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magistério

portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Revista-Magisterio NO 5 – 2018

PUBLICAÇÃO DA COORDENADORIA PEDAGÓGICA DA SME PARA OS EDUCADORES DA REDE DE ENSINO DA CIDADE DE SÃO PAULO

Gestão
Articulando esforços para uma Educação de Qualidade
SUMÁRIO
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
BRUNO COVAS EDITORIAL...................................................................................... 3

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO EDUCADORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL QUE


ALEXANDRE SCHNEIDER REFLETEM SOBRE SUA PRÁTICA .................................................. 4

SECRETÁRIO ADJUNTO DE EDUCAÇÃO O COORDENADOR PEDAGÓGICO............................................... 14


DANIEL FUNCIA DE BONIS
ASSISTENTE DE DIREÇÃO DE ESCOLA ....................................... 22
CHEFE DE GABINETE
FATIMA ELISABETE PEREIRA THIMOTEO
A SUPERVISÃO EM FORMAÇÃO ................................................. 30
COORDENADORA PEDAGÓGICA
MINÉA PASCHOALETO FRATELLI O PAPEL DA FORMAÇÃO CONTINUADA NA AÇÃO DA
ORIENTADORA PEDAGÓGICA .................................................... 38
DIRETOR DA DIVISÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL
CRISTIANO ROGÉRIO ALCÂNTARA O PAPEL DO DIRETOR DE ESCOLA E SUA IMPLICAÇÃO NO
PROCESSO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA ..................................... 46
EQUIPE TÉCNICA
DANIELLE SILVERIO FIGUEIREDO EDUCAÇÃO INFANTIL ................................................................. 52
FÁTIMA BONIFÁCIO
FERNANDA DIZ ALMEIDA DA SILVA ENTREVISTAS ............................................................................... 60
GISELA MACHADO DE CAMPOS ROCHA MASSIMINI
KATIA MARIA THOMAZETTI CSORGO HENRIQUES
SANDRA KAOHRI UKEI TAKANO
THALITA SOTO RIVA

EQUIPE ADMINISTRATIVA
MÁRCIA LANDI BASSO
PRISCILA DOS SANTOS TEIXEIRA

magistério
PUBLICAÇÃO DA COORDENADORIA PEDAGÓGICA DA SME PARA
OS PROFESSORES DA REDE DE ENSINO DA CIDADE DE SÃO PAULO

CRIAÇÃO
ALFREDO NASTARI

COORDENADORA DO CENTRO DE MULTIMEIOS


MAGALY IVANOV Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

ARTE Magistério / Secretaria Municipal de Educação. n. 5 – São Paulo : SME /


NÚCLEO DE CRIAÇÃO E ARTE | CM | COPED | SME COPED, 2018.
ANA RITA DA COSTA ISSN 2358-6532
ANGÉLICA DADARIO
CASSIANA PAULA COMINATO 1.Educação 2.Gestão escolar 3.Educação infantil
FERNANDA GOMES PACELLI

PESQUISA ICONOGRÁFICA CDD 372.21


MEMORIAL DA EDUCAÇÃO MUNICIPAL
Código da Memória Técnica: SME183/2018

FOTO CAPA
DANIEL CUNHA
Caros Educadores
A quinta edição da Revista Magistério traz como temáticas os saberes e fazeres das equi-
pes nas Unidades Escolares. Mas há um olhar específico para a equipe gestora – diretores,
assistentes de direção e coordenadores pedagógicos. Ela é determinante para o sucesso dos
processos de ensino e de aprendizagem.
Esse número traz reflexões acerca da prática docente, do planejamento da ação formati-
va realizada pelo coordenador pedagógico, do necessário trabalho articulado entre o diretor
e o assistente de direção, considerando a importância dessa na concretização das proposi-
ções apresentadas nos documentos curriculares da Cidade de São Paulo.
Acreditamos e defendemos que o trabalho em parceria, colaborativo e articulado entre
os profissionais da equipe gestora e desses com a gestão, para além de permitir entrarmos
em contato com outras práticas, possibilita-nos refletir acerca do quê, do porquê e do como
fazemos. Premissa indispensável para alcançarmos um trabalho compromissado com uma
Escola Pública de qualidade em que bebês, crianças, jovens e adultos têm direito.

Boa leitura!

Equipe COPED
Coordenadoria Pedagógica

3
Educadores
da Educação
Infantil que
refletem
sobre sua
prática
4
Por que, para que e como
desenvolvem essa ação em
diferentes contextos escolares?

Por Roberta Stangherlim


Atualmente é docente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP - Guarulhos). Atuou na
Área de Educação Cidadã do Instituto Paulo Freire (2007-2011). Docente do Mestrado Profis-
sional em Gestão e Práticas Educacionais da Universidade Nove de Julho (2011-2016). Psicóloga
pela Unesp - Bauru, Mestre em Educação pela UFSCar e Doutora em Educação pela PUC-SP.

5
Introdução Infantil. Ao contrário, busco identificar o que faz
educadores(as) tomarem a decisão de investigar
Entre os anos de 2012 a 2016, orientei traba- a própria prática, quais caminhos percorrem para
lhos de pesquisa, no contexto de um curso de mes- desenvolver essa ação nos contextos escolares em
trado profissional em educação e, nesse período, que estão inseridos.
tive a oportunidade de conhecer profissionais da
educação da rede pública de ensino, da Cidade de Professores como profissionais
São Paulo e da região metropolitana, comprome- prático-reflexivos: breves
tidos com a própria formação continuada e que considerações sobre o conceito
buscavam modos de refletir sobre sua prática, pro-
blematizando-a e sistematizando-a com o intuito No final dos anos de 1980 e início dos anos de
de contribuir com conhecimentos para a melhoria 1990, chegavam ao Brasil os textos de pensadores
do trabalho pedagógico realizado nas escolas de estrangeiros que discutiam os professores como
Educação Infantil. profissionais reflexivos. À época, Marcelo García
Para a elaboração deste texto, retomei o con- (1995), autor espanhol, apresentava em seus escri-
tato com esses(as) educadores(as)1 pedindo a tos nomenclaturas adotadas por esses autores para
eles(as) que escrevessem depoimentos que com- se referirem ao conceito de reflexão como ele-
poriam o conteúdo acerca do objeto da análise mento estruturador das ‘novas’ tendências da for-
aqui proposta, qual seja: por que, para que e como mação de professores. Alguns deles foram e ainda
profissionais da Educação Infantil refletem so- têm sido estudados nos nossos cursos de gradua-
bre sua prática? Quais desafios são enfrentados? ção e pós-graduação, tais como: reflexão-na-ação
Quais descobertas acontecem nesse percurso? As- (Shön); professores reflexivos (Zeichner); profes-
sim, busco desenvolver diálogos possíveis entre sores como pedagogos radicais (Giroux). O mes-
os conteúdos dos relatos e o pensamento de Paulo mo autor afirma que essa temática não se tratava
Freire e de outros autores que têm discutido essa de uma abordagem recente, uma vez que Dewey,
temática, em uma perspectiva crítica de educação. desde 1933, já estabelecera relação entre o ensino
Ressalto que não se trata de expor ”mo- reflexivo e o reconhecimento do processo de co-
delos” de professores reflexivos para a Educação nhecimento do professor.
Naquele mesmo momento, a pesquisadora
brasileira Selma Garrido Pimenta e outros autores
[...] a diretora Ana Lucia revela, em (2002), preocupados com a possibilidade de uma
seu relato, a necessidade de articular apropriação acrítica do ensino como prática refle-
teoria e prática por meio de processos xiva, organizam um livro cujos textos indagavam
de reflexão e estudo em momentos sobre o tipo de reflexão que estava sendo feita pe-
individualizados e também coletivos los professores e se tal reflexão incorporava um
em espaço de formação continuada. processo de tomada de consciência a respeito das
implicações sociais, econômicas e políticas en-
volvidas no ato de ensinar. Além disso, também
1 Registro aqui o meu agradecimento a todas as educadoras e ao eram problematizadas as condições objetivas de
educador que aceitaram prontamente contribuir com as suas reflexões e que,
gentilmente, enviaram, por meio de correio eletrônico, no período de 15 a 25 trabalho para que os professores das escolas bra-
de fevereiro de 2018, os seus respectivos depoimentos. Os nomes reais dos
profissionais e das instituições de ensino estão registrados ao longo do texto sileiras refletissem sobre sua prática.
com a sua devida autorização.

6
Em síntese, se, de um lado, a racionalidade
Profissionais que refletem
prática, pautada na reflexão, surge como um mo-
sobre a própria prática:
vimento de oposição à racionalidade instrumen-
tal-tecnicista, que caracteriza o professor como
desafios enfrentados e
técnico e mero executor de atividades definidas
descobertas realizadas
em programas de ensino previamente elaborados
Para Freire (2004, p. 22), “[...] a reflexão crí-
por aqueles que planejam em gabinetes dos órgãos
tica sobre a prática se torna exigência da relação
públicos, por outro lado, era preciso contextuali-
Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando
zar o conceito da reflexão “na e sobre a prática”,
blábláblá e a prática, ativismo”. Isso significa que
tendo em vista a complexidade da realidade em
compreendemos a ação de refletir sobre a prática
que os profissionais da educação estão inseridos. como indissociável da teoria. Nessa perspectiva,
Como afirma Pérez Gómez (1995, p. 112), a diretora Ana Lucia revela, em seu relato, a ne-
cessidade de articular teoria e prática por meio de
Apoiar-se na prática não significa que se repro-
duzam acriticamente os esquemas e rotinas que processos de reflexão e estudo em momentos in-
regem as práticas empíricas e se transmitem de dividualizados e também coletivos em espaço de
geração em geração como resultado do proces- formação continuada. Leiamos o que ela diz.
so de socialização profissional. Pelo contrário, o
Desde minha primeira experiência na Educa-
conhecimento-na-ação só é pertinente se for fle-
ção Infantil em 1990 até hoje, não consigo reali-
xível e se apoiar na reflexão na e sobre a ação. zar meu trabalho sem buscar na teoria fonte para
Trata-se de partir da prática para desencadear inspirar, compreender e avaliar a minha prática.
uma reflexão séria sobre o conjunto das questões Para mim, o saber da experiência construído na
educativas, desde as rotinas às técnicas, passando relação com uma teoria que a sustente é a essência
pelas teorias e pelos valores. da minha identidade como alguém que é profissio-
nal. A constante inquietação perante os desafios
que a prática impõe me conduziram à formação
Portanto, entende-se que refletir “na e sobre a continuada ao longo de toda a carreira, alternan-
prática” exige reflexão teórico-prática desenvol- do períodos de auto-gestão do conhecimento com
outros frequentando cursos de pós-graduação.
vida com a capacidade de o sujeito saber ques- Recentemente, no mestrado2, minha prática como
tionar a sua realidade – tanto no âmbito micro gestora em uma escola de Educação Infantil foi o
quanto macro - e autoquestionar-se, uma vez que foco de minha pesquisa. Estudar, refletir e poder
compartilhar minhas dificuldades e superações do
a reflexão “não existe isolada, mas é resultado de dia a dia do trabalho foi impactante e, com certe-
um amplo processo de procura que se dá no cons- za, me transformou.
Ana Lúcia Borges, diretora de escola de Educação
tante questionamento entre o que se pensa (como
Infantil na Rede Municipal de São Bernardo do Campo
teoria que orienta uma determinada prática) e o
que se faz” (GHEDIN, 2002, p. 132-133). Os de- Observamos no relato da diretora que o que
poimentos dos profissionais da Educação Infantil a impulsiona a refletir sobre a prática é a necessi-
que se desafiaram (se desafiam, pois continuam dade de compreendê-la, ou seja, ela reflete sobre
nessa intrigante caminhada!) a pensar a prática, a prática para avaliá-la, sendo a teoria a fonte ins-
refletindo sobre ela à luz da perspectiva teórica piradora desse processo. Ao cabo de seu relato, a
que orienta a reflexão para que possa ressignifi-
cá-la, revelam a busca da e pela práxis num pro- 2 BORGES, Ana Lúcia. Gestão na escola de Educação Infantil:
ressignificação das práticas e mudança na cultura escolar. 2015. 145f.
cesso permanente de ação-reflexão-ação. Dissertação (Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais)-Universidade Nove
de Julho, São Paulo, 2015. Disponível em: https://bibliotecatede.uninove.br/
bitstream/tede/1206/2/Ana%20Lucia%20Borges.pdf. Acesso em: 21 fev. 2018.

