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Biologia e estágio
supervisionado
Nelio Bizzo
Graduado em Ciências Biológicas (USP), com mestrado em Biologia (USP) e doutorado em Educação,
foi professor da rede pública de ensino em São Paulo. Em seu doutoramento, realizou pesquisas no Brasil
e na Inglaterra, consultado os manuscritos originais de Charles Darwin, no Manuscripts Room da
Universidade de Cambridge. Foi membro do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Curador da
Fuvest e presidente da International Organization for Science and Technology Education e da Associação
Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio), da qual foi eleito Sócio Emérito. É Fellow da Royal Society of
Biology (Londres) e é membro do conselho editorial de diversas revistas científicas, como Journal of
Biological Education (Inglaterra), e LUMAT (Finlândia). É Professor Titular Sênior de Metodologia de
Ensino de Ciências Biológicas na Universidade de São Paulo.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
B554m
Bizzo, Nelio
Metodologia de ensino de biologia e estágio supervisionado /
Nelio Bizzo. – 1. ed. – São Paulo : Abril Educação, 2012.
174p.
Apêndice
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-08155-94-1
Sumário
Prefácio 4
Anexos 168
Apresentação
Prefácio
4
Prefácio
5
1 Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas
Introdução à
1 metodologia de
ensino de ciências
biológicas
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Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas 1
Prólogo
A educação é um direito fundamental do ser humano. Isso significa que, para
se distinguir de sua base animal, a própria condição humana depende de um com-
plemento cultural que o patrimônio biológico não pode prover. O exercício da cida-
dania depende, em larga medida, do que a sociedade pode proporcionar. Além da
educação, o exercício da liberdade e do livre-arbítrio, que, em última instância,
depende da educação.
No entanto, mesmo que tenhamos uma legislação explícita, que garanta ao cida-
dão educação escolar com padrão de qualidade, sabemos que sem políticas públi-
cas esse direito é um mero exercício retórico. Se são necessários investimentos em
infraestrutura física e assistência técnica, não menos necessário é oferecer forma-
ção inicial e continuada, que atenda a real demanda dos sistemas de ensino. Sem
essa base assegurada, a oferta de educação escolar não pode ser nada além de
uma incerteza na vida das pessoas.
Como modesta contribuição para cursos de formação inicial e continuada para
o professor de biologia que trabalha nas escolas de ensino médio, este livro pre-
tende oferecer reflexões e sugestões para a melhoria do ensino em nosso país.
Sabemos que educação e ensino não são sinônimos, mas seria temerário preten-
der estabelecer uma ordem hierárquica entre essas duas categorias. Mesmo que
vejamos o ensino como um conjunto de atividades que visam à transmissão de
conhecimento – o que não é! –, e a educação, como um conjunto amplo de práti-
cas sociais que envolvem a família e outras instituições, também as escolares, não
há como negar que sem aprendizagem propriamente dita a educação não se ma-
terializa. Ensinar é uma especialidade que exige domínio de tipos distintos de sa-
beres e, adicionalmente, de habilidades profissionais que permitam mobilizá-los
no enfrentamento de situações didáticas específicas, em ação pedagógica eficiente.
Reduzir a importância da aprendizagem implica fragilizar a educação, empurrar
para uma situação de risco o exercício da liberdade e do livre-arbítrio.
A redução do ensino à transmissão de conhecimento é uma ideia antiga cuja
contraideia é a pressuposição da possibilidade de realizar educação sem conteú-
dos. Trata-se de duas propostas sem sentido. A crença na ocorrência de transmis-
são de conhecimento na escola funda-se em uma aparência enganadora. Os pro-
fessores falam de coisas sobre as quais seus alunos passam a falar. Estes parecem
ter incorporado o conhecimento contido na fala daqueles de maneira direta, como
se à eventual mudança da fala dos professores correspondesse à mudança da fala
dos alunos. Uma analogia biológica nos ajuda a entender a inconsistência dessa
crença. Comemos albumina quando tomamos leite, comemos ovos e queijo. Em
nosso sangue há albumina, mas, se deixarmos de comer proteínas por períodos
prolongados, os níveis de albumina no nosso sangue também diminuem. Ao justa-
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1 Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas
por esses fatos, sem dúvida verdadeiros, uma indução insinua-se: a albumina do
nosso sangue é a mesma que obtemos em nossa alimentação. A albumina huma-
na é, portanto, idêntica à de nossos parentes distantes, mamíferos ou aves. Uma
conclusão sabidamente falsa.
A transmissão de conhecimento é uma ilusão tal qual a lua cheia no horizonte,
que parece muito maior do que quando passa próximo ao zênite. O conhecimento é
de tal forma complexo, provoca tantas mudanças em nosso aparato cognitivo e
mexe com nossas emoções e sentimentos, que ele não é transmissível tal qual a
albumina. Mesmo assim, no entanto, os bancos de sangue costumam fornecer um
generoso sanduíche de ricota aos doadores, na esperança de que eles possam re-
constituir parte do que perderam na doação. É mais ou menos isso o que fazem os
professores ao lidar com o conhecimento em sala de aula.
Em contrapartida à ilusão da transmissão de conhecimento, outra falácia po-
tencialmente perigosa diz que a educação pode se efetivar sem conteúdos.
O uso dos termos conhecimento e conteúdo é deliberado, da mesma forma que
transmissão e educação. Se transmitir pressupõe um ato corriqueiro, ao passo
que o conhecimento é um ato significativamente complexo, a educação é uma
ação muito vasta para ser realizada sem o conhecimento, o conteúdo, mesmo
que ele não seja reduzido à modalidade conceitual. Essa nova ilusão tomada
como algo sofisticado na verdade designa algo literal e deliberadamente vazio.
No passado ganhou a estatura de determinação legal, transformada em eufemis-
mo que definia o conteúdo das disciplinas como meio para o desenvolvimento de
habilidades mentais, como se elas fossem uma espécie de agilidade neuronal,
passível de ser treinada sob carência absoluta de referências concretas. Trata-se
de uma falácia psicologista cujo pressuposto é uma audiência carente de saber
disciplinar. As habilidades mentais desenvolvem-se em contexto, e é neste que
os conteúdos, referidos a conceitos, habilidades, atitudes ou valores, devem ser
avaliados. Eles são o contexto do saber disciplinar. Seria um grande erro torná-
-los mero pretexto da prática educativa escolar.
Este livro dirige-se àqueles que o domínio da sala de aula deve estar povoado
de contextos significativos tanto para a ciência como para o aluno. Não podemos
incorrer em dois excessos igualmente perversos: ou sacrificando a compreensão
do aluno, ou utilizando o conteúdo exatamente como ele é utilizado no âmbito
acadêmico. Também não podemos sacrificar a correção conceitual do conheci-
mento ao flexioná-lo demasiadamente em nome de uma proposta supostamente
mais didática. No campo da metodologia de ensino, a virtude encontra-se a meio
caminho desses dois extremos, reconhecendo a necessidade de dialogar com as
áreas de conteúdo, bem como com as áreas dos ditos saberes pedagógicos.
Por muitos anos, os educadores empenharam-se em mostrar como a ciência não
era um conjunto de conhecimentos absolutamente corretos e verdadeiros, uma vez
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Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas 1
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1 Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas
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Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas 1
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1 Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas
Esses seis eixos foram posteriormente reformulados como seis grandes grupos
de objetos de conhecimento, na matriz de referência do Novo Exame Nacional do
Ensino Médio, que entrou em vigor em 2010, cuja ordem de apresentação não indica
necessariamente uma sequência lógica de estudo no ensino médio:
1. moléculas, células e tecidos;
2. hereditariedade e diversidade da vida;
3. identidade dos seres vivos;
4. ecologia e ciências ambientais;
5. origem e evolução da vida;
6. qualidade de vida das populações humanas.
Cada um desses objetos de conhecimento está desdobrado entre seis e dezes-
seis temas gerais de conteúdos conceituais, tais como “Estrutura e fisiologia celular:
membrana, citoplasma e núcleo” e “Princípios básicos que regem a transmissão de
características hereditárias”. Esse conjunto de conteúdos conceituais configura um
currículo bastante extenso para o Enem (Apêndice), consequentemente, para todo
o ensino médio brasileiro.
A Orientação Curricular ressaltava uma das grandes concordâncias dos docu-
mentos anteriores – a necessidade de um enfoque evolutivo na abordagem dos
diferentes conteúdos –, o que “não representa a diluição do tema evolução, mas
sim a sua articulação com outros assuntos, como elemento central e unificador no
estudo da Biologia”.33 O documento ainda ressalta como imprescindível que os
currículos de Biologia contemplem a biodiversidade do país sob dois aspectos: um
deles voltado para a diversidade dos organismos e sua interdependência; o outro
voltado para os impactos causados pelas ações humanas.
O documento de orientação curricular chama ainda a atenção para o fato de que
tradicionalmente os livros didáticos contemplam os ecossistemas terrestres, ressal-
tando a importância de abordar os aquáticos, em especial em um país com a exten-
são litorânea como o nosso. O tema da biodiversidade deve contemplar a brasileira,
sem, contudo, restringir-se a ela, uma vez que mais e mais decisões de cunho polí-
tico e econômico devem ter estreita relação com o domínio do conhecimento sobre
a biodiversidade brasileira.
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Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas 1
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1 Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas
que não pode esperar protocolos prontos, uma vez que cada realidade é, em certo
sentido, única. No entanto, outra forma de contextualização diz respeito ao próprio
conhecimento – contextualização epistemológica. Nela, ressalta-se o contexto do
próprio desenvolvimento do conhecimento científico, que é situado historicamente
em um tempo e um lugar, ou filosoficamente, como uma forma de ver o mundo que
se contrapõe a outras. Nesse caso, as fontes bibliográficas disponíveis para os
alunos e para o professor têm papel decisivo. Elas podem oferecer elementos de
contextualização epistemológica que não são óbvios nem facilmente acessíveis.
A contextualização não é prerrogativa de um método de ensino particular. Seja
em uma aula expositiva, seja em um projeto de intervenção na realidade, ela não
deixa de se fazer presente. O documento de orientação curricular da biologia no
ensino médio ressalta ainda a importância da busca da interdisciplinaridade, cuja
possibilidade, em âmbito escolar, depende da colaboração entre professores e exi-
ge conhecimento, confiança e entrosamento da equipe pedagógica – além de tempo
e espaço deliberadamente planejado. Processos como esse remetem ao projeto
pedagógico da escola, que pressupõe diferentes profissionais, ligados a diferentes
disciplinas escolares, que planejam ações e formas de atuação cooperativa. O que
pode se dar da forma mais imediatamente evidente, em que diferentes professores
tratam de um mesmo tema com os alunos que percebem diferentes facetas de um
mesmo fenômeno. Compreender o que ocorria no continente europeu, por exemplo,
quando Mendel fazia seus experimentos com ervilhas pode envolver trabalhos com
história, biologia e geografia.
A atuação cooperativa pode ainda assumir formas menos evidentes e mais com-
plexas, que compreendam projetos de estudo do meio ou de intervenção na realidade.
À luz do planejamento, as ações vão buscar uma realidade externa à escola, da qual
se estuda a história, os problemas atuais e com a qual se interage com o intuito de
conhecer, compreender, transformar e compartilhar valores sociais.34
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Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas 1
Notas
1. Professor da Simon Fraser University, British Columbia, Canadá, onde foi diretor do Centro de
Tecnologia Educacional.
2. MOORE, S. Science projects Handbook. New York: Ballantine Books, 1960, p. 219.
3. Embora a lei 4024/61 dispusesse sobre essa obrigatoriedade em base nacional, nada impedia que
iniciativas locais já estivessem em curso. Ressalta-se aqui que, em princípio, qualquer referência
ao ensino de ciências realizado em todo o país anteriormente a 1961 basea-se em fontes locais
cuja generalização não pode ser feita senão sacrificando a precisão e acuidade fatuais.
4. Parecer CFE, de 27 de Fevereiro de 1962.
5. PEREIRA, W. C. (Coord). Educação de professores na era da globalização. Rio de Janeiro,
Nau, 2000, p. 45.
6. Decreto 53.531, de 5 de fevereiro de 1964.
7. Decreto 53.941, de 3 de junho de 1964.
8. Portaria MEC 046, de 26 de fevereiro de 1965.
9. Lei 5 540/1968, art. 30 (foi completada pela lei 5.692, de 1971).
10. Havia centros nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais,
Bahia e Pernambuco.
11. Esse foi especificamente o caso dos materiais originalmente elaborados pelo Biological
Sciences Curriculum Study (BSCS), adaptado no Brasil pelo Ibecc (In: KRASILCHIK. Prática
de ensino de Biologia. 3. ed. São Paulo: Harbra, 1996, p. 5 s.
12. Parecer CNE/CP 9/2001 e resolução CNE/CP 1 e 2/2002.
13. O argumento era deliberadamente falacioso, em razão dos interesses financeiros envolvidos.
A lei 5.540/68 proibia a realização de lucro nas instituições educacionais privadas de educação
superior, vedando expressamente aos sócios dessas entidades o recebimento de lucros,
bonificações, gratificações ou retiradas, sob qualquer pretexto. Ao revogar a lei 5.540/68, a lei
9.394/96 não repetiu aquelas disposições, e o decreto 2.306/97 definiu que as mantenedoras
“poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial”,
abrindo o caminho para a organização comercial.
14. A crítica publicada dez anos depois da apresentação do documento base das DCN, cunha o
termo “neotecnicismo” e é suficientemente tardia a ponto de colocar em dúvida até mesmo a
declaração de voto que acompanhou sua aprovação [BORSSOI, et al. Formação política na
universidade: um olhar para as diretrizes das licenciaturas em ciências naturais. In: SANTOS,
C.A.; QUADROS, A.F. (Org.) Utopia em busca de possibilidade. Foz do Iguaçu, PR: Unila,
2011, p. 161–171].
15. A pouca atenção com que a primeira Constituição republicana (1891) tratou a educação não
garantia a educação primária gratuita estendida a todos os cidadãos. A educação era vista
como obrigação do próprio indivíduo, a fim de que também ganhasse a condição de eleitor (o
voto dos analfabetos era proibido), e os estados deveriam incumbir-se dela. Poucos garantiram
gratuidade. Apenas quatro relacionaram-na com obrigatoriedade. Diplomas não tinham
validade nacional. (CURY, C.R.J et al. Medo à liberdade e compromisso democrático. São
Paulo: Brasil, 1997).
16. A Constituição Imperial de 1824 outorgada por D. Pedro I trouxe diversas proclamações liberais,
dentre elas a educação pública e gratuita, ombreando a monarquia imperial aos ordenamentos
jurídicos dos jovens estados republicanos vizinhos, recentemente emancipados. No entanto,
pouco efeito prático teve, vez que a educação fundamental não constituía direito público
subjetivo. O Ato adicional de 1834 transferiu para as províncias as atribuições educacionais,
mantendo, contudo, as academias e Faculdades de Medicina e de Direito ligadas ao poder
central (Cf. CUNHA, L.A. Educação, Estado e democracia no Brasil. S.Paulo: Cortez, 1991).
17. A LDBEN, em seu Art. 11, parágrafo único, faculta aos municípios integrar seu sistema de
ensino ao estadual ou com ele compor um sistema único de educação básica.
18. Cf. Art. 12, 13 e, em especial, Art 15 da Ldben: “Os sistemas de ensino assegurarão às
unidades públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia
pedagógica e administrativa, (...)” (g. n.).
19. ANDRADE, C.C. Direito educacional: interpretação do direito constitucional à educação. Belo
Horizonte: Fórum, 2010.
20. Lei 9.394/96, art 26.
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1 Introdução à metodologia de ensino de ciências biológicas
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A constituição da biologia como ciência 2
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2 A constituição da
biologia como
ciência
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2 A constituição da biologia como ciência
(Needham, 1935)1
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A constituição da biologia como ciência 2
Antiguidade
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2 A constituição da biologia como ciência
Os escritos de Aristóteles sobre plantas foram perdidos,10 mas sabe-se que ele
desenvolveu um sistema de classificação baseado na aparência delas, dividindo-as
em ervas arbustos e árvores. Deixou estudos sobre animais, dos quais descreveu
24
A constituição da biologia como ciência 2
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2 A constituição da biologia como ciência
Ao lado da base fatual criada por Aristóteles, ele nos legou ferramentas para
construir conhecimentos seguros, a Lógica, frequentemente confundida com os pro-
dutos de sua ciência. Os princípios lógicos que elaborou são uma etapa prévia –
instrumentos14 –, não parte integrante – produtos – de sua filosofia. Esse conjunto de
regras do pensamento recebeu mais tarde a denominação de lógica formal, cuja
base é o silogismo – palavra que originalmente designava ligação, encadeamento.
Trata-se de uma conexão de afirmações ou negações que nos permite chegar a
uma conclusão segura, a uma dedução. A base do silogismo é uma verdade univer-
salmente conhecida cuja consequência cria novas verdades à luz da anterior. Supo-
nhamos esta afirmação verdadeira:
I Todos os cetáceos são mamíferos.
Dela poderemos deduzir imediatamente que:
II Nenhum animal não mamífero é cetáceo.
Essa segunda verdade deriva diretamente da primeira, bem como outras, não
imediatas, mas admissíveis, podem ser acrescentadas por compatibilidade, assim
que exploradas a proximidade das categorias utilizadas – todos e nenhum –, consi-
derando que as duas verdades anteriores não contradizem:
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A constituição da biologia como ciência 2
B A C
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2 A constituição da biologia como ciência
Como aluno de Platão, Aristóteles reteve ideias do mestre sem deixar de desen-
volver as próprias e diferentes. Anaxágoras,17 anterior aos dois, foi reconhecido por
ambos como o filósofo cuja visão de mundo incorporaram. Objetos e fenômenos
seriam resultado de causas ligadas a uma finalidade, que tende à perfeição. Se a
inteligência ordena todas as coisas e as dispõe da melhor maneira, diz Platão, en-
contrar a causa da origem, da destruição ou da existência de todas as coisas signi-
fica buscar o melhor modo de existir com elas, de modificá-las e de atuar sobre elas.
Buscar a “verdadeira” causa significaria buscar a melhor dentre as possíveis e en-
tender que as demais podem ter apenas contribuição secundária.
Aristóteles desenvolveu essa forma de pensar a partir de uma finalidade última
(finalismo) e a incorporou a seu sistema de ideias, assumindo que o mundo está orga-
nizado com vistas a uma finalidade. A explicação para cada acontecimento no mundo
só pode ser encontrada se compreendida essa finalidade. Tudo o que existe natural-
mente tem uma finalidade, identificada com a própria substância, forma ou razão de
ser da coisa. Oposta a essa “causalidade dos fins”, chamada por ele de “tese da ne-
cessidade”, entende-se que as coisas não ocorrem com vistas a um resultado melhor,
uma vez que esse resultado melhor é, por vezes, o efeito acidental da necessidade.18
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A constituição da biologia como ciência 2
O caso do peixe grande que come o pequeno ilustra muito bem o raciocínio de
que o peixe é grande para que possa comer o pequeno. A “tese da necessidade”, ao
contrário, vê os peixes crescendo e se tornando grandes. Ao procurar alimento, aci-
dentalmente, encontram a disponibilidade de peixes pequenos.
Posteriormente, o finalismo aristotélico foi modificado e deslocou a finalidade
para o ser humano como desígnio divino. A natureza existiria para satisfazer as ne-
cessidades humanas.
Como veremos adiante, a compatibilização de Aristóteles com a teologia cristã
se valerá fortemente dessa causalidade dos fins para sublinhar a ação de Deus
sobre as coisas do mundo, reflexão retomada por Tomás de Aquino, que funda a
teologia natural19 cuja justificativa filosófica advém de Aristóteles.20
O pensamento finalista, retomado pela filosofia alemã de Christian Wolff (1679-
1754), cunha o termo “teleologia” (de telos, fim, finalidade, e logos, saber), desig-
nando uma área da filosofia natural que explica a finalidade das coisas. Criou um
sistema de ideias segundo o qual a finalidade impressa nas coisas do mundo é tão
forte que tornaria o futuro predeterminado. O determinismo passa a ser uma conse-
quência da teleologia21 e assume diferentes versões, como o determinismo geográ-
fico e o determinismo biológico.
O finalismo foi, à época, um dos maiores obstáculos para o estabelecimento da
biologia evolutiva. “Atualmente reconhecido como inútil em todos os campos da expli-
cação científica”, resume-se a uma das tantas “esperanças ou ilusões para as quais
apela o homem na falta de procedimentos eficazes ou em substituição a eles”.22 Para
ele justamente apelam todas as investidas contra o pensamento evolutivo, uma vez
que tenta evidenciar a perfeição das coisas do universo, da simetria pentamérica de
um equinodermo às órbitas dos planetas em torno do Sol, renunciando a qualquer
forma de silogismo indutivo. Essa visão panorâmica da contribuição de Aristóteles nos
permite compreender algumas razões de seu pensamento ter sido compatibilizado
com a doutrina cristã, como veremos adiante, bem como a reabilitação do silogismo
de tipo indutivo pela ciência do Renascimento, que introduziu a experimentação com
vistas a reduzir o grau de incerteza de suas induções. Recurso conhecido, mas des-
prezado pela filosofia clássica em razão de sua imperfeição intrínseca, o experimento
vai abalar mais ainda o caráter de verdade de muitas premissas aristotélicas. A lógica
formal, no entanto, instrumento de criação do conhecimento mediante deduções e
induções, constituiu importante legado do aristotelismo para o progresso da Biologia
moderna, bem como o finalismo, um de seus maiores obstáculos.
