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A COLÔNIA
EM
MOVIMENTO
Fortuna e Família no Cotidiano Colonial
2a impressão
Á
EDITORA
NOVA
FRONTEIRA
INTRODUÇÃO
social, mas, no Brasil, seu peso é indubitável. Somos obrigados a ser, portanto,
mais antropólogos do que demógrafos. Acrescente-se ser a Colônia uma sociedade
formada por escravos, livres e libertos das mais variadas origens étnicas e inseridos
em diferentes contextos, o que se configura um universo complexo o bastante
para questionar esquemas explicativos gerais que não dão conta da diversidade daí
decorrente. São necessárias, portanto, mais pesquisas, apoiadas em fontes varia-
das, para se chegar a conclusões abrangentes ou elaboração de teorias explicativas.
Considero que o trabalho apresentado, embasado em documentação ampla e se-
riada, contribua para ampliar o conhecimento sobre o período colonial brasileiro.
* * *
Eni de Mesquita Samara e Maria Luiza Marcílio, 1 9 onde vários pressupostos vêm
sendo questionados, como o patriarcalismo, a situação da mulher, etc. C o m u m
enfoque um pouco diferente, encontram-se os estudos que consideram a família
pela sua vertente econômica, como os de Elizabeth Kusnesof, Murriel Nazzari e
Alida Metcalf. 20 Todos referem-se ao estado de São Paulo, principalmente à cida-
de, no período colonial. Importantes e esclarecedoras conclusões aí contidas per-
mitem que se reelaborem noções sobre a atuação e constituição dos grupos fami-
liares, no cotidiano local, embora pouco possa ser considerado, em termos
comparativos. A grande ausência, neste tipo de enfoque, são as regiões nordesti-
nas, estas, sim, base da historiografia que tanto se quer combater.
E m relação aos escravos, uma série de pesquisas colocaram em outros ter-
mos a atuação e o cotidiano dos cativos, questionando pressupostos como pro-
miscuidade jjassividnde e ariilriiraçjin Escravos emergem, nestas pesquisas, como
agentes históricos, apesar de socialmente desprestigiados. 2 1 Robert Slenes, ini-
cialmente analisando dados demográficos, 2 2 avança pelos estudos culturais e de
comportamento^tentando desvendar a organização e a lógica interna do m u n d o
escravo.
E m linhas gerais, pode-se dizer que interesses se deslocaram das macro par^
as microanál.ises, fundamentais para a composição de teorias gerais mais amplas.
Obviamente, tal tipo de enfoque, no Brasil, só foi possível após os questionamen-
tos anteriores sobre a existência de uma lógica interna que permitisse, com algum
sentido e representatividade, estudos mais localizados e prpftmtiflf. Elaborar tal
tipo de trabalho, na época do predomínio inquestionável da teoria do "sistema
colonial", seria retornar ao que tanto se buscava combater, a história factual. 2 3
A construção teórica de uma sociedade escravista ligada ao exterior, mas não ab-
solutamente dele dependente, possibilitou pesquisas que, em conjunto, impedem
a aplicação dos antigos modelos amplos e irrestritos.
Apesar da proliferação das pesquisas e das grandes inovações e questiona-
mentos decorrentes, cujos alvos privilegiados foram os já clássicos trabalhos de
Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e Celso Furtado, continua-se a tomar o perío-
do escravista como um bloco. As especificidades, no tempo, perdem-se na evi-
dente constatação de que um mesmo tipo de sociedade escravista ultrapassou o
século X I X . O processo da abolição da escravidão teria sido o verdadeiro marco
divisor de águas — o rompimento com o passado colonial. Creio que, ao se
tomar a presença do regime escravista como uma unidade (pressupondo-se ser a
escravidão — e escravidão negra — a mesma entre os séculos X V I e X I X ) e,
justamente por esta unidade, definidora da organização social, corre-se o risco de
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XVIII. Nela vamos encontrar os mais diversos tipos de pessoas e perceber suas
atuações na produção, no acesso à mão-de-obra escrava, no estabelecimento de
alianças rituais, na organização familiar, nas formas e tipos de casas de morada,
nos casamentos, enfim, nos sucessos e insucessos de alguns aspectos das suas
vidas.