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professora é contundente ao afirmar que os pro-
mos implicados, para problematizá-lo e sistemati-
cessos vivenciados por ela na construção de uma zar em forma de conhecimento. Cursar o mestra-
práxis profissional a transformaram. do tendo como objeto de estudo3 a minha própria
Essa percepção de transformação que ocorre prática foi uma experiência muito enriquecedora
para mim enquanto pesquisador, pois me possibi-
com o profissional que reflete “na e sobre” a prática litou ingressar de uma maneira mais intensa no
também foi apresentada pelo coordenador pedagó- universo das pesquisas de pós-graduação, além de
gico Moacir, enfatizando a pesquisa como capaz de proporcionar aperfeiçoamento profissional, que é
de fundamental importância para a minha prática
gerar melhoria na qualidade do trabalho de quem a pedagógica cotidiana. Ao problematizar a minha
desenvolveu e para a educação tanto no campo da própria prática, olhando-a de fora, aliada à aná-
práxis escolar quanto da práxis acadêmico-científi- lise das práticas dos demais colegas que comigo
atuavam na época do mestrado, não resta dúvidas
ca. Como a diretora Ana Lucia, ele também ressalta de que todos saímos desta etapa como profissio-
a importância da formação, mostrando o quão de- nais melhores, e quem ganha é a educação de uma
safiador é distanciar-se da prática para estranhá-la, maneira geral, pois o produto de todo o processo
do mestrado é o profissional melhor.
de modo que pudesse (re)descobri-la como seu ob- Moacir Silva de Castro, professor da Rede de Ensino
jeto de conhecimento. Assim, segundo ele, de Araçariguama-SP, atuou como coordenador
pedagógico até o ínício do ano de 2017.
Refletir sobre a própria prática a princípio pa-
rece não ser tarefa das mais difíceis para um do-
cente, seja ele de qual etapa da educação for. Po- 3 CASTRO, Moacir Silva de. Educação para as relações étnico-
rém, à medida que os estudos de pós-graduação raciais: concepções e práticas de professoras da Educação Infantil. 2015. 139f.
são iniciados, nos deparamos com a dificuldade Dissertação (Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais)-Universidade Nove
de Julho, São Paulo, 2015. Disponível em: https://bibliotecatede.uninove.br/
que é afastar-se do objeto de estudo, no qual esta- bitstream/tede/1173/2/Moacir%20Silva%20de%20Castro.pdf. Acesso em: 21
fev. 2018.
Foto: Daniel Cunha

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Tais análises remetem ao pensamento de Frei- que a coordenadora Angélica buscasse meios pe-
re quando afirma que “[...] Ninguém lê ou estuda los quais pudesse se aproximar das educadoras e
autenticamente se não assume, diante do texto ou construir com elas o diálogo necessário para que
do objeto da curiosidade, a forma crítica de ser ou o trabalho pedagógico da escola acontecesse de
estar sendo sujeito da curiosidade, sujeito da leitu- modo a assegurar a valorização profissional de to-
ra, sujeito do processo de conhecer em que se acha das elas, impactando na aprendizagem e no desen-
[...]” (FREIRE, 2009, p. 31). A ideia fundamental, volvimento das crianças. Desse modo, o processo
portanto, é que o profissional da educação se re- de estudo e de reflexão sobre a prática não se deu
conheça autor/criador/inventor do conhecimento no âmbito exclusivamente individual, mas tam-
que está produzindo ao refletir – individual e cole- bém fora coletivo na medida em que o processo
tivamente – “na e sobre” a prática educativa. A co- de ação-reflexão-ação, vivenciado por ela com o
ordenadora Angélica, em seu relato, evidenciou o grupo de professoras, permitiu sistematizar o co-
processo de sistematização da prática reflexiva por nhecimento construído por meio de registros que
meio de registros que passou a documentar com o evidenciavam a qualificação das práticas tanto
grupo de educadoras de uma escola de Educação das docentes quanto da coordenação pedagógica.
Infantil. Assim, ela escreve: Além disso, o resultado conquistado foi ter per-
Cheguei à EMEI (Escola Municipal de Edu- cebido o seu processo de crescimento profissio-
cação Infantil) bem insegura devido à minha fal- nal, pois teve a oportunidade de desenvolver-se
ta de vivência nessa etapa de educação. Fui me como coordenadora pedagógica e pesquisadora.
aproximando do grupo de professoras e comecei
a investir em minha própria formação, partici- Conforme Sacristán (1995, p. 80) “[...] Os pro-
pando de diversos cursos oferecidos pela Dire- cedimentos de auto-análise, de observação críti-
toria Regional de Educação (DRE). Em 2013 in- ca da prática e a investigação na acção procuram
gressei no Mestrado Profissional em Educação na
Universidade Nove de Julho. Fiz a pesquisa4 na favorecer uma compreensão crítica da actividade
própria EMEI onde era CP (Coordenadora Peda- docente, e não uma mera reprodução de esquemas
gógica), portanto assumi o papel de pesquisado- preestabelecidos”.
ra concomitantemente ao papel de coordenadora.
No início isso foi bem conflituoso para mim, mas Um dos caminhos para a não reprodução de
com o avançar da pesquisa, cresci tanto em um esquemas preestabelecidos fica evidente, no relato
aspecto como no outro. Na unidade também os da coordenadora Angélica, ao se realizar o exercí-
avanços foram muitos – o grupo docente passou a
documentar as práticas, e os registros foram sen- cio da reflexão aliada à prática de (auto)avaliação
do qualificados. Aprendemos juntas, num proces- e à prática de registro. Essa ideia também pode
so de ação-reflexão-ação constante. De lá para ser identificada no relato da professora Francis-
cá, não parei mais de estudar, de pesquisar e de
aprender sobre o trabalho de professores(as) na ca. Em sua pesquisa5, realizada no contexto de um
Educação Infantil. curso de especialização, a professora investigou
Angélica de Almeida Merli, coordenadora pedagógica
a sua prática a partir do uso de jogos lúdicos e de
na Rede Municipal de Ensino de São Paulo.
representações teatrais em atividades realizadas
O sentimento de insegurança pela falta de ex- com as crianças. Para ela,
periência profissional em escola de Educação In- A reflexão sobre a prática por meio da siste-
fantil foi um elemento mobilizador que fez com matização da experiência nos permite refazer um
percurso o qual podemos aprimorar ou repensar
4 MERLI, Angélica de Almeida. O registro como instrumento de
reflexão na formação docente: pesquisa-intervenção em escola municipal de
Educação Infantil. 2015. 188f. Dissertação (Mestrado em Gestão e Práticas 5 SANTOS, Francisca Maria. O lúdico e as representações
Educacionais)-Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2015. Disponível em: teatrais no cotidiano escolar da Educação Infantil: uma experiência
https://bibliotecatede.uninove.br/bitstream/tede/992/2/Angelica%20de%20 na EMEI Jean Piaget. Monografia. Faculdade HSM. Escola Superior de
Almeida%20Merli.pdf. Acesso em: 21 fev. 2018. Administração de São Paulo, 2017.

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ria6. Para ela, o ato de refletir e analisar a própria
outras possibilidades dentro daquilo que foi reali-
zado. Nesse sentido, a sistematização incide sobre prática permitiu melhor compreender conceitos
a ação, trazendo uma reflexão que irá aprofundar como o brincar e o cuidar na escola da infância.
a prática pedagógica. O desafio de registrar sua Nas suas palavras,
prática passa também pelo desafio da autoavalia-
ção, de reconhecer que aquela ação poderia ter
sido realizada de forma mais integradora dentre Percebo que a preocupação dos docentes está
os participantes, por perceber que poderiam ter no planejamento e que, no momento em que as
sido usados outros materiais, outros espaços, den- crianças estão brincando, nós nos preocupamos
tre outros. A posição que ocupamos quando de- em controlar as suas ações para evitar aciden-
sempenhamos esse papel é de suma importância, tes. Para brincar COM as crianças, foi necessá-
pois passamos a ocupar o papel de observador, rio resgatar a criança brincante que habita meu
o qual nos obriga a estarmos atentos e presentes ser. Foi necessária uma compreensão para além
a cada acontecimento, a cada novidade, a cada da organização dos materiais e dos espaços. Sem
reação daqueles que estão participando da nossa dúvida, planejar a ação educativa é importante,
ação. Entretanto, é por meio da reflexão que ama- mas a minha presença como ser brincante é fun-
durecemos o nosso modo de agir profissionalmen- damental no processo de aprendizagem das crian-
te e a experiência desses momentos irá formar um ças. Elas são capazes de transformar a mão va-
imenso fio que irá nos conduzir para nossa forma- zia em uma bandeja repleta de guloseimas e me
ção ao longo da vida. oferecer. São esses os momentos em que a minha
Francisca Maria Santos, criança interna vem à tona para saborear as gulo-
professora na Rede Municipal de Ensino de São Paulo. seimas elaboradas no mundo imaginário. No ato
de brincar, as crianças percebem nitidamente ser
Ao que parece, pelo conjunto dos depoimen- possível construir a relação horizontal entre edu-
tos expostos até aqui, o fio condutor articulado à cadores e educandos. A reflexão e análise sobre a
formação ao longo da vida do(a) educador(a) é a minha prática possibilitou-me perceber que o cui-
dado com as crianças pequenas não é sinônimo de
curiosidade que move, inquieta e impulsiona tan- restrição da liberdade delas.
to educadores quanto educandos para (re)desco- Valquiria Regina Fagundes,
brirem a cultura produzida historicamente pela professora da Rede Municipal de Ensino de São Paulo.

humanidade ao longo das gerações. Para Freire


A professora Valquiria mostra que os(as) edu-
(2004, p. 84), “[...] se há uma prática exemplar
cadores(as) da escola da infância são eticamente
como negação da experiência formadora é a que
responsáveis por criarem situações promotoras de
dificulta ou inibe a curiosidade do educando e,
aprendizagem nas quais as crianças possam ma-
em consequência, a do educador”. Inibir (ou não)
nifestar os seus gostos estéticos, as suas curiosi-
a curiosidade de educadores e educandos é uma
dades, as suas linguagens, os seus sentimentos, os
questão problematizada pela professora Valqui-
seus modos de fantasiar e de interpretar o mundo.
Nessa linha de raciocínio, a professora Sandra,
que durante a sua pesquisa7 esteve atuando como
diretora de uma creche, afirma que as educado-
[...] a importância da formação,
ras ao serem instigadas, no espaço de formação
mostrando o quão desafiador é distanciar-
se da prática para estranhá-la, de modo 6 FAGUNDES, Valquiria Regina. A docência na Educação
Infantil: a visão de professoras de um CEI da Cidade de São Paulo. 2015. 164f.

que pudesse (re)descobri-la como seu Dissertação (Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais)-Universidade Nove
de Julho, São Paulo, 2015. Disponível em: https://bibliotecatede.uninove.br/

objeto de conhecimento.
bitstream/tede/786/1/Valquiria%20Regina%20Fagundes.pdf. Acesso em: 21
fev. 2018.
7 PEREIRA, Sandra Aparecida do Prado. Planejamento e rotina
na creche: atuação da equipe gestora e de professoras para mudanças nas
práticas educacionais. 2016. 164f. Dissertação (Mestrado em Gestão e Práticas
Educacionais)-Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2016. Disponível
em: https://bibliotecatede.uninove.br/bitstream/tede/1541/2/Sandra%20
Aparecida%20Do%20Prado%20Pereira.pdf. Acesso em: 21 fev. 2018.

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em serviço, a refletir, a (re)pensar as práticas co- para juntos enfrentarem os desafios da realidade
tidianas, tornam-se pesquisadoras das crianças e que os cerca.
da própria prática, conhecendo mais a si mesmas. Indagar-se e indagar foi o que fez a professo-
Nesse sentido, o que a inquietava era justamente ra Carolina em sua pesquisa8 a respeito de con-
o papel da formação tendo em vista a rotina e o cepções e práticas de alfabetização na Educação
planejamento de educadoras com crianças de 0-3 Infantil. As suas inquietações surgiram quando
anos. Escreve ela: ela ocupava um cargo cuja função era coordenar
Durante o aprofundamento dos meus estudos um setor de escolas de Educação Infantil de uma
sobre a Educação Infantil de 0 a 3 anos, a temática rede de ensino pública da região metropolitana
pesquisada foi sobre a rotina e planejamento na de São Paulo. Sobre isso, ela diz:
creche porque essa questão sempre me inquietou
durante os anos que atuei como gestora na creche.
Nesse período me deparei com uma realidade na O que observei foi que o debate sobre al-
qual fica evidente que a formação continuada em fabetizar/letrar ou não na Educação Infantil
horário de serviço deve permitir estudos e trocas se dava em todos os níveis, pois mesmo neste
de experiências entre os professores e gestão. Tra- grupo que fazia a gestão da rede pública de en-
ta-se de um exercício difícil, pois esses momentos sino evitavam-se as polêmicas que permeiam
de reflexão mostram a necessidade de repensar no- esse tema: É necessário investir em práticas
vas práticas, tanto para o professor que ali atua, de alfabetização e letramento com as crianças
como para o gestor que proporciona e planeja pequenas? Como? A partir de que idade? Que
esses espaços de formação. Existe a necessidade práticas são essas? A escolarização é inevi-
constante do diálogo entre a Equipe Gestora, bem tável ao se trabalhar a leitura e a escrita? É
como com o grupo, problematizando o cotidiano, possível tratar da alfabetização de forma lú-
possibilitando o compartilhamento e ampliação dica? As crianças que participam de práticas
dos conhecimentos. Nesse movimento todos os en- de leitura e escrita vão deixar de brincar ou
volvidos tornam-se pesquisadores das crianças e brincar menos? Devido a essas preocupações,
da sua própria prática e, consequentemente, aca- a discussão é evitada, deixando o professor “a
bam por aprender mais sobre si mesmas. deriva” e aumentando as desigualdades so-
Sandra Aparecida do Prado Pereira, ciais ao não proporcionar experiências de lei-
professora da Rede Municipal de Ensino de Santo André. tura e escrita importantes para essa faixa etá-
ria, por meio de políticas públicas definidas
O depoimento da professora Sandra reitera e discutidas com os professores e gestores da
rede. A preocupação e angústia constante que
o que os demais educadores, de certo modo, si- os professores mostraram durante a pesquisa
nalizam como descoberta do processo de refle- em relação a se deveriam ou não trabalhar
tir “na e sobre” a prática: novos aprendizados e com a alfabetização/letramento nas turmas de
Educação Infantil demonstram a falta de for-
conhecimentos que são construídos não somen- mação e de investimento nesta questão.
te a respeito de “por que”, “o que” e “como” Carolina Mariane Miguel,
desenvolvem o trabalho pedagógico, mas tam- professora na Rede Municipal de Ensino de Santo André.

bém da consciência que vão adquirindo da sua


A professora, como os demais, reitera a impor-
constituição como ser humano. Isso significa
tância da formação dos professores para a atuação
que refletir “na e sobre” a prática contribui para
na Educação Infantil e acrescenta a necessidade
que a educação, no contexto escolar, cumpra
de investimentos nessa área em nível de política
com o seu papel de formar para a humaniza-
pública educacional, uma vez que a formação –
ção de todos aqueles e aquelas que compõem
esse espaço. Para isso é preciso inquietar-se in- 8 MIGUEL, Carolina Mariane. Leitura e escrita na Educação
Infantil: concepções e práticas em uma escola pública de Santo André - SP.
dagando a si mesmo e as pessoas ao seu redor 2015. 174f. Dissertação (Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais)-
Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2015. Disponível em: https://
bibliotecatede.uninove.br/bitstream/tede/1208/2/Carolina%20Mariane%20
Miguel.pdf. Acesso em: 21 fev. 2018.

