Nesse sentido, passamos a análise do conteúdo
do livro.
O livro é iniciado com a inserção de duas imagens lado a lado, Lênin e Nossa
Senhora de Fátima:

Fotografia 27. Imagens de Lênin e Nossa Senhora de Fátima e a relação com o ano de 1917.

As imagens sugerem que o mundo comemorava dois cinqüentenários no ano de


1967, pois no ano 1917, havia se dado a Revolução Russa, momento em que os bolcheviques
tomaram o poder político do Czar russo e instituíram um Estado comunista, assim, a imagem
de Lênin é entendida como representante desse Estado comunista. Também, nesse mesmo ano
de 1917, Nossa Senhora de Fátima apareceu em Portugal a três pastores, lhes confiando três
segredos. Para Rodrigo Patto Sá Motta, a imagem de Nossa Senhora de Fátima, que tem como
principal característica as nuvens, o rosário e os arbustos, é muito utilizada como estratégia
anticomunista, sendo principalmente usada no Brasil da década de 1960. Na avaliação de
Rodrigo Patto Sá Motta, alguns católicos entenderam que 1917 foi um chamado celestial aos
homens para retornarem à Igreja, desta forma a aparição de Nossa Senhora seria uma reação
divina ao crescente ateísmo no mundo, mas segundo o autor:

Tal interpretação foi fortalecida pela versão de que a santa, num dos
“encontros” com os meninos, teria dito que a Rússia seria convertida. Esta
menção, mais o conteúdo dos “segredos de Fátima” posteriormente
revelados pela Igreja, deram ocasião aos anticomunistas de apresentar a
458
CHARTIER, Roger. A Ordem dos Livros. Passagens. Lisboa, 1997, p.48.
185

imagem como símbolo da luta contra os revolucionários.459

A idéia do autor João Henriques, nesse jogo de imagens de Nossa Senhora de


Fátima e Lênin é a mesma da capa: ou o indivíduo naquele momento estaria comemorando o
aniversário de 50 anos da revolução russa, ou estaria comemorando os 50 anos de aparição de
Nossa Senhora de Fátima, símbolo cristão da luta contra o comunismo!
Sobre o conteúdo do livro, como já havíamos mencionado, é uma narrativa que se
passa na cidade de Santos, em São Paulo na década de 1920, mais precisamente a escrita do
texto se inicia em 15 de novembro de 1921, e traz um questionamento inicial: a cruz ou o
martelo e a foice? A pergunta indica que o livro irá respondê-la. O texto é escrito em forma de
romance e o autor é também o narrador. O narrador conta a história de um encontro seu com o
amigo Roderico, sujeito contraditório e que sempre discordava de tudo e todos. Segundo o
autor, para discordar de si mesmo foi embora de Portugal para o Brasil. A história narra o
reencontro dos dois em São Paulo, e a partir desse momento, quem passa a narrar é Roderico.
Dos 12 capítulos, apenas o primeiro é narrado pelo autor/narrador, sendo os outros onze
narrados por Roderico, que fala sobre as dificuldades da sua infância, sobre o mundo do
trabalho, vários outros elementos que compuseram a sua vida e o seu modo de pensar. Apenas
no sétimo capítulo, o anticomunismo começa a aparecer no livro, Roderico analisa os erros de
Marx e faz um quadro sobre a miséria na Rússia. Nos capítulos seguintes, aponta para seu
distanciamento da Igreja Católica em um determinado momento da vida, e reflete sobre o seu
retorno e sobre a superioridade da Igreja perante a ciência na explicação de determinados
acontecimentos. No nono capítulo, em especial, analisa a psicanálise e Freud, deixando claro
a sua posição, que é de fascínio pelas teorias freudianas, no entanto, acrescenta que por mais
deslumbrada que a humanidade pudesse estar naquele momento com as explicações do
famoso psicanalista, Roderico acreditava que a ciência não explicava tudo e que deveríamos
recorrer à religião para o entendimento da vida.
A obra não se refere, no seu todo, ao comunismo, mas à religião católica. O que o
autor tenta fazer é uma ponte entre a teoria marxiana como parte dessa ciência que tenta
explicar todos os acontecimentos e fatos sociais. Contudo, na visão de Roderico, Karl Marx
não obteve êxito, pois só leva em consideração a matéria. E assim, o autor justifica que só a
religião pode completar o ser humano por inteiro.
O autor demonstrou a sua preferência pela compreensão do mundo, a partir da
religião, e apontou Deus como único ser supremo capaz de explicar tudo.
No final do livro, João Henriques utiliza as frases ou citações dos nomes que ele

459
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o Perigo Vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).
186

lista no início do livro para endossar seu pensamento. Cita trechos das falas de Salazar,
trechos do Concílio Vaticano II e de discursos do governador do Estado da Guanabara, Carlos
Lacerda, tudo isso no intuito de reafirmar o seu pensamento, procurando, dessa forma, dar
legitimidade a sua escrita.
Na nossa opinião, o livro é muito mais anticomunista na capa do que no conteúdo.
Na verdade, é mais uma apologia da existência de Deus do que uma crítica ao comunismo. O
comunismo nesse livro é utilizado muito mais como um ataque à ciência. Mas a sua
linguagem não é simples, ou seja, possui um público alvo, em nossa opinião, o autor destina a
sua escrita a intelectuais e cientistas, que tentam explicar tudo pela matéria. Nesse sentido,
fica evidente a preocupação do autor em fazer uma análise das principais teorias
psicanalíticas, utilizando como referência autores acadêmicos, para refutar a idéia do
materialismo puro e reforçar a crença em Deus.
O segundo livro analisado e que também circulou nas bibliotecas piauienses
durante a década de 1960 foi A Filosofia do Comunismo, 460 do Bispo de Barra do Piraí Dom
Agnelo Rossi. O exemplar do livro que conseguimos para análise está em estado mais frágil
que o livro anteriormente citado, com folhas mais quebradiças e bem mais amareladas. O
livro aparenta ter sido bem manuseado, por ter páginas desalinhadas. Durante nossa análise
tivemos a impressão de que as páginas tinham sido forçadas, numa tentativa de uma leitura
mais detalhada. Mesmo com essas características, o livro também não possui nenhuma
anotação em qualquer canto de página, o que encontramos, durante a nossa leitura, foram
alguns comprovantes de serviço de entregas de encomendas registradas dos Correios, que
datam de 30 de julho de 1962, talvez o livro estivesse com o leitor no ato da entrega das
encomendas postais e os comprovantes tenham sido usados como marcadores de página, e
esquecidos no livro durante todos esses anos. Se não foi lido, pelo menos os comprovantes
demonstram que o livro foi manuseado nos anos de 1960.
A capa do livro não tem um formato especial, criado pelo autor, pois faz parte de
uma coleção da editora Vozes, intitulada Biblioteca da Cultura Católica, que contém 24
volumes que tratam dos mais variados temas como: Volume 03 – Cristo no Protestantismo,
Volume 05 – O Médico Católico, Volume 15 – Filosofia da Liberdade, entre outros. A
Filosofia do Comunismo era o volume 13. Nesse sentido, por fazer parte de uma coleção a
capa era padronizada.

São Paulo: Perspectiva, FAPESP, 2002, p.100.


187

Fotografia 28. Capa do Livro A filosofia do comunismo.

O livro possui um conteúdo mais denso do que o livro anteriormente analisado,


uma vez que o autor, Dom Agnelo Rossi, afirma que este livro foi resultado de um curso
ministrado por ele sobre a filosofia do comunismo na faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Campinas. No entanto, o prelado deixa claro a sua posição, pois acrescenta que
mesmo trabalhando com autores que tratam do comunismo de forma objetiva e séria, sendo
dessa forma “autores idôneos”, ele vai empreender uma “rápida refutação” ao comunismo.461
O livro possui uma linguagem destinada a um público universitário, mas
apresenta-se como uma espécie de introdução ao comunismo. Possui 10 capítulos, 04

460
ROSSI, Dom Agnelo. A Filosofia do Comunismo. Petrópolis, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, 2ª
ed. Editora Vozes LTDA, 1958, 140 pág. Volume 13 Coleção Biblioteca da Cultura Católica.
461
Idem, p.05.
188

apêndices, sendo que um dos apêndices foi acrescentado na segunda edição. A primeira
edição data da década de 1940, e a segunda do ano de 1958. O apêndice que foi acrescentado
é intitulado: O Sublime Comunismo Russo ou o Retrato de Stálin por Seu Sucessor Kruschev.
Dom Agnelo afirma que o impulso para a escrita desse apêndice dedicado a Stálin foi
motivado pelas denúncias dos seus crimes, feitas durante o XX Congresso do Partido
Comunista URSS, em 1956, pelo seu sucessor Nikita Kruschev.
Sobre o conteúdo do livro, nas primeiras páginas da introdução, Dom Agnelo
apresenta o primeiro conceito, “O marxismo pretende ser não somente uma filosofia da
história com suas aplicações políticas, sociais e econômicas, mas também uma interpretação
científica da realidade total do universo”.462 Para Dom Agnelo, o comunismo é o marxismo.
Nesse sentido, afirma que o marxismo tenta explicar tudo a partir da matéria, mas que “na
verdade, o marxismo não resiste a uma crítica filosófica”.463
Do primeiro ao quinto capítulo, ele tenta historicizar o comunismo. No primeiro
capítulo indica os principais precursores do comunismo. O autor divide em dois momentos:
em um primeiro, mostra os teóricos antigos e medievais e no segundo momento, aponta os
teóricos do socialismo moderno. Dom Agnelo faz todo um percurso teórico até chegar em
Karl Marx, que é o seu objetivo, no segundo capítulo. Neste, analisa a vida e obra, mas
sempre de uma forma a negativizar o teórico. No terceiro e quarto capítulos, reflete a
influência da dialética de Hegel nos escritos marxianos, assim como aponta Feuerbach como
teórico base para o materialismo marxiano. No quinto capítulo afirma: “O que Hegel foi para
Marx no domínio filosófico, Ricardo [..] foi no campo econômico”, nesse momento reflete
sobre a teoria do valor e do lucro.
Do sexto capítulo até o décimo, Dom Agnelo deixa de se posicionar timidamente
contra o comunismo. No sexto e sétimo capítulos ele critica duramente a concepção
materialista da história. Afirma que a discussão com os comunistas é inviável, uma vez que
estes acreditam apenas na sua verdade. Todas as suas críticas ao comunismo têm como base a
religião católica, refutando o materialismo mediante a existência de Deus. Para Dom Agnelo,
a verdadeira luta do comunismo não se dá contra o capitalismo, mas contra a religião, a qual
ele nunca tinha conseguido derrotar nos países comunistas. No oitavo capítulo, o autor faz
uma crítica à teoria da mais-valia e no nono capítulo reflete sobre a inviabilidade do
comunismo, pois, segundo Dom Agnelo, o principal motivo para que o comunismo seja um
regime inviável é a idéia de igualdade, e acrescenta:

Suponhamos a tal igualdade e, então, os homens e as mulheres, por turno,


462
Idem, p.09.
463
Idem, p.10.
189

deveriam embalar o berço, cozinhar, costurar e remendar, fazer trabalho


doméstico, descer das minas, servir de carregador, estivador, etc. Nem no
máximo da barbárie se verificou semelhante igualdade. Em vão Deus teria
dado à mulher, não só um organismo diferente, mas também talentos,
tendências, aptidões diversas das dos homens. Significa que o autor da
natureza determina ao homem e à mulher deveres diversos. [...]
Querer nivelar todos os homens ao mesmo padrão seria ir contra a natureza e
as suas tendências. [...]
A igualdade, em última análise, que o comunismo quer implantar é a que
todos fiquem operários, camaradas. Conquanto todos se denominem
camaradas, uns suportam o peso bruto de trabalhos insanos, enquanto outros
folgam em postos burocráticos de administração.464

A idéia de igualdade nivelaria todos a uma espécie de mediocridade intelectual,


que, segundo Dom Agnelo Rossi, prejudicaria de forma mais grave os artistas, os gênios e
todos os que tinham talentos para determinadas atividades.
No décimo capítulo, o autor classifica algumas objeções ao comunismo e
argumenta, durante as suas conclusão, que “A experiência do comunismo fracassou. Não se
chegou ao comunismo, mas à ditadura do proletariado, que na realidade é a ditadura sobre o
proletariado”.465
Com relação aos apêndices, percebemos que é a composição de uma outra obra,
pois ele retoma discussões que iniciou no livro, e as aprofunda, só que dessa vez colocando a
sua posição cristã mais evidente, principalmente no apêndice I, intitulado “A filosofia e o
comunismo”. No apêndice II, reflete sobre a religião na URSS e no III tenta fazer uma
historicização da evolução do comunismo no Brasil. No IV e último apêndice, fala de Stálin e
das estratégias comunistas no mundo naquele momento.
O livro tem uma característica clara de combate ao comunismo, por mais que o
autor tente se colocar como uma analista objetivo, a sua rejeição a esse regime é algo que ele
não tenta esconder, nem mesmo no primeiro parágrafo, quando diz que fará uma análise
baseada em estudos de autores idôneos, mas sendo necessário fazer uma rápida refutação.
Refutação esta que não tem nada de rápida, na verdade, o texto pode ser entendido como uma
obra de refutação completa ao comunismo.
Os livros não foram muito citados durante as entrevistas que realizamos para a
composição deste capítulo. No entanto, circularam e de alguma forma foram consumidos, se
não no seu conteúdo, pela sua capa ou até mesmo pela apropriação de terceiros, em jornais ou
em ambientes públicos como a Igreja, uma vez que a maior parte desses livros possuía um
conteúdo religioso.

464
Idem, p.65-66.
465
Idem, p.73.
190

3.4 Sobre apropriações e anticomunismo

[...] naquele tempo [...] os que não tinham formação


literária, cultural se chamava de subversivos, os que
tinham formação cultural se chamava de comunista,
dava um status melhor ao comunista.
Marcos Igreja – comunista na década de 1960.

Como percebemos no tópico passado, a apropriação da grande maioria dos


leitores das representações anticomunistas no Piauí se deu através desses meios de divulgação
apresentados anteriormente. Mas, todos entendiam as representações anticomunistas da
mesma maneira? Será se as pessoas que viveram no Piauí da década de 1960 entendiam esses
discursos de jornais, rádio e livros?
Como já refletimos anteriormente, a apropriação é feita por cada indivíduo de
forma muito pessoal, e isso implicava a associação de vários fatores, tanto internos,
relacionados à idade, sexo, instrução, como também externos, a freqüência de escuta de
programas, a produção do autor do texto, o local onde esse texto é lido-ouvido, e os grupos
dos quais esse indivíduo fez parte. O próprio formulador das representações anticomunistas
delimitava, de certa forma, aquilo que o leitor deveria entender. Mas isso não significa dizer
que aquele que lia, entendia as representações anticomunistas da forma como foi formulada
pelo produtor do texto (impresso ou radiofônico). O leitor poderia até não entender. Ou
entender em parte. Como ocorreu com Celso Barros, jurista, intelectual e atualmente membro
da Academia Piauienses de Letras. Em seu livro Homens de idéias e de ação,466 Celso Barros
mostra como na década de 1950, sendo ainda estudante secundarista, tinha dificuldade de
compreensão dos textos do jornal, escritos por aquele que seria, mais tarde, seu futuro
professor de Direito e companheiro de Academia, professor Simplício de Sousa Mendes.

Lia com o maior interesse os artigos de Simplício Mendes, que trazia o título
permanente Antenas. Os temas eram variados. E o estilo claro e acessível ao
leitor médio. E eu, posto não tivesse ainda, pela minha formação secundária,
condições intelectuais de aprender o sentido integral daquelas colaborações,
quando versavam os temas mais difíceis, via no seu autor, que pessoalmente
não conhecia, um homem culto e um jornalista primoroso. [grifo do autor]467

E nesse período, o professor Simplício de Sousa Mendes não poupava as críticas


ao comunismo. Talvez alguns desses textos que Celso Barros não tinha compreendido por

466
COELHO, Celso Barros. Homens de Idéias e de Ação. Júnior. Teresina, 1991. p.77-92.
467
Idem, p.78.
191

completo versassem sobre o comunismo.