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2 A constituição da biologia como ciência
responsável pelo jardim botânico, do qual não restou referência alguma. Foi referido
por Lineu como o “pai da Botânica”, deixou dois livros23, que foram traduzidos para o
latim pouco antes do final do século XVI. Neles, defende o princípio de que as plantas
não devem ser estudadas apenas sob o ponto de vista da sua utilidade – alimentar ou
medicinal – mas também da sua morfologia e da maneira como reagem ao meio e de
como se perpetuam – defesas da prática de uma verdadeira biologia vegetal.
Os estudos anatômicos e fisiológicos das flores, folhas e troncos incluem estu-
dos sobre a reprodução, germinação, nutrição etc., que serviram de base para os
estudos botânicos durante séculos. Suas descrições incluem plantas nativas da re-
gião em que vivia, bem como os exemplares, sementes e histórias trazidas pelos
soldados das campanhas militares de Alexandre, o Grande, que chegou até a Índia.
Gaius Plinius Secundus nasceu na então Gália Cisalpina, numa localidade que
hoje corresponde à cidade de Como, próxima a Milão. Foi educado em Roma, teve
treinamento militar e serviu em diversas campanhas, na região da atual Alemanha,
sob o imperador Nero. Ganhou a confiança dos imperadores Vespasiano e Tito, foi
procurador do Império, serviu na Gália, África e Espanha. Apesar das nomeações
políticas que teve, e seus pesados encargos, conseguiu compilar trabalhos de cerca
de quatro mil autores diferentes, a maioria de fontes gregas. Naturalista, seu trabalho
mais importante tem 37 volumes – Historiarum mundi –, que reúne todo o conheci-
mento dos romanos sobre diversas áreas do conhecimento – cosmologia, astrono-
mia, geografia, zoologia, botânica, mineralogia, medicina, metalurgia e agricultura.
Adotou referências aristotélicas, interpretou os fósseis, sem, no entanto, considerá-
los formas intermediárias de geração espontânea, mas como extraterrestres, miste-
riosos fragmentos que teriam alcançado a superfície terrestre.
O que se sabe sobre ele advém dos escritos de seu sobrinho e filho adotivo,
Plínio, O Novo, inclusive a notícia de sua morte. Ao comandar uma frota marítima no
Golfo de Nápoles, presenciou a erupção do Vesúvio e acorreu para lá, onde morreu
vitimado pelas cinzas e gases tóxicos do vulcão.
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A constituição da biologia como ciência 2
Seus livros, leitura básica na educação geral durante quase toda a Idade Média,
foram fonte para diversos outros livros, bem como o questionamento de sua acuidade
será um marco importante para o advento do Renascimento. Se sua tradução do grego
não era perfeita, por consequência sua farmacopeia seria deficiente, o que levou a uma
releitura de sua obra a partir de suas fontes. Niccolò Leoniceno (1428-1524), médico
que estudara grego com Ognibene da Lonigo (1412-1474), destacou-se ao empreen-
der uma crítica pioneira aos escritos de Plínio, além de verter para o latim textos de
importantes autores gregos e árabes. Até então, a tradição atribuia a culpa de qualquer
erro encontrado em seu livro aos copistas, que antes de invenção da imprensa de tipos
móveis literalmente copiavam os livros. Mas Niccolò Leoniceno verificou as fontes de
Plínio e atribuiu a ele uma série de erros, tornando-o, assim questionável.24
Idade Média
Alemão, também conhecido como Alberto Magno, foi teólogo considerado o mais
importante naturalista da Idade Média. Estudou em Pádua, onde conheceu a obra
de Aristóteles, concluiu os estudos de Teologia e doutorou-se em Paris. Aprofundou
seu conhecimento do filósofo estagirita e fez estudos experimentais em anatomia
animal. Dominicano, foi transferido para Colônia, na Alemanha, onde dirigiu os estu-
dos de alunos, entre eles Tomás de Aquino. Escreveu sobre animais e vegetais, rei-
terando a autoridade dos escritos clássicos. Considerado o homem mais culto de
seu tempo, recebeu o título de Doctor universalis e dedicou-se à tradução e interpre-
tação dos escritos aristotélicos, ora confirmando-os, ora adaptando-os. Contrapôs-
-se, por exemplo, à categoria aristotélica de eternidade do tempo contrária à letra da
Bíblia. Preparou o terreno para o trabalho que reabilitou inteiramente o aristotelismo
como filosofia central para a hermenêutica cristã.
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2 A constituição da biologia como ciência
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A constituição da biologia como ciência 2
O trabalho de Tomás de Aquino não foi reconhecido pela Igreja de imediato, que,
ao invés, inicialmente, o condenou. Depois de morto, suas teses foram duramente
criticadas por teólogos franciscanos, os antitomistas.30 Mais tarde, paradoxalmente,
elas se tornaram pilares da religião católica,31 aliás, como previra o mestre Alberto
Magno. Foi canonizado em 1323 e suas teses alcançam prestígio definitivo durante
o Concílio de Trento (1545-1563). Considerado o fundador da teologia natural, de-
senvolveu o finalismo de Aristóteles e defendeu o estudo da natureza como forma
de se aproximar da mente do Criador.
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2 A constituição da biologia como ciência
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A constituição da biologia como ciência 2
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2 A constituição da biologia como ciência
Fábio Colombini
Figura 2.3: As explicações de Steno para uma imagem como essa (Parque do Varvito, Itu, SP) mantém-se
válidas até hoje. A rocha formou-se da deposição em meio fluido em posição horizontal. A rocha sólida
depositou-se em camadas em deposição ainda não consolidadas. As camadas superiores são mais recen-
tes que as inferiores.
38
A constituição da biologia como ciência 2
nome “herbário” para a técnica de coleta e prensagem de plantas criada por Luca
Ghini. Embora artificial, seu sistema de classificação popularizou-se rapidamente de-
pois da publicação de seu livro Eléments de botanique, ou Méthode pour reconnaître
les plantes (1694), muito útil para as aplicações medicinais da época.
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2 A constituição da biologia como ciência
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A constituição da biologia como ciência 2
O que dizer das algas, dos musgos, das samambaias? Constituíam a 24a clas-
se, a única não caracterizada com base na estrutura e posição dos órgãos mascu-
linos cujas plantas desfrutavam secretamente os prazeres do sexo, sem expor
seus órgãos, como o nome escolhido bem o indicava: as Criptógamas. Lineu não
afirmava que as plantas desse grupo careciam de órgãos sexuais iguais aos das
outras vinte e três classes, mas que eles não eram evidentes.50 Se estudássemos
a olho nu um carrapato recém-nascido, não poderíamos ver com clareza todas as
suas partes. Concluiríamos por isso que não deveria ter pernas, olhos, órgãos
sexuais etc.?
Lineu concluía seu comentário sobre a existência de flores e frutos depois
de examinar os exemplos dos musgos, dos licopódios, das algas, dos fungos, mos-
trando que eles tinham estruturas reprodutivas, como demonstrado no gênero Vallis-
neria.51
Esse gênero compreende plantas aquáticas, que Lineu pensava serem muito
próximas às algas, mas que, ao contrário delas, emitem flores que se projetam aci-
ma da superfície da água, cuja fecundação depende da flutuação das flores e do
deslocamento das flores masculinas pela ação do vento.52
Seria inconcebível que o Criador tivesse feito as plantas seguindo o mesmo pla-
no utilizado para os animais e abandonasse o plano original na vigésima quarta
classe de plantas.
Lineu rompe com a tradição aristotélica, que via uma distinção muito nítida entre
plantas e animais, com os testáceos como seres intermediários, e generaliza as
analogias entre plantas e animais, não se restringindo às partes sexuais.
O aparato digestivo das plantas seria a raiz; o esqueleto, o tronco; os pulmões, as
folhas; e os vasos sanguíneos seriam tão ramificados nos animais quanto nos vege-
tais. As exceções, se de fato existissem, seriam aberrações artificiais.
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As flores aberrantes, as que não se encaixam em nenhuma das vinte e três clas-
ses descritas por Lineu, não seriam naturais, mas apenas monstruosidades, incapa-
zes, portanto, de se reproduzirem. Nada mais estranho do que um ser vivo incapaz
de se reproduzir autonomamente, uma vez que deveria haver alguma explicação
para sua existência atual. Por isso, as plantas naturais – caso dos musgos e samam-
baias – deveriam ser capazes de se reproduzir, uma vez dotados das estruturas
essenciais para tal. Nosso desconhecimento dessas formas de reprodução não po-
deria justificar deixar de lado sua classificação sistemática.
A verdadeira natureza das estruturas sexuais das criptógamas iria revelar-se um
século depois. O próprio Lineu reconheceu seu erro ao descrever como anteras as
estruturas que apareciam nos musgos durante a primavera. A dúvida central consis-
tia na natureza da poeira liberada por elas, vista a olho nu. Ela tanto poderia ser
análoga ao pólen, com a função de fertilizar a parte feminina, como poderia ser
constituída de esporos, como nos fungos, que após a germinação constituíam nova-
mente os seres dos quais provinham.
Lineu reconheceu a impropriedade do paralelo e propôs um novo nome para as
“anteras” dos musgos: cápsulas. Ele se rendera à ideia de que essas estruturas não
se localizavam em estames, como os tomara inicialmente.
A torturante dúvida de Lineu, na verdade, transcendia muito a natureza das cáp-
sulas dos musgos: como entender as exceções? Se o Criador guarnecera os leitos
nupciais com recatadas cortinas, fossem aposentos dos castelos ou flores dos bos-
ques, como duvidar que a sua vontade pudesse ser percebida mesmo nos mínimos
detalhes da criação? Seriam as exceções provas de falta de onipotência ou mesmo
descuido divino?
Os filósofos de então procuravam perseguir um plano original que pudesse ter
norteado a criação de todos os seres vivos e que se aplicasse também aos minerais.
Uma boa medida disso pode ser visto em dois estudos incluídos no mesmo Amoe-
nitates Academicæ. Neles são descritos o crescimento dos corais do mar Báltico
(sabidamente formados por minúsculos pólipos) e o crescimento de cristais, à luz de
um plano racional, reflexo da organização divina.
Depois de criar um sistema para os vegetais, Lineu estendeu sua lógica classifi-
catória aos animais e criou um sistema que, contrariamente à vontade de seu inven-
tor, induzia os classificadores a procurar semelhanças entre os organismos. Isso, de
certa forma, pode ser considerado, paradoxalmente, um incentivo em direção a uma
perspectiva evolucionista, mesmo se entendesse a espécie como unidade básica do
mundo orgânico, e não o indivíduo ou a população, o que o impediu de entender o
papel da variação. Não surpreender, pois, que entre os admiradores de Lineu figu-
rasse, como veremos adiante, Charles Darwin.
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Escala de
II
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feros, confirmando a visão do cientista italiano que tinha acabado de ser publica-
da, qual fosse, as espécies tinham ciclos de vida tal qual os indivíduos.77
Outra contribuição paradoxal de Cuvier para o pensamento evolucionista foi a con-
firmação empírica da impossibilidade de encontrar um plano único de organização
dos seres vivos do passado, como era consensual entre teólogos e cientistas da épo-
ca, mesmo evolucionistas como Lamarck. Ao contrário, mostrou como as formas do
passado eram divergentes entre si e semelhantes às formas atuais, transformando
assim a “escada da vida” em estrutura arborescente, contribuição decisiva para o pen-
samento evolucionista moderno. Reconhecia quatro grandes grupos ou planos de or-
ganização: Vertebrata, Mollusca, Articulata e Radiata, embora este último tivesse sido
consistentemente desmembrado por Lamarck. A reconstrução de um animal, a partir
de algumas de suas partes não seria possível sem reconhecer esses quatro (pelo
menos) ramos divergentes da organização animal.
Não menos importante, Cuvier envolveu o público em suas disputas científicas,
ao direcionar as sugestões de transmutação das espécies do passado em uma
supostamente evidente manifestação de ensaios que tendiam ao grau máximo da
criação, o ser humano. As exposições de grandes fósseis excitavam a imaginação
popular. Ao lado de sua rigorosa metodologia, que permitia reconstruir um animal
inteiro a partir de um pequeno fragmento, como um dente, Cuvier incorporou irre-
versivelmente o grande público como partícipe das grandes contendas científicas.
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A constituição da biologia como ciência 2
sition, dissolution, and restoration of land upon the globe. Hutton acreditava que no
interior da Terra, muito quente, os vulcões agiam com a finalidade de aliviar suas
tensões, expelindo matéria excedente sob pressão, que se resfriava e se solidifica-
va formando as rochas ígneas. Estas, por sua vez, sofriam erosão e formavam
outro tipo de rocha, por sedimentação, formando as rochas sedimentares. Mas o
calor interno do planeta poderia aquecer esses dois tipos de rochas a tal ponto,
que lhes conferia nova forma, as chamadas rochas metamórficas, o terceiro tipo
de rocha. A seu ver, esses três tipos de rochas se manteriam perfazendo um ciclo,
como o da água, cuja umidade formava as nuvens que se desmancham em chuva.
Hutton ia além. As marcas do mar em montanhas seriam provas da elevação dos
terrenos, consequência da atuação do motor interno da Terra, o calor intenso.80
Entre 1827 e 1828, Lyell empreende uma viagem exploratória na França e na
Itália, onde coleta muitas evidências geológicas, comprovando a existência de vul-
cões extintos, no sul da França e próximo a Pádua. Visitou os basaltos colunares do
Vêneto, que se formaram com o resfriamento rápido da lava em contato com a água
do mar. Subiu ao famoso sítio de Bolca, próximo a Verona, nos contrafortes dos Al-
pes, onde havia uma profusão de marcas de um mar tropical a mais de 600 metros
de altitude e, ao Sul, pôde examinar vulcões em atividade, os derramamentos de
lava recentes e a movimentação de terrenos. Além disso, entrou em contato com as
teorias da geologia italiana, que obtiveram avanços significativos no século anterior,
a começar pelas obras de Antonio Vallisneri (1661-1730),81 que, em 1721, já explica-
ra os fósseis de Bolca pela elevação dos terrenos.
A contribuição fundamental de Lyell foi retomar o pensamento geológico do século
anterior, robustecê-lo com novas evidências e apresentá-lo de maneira a envolver o
público. Ele teve a sensibilidade de respeitar o conservadorismo local, consequência
da reação ao tratamento dispensado aos nobres pelas guilhotinas do outro lado do
Canal da Mancha, evitando contrariar abertamente os dogmas da Igreja Anglicana.
Adicionalmente, a Geologia aparecia como uma esperança para manter a dianteira
econômica da Inglaterra, cuja economia dependia inteiramente da queima do carvão
mineral escavado em seu subsolo, graças às indicações dessa ciência emergente.82
Em 1832 as teses de Hutton-Lyell foram chamadas “uniformitarismo”. Com a mor-
te de Cuvier, elas passaram a ganhar cada vez mais adeptos, entre eles Charles
Darwin, que viajava ao redor do mundo levando uma cópia do livro de Lyell. Nova-
mente, outro cientista contribuía involuntariamente para a visão que haveria de ser
proposta pouco adiante: Charles Lyell não era evolucionista. Ele tinha se impressio-
nado com os trabalhos de anatomia comparada de Cuvier, que comparara múmias
egípcias trazidas por Napoleão, de seres humanos e de animais, como gatos, a
exemplares atuais, concluindo que pertenciam às mesmas espécies, o que derruba-
ria qualquer pretensão dos “transmutacionistas”, como eram então chamados os
evolucionistas.
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2 A constituição da biologia como ciência
troncos petrificados
sedimento marinho
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2 A constituição da biologia como ciência
Quem admitia a evolução em meados do século XIX acreditava que era resultado
da somatória de modificações individuais causadas de maneira direta pelo ambiente.
Darwin teria postulado a existência de processos aleatórios e adaptativos para consti-
tuir o curso evolutivo em âmbito populacional, formulando com isso a chamada Revo-
lução Darwinista, sistema novo de ideias já definido nas seguintes linhas gerais.87
1. As ideias sobre a idade do planeta Terra foram profundamente reformuladas a
partir do trabalho biológico de Darwin. Embora ele próprio tenha juntado provas
geológicas e estimativas precisas, baseando-se em formações sedimentares,
os argumentos biológicos foram mais importantes. A explicação segundo a qual
processos naturais modificam espécies biológicas em intervalos longos de
tempo foi decisiva para refutar teorias rivais, como as de Lord Kelvin, por exem-
plo. Ele partia de cálculos matemáticos para provar que o resfriamento do pla-
neta não deveria ter demorado tanto quanto os geólogos supunham. Darwin, ao
contrário, convencera-se do enorme intervalo de tempo, chegando mesmo a
estimar a idade do planeta em 306 662 400 anos, a partir da estimativa da taxa
de erosão de uma formação sedimentar (Weald Valey).
2. O catastrofismo de Cuvier, a formulação mais consistente à época, deixou de
ser uma teoria aceitável sob o ponto de vista científico. O trabalho de Darwin
tem um desempenho fundamental ao estabelecer um sitema de ideias não re-
corrente a eventos bruscos e repentinos. As causas naturais se conservariam
as mesmas e atuantes no presente. O trabalho dos geólogos, desde o unifor-
mitarismo de Hutton e Lyell, ofereceu os argumentos básicos que Darwin apli-
caria ao universo biológico.
3. A ideia de uma evolução pré-programada foi relegada. Entre os defensores da
evolução, à época de Darwin, muitos viam o processo como algo predefinido,
determinado por fatores não diretamente ligados à sobrevivência dos indivídu-
os. Outros se mantinham fiéis à causalidade finalista aristotélica, segundo a
qual os seres vivos perseguiam certas finalidades, dirigindo sua própria evolu-
ção Darwin apontava para um universo indefinido, onde o futuro das espécies
se via condicionado apenas por sua capacidade de adaptação e competição, o
que Aristóteles chamava “tese da necessidade”. Embora tenha elogiado muito
Aristóteles no final de sua vida, dizendo que o estagirita fazia seus dois “deu-
ses” (Lineu e Cuvier) parecerem dois meros colegiais, ele pouco incorporou de
seus ensinamentos filosóficos.88 Além de colecionar com muito cuidado as crí-
ticas recebidas, ele parece ter dedicado especial atenção às que propunham a
evolução segundo um grande plano geral, articulado em arquétipos, em torno
dos quais apareciam variações.
4. O criacionismo foi definitivamente abandonado como teoria científica. Apesar
da grande influência do clero anglicano na ciência e na educação inglesas no
século XIX, o trabalho de Darwin condenou as teses criacionistas ao abandono.
52
A constituição da biologia como ciência 2
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2 A constituição da biologia como ciência
(porque é uma mão mais complexa e eficiente). A resposta darwiniana conjuga ele-
mentos aleatórios – por acaso, essa disposição apareceu no passado – e não alea-
tórios – e foi selecionada gradualmente. Os mamíferos marinhos, como os cetáceos,
eram vistos pelos evolucionistas lamarquistas como formas mais evoluídas de rép-
teis marinhos – resultado de um processo natural de aperfeiçoamento. Para Darwin,
que citou esse caso específico, animais como a baleia seriam descendentes de
mamíferos terrestres, um ramo lateral da árvore da vida.
Com o avanço dos estudos moleculares, os processos não aleatórios passaram
por uma revisão profunda em face da grande diversidade biológica encontrada nas
populações naturais. Com isso apareceu a escola neutralista, que enfatiza a primeira
parte da resposta darwiniana – por acaso, a disposição apareceu no passado –, mas
questiona a atuação constante da seleção natural como fator não aleatório. Em muitos
casos, a explicação é complementada por “e foi mantida, pois não é nem prejudicial,
nem favorável à sobrevivência”. Em razão disso, diversos traços biológicos podem não
ser explicados por seleção natural porque teriam valor adaptativo neutro.
Diversas características inicialmente tomadas como adaptações propriamente di-
tas, resultado, portanto, de seleção natural, foram reinterpretadas como subprodutos
contingentes de processos evolutivos, que posteriormente ganharam valor adaptativo,
à luz do conceito de exaptação.92 Nos vertebrados, diferentes anexos dérmicos teriam
se originado de processos de interação de dois folhetos germinativos, ectoderme e
mesoderme, durante o desenvolvimento do embrião. Os dentes, por exemplo, prova-
ram ser altamente adaptativos e se fixaram nas populações, desempenhando basica-
mente as mesmas funções nos mais diferentes grupos. São, portanto, exemplos de
adaptação. Mas as penas surgiram inicialmente em dinossauros e parecem ter de-
sempenhado funções relacionadas à conservação de calor. Posteriormente passaram
a ser indispensáveis para as aves voadoras, o que faz delas exaptações para o voo.
O próprio Darwin estava ciente de que a seleção natural não poderia explicar
todas as características dos seres vivos. Por isso, a nova máquina da natureza cons-
titui o paradigma atual da Biologia com grande potencial de geração de conhecimen-
to aplicável às mais diferentes áreas de atuação humana. A educação deve levar os
cidadãos a compreender e utilizar essa poderosa ferramenta lógica.