11
inicial e a continuada – se articula de forma intrín- em suas ações cotidianas a sua participação e
seca ao trabalho dos profissionais da educação. seu protagonismo no processo de elaboração
e andamento do PPP. Por meio de rodas de
A nosso ver, o aspecto da política pública conversa, iniciamos um processo de formação
para a formação de professores, destacado pela continuada com todos os segmentos e colhemos
professora Carolina, é de suma relevância para a resultados surpreendentes no que se refere ao
engajamento da equipe com o PPP da creche,
construção de uma escola pública comprometida apropriação dos saberes que envolviam as dife-
politicamente com a valorização dos profissionais rentes funções, protagonismo dos funcionários
da educação e com a melhoria da qualidade ética e o compromisso com a participação.
Ana Luzia da Silva Vieira,
e social da educação. Essas conquistas somente professora na Rede Municipal de Ensino de Santo André.
são materializadas no âmbito institucional - por
meio de instrumentos legais, programas e proje- A roda de conversa, inspirada no círculo de
tos - se houver a participação de todos aqueles cultura de Paulo Freire, foi proposta pela diretora
e aquelas que integram o âmbito organizacional, Ana Luzia para permitir a comunicação horizon-
ou seja, a escola. Para isso, é preciso exercer o talizada entre diretora/pesquisadora e demais pro-
“[...] direito à participação por parte de quem es- fissionais que atuavam na unidade escolar. Para a
teja diretamente ou indiretamente ligado ao que professora Emillyn, a comunicação entre as pro-
fazer educativo” (FREIRE, 2007, p. 67). Foi com fissionais da creche instigou-as a refletir sobre as
esse entendimento que a professora Ana Luzia se potencialidades da creche na educação de crian-
sentiu desafiada a realizar uma investigação-ação ças pequenas. Para ela, a experiência de realizar
para melhor compreender a participação no Pro- sua pesquisa10 sobre a prática a fez (re)conhecer o
jeto Político-Pedagógico de membros da equipe diálogo entre teoria e prática. Disse ela:
gestora, dos professores e demais funcionários A experiência de desenvolver a minha pes-
que integravam o corpo de profissionais da creche. quisa na rede pública municipal teve relevância
e significado, pois pude contribuir com a refle-
Isso aconteceu quando realizou sua pesquisa9 atu- xão da minha prática e das demais professoras
ando como diretora de uma creche em uma rede envolvidas. Acredito que a pesquisa é realmente
municipal da região metropolitana de São Paulo. este diálogo constante entre teoria e prática, e
colaborar com a qualidade da Educação Infantil
Ela mesma explica que foi a realidade vivenciada nas ações do dia a dia da escola me faz sentir e
na creche que a motivou a encontrar possíveis res- caminhar de acordo com meu propósito; princi-
postas para essa questão. palmente se tratando da educação de crianças de
0 a 3 anos atendidas nas creches das quais muitas
Deparei-me com uma realidade que mos- vezes são desacreditadas em suas competências.
trava uma equipe fragmentada na qual poucos Emillyn Rosa, professora na
compreendiam e se envolviam com o projeto Rede Municipal de Ensino de Santo André.
politico-pedagógico da escola. Foram muitas
as indagações que me levaram a pesquisar, es- Como afirma Paulo Freire (2004, p. 29): “[...]
tudar, refletir e buscar alternativas. O fato é
que havia necessidade de envolvimento e par- Pesquiso porque busco, porque indaguei, porque
ticipação, especialmente pelos segmentos da indago e me indago. Pesquiso para constatar,
equipe da limpeza, funcionários da cozinha, se- constatando, intervenho, intervindo educo e me
cretaria e até mesmo os auxiliares de sala. As-
sim, a pesquisa do mestrado veio para levantar educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não
dados sobre como os funcionários percebiam conheço e comunicar ou anunciar a novidade”.
9 VIEIRA, Ana Luzia da Silva. Projeto Político-Pedagógico na 10 ROSA, Emillyn. O planejamento democrático e participativo
creche: participação e protagonismo da equipe de funcionárias(os) de uma construído com crianças de 0-3 anos. 2015. 142f. Dissertação (Mestrado
unidade da rede municipal de Santo André. 2015. 147f. Dissertação (Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais)-Universidade Nove de Julho, São Paulo,
em Gestão e Práticas Educacionais)-Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2015. Disponível em: https://bibliotecatede.uninove.br/bitstream/tede/1212/2/
2015. Disponível em: https://bibliotecatede.uninove.br/bitstream/tede/1207/2/ Emillyn%20Rosa.pdf. Acesso em: 21 fev. 2018.
Ana%20Luzia%20Da%20Silva%20Vieira.pdf. Acesso em: 21 fev. 2018.

12
As educadoras e o educador que aqui presta- cuidada e educada e o direito de os educadores
ram suas declarações de processos vividos, por serem valorizados profissionalmente.
meio do ato de refletir “na e sobre a prática”, sis- Por fim, no processo de reflexão, esses edu-
tematizando-o em trabalho de pesquisa, revelam cadores descobrem-se, nos termos de Giroux
suas inquietações e anunciam suas descobertas, as (1997), profissionais intelectuais transformado-
quais foram sendo analisadas ao longo do texto. res, uma vez que se reconhecem como sujeitos
Sintetizo-as para que não se perca de vista históricos, com trajetórias individuais e coleti-
que os caminhos são possíveis, sendo necessá- vas, sendo corresponsáveis das / pelas / para mu-
rio munir-se de compromisso ético-político com danças nas práticas educacionais.
relação à educação das crianças pequenas e com
a própria atividade profissional, diante das ad- Referências
versidades enfrentadas cotidianamente nas es-
FREIRE. Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa
colas da infância. No coletivo são encontrados ensinar. São Paulo: Olho d´Água, 2009.
os espaços para o diálogo, os quais não deixam FREIRE, Paulo. Política e educação. 8. ed. Indaiatuba, SP: Villa
das Letras, 2007.
de ser permeados por disputas de poder e emba-
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
tes de ideias, bem como de silêncios que tam- prática pedagógica. 30. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
bém indicam um determinado posicionamento. GHEDIN, Evandro. Professor reflexivo: da alienação da técnica
à autonomia da crítica. In: PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN,
Refletir a prática é problematizar o cotidiano Evandro (org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de
escolar porque este pode ser mudado, transfor- um conceito. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

mado como cada um de nós também o pode ser. SACRISTÁN, José Gimeno. Consciência e acção sobre a prática
como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, António
Refletir “na e sobre” a prática é resistir contra a (org.). Profissão professor. Porto, Portugal: Porto Editora, 1995.
invisibilidade das crianças, dos familiares e dos GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma
aprendizagem crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.
funcionários de apoio da escola; é indignar-se e
GARCÍA, Carlos Marcelo. A formação de professores: novas
indagar diante da falta de condições de trabalho perspectivas baseadas na investigação sobre o pensamento do
professor. In: NÓVOA, António. (org.). Os professores e a sua
que dificulta a criação de condições mais ade- formação. 2. ed. Lisboa, Portugal: Publicações Dom Quixote, 1995.
quadas para a aprendizagem e desenvolvimento PÉREZ GÓMEZ, Angel. O pensamento prático do professor: a
das crianças; é lutar por investimentos em po- formação do professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA,
António. (org.). Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa,
líticas públicas educacionais que garantam e Portugal: Publicações Dom Quixote, 1995.
assegurem o direito de a criança pequena ser PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro (org.). Professor
reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2002.
Foto: Roberto Tersi

13
O coordenador
pedagógico

14
E os instrumentos de trabalho
na formação dos professores

Por Mônica Matie Fujikawa1 e Renata Araujo2


1. Pedagoga pela PUC – SP, especialização em Psicopedagogia pela Faculdade São Marcos e Mestre
em Educação pela UMESP.
2. Pedagoga pela UNISA e Mestre em Arte e Educação pela UESP.
15
Foto: Enzo Boffa

Considerações iniciais em que se inscreve sua atuação, o convoca mui-


tas vezes a agir na urgência, atender emergências,
Inúmeros são os desafios cotidianos que o co- atuar sob a lacuna ou a pressão das faltas – o que,
ordenador pedagógico enfrenta no contexto esco- muitas vezes, o situa em uma posição de "bombei-
lar. Sua função mediadora (nas interfaces profes- ro", "tarefeiro", "burocrata", "equilibrador de pra-
sor/aluno, direção/professor, currículo/escolhas tos"... Imagens caricaturescas abrigadas no terre-
metodológicas, dentre outras) exige cuidados per- no das representações, que revelam o lugar que o
manentes com a escuta sensível, com a manuten- coordenador ocupa na lida das atribuições diárias,
ção de um olhar para o todo e para as partes, com diante das demandas que emergem da multiface-
a busca de coerência entre o que se diz e o que se tada dinâmica do contexto de trabalho na escola e
faz, ou entre o que se diz e o que se pensa que faz, as complexas relações daí advindas. Como rom-
com a organização e o planejamento do trabalho per com uma rotina que pode lhes condicionar a
pedagógico, com a tomada de decisões e tantas meros tarefeiros das demandas emergenciais e co-
outras ações que articulam e empreendem o tra- tidianas? Que dimensões constituem o trabalho do
balho na/da escola. A complexidade do contexto coordenador pedagógico? Quais instrumentos po-

16
dem contribuir para uma atuação menos tarefeira Dessa forma, torna-se indispensável o exer-
e emergencial e mais planejada e intencional? cício árduo e fundamental de pesquisar sua práti-
O propósito deste texto é o de compartilhar ca, observar contextos, analisar ações e decisões
alguns instrumentos que auxiliem o coordenador tomadas, registrar caminhos, avaliar processos,
pedagógico na organização e planejamento do tra- encaminhar questões, de preferência acompa-
balho, especialmente no acompanhamento que faz nhados (pelos pares professores/diretores, pelos
junto ao seu grupo de professoras e de professores. autores e textos de referência).
As ações mencionadas são muito amplas, por-
Identificar necessidades, tanto, necessitam de olhar atento e levantamento
mapear possibilidades, de focos de investimento para que não se per-
projetar ações no contexto cam e se tornem inalcançáveis. Da investigação

da formação das questões que necessitam ser potencializadas


ou enfraquecidas, nasce a constatação do que re-
Muitas são as dimensões do trabalho do co- quer atenção e tratamento planejado. Diante desse
ordenador pedagógico na gestão escolar. Acre- primeiro levantamento, parte-se para a eleição de
ditamos que todas elas devam convergir para metas, mapeamento de possibilidades (para o al-
favorecer processos de ensino/aprendizagem na cance das metas) e projeção de ações no contexto
formação continuada dos professores e para a ar- da formação (conversão das intenções em um pla-
ticulação do trabalho e do Projeto Político-Peda- no de ação).
gógico da escola.
Para manter a formação dos professores como Como transformar intenções
instância prioritária em seu campo de atuação, é em ações? Os instrumentos
preciso garantir e preservar tempo para estar jun- metodológicos na atuação do
to do grupo de professores: acompanhar o traba- coordenador pedagógico
lho, colocar-se como parceiro na reflexão sobre
os desafios que a tarefa docente impõe, mapear “Meu tempo com o outro é regido por com-
necessidades, estudar, pesquisar os fenômenos binados, compromissos que constituem nossa
pedagógicos, contextuais e educacionais, gerar disciplina de trabalho, nossa sistematização:
deslocamentos fazendo avançar o processo de nossa rotina.”
crescimento profissional dos professores, para (Madalena Freire, 2008, p. 117)
que juntos atribuam sentidos ao seu trabalho. E,
com isso, organizar seus focos por ordem de im- A rotina do coordenador pedagógico se cons-
portância, levando em conta os princípios nortea- titui em torno das demandas que envolvem sua
dores presentes no Projeto da escola. atuação, aliadas à leitura do grupo e ao seu con-
Considerando o desafio do coordenador de texto de trabalho.
mediar a formação de professores e de fortalecer- Os instrumentos metodológicos são recursos
-se em seu papel formador e aprendiz, acredita- que contribuem para que se possa colocar em
mos que o passo inicial se dá com a análise refle- prática o que está no plano das intenções, auxi-
xiva de sua prática cotidiana, com o levantamento liando no mapeamento das relevâncias, no enca-
de questões que fazem parte do seu contexto de minhamento de processos, na avaliação de resul-
trabalho na identificação das necessidades do seu tados, na projeção de ações, no estudo do grupo
grupo de professoras e professores. etc. Pensando especificamente na formação dos

17
professores, como fazer uso sistemático desses
I - Quadro Situacional
instrumentos? Qual o sentido formativo de cada
um? Como organizar a rotina de trabalho e as Âmbito de atuação
ações formadoras? De onde nascem os conteú-
Atuo diariamente na orientação a professores e alunos
dos do planejamento do coordenador? Como se (1º ao 5º ano) e famílias (novas e as que já fazem par-
dá o caminho das pautas de trabalho? E o registro te da comunidade escolar) das unidades I e II. Esses
atendimentos são realizados no período vespertino.
das hipóteses e do percurso de atuação conjunta?
Realizo atendimento e orientação aos professores
Com essas questões em vista, abordaremos especialistas que atuam em horários diversificados
alguns dos instrumentos que contribuem para durante a semana, tendo um olhar ao trabalho desen-
volvido em sala de aula, além das atitudes e relaciona-
mapear possibilidades de atuação a partir das ne-
mento deles com os alunos.
cessidades identificadas no grupo de professores
e projetar ações para o alcance dos objetivos es-
Análise do número de professores e
tabelecidos. São eles: plano de ação, mapas de funcionários sob minha orientação
formação e pautas de reuniões.
25 professores, incluindo os professores especialistas,
auxiliar e a facilitadora de sala.