O período anterior e posterior ao golpe civil-militar é o momento em que essas
apropriações anticomunistas aumentaram em decorrência do grande número de reportagens
jornalísticas e radiofônicas que tratavam sobre o comunismo. É nesse período, que muitas
pessoas, que nunca tinham ouvido falar, ou mesmo nem sabiam o que era o comunismo
passaram a ter contato com o assunto, como podemos perceber no discurso de Ana Paula:468

Quando foi agora, veio esta agitação imensa dominando o Brasil inteiro, de
ponta a ponta, a gente ficando em suspenso, mesmo sem saber o que estava
se passando. Pessoas como eu – e são muitas – que não entendem de
política, achavam que o Presidente João Goulart era - não digo o maior, mais
um homem seguro no cargo. O apoio que ele tinha a gente pensava que era
de quase todos.
Foi quando veio aquela história de Minas Gerais, luta contra o governo, luta
contra o comunismo, como toda mulher que professa a religião católica e
tem filhos, sempre tive um medo doido do comunismo, mas sempre na
esperança de que não chegaria, nunca, a tomar conta do Brasil.
Com o levante de Minas passei a tomar gosto pelo assunto ouvindo tudo até
o fim.
Os homens de bem uniram-se. As Forças Armadas estavam do lado bom. A
boa causa triunfou. E ficou provado, novamente, que Deus é brasileiro.
Bem, é isto que penso. Ana Paula. 469

As palavras de Ana Paula tendem a justificar o seu apoio ao golpe por dois
motivos: o primeiro é a falta de conhecimento da política, já que ignorava os fatos políticos,
nesse sentido, os acontecimentos nacionais, ao seu modo de ver, pareceram repentinos. O
segundo aspecto é o fato do comunismo ter sido um dos motivos do levante de Minas Gerais,
o que fez com que ela tivesse se interessado por aquelas questões políticas e começasse a
tomar gosto escutando “tudo até o fim”. Ana Paula, quando se interessou pela política, após o
golpe, só escutou a versão do “ganhador” - as Forças Armadas -, desta forma fica patente que
o suposto “assunto”, ao qual ela começou a tomar gosto foi o que era permitido pelos
“vencedores”, configurado pela legitimidade do golpe baseado na luta contra o comunismo.
Se prestarmos atenção ao texto de Ana Paula, podemos perceber a forma com que ela tomou
conhecimento dos assuntos políticos: através do rádio. Ela faz questão de frisar que “Com o
levante de Minas passei a tomar gosto pelo assunto ouvindo tudo até o fim”. Foi ouvindo que Ana
Paula se apropriou do anticomunismo, e já dissemos que o rádio tem as suas características
especiais, como, por exemplo, o fato de a notícia, diferente do jornal escrito, só poder ser lida
uma única vez, de certa forma, a atenção ao ouvir o rádio se redobrou e faz com que Ana
Paula escutasse com ouvido apurado o assunto. No entanto, ela já consome a idéia da tomada

468
Cronista do jornal piauiense O Dia, o título de sua coluna diária era “Dizendo o que penso”. Esta coluna
tratava de assuntos do cotidiano.
192

de poder dos militares contra o comunismo com outros elementos que compõem a sua
individualidade, como por exemplo, aspectos do mundo feminino e cristão, pois, como ela
mesma afirmou: “como toda mulher que professa a religião católica e tem filhos, sempre tive um
medo doido do comunismo”. O fato de ser mulher, mãe e católica ajudaram de forma
significativa na apropriação que Ana Paula fez dos acontecimentos, demarcando nitidamente
o espaço que caberia a ela durante aquele momento, ou seja, assuntos políticos não eram
assuntos femininos, mas passariam a ser, desde que interferissem na estrutura definida e
demarcada que cabia às mulheres.
Sobre as apropriações femininas do comunismo, temos um outro depoimento
interessante. Irlane Gonçalves, hoje professora da Universidade Federal do Piauí, lembra do
que consumia em sua juventude e aponta como compreendia o discurso anticomunista e as
questões políticas naquele momento:

Na revista “O Cruzeiro”, que tinha o “Amigo da Onça”, com seu humor nem
sempre refinado malhando sogras e mulheres feias, eu lia todas as
reportagens. Às vezes não entendia nada, mas lia....Um destaque especial no
“capítulo leitura” vai para a Revista Seleções do Reader’s Digest, que meu
pai colecionava religiosamente de 1932 até os anos sessenta, quando ela
perdeu público diante da falta de atualidade do que editava. Deixando a
ideologia de lado, pois a revista fazia a apologia da sociedade americana e da
‘guerra fria’ – (os americanos eram bons, os russos comiam criancinhas) –
lia tudo da Seleções, menos os artigos de política, que fugiam a minha
compreensão. 470

O que Irlane nos mostra era como o consumo desse discurso anticomunista era
múltiplo, levando de uma interpretação particular até a falta de compreensão total sobre o
assunto. A professora Irlane, na época estudante refletiu que lia, mas, às vezes, “não entendia
nada”, pois, para ela, os assuntos relacionados à política fugiam a sua compreensão, mas
mesmo assim, ela continuava lendo, e fazendo as suas apropriações com os elementos que ela
dispunha, inclusive a rejeição aos assuntos políticos. Mas, mesmo tendo uma rejeição aos
assuntos daquela natureza, ela chegou a uma conclusão que, talvez, tenha sido alimentada
pelas conversas e outras leituras, uma vez que ela não compreendia os textos políticos das
revistas citadas. A conclusão que ela chegou era que a revista possuía uma ideologia de apoio
aos Estados Unidos, no período da Guerra Fria, sendo que os “americanos eram bons, os
russos comiam criancinhas”.
Em outra entrevista em que lembrou o Piauí da década de 1960, Irlane Gonçalves

469
PAULA, Ana. Dizendo o que penso. Jornal O Dia. Teresina, 04 abr. 1964, n. 1.208, p. 07.
470
ABREU, Irlane Gonçalves de. Lembranças de Teresina. In.: Cadernos de Teresina. Agosto, 1996, Ano X,
nº23, p.58.
193

mencionou a apropriação que sua mãe fazia sobre o comunismo. Diferente de Irlane, que lia
sobre o comunismo, a sua mãe teve acesso às representações anticomunistas apresentadas por
seu marido, pai da entrevistada, segundo Irlane Gonçalves:

Eu me lembro que duas, ou três semanas depois o papai comentou: teve um


golpe (mudando de voz), - a concepção dele de mundo era outra, - (mudando
de voz) então agora o país vai entrar nos eixos, né? Os militares vão botar
ordem no caos. Porque era o medo do comunismo, que a mamãe (riso) até
hoje não entende, [eu digo] mamãe comunismo não mata ninguém mamãe,
que horror, você fica aí, não se come gente mamãe, comunismo não come
gente! Ela ainda hoje tem essa concepção, de que era uma coisa muito ruim
[...]
Eu acho que todo o grupo que vivia junto, meu pai, os amigos dele, acho que
todo mundo pensava igual, e ele passou essa concepção pra ela que
comunismo era uma coisa ruim, que ia acabar...Não se tinha nem essa idéia
de que iam acabar com a propriedade das pessoas, que iam tirar...Era uma
coisa ruim, devia ser combatido, é só isso. Ela lia menos do que ele, ela toda
vida foi mais lenta do que ele, então, ele é que passava pra ela, essa coisa
horrorosa tem de ser, tem de ter é ordem, a concepção geral que a sociedade
tinha na época, então era por aí que as pessoas entendiam o mundo.471

Segundo a professora Irlane Gonçalves, seu pai era um leitor que gostava de
jornais e livros, e na sua apropriação das representações anticomunistas repassava à mãe dela,
que não era uma leitora. Eram apropriações que geravam novas apropriações e que
constituíam novas representações anticomunistas, como: comunistas comem criancinhas,
comunistas é assassino, dentre outras.
Essa forma de refletir sobre as apropriações anticomunistas na década de 1960
podem ser melhor compreendidas, a partir dos depoimentos que serão analisados mais à
frente. Resolvemos fazer uma análise mais detalhadas de quatro depoimentos,472 em especial:
de um proprietário de terras, de um militar, de uma dona de casa e de um filho de um católico
praticante. Procuramos entender uma memória coletiva sobre o comunismo, como já foi dito
antes, não como algo homogêneo, mas como uma memória que prevaleceu por causa de uma
negatividade atribuída ao comunismo. Percebemos que as memórias compuseram um quadro
particular, mesmo que não se distanciassem completamente das representações que foram
expostas pelos jornais e livros da época, mas demonstram as multiplicidade das apropriações
e a formulação de novas representações para o comunismo.

471
ABREU, Irlane Gonçalves de. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, NHOIDB,
2005.
472
Três dessas entrevistas foram classificadas como de história de vida e temática e uma apenas como tradição
oral.
194

3.5 Memórias do anticomunismo piauiense.

Quando pensamos em trabalhar a apropriação das representações anticomunistas


no Piauí, achamos que seria mais apropriado percebê-las através da História Oral, uma vez
que várias pessoas ainda estão vivas e dispostas a falar, e hoje, lembrar um tema que teve
ressonância na sociedade piauiense há mais de 40 anos, pareceu-nos já um período distante
para remexer em assuntos complexos. Duplo engano. Para muitos, o comunismo ainda é um
tabu, tanto pelo medo do que ele é, ou mesmo pelo medo de ser associado a ele. Para alguns
entrevistados, nem fazia tanto tempo assim que se passaram todos os acontecimentos, as suas
lembranças apareceram como se os fatos tivessem ocorridos há pouquíssimo tempo. Para
outros, nem era confortável falar tão abertamente sobre o comunismo em dias atuais. Por isso,
recebemos muitos “não”, de possíveis entrevistados. Foi essa a grande recompensa de
trabalhar com pessoas e não apenas com papéis: perceber que o comunismo representou algo
na vida de cada um deles e que isso os marcou de forma significativa em determinado
momento, e marcou de tal forma a alguns que é simplesmente impossível conseguir que eles
falem sobre o tema. Isso só reforça a idéia de que o anticomunismo continua sendo uma
tradição da cultura política brasileira, como refletiu Emir Sader, na primeira citação dessa
dissertação. Talvez não tendo o mesmo peso e importância, mas, até hoje, o comunismo
continua a habitar a mente de alguns piauienses e brasileiros como algo ruim e perigoso.
E as apropriações anticomunistas da década de 1960? Já mencionamos os
principais meio de divulgação do anticomunismo no Estado do Piauí: rádio, jornais impressos
e os livros. A partir das entrevistas, procuramos compreender como as apropriações através
desses meios foram múltiplas e como novas representações foram geradas, partindo desse
consumo.
As apropriações estão ligadas aos mais diversos fatores, como: sexo, idade,
formação cultural, e nesse sentido, escolhemos um quadro de entrevistados diversificado. A
dificuldade em conseguir pessoas dispostas a falar da década de 1960 foi recompensada pelos
quatro depoimentos que colhemos. Pessoas que não fazem parte de um grupo que sempre é
mencionado em outros trabalhos como uma espécie de memória oficial da década de 1960 no
Piauí. Contudo, os nossos entrevistados são, ou foram, pessoas que também estiveram no
turbilhão dos acontecimentos da década de 1960. Foram quatro as entrevistas selecionadas
para essa análise mais aprofundada sobre as apropriações anticomunistas. A escolha foi feita
por um critério bastante simples: identificamos segmentos sociais diferenciados, que, no
geral, são apontados pelos meios de propagação do discurso anticomunista, tanto como
195

formuladores como público alvo das representações anticomunistas. Escolhemos sujeitos que
viveram as questões importantes daquela época, resguardados por suas atividades
profissionais e sociais, sem serem vistos como grandes expoentes daquele momento. Nesse
sentido, dentre esses grupos representativos da década de 1960, escolhemos um grande
proprietário rural, um militar, o filho de um professor católico praticante (nesse caso
utilizamos a entrevista de tradição oral, pois o que nos interessava era a relação do pai com o
comunismo) e uma dona de casa. Cada um destes apresentou novas representações sobre o
comunismo, de uma forma particular e relacionadas aos elementos que eles tinham à
disposição, como o sexo, a idade, a condição financeira e intelectual. Passemos então as
análises.

3.5.1 Uma Ave Maria pela conversão da Rússia: a fé católica e o anticomunismo.

Como os católicos praticantes do Piauí percebiam o anticomunismo religioso?


Sabemos que as representações anticomunistas ligadas à Igreja Católica prevaleceram no
Piauí, na década de 1960, como uma forte corrente anticomunista. Sobre as formulações
religiosas contra o comunismo, a Igreja Católica tornou-se a grande propagadora dessas
representações no Estado. Para uma reflexão sobre a apropriação do discurso católico,
contamos com a história de José Ferreira Castelo Branco, narrada pelo filho, o professor da
Universidade Federal do Piauí, Pedro Vilarinho Castelo Branco.473
196

Fotografia 29. Pedro Vilarinho Castelo Branco.


Fonte: Foto do arquivo pessoal de Pedro Vilarinho Castelo Branco

Pedro Vilarinho é o mais novo de seis irmãos, filhos de José Ferreira Castelo
Branco e Teresa Albuquerque Vilarinho Castelo Branco, ambos católicos e moradores no
Piauí da década de 1960. O entrevistado nasceu no dia 18 de maio de 1968 em Teresina,
capital do Estado, onde residiu com seus pais. Utilizamos a narrativa do professor Pedro
Vilarinho como uma possibilidade de chegar ao seu pai, José Ferreira Castelo Branco. Nesse
sentido, o formato de entrevista utilizado foi a de Tradição Oral, caracterizada não pela
história de vida do entrevistado, mas pela memória que se compõe com uma tradição,
memória construída pelo tempo, para preservar uma comunidade, para sustentar uma
composição social, para reafirmar o sentimento de nação ou, como foi o caso do nosso
entrevistado, a memória que reforça os laços de família. São aqueles fatos, episódios ou
acontecimentos que o indivíduo não viveu, mas que os guardou como se fizessem parte de sua
memória individual, que foram compostos ao longo de sua vida pelos grupos dos quais esse
indivíduo fez parte, porque a memória, muito mais do que individual, ela é social e
coletiva.474
As lembranças de Pedro Vilarinho são bastante claras com relação ao
anticomunismo na sua família e na sociedade piauiense daquele momento. As histórias sobre
o comunismo eram narradas pelos familiares, na congregação religiosa, ao qual ele

473
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
197

freqüentava e até mesmo, segundo ele, em conversas de bar, tornando o comunismo algo
próximo, como se recorda o entrevistado:

[...]a União Soviética não aparecia algo exótico para mim, pelo contrário
parecia algo justamente familiar, familiar por quê? Porque se por um lado a
Rússia, a União Soviética era o outro, por outro lado a Guerra Fria fazia com
que a União Soviética aparecesse no noticiário, fazendo com que aquilo
fosse muito presente, e aquilo era muito presente na vida da gente, tanto é
que faziam parte dos debates da gente, das conversas de bar. Então, algo que
fazia parte das conversas de bar, fazia parte do teu cotidiano não pode ser
diferente, não pode ser distante, poderia até criar a imagem de ser o outro, de
ser o teu inimigo.475

As lembranças familiares de Pedro Vilarinho trazem à tona casos que parecem


cômicos, mas que só demonstram como a sociedade temia os avanços de forças comunistas,
fazendo com que aquele pânico se tornasse um problema social, como, por exemplo, o caso
relatado pelo pai e mãe do jovem Pedro, sobre o seu “tio Zezico”. Segundo as narrativas que
eram feitas a Pedro Vilarinho, o seu tio, ao qual ele não chegou conhecer, tinha uma espécie
de esquizofrenia, imaginava que estava sendo perseguindo, mas diante daquele quadro de
lutas ideológicas e dentro de um contexto de Guerra Fria, a perseguição imaginada pelo
senhor Zezico era efetuada pelos comunistas. Como recorda Pedro Vilarinho Castelo Branco:

Era assim, o que me falavam, [...] ele chegava na padaria e comprava lá:
manteiga, pão, e aí então, acho que desconfiava que tinha acontecido algum
movimento estranho na padaria, e a neurose dele era achar que os
comunistas o perseguiam, e achava que os comunistas queriam matá-lo, e aí
então o que é que ele fazia? Várias vezes comia-se pão, comia-se manteiga,
porque o tio Zezico chegava, vinha visitar nossa casa, aí botava o saco de
pão e ia saindo, e diziam a ele: oh tio Zezico, o senhor não vai levar seus
pães não? Ele dizia: Não, meu filho, olhe, eu comprei esse saco de pão, e a
mocinha lá estava com uma camisa vermelha, eu acho que ela era
comunista, esse pão eu não.. por via das dúvidas eu vou comprar outro em
outra padaria, entendeu? se você quiser desses comunistas vocês comem, eu
não quero nada com esse negócio aí não. [...] Por exemplo, teve uma outra
história que a minha mãe me contou, que meu pai me contou também, nós
compramos um conjunto de cadeira de spaghetti lá em casa e, [....] tinha uma
verde, uma azul, uma amarela, [...] eram quatro, e uma vermelha, [...] E aí
então ele [o tio Zezico] chegou um dia lá em casa e viu a cadeira e disse: É,
num sei se eu venho mais aqui não, vocês estão ficando contra mim,(outra
voz), Mas por quê? É, compraram até uma cadeira vermelha aqui, vermelho
para mim é coisa de comunista. 476

Pedro Vilarinho, por ser o filho mais novo, teve um acesso à década de 1960,
relacionada aos acontecimentos familiares, relatados através do convívio com os pais, irmãos,

474
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. SP: Vértice, Editora Revista Tribunais, 1990.
475
CASTELO BRANCO. P. V. Op.cit.
476
Idem.
198

tios e parentes próximos. Foram a partir dessas narrativas que conseguimos visualizar um
quadro da década de 1960, e a relação de seus familiares, em especial seu pai, com o
comunismo.
José Ferreira Castelo Branco nasceu no ano de 1924, era professor de matemática
e geografia, apesar da formação jurídica. Provedor, como era o costume naquele momento no
Piauí, sustentava uma família de classe média dando aulas durante os turnos da manhã, tarde e
noite.

