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Eu mencionei que era um sintoma, uma síndrome e talvez uma doença, porque existem
determinadas situações da síndrome disléxica de desenvolvimento que permitiriam pensar ser
ela uma entidade com etiologia, fisiopatologia e quadro clínico específicos, como a meningite
meningocócica, por exemplo. Essa classificação merece, porém, estudo mais detalhado. Por
isso, prefiro dizer que a dislexia pode ser tanto um sintoma quanto uma síndrome.
Esse quadro, até onde sei, foi descrito pelo nosso grupo e eu o chamei de dislexia discursiva
para diferenciar da dislexia ligada ao fonema, à sílaba, ao universo da palavra, enfim. Ele reflete
uma incapacidade de processar discursos escritos, uma incapacidade para decodificar e formular
o texto escrito. A criança vai mal na prova de geografia, por exemplo, porque não consegue
entender o enunciado das questões e muito menos escrever uma resposta. Em muitos casos, a
criança domina as informações e sabe transmiti-las oralmente, mas não é capaz de entendê-las
quando está lendo.
Drauzio – Quando a professora faz um ditado, essas crianças são capazes de escrever
corretamente as palavras?
Cláudio Guimarães dos Santos – Se a dislexia for discursiva, conseguem; se for fonológica,
não conseguem. Crianças com dificuldade de imaginar a estrutura da palavra correspondente ao
som vão cometer erros, porque não têm esse mapeamento bem estabelecido. Como se trata de
duas situações diferentes, obviamente elas merecem atenção individual e personalizada.
Drauzio – Numa sociedade em que não houvesse escrita, essas crianças seriam iguais a
todas as outras?
Cláudio Guimarães dos Santos – Num certo sentido, sim. A leitura e a escrita são funções
cognitivas adquiridas muito recentemente pela nossa espécie. Se pensarmos que nosso encéfalo
não é muito diferente do encéfalo do caçador-coletor de 100 mil anos atrás, concluiremos que
ele não foi preparado para ler e escrever. Considerando que os primeiros registros escritos
datam de 5 mil ou 6 mil anos e que a Epopeia de Gilgamesh, primeiro texto literário conhecido,
foi escrita há cerca de 3 mil anos, lá nas tabuinhas de argila da Babilônia, veremos que pelo
menos uma parte do encéfalo não está preparada para suportar esse tipo de função.
Nesse sentido, a linguagem escrita é muito diferente da linguagem oral. É preciso aparato
nazista para impedir que a criança aprenda a falar. Para que a linguagem oral se desenvolva, não
há necessidade de aprendizado formal. Basta expor a criança a um ambiente em que as pessoas
falem. Todo mundo conhece a história do menino-lobo que afastado do convívio humano
acabou uivando como os lobos, porque foi essa a estimulação auditiva que recebeu.
No entanto, é preciso aprender a ler e a escrever. Decifrar esse código assim como fazer
cálculos são habilidades desenvolvidas num passado mais próximo. Por isso, as crianças
apresentam mais problemas em matemática e português. Todo o mundo gosta de jogar bola, de
correr, porque nosso corpo foi feito para o movimento. Ele garantiu a sobrevivência dos
caçadores-coletores de 100 mil anos atrás, que precisavam de braços fortes e de ligeireza de
gestos para dominar a presa ou fugir dos animais. Saber ler e escrever não fazia a menor
diferença em suas vidas.
Drauzio – Na sua opinião, crianças com dislexia devem frequentar uma escola comum e
priorizar o aprendizado oral enquanto fazem o tratamento específico. Como costuma ser a
evolução dessas crianças quando os casos são bem orientados?
Cláudio Guimarães dos Santos – Talvez porque, no passado, parte dos transtornos de
aprendizagem tenha sido associada às dislexias, a epidemiologia desses processos é muito
confusa, tanto no Brasil quanto no exterior. Para dar uma ideia, os dados sobre a prevalência da
dislexia fonológica variam entre 1% e 30%, números bastante díspares.
No que se refere ao tratamento, a evolução do paciente é extremamente peculiar e
idiossincrásica. Dependendo de como foi instituído, das características do indivíduo, de
seu background familiar, de como foi estimulado durante o desenvolvimento, o prognóstico
pode ser melhor ou pior.
Isso vale não só para a dislexia, mas para as disfunções cognitivas em geral. Hoje sabemos – e
enfatizamos muito em nosso grupo – que o tratamento deve ser individualizado. Lidar com
reabilitação nessa área é diferente de tratar um caso de meningite meningocócica. Nessa doença,
o tratamento é padronizado. A mesma droga pode ser administrada para a maioria das pessoas,
respeitando apenas particularidades como peso corpóreo, dosagem adequada, etc.
Nas disfunções cognitivas e em especial na dislexia, o tratamento é quase sob medida (os
ingleses o chamam de taylormade). Recentemente, um grupo de especialistas do Canadá
demonstrou interesse por nosso trabalho, porque defendemos uma perspectiva de tratamento
que privilegia a individualização, enquanto nos países anglo-saxônicos, a tendência é
padronizar.
Estimulo de leitura:
Drauzio – Que mais se pode fazer para estimular o desenvolvimento da linguagem nas
crianças?
Cláudio Guimarães dos Santos – As antigas cantigas infantis que estão se perdendo por
influência da mídia precisam ser recuperadas, porque favorecem o desenvolvimento da
consciência fonológica, da capacidade de a criança pensar na estrutura sonora das palavras.
Quando canta “Atirei um pau no gato-to-to, mas o gato-to-to não morreu” ela vai descobrindo
que a sílaba to que aparece em gato, faz parte também de outras palavras. Brincar com rimas é
outra estratégia até certo ponto lúdica que não deve ser deixada de lado.
Nós, que cuidamos da reabilitação, estamos conscientes de que quanto mais precoce o
diagnóstico, melhores as condições para intervir. É mais difícil tratar uma criança de dez, doze
anos com dislexia fonológica do que uma de seis ou sete anos.
Exemplo práticos
Drauzio – Você poderia dar um exemplo de como se deve trabalhar com essas crianças?
Cláudio Guimarães dos Santos – O grande problema de uma criança com dislexia fonológica
é a correlação entre sons e letras, a correlação fonema/grafema. Para melhorar essa percepção,
podemos trabalhar com palavras que têm sons semelhantes em determinadas posições –
molhada e folha – com o propósito de fazer a criança reconhecer que a estrutura LH, por
exemplo, tem a mesma grafia e o mesmo som independentemente do lugar que ocupe na
palavra.
Para abordar a questão dos espelhamentos, isto é, das inversões de sílabas ou de letras, um erro
comum nessas crianças, pode-se colorir as sílabas ou enfatizar certos aspectos de uma palavra
específica dentro de um texto maior.
O trabalho com rimas para estimular a consciência fonológica, isto é, a capacidade de perceber a
estrutura sonora da palavra, também é muito proveitoso. É importante para a criança perceber
que o CA de casa é o mesmo CA de cachorro e que peteca rima com sapeca. Outra estratégia é
explorar a divisão silábica. É difícil para essas crianças perceberem que as palavras podem ser
divididas em sílabas.
Em outra etapa, todos esses elementos são associados ao significado das palavras e do texto. Ler
não é simplesmente pronunciar os vocábulos nem estabelecer a correlação entre fonemas e
grafemas. É preciso compreender as ideias que o texto veicula.