Dessa forma, torna-se indispensável o


Perfil do grupo
exercício árduo e fundamental de pesquisar
sua prática, observar contextos, analisar Os professores que atuam no Ensino Fundamental I,
em sua grande maioria, estão no colégio há mais de
ações e decisões tomadas, registrar 15 anos, em média.

caminhos, avaliar processos, encaminhar Alguns professores das séries iniciais têm apresenta-
do muita resistência a uma nova concepção de pro-
questões, de preferência acompanhados posta de alfabetização e há, ainda, ações desarticu-
(pelos pares professores/diretores, pelos ladas no grupo de professores (no geral), em razão
das diferentes concepções que orientam suas ações
autores e textos de referência). (a coordenadora especifica as demandas formativas e
necessidades de cada um dos professores).

Plano de ação Por outro lado, são professores que acreditam mui-
to no potencial educacional da escola, demonstram
A observação do grupo de trabalho do coorde- preocupação com os avanços e dificuldades manifes-
tados pelos alunos e manifestam desejo de aprimora-
nador resulta na percepção de potências e fragili- mento profissional.
dades que fazem parte desse coletivo, com desta-
Focos de trabalho
que para aspectos que necessitam de investimentos
Orientação e atendimento aos professores, alunos e
para manter, consolidar ou modificar situações no famílias, bem como planejamento e organização das
contexto escolar. ações que regem muitas das atividades desta insti-
tuição, além do planejamento das reuniões pedagó-
O Plano de ação é um recurso que nos ajuda a
gicas com a direção da escola, levando em conta as
localizar as grandes questões do grupo ou de cada demandas e necessidades do grupo de professores
professor, levantar metas e hipóteses de atuação, (a coordenadora lista os temas previstos para a for-
mação no semestre).
planejar ações e avaliar resultados.
Ele começa com um diagnóstico (quadro situ- O quadro situacional contribui para identificar
acional), que tem o propósito de identificar qual as questões prementes e, a partir disso, estabelecer
a situação do grupo: características, dificuldades, metas para o trabalho tanto no campo da formação
potencialidades, aspectos que precisam de inves- dos professores como nos demais que compõem o
timento etc. Exemplo: território de atuação do coordenador, e as deman-
18
das operacionais que daí advêm: cronograma de levando em consideração as condições e caracte-
trabalho, organização pessoal, comunicação com rísticas do território de atuação – com seus limites
as famílias, observação dos alunos, formação dos e fronteiras, bem como os relevos organizacio-
professores etc. nais em que as ações se efetivarão. E, como nos
Dessa forma, o Plano de Ação é um instru- sugere Christov e Bruno (2013, p. 88-89),
mento que contribui para mapear o contexto de
trabalho e planejar de forma antecipada a atuação O coordenador pesquisador é um fazedor de ma-
do coordenador, considerando as metas e ações pas, um autor de sinalizações. Fazedor de mapas
nas diferentes dimensões que envolvem sua ação, sobre as representações e concepções dos profes-
oportunizando avaliar o alcance das metas. Abai- sores, sobre as necessidades de formação desses
professores e sobre as próprias, sobre o caminho
xo, parte de um plano de ação elaborado por uma
percorrido pelos diferentes integrantes no interior
coordenadora da Educação Infantil. da experiência curricular. E um mapa permite vi-
sualizações: das fronteiras, das distâncias, dos
Do Plano de Ação, como instrumento que altos e baixos, das direções possíveis, dos obstá-
possibilita um olhar ampliado para os objetivos de culos, dos caminhos.
trabalho, nascem os caminhos para a elaboração
do Mapa de formação. O Mapa de formação contribui para a visua-
lização dos campos de atuação no território que se
Mapa de Formação coloca em destaque, com um percurso organizado
em uma hierarquia de ações, explicitando a or-
O acervo que o coordenador constitui a par- dem e os caminhos a serem seguidos no encami-
tir da leitura das necessidades do grupo e dessa nhamento do trabalho. Esse mapeamento também
leitura em diálogo com o Projeto da instituição contribui para a partilha com os pares envolvidos,
permite que faça um mapeamento do status inicial favorecendo a análise conjunta das escolhas, das
hipóteses de atuação e dos percursos planejados
e também das mudanças que pretende instaurar,
para o alcance dos propósitos formativos.

Dimensão Metas Ações Observações

Formação do • Identificar e escrever • Investigar com o professor Semana 2. Abril:


professor: clareza com o professor os as perguntas presentes em
nas intenções ao focos de investimento seu planejamento; Ao analisar os planejamentos, questionei-as sobre as
estabelecer os com o grupo; intenções com as propostas e quais as questões que
focos de trabalho • Levantar os focos; estão investigando.
com os alunos • Mapear os conceitos;
• Planejar ações; Essa conversa foi bastante reveladora.
• Construir registro
reflexivo sobre os • Observar e registrar Professora 1 – percebeu o quanto as justificativas que
processos. processos; tinha para as intervenções eram diferentes do que ela
apontava com relação às conquistas das crianças.
• Construir mapa conceitual; Fez a proposta pensando nos materiais e trouxe como
observação a mudança na postura das crianças.
• Eleger com o professor
focos a serem investigados Essa discussão foi bastante potente com todas as
e registrados; professoras. De modos diferentes, estabeleceram
as primeiras diferenciações entre as propostas, as
• Construir documento que
intenções e os focos de observação.
revele as aprendizagens
das crianças.

19
Papel da coordenação – Mapas de formação
Mapa 1
Olhar para o PPP Parcerias

Discutir sobre a
Discutir os Reuniões Ações conjuntas
relação entre as
princípios do em grupo no cotidiano
reuniões e a sua
projeto
prática

Olhar para o registro e Ampliação do olhar para as


documentação intervenções

Localizar
Selecionar
Ler e onde estão Discussão
recortes do Fazer Análise dos Registros
discutir as marcas sobre os porquês
trabalho / mapas planejamentos reflexivos
textos do grupo e das ações
registro
do trabalho

Da explicitação e representação mais geral do contribuindo para a ampliação do repertório do


mapa de formação, derivada do Plano de ação da grupo, além de proporcionar o encontro com outras
coordenação, é possível projetar as pautas das linguagens que possibilitem alargamentos e apro-
reuniões de formação. fundamentos para novos olhares e percepções.
A análise das pautas de reuniões permite identifi-
Pautas das reuniões de formação car não só os conteúdos trabalhados (advindos da aná-
Ao estruturarmos uma Pauta de reunião, lise das necessidades do grupo) e o tratamento dado
devemos levar em consideração os objetivos de a eles, como também pode expressar as referências
aprendizagem propostos para o grupo, os conteú- teóricas consideradas no planejamento das reuniões.
dos que serão desenvolvidos naquele encontro (e Revela, ainda, o cuidado no preparo dos materiais
como estão encadeados com propostas anteriores oferecidos aos professores, além da organização e sis-
e seguintes), a dinâmica planejada para propor tematização do trabalho na gestão da formação.
questões e como daremos tratamento aos aspectos
que necessitam de devolutiva. Além disso, é im- Reflexões finais...
portante concluir a pauta/reunião com a avaliação
O intuito deste artigo foi o de apresentar pro-
como momento de partilha e escuta do grupo so-
postas de organização do trabalho dos coordena-
bre quais foram as aprendizagens desenvolvidas
dores, sugerindo alguns instrumentos que auxiliem
na reunião e quais as tarefas que levamos para de-
no mapeamento e localização das importâncias
sempenhar no intervalo entre um encontro e outro.
que, por estarem registradas, nos possibilitam le-
Como sugestão de estrutura, as pautas podem,
além de trazer um cabeçalho composto pelo nome vantar hipóteses de atuação e caminhos para a in-
da instituição, apresentar elementos localizadores vestigação e alcance de resultados. Instrumentos
do trabalho como o nome/tema do encontro/gru- que marcam a experiência formadora e docente, o
po a que se destina e a data. Também cabem nes- modo de ser e estar na profissão. Recursos que po-
se instrumento imagens e citações que não apenas dem ser compartilhados como modos de organi-
dialoguem com o tema previsto para a discussão, zar o trabalho do educador/da educadora e, dessa
20
forma, oportunizar o reconhecimento da autoria
e o compromisso com a sua escrita e socializá-la
com outras pessoas em outros lugares e tempos.
Lembramos ainda que, pela natureza dinâmica
de nosso contexto de atuação, é necessário reser-
var tempo e espaço para considerar o imponderá-
vel, para acolher novas possibilidades e reinven-
tar caminhos de acordo com as situações que se
revelam no processo. Esses espaços de reinvenção
aproximam-nos da reflexão sobre a identidade e
autoria dos professores em relação ao seu ensinar
e ao modo como se colocam diante das aprendiza-
gens pessoais e também das dos alunos.
A reinvenção e as mudanças de rota que aco-
lhem o imponderável precisam estar circunscritas
no terreno da investigação, para mantermos ga-
rantidas a reflexão, bem como a presença de ou-
tros e novos olhares para os acontecimentos em estudo conjunto do planejamento, a troca sobre as
nosso contexto de trabalho. intenções do professor em relação às propostas,
Como articuladora/articulador e responsável à observação e discussão de práticas, à discussão
pela formação de professores, a coordenação pe- sobre os materiais produzidos, ao registro refle-
dagógica deve apresentar referências que subsi- xivo das conversas, à análise das atividades pre-
diem e ofereçam parâmetros para orientar suas vistas, à avaliação contínua do trabalho realizado.
ações. E isso não se refere apenas a indicações E nossas mais caras apostas para romper
bibliográficas para estudo, mas também à reflexão com os estereótipos que acompanham a imagem
cotidiana e fundamentada e à socialização de ex- do coordenador pedagógico (bombeiro, tarefeiro,
periências bem-sucedidas no campo da educação equilibrista de pratos, burocrata...), fortalecer sua
(modelos, exemplos, reflexões, discussão de prá- identidade formadora, e que ELE possa lançar
ticas). Fundamental para isso é levar em conta as mão de instrumentos metodológicos que o auxi-
experiências dos professores, seus anseios, neces- liem na organização do seu trabalho (preventivo e
sidades, expectativas. projetivo), na estruturação de sua rotina (elegen-
Outro aspecto importante é nos afastarmos da do focos e regularidades de ações nos diferentes
ideia de formação como espaço de informação, campos de atuação), na documentação do trabalho
como terreno de fragmentação do saber ou da (planejado e vivido), partilhando experiências e
separação entre teoria e prática. Ao pensarmos a aprendendo com seus pares profissionais.
experiência formadora como lugar de reflexão e
problematização da prática, consideramos o fazer Referências
do professor como campo de estudo e investiga-
CHRISTOV, Luiza H.S.; BRUNO, Eliane B.G. O coordenador
ção acerca de seu ensinar. Acreditamos que a for- pedagógico como gestor do currículo escolar. In: ALMEIDA,
mação é necessariamente construída em parceria, Laurinda R.; PLACCO, Vera M.N.S. O coordenador pedagógico e
a formação centrada na escola. São Paulo: Loyola, 2013.
em diálogo reflexivo entre os envolvidos (no caso,
FREIRE, Madalena. Educador. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
professores e coordenador). Assim, valorizamos o
21
Assistente
de direção
de escola

22
Imagens, labirintos
e caminhos possíveis

Por Walkiria Rigolon 1 e Rodnei Pereira 2


1. Pedagoga, doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Pesquisa-
dora. Professora da rede pública, formadora de professores e gestores escolares.
2. Pedagogo, licenciado em Filosofia, doutor em Educação: Psicologia da Educação pela PUC-SP.
Pesquisador. Foi professor da rede pública e atualmente é formador de professores e gestores escolares.