Fotografia 30. José Ferreira Castelo Branco.


Fonte: foto do arquivo pessoal da família.

O fato de ser professor e ter formação superior possibilitou com que tivesse
muitos livros em casa, alguns destes livros, cerca de 800, até hoje estão preservados na
biblioteca particular do professor Pedro Vilarinho Castelo Branco. Por influência materna,
José Ferreira Castelo Branco, desde jovem, participou da União dos Moços Católicos (UMC)
e militou nos Vicentinos. Foi dessa relação muito próxima com a Igreja Católica que José
Ferreira teve acesso aos textos e livros anticomunistas. Segundo lembra Pedro Vilarinho, seu
pai tinha, em casa, muitos livros de conteúdo religioso e jornais da época. É impossível
verificar qual foi exatamente o seu roteiro de livros contra o comunismo, mas fica
199

evidenciado o consumo dessas obras, como aponta o entrevistado:

Eu posso te dizer com toda a certeza, que meu pai... Eu não vou te dizer que
ele leu aqueles livros, que ele consumiu aqueles livros, mas se ele não
chegou a ler o conteúdo, com toda a certeza, ele consumia o livro, porque eu
acredito que existe várias formas de você consumir um livro, até lendo uma
orelha, até vendo a capa do livro, eu acho que é uma forma de você
consumir. [...] alguns livros eu sei que ele leu, alguns artigos do jornal O
Dominical, eu sei disso porque eu tenho alguns jornais O Dominical hoje em
dia guardados, que eram dele, tenho alguns número, uns 10 ou 12 que ele
guardou.477

Como refletiu o próprio Pedro Vilarinho Castelo Branco, consumir não esta
restrito ao conteúdo do livro. A capa, com todas as cores e formas, poderia gerar múltiplas
apropriações sobre o comunismo. Mas o que interessa nesse trecho é a relação de José
Ferreira com os livros e jornais do período, especialmente o jornal católico, O Dominial. A
Igreja Católica mesmo de uma forma não homogênea, na década de 1960, continuava sua
campanha contra o comunismo, e no Piauí, de forma particular, essa campanha se deu pelo
jornal da Igreja, o já mencionado O Dominical. Nesse sentido, José Ferreira Castelo Branco
pela formação religiosa, também, se apropriou de um discurso anticomunista, tendo como
base as reflexões, provindas da Igreja Católica, tornando-se, segundo recorda Pedro
Vilarinho, também um opositor de regimes comunistas.
Mas essa rejeição ao comunismo não era específica do comportamento de José
Ferreira, era uma postura indicada aos católicos praticantes. Para o professor Pedro Vilarinho
Castelo Branco, a rejeição ao comunismo era algo corrente no seio da Igreja Católica do
Piauí, naquele momento, e a forma de se combater o comunismo, segundo esses devotos do
catolicismo, não deveria ser com uma luta física, mas uma luta espiritual. Entendemos dessa
forma, quando o entrevistado lembra um episódio que foi relatado por seu irmão, Castelo, que
era 17 anos mais velho que ele. Após participar de uma reunião dos Vicentinos, o irmão
relatou a Pedro que: “ [...] quando estava lá no meio da adoração, diziam: 'E agora vamos
rezar aqui um pai nosso e três ave Maria pela conversão da Rússia'.”478 Essa era uma prática
dos brasileiros católicos, como já havíamos mencionando durante as análises feitas no jornal
O Dominical, quando tratamos sobre as representações anticomunistas ligadas à vertente
religiosa, determinando, nesse sentido, a necessidade de se combater um mal que era
puramente materialista, com algo essencialmente espiritual.479

477
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
478
Idem.
479
Para Carla Simone Rodeghero a prática de se rezar pela conversão da Rússia também era uma constante no sul
do país. A autora encontrou uma oração publicada com a autorização do Bispo Benedito Zorzi, de Caxias do Sul,
200

Além do jornal e dos livros, José Ferreira Castelo Branco também ouvia rádio,
não só ouvia, como também possuía um programa na rádio Pioneira, “Vicentinos em ação”.
Também era assinante de várias revistas católicas e revistas dos Vicentinos: Pergunte e
Responderemos, Adoremos, o boletim brasileiro da FFVP, revistas da TFP, entre outras.480
Mas diante de tanto meios de propagação de representações anticomunistas, como José
Ferreira se apropriava das representações anticomunistas? Pedro Vilarinho lembra muito mais
do período em que juntos, pai e filho, assistiam aos noticiários, em especial, o Jornal
Nacional, já no final da década de 1970 e início da década de 1980, sobre esse momento
Pedro recorda:

[...] eu me lembro de algumas coisas que meu pai falava, por exemplo,
sempre que aparecia a União Soviética, a Rússia, a União Soviética mesmo
naquele momento, ele sempre fazia muitas críticas, tinha sempre uma
posição muito crítica, com relação aquele país, era muito duro com o
presidente da Rússia, Brejnev, Yuri Brejnev, quer dizer, ele era muito duro
com o Brejnev, dizia assim: Esse velho não morre, um velho desse! mas a
raiva que ele tinha mesmo assim, muito mais do que o Brejnev, muita mais
raiva do que dos russos, ele tinha uma raiva assim terrível do Fidel Castro
(risos), o Fidel Castro pra ele era uma figura assim muito dura, ele se referia
ao Fidel Castro sempre com muito desdém, como ditador monstruoso.481

Pode até ser um comentário feito durante o final da década de 1970, no entanto,
demonstra que houve uma reação adversa maior à possibilidade de comunismo implantado
por Fidel Castro, durante o final da década de 1950 do que a possibilidade de uma
aproximação dos soviéticos. Isso evidencia que os anos que se seguiram à revolução cubana,
observados através dos jornais e rádios do período, demarcaram um espaço maior na memória
de José Ferreira, uma vez que ele acompanhou os comentários e observações que foram feitos
sobre Cuba de forma mais insistente nos jornais, principalmente no católico O Dominical. Na
década de 1960, Cuba foi o foco das atenções dos discursos anticomunistas. Essa pode ser
uma apropriação que José Ferreira fez das representações anticomunistas: Cuba refletindo um
perigo maior para a América Latina do que a União Soviética, por isso, a rejeição maior à
figura de Fidel Castro.
Na memória de Pedro Vilarinho ficaram as reações do pai às notícias sobre Cuba,

que dizia: “Maria, minha mãe e rainha, eu me consagro ao Vosso Imaculado Coração para a salvação da Rússia e
a paz do mundo”. RODEGHERO, C. S. Op Cit. 1998. p.29.
480
Segundo informação fornecida pelo entrevistado, o Senhor José Ferreira Castelo Branco, além de assinante,
seria também uma espécie de agente, para Carla Simone Rodeghero, os agentes “eram assinantes que tinham a
incumbência de divulgar e de distribuir o jornal nos municípios e localidades nas quais ele circulava, escolhidos
entre as lideranças das comunidades católicas, sendo normalmente, pessoas com um nível de instrução um pouco
superior ao da população local – entre eles, professores e padres”.RODEGHERO, C. S. Op Cit. 1998. p.125.
481
CASTELO BRANCO, P. V. Op.Cit.
201

mesmo que fossem notícias sobre os jogos esportivos em que Cuba estivesse participando,
como lembra o entrevistado:

Sempre que tinha o jogo Brasil e Cuba ele gostava de assistir (risos), ele
sempre gostava de assistir o jogo Brasil e Cuba e ficava, eu me lembro, que
ele dava uma gaitada assim que cortava (faz o som da gargalhada) KKKKK
e dizia assim: Numa hora dessa o Fidel deve estar comendo a barba dele,
com os amigos dele em Cuba (risos)! Ele tinha um ódio assim de Fidel
Castro, e ficava muito alegre, e ficava muito eufórico quando via o Brasil
jogar com Cuba, e quando via o Brasil ganhar de Cuba, ele ficava muito
eufórico e dizia assim: ahh eu quero ver, véi Fidel!482

Muito mais do que uma vitória do Brasil, era uma vitória contra o comunismo, e
contra um comunismo muito próximo, talvez pensasse dessa forma José Ferreira Castelo
Branco.
Mas dentro de sua concepção religiosa, e sobre o que se pregava no seio da Igreja
Católica, o comunismo era um atentado à ordem estabelecida, principalmente porque se
fundamentava em um movimento de ruptura com as instituições, e uma das mais tradicionais
e fortalecidas instituições mundiais era a Igreja Católica. José Ferreira entendia isso e não
concordava com as mudanças radicais, principalmente as que seriam levadas a cabo através
de lutas entre os indivíduos, como muitos criam ser a chamada luta de classe, que para alguns
anticomunistas do período, estava sendo deflagrada devido às organizações camponesas na
luta pela Reforma Agrária. Por que estamos afirmando isso? Por causa de uma lista de três
figuras comunistas que José Ferreira elegera como personas non gratas. Recordemos, que na
década de 1960, Dom Avelar Brandão Vilela, mesmo apoiando a organização dos sindicatos
agrícolas no Estado, demonstrou em jornais, no rádio e em cartas, que não admitia nenhum
tipo de relação entre os sindicatos da Igreja e os movimentos de ideologia marxista-leninista,
que visassem à guerra e ao derramamento de sangue, na chamada luta de classe. É nesse
sentido, e com base, talvez, nessa proposta da Igreja Católica piauiense, que José Ferreira, na
memória de seu filho, elegeu três personalidades comunistas: a primeira era João Goulart, que
segundo Pedro Vilarinho, para seu pai era um comunista, mas era o “menos ruim dos três”,
porque vendo a situação complexa em que deixara o país por ter proposto as tais reformas de
base, dentre elas a agrária, foi embora e não voltou mais. Em segundo lugar, ficou a figura do
também comunista Brizola, que, para o senhor José Ferreira, na lembrança do seu filho, era
insuportável: “eu não suporto é esse Brizola que queria jogar o país num derramamento de

482
Idem.
202

sangue, esse comunista aí eu não suporto, eu não tolero, nem com ele eu tenho tolerância”.483
Pelos menos os dois primeiros, tiveram um ressonância grande na década de 1960 no Piauí,
por causa das propostas de Reforma de Base. E por fim, a última personalidade, era, a já
mencionada figura de Fidel Castro.
Mas podemos perceber que a rejeição ao comunismo, na memória de Pedro
Vilarinho sobre o pai, estão centrados em elementos anticomunistas que compuseram as
representações da década de 1960: Cuba como principal país comunista, João Goulart e
Leonel Brizola como comunistas perigosos e odiáveis foram representações típicas da época,
que José Ferreira se apropriou. Percebemos também que a apropriação de José Ferreira,
talvez, por ser um homem de formação intelectual, extrapolava os aspectos puramente
religiosos, ou seja, ele tinha a fé católica como base para a rejeição ao comunismo, mas não
dependia unicamente dela para se opor a ele. Elegia outros elementos importantes nessa
aversão ao comunismo. É interessante percebermos, dessa forma, porque apesar de ter uma
formação religiosa intensa, ela acaba comungando com posturas, digamos assim, mais
comuns de refutação ao comunismo.
Mas, na memória de seu filho, a base essencial para a aversão ao comunismo era a
fé católica: “[...] o anticomunismo do meu pai, muito mais do que uma questão política, eu
diria que era uma questão filosófica, porque os comunistas eram ateus, porque os comunistas
eram anti-religiosos, era nesse sentido dessa pregação comunista contra o catolicismo”.484
Também corroboramos com essa idéia, pois com uma formação católica pode-se explicar a
aversão de José Ferreira também por teóricos cristãos como Leonardo Boff, que tinha como
base o marxismo para compor a sua Teologia da Libertação, e que não era muito mencionado
nos jornais da época, pelo menos no Piauí. A formação religiosa também impediu que José
Ferreira tivesse representado as ações de Dom Avelar Brandão Vilela como ações de
subversão ou de apoio ao comunismo, como lembrou seu filho. Apesar do envolvimento do
Arcebispo de Teresina com os movimentos sociais no período, José Ferreira via nele a força
maior de um representante da Igreja Católica. Isso pode ser percebido como um diferencial
daqueles que não tinham uma formação católica como base para a construção de suas
representações anticomunistas, uma vez que Dom Avelar Brandão Vilela foi visto e
reconhecido por alguns anticomunistas piauienses senão como comunista, pelo menos como
apoiador deles.
Feitas as apropriações, surgem novas representações sobre o comunismo, uma é
singular do senhor José Ferreira Castelo Branco, pelo menos em nossa pesquisa não a

483
Idem.
484
Idem.
203

encontramos em nenhum outro discurso. Na memória do professor Pedro Vilarinho, o pai,


em certo sentido, não tratava o comunismo como um movimento de proporções duradouras,
de certa forma, podendo ser percebido como uma rebeldia de juventude, ser comunista na
juventude ainda era aceitável para o Senhor José Ferreira, porque, na sua visão e na memória
do seu filho, jovens comunistas piauienses quando adultos, tornar-se-iam símbolo partidários
da direita, nesse sentido o comunismo é visto como algo passageiro, a idéia de comunismo era
concebida como algo fugaz, que não se estabelecia, poderia sim, ser preocupante entre os
adultos, mas, na juventude, era uma idéia passageira, como lembra Pedro Vilarinho: “[...] eu
me lembro dele falar muito assim, ele batia assim [nas minhas costas], e dizia assim: eu não
me preocupo com você não, olha tá vendo aí o Átila Lira485, né? [...] o Jesualdo Cavalcanti,
eram todos comunistas, eu não me preocupo com você não, e batia nas minas costas, né?
(riso), você é muito novinho, não me preocupo com você não. (riso).”.486
A singularidade desse depoimento apontou para que, mesmo tendo uma formação
intelectual, as representações de José Ferreira Castelo Branco acabaram convergindo para as
mesmas feitas por muitos piauienses que não tiveram uma formação superior, por exemplo,
classificar de comunistas personalidades que não eram: como Brizola e João Goulart, apontar
o regime cubano como mais odiável e perigoso, que o regime soviético, essas foram
representações comuns naquele momento da década de 1960. No entanto, percebemos que
devido a uma formação religiosa, nomes que ainda não tinham sido mencionados surgem,
como Leonardo Boff, teórico da Teologia da Libertação, figura que não era muito citada no
Piauí, sendo esta uma apropriação particular de José Ferreira por causa de sua ligação com a
Igreja Católica. Assim como também a imagem de Dom Avelar Brandão Vilela não associada
ao comunismo. As apropriações de José Ferreira em múltiplos meio de propagação das
representações anticomunistas lhe possibilitou essa mistura de representações, que geraram
uma apropriação singular sobre o comunismo, como algo fugaz e passageiro, algo que até
então não tínhamos encontrado nos jornais e livros, que circularam no Piauí da década de
1960.