Assim, a tradição da História Natural, que agregava diferentes perspectivas, pas-
sou a se diferenciar da maneira que Lamarck havia imaginado quando cunhou o
termo “Biologia”. No entanto, apenas no século XX esse termo passou a designar
uma disciplina acadêmica reconhecida como tal, que agrupava campos tão distintos
como a Botânica, a Zoologia e a Fisiologia, disciplinas tradicionalmente independen-
tes. De fato, reconhece-se que apenas após a aceitação da teoria da evolução a
constituição da Biologia passou a ser reconhecida e ganhou espaço nas universida-
des e mesmo nos currículos acadêmicos.93
54
A constituição da biologia como ciência 2
Notas
1. NEEDHAM, J. Time: the refreshing river (Essays and addresses, 1932–1942). Allen & Unwin, 1943,
p. 141.
2. O site da Associação Brasileira de Filosofia e História da Biologia tem diversos materiais
disponíveis: <www.abfhib.org>. MARTINS, L.A.C.P.M; REGNER, A.C.K.P.; LORENZANO, P.
(Eds.) Ciências da vida. Estudos históricos e filosóficos, além da publicação semestral no
periódico Filosofia e História da Biologia. Campinas: AFHIC (2006), 468 p. Outras publicações
disponíveis em português podem ser citadas: ABRANTES, P. Filosofia da biologia. Porto
Alegre: ArtMed, 2011. Para uma visão de temas mais gerais: PIEVANI, T. Introdução à filosofia
da biologia. São Paulo: Loyola, 2010. CHEDIAK, K.A. Filosofia da biologia. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008.
3. ATRAN, S. Cognitive Foundations of Natural History: towards an anthropology of science.
Cambridge: Cambridge University, 1990.
4. HEILBRON, J.L. (Ed.) The Oxford Companion to the History of Modern Science. Oxford: Oxford
University, 2003. OLBY, R.C.; CANTOR, G.N.; CHRISTIE, J.R.R.; HODGE, M.J.S. Companion
to the history of modern science. London and New York: Routledge, 1990. EISELEY, L.
Darwin´s century. New York: Anchor Books, 1961.
5. GARVEY, J.; STANGROOM, J. Os grandes filósofos. São Paulo: Madras, 2009, p. 24.
6. ARISTOTLE. The basic works of Aristotle. Edited and with an introduction by Richard McKeon.
New York: Random House, 1968, p. XXIII.
7. ARISTÓTELES. Física. L. VIII, p. 258. Versão inglesa: The basic works of Aristotle. Edited and
with an introduction by Richard McKeon. New York: Random House, 1968, p. 373.
8. ABAGNANO, N. Diccionario de Filosofía. Bogotá: Fondo de Cultura Económica, p. 327 (verbete Dios).
9. ARISTÓTELES, Metafísica. L. XII, c. 7. Versão inglesa: The basic works of Aristotle. Edited and
with an introduction by Richard McKeon. New York: Random House, 1968, p. 880.
10. Em seu Historia Animalium, Aristóteles faz referência a seu Tratado de Botânica, que nunca foi
encontrado (Historia Animalium. L.V, p. 539. Versão inglesa: The basic works of Aristotle.
Edited and with an introduction by Richard McKeon. New York: Random House, 1968, p. 633).
11. Os testáceos eram os “ostracodermata”, ou seja, animais com revestimento corporal rígido,
moluscos com concha, certos equinodermos e crustáceos, como as cracas. O grupo original dos
testáceos de Aristóteles não sobreviveu ao século XIX, quando ficou bem estabelecido por
estudos embriológicos que as larvas das cracas eram muito diferentes das dos moluscos e
equinodermos.
12. Nesse contexto destaca-se a obra de Lazzaro Spallanzani (1729-1799). PRESTES, M.E.B.
Methodological parameters of the research of Lazzaro Spallanzani (Parâmetros metodológicos
da pesquisa de Lazzaro Spallanzani). Circumscribere, International Journal for the History of
Science 2: 34-41 / 26-33, 2007.
13. ARISTÓTELES. Geração dos animais. L.I, c. 23, p.731. Versão inglesa: The basic works of Aristotle.
Edited and with an introduction by Richard McKeon. New York: Random House, 1968, p. 680.
14. Seus escritos sobre lógica estão reunidos no livro Organon, “instrumento”, em grego, no qual
se discute as vantagens de criar categorias, realizar interpretações e análises a priori e a
posteriori, e outros assuntos.
15. Note-se que esses exemplos não são retirados dos escritos originais de Aristóteles, mas se
referem a afirmações que se valem do significado atual dos termos.
16. ATRAN, S. Cognitive Foudations of Natural History. Cambridge: Cambridge University, 1990
(Aristotelian essentials, p. II, p. 81-122).
17. Anaxágoras nasceu em Clazômenas, cidade da Jônia, por volta do ano 500 a.C. Segundo ele,
todos os seres contêm elementos de sua substância e de sua qualidade, de sua essência,
portanto, o arché ou Noûs. Por isso, o universo não precisa dos deuses, uma vez autônomo e
perfeito em seu funcionamento.
18. MOLLAND, A.G. Aristotelian Science. In: OLBY, R.C.; CANTOR, G.N.; CHRISTIE, J.R.; HODGE,
M.J.S. Companion to the History of Modern Science. London and New York: Routledge, 1990,
pp. 561-562. (Em especial, The Doctrine of Causality).
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2 A constituição da biologia como ciência
19. A Teologia natural parte do princípio de que Deus criou todas as coisas da natureza; razão
pela qual ele teria influenciado os profetas na escrituração dos livros sagrados, bem como ele
mesmo teria “escrito” o livro da natureza, razão de sua perfeição. Estudá-la significaria
estudar a mente divina, percebendo a perfeição em cada detalhe da criação.
20. SARGENT, R.M. Aristotelianism. In: HEILBRON, J.L. The Oxford Companion to the History of
Modern Science. Oxford: Oxford University, 2003, p. 44-45.
21. SLOAN, P.R. Natural History. In: OLBY, R.C.; CANTOR, G.N.; CHRISTIE, J.R.R.; HODGE, M.J. S.
Companion to the history of modern science. London and New York: Routledge, 1990, p. 295-313.
22. Cf. ABAGNANO. Diccionario de Filosofía. Bogotá: Fondo de Cultura Económica, 1997, p. 556-560.
23. Trata-se de Historia plantarum (História das plantas) e De causis plantarum (A respeito das
causas das plantas) vertidas para o latim em 1483, cujos originais gregos foram perdidos.
24. Renomado professor de medicina da Universidade de Ferrara, publicou De Plinii et plurium
aliorum medicorum in medicina erroribus, em 1492, no qual, já no título, afirma que Plínio cometera
erros em suas leituras, discordando da tradição de atribuí-los a copistas que transcreviam os
livros, antes do advento da imprensa. In: NAUERT Jr, C. Humanists, scientists and Pliny: changing
approaches to a classical author. The American Historical Review, 84 (1): 72-85, 1979.
25. Nascido na atual Espanha, na região de Córdoba, é também conhecido como Ibin-Ros-din,
Filius Rosadis, Ibn-Rusid, Ben-Raxid, Ibn-Ruschod, Den-Resched, Aben-Rassad, Aben-Rois,
Aben-Rasd, Aben-Rust, Avenrosdy, Avenryz, Adveroys, Benroist, Avenroyth, Averroysta, mas
principalmente como Averroës (por vezes grafado como Averroès ou Averrhoës). Seu nome
verdadeiro era Abu l-Walid Muhammad bin Ahmad bin Rusd. Sua escola de pensamento é
tomada como forma heterodoxa de aristotelismo, conhecida como “averroísmo”. Morreu no
atual Marrocos.
26. Filósofo islâmico influente do final do primeiro milênio, nascido na Pérsia, seu nome completo
era Abu Ali al-Hussein ibn Abd-Allah ibn Sina ou apenas Ibn Sina (980-1037). Em latim ficou
conhecido como Avicena. Dedicou-se a diversos ramos do conhecimento, foi leitor atento de
Aristóteles. Escreveu cerca de 270 obras, dentre elas de medicina, área na qual salientou-se
significativamente. Deu nova explicação para os fósseis de testáceos. Ao contrário de Plínio,
o Velho, afirmava tratar-se de restos de um antigo mar que inundara as terras hoje emersas.
27. Médico e filósofo de origem judaica, nascido em Córdoba (c.1137-1204), escreveu textos
teológicos e filosóficos. Em Guia dos Perplexos (1190) orienta como a filosofia de Aristóteles
pode ser conciliada com os dogmas do judaísmo. Muito provavelmente foi outra das leituras
da formação inicial de Aquino.
28. ABAGNANO. Diccionario de Filosofía. Bogotá: Fondo de Cultura Económica, 1997, p. 1143-4.
29. O padre Antonio Stoppani (1824–1891), figura central na geologia italiana moderna, destacou-
-se na inversão da tendência dogmática das teologias protestantes, da “geologia do dilúvio”.
Sua posição critica o desenvolver da fé a partir de evidências geológicas, comum no finalismo
teísta da teologia natural. Contrariamente, defende a fé como iluminadora da interpretação
geológica. A encíclica Providentissimus Deus, do papa Leão XIII, de 1893, condenou qualquer
real discrepância entre teólogos católicos e cientistas católicos, na tentativa de encontrar
erros factuais no relato bíblico, baseando-se em Tomás de Aquino (VACCARI, E. Geology and
Genesis in nineteenth and twentieth-century Italy: a preliminary assessment. Geological
Society. London: Special Publications, 2009, v. 310; p. 269-275).
30. O “tomismo”, como ficou conhecido, é o conjunto de princípios filosóficos estabelecidos por
Tomás de Aquino.
31. Aquino passou a ser chamado Doctor Angelicus, forma pela qual é referido, por exemplo, na
encíclica do papa Leão XIII Providentissimus Deus, 1893.
32. O primeiro volume trata de quadrúpedes vivíparos; o segundo, de quadrúpedes ovíparos; o
terceiro, de aves; e o quarto, de peixes. Em 1587, apareceu um quinto volume que trata de
serpentes e escorpiões, animais de interesse médico.
33. ATRAN, S. Cognitive Foundations of Natural History: towards an anthropology of science.
Cambridge: Cambridge University, 1990, pp. 138-142 (Em especial, Species Forever).
34. Por isso a expressão “batata suíça”, uma vez que as variedades trazidas da América eram
muito tóxicas. A obra botânica mais importante de Johann Bauhin foi Historia plantarum
universalis, uma compilação da flora, também das espécies exóticas, com a descrição de
5 226 plantas auxiliado por seu enteado, Jean Henri Cherler (c.1570-c.1610), e publicada
postumamente, em dois volumes, em 1650-1651.
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A constituição da biologia como ciência 2
35. Os historiadores argumentam que a invenção do microscópio não foi algo julgado como tão
importante quanto o telescópio, por diversas razões. Enquanto este tinha evidentes
aplicações militares, ao permitir ver detalhes de acontecimentos distantes, aumentar a
imagem de objetos extremamente pequenos era considerado menos importante. A Academia
dos Linces, de Roma, foi o primeiro local que conferiu importância ao artefato, organizando
observações sistemáticas dos objetos do “mundo invisível”. Cf. WILSON, C. The invisible
world. Princeton: Princeton University, 1995.
36. PONCZEK, R.L. Da bíblia à Newton: uma visão humanística da Mecânica. In: ROCHA, J. F.
(Org) Origens e evolução das Ideias da Física. Salvador: Edufba, 2002, pp. 21-135.
37. ONGARO, G. Medicine. In: NEGRO, P. The University of Padua: eight centuries of history.
Padova: Signum, 2003, pp. 178-179. (Em especial, Experimental Medicine.)
38. BOIDO, G. Noticias del planeta Tierra: Galileo Galilei y la revolución científica. Buenos Aires:
AZ, 1996.
39. Trata-se do Cardeal Cesare Baronio (1538-1607), cuja vasta obra é dedicada à história da
Igreja Católica.
40. Escrita em 1615, teve diversas cópias transcritas e distribuídas e, posteriormente, impressas
em 1636, em Estrasburgo, sob os cuidados de Mathias Bernegger. In: GALILEI, G. Ciência e
Fé. 2. ed. São Paulo: Unesp, 2009, p. 49-102.
41. V. Almeida, A. V. Fundamentos Histórico-Metodológicos dos Paradigmas Centrais da Biologia.
Recife: UFPE, 2012, pp.256-260.
42. Sociedade científica fundada em Florença, em 1657, por seguidores de Galileu. Não manteve
registros sistemáticos, provavelmente por temor das perseguições religiosas. Sabe-se que se
dedicava a realizar experimentos, por meio de instrumentos inovadores, pondo à prova
verdades estabelecidas. Publicou um manual de laboratório muito utilizado por mais de um
século. Acredita-se que tenha se mantido ativa por cerca de dez anos.
43. À época, a palavra “fóssil” designava “objetos enterrados” e se aplicava a qualquer tipo de
objeto, como minérios, meteoritos e rochas em geral. Sua teoria obrigava a redefinir o próprio
vocábulo “fósseis”, em especial os que não podiam ser explicados por alguma ligação com
seres vivos, como cristais, por exemplo, fragmentos pétreos, que pareciam ser artefatos – e
depois entendidos como machados e pontas de flexa Pré-históricos – e passaram a ser
chamados “ceraunia”.
44. A tradução inglesa apareceu em 1890, como History of botany (1530-1860).
45. Camerarius, médico e botânico alemão, professor do Jardim Botânico de Tübingen, realizou
experimentos que demonstraram a origem de sementes em frutos. Em plantas dioicas
dependiam da proximidade de flores com ovários (de onde provinha o fruto) e flores com
estames, de onde provinha o pólen. Sua comunicação De sexu plantarum epístola (1694) logo
chamou a atenção do mundo científico cujos resultados foram rapidamente estendidos a
plantas monoicas. Baseado em repetidos experimentos com diversas espécies, ele conclui
que “a substância transportada pelo pólen é indispensável para a produção de sementes
capazes de germinação”. É muito provável que o saber cotidiano dos jardineiros e horticultores
já tivesse desenvolvido esse conhecimento, mas a demonstração experimental e sua
apresentação à comunidade científica foi atribuída a Camerarius por Julius von Sachs.
46. Literalmente Matrimônio nas plantas.
47. No original, Calyx ergo est Thalamus, Corolla Auleum, Filamenta Vasa Spermatica, Antheræ
Testiculi, Pollen Genitura, Stigma Vulva, Stylus Vagina, Germen Ovarium, Pericarpum Ovarium
Fecundatum, Semen Ovum.
48. No original, Calix ergo est Thalamus, in quo stamina et pistilla, organa genitalia masculina et
feminina, nuptias celebrant.
49. No original: Omnis species vegetabilium flore & fructu infruitur (Lineu, 1749, p. 350).
50. A versão completa no original é: Omnis species vegetabilium flore & fructu infruitur, etiam ubi
visus eos non detexit. (embora nossa vista não os descubra) (Lineu, 1749, p. 350, g.n.).
51. O nome homenageava Antonio Vallisneri (1661-1730), professor de medicina teórica da
Universidade de Pádua, que, dentre os diversos estudos teóricos que empreendeu, investigou
a geração de plantas e animais.
52. Ao tomar o gênero Vallisneria como exemplo de proximidade com as algas, apesar de sua
aparência sugestiva, Lineu se equivocara. A planta é um caso raro de epihidrofilia, uma vez
que a planta é dioica e as flores masculinas destacam-se da planta e flutuam, enquanto o
pólen amadurece. As flores femininas alcançam a superfície, com o endireitamento de seu
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2 A constituição da biologia como ciência
A visão de um mundo inacabado e dinâmico, em constante evolução, trouxe uma solução para o
problema, entendendo uma criação inicial, sobre a qual, como dizia Tomás de Aquino, não há
mais interferência divina direta. (HAIGHT, J.F. Deus após Darwin: uma teologia evolucionista.
Capítulo 4: A contribuição de Darwin à Teologia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002, p. 65-77.
Ele conclui que “todas as teodisseias falham”, se não se considera a ideia de um universo em
evolução”.)
90. O historiador J. Moore, um dos mais respeitados biógrafos de Darwin, assim se pronunciou
na conferência de abertura do IX Encontro de Filosofia e História da Biologia, promovido pela
Associação Brasileira de Filosofia e História da Biologia (disponível em: <www.abfhib.org>),
em 11 de agosto de 2010, em São Paulo, SP.
91. O reverendo Francis Henry Egerton, Conde de Bridgewater (1756-1829), deixou em seu
testamento uma verba para a publicação de livros (Bridgewater Treatises, 8 v.) que mostrassem
como a ciência poderia mostrar inteligência divina nos mais variados campos, inclusive a
perfeição da mão humana. O médico Charles Bell foi escolhido para escrever esse volume,
que ganhou o título The hand: its mechanism and vital endowments as evincing design, 1834.
92. GOULD, S. J.; VRBA, E.S. Exaptation, a missing term in the science of form. Paleobiology,
8:4-15, 1982.
93. V. Almeida, A. V. Fundamentos Histórico-Metodológicos dos Paradigmas Centrais da
Biologia. Recife: UFPE, 2012.
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Objetivos educacionais
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Isso, de certa forma, levou ao que foi chamado de “redescoberta” de teóricos parti-
cularmente ricos, como Jean Piaget e a escola soviética de Lev Vigotsky. No Brasil,
essas perspectivas começaram a ganhar importância nos anos 1970, e estão na
base das iniciativas construtivistas e sociointeracionistas.
Essas perspectivas foram vistas como independentes até que se estabeleceram
conexões enriquecedoras, nas quais a perspectiva psicológica de Piaget dialogava
com a preocupação social de Vigotsky. Essas perspectivas estão na base de pro-
postas metodológicas modernas, que incorporaram algo de ambas, e que passaram
a ter grande importância entre nós a partir do final dos anos 1980. Uma nova forma
de definir conteúdos teve boa acolhida no Brasil, notadamente mediante os traba-
lhos de Cesar Coll, Javier Onrubia, Antoni Zabala, Juan Ignacio Pozo, entre outros,
cujas propostas tenham tido existência oficial efêmera na própria Espanha, no país
de origem deles. Reconhecidas como base de avanços importantes para a prática
escolar, se bem não acrescentasse rigorosamente novas ações à atividade de pro-
fessores e alunos, elas se tornavam mais explícitas e conscientes sob uma perspec-
tiva filosófica de escola e de sociedade mais ampla.4
No Brasil, sob influência de políticas de organismos internacionais,5 tivemos a edi-
ção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), alinhados com o movimento da
reforma educacional espanhola, submetidos a diversas publicações e dirigidos às di-
ferentes disciplinas escolares e a temas, que perpassam todas as disciplinas (temas
transversais), procuraram sensibilizar professores e dirigentes educacionais. À época
e concomitantemente, produziram-se diferentes materiais didáticos à espera de que
os PCN se tornassem diretrizes obrigatórias.6 No entanto, como visto no capítulo 1,
intercorrências modificaram os planos originais, notadamente na área de Ciências.
Em 1996, a primeira versão dos PCN foi reprovada na avaliação do próprio MEC. Uma
segunda versão retardou em diversos meses o cronograma original. Posteriormente,
o MEC editou as Diretrizes Curriculares Nacionais, e novas Orientações Curriculares
Nacionais (OCN, 2006) e as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN-EM, 2011),
que enfim passou a ser obrigatoriamente observada em todo território nacional.7
O próprio sistema original foi posteriormente expandido e refinado e incluiu qua-
tro resultados principais da aprendizagem: comportamentais, sociais, verbais e pro-
cedimentais (Figura 3.1).8
fatual e comportamental
social
Aprendizagem
verbal e conceitual
procedimental
Figura 3.1: Os quatro tipos de resultados da aprendizagem, segundo Pozo (2002).
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dança conceitual não é um processo fácil nem frequente, uma vez que compreende
a vivência de conflitos cognitivos – constatação de nossa incapacidade de explicar
ou prever certos fenômenos quase sempre associados a emoções negativas e
dolorosas. Provavelmente seja isso que nos permite compreender a razão desse
tipo de aprendizagem frequentemente estacionar em patamares elementares, limi-
tados à memorização de nomes e enunciados de conceitos. Outro risco é a sedi-
mentação de erros conceituais, modelos mentais que se valem de conhecimentos
adaptativos no contexto escolar, mas apenas nele e, adicionalmente, comprometem
a atuação social futura.10
Esse tipo de aprendizagem, alvo de uma categorização hierárquica muito interes-
sante, realizada por uma comissão de especialistas e liderada por Benjamim Bloom
(1913-1999, nota 3), professor da Universidade de Chicago, ainda se mostra útil em
certas situações. Como já mencionado, os objetivos educacionais poderiam ser ma-
peados em três grandes domínios. O grau mais elementar do domínio cognitivo seria
o do conhecimento, que memoriza fatos e informações; acima dele está o grau da
compreensão, que atribui significado aos repertórios da memória; e o grau imediata-
mente superior, o da aplicação, dispõe dos repertórios com o significado conferidos a
ele pelo sujeito para enfrentar novas situações. Os graus mais elevados seriam os da
análise, que permite ao sujeito alcançar uma visão de conjunto de um acúmulo de
elementos plenos de significado; a síntese lhe permite estabelecer padrões e catego-
rias em face de um quadro analítico. A avaliação permite atribuir valor aos elementos
que se percebe em um quadro amplo, à luz de critérios previamente estabelecidos.