23
A mitologia ainda hoje nos fascina, sobre-
os limites e as possibilidades de atuação de cada
um. Qualquer excesso pode corroer as relações
tudo por constituir arquétipos que nos ajudam a estabelecidas no interior da escola e mesmo as
refletir acerca das temáticas universais, das quais relações com a comunidade escolar. Se o assis-
a humanidade continua se detendo como: o amor, tente assume o papel de diretor, devido à atuação
a paixão, o medo, a angústia, o poder, o orgulho, de um diretor que não está tão envolvido com
a injustiça, entre outros sentimentos que afetam sua atividade, o que pode ocorrer é uma inversão
inúmeras dimensões de nossa existência e, as- de papéis, que além de tirar a legitimidade do
sim, nos auxiliam na tentativa de compreender diretor, poderá gerar no seu assistente a ideia de
os labirintos nos quais se instauram as relações poder, por se considerar aquele que pode decidir
humanas. Nesta perspectiva, faremos uso de dois tudo, haja vista que passa a ocupar um “espaço
personagens mitológicos para contribuir com a vazio” deixado pelo diretor, passando a conside-
análise do papel do assistente de diretor de esco- rar que não precisa do aval de mais ninguém para
la, com a intencionalidade de discutir a comple- tomar decisões.
xidade que envolve esta atividade no interior das Outra perspectiva, igualmente perigosa, é a
unidades escolares. Os personagens mitológicos de um assistente sem nenhuma autonomia, sem
serão: Hermes, deus da linguagem, das estradas e nenhum poder de ação. Neste caso, a ausência
caminhos, o marcador de fronteiras e mensageiro; do poder de agir acaba por anulá-lo como pro-
Sísifo, considerado o mais astuto dos mortais, que fissional. Sendo assim, é como se o sujeito agis-
acabou se tornando um dos maiores ofensores dos se sem se sentir ativo no processo de trabalho, o
deuses e que, por isso, foi condenado a um traba- que fará com que sua atividade perca o sentido.
lho interminável e inútil. Como afirma Clot:
O assistente de direção é a figura mais próxi-
ma do diretor(a) de escola, sobretudo no tocante Viver no trabalho é, portanto, poder aí desenvol-
às suas atribuições, quais sejam: substituir o dire- ver sua atividade, seus objetivos, instrumentos e
destinatários, afetando a organização do trabalho
tor, em seus impedimentos legais; responder pela
por sua iniciativa. A atividade dos sujeitos se en-
gestão da escola, nas ausências do diretor de esco- contra, pelo contrário, não afetada quando as coi-
la e atuar conjuntamente com o diretor no desem- sas, na esfera profissional começam a estabelecer
penho de suas atribuições específicas. Historica- entre si relações que ocorrem independentemente
mente, no cotidiano escolar, estes profissionais já dessa iniciativa possível. Paradoxalmente, a pes-
foram submetidos a várias denominações: fiel es- soa age, então, sem sentir que age. (2010, p.8).

cudeiro, braço direito, submisso, sombra, parcei-


Desta forma, segundo o autor, se o poder de
ro, puxa-saco, mensageiro, mordomo, etc. Essas
agir do assistente de direção lhe é negado, é como
entre outras nomenclaturas - que são expressas,
muitas vezes de forma velada, e que geralmente se toda energia deste profissional fosse esteriliza-
denotam o tipo de vínculo estabelecido entre dire- da. Dessa forma, “o desenvolvimento abortado da
ção e assistente de direção, que é percebido pela atividade se perde em emoções que se degeneram
equipe docente e demais funcionários da escola -, em paixões tristes” (CLOT, 2010, p.9) que po-
podem nos dizer muito sobre a complexidade que dem assim desencadear a falta de motivação, de
envolve esta atividade. compromisso, gerando uma espécie de desencan-
A relação de trabalho estabelecida entre esses to com sua atividade e, por conseguinte, um mal
dois profissionais precisa ser clara, assim como estar constante.

24
A esta condição soma-se outro conceito ela- perceberemos que um verdadeiro labirinto aca-
borado por Yves Clot (1999, 2008): "o de tra- bará se instituindo nas relações de trabalho no
balho impedido, cujo sentido remete à impossi- interior da escola.
bilidade de realizar devidamente uma atividade Para Luck (2013, 2010, 2009, 2005), muitas
profissional, principalmente pela impossibilida- vezes, as relações entre diretor e assistente de
de de realizá-lo corretamente e pela perda de do- direção extrapolam o âmbito profissional, ocor-
mínio sobre aquilo que um trabalhador realiza" rendo de maneira improvisada e, nesta perspec-
(FORTINO; LINHART, 2011). Para Clot (2010), tiva, as redes de ensino erram ao se omitir e não
este tipo de passividade desencadeia uma tensão auxiliar na proposição de ações que contribuam
incessante. Transpondo esse conceito para pen- positivamente nas inter-relações de ambos com
sar o trabalho do assistente de direção, quando sua equipe, famílias, alunos e comunidade esco-
ele se sente impedido de realizar plenamente lar. Isso significa que não podemos perder de vista
sua atividade, acaba por se assemelhar a Sísifo, as razões que justificam a existência deste posto
personagem mitológico, condenado por Zeus a de trabalho: apoiar a complexa tarefa de dirigir
passar toda a eternidade empurrando uma pesada uma unidade escolar e assegurar que ela cumpra
pedra para o alto de uma montanha. Chegando seu papel social, em torno do qual giram todas as
ao topo, a pedra rola abai-
xo e ele deve recomeçar
sua tarefa, de modo que ele
nunca veria o resultado de
[...] faz-se necessária a instauração do compartilhamento
seu trabalho, estando con- de responsabilidades, a favor do trabalho verdadeiramente
denado a um trabalho inútil coletivo no interior das escolas. Para tanto, aspectos
e desprovido de sentido. fundamentais precisam ser considerados, como:
Em ambos os casos, a confiança, o reconhecimento, a convergência de
tanto no excesso de poder, concepções acerca da função social da escola pública, das
quanto na ausência do poder concepções de ensino, de aprendizagem, de avaliação.
de agir, esses extremos evi-
denciam que a escolha do
assistente, seja pelo diretor,
ou por um processo de votação das equipes, acaba dimensões da gestão escolar, que é compartilhar
por se ancorar muitas vezes somente em atributos com todas as cidadãs e cidadãos o conhecimen-
pautados nos vínculos de amizade e na empatia, to historicamente acumulado pela humanidade ao
deixando de considerar a experiência profissional, longo dos tempos.
as capacidades de lidar com a diversidade, os con- Embora uma boa convivência entre o diretor
flitos, as tensões, as contradições, os saberes para e o assistente de direção seja importante para o
manejar grupos e relações interpessoais, entre andamento do trabalho, é a divisão do trabalho,
outros desafios enfrentados cotidianamente pela seu planejamento e desenvolvimento em colabo-
direção escolar das escolas públicas. ração que podem fomentar ou não um processo
Se o/a assistente de direção não tiver outras de gestão democrática na escola. Neste sentido,
capacidades que favoreçam o desempenho des- faz-se necessário que seja garantido ao assistente
ta função de forma a ser legitimado pelo grupo, ser um interlocutor crítico, que fortaleça o traba-

25
lho coletivo no interior da escola, que contribua eles, com o intuito de não reproduzir relações
positivamente para os processos de interação en- hierarquizadas que, em diferentes extremos, cor-
tre a escola e a comunidade e que potencialize os roboram os arquétipos mencionados ao longo do
processos de formação continuada, entre outras presente texto. Neste caso, é muito importante que
ações. Enfim, que possa, assim como Hermes, o diretor zele pela formação do assistente de dire-
forjar caminhos novos, rejeitando restringir-se aoção, que, muitas vezes, “dorme professor e acorda
papel de um mero mensageiro ou porta-voz da di- vice-diretor”. É preciso, portanto, que o diretor te-
reção, que sem perceber se perde no labirinto de nha atenção para os desafios enfrentados pelos as-
um sem-número de demandas complexas de toda sistentes iniciantes, facilitando seu trabalho e co-
instituição escolar, assim como Hermes que reali- locando em prática estratégias que minimizem o
zava inúmeras tarefas. “choque de realidade” (HUBERMAN, 2013) que
o início de uma nova
atividade pode trazer.
Além disso, cabe
ressaltar que assumir a
Ainda que mudar nos traga dúvidas e hesitações, é nosso papel atividade de assisten-
como educadores zelar pela evolução das nossas formas de te de direção não deve
pensar, de agir, de produzir culturas e de mediar as condições servir como “fuga da
materiais e imateriais que incidem sobre os movimentos sala de aula”, nem tam-
identitários das trabalhadoras e trabalhadores da educação. pouco como estratégia
de esquiva dos pro-
blemas e dificuldades
encontrados no exer-
cício do magistério. A
Assim se tomarmos a multidimensionalidade função do assistente de direção é uma atividade
da gestão escolar, que deve se ocupar da apren- essencialmente relevante para a constituição de
dizagem dos estudantes, do desenvolvimento pro- instituições escolares em sintonia com ações de-
fissional dos professores, do coordenador pedagó- mocráticas. Desta forma, precisamos estar aten-
gico e de toda a equipe de apoio, do clima e da tos para o processo de profissionalização destes,
cultura escolar, das relações, da infraestrutura, das embora seja esse um tema silenciado nas pesqui-
finanças bem como das emergências do cotidiano sas em Educação.
da escola e de suas relações com o território e com Se nos ativermos à etimologia da palavra assis-
a comunidade, a existência de um ou mais assis- tente, veremos que ela se origina do latim assistens
tentes de direção em uma unidade escolar é mais que significa: estar ou conservar-se de pé junto a;
do que justificável, ou seja, é essencial para propo- estar presente; comparecer, e nenhum destes mo-
sição de uma escola que vise à emancipação. vimentos são fáceis. Por isso, faz-se necessária a
Nesta perceptiva, o diretor de escola deve instauração do compartilhamento de responsabili-
perceber que existe uma dimensão formativa in- dades, a favor do trabalho verdadeiramente cole-
serida em sua relação com o assistente de direção, tivo no interior das unidades. Para tanto, aspectos
portanto este é mais um motivo para que esteja fundamentais precisam ser considerados, como: a
sempre atento às interações que estabelece com confiança, o reconhecimento, a convergência de

26
Foto: Roberto Tersi

concepções acerca da função social da escola pú- cedimentos instaurados de maneira a garantir
blica, das concepções de ensino, de aprendizagem, a igualdade do tratamento, dando prioridade a
critérios de objetivação mensuráveis e quantifi-
de avaliação.
cáveis; a separação entre função e pessoa, par-
A relação dialógica em torno das concepções
tindo da ideia de que a divisão do trabalho deve
estruturantes do trabalho educacional entre os permanecer fixa e qualquer pessoa é substituível
componentes da equipe gestora é, portanto, es- [..]. (THURLER, 2012, p. 239).
sencial para que o trabalho do assistente de di-
reção se viabilize. Além disso, retomamos a im- As proposições de Thurler (2012) são relevan-
portância de um exercício profissional na esfera tes para que reflitamos sobre a divisão do trabalho
escolar que se esquive da lógica burocrática, que entre a direção e o assistente de direção, pois, cos-
costuma separar: tumeiramente, são relegadas ao assistente tarefas
consideradas de “menor importância”, tais como:
[...] aqueles que decidem e os executores; mo- controlar o estoque de merenda, atender aos pais,
dos de comunicação formalizados da cúpula
controlar a frequência dos professores e dos tra-
para a base; uma especialização associada a
funções, direitos e obrigações formalizados por
balhadores do apoio escolar, mediar os conflitos
regulamentos; um sistema de regulações e pro- entre os estudantes e as queixas de indisciplina,

27
funções que terminam por aprisionar esse pro- evolução das nossas formas de pensar, de agir, de
fissional nas figuras de Hermes, de Sísifo, ou de produzir culturas e de mediar as condições mate-
lançá-lo no labirinto do qual ele não encontra a riais e imateriais que incidem sobre os movimen-
saída, tornando-se um refém... tos identitários das trabalhadoras e trabalhadores
Pensar em outras formas de dividir o traba- da educação.
lho no âmbito da gestão escolar, abandonando Sair dos nossos lugares comuns e de confor-
lógicas burocráticas e hierarquizadas, que são o to não é tarefa fácil. Mas, como sentenciou José
caminho conhecido quando pensamos na divisão Saramago, para ver a ilha é preciso sair dela. Não
do trabalho em unidades escolares, implica pen- nos vemos se não saímos de nós.
sar em novas formas de conceber as ações co-
letivas em um lócus de trabalho como a escola
Referências
(CROZIER, 1995).
Isso requer considerar que no momento em CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Tradução de Guilherme
João de Freitas e Marlene Machado Zica Vianna. Belo Horizonte:
que a equipe gestora concebe a divisão de seu Fabrefactum, 2010.
trabalho, cada componente precisa ter conheci- _____. Travail et pouvoir d'agir. Paris: PUF, 2008.
mentos básicos de todas as etapas do processo _____. Le sujet au travail. In: KERGOAT, J. (org.). Le monde do
de gestão da escola e responsabilizar-se por al- travail. Paris: La Découverte, 2010. p. 165-171.

gumas delas. Assim, as atividades individuais CROZIER, M. La société bloquée. Paris: Éditions du Seuil, 1995.

serão fortalecidas pela reflexão e análise con- FORTINO, S.; LINHART, D. Comprendre le mal-être au travail:
modernisation du travail et nouvelles formes de pénibilité. Revista
junta daquilo que cada componente realiza. Da Latinoamericana de Estudios del Trabajo (Relet), Rio de Janeiro,
mesma forma, ao compartilhar o que cada um v. 16, n. 25, p. 35-67, 2011.

faz e como faz, o diretor e o assistente de diretor HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores.
In: NÓVOA, A. (org.). Vidas de professores. 2.ed. Lisboa: Porto
fortalecerão seu modelo de ação e seus saberes, Editora, 2013.
certamente diferentes, mas que poderão se com- LÜCK, H. Avaliação e monitoramento do trabalho educacional.
Petrópolis: Vozes, 2013.
plementar (THURLER, 2012).
Com base nas reflexões aqui desenvolvidas, _____. Dimensões da gestão escolar e suas competências. Porto
Alegre: Positivo, 2009.
reiteramos a importância de que, juntas, as equi-
_____. Liderança em gestão escolar. 6. ed. Porto Alegre: Vozes,
pes gestoras repensem a organização do seu tra- 2010.
balho, para que não se percam no labirinto de LÜCK, Heloisa et al. A escola participativa: o trabalho do gestor
escolar. Petrópolis: Vozes, 2005.
complexidade que permeia a esfera escolar. É
THURLER, M. G. A organização do trabalho nos estabelecimentos
necessário não perder o fio de Ariadne, não es- escolares. In: THURLER, M.G.; MAULINI, O. (org.). A
quecer que a escola, com todas as suas contra- organização do trabalho escolar: uma oportunidade para repensar
a escola. Porto Alegre: Penso, 2012.
dições, é ainda o espaço social por onde todos
SARAMAGO, J. O conto da ilha desconhecida. São Paulo:
passam. A escola resguarda, dessa forma, um po- Companhia das Letras, 2004.
tencial transformador.
Isto posto, não há outra saída, senão estarmos
atentos e fortes para auscultar as necessidades
formativas dos assistentes de direção. Além dis-
so, precisamos refletir sobre os efeitos negativos
e contraproducentes das formas conservadoras
que movimentaram nossas formas de dividirmos
o trabalho, no âmbito da gestão escolar.
Ainda que mudar nos traga dúvidas e hesita-
ções, é nosso papel como educadores zelar pela

28
Foto: Adriana Caminitti

29
A supervisão
em formação

30
As reuniões setoriais como
uma estratégia formativa

Por Silvana Lapietra Jarra


Mestre em Artes pela UNESP - IA (2013). Graduada em Pedagogia. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Formação Permanente de Docentes e Gestores Educacionais. Superviso-
ra aposentada da Rede Municipal de Ensino da PMSP.