3.5.2 O Exército é quem salva a nação: anticomunismo e o militar

Aqui foi um...como em todo o Brasil, nós tivemos o


plantão, começamos a recolher aquelas indicações, que
foi o indicado, quem era indicado, nós começamos a
485
Político piauiense, durante muito tempo pertenceu ao PFL, e hoje compõe os quadros do PSDB no Piauí.
486
Idem.
204

fazer as apreensões. E aqueles que....Todos eles foram..


aí cada um ia se justificando, ia saíndo, ia mostrando de
acordo com que demonstrava ia sendo liberado, ia sendo
anotado, ia recebendo uma notificação, e liberado
depois, até porque não iam ficar preso a vida toda, né?
aqueles mais ferrenhos ficaram mais tempo e os outros
foram liberados, às vezes, era só por questão de
informação, porque o sujeito foi pego com uma revista,
lendo uma revista, estava com uma revista e era
comunista. Não!
Luís Raimundo Coimbra – Militar na década de 1960.

Uma outra tentativa de compreensão das apropriações anticomunistas, na década


de 1960, construímos, a partir da conversa com o Senhor Luís Raimundo Lima Coimbra,487
militar atualmente na reserva. Muito comunicativo e aberto ao diálogo, Senhor Luís
Raimundo não teve problema algum em falar sobre assuntos delicados da década de 1960.
Pelo contrário, como militar, expôs, segundo a sua visão, a posição do Exército naquele
momento diante das conjunturas políticas e sociais.
O Senhor Luís Raimundo Coimbra nasceu no dia 21 de janeiro de 1936, em
Todos os Santos, Município de São Pedro do Piauí. Membro de uma família que possuía
poucos recursos financeiros, desde cedo trabalhou com o pai na mercearia familiar. Na década
de 1950, deixou o interior e veio para Teresina com intuito de dar continuidade aos estudos.
Em 1957, terminado os estudos escolares, o Senhor Luís Raimundo Coimbra não prestou
vestibular porque as duas faculdades que existiam, naquele momento no Estado, não lhe
interessavam, que eram a Faculdades de Direito e a Faculdade de Filosofia (FAFI), como o
entrevistado recorda: “não tinha aptidão para nenhuma das duas”.488

487
COIMBRA, Luís Raimundo Lima. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
488
Idem.
205

Fotografia 31. Luís Raimundo Lima Coimbra, 2007.


Fonte: Foto do arquivo pessoal da autora.

Depois de alguns anos trabalhando como auxiliar de serviços gerais no Ministério


da Agricultura entrou para o Exército. Somente algum tempo depois de sua entrada no
Exército, é que o senhor Luís Raimundo cursa a faculdade de Odontologia, que naquele
momento havia sido implantada no Estado. Nas lembranças do entrevistado evidenciamos um
verdadeiro fascínio pelas instituições militares, uma vez que, vindo de uma família de pouca
rendas, o Exército lhe possibilitou uma melhoria de qualidade de vida. A sua entrada no
Exército é lembrada como um grande esforço pessoal:

Para chegar ao Exército eu batalhei muito, eu fui quatro vezes, eu fui cinco
vezes ao Exército, primeira vez fui julgado incapaz temporariamente, a
segunda vez incapaz temporariamente, no outro ano eu fui julgado incapaz
definitivamente para o serviço militar. [...] É porque eu tinha altura, mas não
tinha peso. Sempre fui um rapaz gordo (risos) [...] Eu tinha altura, mas não
tinha peso. Aí eu no ano seguinte eu requeri nova inspeção de saúde, em
grau de recurso, é porque a inspeção de saúde veio no ano seguinte, aí eu
tornei a me apresentar, aí eu fui julgado incapaz, mas o cabo véi ali por
debaixo do pano me julgou apto B, porque naquela época era o apto A e apto
B, o apto A era quando tinha altura e peso e o apto B era quando tinha uma
coisa e não tinha outra. E o cabo véi teve pena de mim, já me conhecia,
disse: não, eu vou te colocar aqui um apto B. Raspou lá o C do Tenente, do
médico, e botou o B. E daí eu passei.489

489
Idem.
206

Para o senhor Luís Raimundo Coimbra, o Exército possibilitou novas


experiências, como a sua participação nas Forças de Paz da ONU em Suez, no ano de 1966.
490
Além de boas lembranças de uma atuação profissional em nível internacional, essa missão
também possibilitou a compra de sua primeira casa, em Teresina. A influência do Exército e o
grande apego às instituições militares fez com que o entrevistado demonstrasse um
saudosismo do período em que estava na ativa, e isso determinou que, de forma alguma,
tomasse uma posição contrária ao Exército durante a nossa conversa, para ele: “Quem garante
a nação é o Exército”.491
No entanto, com relação ao comunismo o entrevistado nos apontou uma
apropriação um tanto peculiar. A representação do comunismo apresentada pelo Senhor Luís
Raimundo tem uma mistura de representações, que em algum momento reflete uma postura
adotada através dos discursos militares, e em outros momentos contém outros elementos que
não são próprios daquela instituição. É interessante notar que muitas de suas posições foram
compartilhadas pelo ex-comunista Marcos Igreja em entrevista, que também nos foi
concedida.492 Mas como o senhor Luís Raimundo Coimbra se apropriou das representações
anticomunistas na década de 1960?
Apesar de muito comunicativo, o entrevistado Luís Raimundo Coimbra recorda
que não era muito afeito à leitura de livros e jornais, gostava mesmo era de escutar emissoras
de rádio. Das rádios da década de 1960, lembrou-se da Rádio Difusora e da Pioneira, e destas
ouvia noticiários e as músicas. Apesar de dizer que pouco lia, na década de 1960, lembrou-se
de dois grandes jornais: O Estado e o Jornal do Piauí. Mesmo fazendo parte do Exército, é
inegável que as representações anticomunistas também foram apresentadas ao nosso
entrevistado através dos meios acima citados.
A década de 1960 é caracterizada como período em que o Exército Brasileiro
toma o comando político da nação, mas quando perguntado qual o principal acontecimento
daquele período, pouco o nosso entrevistado se deteve em questões militares, relatou a
tranqüilidade e felicidade dos eventos do Piauí daquele momento. Não veio a sua mente
nenhum momento de intranqüilidade política. Talvez, pelo lugar que ocupou
profissionalmente, aqueles acontecimentos não tivessem tomado um espaço significativo em

490
Para saber sobre a participação de brasileiro nas Forças de Paz da ONU em Suez, ver: FERRER, Francisca
Carla e MATOS, Júlia Silveira. A construção do Canal de Suez e a formação do conflito: A força de paz
brasileira na Faixa de Gaza. Biblios. Rio Grande, 2006, p.43-53. Acessado no site:
http://www.seer.furg.br/ojs/index.php/dbh/article/viewPDFInterstitial/251/65 em 28 de novembro de 2007.
491
COIMBRA, L. R. L. Op. Cit.
492
IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e Marylu Alves de
Oliveira. Teresina, NHOIDB, 2005.
207

suas lembranças em um primeiro momento. Mas, ao ser indagado diretamente sobre o


governo de Chagas Rodrigues, houve uma detonação de determinados acontecimentos e a
relação com o comunismo:

Pra mim o governo Chagas Rodrigues foi um bom governo. [...] mas o
Chagas Rodrigues foi um bom governo porque a época dele foi uma época
meio perigosa da revolução, aquela coisa toda, mas eu gostei do trabalho
do...Embora já fosse militar e não pudesse opinar por nada [...].493

A sua posição pessoal não poderia ser expressa abertamente naquele momento,
uma vez que era um soldado. No entanto, em muitos momentos da entrevista, o Senhor Luís
Raimundo deixava claro a divisão de opiniões. Primeiro ele sempre responde com uma
opinião oficial como militar, para em seguida colocar a sua opinião como civil. Mas, a
opinião do Exército deveria ser levada em consideração, principalmente durante aquele
período. Quando questionado se ele acreditava que o governador Chagas Rodrigues era
comunista, a resposta veio da seguinte forma:

Eu como soldado sabia que ele era [...] veja bem, não é que fosse comunista,
era a tendência de qualquer coisa que você tenha, que fugisse dos padrões da
sociedade, era comunista, viu? Não era que ele fosse tachado, fosse
comunista, eu por mim não tinha nada a ver, eu tinha meu ponto de vista,
mas tive muito trabalho atrás de comunista, andei muito, prendi muitos.494

É interessante esse trecho porque ele fez uma divisão clara da representação do
comunismo para o soldado e para o civil Luís Raimundo Coimbra. É como se tivesse uma
divisão de representações a partir das apropriações que foram feitas. Talvez, a apropriação
pelo rádio ou jornal tenha feito com que chegasse à conclusão de que o governador Chagas
Rodrigues não era comunista, ou melhor, que tudo se tratava, como ele mesmo coloca, de
uma “tendência” da sociedade da época. Mas, como militar, ele tinha que aceitar a idéia de
que o governador Chagas Rodrigues era um comunista.
Na memória de seu Luís Raimundo, os governadores Chagas Rodrigues e
Petrônio Portella foram dois políticos importantes, sendo os únicos dois mencionados no
período. Petrônio Portella, assim como Chagas, também era comunista, na visão militar do
senhor Luís Raimundo. Petrônio Portella, durante muitos anos de sua vida política, foi
acusado de traidor da Revolução, porque no dia da deflagração do golpe, em 01 de abril de
1964, lançou uma carta de apoio a João Goulart, mesmo com essa carta não foi preso, nem
perdeu prestígio político no Estado, muito menos foi tachado abertamente de comunista,
como tinha sido seu antecessor Chagas Rodrigues. Fazendo parte de uma lista de 07

493
COIMBRA, L. R. L. Op. Cit.
494
Idem.
208

governadores que prestaram apoio incondicional a Jango, Petrônio foi o único que não foi
cassado. Várias são as versões para que isso não tivesse ocorrido: a sua falta de prestígio em
âmbito nacional, não sendo levado em consideração seu ato de adesão política a Jango, o
apoio do seu partido que era a UDN e até mesmo a intercessão do senador piauiense José
Cândido Ferraz aos militares. O certo é que, na memória do Senhor Luís Raimundo, a carta de
apoio à Jango não foi mencionada, e Petrônio, segundo ele, visto pelos militares como
comunista, não foi cassado por sua relação com o Comandante da Guarnição Federal aqui em
Teresina naquele momento. Vejamos como ele narra:

[...] olha, quem é que não sabe? todo mundo sabe que o Petrônio
era...Petrônio, quem protegeu o Petrônio chama-se Coronel Façanha [...] na
época ele era o comandante da CSL e da Guarnição, mas o Petrônio só não
entrou porque o Façanha botou a mão por cima.495

Mesmo fazendo toda essa diferenciação, o senhor Luís Raimundo recorda que
nem tudo era ilusão ou jogo político, existiam comunistas no Piauí sim, e eram bastante
perigosos “Tinha bastante, muita gente era comunista, daqueles ferrenhos [...]”.496 Apesar de
acreditar na existência de uma ação comunista organizada no Estado, o entrevistado revela
que, muitas vezes, o suposto comunista era alguém que ameaçava a ordem social, e que não
necessariamente precisava ser ou mesmo se autodenominar comunista. É nesse sentido, que o
entrevistado recorda que muitos dos comunistas na verdade eram desafetos políticos dos
grupos que estavam comandando o Piauí com o apoio dos militares naquele momento. É uma
representação do comunismo que até então tinha sido dada apenas por simpatizantes do
comunismo, ou pessoas que eram tachadas como comunistas. Ao iniciarmos nossa pesquisa,
não tínhamos pensado em encontrar um militar com tal postura, diante das ações
anticomunistas da década de 1960, e que ainda tivesse coragem de dizê-las abertamente. No
caso de nosso entrevistado, ele admite a influência do jogo político na classificação de quem
era comunista no Estado:

Mas, só é questão política, ali é jogo político, entendeu? É o mesmo caso que
eu posso até dizer do Chagas Rodrigues, é jogo político. É porque é de outro
partido, e um partido fica jogando e fazendo e acontecendo. Aqui,
praticamente, no Piauí comunistas não existiam, eram poucos. Tinha um
revoltado, e era tido como comunista. E não acho que eram comunistas, cada
um tem o seu modo de pensar, [...] você pensou diferente daquilo que acho
que é o certo? Então é comunista! e na realidade não é. 497

495
Idem.
496
Idem.
209

Essa posição, ao nosso ver, é reflexo também do distanciamento dos


acontecimentos políticos da década de 1960, e distância também da pressão ideológica que
uma militar sofreria ao dar esse depoimento há algumas décadas atrás. Isso nos ajuda a
compreender com as apropriações são múltiplas. Ao pensar que um militar fosse construir
representações anticomunistas relacionadas à vertente do conservadorismo, fomos
surpreendidos com aquilo que já foi demonstrado por demonstra Roger Chartier,498 ou seja, a
forma de apropriações são singulares a cada indivíduo. Mesmo tendo uma forte admiração e
fascínio pelo Exército, o senhor Luís Raimundo não deixou de ter a sua singularidade, ao se
apropriar dos discursos anticomunistas. Nesse sentido, a sua representação do comunismo
está mais próxima daquela que nos foi partilhada por outro entrevistado, o comunista Marcos
Igreja. Vejamos como Marcos Igreja se recorda do comunismo na década de 1960: “Então
todo mundo que era contra o governo, naquela época, contra os militares se dizia comunista,
mas foram poucos comunistas aqui”.499
Mas outro elemento nos foi exposto pelo Senhor Luís Raimundo Coimbra, algo
que já havia sido analisado, no capítulo anterior, mais precisamente nas práticas
anticomunistas: a importância das delações no período. O nosso entrevistado recorda que
muito dos comunistas piauienses nasciam, não só do jogo político, mas também das
informações que eram transmitidas aos oficiais do Exército: “Tinha muito isso aí, tinha muita
informação, muita coisa civil, muita história aí, nós passamos um período trabalhando
muito”.500 Para o entrevistado, as informações erradas levaram muitos a serem chamados de
comunistas:

Então chega uma denuncia, chega uma coisa, você não quer [não gosta do
indivíduo] e começa a denunciar, começa a marcar. Rapaz a gente tem que
analisar muito bem aqui, eu acho que aqui, no Piauí, foi muito bem, é muito
bem orientado, foi muito bem instruído, foi muito bem dirigido por essas
pessoas aí [Petrônio e Chagas], embora tenha tido alguém que, tem muita
gente que disse que eles não eram [comunistas], não sei o quê, isso e aquilo
outro. Mas é aquilo que eu acabo de dizer, é questão de informação, às vezes
se dá uma informação errada, não gosta do fulano, quer ver ele perseguido e
faz isso, e a pessoa, às vezes, não vai atrás, não foi atrás para saber da
realidade, mas eu acho que o comunismo, comunistas aqui tinha poucos e
foram presos. É tudo questão de informação, questão de definição, às
vezes.501

Para o senhor Luís Raimundo, os militares trabalharam muito naquela época na


prisão de comunistas, levando em consideração a proporção de habitantes piauienses, segundo