Na aprendizagem de procedimentos busca-se desenvolver habilidades e destre-
zas necessárias para realizar atividades bem definidas, que podem ser concretas, no
sentido físico – preparar uma lâmina e manusear um microscópio –, ou abstratas –
planejar nossa própria aprendizagem. Sob a ótica de Pozo, esse tipo de aprendiza-
gem não se reduz a adquirir destreza ou automatismo, como aprender a fazer um
“gancho” no basquete, dar uma “bicicleta” no futebol, ou mesmo preparar um bom
ensopado de peixe, embora isso seja um grau elementar desse tipo de aprendizagem.
A aprendizagem de técnicas é, em si uma forma de aprendizagem de procedimentos.
É possível também alcançar outros graus de aprendizagem, como a aprendizagem de
estratégias, necessárias para modular a técnica – planejar uma coleta de dados no
campo ou, algo muito mais complexo, planejar estratégias de desenvolvimento profis-
sional ao longo da vida ou gestão do patrimônio da família.
Objetivos educacionais
Os objetivos educacionais referem-se a um plano mais geral e a outro mais es-
pecífico. Muitas publicações versam sobre o assunto e enfatizam o papel dos edu-
cadores e das escolas como elementos importantes na transformação ou na estáti-
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venção social, como não palitar os dentes à mesa de almoço, por exemplo, estamos
diante de um efeito residual importante da aprendizagem. Da mesma forma que re-
conhecemos o perigo de atravessar uma linha de trem, mesmo com a composição
trafegando em baixa velocidade, faz parte dessa compreensão ampliada alcançar o
entendimento de uma estrutura conceitual complexa, que depois pode até ser des-
mobilizada, mas cujo efeito residual persiste.
É por isso que as neurociências ressaltam o cérebro como uma máquina de es-
quecer, para salientar que a capacidade e a duração da memória é limitada. Para
aprender é necessário esquecer, como no perspicaz conto de Jorge Luis Borges,
“Funes, o memorioso”.12 Ao incluir elementos de citologia, por exemplo, nas aulas de
biologia, é possível que eles nos façam entender, por exemplo, as relações entre
doenças degenerativas e componentes citoplasmáticos. Futuramente, quando o alu-
no opinar sobre a presença de amianto no ambiente de trabalho, ele pode até não
se recordar exatamente dos nomes das organelas e processos envolvidos, mas
pode emitir uma justificativa circunstanciada de que não se trata de uma convenção
social, como o uso de gravata em serviço ou de palitos de dente à mesa.
Esse prólogo em defesa do conteúdo faz-se necessário diante de algumas con-
cepções que apontam para sua suposta inutilidade, de uma pretensiosa instrumen-
talidade a fim de desenvolver estruturas de pensamento, raciocínios ou competên-
cias. Muito em voga nos documentos oficiais brasileiros, objetivos educacionais
expressos na forma de competências e habilidades pretendem frisar a funcionalida-
de do trabalho escolar. No entanto, como vimos no capítulo 1, no contexto brasileiro
recente essa abordagem foi gradativamente tomando a forma tradicional de lista-
gem de conteúdos conceituais ou de objetos de conhecimento.
Conteúdos conceituais, competências e habilidades continuam a fazer parte da
matriz de referência do Novo Enem, descrevendo objetivos comuns às áreas das
ciências da natureza. Mesmo assim, a competência, “apropriar-se de conhecimen-
tos da Biologia para, em situações problema, interpretar, avaliar ou planejar inter-
venções científico-tecnológicas”, descreve um objetivo muito geral.13 De maneira si-
milar, a habilidade associada também é bastante geral: “interpretar experimentos ou
técnicas que utilizam seres vivos, analisando implicações para o ambiente, a saúde,
a produção de alimentos, matérias-primas ou produtos industriais”.
Em conhecido texto,14 Philippe Perrenoud discutiu a impropriedade de traçar uma
distinção rigorosa entre competências e habilidades, conferindo-lhes artificialmente
o grau de objetos ontológicos. É mais frutífero tratar a diversidade de competências
possíveis do que procurar estabelecer uma distinção formal entre habilidade e com-
petência. Realizar um debate para definir “se temperar um prato, apresentar condo-
lências, reler um texto ou organizar uma festa” são competências ou habilidades
faria algum sentido se esses conjuntos de tarefas estivessem ligados a processa-
mentos mentais distintos, o que de fato não ocorre. Portanto, perde-se tempo ao
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Este, por sua vez, pode ser desdobrado em partes menores, o que torna mais
prático planejar sequências didáticas a partir de metas parciais, normalmente referi-
das como objetivos instrucionais ou objetivos específicos. Espera-se, assim, que ao
final da unidade os alunos sejam capazes de:
O passo seguinte seria o de estruturar uma sequência didática na qual três eta-
pas básicas estariam garantidas (Figura 3.2).
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Negociação de significado
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Característica Descrição
Tabela 3.1: Dez dimensões do ambiente de aprendizagem em sala de aula, combinando as escalas “What is happening
in this class” (WIHIC) e “Constructivist learning environment survey” (CLES).21
Essas dez dimensões são consideradas parâmetros básicos à luz dos quais o
professor pode intervir com vistas a melhorar e aperfeiçoar o resultado de suas au-
las. Se essas dimensões estão modestamente presentes em uma aula, pode-se
prever que o desempenho acadêmico dos estudantes será baixo nos assuntos estu-
dados; caso elas sejam siginificativas, espera-se um resultado acadêmico mais po-
sitivo.
Observando os três objetivos específicos do nosso exemplo, seria possível ofe-
recer textos e ilustrações sobre o ciclo do nitrogênio (Figuras 3.3a e 3.3b), que mos-
trem as formas de incorporação natural e industrial de nitrogênio.
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3 Formular objetivos e avaliar
Sol nitrogênio
gasoso
do ar nitrogênio gasoso
(desnitrificação)
raio
(descarga elétrica)
nitrato
animais
plantas
fixadoras de
nitrogênio biomassa
microrganismos
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Formular objetivos e avaliar 3
digestão
da
proteína que escapou proteína
da degradação
INTESTINO
E proteína não
amônia digerida nas
fezes
composto
energético
E microrganismo
ureia
proteína
microbiana
RÚMEN
Figura 3.4: A administração de ureia junto com a ração animal eleva a produção de proteínas na criação de ruminantes.
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3 Formular objetivos e avaliar
Avaliação educacional
Não é necessário ser professor para realizar alguma avaliação. Na verdade, rea-
lizamos avaliações cotidianamente, em especial quando temos de tomar decisões
sobre os mais variados assuntos. A avaliação é um juízo de valor que se faz de ma-
neira comparativa, ou seja, diante de um padrão arbitrário, estabelecemos a posição
relativa de algum fato ou fenômeno. Quando mudamos a escala do padrão, tem-se
uma nova situação dos fatos ou fenômenos. Assim, sabemos que a avaliação não
produz juízos definitivos sobre fatos e fenômenos, muito menos sobre pessoas.
Portanto, o processo de avaliação sobre a melhor forma de transporte numa situa-
ção específica, por exemplo, como ir do Rio de Janeiro a São Paulo, pode levar em
consideração o preço do transporte, o preço do pedágio e da gasolina, o tempo des-
pendido, a segurança, as condições meteorológicas etc. A conclusão eventual pelo
transporte aéreo não excluirá que no futuro outro meio venha a ser empregado. Da
mesma forma, quando pensamos em processos dinâmicos, como os da sala de aula,
a avaliação se torna um indicador mais ou menos objetivo do grau de satisfação das
expectativas de aprendizagem. Quando a maioria da classe atinge determinado pata-
mar em determinada época pode-se ter uma indicação relativamente segura do pro-
gresso em direção às expectativas. No entanto, toda vez que se mencionam proces-
sos de avaliação na escola a reação nem sempre acompanha essa compreensão de
sua necessidade.
O processo de avaliação é sempre cercado de uma aura negativa, típica das
atividades de controle. Regularmente associamos algum insucesso pessoal a pro-
cessos de avaliação aos quais nos submetemos no passado. A condição de profes-
sor tende a posicionar o sujeito do lado oposto do balcão, por assim dizer. Muitas
pessoas são levadas a pensar que a supressão pura e simples da avaliação pode
então ser decretada. Além de ingênua, trata-se de uma posição extremamente inefi-
ciente, que tende a prejudicar, mais do que ajudar, os estudantes. Um dos principais
problemas nos sistemas de progressão continuada é justamente a fragilidade dos
processos avaliativos, que não conseguem monitorar a progressão dos estudantes
e detectar a tempo a necessidade de retomada de estudos.
Ao avaliar os alunos, o professor está, na verdade, avaliando a si mesmo, uma
vez que o sucesso de seus alunos é uma medida objetiva de seu próprio zelo bem
ou mal-sucedido pela aprendizagem deles. Atividades de avaliação estão intima-
mente associadas ao planejamento curricular e aos objetivos instrucionais, de tal
maneira que a modificação do currículo implica necessariamente modificação das
atividades de avaliação. Constitui erro comum e elementar atualizar o currículo, mo-
dificando os objetivos instrucionais, e paralelamente manter as mesmas atividades
de avaliação, procurando, com isso, mostrar que as inovações são igualmente efi-
cientes para alcançar os mesmos objetivos. Trata-se de um erro metodológico, por-
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3 Formular objetivos e avaliar
devem ter grau de dificuldade intermediário. Espera-se que cerca de 50% dos estu-
dantes sejam capazes de respondê-las.
Provas muito difíceis são instrumentos ruins de avaliação, porque não dão uma
ideia ao professor do grau de aprendizado de sua turma. Provas muito fáceis são
igualmente ruins, dão uma falsa ideia de aprendizagem. Um instrumento equilibrado
permite identificar uma gradação de (in)sucessos, com uma escala de notas que
reflete a escala de dificuldade da prova com cerca de 50% dos alunos na faixa inter-
mediária. Isso permite ao aluno perceber seus pontos fracos, se garantiu ou não seu
aprendizado em todas as áreas; ao mesmo tempo, dá ao professor uma ideia de seu
sucesso como zelador da aprendizagem de seus alunos. Mapeado o desempenho
dos alunos, ele vai avaliar agora a necessidade de retomar algum tópico de maneira
geral ou individualizada.
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Formular objetivos e avaliar 3
Outra orientação da TCT é compor as alternativas factíveis e com alto grau de plau-
sibilidade. Evite-se a todo custo compor alternativas supérfluas ou ambíguas. Além de
diminuir a eficiência do instrumento de avaliação, expõem os alunos a situações vexa-
tórias. Que sejam alternativas razoáveis, com aproximadamente a mesma extensão, o
número de palavras, o mesmo tipo de representação – imagem ou gráfico. A alternativa
correta deve variar de maneira aleatória entre as questões, o que implica prever que
duas questões em sequência imediata possam ter a mesma alternativa correta. Rigo-
rosamente, todas as alternativas têm a mesma probabilidade de ser escolhida, no en-
tanto apenas a habilidade do estudante vai orientá-lo a assinalar a resposta.
Observe estas duas questões extraídas de exames vestibulares. Uma delas
apresenta características positivas e a outra, características a evitar.
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3 Formular objetivos e avaliar
e) não, não está protegida de uma gravidez. Esses hormônios, em baixa dosa-
gem e a intervalos não regulares, não inibem a produção de FSH e LH os
quais, sendo produzidos, induzem a maturação dos folículos e a ovulação.
Uma vez ovulando, corre o risco de engravidar.
A questão apresenta alternativas uniformes, equilibradas, igualmente factíveis,
que exigem domínio do conhecimento em teste. O texto introdutório de contextuali-
zação é conciso, objetivo, não apresenta conteúdo supérfluo ou ambíguo. A questão
foi considerada difícil, com boa capacidade de discriminar alunos que dominam o
conteúdo abordado. Trata-se de uma boa questão uma vez que tem alto poder de
identificar os alunos que dominam o conteúdo abordado.
O exemplo mostra a seguir algumas características que deveriam ser evitadas na
confecção de itens de avaliação:
( Enem, 2005) Nos últimos meses, o preço do petróleo tem alcançado recordes
históricos. Por isso a procura de fontes energéticas alternativas se faz necessária.
Para os especialistas, uma das mais interessantes é o gás natural, pois ele apre-
sentaria uma série de vantagens em relação a outras opções energéticas. A tabela
compara a distribuição das reservas de petróleo e de gás natural no mundo, e a
figura, a emissão de monóxido de carbono entre vários tipos de fontes energéticas.
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Carvão de Carvão de alto Óleo Óleos Gás
baixo teor teor de residual destilados Natural
de Enxofre Enxofre
80
Formular objetivos e avaliar 3
II. A emissão de dióxido de carbono (CO2) para o gás natural é a mais baixa
entre os diversos combustíveis analisados, o que é importante, uma vez que
esse gás é um dos principais responsáveis pelo agravamento do efeito estufa.
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3 Formular objetivos e avaliar
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Formular objetivos e avaliar 3
de alta fidedignidade. Não se espera que alunos com baixo índice de acerto em
questões fáceis tenham sucesso em questões difíceis e de alta fidedignidade.
Nesses casos, a TRI fundamenta a correção dos resultados ao anular acertos
improváveis. É possível também comparar resultados de desempenho de estudan-
tes que se submetem a testes de edições diferentes.
No passado, a TRI era de difícil aplicação. Com a crescente disponibilidade de
recursos tecnológicos de alta capacidade de processamento, no entanto, sua utiliza-
ção tem sido mais frequente. No Brasil, desde 1995 ela vem norteando a aplicação
de provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e, desde 2009 as do
Exame Nacional do Ensino Médio (Novo Enem).
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3 Formular objetivos e avaliar
Mapa conceitual
Conhecimento
Questão-chave
organizado necessário
para responder
Inclui são
compreende
Contexto-dependentes
Sentimentos
associados
Se somam a
Conceitos Proposições
formam
Figura 3.5: Mapa conceitual de um mapa conceitual, representando alguns conceitos envolvidos e as relações entre
eles (baseado em Novak & Cañas, 2008).26
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Formular objetivos e avaliar 3
Nesse mapa conceitual (Figura 3.5),27 o início está na parte superior, embora
isso não seja obrigatório, e mostra o conceito mapa conceitual ligado ao conheci-
mento organizado e às questões-chave – contexto-dependentes –, cuja resposta
demanda a organização do conhecimento. Não é muito fácil perceber as relações
que o mapa conceitual retrata. Ao fazê-lo o estudante é instado a resgatar o signifi-
cado que os conceitos têm para ele. Como forma de avaliação e registro, os mapas
conceituais demonstram ser ferramentas muito úteis em sala de aula. Sua constru-
ção demanda tempo considerável e ferramentas adequadas disponíveis para os
alunos, a fim de lhes permitir reconstruções sucessivas.
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3 Formular objetivos e avaliar
Notas
1. A ênfase na aprendizagem explícita implicou deixar em segundo plano a modulação de
emoções e hábitos sociais, por exemplo, o que se considera também importante. Escolas
sem problemas de desempenho escolar acabaram por seguir as mesmas orientações e, por
consequência, deixaram de focalizar outras aprendizagens.
2. MINISTERIO DE LA EDUCACIÓN Y CIÊNCIA. Diseño curricular base. Educación secundaria
obligatoria (1989). É oportuno lembrar que a Espanha, embora tenha um estado nacional
organizado como monarquia parlamentar, sua Constituição (de 1978), delega competências e
graus de autonomia às províncias.
3. BLOOM, B.S. et al. Taxonomia dos objetivos educacionais. Porto Alegre: Globo, 1973, 2 v.
4. COLL, at al, O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1998.
5. BORSSOI, at al. Formação política na universidade: um olhar para as diretrizes das
licenciaturas em ciências naturais. In: SANTOS, C.A.: QUADROS, A.F. (Org.) Utopia em busca
de possibilidade. Foz do Iguaçu: Unila, 2011, p. 161-171. As autoras citam como “organismos
multilaterais” a Unesco, OECD, OMC e o Banco Mundial (Bird), que teriam tido como efeito “a
ampliação da esfera privada em contraposição dos (sic) direitos e interesses sociais”.
6. A frustrada pretensão inicial de torná-los obrigatórios em todos os sistemas de ensino – bem
como as editoras de livros didáticos –, explica o tom imperial da linguagem desses
documentos, que ainda hoje confunde educadores, mesmo universitários.
7. O parecer CNE/CEB 05/2011, aprovado em maio de 2011, traz Diretrizes Curriculares
Nacionais para o ensino médio e, uma vez homologadas pelo ministro da Educação, servirão
de base para uma resolução do Conselho Nacional de Educação. Esta, interpretada à luz
daquele, torna-se norma obrigatória, dentro do chamado regime de colaboração.
8. Pozo, J.I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artemed,
2002, em especial p. 67-79.
9. Bizzo, N. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo: Biruta, 2009, em especial p. 41-61.
10. BIZZO, N. Mais ciência no ensino fundamental. São Paulo: Brasil, 2009, esp. p. 44-49.
11. Como alternativa, Freire propõe tomar o aluno como homem em “corpo consciente” cuja
educação “não pode ser a de depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens
em suas relações com o mundo” (FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 33 ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2002, p. 67.
12. Jorge Luis Borges nos conta que Funes decidira retomar cada uma de suas reminiscências, e
concluíra que chegaria à morte sem ter exaurido as da infância, além de ter sido completamente
incapaz de aprender algo novo. (Borges, J.L. Prosa completa. Barcelona: Bruguera, 1979, v.
1, p. 477-484).
13. Em termos rigorosos, esse enunciado não designa uma competência, entendendo-a como
“capacidade de articular, mobilizar e colocar em ação conhecimentos, habilidades e valores
necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do
trabalho” (Parecer CNE/CEB 16/99 – DCN Educação Profissional). De fato, a categoria
competência pertence ao mundo do trabalho e não ao da escola (ver capítulo 1).
14. PERRENOUD, P. Construir competências é virar as costas aos saberes? Pátio. Revista
Pedagógica. Porto Alegre: Brasil n. 11, novembro 1999, p. 15-19. [Publicado originalmente em
Résonances, Mensuel de l’école valaisanne,n. 3, Dossier Savoirs et compétences, novembro
1998, p. 3-7]
15. Escreveu a professora Acácia Kuenzer: “Atribuir à escola a função de desenvolver
competências é desconhecer sua natureza e especificidade enquanto espaço de apropriação
do conhecimento socialmente produzido, e portanto, de trabalho intelectual com referência à
prática social, com o que, mais uma vez, se busca esvaziar sua finalidade, com particular
prejuízo para os que vivem do trabalho” (Conhecimento e competências no trabalho e na
escola. Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro, v.28, n.2, maio/ago. 2002, p. 2-11).
16. Non vitae sed scholae discimus (aprendemos para a escola e não para a vida) era a reprovação de
Sêneca para os filósofos que se encarregavam de ensinar os jovens (cf. Idem, ibidem, p. 2-11).
17. KUENZER, Acacia Z. Conhecimento e competências no trabalho e na escola. Boletim Técnico
do Senac. Rio de Janeiro, v.28, n.2, p. 2-11, maio/ago, 2002. [disponível em: http://www.
senac.br/BTS/282/boltec282a.htm]
18. Lobato escreveu que “aqueles que vêm anormalmente a natureza e a interpretam à luz das
teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como
furúnculos da cultura excessivas são produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos
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4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
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4 Trabalho prático:
o laboratório
e o campo
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Trabalho prático: o laboratório e o campo 4
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4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
Laboratórios de informática
A escola é uma instituição social historicamente resistente a mudanças, em es-
pecial ao matiz tecnológico. Por isso, não poderia ser com outra sensação senão de
alegria quando se sabe que muitas delas organizam laboratórios de informática,
com conjuntos de computadores ligados à internet. Há notícias de que mesmo em
escolas públicas na periferia de grandes cidades, como em Nova Iorque, essas ini-
ciativas já existem desde meados dos anos de 1990.
Além do papel propriamente pedagógico das mídias digitais, seus estudantes ti-
veram e têm a oportunidade de adquirir uma perspectiva profissionalizante dos es-
tudos, se considerarmos que a modernização da base produtiva começava a incor-
porar meios computacionais em tarefas cada vez mais corriqueiras, como
estacionamentos de carro, serviços em postos de gasolina etc.
O processo por que passaram os professores, no entanto, foi um pouco dis-
tinto disso, vez que seus sindicatos, sobretudo na Europa, viam as tecnologias,
notadamente a informação computadorizada, com suspeição, como potenciais
ceifadoras de postos de trabalho.8 O que desencadeou uma série dramática de
preocupações.9 Hoje existem basicamente duas aproximações da tecnologia da
informação na escola chamadas genericamente de “entusiastas incondicionais”
e “críticos condicionais”.10
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Trabalho prático: o laboratório e o campo 4
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4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
nência dele. Não é o caso de abordar todo esse amplo leque de posturas, mas de
concentrar a atenção nesse último extremo, que admite o uso das TIC sob certas
condições. Essa posição decorre de um processo histórico, de acordo com o qual
muitos foram levados a rever posições e eventualmente mudar-se de grupo.
