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manifesto estético político satânico

Ao contrário do que se costuma afirmar entre os iluministas bem-intencionados, dos


mansos anarquistas aos masturbadores pais de família, é na religião que está a saída
para o desastre político em que fomos empurrados. Evidentemente, não na religião do
consolo pacífico das instituições milenares, nem na mistura um tanto patética e cínica
dos êxtases ensaiados dos auditórios lotados diante de homens de terno largo. Não no
aconselhamento paternalista dos compreensivos senhores de idade, com seus olhos
bondosos e sua vozinha bem medida. Ou nas lições vacilantes que o filósofo, esse ser
geralmente neurótico e cheio de certezas. Se a religião coloca todos esses indivíduos e
seus pequeníssimos poderem em questão é na medida em que os ensina a ler. Pois
além da etimologia doutrinária que nos ensina que o termo religião deriva de
RELIGARE, ou seja, da unificação com o Ser de todos os Seres, com o Ser-em-Si, é
preciso lembrar daquela outra etimologia, mais marginal, que devemos a Cícero: a que
faz a RELIGIO surgir de RELEGERE, ou seja, “reler, retomar, ler com elegência”. A fé,
assim entendida, não daria lugar às instituições queimadoras de bruxas e enforcadoras
de homossexuais, nem serviria de crachá, autorizando a colonização, exploração e
destruição da decisão do corpo feminino em nome de um suposto valor da vida
(garantido por essa figura cansativa que é o Ser de todos os Seres). No sentido
ciceroniano, a religião é a performance da leitura, um esforço de chegarmos a um
estilo através do qual produzimos o Ser. Sem essa tarefa estilística o Ser é um
natimorto inútil, ou antes, um natimorto utilíssimo nas mãos dos vendilhões do
templo.
Quando nossa vontade foi vampirizada pelo transe, quando os edifícios que habitamos
são transformados em ruína, física e metafísica, o apelo ao real é o mais fraco dos
recursos. Contra o real inventado e depredado que nos dão, a única forma de
resistência efetiva é o apelo ao impossível. Não me refiro, é claro, ao idealismo dos
que pensam a imanência desse mundo como insuficiente em termos comparativos,
que desejam o reino por vir da salvação. Refiro-me ao impossível como modo de vida.
Refiro-me a uma sistemática perversão de nossas identidades, de nosso corpo, da
boca, do cu, da buceta, da boca metafísica, do cu metafísico, da buceta metafísica.
Nenhum desses órgãos existe, nenhuma medicina nos curará. É claro que essa tese
pessimista só pode assim ser entendida do ponto de vista da necessidade da evidência
para as ações humanas. Mas essa necessidade nem é tão antiga (talvez ela tenha se
tornado realmente homogênea somente no século XVII), nem é tão unívoca.
Precisamos aprender a relê-la, a ler essa necessidade com elegância, estilizá-la. O real
é, de todas as doenças, a mais superestimada.
Com isso, o espaço da política já não pode ser o do diálogo, ou o da oposição diálogo-
violência. Pois todo diálogo, todo pacto, todo acordo, se define também pelos termos
que ele aniquila, pelo ímpeto de convencimento, outra patologia tediosa e debilitante.
Os jovens esperançosos de 2013 e as senhoras de varizes estouradas nos manifestos
contra a presidente Dilma caíram na mesma chantagem política: a crença em um
mundo melhor para todos. O mundo, esse outro nome para o real, é um lugar
desgraçado, uma reprise infinita de uma novela do Manoel Carlos sem que possamos
mudar o canal. Ironicamente, é essa também sua beleza e seu poder, insistentemente
calado pelas bocas espumantes do ódio bem-intencionado do “povo”, dos estúpidos
letrados como Bolsonaro e pseudoletrados com Pondé. Talvez não seja mais hora de
melhorar o mundo, talvez seja hora de recusá-lo, de não participar de seu
funcionamento, ou melhor, de mergulhá-lo naquilo que ele é, uma repetição sem
sentido, para que, enfim, um outro regime de sentido possa vir se estabelecer. Sem
violência, talvez, mas certamente sem diálogo. Só entende essa possibilidade (ou
impossibilidade) como utópica os que ainda têm motivos para crer que a vida é o que
nos dão. A meu ver, a vida é a leitura elegante (e ainda assim, maravilhosamente
vulgar) que fazemos de nós mesmos. E a felicidade é um estilo.

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