497
Idem.
498
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Bertrand, Rio de Janeiro, 1990.
499
IGREJA, M. P. Op.cit.
500
COIMBRA, L. R. L. Op. Cit.
501
Idem.
210

lembra o entrevistado: “Tinha, teve muito caso, aqui nós trabalhamos muito. Como o nosso
Piauí é pequeno também, [mas] com relação aos outros Estados, não foi tanto assim”.502
Ao ser questionado sobre a posição dos militares diante das missões e das
acusações e prisões de comunistas piauienses, o Senhor Luís Raimundo reflete: “[...] eu
também como soldado, eu sou....quando a gente faz o serviço militar, a gente se abstém um
pouco dessas questões passa a cumprir só as missões que lhe são delegadas, não muda muito a
política, essa que é a realidade”.503 Caberia aos subordinados militares acatarem as missões e
não questionarem, principalmente, no que se referia à prisão de comunistas: “eu cansei de
receber a missão quando entrava na viatura, o soldadinho só quando descia lá na hora de fazer [....].
504
Por quê? Pra não vazar”. A atuação do Exército era a de desarticular qualquer tipo
organização que levasse à desordem social, nesse sentido, quando questionamos o que era o
comunismo para o Exército, o senhor Luís Raimundo Coimbra nos deu a seguinte reposta: “O
Exército entende por comunismo tudo aquilo que é contra a nação, certo? Tudo que vem
contra a nação o Exército acha que é... não é que seja comunismo, mas que está fugindo às
normas do nosso modo de trabalho, ele recebia as instruções e nós passávamos a cumprir”.505
Mesmo assumindo duas representações: uma como militar e outra como civil, um
aspecto particular nos chamou a atenção nas memórias do Senhor Luís Raimundo Coimbra.
Ao ser questionado sobre as ações dos padres no Piauí, o entrevistado toma uma atitude que
até então não tinha assumido durante a entrevista: silenciou-se. Ao ser perguntado se existiam
padres comunistas no Piauí, o senhor Luís Raimundo refletiu: “nós temos também vários
padres que foram tidos como comunistas”.506 Vejamos que ele não coloca mais a sua posição
militar, e ainda afirma que os padres eram “tidos” como comunistas, e não que fossem
verdadeiramente comunistas. E quando perguntado os nomes desses padres, o senhor Luís
Raimundo disse: “Não, aí eu me reservo”.507 Por que dizer os nomes dos governadores e não
os dos padres? O que determinou o silêncio do senhor Luís Raimundo Coimbra?
Acreditamos que o fato de ser católico, o impediu de se apropriar da imagem dos
padres como praticantes de ações comunistas, ou mesmo de serem vistos como tais. Assim
como na memória do professor Pedro Vilarinho Castelo Branco sobre o seu pai José Ferreira
Castelo Branco, para o senhor Luís Raimundo não houve nenhuma relação entre a Igreja
Católica e o comunismo, naquele momento. Outra personalidade católica que, na época, foi
associada ao comunismo que foge completamente dessa relação nas entrevistas do senhor

502
Idem.
503
Idem.
504
Idem.
505
Idem.
506
Idem.
507
Idem.
211

Luís Raimundo, assim como na memória de Pedro Vilarinho sobre seu pai, é a figura de Dom
Avelar Brandão Vilela. Para o entrevistado, Dom Avelar era digno de admiração, as
lembranças que tinha dele eram “as melhores possíveis”508, até porque um dos seus filhos foi
batizado pelo próprio Arcebispo, com a água do Rio Jordão, que o senhor Luís Raimundo
tinha trazido na época da sua missão em Suez.

Fotografia 32. Luís Raimundo Lima Coimbra, 2007.


O senhor Luís Raimundo fez questão de ser fotografado próximo a esse pequeno altar.
Fonte: Foto do arquivo pessoal da autora.

A única associação feita entre a Igreja Católica e o comunismo no Piauí, foi a


prisão do irmão do Padre Raimundo José Ayremorais, reitor da Faculdade de Filosofia
(FAFI), na época. E essa associação foi feita não porque Diogo Ayremorais tivesse sido
seminarista, nem porque tivesse ligação com a Faculdade Católica, o senhor Luís Raimundo
apontou para outra apropriação sua sobre o comunismo:

O [....] Diogo, irmão do Padre Raimundo José, o Diogo foi preso. Mas
porque acha[vam] que, [...] ele era comunista. Mas não era não. Quando
você é muito inteligente, você não pode se sobressair intelectualmente que é
tido como comunista. Qualquer pessoa que é tido como inteligente,
altamente inteligente, ele é tido como comunista. Isso é que é a realidade.
Porque lê muito, e quem lê muito sabe das coisas.509

508
Idem.
509
Idem.
212

Esse trecho é interessante para percebermos como a apropriação do senhor Luís


Raimundo, muitas vezes, se assemelha às representações sobre o discurso anticomunista,
ficando muito próxima a que era feita pelos próprios comunistas. A representação de que o
comunista era uma figura inteligente, também foi feita pelo comunista Marcos Igreja, vejamos
como ele reflete sobre isso: “[...] é difícil dizer assim foi comunista, naquele tempo todo
mundo que era... [...] os que não tinham formação literária, cultural, se chamava de
subversivos, os que tinham formação cultural se chamava de comunista, dava um status
melhor ao comunista”.510
Mas esperar que o senhor Luís Raimundo Coimbra apoiasse ações comunistas ou
os próprios comunistas não seria sensato, pois como já mencionamos, o entrevistado tem uma
posição militar que se reafirmou durante toda a entrevista. Para o senhor Luís Raimundo
Coimbra, no Piauí, não houve nenhuma resistência à “Revolução de 1964”, porque o negócio
dos comunistas aqui mesmo era a bagunça e a desordem pública, como recorda: “O negócio
deles é, era deturpar a ordem pública. O negócio deles era isso aí, é fazer tudo aquilo que
devia...ao contrário do que deveria ser feito, achando que eram eles quem estavam certos que
o socialismo era quem estava certo, era essa coisa”.511
Essa também é uma entrevista singular, que veio a nos confirmar que, por mais
que as representações sejam condicionadas pelos autores, o leitor dessas representações
anticomunistas se apropria de uma forma particular e leva em consideração elementos que
compõem a sua subjetividade.512 O senhor Luís Raimundo Coimbra, para a construção de
suas representações, levou em consideração as representações adquiridas como militar, mas,
de certa forma, essas ficaram misturadas à influência de outros meio de propagação do
anticomunismo, que lhe deram uma outra representação sobre o comunismo, talvez tenha sido
o rádio o responsável, uma vez que seu Luís Raimundo lembrou-se dele com mais
profundidade. Não queremos afirmar que a sua apropriação o tenha levado a representar os
comunistas de uma forma positiva, pelo contrário, o comunismo, para ele, era algo negativo.
No entanto, olhou com criticidade as diversas associações do comunismo, principalmente as
personalidades políticas, dando a sua opinião enquanto militar e a sua opinião pessoal
enquanto civil, assim como rejeitou associar as ações dos padres piauienses, principalmente
Dom Avelar, ao comunismo.

510
IGREJA, M. P. Op.cit.
511
COIMBRA, L. R. L. Op. Cit.
213

3.5.3 Terras do silêncio: o anticomunismo e a reforma agrária

Na década de 1960, travou-se um debate intenso sobre a questão da Reforma


Agrária no Brasil, e também no Piauí. Como já foi insistentemente explicitado, ao longo desse
trabalho, qualquer proposta que se encaminhasse no sentido da questão agrária, naquele
momento, era entendido como uma ação comunista. Mas será que todos os proprietários de
terra percebiam o encaminhamento da Reforma Agrária dessa forma? Para uma outra
tentativa de compreender a apropriação das representações anticomunistas no Piauí,
realizamos uma singular entrevista com o Senhor Manoel Ricardo Arraes, grande proprietário
de terras, dos arredores da capital Teresina na década de 1960.513
O Senhor Manoel Ricardo Arraes, nasceu no dia 08 de dezembro de 1923, na
localidade de Pedra Preta a aproximadamente 70 quilômetros da capital Teresina.

Fotografia 33. Manoel Ricardo Arraes, 2007.


Fonte: Foto do arquivo pessoal da autora.

Cuidadoso com as palavras, o senhor Manoel Ricardo Arraes, ponderava as suas


colocações e suas posições, construindo em sua narrativa uma associação entre informações
do presente e lembranças do passado.514 O quadro da década de 1960, apresentado pelo
entrevistado foi bastante interessante, pois apresentou a visão de um homem que viveu maior

512
CHARTIER. R. Op.Cit.
513
ARRAES, Manoel Ricardo. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
514
A memória está em incessante trabalho de construção, é realimentada constantemente pelas lembranças do
grupo social do qual fazemos parte, assim como também vai se modificando ao longo de nossa vida. Ver:
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução Beatriz Sidou – São Paulo, Centauro, 2006.
214

parte de sua vida na zona rural.515


As recordações de criança são muito permeadas pela vontade de estudar e pela
dificuldade de chegar à escola por causa da distância, uma vez que, morando na zona rural, o
senhor Manoel Arraes enfrentava uma jornada de nove quilômetros a pé até a escola mais
próxima. Cursou o primário completo, quando já estava trabalhando com o seu padrinho em
uma mercearia, nessa época tinha apenas nove anos de idade. Na década de 1950, começou a
arrendar as primeiras terras no Maranhão, com a ajuda financeira de um amigo do seu
padrinho. Em 1960, com a enchente do rio Parnaíba, que inundou as terras e a casa em que
morava no Maranhão, o senhor Manoel Arraes retornou com a família para o Piauí.
A volta para o Piauí lhe o possibilitou a aquisição de uma grande quantidade de
terras, primeiramente 1000 hectares, no preço de 700 mil cruzeiros, propriedade chamada
Olho d'água de Dentro, na zona rural de Teresina.516 Ao ser questionado se era um valor alto
para a quantidade de terra comprada, o senhor Manoel Arraes recordou: “Naquela época, era
[para mim], mas ele [o vendedor] achou barato”.517 Segundo o senhor Manoel Arraes, todos
os que souberam da sua negociação afirmavam que o preço das terras compradas estavam a
baixo do mercado. As mesmas terras já haviam sido vendidas uma vez pelos proprietários,
mas o contrato tinha sido desfeito. Essa narrativa da aquisição das terras do senhor Manoel
Arraes é necessária para a compreensão de um contexto que envolveu os grandes proprietários
de terra na década de 1960. Ao ser indagado se ele ouvira falar sobre os movimentos dos
trabalhadores rurais no momento da aquisição da sua propriedade, o Senhor Manoel Arraes,
então, justificou a compra de tão grande quantidade de terras por um preço, que, na época,
poderia ser considerado baixo:

Olha, eu comprei esta propriedade [porque]... eles [os antigos donos da terra]
queriam vender esta propriedade com medo desse negócio de Reforma
Agrária, eles não conheciam [esse] negócio de Reforma Agrária, porque essa
Liga Camponesa é uma coisa e Reforma Agrária era uma [...] coisa
diferente, Reforma Agrária é sagrado. Então eles não entendiam, ou não
conheciam, ou...porque não queriam, porque todos os dois eram formados,
tanto o Zezico como dona Tecla, [ela era] professora universitária. E então,
venderam essa propriedade, que era grande, com medo do pessoal tomar
porque era a Reforma [...].518

O medo da tomada de terra, a Reforma Agrária proposta pelo governo e as Ligas


Camponesas fizeram com que os donos das terras, adquiridas pelo senhor Manoel Arraes, as
vendessem por um preço inferior ao de mercado.

515
Na década de 1960, 77% dos habitantes do Estado residiam na zona rural. MENDES, Felipe. Op.Cit.
516
Olho d'água de Dentro é grande parte do que hoje é o Município de Curralinhos, situado aproximadamente 70
quilômetros de Teresina.
517
ARRAES, M. R. Op. Cit.
215

Mas, diferente daqueles proprietários rurais que temiam a ação de comunistas,


citados durante o decorrer deste trabalho, na memória do senhor Manoel Arraes havia uma
divisão clara entre as Ligas Camponesas, as quais ele favorável, e a Reforma Agrária que
estava sendo proposta pelo governo na década de 1960. Mesmo que os dois movimentos
propusessem uma reforma na estrutura fundiária, o entrevistado os percebe como
completamente diferentes, classificando apenas a Reforma Agrária proposta pelo governo
como “sagrada”. Por que o Senhor Manoel Arraes, diferente da maior parte das
representações sobre a Reforma Agrária, proposta como parte das Reformas de Base na
década de 1960, não a associou ao comunismo? E como o Senhor Manoel Arraes se apropriou
das representações anticomunistas?
O entrevistado teve contato no período da década de 1960 com os três grandes
meios de propagação das representações anticomunistas: o rádio, o jornal e os livros. O rádio,
na sua memória, na década de 1960, já era comum, “todo mundo já tinha um radiozinho”519,
lembrou-se, de forma especial, da Rádio Difusora de Teresina e dos programas noticiosos:
“Almanaquinho no Ar”, transmitido pela Rádio Clube de Teresina, e “Mariquinha e
Maricota”, da Rádio Difusora de Teresina. Quanto aos jornais, segundo ele: “se a gente
recebia no interior, já estava amarelo, já tinha passado o dia, já tinha duas ou três publicações
na imprensa escrita”.520 Dessa forma, sempre que vinha ao centro de Teresina, comprava os
jornais atualizados para levar ao interior. O jornal mais lembrado pelo senhor Manoel Arraes
foi o Jornal do Piauí. Mesmo tendo feito apenas o primário, o senhor Manoel Arraes
recordou que também, naquela época, cultivava o gosto pela leitura de livros. O entrevistado
não se lembrou dos títulos dos livros, apenas um autor de livros didáticos de sua infância veio
a sua mente: Felisberto de Carvalho.

518
Idem.
519
Idem.
520
Idem.
216

Fotografia 34. Capa do Livro de Felisberto de Carvalho.

Fotografia 35 e 36. Páginas do Livro de Felisberto de Carvalho, o segundo livro de leitura, com a história do
“demônio”.
Fonte: http://www.revista.agulha.nom.br/francisco150.html

Essa relação com os meios de propagação do anticomunismo o fez recordar que


“a imprensa escrita, escrevia muito contra... muitos atos contra o comunismo, e a imprensa
falada da mesma maneira”.521 Talvez, boa parte de suas apropriações sobre o comunismo, e as
idéias sobre a Reforma Agrária e Ligas Camponesas tenham sido feitas através desses meios,
o que possibilitou a distinção entre a proposta de Reforma Agrária das Ligas Camponesas e a
do Governo Federal.