Pesquisas realizadas nos últimos vinte anos trouxeram esclarecimentos sobre o
uso das TIC na escola, demonstrando que o entusiasmo inicial não era justificado,
uma vez que se pensavam as novas tecnologias como responsáveis pela completa
obsolescência de certas práticas sociais, o que de fato não ocorreu.
A fundamentação para a crítica condicional incide, sobretudo, na falácia da
informática como panaceia dos problemas educacionais. Uma autoridade educa-
cional do estado mais rico da União chegou a justificar a ausência de laboratórios
e microscópios nas escolas sob o pretexto de que eles se tornariam inúteis diante
da compra anunciada de computadores. Com eles, se tornaria desnecessário
preparar e observar lâminas ao microscópio. Além dessa evidente falácia, muitos
estudos realizados em diversos países demonstraram que a contribuição de labo-
ratórios de informática para o desempenho acadêmico de estudantes não corres-
pondeu ao esperado.
Nos anos 1980 falava-se do grande potencial da informática para a educação,
mas pouca atenção foi conferida ao fato de que é o modo de ensinar que de fato
interfere, positiva ou negativamente, na aprendizagem, não a tecnologia utilizada. O
bom uso das tecnologias faz com que as práticas educacionais se modifiquem, al-
cançando um ponto praticamente impossível sem elas. A imagem de computadores
como máquinas distribuidoras de aprendizagem individualizada, que dispensam in-
termediários entre elas e os estudantes, foi definitivamente abandonada.12
A própria ideia de mediação de conhecimento, central nas perspectivas socioin-
teracionistas, permite prever que a tecnologia pode modificar o resultado da apren-
dizagem em sua base material – ábacos, maquetes, representações tridimensionais
– e em sua base imaterial – signos, conceitos etc. O uso crescente das TIC pelos
alunos, bem como a incorporação gradativa delas pelas escolas deve produzir algu-
mas mudanças no planejamento curricular:
atributos
mentais de ordem superior – criatividade, tomada de decisão, avalia-
ção e síntese – devem ganhar importância na sala de aula;
métodos de avaliação tendem a se deslocar de medidas de conhecimento des-
critivo e aprendizagem explícita (testagem) para verificação de sucesso no al-
cance de metas ligadas a habilidades mentais de ordem superior (avaliação);13
aprender/fazendo passa a ganhar cada vez mais importância nos processos
de aprendizagem;
performance de grupos de alunos, resolução de problemas e aprendizagem
colaborativa passam a ganhar cada vez mais importância em sala de aula.14
92
Trabalho prático: o laboratório e o campo 4
93
4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
Eduardo Santaliestra/
Arquivo da editora
Figura 4.1: Peças de montar e ilustração compondo um modelo molecular. Ajuda a fixar conceitos importantes, como
a complementaridade das bases nitrogenadas de tamanho molecular diferente e o caráter antiparalelo da molécula.
Observe como um modelo simples pode elucidar mais até que um texto escrito ou
uma ilustração certos conceitos chave para a compreensão da molécula de DNA.
Verifique como as peças do jogo de montar foram adaptadas para isso, de maneira
que as bases nitrogenadas aparecem de dois tamanhos diferentes. Se duas bases
púricas ou pirimídicas aparecerem incorretamente pareadas, a largura da fita modifi-
ca-se revelando um erro de pareamento. Observe também como é possível revelar o
caráter antiparalelo da molécula, outro conceito chave para entender suas proprieda-
des e dinâmica. Os fosfatos estão representados pelos pequenos fragmentos (pratea-
dos), funcionando como elementos de ligação do açúcar (desoxirribose, em branco).
Elaborar hipóteses e planejar os testes de verificação delas pode ser realizado
ao longo dos períodos iniciais do processo, mesmo sem laboratório ou sem um ex-
perimento não claramente delineado.
Essas aproximações progressivas podem envolver diferentes tipos de experi-
mentos. Vejamos.
Experimentos motivacionais
Em momentos iniciais e introdutórios de um campo conceitual, os alunos têm pou-
cos elementos que os levem a percorrer todo o ciclo empírico, dos quais eles conhe-
cem e dominam poucos elementos ainda. É necessário, portanto, estimular o interes-
se deles e incentivá-los a estreitar o contato com essa área de estudo e com os
experimentos ainda bastante limitados – graças à própria natureza motivacional deles
–, que de fato constituem verdadeiras demonstrações. Mas não por isso inúteis, desde
que adotados nas etapas iniciais do estudo de áreas novas. O que faz toda a diferença
entre uma demonstração interessante e outra não se refere à problematização inicial,
ou seja, o tipo de investigação mental que ela convida o estudante a realizar.
O papel de tais experimentos é evidenciar elementos centrais da área de estudos
na qual o aluno está sendo introduzido – conceitos, atitudes e procedimentos –, o
que significa enfrentar uma previsível dificuldade: conjunto de novos elementos de
terminologia técnica desconhecida. Suponhamos que a tarefa seja tornar evidente
um conceito chave, permitir que o aluno entre em contato direto com ele, conceito
94
Trabalho prático: o laboratório e o campo 4
esse diverso ao de um vocábulo em meio a um enredo lógico textual, qual seja: tratar
da natureza bioquímica do núcleo celular. Invariavelmente há que mencionar o DNA
e sua estrutura molecular. O experimento que possa evidenciar o DNA de um con-
junto de células certamente será uma oportunidade interessante para o aluno, de-
pois de algumas aulas em que lhe foi apresentada a bioquímica da célula; mais
ainda se ele tiver montado um modelo de molécula com elementos figurados, bas-
tante, a propósito, para sua compreensão do conceito.
No exemplo a seguir mostramos um protocolo simples e um pequeno guia para
que o aluno possa realizar o experimento e possa refletir sobre o que observa.
Modo de fazer
No copo do liquidificador, misture os morangos com a água e quatro pita-
das de sal e triture por 3 a 4 minutos. Caso não haja um liquidificador, amas-
se tudo em um saco plástico. Em seguida coe o extrato.
Fotos: Ciência na escola/Arquivo da editora
Figura 4.2: Três morangos triturados no liquidificador e coados, com água e uma pitada de sal. Essa preparação
rompe células e deixa membranas celulares e envoltórios nucleares expostos.
95
4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
Figura 4.3: Depois de despejado cuidadosamente o álcool gelado na mistura, forma-se uma fase separada na qual o
DNA começa a precipitar. Há moléculas enoveladas e de outras substâncias aderidas, mas é possível ver seu aspecto
filamentoso.
Atividade
96
Trabalho prático: o laboratório e o campo 4
Experimentos de observação
Algumas atividades podem ser classificadas como experimentos de observação,
uma vez que se trata de proporcionar uma forma de acesso visual a determinado
fenômeno ou estrutura sem que seja possível atuar sobre variáveis.
A observação ao microscópio de lâminas preparadas, por exemplo, é uma forma
de buscar alguma característica predefinida – sem, no entanto, que se esteja neces-
sariamente buscando o teste de uma hipótese ligada a alguma variável. A distinção
entre células vegetais e animais pode ser feita de diferentes formas. Se, no entanto,
a observação puder ser feita diretamente pelos alunos, os resultados certamente
serão muito positivos.
Uma das atividades mais tradicionais nas aulas de biologia é a observação de
ciclose em folhas de Elodea canadensis. No contexto em que são apresentados os
elementos e as funções do citoesqueleto no movimento celular, é comum pensar
que as organelas estão soltas no hialoplasma. No entanto, uma célula viva mais se
97
4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
Visuals Unilimited/Corbis/Latinstock
Figura 4.4: Ao observar ao microscópio uma folha de planta de aquário, é possível perceber o movimento de organelas.
Experimentos controlados
Ao curso de biologia no ensino médio cumpre proporcionar a oportunidade de os
estudantes realizarem o ciclo empírico completo à luz de um conjunto teórico amplo.
Esse passo indispensável na formação do estudante está praticamente restrito à
sala de aula, se bem ele requeira longa preparação, adequado acompanhamento
durante a experimentação e apurada coleta dos dados.
98
Trabalho prático: o laboratório e o campo 4
Figura 4.5: O material necessário para o experimento não é sofisticado e pode ser realizado em sala
de aula ou em casa.
99
4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
Material
3 sementeiras;
1 envelope de sementes de qualquer tipo de alface;
Substrato para germinação: terra comum misturada com areia, na proporção de 1:1;
Procedimento
1. Levar o substrato ao forno em temperatura alta por cinco minutos. Ele será o
substrato para os três lotes de sementes.
2. Preparar um lote de sementes apenas com o substrato e etiquetá-lo: Lote padrão.
3. Preparar outro lote com o mesmo substrato, de acordo com as instruções que
constam da embalagem do rizóbio, e etiquetá-lo: Lote rizóbio.
4. Prepare outro lote de sementes com o mesmo substrato, de acordo com as
instruções que constam da embalagem do fitormônio sintético, e etiquetá-lo:
Lote AG3.
Os três lotes de sementes devem ficar no mesmo local, iluminados por luz natu-
ral, sem sol direto, receber a mesma umidade, sem, contudo, ficarem encharcados.
Anotar diariamente e no mesmo horário os resultados. Se possível, fotografar as
sementeiras com as etiquetas sempre bem legíveis.
Eduardo Santaliestra/Arquivo da editora
Figura 4.6: O experimento pode ser montado em lugar de fácil observação durante
duas ou três semanas.
100
Trabalho prático: o laboratório e o campo 4
a. F
aça um relatório do experimento: da compra dos insumos aos resultados
obtidos.
b. Responda a estas questões:
1. Em qual dos três lotes houve mais germinação? Justifique sua resposta.
2. Q
ue vantagem uma substância traz para a agricultura, se a germinação das
hortaliças for acelerada?
3. O
uso do rizóbio como promotor de germinação pode ser mais interessante
para os agricultores que alternam o plantio de leguminosas e não legumino-
sas. De que maneira isso acontece?
Nesse experimento, a atenção dos alunos deve estar voltada para os resultados
que lhes permitam tirar conclusões em bases comparativas, uma vez que, espera-
-se, deve haver germinação em todos os lotes – desde que a preparação das se-
mentes seja rigorosamente igual, evitando, por exemplo, que os diferentes lotes te-
nham contato diferente com a água.
Colhidos os dados quantitativos, é possível responder a primeira questão: houve
de fato aceleração da germinação nos dois lotes experimentais? Em que medida o
rizóbio pode, de fato, alterar a germinação das sementes? A observação do lote
padrão, também chamado testemunha, vai permitir responder a questão.
Na agricultura e até mesmo na indústria de malte, o uso de hormônios para a
germinação constitui passo muito efetivo para a qualificação da produção. Ao acele-
rar a germinação, ela se torna quase simultânea nas diferentes sementes, o que
contribui para os passos seguintes relacionados aos cuidados dispensados a elas.
Com sementes germinadas concomitantemente, é possível conseguir um lote ho-
mogêneo e preparado para os passos seguintes.
O uso de sementes de leguminosas contribui para a fertilização da terra, que vai
dispensar os adubos minerais, em especial os nitrogenados. A chamada “adubação
verde” promove a incorporação de nitrogênio no solo, agregando características po-
sitivas para a agricultura.
No Brasil há muitas espécies de leguminosas, notadamente espécies arbóreas
do gênero Chama ecrista. Totalizam cerca de 300 espécies, 96% das quais com
nodulação natural em suas raízes e particularmente preferidas no reflorestamento
de áreas degradadas.
Exposição de resultados
O ciclo empírico completo não se encerra com a coleta dos resultados e sua
análise, uma vez que a comunicação deles leva ao debate e, juntos, propiciam mui-
to mais do que o aperfeiçoamento da capacidade de expressão. Para ser entendida
verdadeiramente como atividade humana ligada à vida em sociedade, a ciência tem
101
4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
uma dimensão coletiva, mediante a qual as elaborações teóricas dos cientistas são
postas à prova diante de uma audiência ampliada. O saber científico é aberto, pode
ser examinado por diferentes pessoas que têm dele diferentes interpretações. Essa
é uma etapa constitutiva do chamado método científico.
Em razão disso, a comunicação de resultados de experimentos não deve ser
vista como uma estratégia didática para que os estudantes se expressem de ma-
neira coerente e inteligível, mas uma etapa do experimento que exige capacidade
de comunicação coerente com os dados obtidos e compreensível para todos. O
debate se dá tanto para confirmar como para questionar o pensamento dos alunos
expositores. A exposição dos resultados de experimentos tem, portanto, uma fun-
ção educativa importante, uma vez que exercita uma das habilidades próprias da
ciência e comprova que ela não produz conhecimentos definitivos e imutáveis.
Diferentes dados permitem diferentes interpretações. Apenas depois da exposição
dos resultados e da defesa da interpretação deles é possível verdadeiramente
completar um ciclo empírico.
Paralelamente, a exposição de conclusões obriga os alunos a um exercício úni-
co, a assunção das responsabilidades pelo relato pessoal. Cabe a eles a segurança
do que fazem e do que pensam sobre esse feito. Ao expor os resultados, eles se
expõem mais uma vez, bem como a sua capacidade de comunicação e de raciocí-
nio. O exercício de verbalizar o que pensam é uma atividade cognitivamente consi-
derável, mais ainda se atrelada a um componente emocional relevante. Pensamento
e linguagem interagem muito particularmente. O ato de falar o que se pensa obriga
quem fala a repensar suas ideias.
Embora essa não seja uma atividade prerrogativa da ciência, cabe ao aluno, ou
aos alunos, encarregar-se de expor o seminário para os colegas em sala de aula,
em feiras de ciência, oportunidade em que ele expõe aos ouvintes as atividades
desenvolvidas na escola.
102
Trabalho prático: o laboratório e o campo 4
Nesse contexto e com essas condições, é possível entender uma visita a um mu-
seu ou a um centro de ciências de maneira similar à realização de experimentos com
diferentes tipos de interação tais quais os tipos de experimentos. Entenda-se a visita
como etapa inicial e elemento de motivação dos alunos para o estudo de determinado
assunto. Em etapas posteriores é possível também planejar uma observação mais
detida do aspecto privilegiado pela exposição.
Em museus e centros de ciências que ofereçam recursos e oportunidades para
que professores realizem experimentos, seria oportuno preparar atividades que sele-
cionassem hipóteses a serem testadas nas dependências da instituição hospedeira.
Embora isso ainda não seja uma tradição em nosso país, diversos museus e
centros de ciência mantêm programas de visitas periódicas nos quais alunos e pro-
fessores se engajam ativamente na realização de experimentos. A evolução desta
área no Brasil tem sido muito grande e a tendência é a de se incorporar boas práti-
cas de outros lugares em curto prazo.
O trabalho de campo
Atividades de campo devem ser entendidas em sentido amplo e aplicadas a um
amplo leque de situações. Não é necessário que elas sejam fora da escola, apenas
fora da sala de aula. Por vezes, o trabalho de campo está associado ao trabalho
experimental propriamente dito ou a um deslocamento a um museu ou centro de
ciências. É o que vamos ver.
Por definição, o trabalho de campo compreende diferentes disciplinas. Suponha-
mos uma visita a uma peixaria. Os estudantes têm oportunidade de observar carac-
terísticas dos peixes, bem como de ampliar a compreensão daquele espaço, ao te-
matizar questões ambientais ou mesmo relações sociais. De onde provêm os peixes
ali vendidos? Como o comerciante é remunerado? Os peixes pescados são criados
dentro ou fora do cativeiro? O que está ocorrendo com as populações naturais des-
sas espécies? Quais as relações de trabalho na peixaria?
Uma proposta como essa, simples, que privilegia um objeto de conhecimento
real e complexo, permite perceber as diferentes disciplinas compreendidas nela.
Uma excursão mais ousada, com deslocamento para fora da cidade, compreen-
de etapas de preparação mais complexas, a não ser que os contatos já estejam
estabelecidos etc.
Um modelo simples de protocolo de anotação de campo poderia permitir anota-
ções rápidas, vinculando fotos e vídeos curtos, uma vez que a tecnologia de imagem
é, a cada dia, mais acessível aos alunos e pouco dispendiosa. No entanto, a imagem
precisa necessariamente ser ligada a outros dados mais significativos, reveladores
de seu contexto. Assim, uma prancheta que permita anotações simples poderia tra-
zer campos pré-formatados que descrevam o que foi observado, com os dados con-
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4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
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Trabalho prático: o laboratório e o campo 4
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4 Trabalho prático: o laboratório e o campo
Notas
1. FROTA-PESSOA, O. Principios basicos para la enseñanza de la biologia. Washington, D.C.:
The Pan American Union, 1967, 128 p.
2. Idem, ibidem, p. 86-7.
3. Idem, ibidem, p. 17. O autor ainda registra que os resultados tinham sido contabilizados “com
a ajuda de um computador eletrônico”.
4. No Enem 2011 inscreveram mais de cinco milhões de estudantes.
5. Gardner, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 1995, p. 257.
6. GIL PÉREZ, D.; FERNÁNDEZ, I.; CARRASCOSA, J.; PRAIA; J.; CACHAPUZ, A. Para uma
imagem não deformada de Ciência. Ciência & Educação. 2001, v.7, n.2. p.125-153.
7. ABRANTES, P. Imagens de natureza, imagens de ciências. Campinas: Papirus, 1998.
8. No III Fórum de Inovações Pedagógicas em Ciências Agronômicas, em Montpellier, França,
em julho de 1997, após uma exposição sobre o trabalho que desenvolvíamos na Escola do
Futuro da USP, o sindicato de professores da França realizou uma solene sabatina sobre a
potencial redução de postos de trabalho para professores. Com o tempo, a suspeita mostrou
ser infundada (BIZZO, N. Enseignement scientifique et télématique au Brésil. 3 ème Forum de
L’Innovation Pédagogique en Sciences Agronomiques: Nouvelles Technologies de
Communicacion et Échanges en Matière de Formation, Actes. Montpellier, 1997, p. 42–46.
9. O recurso aos empregos básicos da informática para a escola descritos em 1998 continuam
válidas (BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil? 1. ed. São Paulo: Ática, 1998, p. 83–87).
10. Hoje, praticamente inexistem aqueles que, como em 1998, defendiam simplesmente a
proibição das tecnologias da informação e comunicação na escola, como relatei àquela
oportunidade (idem, ibidem, p. 83).
11. PALFREY, J.; GASSER, U. Nascidos na era digital: entendendo a primeira geração de nativos
digitais. Porto Alegre: Artmed, 2011.
12. ZANDVLIET, D.B. Education is not rocket science: the case for deconstructing computer labs
in schools. Amsterdam: Sense Publishers, 2008.
13. No inglês, os termos originais são “testing” versus “assessment”.
14. JONASSEN et al. 1998. Apud: ZANDVLIET, D.B. Op. cit., p. 34.
15. V. Gil-Perez et al, 2001, ob. Cit.
16. Para uma visão panorâmica das maneiras de estudo ao longo dos tempos, consultar:
MARTINS, R. Instrumentos e técnicas nas ciências biológicas.In CALDEIRA, A.M.A.; ARAÚJO,
E.S.N. (Orgs.) Introdução à didática da biologia. São Paulo: Escrituras, 2009, p. 98-138.
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Propostas práticas para a sala de aula 5
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5 Propostas práticas
para a sala de aula
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5 Propostas práticas para a sala de aula
Aspectos históricos
Os cursos de medicina talvez sejam os exemplos históricos mais importantes
para discussão sobre aulas práticas e recursos didáticos mais apropriados na apren-
dizagem de temas biológicos. Durante muitos séculos, as aulas de anatomia huma-
na tinham a forma de palestras baseadas nos escritos do famoso médico romano de
origem grega Galeno de Pérgamo (atual Bergama, Turquia), que viveu no século
II d.C. (provavelmente entre os anos 129-200). Ele tinha enfrentado restrições para
dissecção de cadáveres humanos, razão pela qual dissecava macacos, provavel-
mente os macacos de gibraltar (Macaca sylvanus), para suas descrições anatômi-
cas, consideradas perfeitas e irretocáveis, aliás, por quase 1 300 anos.
Apenas no século XVI a tradição didática galênica foi superada pelo trabalho do
médico belga Andreas Vesalius (1514-1564), que revolucionou não apenas a pesqui-
sa científica em anatomia humana como o ensino médico. Professor da Universida-
de de Pádua, na Itália, utilizou cadáveres em suas pesquisas, o que resultou em
novo entendimento da anatomia humana, superando as concepções galênicas.2
Como professor, Vesalius também revolucionou o ensino médico, trazendo os alu-
nos para junto do cadáver enquanto dissecava3 e explicava a anatomia diretamente
na peça exposta.
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Propostas práticas para a sala de aula 5
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5 Propostas práticas para a sala de aula
dade é tal que é impossível determinar a paternidade da progênie. Por muito tempo,
exemplos de monogamia animal, em orangotangos e cisnes, por exemplo, foram
tomados como exemplos morais de fidelidade conjugal, mas testes de DNA mostra-
ram que a esmagadora maioria das duplas ditas monogâmicas copula com diversos
parceiros.6 Todavia, isso não nos autoriza a reprovar moralmente esses comporta-
mentos, simplesmente porque eles não são humanos.