Tento compreender, sob a ótica da história da família, a dinâmica de áreas
em implantação e expansão de atividades econômicas rurais, entendendo que esta
é uma situação encontrada em praticamente todas as épocas da história do Brasil,
estendendo-se até mesmo aos dias atuais. Pretendo, portanto, ao privilegiar uma
ampla região — os C a m p o s dos Goitacases — torná-la exemplo — e, repito, não
"exemplar" — do que pode ter havido em inúmeras outras. N ã o me restrinjo a
ela. Analisei, também, dados de freguesias da cidade do Rio de Janeiro e do
recôncavo da Guanabara, sempre que a comparação se mostrou fundamental.
A mobilidade, tanto econômico-social quanto espacial, tornou-se objeto central.
Analisar a riqueza, a família e a vida cotidiana dos diversos grupos que compu-
nham uma sociedade em rápida transformação significa tratar, de fato, das ten-
sões decorrentes desta própria mobilidade, que engloba perda, manutenção e/ou
ampliação dos mais variados tipos de poder.
* * *
MAPA 1
C A M P O S D O S GOITACASES
Fonte: M a p a Rodoviário e Político - Estado do Rio de Janeiro. G e o m a p a s Produções Cartográficas Ltda São
Paulo, 1 9 8 2
INTRODUÇÃO 29
Diziam, até, que capturavam tubarões usando apenas um pedaço de pau afilado
nas extremidades. Ao mordê-lo, o tubarão ficava preso e era então puxado para
fora do mar.
Segundo relato de Simão de Vasconcelos, 27 os goitacases ocupavam uma
das áreas mais notáveis e aprazíveis de toda a Colônia, com campinas extensas
quase tão rasas como o mar, toda recortada de verdes e de inúmeras lagoas. N o
meio de uma delas mal se enxergava a terra, habitada por um número sem fim de
patos e aves variadas. Esta terra, tida como o Paraíso, estava, portanto, defendida
por povos bárbaros e selvagens, que resistiam ao contato com o europeu.
E m 1531, Pero de Góis recebeu a área em donataria, chamada de capitania
de São Tomé. Possuía, então, uma extensão de trinta léguas de costa (264km)
entre as de São Vicente e do Espírito Santo. Contam que Pero de Góis foi expulso
pelos goitacases em suas duas tentativas de ocupação, desistindo, por fim, em
1546. Gil de Góis, seu filho, sucedeu-lhe na donataria, renunciando, porém, em
1619, em favor da Coroa portuguesa. J á então era a capitania denominada de
Paraíba do Sul e não mais de São Tomé. A fama do gentio da terra afastava os que
pudessem ter interesse na ocupação.
E m 1627, parte da Paraíba do Sul foi doada, em regime de sesmarias, aos
capitães Miguel Aires Maldonado, Gonçalo Correia, Duarte Correia, Antônio
Pinto, João de Castilho, Manoel Correia e Miguel Riscado, denominados " O s
Sete Capitães". Receberam-nas por terem prestado serviços à Coroa, nas lutas
contra os franceses e seus aliados indígenas. Repartiram as terras entre si e inicia-
ram a construção de currais, atividade então priorizada.
A descrição desta eficaz tentativa de ocupação das terras dos goitacases
encontra-se num roteiro escrito por Miguel Aires Maldonado, relatando toda a
viagem de reconhecimento, entre 1632 e 1634. Segundo ele, o grupo explorador
armou-se para enfrentar a terrível violência dos índios. N o tão esperado contato,
foram recebidos com festejos e presentes, o que provocou grande surpresa. A ex-
plicação de Maldonado para o fato foi a de que aqueles não eram os índios real-
mente selvagens, os quais estariam na parte norte da capitania, e não naquela
onde se iriam estabelecer. Era a única explicação possível. A cada vez que o branco
se aproximava, a imagem do gentio terrível transportava-se para lugares mais
remotos, longe do olhar do colono. Persistia, assim, a lenda sobre os homens-
animais. Relatos posteriores incumbiram-se de minimizar a ferocidade dos goitacás.
A observação de métodos de vida muito diferentes do que se conhecia na
Europa criou visões especialmente coloridas sobre os habitantes das Américas. 2 8
Isto serviu, em certa medida, para o retardamento da ocupação de inúmeras áreas
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xo que fazia com que a referência à moradia fosse, sempre, no plural. O s materiais
empregados, as divisões, o que cercava a habitação em determinado tipo de ativi-
dade econômica e a proximidade física e cotidiana entre livres e escravos explicam
muito de uma sociedade que baseava sua verdade no "ouvi dizer" ou o no que era
"público e notório".
Vejamos, portanto, um pouco dessa sociedade.