521
Idem.
217

Mas, o que podemos afirmar com mais segurança é que a apropriação que o
senhor Manoel Arraes fez das Ligas Camponesas não foi positiva, compartilhando com a
representação predominante do período. Para o entrevistado, o assunto em voga, naquele
momento, era a Reforma Agrária e não as organizações camponesas. E como a Reforma
Agrária deveria partir do governo e “o governo não toma terra de ninguém, a própria Reforma
dá direito ao proprietário”.522 Na sua visão, se a Reforma Agrária partia de um plano oficial,
os proprietários não deveriam ter ficado com medo de perder as suas terras. Para o senhor
Manoel Arraes, a reforma não lhe traria prejuízos, uma vez que o governo não tomava as
terras, mas desapropriava e indenizava. Já as Ligas Camponesas tinham uma representação
negativa para o Senhor Manoel Arraes. Nesse momento, a sua memória associa o movimento
das Ligas Camponesas ao Movimento dos Sem-terra (MST), mesmo que de forma
involuntária: “Agora, essa Liga Camponesa, esse negócio dos Sem-terra, esse é um
movimento, que, na realidade, é muito desagradável”.523 Talvez, essa sensação de desconforto
diante dos movimentos organizados pela posse da terra, sejam resquícios das representações
produzidas sobre as Ligas Camponesas e os Sindicatos Agrícolas no Piauí da década de 1960,
que eram vistos, muitas vezes, como destruidores da ordem pública além de serem
organizados e manipulados pelos comunistas, pois, nesse momento, uma das propostas de luta
do PCB era “a imediata destituição do regime latifundiário por meio de confisco de terra dos
latifundiários e entrega dessas terras ‘gratuitamente e sob a forma de propriedade privada’ aos
camponeses sem-terra ou possuidores de pouca terra ou ainda para todos os que quisessem
nela trabalhar”.524 Podemos perceber ainda, nesse trecho da fala de nosso entrevistado, uma
transposição de significados, dando ao MST a mesma importância que teve as Ligas
Camponesas naquele momento. Talvez, para o Senhor Manoel Arraes a importância das Ligas
Camponesas só possa ser expressa, através dessa associação entre o presente e o passado.
Sobre essa associação Antônio Torres Montenegro reflete:

A partir da memória enquanto passado se alcança ou se apreende o presente;


ao mesmo tempo, este presente atua relativizando ou deslocando
significados acerca daquele passado. Dessa forma, jamais dever-se-ia pensar
a memória ou a percepção como reflexo ou cópia do mundo, mas como
atividade, como trabalho ininterrupto de ressignificação do presente
enquanto leitura a partir de um passado que se atualiza enquanto memória
informando a percepção; por outro lado, há que considerar os significados
imprevistos que os sentidos apreendem do presente que podem desafiar a
leitura que se projeta a partir do passado como memória. Assim, a atividade
522
Idem.
523
Idem.
524
PRIORI. Ângelo. O PCB e a questão agrária: os manifestos e o debate político acerca dos seus temas. In.:
MAZZEO, Antonio Carlos e LAGOA, Maria Izabel (orgs.). Corações vermelhos: os comunistas brasileiros no
século XX. São Paulo: Cortez, 2003. p.69.
218

de rememorar voluntária ou involuntária é uma elaboração que contempla


mediações e transformações. Passado e presente, memória e percepção
instituem uma relação tensa em que se abrem ou não possibilidades de novas
redes de significação. 525

E a resignificação das Ligas Camponesas para o Senhor Manoel Arraes foi feita pelo
trabalho constante da memória.
Mesmo não tendo por ele nenhuma simpatia, esse movimento dos trabalhadores do
campo não o assustava como proprietário de terra, inclusive porque “As Ligas não eram muito faladas
não”.526 Para o nosso entrevistado, a década de 1960, apresentava-se como algo segredado, ou
seja, das Ligas Camponesas pouco se falava, e sobre o comunismo o silêncio ainda era maior.
Na visão do senhor Manoel Arraes, o comunismo era representado como um segredo:

Não, naquele tempo o comunismo aqui... buscaram um bocado de


comunista, mas não era tanto, porque o comunismo naquele tempo aqui era
um segredo, porque foram muito perseguidos, os comunistas foram muito
perseguidos, então o camarada tinha medo de se declarar comunista.527

A representação do comunismo como algo segredado na sociedade piauiense da


década de 1960, foi uma constante na entrevista do Senhor Manoel Arraes, o comunismo, de
forma mais clara, na memória do nosso entrevistado, deveria ser a negação das ações, deveria
ser um não ser, agindo como uma associação secreta, tal como a Maçonaria:

[....] então embora que eles tivessem aquela atitude comunista, mas eles se
comunicavam, digamos assim, como se fosse a maçonaria, com o grupo, em
grupo, ele não podia em praça pública se declarar: eu sou comunista! Que ia
preso, ia massacrado, como muitos foram mortos, presos, como foi a esposa
daquele Carlos Prestes que morreu na prisão, como vários outros.528

A representação do comunismo como algo silenciado na década 1960, de certa


forma, aponta para outra representação do período: a do comunismo enquanto um regime que
buscava se instalar nas sociedades de forma secreta, infiltrando-se nas principais instituições
públicas e privadas, como forma de garantir a sua expansão. Mesmo que para o senhor
Manoel Arraes, os comunistas se silenciassem naquele momento, ainda assim agiam, também
em silêncio, como uma espécie de organização secreta. Mas essa não foi a única
representação do comunismo que sobreviveu na memória do nosso entrevistado.
Percebemos que as Ligas Camponesas, na década de 1960, foram confundidas, em

525
MONTENEGRO, Antônio Torres. Rachar as palavras, ou uma história a contrapelo. Revista Ibero
Americana, PUC- RG. 2006.
526
ARRAES, M. R. Op. Cit.
527
Idem.
219

muitos meios de comunicação com os movimentos de organização dos Sindicatos rurais


organizados pela Igreja Católica. Mesmo com a insistência de Dom Avelar em tentar
desvincular os dois movimentos, eles foram bastante associados e relacionados ao
comunismo. E isso ocorreu porque a Igreja Católica também pregava a Reforma Agrária no
campo. No entanto, o que percebemos de forma decisiva na entrevista com o Senhor Manoel
Arraes foi o respeito pela Igreja Católica e suas ações. Durante nossa conversa, ele citou
trechos de discursos de João Paulo II e, por ser maçom, fez uma análise das críticas da Igreja
àquela instituição, inclusive refletindo a participação, nos dias atuais, de padres na Maçonaria.
Dessa forma, percebemos que a Igreja Católica teve uma influência também forte na
percepção que o senhor Manoel Arraes teve da Reforma Agrária, uma vez que, para ele a
Reforma não era algo negativo, e sim o movimento das Ligas Camponesas.

Fotografia 37. Manoel Ricardo Arraes, 2007.


Fonte: Foto do arquivo pessoal da autora.

Como leitor e ouvinte dos textos católico, o senhor Manoel Arraes recordou o
famoso programa radiofônico “Oração por um Dia Feliz”, feito por Dom Avelar, “Ali eu tinha
como um dever de assistir”.529 O nosso entrevistado pode muito bem ter compreendido a
diferenciação entre a Reforma Agrária e as Ligas Camponesas feita, inclusive, pelo próprio

528
Idem.
529
Idem.
220

Dom Avelar, que anunciava que as Ligas Camponesas nada tinham a ver com os sindicatos
rurais promovidos pela Igreja Católica.530
Nas palavras de Dom Avelar, a Igreja Católica, no Piauí, naquele momento,
esteve empenhada em conduzir o que seria uma Reforma Agrária justa, sem o conflito entre
patrões e empregados. E um dos principais condutores dessa proposta da Igreja no Piauí foi o
Pároco da Igreja de Nossa Senhora de
Lourdes, no bairro Vermelha, Padre Francisco Carvalho. Mencionamos durante a
dissertação que o Padre Carvalho recebeu a pecha de comunista, por causa desse seu
engajamento nas questões sociais. O pároco foi uma das figuras centrais na famosa caminhada
dos trabalhadores rurais, no ano de 1963, em Teresina.531

A célebre concentração de sindicatos camponeses na praça Rio Branco –


promovida pelo Revdmo. Padre Carvalho, tinha de tudo, - cinco mil
trabalhadores rurais, sindicalizados em diversos municípios, com os
respectivos presidentes, representantes da política oposicionista, todo o
estado maior comunista [....].532

Uma das figuras lembradas com muito carinho pelo senhor Manoel Arraes em
nossa entrevista foi a do Padre Carvalho. O entrevistado lembrou-se de sua casa que foi
adquirida no bairro Vermelha, para que seus filhos viessem do interior para estudar. Por conta
desse deslocamento de parte da família, o senhor Manoel Arraes vinha sempre ao bairro
visitar os filhos, sendo católico criou um vínculo com o Pároco do bairro. E recordou: “Olhe,
eu tive esse padre Carvalho, que era nosso amigo aqui na Vermelha, ele passou um mês, o
mês de agosto, um tempo de férias lá em casa, toda noite tinha uma missa, [...]. Todo dia 23
julho ele ia celebrar lá em casa”.533 Nas lembranças do senhor Manoel Arraes o Padre
Carvalho era uma figura bondosa, que ajudava muita gente pobre naquele momento. Mas,
quando questionamos sobre a pecha de comunista que foi lançada ao pároco da Igreja de
Nossa Senhora de Lourdes, o senhor Manoel Arraes nos deu a seguinte resposta, que
promoveu uma outra representação do comunismo:

Ali acontece o seguinte, [..] no sermão dele, ele falava muito..queria aqui e
530
Dom Avelar, em documento deixando com o padre Raimundo José Ayremorais, antes de sua saída para o
concílio Vaticano II, explicita a posição da Igreja Católica no Estado com relação aos sindicatos rurais. Expõe a
posição da Igreja frente aos acontecimentos e principalmente reflete que não é de acordo com as ideologias
Marxista-leninistas que estava atuando no campo, fazendo uma diferenciação entre os sindicatos rurais
promovidos pela Igreja Católica e as outras organizações que eram apoiadas por comunistas. Ver: CARTA, Dom
Avelar Brandão Vilela. Arquivo pessoal do Pe. Raimundo José Ayremorais. 03 de setembro de 1963.
531
IGREJA, M. P. Op.cit.
532
MENDES, Simplício de Sousa. Confusão Demagógica. Folha da Manhã. Teresina, 13 set. 1963, n. 1.604,
p.02.
533
ARRAES, M. R. Op. Cit.
221

acolá na conversa dele, que a gente achava....o sacerdote e o clero todo ele é
tendente, todo ele é tendente um pouquinho ao comunismo querendo imitar
mesmo a vida de Jesus, [...] então o comunismo era isso tudo em comum,
todo mundo dono.534

Apesar da representação silenciosa do comunismo no Piauí mostrada


anteriormente, nesse momento da entrevista relacionado à Igreja Católica, e em especial à
figura do Padre Carvalho, o senhor Manoel Arraes nos apresenta outra apropriação. De uma
forma suavizada, é a mesma representação que relacionava as ações de alguns membros da
Igreja Católica ao comunismo, como havíamos mencionado no primeiro capítulo. E o
entrevistado continua a sua representação sobre o comunismo:

Olha o comunismo, ao meu ver, eles queriam era imitar, (pausa) uma parte
queria imitar a vida de Jesus, porque Jesus vivia em comum com todo o
povo, então ali tinha uma grande multidão que acompanhava,[...] tudo [se]
tratando como irmão, e então aí o comunismo não é tão ferino como o
pessoal pensa, não é não, porque também [...] o pessoal dizia que o
comunismo tomava tudo que o camarada tinha, aquilo ali não é comunismo,
aquilo é como esses movimento Sem-terra, aquilo nem comunista não é,
porque o próprio comunista não adota um procedimento daquele. [grifos
nosso] 535

Esse trecho, em nossa opinião, foi um momento importante na entrevista, pois a


sua apropriação sobre o comunismo se torna algo, em parte, positiva. Mas, se prestarmos
atenção, o comunismo é apresentado apenas em parte como positivo, no momento em que o
senhor Manoel Arraes recorda “uma parte queria imitar a vida de Jesus”, demonstra que não
eram todos os comunistas, somente uma parte, talvez tenha sido aquela parte que estivesse
ligado ao clero. Essa pode ser uma reverberação da representação anticomunista de que, no
final da década de 1960, os comunistas ou eram apoiados pela Igreja Católica, ou faziam parte
do clero, como seu Manoel Arraes já havia mencionado “o sacerdote e o clero todo ele é
tendente, todo ele é tendente um pouquinho ao comunismo”.536 Talvez para o senhor Manoel
Arraes, esse comunistas tivessem uma boa intenção, mas também na sua visão, esses eram
apenas uma parte do todo.
Outro aspecto a ser ressaltado, ainda da última fala do nosso entrevistado é a
caracterização dos comunistas como algo animalesco, no trecho em que diz: “o comunismo
não é tão ferino como o pessoal pensa, não é não”.537 Assim como no trecho anterior, os
comunistas são representados em parte e não no todo. Como o comunismo não era “tão
ferino”, existiam momentos em que ele era ferino e em outros momentos não, mas em qual

534
Idem.
535
Idem.
536
Idem.
537
Idem.
222

momento os comunistas eram ferinos? Esse é um outro silêncio que se fez na memória do
senhor Manoel Arraes.
Mesmo tendo essa influência religiosa, ao ser questionado se o comunismo tinha
algum tipo de relação demoníaca, o entrevistado respondeu prontamente: “Não, não era nada
disso não”.538
Ainda sobre a amizade com o Padre Carvalho o Senhor Manoel Arraes nos narrou
um episódio, que em princípio, só demonstrou um simples convite de férias, no entanto nos
indicou algo a mais, vejamos a narração do entrevistado:

O padre Carvalho sempre foi...sempre teve um bom coração, ele sempre teve
um bom coração, ele sempre gostou de ajudar. Agora, o padre carvalho ele
me fez... quase me mata do coração um dia [...] ele me falou o seguinte, ele
foi celebrar uma missa na Fazenda Nova539, naquele tempo o carro que tinha
lá era o nosso, eu comprei um jipe, jipe 58, [..] e o compadre [..] foi pegar o
carro lá em casa pra buscar o padre e deixar, e quando ele terminou a missa,
eles foram lá por casa que era pra eu vir com eles pra Teresina, e aí o Padre
Carvalho lá naquele terração e andando, disse: ei, mais rapaz aqui, aqui é
muito bom pra gente passar uns tempos de férias, eu disse: pois é padre,
aqui está às suas ordens a casa é sua, qualquer tempo que o senhor quiser
passar uns tempo aqui com a gente é prazer! [...] Aí recebi uma carta dele,
mandando perguntar se aquele negócio ainda estava de pé, aí eu vim
pessoalmente responder pra ele: recebi a sua carta, e quero lhe dizer que o
que lhe disse naquele dia que a casa era sua ainda continua sendo. Ele
disse: pois rapaz, eu vou tirar um mês de férias, eu ia lá pra casa do Carlos
meu irmão [...], mas acontece o seguinte, eu me lembrei de você, e se você
combinar eu vou passar minhas férias lá na sua casa. Eu disse: pois já tá
combinado padre. Aí ele disse: pois dia tal, você vem... tal hora, é de noite,
não quero que ninguém saiba, porque se o pessoal souber que eu estou aqui
no Olho d'água de Dentro, lá na sua casa, aí é casa cheia todo dia vai gente
lá me visitar, [...] vou contar a história que eu vou lá pra casa do meu
irmão, só Dom Avelar vai saber que eu estou na sua casa. [...] Aí cheguei lá,
bati na campainha, saiu uma moça perguntei pelo padre Carvalho, aí ela
disse: viajou, e eu: pra onde? ela disse: pra Minas. [...] E aí ela disse: o
padre Carvalho está lá com Dom Avelar, e ele me pediu que quando o
senhor chegasse que era pra ficar aqui num lugar mais reservado que, que
ele só chega aqui dez horas que era pra que ninguém vê ele entrando [...].
Aí quando o padre chegou nos fomos, mas era pra ninguém saber.540

Apesar de ser uma narrativa extensa, ela é interessante, principalmente para se


entender alguns elementos da década de 1960. O convite feito ao Padre Carvalho para passar
as férias em sua casa na zona rural só demonstrava a afeição que o senhor Manoel Arraes
nutria pelo pároco, o que nos chamou a atenção, nessa narrativa, é a saída as escondidas do
Padre Carvalho de Teresina. Era momento de repressão, e segundo alguns depoimentos, a

538
Idem.
539
Comunidade próxima à Olho d'água de Dentro, terras do senhor Manoel Arraes.
540
ARRAES, M. R. Op. Cit.
223

própria cabeça do Padre Carvalho foi pedida pelos militares a Dom Avelar541, o Padre era
tido, por muitos, como um padre comunista, ou mesmo um padre vermelho, expressão de
praxe utilizada por Simplício de Sousa Mendes ao referir-se a ele nos jornais locais. A saída
às escondidas, à noite, e ainda sobre a mentira de que estava na casa do seu irmão, que
morava em Minas Gerais, pareceu-nos uma tentativa de se refugiar da turbulência do período.
Padre Carvalho era uma figura chave em vários movimentos sociais do Piauí, suspeito de
compactuar com os comunistas, o que só deixava a sua situação mais difícil diante dos
acontecimentos políticos. Por que mentir sobre a ida a casa do irmão? Talvez não fosse seguro
naquele momento encontrar-se com a família, o que poderia, de certa forma, comprometer
seus familiares.
Outro aspecto relevante na narrativa apresentada, é demonstrado pela relação de
distância entre a zona urbana da capital e zona rural, pois aparentavam ser maiores naquele
momento, uma vez que Olho D'água de Dentro, propriedade de seu Manoel Arraes, ficava a
apenas 60 quilômetros de Teresina. Mesmo sendo tão próximo, o Padre achou naquelas terras,
um lugar seguro para se refugiar (da população? Ou da polícia?). O que só demonstra que a
comunicação com a zona rural era difícil naquele momento, e é nesse sentido que
compreendemos e retomamos as lembranças do senhor Arraes, em achar que pouco se falava
sobre as Ligas Camponesas, naquele momento. Será que foi a distância que atrapalhou a
entrada dessas informações na zona rural do Piauí?
Para finalizar, as questões políticas pouco foram lembradas pelo Senhor Manoel
Arraes. Ao ser questionado sobre o governo do Senhor Chagas Rodrigues, a sua memória
recorreu a um outro momento:

O pessoal sempre..o homem que trabalha, o homem que desempenha os


intelectos não só seu como do povo, eles tem aquilo uma inveja, os
adversário [...] eles tem aquele ciúme, aquele negócio, veja o caso daquele
tempo das casas queimando aí [...] era o interventor federal na época Dr.
Leônidas de Castro Melo, por sinal, veio esse do Pará [...] o Coronel Evilásio
Vilanova, [...] que foi chefe de polícia naquele tempo [...] e comandante da
polícia militar do Piauí. E então, um sujeito muito invejoso, que era muito
ambicioso, e queria, e queria, houve aquele negócio dos incêndios das casas
de palha pra...ele queria com aquilo, que dizem que foi ele, [...] e ao que tudo
indica que era, e era pra tomar o lugar, ele queria ficar no lugar do senhor
Leônidas Melo.542

Dois aspectos dessa fala do senhor Manoel Arraes devem ser destacados.
Primeiramente é a idéia de que as acusações de comunismo que recaíam sobre Chagas era
uma espécie de jogo político, concepção está compartilhada pelo senhor Luís Raimundo

541
IGREJA, M. P. Op.cit.
542
ARRAES, M. R. Op. Cit.
224

Coimbra na entrevista anterior, ou seja, era inveja de sua posição e de seu intelecto que, na
memória do senhor Manoel Arraes, implicitamente, motivaram a classificação de comunista
ao governador Chagas Rodrigues. Segundo, é a transferência de acontecimentos políticos. O
senhor Manoel Arraes ao ser questionado sobre a política da década de 1960, transfere as suas
considerações para décadas anteriores. Como já havíamos mencionado no início da entrevista,
o senhor Manoel Arraes é um homem cauteloso com as palavras, talvez essa tenha sido uma
tentativa de explicar fatos tão complexos, recorrendo a acontecimentos que também marcaram
o Piauí em décadas anteriores.
O conturbado governo de Chagas Rodrigues, na memória do Senhor Manoel
Arraes, de certa forma, só poderia ser comparada ao turbilhão de acontecimentos que
ocorreram no governo do Interventor Leônidas de Castro Melo, entre as décadas de 1930 e
1940, no qual casas de palhas forma incendiadas na capital piauiense, levando várias pessoas
a saírem do centro e irem morar na periferia da cidade.543 A mesma reação de transferir
acontecimentos ocorreu quando perguntamos ao senhor Manoel Arraes o que ele lembrava
dos acontecimentos de março e abril de 1964. A sua memória o levou à Segunda Guerra
Mundial, e ao grande alvoroço que aconteceu na cidade mediante a partida dos pracinhas.
A entrevista foi bastante positiva, no sentido de compreendermos como as
representações sobre o comunismo foram múltiplas. Apropriando-se de vários meios de
propagação do anticomunismo, o senhor Manoel Arraes não levou apenas em consideração a
sua situação de grande proprietário de terras. As novas representações que foram construídas
em sua memória remetem às Ligas Camponesas e ao comunismo como segredos daquele
momento. A própria concepção de Reforma Agrária, que na grande parte das representações
da década de 1960 era vista como proposta do comunismo, para o senhor Manoel Arraes
possuía uma divisão nítida entre a Reforma do governo e a das Ligas Camponesas, que não
implicava necessariamente a existência do comunismo. Interessante perceber a influência dos
representantes da Igreja Católica para a sua visão dos acontecimentos políticos da época, em
especial quando reflete que todo o clero é tendenciosamente comunista. O depoimento do
Senhor Arraes nos ajudou a compreender que as apropriações que eram feitas dos meios de
propagação das representações anticomunistas eram múltiplas, e por mais que pudéssemos
pensar que um grande proprietário terras representaria a proposta de Reforma Agrária no
Brasil da década de 1960 como organização de comunistas, surpreendemo-nos com a sua
concepção dos acontecimentos e as novas representações que foram construídas por sua
subjetividade e individualidade, demonstrando que cada sujeito que viveu aquele momento
225

fez sua apropriação de uma forma única, e ao mesmo tempo, condicionada pelos elementos
que a compunha.

3.5.4 Mulher de comunista! A condição feminina e o anticomunismo.

A última entrevista que analisamos com o intuito de compreender as apropriações


das representações anticomunistas da década de 1960, no Piauí, foi realizada com a dona de
casa, Iracema Monteiro da Silva Torres.544 Muito comunicativa, Dona Iracema Torres fez com
que muitas histórias paralelas entrassem nas respostas dadas as questões elaboradas durante a
entrevista. Por mais que tentássemos encaminhar, ou fazer enveredar a entrevista por questões
políticas, as respostas recaíam quase sempre sobre acontecimentos pessoais. Não
consideramos isso um problema para a entrevista, em nosso entendimento, essa é mais uma
demonstração que a apropriação ocorre em decorrência dos elementos que compõem a nossa
subjetividade e individualidade. Como mulher, mãe e dona de casa, o espaço familiar e do lar
teve um peso maior na condução das respostas de nossa entrevistada.
Dona Iracema Torres nasceu em 18 de novembro de 1930, na localidade de Santa
Maria, zona rural de Teresina.

543
Sobre os incêndios ocorridos em Teresina no período, ver: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade
sob o fogo: modernização e violência policial em Teresina (1937-1945). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor
Chaves, 2002.
544
TORRES, Iracema Monteiro da Silva. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.
226

Fotografia 38. Iracema Monteiro da Silva Torres, 2007.


Fonte: Foto do arquivo pessoal da autora.

Cursou até a 2ª série do primário, em escolas da capital piauiense. Apesar de vir


todos os dias da zona rural para freqüentar as aulas, Dona Iracema Torres não se lembrou
desses episódios como algo repleto de sofrimento, mas como uma diversão diária. Com a
separação dos pais, a sua mãe, mudou-se com os filhos para Teresina, nesse momento a
entrevistada recordou que, com 12 anos de idade, começou a trabalhar como garçonete em um
dos bares mais famosos da capital piauiense, naquele momento: O Bar Carvalho. Na década
de 1950, Dona Iracema Torres se casou e foi morar no interior, no município de Castelo do
Piauí, na região norte do Estado. Mas, na década de 1960, já tinha voltado com a família para
Teresina, por causa do emprego do marido.
A que meios de propagação do anticomunismo a entrevistada teve acesso naquele
227

momento? Dos meios de propagação da representação anticomunistas, dona Iracema Torres


recordou-se de alguns. Na suas lembranças, os jornais escritos somente podiam ser lidos
quando eram emprestados dos vizinhos, e por ser esse o seu acesso, nem todos os dias as
manchetes eram lidas. Na missa, recebia, algumas vezes, O Dominical, mas ela recorda que
neste jornal lia apenas “as rezas”. O rádio ocupou um lugar de maior destaque nas lembranças
de Dona Iracema Torres. No local onde morava, como lembrou a entrevistada, o único rádio
que tinha uma boa recepção era o seu, e várias pessoas se reuniam para escutar as notícias dos
acontecimentos nacionais e internacionais: “Quando mataram o Kennedy, tudo saiu, [...]
apareceu o enterro, foi numa carruagem e o cavalo puxando”.545 E declara: “eu gostava
mesmo era das notícias”.546 Sobre os livros, Dona Iracema Torres, gostava dos pequenos
livrinhos que eram comprados nas feiras chamados “romances”, um desses livros que ela
guardou em sua memória tinha o título “O anti-cristo no mundo”, o livro, segundo Dona
Iracema, criticava as modernidades do mundo daquela época, principalmente as modernidades
femininas. Mas, na sua memória, era mais conversando que lendo que os acontecimentos
políticos eram apropriados.
A entrevista se encaminhou por lembranças pessoais e familiares. Em nossa
opinião, o depoimento colhido de Dona Iracema Torres, ressalta a concepção de Roger
Chartier547 sobre a apropriação. Leitora das representações anticomunistas do período, Dona
Iracema Torres teve uma apropriação diferente de todos os outros entrevistados, com relação
a alguns aspectos do comunismo. Apesar de ver o comunismo como algo negativo,
característica que foi compartilhada por todos os outros entrevistados, Dona Iracema Torres,
transformou as representações políticas que lhe foram transmitidas naquele momento em
informações relacionadas à vida pessoal. Ao ser indagada por que o médico e ex-governador
Rocha Furtado548, por quem a entrevistada nutre uma grande admiração, havia sido chamado
de comunista nas décadas de 1940-1950, Dona Iracema Torres nos dá a seguinte resposta:

Ah, eu não sei. [...]


Eu digo que é porque ele era muito bom, eu pelo menos tinha um
meninozinho lá doente, eu fui lá no consultório dele, levei, contei a história,
não faltou nada pra esse menino, era assim que ele fazia, com o pessoal, né?
Aí chamavam de comunista. [...] mas queriam dizer que ele fazia aquilo ali
comprando as pessoas. Está entendendo?549

545
Idem.
546
Idem.
547
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Bertrand, Rio de Janeiro, 1990.
548
Governador piauiense no final da década de 1940 e início da década de 1950, foi acusado de ser comunista
pelo seu opositor político do período, João Clímaco d'Almeida, porque recebeu o apoio dos comunistas em sua
candidatura ao governo do Estado.
228

As representações sobre o comunismo começam a aparecer como parte da sua


vida familiar. O médico e ex-governador Rocha Furtado foi a figura política mais mencionada
pela entrevistada, talvez pela sensação de proximidade que Dona Iracema sentia do ex-
governador piauiense. Em sua memória, o médico era uma pessoa bondosa e apenas prestava
atendimento a pacientes pobres. Por estar ajudando aos doentes, algumas achavam que ele
estaria usando a situação de médico para comprar a eleição de governador do Estado e, por
esse motivo, foi acusado de ser comunista.
Mas, na memória de Dona Iracema essa relação de Rocha Furtado com o
comunismo não era algo tão compreensível, pois ela inicia a sua resposta afirmando que não
sabia o motivo da pecha de comunista ter sido lançada ao ex-governador, até porque, em suas
lembranças, a idéia de compreender Rocha Furtado como comunistas não estava relacionada
com outra representação que ela guardava do comunismo. Segundo ela os camisas-verdes
eram os comunistas: “Nesse tempo [no tempo em que Rocha Furtado se candidatou ao
governo do Estado] tinha um negócio lá de camisa-verde, que chamavam camisa-verde, [esse]
que era os comunistas, né?”.550 Mas, a que representações Dona Iracema Torres teve acesso
para construir essa relação do Integralismo com o comunismo? Como a memória se constrói
ao longo dos anos, uma interpretação pode ser dada a partir do processo eleitoral do ano de
1960 para Presidente da República, podendo Dona Iracema Torres tê-la remetido às décadas
anteriores. O Marechal Henrique Teixeira Lott, candidato ao cargo de presidente, recebeu o
apoio dos comunistas e também do ex-camisa-verde Plínio Salgado. Nesse momento, nos
meios de propagação das representações anticomunistas piauienses, afirmava-se que havia
uma confusão de cores apoiando o Marechal Lott, o vermelho, representando o comunismo e
o verde, como símbolo do Integralismo, ressaltando-se nas páginas dos noticiosos que as duas
cores, na política brasileira, eram consideradas como opostas em suas posições ideológicas,
mas, naquele ano, acabaram se aproximando de tal forma que estavam lutando pela mesma
proposta política, assim os dois acabaram sendo percebidos como comunismo, pelo menos
aqui no Piauí. Essa pode ser uma explicação para tal relação entre o comunismo e o
Integralismo: a sua momentânea união para a eleição presidencial no ano de 1960.
Podemos, ainda, tentar entender essa relação entre comunismo e Integralismo,
feita por Dona Iracema Torres, como uma apropriação particular dos acontecimentos políticos
daquela época, ou ainda, como uma falta de compreensão sobre o que era comunismo e o
integralismo.
A sua apropriação se torna mais particular quando questionamos sobre a atuação

549
TORRES, I. M. da S. Op Cit.
550
Idem.
229

de alguns desses comunistas no Estado. Dona Iracema Torres, antes de se casar, também
prestou serviços de cobrança de contas, e o senhor que a tinha indicado para o trabalho era
reconhecido como comunista pela cidade, segundo ela. Em sua memória o fato sobre ele que
mais lhe chamou a atenção era que:

Eles atravessavam o Parnaíba por cima, esse homem [...] que ele arranjou
pra mim cobrar da maçonaria, ele era um dos comunistas, seu Amadeu. Ele
pegava a roupa, amarrava na cabeça, o rio [estava] cheio para atravessar pro
Maranhão. Jogava lá na hora que ele quisesse, voltava [...] era assim, e nunca
mataram ele.551

Para Dona Iracema Torres, uma dos maiores feitos do suposto comunista Amadeu
era atravessar a nado o Rio Parnaíba cheio, para praticar jogos de azar no Maranhão como
bem entendesse, e, ainda, sempre voltando ao Piauí sem nunca ter sido assassinado. Se essa
era um prática dos jogadores piauienses, sair a nado do Piauí para o Maranhão, não sabemos,
temos apenas a informação de que a prática do jogo era proibida no Estado do Piauí, e talvez,
essa ação de atravessar o rio a nado tenha sido uma tentativa utilizada para burlar a
fiscalização efetuada contra os jogadores. No entanto, para Dona Iracema Torres, esse foi um
fato marcante, talvez pelos temores de infância impostos pelos pais de que os rios, quando
cheios, eram perigosos. Mas, o comunista era uma figura mais perigosa do que o rio, pois, o
atravessava sem maiores problemas, para ainda praticar atos ilegais em outro Estado.
Um aspecto deve ser ressaltado, essa era uma prática daquele comunista em
especial, porque dos comunistas de um modo geral, Dona Iracema Torres lembra que suas
ações eram feitas em segredo, idéia essa compartilhada pelo senhor Manoel Arraes na
entrevista anterior. Toda a sociedade piauiense sabia das ocupações sociais desses
comunistas, no entanto, era a única coisa que se sabia sobre as suas ações, como lembra Dona
Iracema Torres:

Não, ninguém sabia o que eles eram, [...] uns tinham alfaiataria, outros tinha
coisa de fazer ouro, essas coisas assim, era ourives, tudo isso aí, ele vivia
disso aí, mas ninguém sabia.... era escondido, se apertasse o tiro, pá! morria,
ninguém sabia por que.552

Segundo Dona Iracema Torres, ninguém sabia o que os comunistas realmente


faziam. As ocupações profissionais eram de domínio público, no entanto, como comunistas, o
que faziam era escondido. Essa representação construída por Dona Iracema Torres é bastante
expressiva e, em certo sentido, compartilhada pelo senhor Manoel Arraes, para os dois

551
Idem.
230

entrevistados, as ações dos comunistas eram um segredo naquele momento.