Por outro lado, cabe ponderar que o debate sobre os chamados direitos animais
tem contribuído para a discussão de práticas culturais e religiosas que precisam ser
repensadas sob o ponto de vista moral. É inútil dizer que a fuga dos judeus do Egito
teria sido impossível de acordo com as modernas leis de proteção aos animais, que
teriam proibido o sacrifício de cordeiros para sinalizar com sangue as casas dos ju-
deus ao Anjo Exterminador do Antigo Testamento. No entanto, o que se deve reco-
nhecer são as modificações e aperfeiçoamento dos métodos de manipulação e aba-
te de animais para fins de consumo alimentar e de experimentação científica, seja
banindo qualquer crueldade, ou evitando ao máximo qualquer sensação de sofri-
mento, promovendo amplamente valores humanitários como busca não reprovável
de coerência.
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Propostas práticas para a sala de aula 5
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5 Propostas práticas para a sala de aula
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Propostas práticas para a sala de aula 5
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5 Propostas práticas para a sala de aula
Experimentos que incluem animais vivos são igualmente tratados pelas diretrizes
norte-americanas. Elas incluem a recomendação de observar as normas locais, esta-
duais e federais, de não realizar atividades que produzam dor, desnutrição ou qual-
quer tipo de sofrimento e de desenvolver atividades que promovam habilidades de
observação e comparação. Acredita-se, segundo o documento, que se possa estimu-
lar eficazmente os alunos a respeitar, apreciar e valorizar a vida, cuidando de maneira
responsável dos animais vivos utilizados. Ao professor cabe planejar a destinação dos
animais ao final do experimento, bem como em intervalos longos, como feriados etc.
No caso brasileiro, embora os princípios gerais se apliquem a todos os animais,
a lei brasileira destaca expressamente os vertebrados, não se aplicando, portanto, a
anfioxos, tunicados e todo tipo de invertebrados. Há que observar, no entanto, que
as restrições de natureza ambiental aplicam-se adicionalmente tanto para as espé-
cies nativas como para as exóticas. Por exemplo, experimentos realizados com ca-
racóis gigantes conhecidos como escargots (Helix sp), em especial para acompa-
nhar o ciclo reprodutivo, podem ser realizados em escolas da educação básica. No
entanto, ainda que não pertençam à fauna brasileira – e justamente por isso –, es-
pecial cuidado deve ser tomado com seu descarte após o experimento, vez que não
podem ser liberados no ambiente, pois podem potencialmente se transformar em
invasores, como de fato já se tornaram em diversas regiões.
Após a utilização didática, os animais devem ser abatidos seguindo as normas
adotadas nos estabelecimentos comerciais que os procriam com finalidades alimen-
tícias, ou de acordo com as recomendações e normas dos órgãos de proteção am-
biental que se aplicam ao estado e município onde se situa a escola.
O mesmo cuidado deve ser tomado com oligoquetas, seja em experimentos em
que se testa seu potencial para a melhoria da produtividade agrícola, seja em dis-
secções exploratórias com vistas ao estudo de sua anatomia interna e externa.21 A
instalação de viveiros, terrários e aquários em escolas de educação básica não é
vedada pela lei 11.798/08, vez que não configuram experimento, não visam elucidar
fenômenos fisiológicos ou patológicos por meio de técnicas específicas e preestabe-
lecidas, desde que estejam de acordo com as orientações dos órgãos ambientais e
sanitários. Além dessas normas, podem ser aplicáveis as que se referem a jardins
zoológicos, caso o local se configure de visitação pública.22
A obtenção de parasitos de vertebrados em abatedouros e peixarias é outra prá-
tica não vedada pela legislação. Por exemplo, o estudo de trematódeos digenéticos
pode ser feito com material montado em lâminas, coletado em abatedouros de gado
(particularmente o Eurytrema pancreaticum). Em peixarias é possível obter facil-
mente cabeças de peixe-agulha (Strongylura sp), comum em toda costa brasileira.
Mergulhados seus arcos branquiais em água a 65 oC, desprendem-se pequenos
trematódeos monogenoideos (Axinoides strongylurae), que podem ser montados
em lâminas e observados ao estereomicroscópio ou ao microscópio óptico.23
114
Propostas práticas para a sala de aula 5
Objetivos da pesquisa
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5 Propostas práticas para a sala de aula
trata apenas de proporcionar uma atividade lúdica aos alunos, embora ela também
possa ter esse caráter, mas de mobilizar o pensamento, debater ideias, elaborar
hipóteses e submetê-las a testes.
Neste caso específico, a sugestão é retomar os conceitos de respiração certa-
mente já aprendidos pelos alunos no ensino fundamental, levantar suas ideias a
respeito e identificar um problema. A propósito, os alunos podem ser levados a inves-
tigar a necessidade de oxigênio da planta comparativamente à de animais. A vida
em ambientes fechados seria uma boa maneira de focalizar o problema. Um episó-
dio da história da biologia lembra uma suposta experiência realizada no século XVIII.
Um rato teria sido deixado em uma campânula hermeticamente fechada e teria mor-
rido. Com a introdução de uma planta nessa campânula, o ar teria se tornado próprio
para a respiração de outro rato.
Em face do já esclarecido a respeito da legislação vigente sobre experimentos
com vertebrados, deve ficar claro que não devem ser realizados experimentos nas
escolas da educação básica com animais vertebrados, em particular com ratos. Ade-
mais, há muita dúvida sobre a precisão histórica dessa descrição e há quem duvide
dela. Mas há contextos igualmente realistas e mais significativos que poderiam nos
ajudar a examinar os mesmos conceitos.
Uma prática tradicional da população de certas regiões brasileiras poderia ser
discutida em sala de aula. Trata-se do costume relativamente recente de guardar
grãos de feijão em garrafas PET hermeticamente fechadas. Haverá alguma razão
científica que justifique essa prática? A título de sugestão, os alunos podem fazer
uma enquete nas famílias e na comunidade em que vivem.
Os alunos podem ser estimulados a planejar um experimento no qual grãos de feijão
impróprios para consumo humano, infestados de carunchos, sejam mantidos em uma
garrafa PET hermeticamente fechada e em outra com alguns furos. As condições ini-
ciais, como manter as duas montagens com aproximadamente a mesma quantidade de
feijão e a mesma população de besouros em cada garrafa, devem ser controladas de
maneira que se possa comparar o número de carunchos ou de grãos íntegros etc.
As variáveis adicionais, como a determinação do gás prejudicial ao desenvolvi-
mento de carunchos e à conservação das sementes, podem ser paulatinamente in-
troduzidas. Que propriedades tem o gás carbônico – em especial sua densidade –,
de maneira a encher uma garrafa PET substituindo o ar no interior dela? Como reti-
rar o oxigênio do interior de um frasco hermeticamente fechado graças à reação
desse oxigênio com palha de aço protegida por papel de filtro? Sem esquecer do
controle da umidade que pode ser feita com envelopes ou cápsulas de silicagel pre-
paradas para esse fim (Anexo 2).
Duas outras montagens podem ser propostas com vistas a investigar mais pro-
fundamente o que ocorre no interior de cada montagem (ver adiante, “respiração
celular no feijão” e “consumo de oxigênio”).
116
Propostas práticas para a sala de aula 5
Material
Procedimento
117
5 Propostas práticas para a sala de aula
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Propostas práticas para a sala de aula 5
imagem em baixa
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5 Propostas práticas para a sala de aula
Material
Procedimento
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Propostas práticas para a sala de aula 5
Figura 5.4: Neste experimento, pode ser observada a produção de gás carbônico.
Esta montagem deve ser realizada paralelamente à anterior com o objetivo de es-
clarecer o que deve ocorrer com a palha de aço que se oxida em um ambiente fecha-
do. Depois de mudar de cor para o amarelo quando se borbulha um pouco de água
com o ar de nossa expiração, a reação química que tem ácido carbônico como produ-
to (o que explica a acidez da solução) é facilmente reversível. Depois de algumas ho-
ras o azul de bromotimol pode naturalmente reverter para a cor azul (em soluções
neutras ou fracamente alcalinas). É necessário que os recipientes repousem por uma
noite e sejam observados no dia seguinte. Esta montagem deve ser feita em conjunto
com a anterior porque o tempo de reação é aproximadamente o mesmo.
Material
1 tubo de ensaio
1 recipiente pequeno com água pela metade
1 palhinha de aço sem sinais de oxidação
1 elástico pequeno
121
5 Propostas práticas para a sala de aula
Procedimento
1. Inserir a palhina de aço no fundo do tubo de ensaio e umedecê-la.
2. Emborcar o tubo de ensaio na água do recipiente, observando o nível de água.
3. Marcar esse nível com o elástico e deixar em repouso por 12 horas.
4. Comparar o nível da água inicial com o nível após o período de repouso e
observar o aspecto da palha de aço.
As três montagens propostas podem ser realizadas ao longo de duas a três au-
las. Os experimentos “respiração celular do feijão” e “consumo de oxigênio” têm a
função de ajudar os estudantes a elaborar hipóteses do que possa ocorrer em cada
montagem. Caso o resultado esperado não seja o observado, isso não deve ser
entendido como um simples fracasso, mas como um fenômeno novo que demanda
uma explicação. Novas hipóteses poderão surgir dessa situação eventual.
O gerador de gás carbônico provoca uma conhecida reação entre o bicarbonato
de sódio e o ácido acético, base do vinagre. A efervescência que se vê é justamente
a produção desse gás. Ao retardar a reação com o cilindro de papel, é possível fe-
char bem o frasco e aproveitar melhor todo o gás produzido. Lembrar que ele é mais
denso do que o ar; por isso vai encher os espaços internos da garrafa, por entre os
grãos de areia, expulsando o ar de seu interior. Isso explica a razão de deixar des-
tampada a garrafa com os feijões, enquanto o gás carbônico vai preenchendo os
espaços de baixo para cima.
No experimento em que se borbulha gás carbônico na água, induz-se uma rea-
ção química significativa para os seres vivos. O gás carbônico reage com a água,
gerando ácido carbônico (H2CO3), o que explica a acidificação e a consequente
mudança de cor da solução. No entanto, como ele é instável e essa reação é facil-
mente reversível, após algumas horas em ambiente aberto, o gás carbônico passa
para o ar do ambiente, diminuindo a quantidade de ácido carbônico da solução. Por
isso a solução de azul de bromotimol muda de cor.
122
Propostas práticas para a sala de aula 5
Objetivos da pesquisa
123
5 Propostas práticas para a sala de aula
se
o terrário for fechado ou aberto, é possível observar o efeito do acúmulo de
gases, como o gás carbônico, durante o crescimento de plantas; e
se
o terrário tiver paredes de diferentes cores, é possível observar a interferên-
cia do tipo de luz no desenvolvimento da planta.
Material
5 g de bicarbonato de sódio
1 vela
Procedimento
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Propostas práticas para a sala de aula 5
Objetivos da pesquisa
A dissecção deve ser apresentada aos alunos como uma pesquisa que procura
responder uma pergunta: determinar o hábito alimentar da espécie escolhida consi-
derando o comprimento relativo do seu intestino (CRI). A tabela a seguir traz os
dados de algumas espécies cultivadas em criadouros comercializadas no Brasil.
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5 Propostas práticas para a sala de aula
Tabela 5.1: Hábito alimentar e comprimento relativo do intestino (CRI) de algumas (Fonte: Rotta, 2003).28
Material
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Propostas práticas para a sala de aula 5
Procedimento
Ao dissecar o peixe, é possível observar órgãos homólogos aos dos demais verte-
brados, como o coração, o estômago, o fígado, o intestino. Esse, no entanto, não é o
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5 Propostas práticas para a sala de aula
caso dos rins e o pâncreas, nem tão parecidos nem muito evidentes, adicionalmente
outros órgãos lhes são típicos, como a vesícula gasosa (“bexiga natatória”).
A digestão dos peixes é bem semelhante à dos demais vertebrados, com enzi-
mas que atuam nos mesmos locais. A análise do conteúdo estomacal pode ser uma
aula de zoologia. Exige conhecimentos de invertebrados e vertebrados, e talvez até
mesmo de plantas e algas, o que, por si mesma, justifica essa análise.
Há peixes que apresentam adaptações particulares. O esôfago da carpa comum
comunica-se diretamente com o intestino. Ela não tem estômago. Há espécies cujo
esôfago se comunica com a vesícula gasosa e pode desempenhar diferentes fun-
ções: osmorregulação de peixes eurialinos (que vivem em águas com diferentes
salinidades, como o salmão) e auxílio à respiração.
Na dissecção da cavalinha os cecos pilóricos chamam a atenção. Mas é opor-
tuno distingui-los dos que aparecem em outros vertebrados, que têm fermentação
bacteriana, por exemplo. Os cecos pilóricos dos peixes são divertículos cegos de
formato digitiforme encontrados na região pilórica e na porção anterior do intestino
médio. Acredita-se que cecos pilóricos dos peixes sirvam para aumentar a super-
fície intestinal. São mais desenvolvidos em peixes com intestino curto (carnívoros)
e reduzidos, senão ausentes, em peixes com intestino longo (herbívoros). Entre-
tanto, não há definição clara se há, ou não, relação direta entre a presença de
cecos pilóricos e a dieta do peixe, uma vez que eles ocorrem em peixes carnívo-
ros, onívoros e herbívoros.
Os dados colhidos pelos alunos vão permitir calcular o CRI do peixe dissecado,
e a eventual análise de seu conteúdo estomacal vai permitir estabelecer uma hipó-
tese de sua dieta, que deverá ser cotejada com outras, informações, como tipo de
dentes, cecos pilóricos encontrados etc.
A cavalinha é uma espécie carnívora e alimenta-se de outros peixes: lulas e crus-
táceos plantônicos; tem intestino curto e numerosos cecos pilóricos.30 Mas isso não
precisa ser dito aos alunos!
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Propostas práticas para a sala de aula 5
Notas
1. As restrições legais têm caráter imperativo cujo descumprimento, no caso de uso de animais,
tipifica contravenção penal. As de ordem moral referem-se ao respeito aos usos e costumes
de um povo, e as de natureza ética referem-se a princípios alvo de crença da pessoa que os
respeita por convicção (TAYLOR, P. A ética universal e a noção de valor. In: NICOLUESCU, B.
et al. Educação e transdisciplinaridade. Brasília: Unesco, 2000, p. 57-81).
2. Por exemplo, Galeno escrevera que o septo entre os ventrículos do coração era poroso,
permitindo assim a passagem de sangue entre eles. Uma observação macroscópica permitiria
perceber o equívoco que apenas estudos de anatomia com peças humanas permitiria realizar.
3. Tradicionalmente, até aquela época, cabia aos assistentes dissecar os animais, enquanto o
professor apenas lia o texto galênico.
4. Na Índia, a legislação de referência data de 1960 e define multas irrisórias contra quem comete
crueldade contra animais, inclusive em rituais religiosos, em que o sangue de animais é usado
em rituais de purificação. Em 2011 foi apresentado um novo projeto de lei (Animal Welfare
Act), que prevê penas de até três anos de prisão, multas altíssimas e ampliação exagerada da
tutela para animais. “Animal”, nos termos do projeto, seria “qualquer criatura viva, além do ser
humano” – o que incluiria todos os vegetais, bactérias etc.
5. Em material de divulgação de sociedades vegetarianas encontram-se afirmações como: “uma
vaca é feliz quando faz o que vacas evoluíram para fazer: ter amigos, família – e uma vida. Não
uma morte. É isso o que uma vaca quer fazer; isso é o que a deixa feliz. Quando você se
pergunta qual a pior coisa que pode acontecer na vida de qualquer animal, conclui: uma morte
prematura”.
6. BARASH, D.; LIPTON, J. The myth of monogamy: fidelity and infidelity in animals and people.
New York: W.H. Freeman, 2001.
7. O decreto 24 645/34, com natureza de lei, trazia uma grande inovação: transformava qualquer
animal, individualmente considerado, destinatário de tutela jurídica: “Art. 1 o. Todos os animais
existentes no País são tutelados do Estado”. Sobral Pinto, advogado e jurista (1893-1991),
invocou esse diploma legal para retirar do cárcere de Filinto Müller presos políticos, como Luís
Carlos Prestes (1898-1990) e Harry Berger (1890-1959, cujo nome verdadeiro era Arthur Ernst
Ewert). Como a lei proibia maus tratos, como “manter animais em lugares anti-higiênicos ou
que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz”. (Art.
3o, II). O saudoso advogado mineiro peticionou, em 3 de março de 1937, a extensão aos seres
humanos dos direitos que assistiam aos “animais irracionais”, como definidos os merecedores
de tutela jurídica naquele diploma legal. Ewert fora trancafiado por longo período em um
pequeno cubículo escuro com 60 cm de altura (ele tinha 1,90 m), debaixo de uma escada, sem
tomar banho, sem cortar cabelos ou barba. A petição teve sucesso. Esse decreto não foi
revogado por nenhuma lei posterior, nem mesmo pela lei 11 794/08. Essa longa nota se
justifica para lembrar que a defesa dos direitos dos animais nem sempre é acompanhada de
espírito humanitário verdadeiro (Moraes, F. Olga. São Paulo: Cia. das Letras, 1994).
8. Prática criticada e debatida na Espanha até os dias atuais. Em julho de 2010, o Parlamento
catalão aprovou por pequena margem (68 votos a favor, 55 contra e 9 abstenções) o decreto
de proteção aos animais, que proíbe a prática de touradas a partir de 2012. Na Espanha, a
prática é vedada apenas nas Ilhas Canárias, desde 1991.
9. O decreto 24 645/34 definia penalidades não apenas com multas em pecúnia, mas com “pena
de prisão celular de 2 a 15 dias”, que poderia ser aplicada em dobro em certas circunstâncias.
10. De acordo com o vernáculo, dissecção e dissecação são sinônimos, configurando prática
diversa da vivissecção, essa de natureza cirúrgica. O jargão técnico biológico, de uso corrente
na academia, nem sempre diferencia esses vernáculos, mas a legislação assim o faz.
11. O poder público fica incumbido de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade” (Art. 225, §1o, VII).
12. Lei 11 794/08, Art. 3o, III, verbis: “experimentos: procedimentos efetuados em animais vivos,
visando à elucidação de fenômenos fisiológicos ou patológicos, mediante técnicas específicas
e preestabelecidas”.
13. A lei 11 794/08 refere-se a animais pertencentes ao filo Chordata e subfilo Vertebrata.
14. Lei 11 798/08, Art. 13, §3o, verbis: “sempre que possível, as práticas de ensino deverão ser
fotografadas, filmadas ou gravadas, de forma a permitir sua reprodução para ilustração de
práticas futuras, evitando-se a repetição desnecessária de procedimentos didáticos com
animais”.
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5 Propostas práticas para a sala de aula
15. National Science Teachers Association. Responsible use of live animals and dissection in the
science classroom. NSTA Position Statement (revised 2008). Disponível em: <www.nsta.org/
about/positions/animals.aspx>.
16. A mesma NSTA está reformulando suas recomendações sobre o uso de computadores na
escola em face do novo quadro dos resultados de pesquisas que tendem a relativizar as
vantagens de seu uso, sem, contudo, pretender aboli-lo.
17. Esse é o caso específico da Baixa Saxônia (Niedersächsisches Kultusministerium. 2007.
Kerncurriculum für das Gymnasium Schuljahrgänge 5-10. Naturwissenschaften. Currículo
básico para as escolas dos anos finais do ensino fundamental, séries 5-10, em Ciências
Naturais. Hannover: Unidruck. Apud: HOLSTERMANN, N.; GRUBE, D.; BÖGEHOLZ, S. The
influence of emotion on students’ performance in dissection exercises. Journal of biological
education. 2009, 43 (4), p.164-166).
18. HOLSTERMANN, N.; Grube D.; BÖGEHOLZ. S. The influence of emotion on students’
performance in dissection exercises. Journal of biological education. 2009, 43 (4), p. 164-166.
19. Idem, ibidem.
20. Idem, ibidem.
21. BLANKENSTEYN, A.A. Annelida. p. 106-117. In: RIBEIRO-COSTA, C.S.; ROCHA, R.M.da
(Coord.). Invertebrados. Ribeirão Preto: Holos, 2003.
22. Nesse caso deve ser observada a lei 7.173/83, que trata da manutenção de animais para
exposição ao público.
23. BOERGER, W. A.; PEREIRA JR., J. Platyhelminthes. In: RIBEIRO-COSTA, C.S.; ROCHA,
R.M.da (Coord.), Invertebrados. Ribeirão Preto: Holos, 2003, p. 51-61.
24. <www.cifeijao.com.br/index.php?p=noticia&idN=604>.
25. Em salas onde não for possível contar com a luz do Sol, é possível utilizar uma lâmpada
comum (de filamento), ou especial, própria para a realização de fotossíntese (disponível em
lojas de aquários). Além dos cuidados usuais, deve-se tomar cuidado para não superaquecer
a montagem.
26. Uma dica útil é inserir a seringa com a agulha antes de iniciar o enchimento da garrafa.
27. No site do Museu Australiano, esse peixe é denominado blue mackerel. Disponível em:
<australianmuseum.net.au/Dissection-of-a-Blue-Mackerel-Scomber-australasicus>.
28. ROTTA, M.A. Aspectos gerais da fisiologia e estrutura do sistema digestivo dos peixes
relacionados à piscicultura. Corumbá: Embrapa, 2003, 49 p. Disponível em: <www.cpap.
embrapa.br/publicacoes/online/DOC53.pdf>.