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NOTAS
1 Cf. Prado Júnior (1971); Furtado (1959); Novaes (1979); Arruda (1980).
2 Segundo João Fragoso, "boa parte da polêmica (...) se ressentia, quando do seu
surgimento, nos anos 70, de pesquisas de base". Fragoso (1990), p. 87.
3 Cf. Cardoso (1973(a) e 1973(b)); Gorender (1978).
4 Cf. Arruda (1980); Mello (1982). Para uma análise historiográfica, ver Fragoso (1992).
5 Cf. Dias (1972); Martins (1983); Lenharo (1979); Gorenstein (1978); Maxwell (1978);
Mattoso (1978); Silva (1991); Fragoso (1990).
6 Cf. Martins (1983); Guimarães & Reis (1986), Carlos Magno; Reis, Liana Maria.
Agricultura e escravidão em Minas Gerais (1700/1750). In Revista do Departamento de
História, U F M G , Belo Horizonte, n° 2, junho de 1986.
7 A maior parte dos trabalhos, no Rio de Janeiro, foi desenvolvida por influência dos
professores dra. Maria Yedda Leite Linhares e dr. Ciro Flamarion Santana Cardoso.
8 Cf. Muniz (1979); Mattos de Castro (1987); Faria (1986); Fragoso (1983); Graner
(1985); Motta (1989); Saleto (1985).
9 Cf. Cardoso (1988).
10 Cf. Fragoso (1988).
11 Cf. Fragoso (1990).
12 Cf. Fragoso (1992).
13 "Cidade da Bahia" foi a denominação encontrada em inventários e testamentos para
designar a cidade de Salvador.
14 Cf. Silva (1991).
15 Cf. Schwartz (1988); Florentino (1991); Silva (1991); Fragoso (1990); Lara (1988).
16 Cf. Souza (1986); Vainfas (1989); Priore (1990); Lima (1987); Reis (1991); Mott
(1988); Campos (1987 a e b ) .
17 Para uma discussão sobre história das mentalidades e história cultural ver Vainfas,
Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In Cardoso & Vainfas (1997).
18 Cf. Priore (1997); Novaes (1997).
19 Cf. Samara (1989); Correia (1982); Marcílio (1973) e (1986). Para um balanço
historiográfico ver Faria, Sheila de Castro. História da família e demografia histórica.
In Cardoso & Vainfas (1997).
20 Cf. Kusnesof (1986); Nazzari (1991); Metcalf (1983).
21 Cf. Chalhoub (1989); Lara (1988); Slenes (1988), (1994) e (1991-92); Karash (1987).
22 Cf. Slenes (1987).
23 Cf. Le Goff & Nora (1976).
INTRODUÇÃO 37
24 N ã o causa estranheza, portanto, que trabalhos sobre São Paulo sejam em maior núme-
ro do que os de outras áreas. Em relação à escravidão indígena, posso ressaltar o exce-
lente estudo de Monteiro (1994).
25 N ã o há uniformidade para a denominação da região nos documentos de época, nem
mesmo para a vila de São Salvador, criada em 1673 e instalada em 1676. Em inventá-
rios post-mortem, por todo século XVIII, ela é indicada como "Vila de São Salvador da
Paraíba do Sul" (cuja grafia original era "Villa de Sam Salvador da Parayba do Sul"),
ultrapassando o período em que era sede da "Capitania da Paraíba do Sul". Segundo a
"Legislação sobre os Municípios, Comarcas e Distritos de 1835 a 1925" (Cf. Oliveira
(s/d), ver fontes impressas), a partir de 1753 a antiga capitania foi incorporada à capi-
tania do Espírito Santo, retornando à já então denominada província do Rio de Janeiro
em 1832, obtendo o título de comarca em 1833. Em 28 de março de 1835 a "Vila de
São Salvador dos C a m p o s " foi elevada à categoria de " C i d a d e de C a m p o s dos
Goitacases". Apesar do nome "Paraíba do Sul" ter custado a entrar em desuso, em
documentos de meados do século XVIII há a convivência com outros, como o de "Vila
de São Salvador dos Campos dos Goitacases". Cf. Lamego (1913), vol. 2, em inúmeras
citações. Couto Reis, em 1785, a denomina de "Distrito dos Campos Goaitacas". Cf.
Reis (1785) (ver fontes manuscritas).
26 Segundo Joaquim Norberto, habitavam essa área várias tribos, entre elas os goitacá-
guaçu, goitacá-jacoritó, goitacá-mopie e os guarus. Cf. Silva (1854) (ver fontes impres-
sas).
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