Assim como se apropriou de representações compartilhadas por outros indivíduos,
na década de 1960, outras apropriações foram feitas a partir de características bastante
singulares. Nesse sentido, um outro aspecto que deve ser levado em consideração para as
apropriações efetuadas por Dona Iracema Torres é sua condição feminina. Pelo que podemos
perceber a relação entre as mulheres estabelecia uma forma de apropriação do mundo
diferente da dos homens. Segundo Dona Iracema Torres, foi sua mãe primeiramente quem a
alertou sobre os perigos do comunismo:

Se [os comunistas] chegassem em sua casa, a mamãe dizia: olhe, você não...
se tiver a porta fechada não abra, nem fala. [...]
Mas ela dizia, porque eram os comunistas. Aquele ali, se chegasse em sua
casa, se você deixasse entrar em sua casa, ele acertava tudo, aí depois ele
dava o golpe e ninguém podia dizer nada, as moças não podiam dizer
nada.553

Esse trecho da fala de dona Iracema Torres nos chamou a atenção por dois
motivos especiais. Primeiramente, porque é interessante notar que essa representação
anticomunista foi feita pela mãe da entrevistada, o que nos leva a refletir como as
apropriações anticomunistas femininas tendem a se constituir por uma rede familiar,
internamente feminina, ligada a elementos que envolvem o medo da figura masculina, pois
quando se falava em comunista, não era, naquele momento, pelo menos na memória de Dona
Iracema Torres, uma palavra que englobava os dois gêneros, mas o comunista, de forma geral,
era um homem. Um outro aspecto que nos chamou a atenção surgiu com a seguinte expressão
“ele dava o golpe e ninguém podia dizer nada, as moças não podiam dizer nada”, ao reforçar a
frase sobre o silêncio que era imposto logo após o golpe do comunista, na segunda frase ele se
referiu apenas as moças. Por que as moças não poderiam falar sobre o golpe que era dado
pelos comunistas? E qual golpe era esse? Dona Iracema Torres respondeu-nos de forma
direta:

Assim, ele seduzia as filhas, né? Que era o que eles faziam. E aí seu pai nem
podia dar parte, porque ele era bom pra ele, que ela dava isso, que ele fez
isso, então era isso que era comunistas, tá entendendo? Pois era isso aí que
era comunista. 554

O comunista era um sedutor, segundo entendia Dona Iracema, nesse sentido,


explica-se o medo do comunista na representação da mãe, por isso a tentativa de falar com a

552
Idem.
553
Idem.
554
Idem.
231

filha para rejeitar qualquer tipo de comunicação com um comunista: que ia desde abrir a porta
de casa (ou seja, a mulher estava realmente segura no espaço da casa e não da rua, que era um
espaço masculino) até o contato mais íntimo com as palavras (porque era através das palavras
que o comunista começava agir contra as moças). E como lembra Dona Iracema Torres, esse
era um golpe traçado para desvirtuar as moças, uma vez que o comunista conquistava o pai
com presentes e benefício, para que, depois que a filha fosse seduzida, não houvesse queixas
diante da polícia, já que o sedutor tinha conseguido uma relação amigável na casa. O
comunismo é representado pelo medo da desonra feminina, essa é certamente uma
representação construída sobre as relações de gênero, e da perspectiva em que foi colocada na
memória de Dona Iracema Torres, certamente era uma representação anticomunista
predominantemente construída para um público feminino.
232

Fotografia 39. Iracema Monteiro da Silva Torres, 2007.


Fonte: Foto do arquivo pessoal da autora.

Sobre os movimentos rurais naquele momento como as Ligas Camponesas e os


sindicatos, Dona Iracema Torres afirma que não ouviu nada sobre nenhum deles. Com relação
ao golpe civil-militar de 1964, ela recorda que: “Eu só ouvi falar, mas sobre as outras coisas
eu não ouvi nada não”.555 Dona Iracema recorda que naquele momento às coisas não eram às
claras como hoje, “aquilo tudo era escondidinho”.556 Mas, segundo ela, aqui em Teresina,
tinham muitos comunistas e muitos foram presos no período. Talvez, a maior parte das
pessoas que foram presas acusadas de serem comunistas, tenham sobrevivido na memória de
Dona Iracema como verdadeiros comunistas.
Mas uma representação, em especial, nos chamou a atenção, foi uma associação
entre a década de 1960 e a década de 1940, que já havia sido feita por outro entrevistado.
Quando perguntamos ao Senhor Manoel Arraes porque o governador Chagas Rodrigues era
comunista, talvez pela situação complexa que era a acusação feita a Chagas Rodrigues
enquanto governador, de imediato, o entrevistado relacionou o momento à década de 1940,

555
Idem.
556
Idem.
233

época em que ocorreram incêndios criminosos às casas de palhas no centro de Teresina e o


interventor federal, naquela época, Leônidas Melo, foi acusado de ser o mandante dos
incêndios. Dona Iracema Torres ao ser questionada sobre os comentários que eram feitos
sobre o comunismo na década de 1960, nos deu uma resposta parecida com a do Senhor
Manoel Arraes, voltando à década de 1940, segundo ela: “Dizia[m] não, ninguém falava nada.
Era mesmo com as casas quando pegavam fogo, se você dissesse assim: Olha ali estava
pegando fogo! Ali lhe pegavam e lhe enterravam se fosse possível. Ninguém comentava.
Quando viam, o fogo já tava começando”. Os dois entrevistados recorreram a uma situação
mais distante, mas não menos difícil, para tentar explicar a complexa década de 1960. Para o
senhor Manoel Arraes, o governador do Estado, Chagas Rodrigues, só tinha sofrido uma
acusação tão grave, que era a de ser comunista, quanto a feita a Leônidas Melo, de mandante
de incêndios criminosos. Já para Dona Iracema Torres, a situação do silêncio popular sobre o
comunismo, só seria comparável ao silêncio diante dos incêndios das casas de palhas, duas
décadas antes. Era o medo quem guiava o silêncio daqueles dois momentos da história
piauiense.
O comunismo, segundo nossa opinião, apesar de não ser algo que teve uma
importância grande na memória de Dona Iracema Torres, esteve presente na representação do
medo e do silêncio. Na memória de nossa entrevistada o comunismo era algo segredado na
sociedade piauienses, poucos eram as pessoas que tinham coragem de falar abertamente sobre
o assunto. A representação anticomunista mais relevante que ela nos apresentou, estava
relacionada a sua condição feminina, uma vez que o comunista foi representado como um
sedutor, pronto a desvirtuar as moças de família.
234

Considerações Finais

O anticomunismo fez parte da cultura política brasileira durante a maior parte do


século XX. Este fenômeno, para se preservar, teve de intervir na conceituação do comunismo.
Nesse sentido, os anticomunistas, de um modo geral, acreditavam que estavam constituindo
uma noção, sobre o comunismo, de forma invariável e universal. No entanto, durante a década
de 1960, nos textos que circularam no Piauí, o significado foi dado ao comunismo, pelos
anticomunistas, era permeado de rupturas e permanências. As permanências remetem
principalmente à relação do comunismo com marxismo, ou melhor, o comunismo era
significado como a própria obra marxiana e marxista. Outra permanência da significação do
comunismo, dada pelos anticomunistas, é a sua excessiva crença no materialismo, remetendo
a aspectos puramente terrenos, o que implicaria o seu ateísmo. Mas, também, o comunismo
era entendido como crença e até mesmo como doutrina, dessa forma, disputando espaço com
as religiões tradicionais. Não obstante, era, também, significado como ditadura violenta, nos
textos que circularam no Piauí dos anos de 1960.
Sobre as fissuras de significação, podemos destacar: a significação do comunismo
como nacionalismo, principalmente na eleição presidencial no ano de 1960, quando o
candidato nacionalista Marechal Henrique Teixeira Lott foi associado a esse regime, por
receber o apoio dos comunistas. Outro significado que foi dado ao comunismo, e que alterou
a sua significação durante a década de 1960, é a sua associação com a Reforma Agrária, ou a
qualquer assunto relativo às questões do campo. Essa significação teve uma maior
ressonância entre os anos de 1961-1964. Entre os anos de 1965-1969, o comunismo foi
entendido pelos anticomunistas como ações de padres católicos, sendo alguns deles
identificados como comunistas. Nesse momento, o comunismo ganhou, ainda, contornos de
terrorismo.
Em decorrência dessas (re)significações dadas ao comunismo durante a década de
1960, múltiplas representações foram transmitidas ao grande público. Percebemos que a
construção dessas representações foi efetuada por três grandes vertentes anticomunistas no
Piauí. A vertente da Reforma Agrária, em geral, era composta pelos grandes proprietários de
terra, que viram nas ações do governador Chagas Rodrigues (1959-1962), apoiando as Ligas
Camponesas no Estado, e nas obras do Arcebispo Metropolitano Dom Avelar Brandão,
idealizador e apoiador dos Sindicatos Agrícolas no Estado, como ações comunizantes, muitas,
vezes, relacionando a imagem dessas duas personalidades piauienses ao comunismo.
A outra vertente anticomunista foi a conservadorista, em geral, formada por
235

políticos e altos funcionários públicos. Os anticomunistas dessa vertente levantaram uma


bandeira contra o comunismo em nome da democracia, e, muitas vezes, apoiando o próprio
Estado Autoritário pós-1964. É sobre essa vertente que muitos representações anticomunistas
vão ser construídas para desqualificar campanhas eleitorais, como ocorreu no ano de 1962,
nas eleições para o governo do Estado. O governador Chagas Rodrigues não conseguiu eleger
o seu sucessor, Constantino Pereira, e a sua própria eleição ao Senado foi barrada, sobrando-
lhe apenas uma vaga na Câmara Federal.
A última vertente anticomunista que classificamos no Piauí é formada por um
grupo religioso ligado à Igreja Católica. A produção de representações anticomunistas ligadas
a essa vertente tem como característica a aversão ao comunismo por sua concepção puramente
materialista da realidade e, principalmente, pelo ateísmo pregado nos países comunistas
durante a década de 1960.
Apesar de cada grupo ter o seu motivo central de aversão ao comunismo,
percebemos a existência de representações comuns aos três segmentos representativos do
anticomunismo piauiense como as imagens de animais, doenças infecciosas e malignas e
representações relacionadas à cor vermelha e ao demônio.
No entanto, não podemos pensar nas representações sem relacioná-las às práticas,
nesse sentido, as práticas, discursivas ou não, foram múltiplas, caracterizando-se desde as
excessivas publicações até as prisões de comunistas e supostos comunistas piauienses.
Refletimos sobre a maneira como essas representações foram propagadas no Piauí
da década de 1960, de modo que, classificamos três meios de propagação do anticomunismo:
jornais escritos, os livros e o rádio.
O rádio foi o maior meio de propagação, talvez pelo alcance que possuía, pois
poderia ser consumido por públicos das mais variadas camadas sociais e intelectuais, mas,
também, porque, nesse momento, o rádio, no Piauí, ainda estava em sua “era de ouro”. Na
memória dos entrevistados esse foi o meio de propagação do anticomunismo mais lembrado.
Apesar de não existirem arquivos de áudio dos programas transmitidos naquele momento, os
jornais escritos foram utilizados como fonte, para entendermos a propagação das
representações anticomunistas através do rádio, uma vez que os jornais impressos
transcreveram muitos desses discursos.
O jornal impresso foi outro meio de propagação das representações
anticomunistas. Esses noticiosos foram medianamente lembrados pelos entrevistados, mas
tinham um impacto importante uma vez que não tinha uma escrita rebuscada, como a do livro,
e também não ter a limitação do rádio de só poder ser lido uma única vez. Uma das grandes
dificuldades de propagação do anticomunismo através dos jornais, deve-se ao fato da
236

existência de grande número de analfabetos existentes no Piauí da década de 1960, mas


também, devido aos problemas de publicação por vários fatores, como: as constantes faltas de
energia na cidade de Teresina e a falta de recursos financeiros dos donos do jornais para
manter uma publicação constante.
O último meio de propagação das representações anticomunistas, e de menor
incidência na memória dos entrevistados foram os livros. Investigamos alguns livros que
circularam no Piauí da década de 1960, pertencentes a bibliotecas particulares, o que
demonstra que estes tiveram um consumo, mesmo que não fosse por seu conteúdo, mas por
outros elementos como a capa, as imagens, entre outros.
Uma vez apontados alguns meios de propagação das representações
anticomunistas, analisamos a apropriação pelos “leitores das representações anticomunistas”.
Quatro entrevistados relataram as suas memórias e demonstraram apropriações particulares
sobre o comunismo. A escolha dos depoentes levou em consideração o fato de esses
indivíduos não fazerem parte de uma “história oficial” da década de 1960, mas, essas pessoas,
também estiveram envolvidos no turbilhão de acontecimentos que caracterizou aquela época.
Nesse sentido, entrevistamos o filho de um religioso (nesse caso utilizamos a Tradição Oral,
pois o que pretendíamos era perceber a relação do pai com o comunismo), um latifundiário,
um militar e uma dona-de-casa.
Chegamos à conclusão de que, apesar de todos terem acesso a, pelo menos, dois
meios de propagação das representações anticomunistas, mesmo levando em consideração à
concepção geral de que o comunismo era um mal, todos fizeram a sua apropriação de forma
particular, cada um produziu novas representações, elegendo elementos específicos de sua
subjetividade e individualidade para a compreensão daquelas representações. Também
concluímos que: “Assim os autores indicam possibilidades de serem feitas diferentes leituras
sobre um texto ou um acontecimento e, ao mesmo tempo, alertam para o fato de que essas
leituras não podem levar a qualquer conclusão, mas a um determinado leque de interpretações
cujos limites são flexíveis e invisíveis, mas não inexistentes”557.
O anticomunismo foi uma característica também da cultura política piauiense,
especialmente durante a década de 1960. Nessa perspectiva, elegemos o anticomunismo como
objeto privilegiado para a compressão de um período tão complexo e marcado por propostas
de transformação e conservação da ordem vigente, em que grupos se dividiram em busca de
uma identidade política nacional. Essa busca levou a uma nítida divisão em grupos, direitistas
e esquerdistas, que desejavam a tomada de poder governamental, alguns hasteando a bandeira

557
RODEGHERO, Carla Simone. O Diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio
Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediufp, 1998, p.134.
237

da revolução comunista, ou recebendo apoio dos que nela acreditavam, outros utilizando o
comunismo como pretexto para a desqualificação moral e política, tinham na democracia uma
das principais bandeiras empunhadas no combate aos adversários.
238

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Fontes Imagéticas

Fotos dos entrevistados Luís Raimundo Coimbra, Manoel Ricardo Arraes e Iracema Monteiro
da Silva Torres são do arquivo pessoal da autora.

Fotos de Dom Avelar Brandão Vilela foram gentilmente cedidas do arquivo pessoal do Padre
Tony Batista.

Foto de José Ferreira Castelo Branco foi gentilmente cedida do arquivo pessoal da sua
família.
257

Foto do professor Pedro Vilarinho Castelo Branco foi gentilmente do seu arquivo pessoal.

Fontes Orais

ABREU, Irlane Gonçalves. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento.


Teresina, NHOIDB, 2005.

ARRAES, Manoel Ricardo. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2007.

BOMFIM, Maria do Carmo Alves. Entrevista concedida a Luciana de Lima Pereira e José
Maria Vieira de Andrade. Teresina, 2003.

CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira.


Teresina, 2007.

COIMBRA, Luís Raimundo Lima. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira.


Teresina, 2007.

DANTAS, Deoclécio. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina,


2002,

IGREJA, Marcos de Paiva. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento e


Marylu Alves de Oliveira. Teresina, 2005.

LIMA, Carlos Augusto de Araújo. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento.


Teresina, 2002.

MEDEIROS, Antônio José Castelo Branco. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves
de Carvalho. Teresina, 1997. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de.
História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja
católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação de
Mestrado.

OLIVEIRA, Manoel Emílio Burlamarqui de. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves
de Carvalho. Teresina, 1998. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de.
História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja
católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação de
Mestrado.

PERNAMBUCO, José de Ribamar Aquino. Entrevista concedida a Francisco Alcides do


Nascimento. Teresina, 2001.

SANTOS, José Lopes dos. Entrevista Concedida a Francisco Alcides do Nascimento.


Teresina, 2001.
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SILVA, Ana Maria Pires Lopes da. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento.
Teresina, 2002.

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SOARES, Pe. Raimundo José Ayremorais. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de
Carvalho. Teresina, 1998. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de.
História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja
católica e o regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação de
Mestrado.

SOUSA, Palmira Luiza. Entrevista concedida a Maria do Amparo Alves de Carvalho.


Teresina, 1997. Cf.: ANEXO. In.: CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e
Repressão: fragmentos de uma memória oculta em meios às tensões entre Igreja católica e o
regime militar em Teresina: UFPI. Teresina, 2006. 229p. Dissertação de Mestrado.

TAJRA, Jesus Elias. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina,


2002.

TORRES, Iracema Monteiro da Silva. Entrevista concedida a Marylu Alves de Oliveira.


Teresina, 2007.

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