29. Nesse caso, não se trata de medida de segurança, mas apenas de uma proteção contra o odor
residual da manipulação de peixes.
30. Para mais informações, consulte: SZPILMAN, M. Peixes marinhos do Brasil. Rio de Janeiro:
Mauad, 2000, p.245 (verbete “cavalinha”).
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6 Estágio curricular
supervisionado e
cotidiano escolar
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Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
A formação de uma “visão de mundo” não pode ser tida como a maior contribui-
ção que um curso de educação superior seja capaz de proporcionar.3 O projeto pe-
dagógico de um curso de formação de professores, sobretudo da área científica,
deve explicitar suas estratégias de aproximação com a realidade educacional e so-
cial em que está imerso, bem como seu compromisso com elas, sem o qual corre o
risco de formar professores com visões idealizadas (e alienadas) de categorias cen-
trais na educação, como escola, aluno e atuação docente.
Essa questão, mesmo em outros termos, reaparece do lado da escola que recebe
os estagiários, a escola campo. Por vezes, professores de escolas públicas, de manei-
ra muito sincera e honesta, perguntam-se se os estudantes sem preparação para o
magistério devem mesmo realizar estágio, dado que eles não se percebem vivencian-
do uma situação exemplar e por vezes limitam-se a avaliar a atuação docente ou a
própria organização institucional. Por isso, há entre eles quem pense evitar o desen-
corajamento do futuro professor a seguir adiante na profissão, aliviando-o de manter
contato com certas precariedades das redes públicas. As escolas privadas, por sua
vez, nem sempre se mostram acolhedoras dos estudantes em busca de estágio, ou
requisitam estagiários sem se preocupar exatamente com a iniciação profissional ou
com o caráter curricular de seus estágios. Por vezes demandam dos estudantes fun-
ções docentes integrais, que melhor destino teriam se fossem alocadas para profissio-
nais já formados e legalmente habilitados ao exercício do magistério.
Este argumento tenta convencer tanto o estudante em busca de estágio quanto
o professor da escola que o recebe: a inserção curricular do estágio e sua realização
efetiva constituem oportunidade formativa para a iniciação profissional, de importân-
cia crucial, para a futura prática docente. O estágio curricular permite que a dimen-
são teórica da educação ganhe a devida importância em face das questões práticas
de uma realidade a ser transformada. Afinal, professores que não conhecem a rea-
lidade educacional na qual atuam não têm elementos suficientes para transformá-la.
Veremos adiante que há diferentes modelos de formação docente nas instituições
de ensino superior, e cada um deles oferece diferentes possibilidades de realização
de estágios curriculares supervisionados. Antes, porém, cabe apontar alguns mar-
cos legais com o intuito de esclarecer o que há de obrigatório nos estágios e quais
os fundamentos dessa obrigatoriedade.
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6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
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Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
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6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
cular do curso que requer uma série de provisões, dentre elas a grade horária sema-
nal na jornada acadêmica do estudante.
No caso dos estudantes de licenciatura, seu exercício deve se dar nas esco-
las de educação básica e nos órgãos do sistema educacional, a depender da
oportunidade formativa demandada. As Diretrizes do Conselho Nacional de Edu-
cação para formação de professores complementam a chamada Lei de estágio,
adaptando-a para o caso específico do magistério. Elas afirmam que “o estágio
curricular supervisionado, definido por lei, a ser realizado em escola de educa-
ção básica”.7 Além disso, ele deve ter início na segunda metade do curso, de
modo a permitir que o trabalho dos estagiários seja precedido de uma formação
mínima que evite ao máximo riscos para os alunos da educação básica das
escolas que os acolhem.8
Resulta que o estágio curricular supervisionado de que trata o projeto pedagó-
gico da instituição formadora deve ser planejado de acordo com a legislação vi-
gente nacional e a do respectivo sistema de ensino a que pertence a instituição
formadora e a escola campo (nem sempre coincidentes),9 além de estar articulado
com as escolas de educação básica. A regulamentação da lei menciona um núme-
ro mínimo de horas de estágio curricular supervisionado para a licenciatura, reali-
zado em escola da educação básica, que pode ser acrescido por estágios não
obrigatórios, realizados em instituição diversa de escolas – museus e centros de
ciência por exemplo.
São permitidos e desejados acréscimos ao total de horas atestado de fato em
histórico escolar. No entanto, a demanda mais frequente refere-se à questão in-
versa, qual seja, a redução do número de horas de estágio exigido. Nesse caso
há amparo legal da lei 9 394, de 1996, que afirma: os cursos de formação inicial
de professores devem respeitar a experiência profissional de seus estudantes.10
Essa é a base para o disposto nas Diretrizes Curriculares para Formação Inicial
de Professores para a Educação Básica, ao afirmar que o projeto pedagógico do
curso pode (note-se o verbo) admitir redução do total de horas a serem realizadas,
com o limite de 50% do total exigido. Isso significa que a redução não é obrigatória
e que o estudante em atuação, ou que já tenha atuado como professor deve pro-
curar no regimento do curso as normas que a ele se aplicam. Evidentemente, caso
o projeto do curso não preveja essa possibilidade, a redução não é possível e há
de se exigir o cumprimento da carga horária de estágios em sua plenitude.11 Da
mesma forma, também em decorrência de exigência legal, não há que se cogitar
tal redução se a experiência profissional tiver ocorrido em estabelecimentos onde
não ocorre o exercício profissional do magistério – em outro local que não em
salas de aula de escolas, sem efetivas condições de proporcionar experiência
prática em instalações que tenham condições de proporcionar ao educando ativi-
dades de aprendizagem social, profissional e cultural.
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Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
As normas legais não podem ser contraditórias entre si – embora isso nem sempre
seja evitado –, e os entes federativos devem funcionar em regime de colaboração. A
elaboração dos projetos pedagógicos das instituições de ensino deve ser realizada
tendo em vista as disposições legais, não apenas em razão do caráter de obrigatorie-
dade que têm, mas, sobretudo, do espírito formativo que estabelece patamares míni-
mos e garantias jurídicas. A finalidade de todo esse conjunto de procedimentos é
proporcionar oportunidades formativas e de iniciação profissional que efetivamente
habilitem o estudante para o magistério e para as diversas tarefas para as quais esta-
rá profissionalmente habilitado.
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6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
Essas sugestões não devem ser vistas como uma ingerência na autonomia de
universidades, uma vez que se trata de um conjunto de recomendações que visam
tornar mais prática a (re)elaboração das estruturas curriculares, bem como visam
à futura requisição de títulos ligados ao registro profissional junto aos conselhos
profissionais.
Como a manifestação do Conselho Federal de Biologia pode ocorrer indistinta-
mente para cursos de licenciatura e bacharelado, cabe observar a particularidade
das sugestões para cada uma das formas de estágio, da mesma forma que para
as disciplinas do curso, uma vez que existem diferenças marcantes, a começar
pela carga horária mínima de cada uma das formas de estágio curricular supervi-
sionado. Embora seja louvável a iniciativa de sugerir formas de organização de
cursos, observe-se que tais atos normativos podem ser confundidos com os dos
órgãos competentes para regulamentar questões educacionais, o que deveria ser
evitado a todo custo. Leve-se ainda em conta que o MEC edita regularmente nor-
mas para realização de exames para aferir a qualidade dos cursos superiores
(Enade), dentre elas uma matriz de conteúdos definida em uma portaria do Inep,
órgão do MEC, que igualmente exerce influência na organização curricular das
instituições de ensino superior.
O desempenho dos estudantes nesse exame, o material encaminhado pelo órgão
do MEC encarregado da educação superior (Sesu) e o encaminhado pelo CFBio tam-
bém instruem as tomadas de cisão do CNE.
Na figura a seguir estão traçados os principais passos dessa tramitação no
Ministério da Educação, com ênfase na influência das Diretrizes Curriculares Na-
cionais e nas instituições públicas federais e privadas que pertencem ao sistema
federal de ensino.
Ato do ministro
da Educação Instituição ensino superior
Diretrizes Curriculares
MEC/Sesu MEC/Inep Enade
Nacionais
Figura 6.1a: Relações entre normas e instituições de ensino superior do Sistema Federal de Ensino.
Influências sobre a organização do curso superior (linha verde). Dados agregados ao processo (linha azul). Desempenho
dos estudantes do ensino superior (linha marrom). Deliberações dos órgãos (linha vermelha).
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Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
Por fim, há que se observar ainda que os estágios curriculares dos cursos de
bacharelado em ciências biológicas podem incluir também a realização ou acompa-
nhamento de ações no âmbito da formação inicial, na área de educação não formal.
Museus, centros de ciências, exposições e feiras de ciências são locais onde estu-
dantes de cursos de bacharelado e licenciatura em ciências biológicas encontram
oportunidades muito interessantes para atuar como estagiários. No entanto, nesse
caso, o mesmo estágio pode cumprir funções totalmente diferentes na formação
inicial de licenciandos e bacharéis. Para estes o estágio poderá ser curricular e obri-
gatório, mas para os estudantes de licenciatura somente poderá ser não obrigatório,
ou seja, não dispensará a obrigatoriedade de realizar o estágio curricular e supervi-
sionado, nos locais onde o exercício profissional do magistério efetivamente ocorre,
ou seja, em escolas.
As instituições de educação superior mantidas pelo poder público estadual ou
municipal pertencem ao sistema estadual de ensino, razão pela qual estão sujeitas
a legislação de alcance nacional com adição de normas próprias do sistema estadual,
leis ou atos de regulamentação dos órgãos normativos e executivos locais.
Esta figura mostra a diferença do relacionamento das instituições com as normas
nacionais e estaduais.
Instituição Estadual/municipal
educação superior
Normas complementares
Diretrizes Curriculares Nacionais
para estágios
Figura 6.1b: Relações entre normas e instituições de ensino superior do sistema estadual de ensino. Instituição do
sistema estadual também leva em consideração normas de alcance nacional, às quais se acrescentam eventualmente ou-
tras (linha verde), que agregam dados ao processo (linha azul) e alimentam as deliberações (linha vermelha).
As instituições de ensino superior mantidas pelo poder público dos estados, mu-
nicípios e do Distrito Federal não dependem de autorizações de funcionamento ema-
nadas do Ministério de Educação, mas da correspondente secretaria de estado da
educação. Aplicam-se as normas nacionais, mas os órgãos normativos devem traba-
lhar em regime de colaboração ao editar normas compatíveis entre si. Há estados
que editam normas complementares para estágios e outros procedimentos, contanto
que não estabeleçam antinomias com as leis federais que regem a matéria.13
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6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
Tabela 6.1: Questionário sobre procedimentos do professor nas aulas de ciências (Pisa, 2006).15 A numeração original
(coluna da direita) é ordenada de acordo com o grau de dificuldade de implementação, do mais difícil (alto) para o
mais fácil (baixo), segundo Liu (2010).16
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O modelo experiencial
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cional pelo modelo experiencial, vez que, pouco se acrescentaria à sua formação
científica obtida nas disciplinas teóricas das ciências biológicas, bem como à sua
destreza profissional no magistério.
Esse modelo também se assenta em uma epistemologia que desvaloriza a pro-
dução científica sobre o que ocorre na escola, essa complexa instituição, e em uma
pedagogia que despreza o saber escolar.23 Pouco haveria a aprender na aproxima-
ção da escola, à qual restaria apenas a sina de receber as produções da academia,
como uma praia recebe as ondas do mar. De certa forma, portanto, podemos dizer
que essa perspectiva adota a postura da máxima “quem sabe ensina”.
Restaria, pois, ao professor supervisor a difícil tarefa de aceitar estagiários sob
essa perspectiva, mesmo que imbuídos da máxima boa intenção de levar conteúdo
à escola. Negociar possibilidades com o estagiário seria uma das alternativas em
face da postura experiencial.
O modelo mimético
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Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
O modelo descritivo
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6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
ela foi baseada numa filosofia do funcionamento da mente, o que imprimiu ao pen-
samento pedagógico uma forte tendência, até os dias atuais. Tendo como referência
a obra do alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841), essa visão de pedagogia
se vincula fortemente às teorias de aprendizagem e à psicologia do desenvolvimen-
to, em especial à psicologia construtivista de Jean Piaget (1896-1980), cuja influên-
cia foi considerável no século XX.
Esses postulados rendem à ação pedagógica matizes parecidos com a modulação
externa das ações dos alunos proposta originalmente por Herbart. A pedagogia herbar-
tiana propõe a ação pedagógica pautada por três tipos de procedimentos: um deles liga-
do ao controle do aluno, outro ligado ao seu interesse e um terceiro, à sua disciplina. A
função da educação é modificar o pensamento do aluno a partir de suas representações
mentais – ideias a respeito do mundo que se formam com a experiência e se modificam
com a educação. A teoria da educação de Herbart esteve na base da criação das escolas
de aplicação, onde ganharia dimensão prática e se alimentaria empiricamente.
A concretização desse modelo em modelos institucionais obedece a duas tendên-
cias evidentes. Uma delas diz respeito à inclusão de um conjunto muito amplo de ingre-
dientes de formação pedagógica com privilégio das chamadas ciências da educação.
A segunda, ainda de acordo com a referência adotada (Pombo, 2011), diz respeito à
tentativa de “descurar a formação científica, quer limitando-a, restringindo-a ou redu-
zindo-a, ou (mais grave ainda) orientando-a logo de início para o ensino” (p. 20, g.o.).
Embora Pombo se mostre bastante crítica em relação ao modelo descritivo, reco-
nhece sua ampla difusão nos cursos de formação de professores. A perspectiva do
estagiário, nesse caso, é buscar oportunidades de exercitar certas destrezas em um
cenário propício para ele. Ao professor orientador cabe discutir a pertinência de ações
desse tipo com seus estudantes. Longe do ideal, esse modelo é bastante comum,
embora não esteja baseado em uma epistemologia que reconheça o conhecimento
científico gerado pela pesquisa na escola e despreza o chamado saber escolar.
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Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
Trabalho coletivo
A busca da melhoria do ensino de biologia não pode ser reduzida a uma panaceia,
a um remédio curativo que possa genericamente se aplicar a todos os problemas que
afligem nossas escolas. Por isso há que se pensar em uma atuação coletiva capaz de
envolver a escola e a comunidade atendida por ela. As primeiras sugestões de ativida-
des compreendem diversos elementos da escola. Em seguida são sugeridas ativida-
des focalizadas na atuação individual, sempre comprometidas com a oferta perma-
nente de possibilidades de aprimoramento do trabalho docente na escola.
Para quem pretende trabalhar cotidianamente na escola, uma das primeiras apro-
ximações do ambiente escolar deveria ser conhecer os mecanismos de participação
da comunidade escolar nas decisões que dizem respeito a seu funcionamento. A
princípio, isso se estende de um extremo a outro do leque de atividades escolares, da
decisão da aprovação ou reprovação de alunos à escolha de diretores, coordenado-
res de área etc., passando pela elaboração do projeto político-pedagógico das esco-
las privadas, comunitárias e públicas. A gestão democrática da educação é um pre-
ceito de nossa Constituição federal e reiterado na legislação infraconstitucional.
O regimento escolar e a legislação do sistema de ensino podem afetar as
possibilidades de participação da comunidade nos rumos da escola, convém
que especifidades sejam do conhecimento de todos. Além disso, é necessário
ter presente o funcionamento dos mecanismos existentes, uma vez que pode
haver marcada diferença entre o que se pretende fazer de maneira democrática,
com a participação de todos, e o que efetivamente é feito, por vezes sem qual-
quer tipo de participação.
Essa é uma das razões por que incentivar, logo no início de uma atividade de
estágio mais prolongada, uma série de atividades de observação mediante as quais
o estudante, ou mesmo o jovem profissional, pesquise a gestão democrática do
espaço escolar. É importante que se tenha em conta quão difícil é a transferência de
uma realidade institucional para outra, ou seja, quão extremamente distintas podem
ser as estratégias de gestão escolar de uma escola para outra, mesmo que perten-
çam a um mesmo sistema de ensino.
A tabela 6.2 resume alguns aspectos que podem ser pesquisados na realidade
escolar em conversas com os diretores, coordenadores, professores e familiares dos
alunos.
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Qual a participação dos alunos na organização Qual a participação dos alunos na definição das
dos espaços e tempos da escola? metodologias?
Tabela 6.2: Temas de gestão escolar. Questões passíveis de pesquisa para compreender como a gestão democrática
da educação ocorre na escola.
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Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
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6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
que a vida evoluiu e continua evoluindo. Seria algo ridículo pensar que um experimen-
to pudesse submeter a um teste a criação divina ou não de todas as formas de vida.
Galileu nos fez entender que os livros sagrados constituem um sistema de verda-
des essencialmente distinto da ciência. Ambos os sistemas podem conviver de ma-
neira respeitosa, mesmo se, por vezes, possa haver algum conflito, como no exem-
plo de Josué.
Desde o século XVIII, os geólogos demonstraram que as formações rochosas são
muito antigas e certamente remontam a tempos que só podem ser contados na gran-
deza de milhões de anos. Mais uma vez isso colidiu frontalmente com o relato do
Antigo Testamento que fala da criação delas. De início houve até mesmo uma certa
aceitação da ideia, derivada sobretudo do que o Vaticano aprendera com o julgamen-
to de Galileu. No entanto, posteriormente, naquele mesmo século XVIII, com o avan-
ço da Revolução Francesa, radicalmente anticlerical, a Igreja retomou posturas into-
lerantes da época anterior a Galileu contra qualquer tipo de afirmação que não fosse
literalmente encontrada na Bíblia, incluindo a contagem do tempo cronológico. Com
essa postura, ela se aproximava das denominações protestantes, em especial da
Anglicana, que desenvolveu um sistema religioso e incorporou nele elementos cien-
tíficos, a fim de confirmar os dogmas religiosos. Foi o caso dos fósseis de conchas
marinhas encontrados no topo de montanhas. Esses religiosos tomaram-nos como
provas cabais da verdade do dilúvio universal. Enquanto Voltaire insistia em tratá-los
apenas como restos das refeições dos cruzados em direção ao Oriente, cientistas
como Antonio Vallisneri, Giovanni Arduíno, Alberto Fortis e Lazzaro Spallanzani insis-
tiam em tomá-los como provas das grandes revoluções pelas quais tinha passado a
crosta terrestre ao longo dos tempos.
Recentemente, a temática ganhou novo alento com a iniciativa de alguns divul-
gadores de ciência que defendem a evolução e, ao mesmo tempo, promovem o
ateísmo. Isso levou muitas pessoas a pensar que as duas atividades fossem faces
de uma mesma moeda, o que não é verdade. Há cientistas ateus sim, bem como há
os religiosos, que admitem a existência de um Deus e se dedicam a pesquisas liga-
das à evolução biológica. Dentre os pensadores de esquerda, está o radical trotskis-
ta inglês Terry Eagleton, que se indispôs frontalmente com essa postura hostil às
religiões que apregoam a crença em um mundo sem religião como um mundo muito
melhor. Segundo ele, tais divulgadores se baseiam unicamente numa superstição, a
de que uma sociedade sem religião é uma sociedade melhor. Segundo ele, não há
evidência alguma que sustente essa crença, daí chamá-la de superstição.
152
Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
(art. 210, I), tema reiterado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) (Lei 9.394/96, art. 33, I), que reafirmou o texto constitucional, delegando
aos estados o estabelecimento de normas para seu oferecimento. No entanto, a
mesma Constituição Federal veda à União, Estados, municípios e Distrito Federal
qualquer subvenção ou favorecimento de qualquer igreja ou culto religioso (art. 19, I),
razão pela qual as escolas públicas têm por obrigação manter a mesma distância
de todas as religiões. De fato, desde a primeira constituição da República, o esta-
do brasileiro deixou de declarar uma religião oficial. Até então, durante o Império,
a religião católica era obrigatória nas escolas e constituía parte do currículo esco-
lar desde a Lei Geral do Ensino de 1827, vez que o Império tinha uma religião ofi-
cial (a católica).