31
N este texto, relato minha experiência e as
A própria palavra “supervisão” pode nos le-
var a compreender o supervisor escolar como
experiências vividas com outros colegas super- um grande telescópio, capaz de observar, captar
visores junto a gestores das Unidades Educacio- e compreender a educação de forma sistêmica
nais da Diretoria Regional de Educação Fregue- – aquele que tem uma “super visão”. Atuar em
sia/Brasilândia, da Rede Municipal de Ensino da nível de Diretoria Regional de Educação, acom-
Prefeitura da Cidade de São Paulo, no período de panhando um grupo de escolas, certamente exi-
2008 a 2014. ge do supervisor escolar um olhar abrangente. É
Na leitura de documentos e projetos, partici- evidente que a vivência cotidiana da ação super-
pação em festas e vivências culturais, encontros visora alarga o nosso olhar, mas isso só é possí-
e reuniões pedagógicas, nas visitas de acompa- vel quando, a exemplo de Palomar, personagem
nhamento às escolas e nos encontros de forma- de Ítalo Calvino, viramos o telescópio para nós
ção que coordenei com gestores, algumas ques- mesmos, para o miudinho de nossas ações coti-
tões se destacavam: dianas e nos perguntamos sobre o nosso fazer,
yy Como os gestores das Unidades Educacionais sobre as nossas inquietações.
podem contribuir para a construção de currí-
culos e Projetos Político-Pedagógicos mais Em volta da casa do Sr. Palomar existe um gra-
mado. Não se trata do lugar onde normalmente
significativos?
deveria haver gramado: portanto gramado é um
yy O que garante autenticidade, protagonismo e objeto artificial, composto de objetos naturais,
ou seja, a grama. O gramado tem por finalidade
criação na experiência de gestão pedagógica?
representar a natureza e essa representação aca-
Qual sua repercussão na ação docente? ba por substituir a natureza própria do lugar por
uma natureza em si natural, mas artificial em
yy Como formar formadores de professores?
relação ao lugar. Em suma: custa; o gramado re-
yy Quais desafios estão postos na cena do super- quer labutas sem termo: para semeá-lo, regá-lo,
adubá-lo, desinfetá-lo, apará-lo. [...] Palomar já
visor/formador/mediador?
passou para outro curso de pensamentos: será
yy Como o supervisor poderia ajudar as equipes “o gramado” aquilo que vemos ou vemos antes
uma erva e mais outra e mais outra...? Aquilo
gestoras a desenvolverem propostas de forma-
que designamos como “ver o gramado” é ape-
ção para os professores com os quais atuam?
nas o efeito dos nossos sentidos aproximativos e
Acompanhando a ação das equipes das Uni- grosseiros; um conjunto existe quando formado
dades Educacionais que supervisionei na Rede por elementos distintos. Não se trata de contá-
-los, o número não importa; o que importa é fi-
Municipal de Ensino de São Paulo, observei o
xar com um único golpe de vista as plantinhas
crescente esvaziamento da ação pedagógica e individuais uma por uma, em suas particularida-
intelectual no fazer, pensar e sentir dos educado- des e diferenças. E não apenas vê-las: pensá-las.
res. Essas questões impulsionaram minha busca Em vez de “pensar” o gramado, pensar naquela
para percorrer outros caminhos para além dos haste com duas folhas de trevo, naquela folha
lanceolada um tanto curva, naquele corimbo de-
instituídos, para tentar viver uma ação supervi-
licado... Palomar distraiu-se, não arranca mais
sora formadora, mediadora e problematizadora
as ervas, não pensa mais no gramado: pensa no
das experiências das equipes escolares na cons- universo. Está tentando aplicar ao universo tudo
trução de seus Projetos Político-Pedagógicos e o que pensou a respeito do gramado. (CALVI-
Propostas Curriculares. NO, 2010, p.29; p.31)

32
Gosto de usar esta metáfora para pensar na como um intelectual que investiga sua prática
supervisão, para problematizar a “super visão”, transformando-a em “práxis”, porque refletida,
porque pode caracterizar esse movimento dialéti- pensada, retomada no diálogo com os outros e
co de aproximar e distanciar o olhar. Palomar é o com o mundo. Essa postura é fundamental no
nome de um grande e famoso observatório astro- exercício da supervisão escolar.
nômico, em San Diego, na Califór-
nia (EUA), que durante muito tempo
possuiu o maior telescópio do mun-
do, e o Sr. Palomar, personagem de A própria palavra “supervisão” pode nos levar a
Calvino, com nome de telescópio, se compreender o supervisor escolar como um grande
concentra nos mínimos detalhes das telescópio, capaz de observar, captar e compreender a
coisas e do cotidiano e vai observan- educação de forma sistêmica.
do as lagartixas e as ervas daninhas
de seu quintal, as estrelas e as ondas
do mar, descamando a realidade, es-
tabelecendo relações e aprofundando
pensamentos a partir da própria experiência de Entre as ações desenvolvidas pela supervi-
observar, narrar e viver o seu cotidiano. são escolar na Diretoria Regional de Educação
Acolher bebês, crianças, adolescentes, jovens Freguesia/Brasilândia, destaco duas como essen-
e adultos em instituições para educá-los é uma ciais na ressignificação do meu fazer como su-
invenção de algumas culturas. Na nossa cultura e pervisora formadora:
em nosso país, inventamos, desde os jesuítas, que
yy O acompanhamento por meio das visitas às
a educação formal aconteceria em espaços institu-
unidades educacionais;
cionais. Como o gramado de Palomar, a escola é
um objeto “artificial” carregado de representações yy As reuniões setoriais realizadas em parceria
e projeções objetivas e subjetivas que a sociedade com outros colegas supervisores.
e os educadores têm dela. Como o gramado, a es-
Cabe salientar que essas ações não devem
cola requer muita labuta: precisamos semear, adu-
ser vistas de forma estanque, uma vez que a
bar, cuidar de nossas ações para desenvolver a tão
ação supervisora se sustenta no diálogo com
sonhada educação de qualidade para todos (porque
muitas outras ações, tais como a análise e a
como educadores de uma rede pública não pode-
apreciação de documentos das unidades edu-
mos admitir uma educação que não seja para todos,
cacionais (Projetos Político Pedagógicos das
que não seja uma boa educação para todos).
escolas, planos de ação/trabalho da equipe ges-
Mas, como nos adverte Calvino, “Aquilo
tora; projetos de formação; projetos de recupe-
que designamos como ’ver o gramado‘ é ape-
ração e acompanhamento das aprendizagens,
nas o efeito dos nossos sentidos aproximativos
relatórios de bebês, crianças e alunos, etc.);
e grosseiros”. Não se trata só de ver o gramado,
reuniões de orientação e acompanhamento das
é preciso pensá-lo. Todo educador, independen-
unidades realizadas em conjunto com diversos
temente da função ou cargo que ocupe, deve ser
setores das Diretorias Regionais de Educação;
pesquisador do seu fazer, deve se perguntar so-
reuniões semanais da equipe de supervisão com
bre sua própria experiência, deve se comportar
a supervisora técnica, entre outras.

33
Foto: Daniel Carvalho

As visitas de ação supervisora reuniões pedagógicas, acompanhar os grupos de


professores nos horários coletivos de formação,
O supervisor escolar é um articulador e pro- muito contribuiu para alicerçar e ampliar a po-
blematizador do Projeto Político-Pedagógico da tência de minhas intervenções/contribuições nas
unidade educacional e, como tal, deve conhecer unidades educacionais.
o contexto e a história dela. Para tanto, o canal de Quem pratica a supervisão escolar nesta pers-
comunicação com os diversos sujeitos da comuni- pectiva sabe que, ao adentrar a escola, o espaço
dade escolar deve estar sempre aberto. vai dando pistas e oferecendo informações sobre
Obviamente, eu fazia um diálogo mais estreito as formas de pensar e viver a educação dentro das
com a direção e coordenação da escola, mas cir- instituições. Muitas questões e concepções nega-
cular por ela, participar das festas e celebrações, das nos documentos oficiais vão se revelando na
conversar com as crianças e alunos, acompanhar forma como as unidades organizam os espaços, os
a rotina de bebês, visitar a cozinha, acompanhar tempos, os materiais. Murais e instalações, a orga-
intervalos, observar o atendimento à comunidade nização do mobiliário, a preservação e manuten-
na secretaria ou no portão da escola, participar de ção do prédio, os critérios para o uso das verbas

34
públicas tornam evidentes os modos de pensar e reveladas a partir da escuridão. Olhados e ad-
viver a educação dentro das unidades. mirados de outro lugar; de outro ponto de vista.
Observados do lado de dentro do parque escuro,
O termo de visita, muito embora tenha sido
esses espaços ficavam muito mais iluminados. A
planejado antes da efetivação dela, deve conside-
experiência proporcionou dois pontos para refle-
rar as particularidades e singularidades da insti- xão. Primeiro: as coisas podem ser vistas de for-
tuição. A visita possui uma pauta norteadora, mas mas diferentes. Segundo: precisamos, às vezes,
deve fazer o encontro com as questões da esco- de uma menor intensidade de luz para promover
la. Quando visitamos alguém, parente ou amigo, melhor percepção das coisas. Saber dosar a inten-
sidade de luz: Eis o desafio dos educadores! Sob
levamos algo para ofertá-lo, procuramos levar o
luz intensa, cegamos, perdemos o foco e a per-
que temos de melhor e, deste encontro, trazemos cepção do objeto. Por outro lado, sob a escuridão
algo conosco (um problema, uma inquietação, total, ficamos impossibilitados de ver. Pensei en-
uma pergunta, uma demanda). O encontro pode tão, na expressão “lente”, outrora utilizada para
revelar necessidades, alegrias, conquistas, decep- designar o Professor, e o seu sentido simbólico,
ções, pedido de ajuda ou bons conselhos. No caso naquele contexto... Prosseguimos na caminhada,
amparados pela iluminação externa que vinha da
da visita de ação supervisora, levamos uma pauta,
rua e pelas luzes das lanternas. Isso me fez pensar
devemos planejar a escuta da escola, mas também na relevância dos instrumentos e ferramentas que
somos surpreendidos e identificamos outras de- utilizamos nos processos formativos. Os monito-
mandas e necessidades formativas. Essa relação res do parque que nos acompanharam na visita
com os diversos sujeitos da escola nem sempre é relataram que lá ainda habitam bichos-preguiça.
Que maravilha! A palavra escola tem origem na
tranquila, mas fui demolindo barreiras à medida
expressão scholè, que significa ócio. Pensando
que ampliei minha escuta e fui colocando a super-
nos desafios enfrentados na transformação dos
visão a serviço da escola. Para tanto, precisei in- tempos e espaços da Educação Infantil, fica um
ventar e criar outras formas de me relacionar com convite para estudarmos sobre a importância do
as pessoas, de fazer a visita. ócio, da preguiça, como sobrevivência à turbu-
A ação supervisora deve estar voltada para a lência e à massificação do ritmo urbano e moder-
no da cidade grande; como lentidão necessária
emancipação das ações e propostas pedagógicas,
à criação e ao aprofundamento das questões; à
contribuindo com a autoria e o protagonismo das construção de conhecimentos e de uma formação
instituições de ensino. As visitas também consis- produtora de sentido atrelada à infância. Pensar
tem no acompanhamento das equipes em outros no tempo de brincar, nas experiências de fruição,
espaços, conforme o estabelecido no excerto do de contemplação... Assim, iniciamos o Sarau.
termo de uma visita de ação supervisora que fiz à Que lindo! O “Grupo Canto Livro”, nome por si
só já bastante sugestivo, recitou poemas de Ana
reunião pedagógica da EMEI Martins Fontes, re-
Maria Machado alternando-os com canções da
alizada no Parque da Luz, durante a noite de 2 de Música Popular Brasileira. Repertório de altíssi-
outubro de 2009, incorporando as atividades do ma qualidade! O Sarau versou sobre o MAR...
“Valeu Professor”, evento promovido pela Secre- Ah, o mar! O Mar que encanta sereias, pescado-
taria Municipal de Educação da PMSP: res, crianças e homens. O mar dos caranguejos,
das conchinhas... Como as crianças veem o mar?
(...) A experiência curiosa e inusitada de estar Como os educadores veem o mar? Quem te en-
circulando no Parque da Luz, em plena noite, sinou a nadar? Poetizar o mar é poetizar as con-
provocou algumas sensações e reflexões. De den- tradições, as incertezas, a complexidade da vida.
tro do parque foi possível observar o Prédio do O mar é tão inconstante... E nós, educadores, por
Museu da Língua Portuguesa, da Pinacoteca e a quais mares navegamos? Em que circunstâncias?
Estação da Luz, belezas arquitetônicas da cidade, Como lidamos com as tormentas? Aproveitamos