O caráter laico das escolas públicas brasileiras tem convivido conflituosamente
com o ensino religioso. Na Constituição de 1934, a Igreja católica conseguiu retomar
alguns privilégios que detinha no Império, entre eles a reintrodução do ensino reli-
gioso às expensas do Estado. Isso explica a reação ocorrida quando a primeira
versão da LDBEN, de 1996, definiu que o ensino religioso não consumiria verbas
públicas, mesmo se ministrado (facultativamente) em escolas públicas. Uma nova
versão desse artigo (art. 33) surgiu logo em seguida, em julho de 1997, quando a
disposição inicial da LDBEN foi modificada.25 Dessa data até 2010, o ensino religioso
ministrado no ensino fundamental das escolas públicas passou por diversos ques-
tionamentos, em especial quando se apontava a prática de proselitismo religioso,
vedada pela legislação. Afinal, promover uma religião qualquer, seja ela qual for,
afronta não apenas os termos da lei, mas também a laicidade do Estado brasileiro,
que embora não apareça expressamente na redação do texto constitucional, pode
ser deduzido ao cotejar diferentes artigos. Por isso, o artigo 33 da LDBEN passou a
ser questionado junto ao Supremo Tribunal Federal em uma Ação Direta de Incons-
titucionalidade (ADI).26 O simples fato de o poder público ter entendido que a laicida-
de do Estado estava ameaçada por aquele dispositivo legal é um indicativo da dis-
tância que deve ser observada e mantida entre as escolas públicas e as religiões.27
É nesse contexto que se insere a questão do criacionismo nas escolas públicas
brasileiras. A afirmação de que a interpretação literal do texto bíblico deve ser ensi-
nada nas aulas de ciências (criacionismo científico) carece de sustentação episte-
mológica, dado que qualquer ciência entende necessário seu próprio questiona-
mento, cujas conclusões devem ser postas à prova, o que evidentemente não é o
caso do texto bíblico. Adicionalmente, a prática contraria a legislação, uma vez que
se trata da promoção de ensinamentos de algumas religiões de tradição judaico-
-cristã, mas não de outras, o que configura uma prática contrária aos ditames cons-
titucionais sobre a divisão entre poder executivo e religiões.28
A defesa da leitura literal ou não do texto bíblico é tarefa reservada às aulas de
religião, ocorram elas na escola pública ou não, com professores pagos pelo estado
153
6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
ou não. Apenas nessas aulas cabe argumentar que a idade bíblica da Terra é de
poucos milhares de anos, argumento absurdo, aliás, uma vez que contraria todos os
conhecimentos produzidos pelos geólogos. Argumentar que a Terra tem poucos mi-
lhares de anos equivale a argumentar que nosso planeta está parado e que o Sol e
a Lua giram em torno dele. No tempo de Galileu, os aristotélicos diziam que, se a
Terra não se mantivesse exatamente no mesmo lugar, a Lua se perderia para sem-
pre. Galileu demonstrou que os satélites de Júpiter não se perdem do planeta que
orbitam enquanto ele se move pelo céu, como estava bem estabelecido desde tem-
pos imemoriais.29
No entanto, as diferentes denominações religiosas, fundamentalistas ou não, têm
ajustado seus dogmas em razão de evidências científicas cada vez mais convincen-
tes. Há posições religiosas segundo as quais a fé verdadeira se baseia em evidên-
cias, a fé religiosa é resultado de um processo lógico de justaposição de evidências
convincentes. Em razão disso tendem a reivindicar o espaço das aulas de biologia
para jogar uma luz particular sobre fatos bem conhecidos, retomando a Teologia
Natural de Tomás de Aquino (capítulo 2), cujo objetivo é demonstrar que a beleza de
certas estruturas biológicas, como a da eficiente estrutura geométrica pentâmera da
lanterna de aristóteles dos ouriços, só poderia ser fruto de um projeto inteligente: “O
que você acha? Será que o dente do ouriço do mar, com sua capacidade de afiar a
si mesmo, surgiu do acaso? Ou teve um projeto?30” A teologia católica, de outra for-
ma, já no século XIX, propunha que a fé não dependia de evidências, mas deveria
projetar sentido aos objetos, e não o contrário (cf. nota de rodapé 30, capítulo 2).
154
Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
Figura 6.2: Ossos do punho (em verde) e dos dedos (em vermelho) de uma asa de galinha.
Para concluir essa atividade, poderia ser explorada uma imagem da reconstru-
ção artística do Anchiornis huxleyi (figura 6.2), um pequeno dinossauro descrito em
2009, cujos fósseis foram encontrados na China. Com pouco mais de 165 milhões
de anos, ele é um exemplo muito interessante da capacidade preditiva da ciência,
dos conhecimentos científicos que nos permitem realizar previsões sobre o mundo,
na tentativa de expandir o conhecimento humano. Foi na época de Darwin que seu
amigo Thomas Huxley, ao examinar o fóssil do Archaeopteryx lithica, predisse que
formas de répteis mais parecidas com aves viriam a ser descobertas em futuro não
muito distante. Passados pouco mais de 150 anos, eis que um dinossauro totalmen-
te coberto de penas e com dedos nas pontas das asas, tal qual uma cigana amazô-
nica (Opisthocomus hoazin) foi descrita.
155
6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
Julius T. Csotonyi/www.csotonyi.com
Figura 6.3: O Anchiornis huxleyi é um pequeno dinossauro com muitas características de aves – corpo revestido de
penas –, como previra Thomas Huxley há pouco mais de 150 anos.
A cigana amazônica é uma ave que serviu de base para a reconstrução inicial do
pequeno dinossauro plumado. A “mão da cigana” é ainda mais impressionante!
Staffan Widstrand/Corbis/Latinstock
Figuras 6.4 e 6.5: A cigana (Opisthocomus hoazin) é uma ave amazônica com raras características, cujos filhotes
apresentam longos dedos que os auxiliam na locomoção pelos galhos das árvores antes de aprenderem a voar.
156
Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
Explorando a história
A tematização da
evolução no ensino mé-
dio pressupõe o estudo
da extensão do tempo
geológico. Trata-se de
uma área conceitual
muito difícil, cuja com-
preensão, sistematiza-
ção e compatibilização
com evidências geoló-
gicas e sistemas de
crenças custaram sé- Figura 6.6: Detalhes da floresta petrificada próxima a Uspallata, na Argenti-
na, a quase três mil metros de altitude, encontrada por Charles Darwin. Ao
culos à própria comuni-
lado de dezenas de troncos em posição vertical, aparece um na vertical (aci-
dade científica. ma, à direita).
157
6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
Figura 6.7: Visão geral da floresta petrificada encontrada por Charles Darwin, nos Andes argentinos.
A conclusão que Charles Darwin tirou dessa descoberta foi relativamente sim-
ples, mas impressionante. O terreno onde as árvores tinham vivido deveria ser no
nível do mar, terreno semelhante onde ainda hoje há árvores semelhantes àque-
las. O terreno, portanto, foi elevado a três mil metros. Caso se admita que esse
levantamento tenha sido muito lento, a ponto de não destruir aquele bosque are-
noso, é possível imaginar uma velocidade entre dois e três centímetros por século,
velocidade calculada para explicar desníveis encontrados em igrejas muito antigas
da região. A conta para calcular o tempo de um desnível de 300 mil centímetros é
simples:
300 000 cm : 3 x 100 anos = 10 000 000 anos!
158
Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
Esse mesmo cálculo pode revelar com bastante segurança a idade mínima do
bosque. Considerando que a petrificação só pode ocorrer debaixo da água, os
restos marinhos acima dos estratos nos quais estava o bosque explicam a ocor-
rência de uma submersão bastante prolongada da praia onde estavam plantadas
aquelas árvores, tempo suficiente para que se formassem camadas calcárias com
restos de criaturas marinhas, com mais de 300 m de espessura, para só então
começar a ocorrer o lento soerguimento daquela montanha. Hoje, datações preci-
sas comprovaram que aquelas árvores estavam vivas há cerca de 245 milhões de
anos!
Nas bibliotecas das escolas públicas há livros e vídeos disponíveis, bem como
na internet, que mostram detalhes dessa empreitada de Darwin nos Andes. Explo-
rar essas obras com os alunos e refazer, com eles, os cálculos que nos permitem
calcular a extensão da idade da Terra é uma verdadeira aventura paleontológica
virtual.32
159
6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
Por que os peixes morrem fora da água Estudo da anatomia das brânquias para esclarecer a
se há mais oxigênio no ar do que na área de contato entre o sangue e a fonte de oxigênio.
água?
Por que os fungos não são considerados Estudo da classificação biológica e da ecofisiologia de
plantas? fungos e plantas e de suas relações tróficas.
Qual a diferença entre gorduras Estudo da bioquímica dos alimentos, das gorduras
consideradas boas e ruins na saturadas e dos ácidos graxos essenciais.
alimentação humana?
Os gêmeos univitelinos são sempre Pesquisa sobre gestação humana, cuidados pré-natais
idênticos? Pode haver gêmeos e entrevistas com obstetras.
univitelinos de sexos diferentes?
Por que os homens nascem com Pesquisa sobre desenvolvimento embrionário humano
mamilos, se não possuem glândulas durante as primeiras doze semanas de gestação e do
mamárias? efeito dos hormônios sexuais.
Por que uma pessoa O+ pode doar Estudo das possibilidades de transfusão de sangue
sangue para todos os demais tipos? Os total, plasma sanguíneo e hemácias, cujas regras de
anticorpos desse sangue aglutinam as transfusão são diferentes.
hemácias do tipo A, B e AB. O mesmo
não vai ocorrer no corpo do receptor?
Há pessoas sem dentes caninos. Isso Estudo das grandes linhas de evolução e dos
pode ser devido ao uso do liquidificador mecanismos de hereditariedade.
na preparação dos alimentos?
Tabela 6.3: Perguntas espontâneas de estudantes dirigidas ao professor podem servir de pesquisa teórica e de estudo.
160
Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
Por que a glicose e a frutose têm a mesma Estudo da forma tridimensional das moléculas
fórmula química (C6H12O6), se são substâncias de compostos orgânicos biologicamente
diferentes? importantes.
161
6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
de resultados. Que essas pesquisas tenham como resultado um produto escrito que
possa ser visto por familiares e colegas, que elas testemunhem o retorno positivo
dos alunos que se empenharam no trabalho.
162
Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
163
6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
164
Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
Notas
1. Existe uma distinção rigorosa entre esses dois sistemas de crenças, que Maurice Tardif, em
suas pesquisas sobre os saberes dos professores do Canadá, denomina “teorias professadas”,
ou seja, as teorias que declaram seguir, e as “teorias praticadas”, as que demonstram seguir.
2. A legislação já deu guarida a iniciativas que dispensavam inteiramente o estágio (Res. CNE/
CP 02/1997); no entanto, isso sempre foi tido como uma leitura distorcida da norma legal sob
a perspectiva de aligeirar a formação docente. A rigor, o estágio supervisionado foi sempre
indispensável aos alunos dos cursos profissionalizantes de nível médio e superior. A resolução
CNE/CP 02/2002 limitou expressamente essa dispensa integral, ao estipular o limite de 50%
para estudantes que já atuam como professores. Deve-se lembrar ainda que a dispensa não
é obrigatória; ao contrário, ela deve ser prevista e regulamentada no projeto pedagógico e no
regimento do curso.
3. A “visão de mundo” tem papel central em diversos sistemas filosóficos, sobretudo na filosofia
alemã, que consagrou o termo Weltanshauung como ideologia, no sentido de uma moldura
teórica, necessária para capacitar o sujeito a entender o mundo.
4. A nova redação desse artigo foi dada pela lei 11.788/08, que revogou seu parágrafo único.
5. O parecer CNE/CP 09/2001 e as respectivas resoluções CNE/CP 01 e 02/2002 dispuseram
sobre a matéria.
6. O problema de considerar exemplos de outros países é ter de levar em conta as diferenças
mesmo se for possível fazer comparações com países de base federativa, como a Austrália.
Um professor egresso de uma instituição de um estado membro (como Tasmânia, no caso
australiano) não está automaticamente habilitado a exercer o magistério em outros estados
membros (como Queensland, por exemplo). Cada estado membro estabelece requisitos
específicos para os profissionais de outros estados membros, tais como exames de
certificação profissional. No Brasil, apenas com a Constituição federal de 1934 a questão da
validade nacional dos diplomas outorgados pelas províncias pôde ser resolvida.
7. Resolução CNE/Cp 01/2002, artigo 13 §3o.
8. Embora as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação
Básica tenham sido elaboradas na vigência da lei 6.494/77, elas estabeleceram patamares
razoáveis para a formação inicial de professores, que permanecem em sintonia com a nova lei
de estágio (11.788/08). Por isso, segundo a opinião de jurista de vulto, não há que se cogitar
sua nulidade.
9. Não será demais reiterar que as instituições privadas e federais de ensino superior pertencem
ao Sistema de Ensino Federal, cujo órgão normativo é o Conselho Federal de Educação (CFE).
As instituições de ensino superior públicas estaduais e municipais pertencem ao Sistema de
Ensino Estadual, cujo órgão normativo é o respectivo conselho estadual de educação. As
escolas da educação básica podem pertencer ao Sistema de Ensino Municipal, subordinadas
a um conselho municipal de educação, embora isso nem sempre ocorra. Os sistemas de
ensino devem articular-se em regime de colaboração.
10. A lei 9.394/96, com redação conferida pela lei 12.014/09, reza que as instituições formadoras
poderão levar em conta o aproveitamento da formação e as experiências anteriores em
instituições de ensino e em outras atividades (artigo 61, § único, III).
11. Convém esclarecer que esse dispositivo de redução foi pensado precipuamente para o
caso dos professores que atuavam na educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental, com a credencial fornecida pelos cursos de nível médio, na modalidade
normal (magistério). Tais profissionais eram legalmente habilitados, nos termos do artigo
62 da LDBEN (com a redação da época, que admitia tais credenciais). Os estudantes de
licenciatura, ainda não diplomados, que atuam em escolas, fazem-no a título precário,
seja como professores, seja com funções não docentes (laboratoristas, por exemplo). A
rigor, portanto, não atuam como professores, o que, por princípio, não justifica o pleito à
referida redução da carga horária.
12. Segundo o artigo 2 o, III, o biólogo poderá “realizar perícias e emitir laudos técnicos e pareceres
de acordo com o currículo efetivamente realizado”. Como órgãos fiscalizadores do exercício
profissional, cabe aos conselhos regionais de Biologia examinar o currículo efetivamente
realizado pelo requerente de registro profissional e atestar sua competência em diferentes
áreas. As instruções normativas do Conselho Federal de Biologia pretendem justamente
compatibilizar o currículo das instituições de educação superior com o processo de
credenciamento do profissional, tendo sido adotado o modelo de “grade de disciplinas”, com
sugestão de respectiva carga horária.
165
6 Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar
13. A educação a distância (EAD), não considerada neste livro, tem legislação específica.
14. KRASILCHIK, M. Prática de ensino de Biologia. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2004.
15. Disponível em: <http://www.pisa.oecd.org>.
16. LIU, X. Using and developing measurements instruments in Science education: a rasch
modeling approach. CHARLOTTE, N.C. Information age publishing. 2010, p. 216.
17. BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo: Biruta, 2009, p. 39-59. _______. Mais ciência
no ensino fundamental. São Paulo: Brasil, 2009, p. 29-32.
18. A lei 11.788/08 dispõe que a instituição de ensino, à qual o estagiário está vinculado, tem a
obrigação de indicar um “professor orientador” (artigo 7 o, III), enquanto a parte concedente, a
instituição que recebe o estagiário, tem a obrigação de “indicar funcionário de seu quadro de
pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no
curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente”.
Neste livro denominamos esse profissional de professor supervisor da escola campo.
19. Não é o caso de aprofundar a discussão do papel do professor orientador, o que demandaria
um capítulo à parte. Assinale-se, no entanto, que ele deve realizar as atividades previstas no
projeto pedagógico do curso.
20. POMBO, O. Para um modelo reflexivo de formação de professores. In: SANTOS; QUADROS.
Utopia em busca de possibilidade: abordagens interdisciplinares no ensino das ciências da
natureza. Foz do Iguaçu, PR: Unila, 2011, p. 13-26.
21. Como docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Olga Pombo tem um
distanciamento ético em relação aos cursos brasileiros de licenciatura, o que nos permite
adotar sua categorização sem com isso privilegiar uma ou outra iniciativa mais familiar. Além
disso, sua atuação na formação de professores da área científica torna-a uma referência
muito apropriada para a discussão da formação do professor de biologia.
22. Trata-se do conhecido mirror effect, do sociólogo Donald Alan Schön, do Massachussets
Institute of Technology (MIT), que serviu de base para a proposição de uma “formação
reflexiva”, base de seu livro seminal The reflective practitioner: how professionals think in
action (Basic Books, 1983), no qual (curiosamente) ele não tratou de professores, mas da
maneira como eram resolvidos os problemas práticos no exercício profissional de engenheiros,
arquitetos, urbanistas, administradores e psicoterapeutas. Outros livros se seguiram como
propostas de formação do “profissional reflexivo”, dentre eles os professores.
23. Essa tem sido a tônica da perspectiva da “formação reflexiva” do professor, de acordo com as
formulações de Donald Schön e Philippe Perrenoud. [DUARTE. Conhecimento tácito e
conhecimento escolar na formação do professor (porque Donald Schön não entendeu Luria).
Educação e sociedade. 2003, 24 (83), p. 601-625].
24. Trata-se de uma aproximação do processo educativo pautado pela busca de eficiência no
alcance de resultados. Há autores que a criticam por utilizar o modelo de uma fábrica para a
escola, entende o aluno como “matéria-prima a ser transformada”, e, o professor como
“operário” que deve ser treinado para operar os “meios de transformação” (SACRISTÁN, J.G.
La pedagogia por objetivos: obsesión por la eficiencia. Madrid: Morata, 1985).
25. Em dezembro de 1996, constava da redação original do artigo 33 da lei 9.394/1996 que o
ensino religioso seria realizado nas escolas públicas sem ônus para o poder público. No ano
seguinte, o parecer CNE/CEB 05/97 explicitou o entendimento da LDBEN, consoante o artigo
19 da CF, vedando o uso do erário no ensino religioso. Contudo, esse artigo foi modificado
pela lei 9.475/97, de iniciativa do MEC, que retomou a possibilidade de verbas públicas
pagarem professores de ensino religioso, bem como remeteu aos sistemas de ensino a tarefa
de normatizar seu oferecimento. A aprovação dessa lei apresentada pelo governo ocorreu por
acordo de lideranças, às vésperas de recesso parlamentar, cuja relatoria foi atribuída a um
deputado da oposição, padre católico (licenciado), ligado originalmente à Congregação dos
Missionários da Sagrada Família.
26. Em agosto de 2010, a Procuradoria-Geral da República (PGR) propôs ao Supremo Tribunal
Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4 439, com pedido liminar, contra o que
dispõe sobre ensino religioso o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
LBD, (lei 9.394/96), bem como contra o que dispõe o artigo 11, do Anexo do Decreto 7.107/10
(Acordo Brasil-Vaticano).
27. Juristas entendem que a redação constitucional abre espaço para uma antinomia jurídica, ao
afirmar um estado laico e vedar subvenção estatal às denominações religiosas e, ao mesmo
tempo, assegurar a prestação de serviço educacional religioso às expensas dos cofres
públicos (XIMENES, S.B. O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras: do direito à
166
Estágio curricular supervisionado e cotidiano escolar 6
liberdade de crença e culto à prestação estatal positiva. In: RANIERI, N.B.S. (Coord.) Direito à
educação: aspectos constitucionais. São Paulo: Edusp, 2009, p 89-109).
28. Ver “O estado brasileiro é laico?”, em <www.nepp-dh.ufrj.br/ole/posicionamentos2.html>,
acesso em 30 março de 2012.
29. O próprio termo “planeta” significa “astro errante”, ou seja, o movimento de Júpiter não
poderia ser negado, e Galileu reunira observações meticulosas sobre o movimento
impressionante de seus satélites.
30. Revista Despertai!, nov. 2011, p. 16. Curiosamente, a mesma publicação criacionista, que
enfatiza a realidade do tempo geológico, utiliza uma linguagem evolucionista, ao descrever
uma espécie sob o ponto de vista filogenético: “agave azul – planta suculenta que é parente
distante dos lírios” (p. 20, g.n.).
31. Embora o uso de animais em aulas práticas enfrente uma série de restrições, pode-se lançar
mão de animais que fazem parte das refeições, sejam elas realizadas na escola ou não. Pode-
-se sugerir que os alunos realizem a atividade em casa e tragam para a aula apenas os ossos
para montagem em classe.
32. Sobre tempo geológico: <http://www.ig.uit.no/webgeology/webgeology_files/portuguese/geol_
time_pt.html>. Darwin nos Andes, documentário, TV Cultura, 2002. Disponível em: <http://
youtu.be/gc_kD0wU94o> (primeiros cinco minutos), e <http://youtu.be/gOgY7nwW4iQ>
(últimos nove minutos). – BIZZO, N. Darwin: no telhado das Américas. 2. ed. São Paulo:
Odysseus, 2009.
33. ABRANTES, P. Imagens de natureza, imagens de ciência. Campinas: Papirus, 1998.
34. Ver item “O finalismo aristotélico: teleologia e determinismo”, à página 28.
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Anexos
Anexos
Anexos
Anexo 1
Matriz de referência: Novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
Ciências da natureza e suas tecnologias
Objetos de conhecimento: Biologia
169
Anexos
Biomas brasileiros
Exploração e uso de recursos naturais
Problemasambientais: mudanças climáticas, efeito estufa; desmatamento; ero-
são; poluição da água, do solo e do ar
Conservação e recuperação de ecossistemas
Conservação da biodiversidade
170
Anexos
Tecnologias ambientais
Noções de saneamento básico
Noções de legislação ambiental: água, florestas, unidades de conserva-
ção; biodiversidade
171
Anexos
Anexo 2
Material básico para o trabalho experimental em biologia
Material de baixo custo (com exceção do microscópio) que pode ser facilmente
obtido ou reutilizado. Se reutilizado, as regras de higiene para manipulação devem
ser rigorosamente observadas.
2 pinças de relojoeiro
6 garrafas PET com tampa
6 recipientes de vidro de comida infantil com tampa
2 vidros de remédio com tampa conta-gotas
2 metros de mangueira plástica de aquário
10 dessecantes de remédios (silicagel, reaproveitáveis várias vezes)
10 tubos de ensaio de vidro ou tubetes PET (2,5 x 13 cm) incolores, com tampa
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