35
a delicadeza das marolas tranquilas e quentes? fazer técnico ou administrativo. A equipe sabe
Desbravamos mares nunca dantes navegados? da importância da inserção dos seus educadores
Navegar é preciso?! O Sarau falou das infini-
nos espaços culturais da cidade. A exemplo das
tas possibilidades que os educadores possuem
contribuições de Bordieu (2003), em sua obra:
de humanizar os mares das crianças, de torná-
-los mágicos e instigantes. Por fim, a experiên- “A economia das trocas simbólicas”, é preciso
cia estética proporcionada pelo Sarau pode ser que os educadores reconheçam a importância
sintetizada nas “Palavras de Pórtico” de Fernan- que o capital cultural exerce na vida de qualquer
do Pessoa, que finalizou as atividades da noite pessoa, especialmente na vida de um professor.
anunciando a ética necessária aos educadores:
Como supervisora/formadora, também me des-
“Navegadores antigos tinham uma frase glo-
riosa: 'Navegar é preciso; viver não é preciso'". loquei, no período noturno, para outro espaço
Quero para mim o espírito desta frase, transfor- de formação, e o termo de visita precisava dia-
mada a forma para casar com o que sou: Viver logar com esses deslocamentos, precisava trazer
não é necessário; o que é necessário é criar.” Pa- perguntas sobre como concebemos e vivemos a
rabéns à equipe da EMEI MARTINS FONTES! formação de professores, precisava fortalecer e
São Paulo, 2 de outubro de 2009.
legitimar a escolha
formativa da escola.
As perguntas feitas
no termo de visita
A ação supervisora deve estar voltada para a emancipação conversavam com
das ações e propostas pedagógicas, contribuindo com a as intervenções que
fazia na escola acer-
autoria e o protagonismo das instituições de ensino. ca da Educação In-
fantil e da formação
docente e alimenta-
ram novas visitas e
O contexto desta ação mostra o deslocamento conversas. O termo acabou por consistir numa
das educadoras da EMEI Martins Fontes ao rea- devolutiva, não somente da reunião pedagógica
lizar a reunião num espaço cultural e no período realizada no parque, mas, e sobretudo, numa de-
noturno, aproveitando e se apropriando das pos- volutiva sobre os caminhos escolhidos pela equi-
sibilidades de inserção e ampliação do repertório pe para viver a formação docente, valorizando
cultural oferecidas pela Secretaria Municipal de a criação/invenção de novas possibilidades de
Educação no Valeu Professor 2009. Como super- viver estes processos.
visora escolar, acompanhei o planejamento da Minha experiência como supervisora esco-
escola para realizar a reunião pedagógica e isso lar na Rede Municipal de Ensino de São Paulo
envolveu até alterações muito bem-vindas no Ca- sempre apostou nisso. É imprescindível traba-
lendário Escolar da Unidade, homologado para lhar com narrativas na formação, sobretudo na
aquele ano. Quando uma escola decide fazer sua formação em serviço, uma vez que os sujeitos
reunião pedagógica desta maneira, traz uma con- envolvidos já são portadores de muitas memó-
cepção de formação que não se restringe ao mero rias, histórias e experiências.

36
Referências
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imagens. Petrópolis: Vozes, 2001.
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da
condição humana. Petrópolis: Vozes, 1997.
BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São
Paulo: Perspectiva, 2003.
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Companhia das Letras, 1994.
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experiências, questões e possibilidades. São Paulo: Expressão e
Arte, 2006.
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Freire, 2000.
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viagem empreendida pelo navegador Amyr Klink. Direção de
Breno Silveira. Rio de Janeiro: Conspiração filmes, 2001.
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à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
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aproximações e distâncias na formação de professores: uma
análise de narrativas de professores de artes do programa
REDEFOR. 2013. 146 f. Dissertação (Mestrado em Artes)-
Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, São Paulo,
2013.
LACAN, Jacques. O seminário: livro 11: os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LACAN, Jacques. O seminário: livro 5: as formações do
inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o
saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de
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MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis:
Vozes, 1998.
MARINS, Hiloko Ogihara. Gestão escolar: a complexa relação
entre formação e ação: concepções teóricas sobre a formação
do papel do diretor/gestor de escola. In: FELDMANN,
Marina Graziela (org.). Formação de professores e escola na
contemporaneidade. São Paulo: Editora Senac, 2009.
MARTINS, Miriam Celeste. Mediação: provocações estéticas.
São Paulo: UNESP, 2005.
NOVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom
Quixote, 1992.
PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
Foto: Enzo Boffa

37
O papel da
formação
continuada
na ação da
orientadora
pedagógica
38
Relato de uma prática junto
a equipes gestoras

Por Solange Santana dos Santos Fagliari1 e Thaís Regina Fernandes Soler2
1 Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo. Orientadora Pedagógica. Atuou como
Professora de Educação Infantil e Educação Especial.
2 Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orienta-
dora Pedagógica. Atuou como Professora de Educação Infantil e Educação Especial.

39
40
Foto: Roberto Tersi
E ste artigo tem como objetivo apresentar
pedagógicas, proporcionando espaços e tempos
nos quais equipes gestoras pudessem estudar e
recortes da prática de duas orientadoras pedagógi- compartilhar práticas e refletir sobre suas atua-
cas que atuam em um município na região metro- ções. Tais ações assentam-se na premissa de que
politana de São Paulo, na tentativa de socializar esta metodologia de trabalho propicia formas co-
um percurso formativo vivenciado no ano de 2014 laborativas de construção de conhecimentos e for-
com as equipes gestoras de dez escolas. Cabe es- necem suporte ao trabalho das equipes, bem como
clarecer que, nesse município, o orientador peda- ao desenvolvimento profissional.
gógico possui as mesmas atribuições do profissio- Nas idas às escolas, discutimos temáticas e di-
nal que, em grande parte das redes, é designado retrizes oriundas do sistema de ensino, tais como:
como supervisor escolar. Entre as atribuições do acolhimento das crianças e dos profissionais,
cargo, destacamos: acompanhar, orientar e super- calendário escolar, plano de trabalho da equipe
visionar as escolas do município com base nas gestora, documentação pedagógica, plano de for-
diretrizes e princípios da Secretaria de Educação, mação para os diferentes segmentos da escola,
de acordo a com a legislação educacional vigente; Projeto Político Pedagógico, entre outros. Quando
identificar as necessidades formativas da rede e in- necessário também ocorrem ações sobre questões
dicar medidas para atendê-las; realizar formações que envolvem a comunidade e os funcionários.
atendendo às necessidades da rede, propiciando Busca-se realizar um acompanhamento conside-
momentos de reflexão da teoria e prática; acompa- rando a singularidade de cada unidade.
nhar e colaborar para a construção, elaboração e Assim, neste texto, explanamos sobre um per-
execução do Projeto Político-Pedagógico das uni- curso formativo que desenvolvemos em dez es-
dades escolares, emitindo parecer; supervisionar e colas, sendo: duas creches, quatro pré-escolas e
averiguar as condições para o funcionamento dos quatro escolas de ensino fundamental I.
estabelecimentos municipais de ensino. Ao retomarmos os registros de nossos encon-
Atuando na orientação pedagógica, acompa- tros formativos, identificamos que nossas pautas
nhamos um conjunto de escolas e, por meio deste contemplavam momentos de: acolhimento, estu-
acompanhamento, identificamos as culturas esco- do, apreciação musical, dicas culturais, avaliação
lares, a forma como as equipes gestoras adminis- de cada encontro e um espaço aberto para a escrita
tram as unidades e, paulatinamente, nos apropria- de qualquer questão que os profissionais avalias-
mos sobre como as práticas pedagógicas vão se sem como relevante. Todos estes elementos sub-
constituindo no interior das escolas. Utilizamos o sidiavam o planejamento do próximo encontro e
conceito de cultura escolar como o “conjunto de buscávamos articulação com a nossa intenciona-
teorias, ideias, princípios, normas, pautas, rituais, lidade formativa. As estratégias utilizadas con-
inércia, hábitos e práticas - formas de fazer e pensar templavam: discussões e trabalhos em pequeno
mentalidades e comportamentos - sedimentadas ao e grande grupo, vídeos, utilização de imagens e
longo do tempo”. (VIÑAO FRAGO, 2001, p.33) registros fotográficos.
Apesar de, historicamente, a ação de super- Outro ponto a ser destacado refere-se ao fato
visão escolar privilegiar o acompanhamento de de que, referenciados em Alcântara (2015), or-
ações administrativas visando à uniformização e ganizávamos em nossos encontros um momento
universalização de processos, em nossa prática específico em cada encontro, no qual os gestores
buscamos instituir alternativas de atuação com realizavam trocas culturais a partir de suas vivên-
vistas a contribuir com a qualificação das práticas
41
cias e compartilhavam exposições, filmes e livros. A nossa proposta formativa incidiu sobre a
A música também esteve muito presente nestes temática da documentação pedagógica das dife-
momentos com apresentações de musicistas que rentes etapas de ensino: creche, pré-escola e en-
pertencem a nossa rede de ensino e um jovem pia- sino fundamental, e as estratégias formativas de
nista, ex-aluno de uma das escolas deste grupo. acompanhamento à ação docente. Esta temática
Considerando que, durante os encontros for- emerge uma vez que é um assunto presente em
mativos, tivemos como um dos objetivos ofertar nossos cotidianos profissionais e identificáva-
acesso à cultura e às diversas linguagens, organi- mos rupturas e diferenças conceituais no modo
zamos com o grupo o encerramento do ano com como esta documentação era organizada. Outro
uma fruição cultural. Assistimos a um ensaio fator refere-se a uma consulta que havia sido
aberto da Orquestra Sinfônica do Estado de São realizada com as equipes gestoras e uma par-
Paulo (OSESP) na sala São Paulo. Cabe ressaltar te significativa destas indicaram a necessidade
que as equipes gestoras foram repertoriadas com de ampliar os estudos e fortalecer suas ações
conteúdos históricos sobre este dispositivo, sobre nas unidades escolares, bem como buscar uma
a orquestra, o compositor e a obra que ouviríamos identidade e articulação das ações dentro do
no dia. Como coordenadoras, corroboramos com sistema de ensino.
Bruner (2001, p. VIII) ao explicitar que: “a cultu- Um ponto relevante a ser destacado neste
processo foi nosso compromisso, como orienta-
doras pedagógicas, com os registros sistemáticos
[...] a síntese se torna o espelho para o de nossas vivências com este grupo, pois como
grupo, pois devolve a ele seus conteúdos nos elucida Placco e Souza (2015), a síntese se
reorganizados, além de propiciar elementos torna o espelho para o grupo, pois devolve a ele
para análise, contribuições, entraves, seus conteúdos reorganizados, além de propiciar
potencialidade e dificuldades. elementos para análise, contribuições, entraves,
potencialidade e dificuldades.
Identificamos que as leituras teóricas mobi-
ra molda a mente, que ela nos dá um conjunto de lizaram reflexões na articulação do estudo e da
ferramentas com as quais construímos não apenas discussão da prática. Os momentos de estudo fo-
nossos mundos, mas nossas próprias concepções ram de extrema relevância e os excertos abaixo
de nós mesmos e de nossas capacidades”. comunicam as falas dos gestores registrados nos
O planejamento de momentos formativos en- encontros, elucidando o movimento reflexivo a
tre as equipes gestoras de diversas escolas justifi- partir dos debates realizados no grupo:
ca-se em nosso cotidiano em virtude de identifi- Tivemos uma ótima oportunidade para re-
carmos que, apesar de a ida à escola também ter fletir sobre muitas questões que estão presentes
um caráter formativo, avaliamos como relevante em nossa rotina e que nos orientam nas ações
e encaminhamentos. Importante mantermos este
desencadear processos de estudo compartilhados, espaço como oportunidade de voz e discussão.
nos quais se propiciam trocas e reflexões coletivas Chamou-me a atenção a fala de uma colega que
sobre as práticas construídas no interior das uni- devemos ser “guardiões do Projeto Político Pe-
dagógico (PPP)”, para cobrarmos ações impor-
dades escolares. Nesse sentido, concordamos com tantes dos educadores e termos uma diretriz a
Mello e Lugle (2014) quando explanam que é no ser seguida pela equipe construída coletivamen-
processo de interação com o outro que os sujeitos te através do registro do PPP.
Gestor
aprendem e se desenvolvem.
42
Um espaço que possibilitou a discussão do E, por não haver caminhos únicos nas rela-
planejamento como forma de facilitar e viabilizar ções que cada sujeito percorre em seus processos
a democratização do ensino. Houve um processo
de reflexão sobre a prática social docente e isso de construção de conhecimento, identificamos em
é importante para se retomar, revisar, na busca nossas vivências que materiais diversos, como
constante do processo de ação - reflexão - ação.
a entrevista de uma escritora de literatura, des-
Gestor
pertaram reflexões sobre as práticas, o cotidiano e
Há a necessidade de termos um olhar para a conceitos arraigados, que, por vezes, encontram-
formação humana. Realizamos formação huma-
-se adormecidos. Uma das gestoras realizou os
na o tempo todo. Contudo, temos que atentar que
tipo de humano estamos formando quando não seguintes apontamentos:
permitimos o direto à voz dos alunos, quando O vídeo suscitou uma série de apontamentos
somos autoritários com as crianças, entre outras e disparou reflexões sobre a relevância de mu-
ações. O tecnicismo fez quebrar o olhar para os darmos nosso olhar e paradigmas, pois os alunos
sujeitos crianças, sujeito professor, sujeito so- possuem várias histórias e muitas vezes os estig-
ciedade, quando olhamos apenas a escola des- matizamos. É relevante o papel da escola, pois
colada do contexto e das relações sociais. ela pode perpetuar ou quebrar histórias únicas.
Gestor Nós, os profissionais, temos, em diversas situa-
ções, visões únicas e pré-concebidas sobre pes-
Se almejamos um professor reflexivo e equi- soas, países, histórias, e que, ações como esta de
pes reflexivas, temos que identificar que meios estudarmos e refletirmos, nos possibilita lançar
utilizamos para desenvolver o currículo, quais as diferentes olhares dialéticos para as questões.
estratégias formativas são utilizadas. Falta-nos Gestora
clareza de como operarmos com os instrumen-
tos, estratégias formativas para trabalharmos Destacamos, ainda, um dos encontros no qual
com os diversos instrumentos metodológicos que
circulam na escola. ocorreu a socialização dos diferentes instrumen-
Gestor tos metodológicos utilizados na Educação Infantil
e no Ensino Fundamental, pois foi possível per-
Poder compartilhar as experiências e pon-
tos de vista dos participantes é uma forma de ceber que propiciou muitas reflexões e explicitou
pensarmos a respeito de nossa prática. uma grande gama de instrumentos. Entretanto, os
Gestor gestores, ao mesmo tempo que passaram a co-
nhecer os de outras etapas da educação, passaram
Placco e Souza (2015) elucidam que o forma-
a se questionar se eles cumpriam, de fato, a sua
dor, ao compor o grupo, aprende sobre quem são
função de acompanhar os processos de construção
e como pensam os adultos, favorece a interação
de conhecimentos das crianças. Conforme expla-
e a aprendizagem das pessoas sobre si e sobre os
nado por uma das gestoras:
outros. Ao mesmo tempo, o formador, se implica,
se modifica e ressignifica seu modo de pensar, de Os instrumentos metodológicos cumprem
sentir e seu planejamento. seu papel?
Gestora
Para as autoras:

[...] não há um caminho único nos processos de


O encontro possibilitou pensar sobre os
instrumentos metodológicos como referenciais
ensino aprendizagem do adulto, sendo necessário reflexivos nas ações práticas com as crianças.
ao formador cultivar o diálogo e incentivar a ex- Gestora
pressão de cada um, além de garantir espaço para
essa expressão. Ou seja, é preciso que todos sejam O encontro de hoje nos leva a pensar como
ouvidos, que todos os pontos de vista sejam con- é importante conhecermos o funcionamento da
siderados e articulados ao conhecimento que se educação como um todo, mesmo sabendo que
busca construir. (PLACCO; SOUZA, 2015, p. 47) cada segmento tem suas especificidades. As

43
crianças precisam ser pensadas em sua inte- - Manter o foco no trabalho, não nas pessoas.
gralidade, como seres integrais em seus pro- - Organizar melhor o tempo e o trabalho,
cessos de formação. para ser mais objetivo.
Gestora Envolver-se mais no trabalho e cuidar mais
dos registros.
Uma das tarefas que organizamos foi a de as Grupo de gestores

equipes levantarem desafios/problemas a serem Como a atuação dos membros da equipe


enfrentados em relação aos instrumentos metodo- gestora:
lógicos nas unidades escolares e, mediante es- O nosso olhar como equipe gestora tem de
fazer diferença deixando marcas positivas na
tes, necessitariam buscar soluções coletivas para equipe de trabalho (professores, auxiliar em
a qualificação das práticas de acompanhamento educação, etc...).
ao professor, e sobre a atuação da equipe gestora. Assim como com os alunos, devemos pensar
e trabalhar com cada professor a partir de sua
As reflexões acerca do papel formativo dos história, aproveitando as oportunidades para
gestores também mobilizaram os profissionais, aprender, conhecer e trocar conhecimento, qua-
e Alcântara (2015) nos ajuda a compreender que lificando assim, a educação. O acompanhamen-
to das diferentes situações cotidianas necessita
a mudança do educador passa obrigatoriamente promover mudanças de comportamentos pela
pela reflexão do porquê e de como se faz sua prá- equipe de gestão no trabalho.
tica, pois sem as duas dimensões não é possível O ponto central refere-se à concepção de
avaliação na gestão. Dentro de uma concep-
auxiliar nenhum profissional . ção tradicional, a equipe gestora organiza
A fala dos gestores nos ofertam elementos acerca tudo, resolve tudo e fica “de fora” observando.
desta questão, e os grupos abordaram soluções e re- Já em outra concepção, envolvem-se todos os
segmentos em ações formativas, e há o acom-
flexões envolvendo tanto o coordenador pedagógico: panhamento do cotidiano. Nesta concepção, a
equipe dá suporte para o trabalho.
O grupo chamou a atenção para o fato de que, Gestora
mesmo cada professor tendo seu processo singu-
lar, o coordenador pedagógico necessita fazer as Conforme explana Placco e Souza, e pudemos
intervenções, uma vez que, temos que ter como
objetivo parar com a “informalidade” nas inter- acompanhar nos relatos, esse sujeito de nossa for-
venções. Para tanto, a equipe gestora necessita mação é um adulto concreto envolvido em sua
se colocar como líder e desenvolver uma postura realidade e que atua em contextos diversificados.
ética, atuando como formadores e não fiscaliza-
dores. O foco é a qualidade das intervenções. A partir destes diversos contextos e de suas ne-
Grupo de gestores cessidades que emergem a busca pelo saber. Con-
cordamos com a autora que é essa busca que sus-
Apontou-se ainda que o coordenador peda-
gógico necessita se “ver” como corresponsável tentará a atribuição de significados e sentido aos
dos processos, pois quando os professores “fra- conhecimentos.
cassam”, o coordenador tem responsabilida- Ao analisarmos o percurso trilhado, refleti-
des. Desta forma, reiterou-se a necessidade de
a equipe gestora se organizar. O coordenador mos que esta formação propiciou aprendizagens
também necessita aprender a fazer este acom- mútuas, mobilização dos conhecimentos dos di-
panhamento e exercitá-lo. versos atores, momentos de estudo, dúvidas e
Grupo de gestores
compartilhamento de reflexões, colaborando na
Obtive mais conhecimentos para meu cres- ressignificação das práticas das equipes na pers-
cimento profissional. pectiva de qualificar a atuação de cada profissio-
- Que o trabalho do CP é de grande enver-
gadura e funciona como “motor” para o bom nal em seu local de trabalho.
trabalho na escola

44
Referências MELLO, S. A.; LUGLE, M. C. Formação de professores:
implicações pedagógicas da teoria histórico-cultural. Revista
contrapontos eletrônica, São Paulo, v. 14, n. 2, maio/ago., 2014.
PLACCO, V. M.N.S.; SOUZA, V. L. T. Aprendizagem do adulto
ALCÂNTARA, C. R. Diário de bordo: uma construção professor. São Paulo: Loyola, 2015.
colaborativa rumo à Pedagogia Cultural. 2015. 276 f. Tese
(Doutorado em Língua Portuguesa)-Pontifícia Universidade VIÑAO FRAGO. ¿Fracasan las reformas educativas?. In:
Católica de São Paulo, São Paulo, 2015. SOCIEDADE BRASILEIRA DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
(org.). Educação no Brasil: história e historiografia. Campinas:
BRUNER. J. A cultura da educação. São Paulo: Artmed, 2001. Autores Associados, 2001.
IMBERNÓN Francisco. Formação continuada de professores. PARO, V. Administração escolar: introdução crítica. São Paulo:
Tradução Juliana dos Santos Padilha. Porto Alegre: Artmed, 2010. Cortez, 1993.

Foto: Roberto Tersi

45
O papel do
diretor de
escola e sua
implicação
no processo
de gestão
democrática
46
E sua implicação no processo
de uma gestão democrática

Por Adriana Santiago Silva


Pós-graduada em Docência do Ensino Superior e Neuropsicopedagogia. Possui graduação em Letras
e Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bernardo do Campo - FASB. Há
20 anos atua na área de Educação como docente, coordenadora pedagógica e diretora escolar.

47
F alar a respeito de gestão democrática tor-
escolar, em especial do diretor, foi visto como de
uma pessoa autoritária, que reproduzia ainda os
nou-se algo bastante comum, em especial por ecos ditatoriais, os quais não permitiam muitos
estar atrelada ao processo de democratização da questionamentos sobre as decisões. Atualmente
educação no Brasil, assim como possuir por pres- é possível verificar que houve muitos avanços no
suposto a implementação da democratização das tocante ao discurso, cuja apropriação é inegável,
relações a partir da participação da comunidade porém Vitor Henrique Paro (2015) nos convida a
escolar e, nesta perspectiva, cabe um destaque compreender o quanto a gestão democrática ainda
para os Projetos Político-Pedagógicos elaborados é um desafio, sendo que, na prática diária, não são
pelas escolas, que consideram as particularidades poucos os que esperam da gestão ações que per-
e diferentes realidades de determinada comunida- meiem o autoritarismo dentro das escolas.
de, com vistas à aprendizagem permanente dos
Há basicamente duas formas de produzir a con-
sujeitos, primando pela participação de todos na
vivência entre sujeitos. Uma consiste na domi-
construção de um projeto norteador de ações sig- nação de uns sobre outros, reduzindo-se estes à
nificativas dentro de um determinado contexto. condição de objetos (não sujeitos). Trata-se do
Porém, apesar de a gestão democrática ser as- autoritarismo em suas mais variadas formas, cuja
sunto recorrente na área da Educação nas últimas predominância na história tem sido tão marcante
a ponto de levar o senso comum (e muitos es-
décadas, durante muitos anos o papel da gestão
tudos acadêmicos) a identificá-lo com o próprio
Foto: Daniel Carvalho

48
Foto: Daniel Cunha

conceito de política. Isto é, a política como luta ser o grande articulador do Projeto Político-Peda-
contra o outro se faz tão presente que produz a gógico da unidade escolar onde atua.
falsa consciência de que a atividade política se
Nesta perspectiva, conclui-se que os princípios
resume na luta pelo poder de uns sobre os outros,
éticos, estéticos e políticos presentes na escrita de
descartando a possibilidade de que a política se
faça também como convivência com os outros todos os projetos político-pedagógicos carecem
[...] que consiste precisamente na segunda forma também estar presentes nas paredes, nas salas de
de fazer política, ou seja, aquela que se realiza aulas, nas reuniões pedagógicas, enfim, no cotidia-
no diálogo entre sujeitos. Trata-se, neste segundo no escolar. E isso é desafiador! Porém necessário...
caso, da democracia em seu sentido mais univer-
Quando dialogamos sobre princípios, os dis-
sal [...], que é o mesmo que venho adotando neste
livro, ou seja, como convivência livre e pacífica cursos nos remetem a uma situação de superação,
entre indivíduos e grupos que se afirmam como pois, via de regra, concordamos que são elementos
sujeitos. (PARO, 2015, p. 58). primordiais para pensarmos em uma educação de
qualidade e que contemple a todos, todavia, é no
Porém o modelo de gestão centralizadora e
acompanhamento das ações no cotidiano escolar
detentora de verdades absolutas já não contempla
que podemos, de fato, verificar o quanto temos (ou
mais os anseios e as necessidades atuais no inte-
não) avançado nesta temática. Momentos impor-
rior das escolas, fazendo com que haja uma ruptu-
tantes da rotina, tais como: acompanhamento da
ra importante para avanços significativos rumo a
entrada dos alunos, alimentação, organização de
uma escola democrática: o diretor escolar passa a
49
tempos e espaços, planejamento dos professores, Compreender de qual lugar falamos e quais são
entre outros, caracterizam a materialização do Pro- os desafios para que a gestão democrática ocorra,
jeto Político-Pedagógico. Daí a necessidade extre- de fato, no interior das escolas públicas, com vis-
ma deste acompanhamento zeloso dos indicativos tas à melhoria das práticas pedagógicas, é o que
presentes no documento, para que se transforme em queremos provocar com esta leitura, objetivando
um documento vivo, que reflita a realidade escolar, que este conceito mais amplo seja legitimado pelos
caso contrário será meramente mais um documento profissionais da educação, funcionários e famílias,
para eventuais consultas e que não garantirá o prin- uma vez que todos somos responsáveis por uma
cípio democrático da gestão. educação de qualidade de nossas crianças.
Ora, uma vez que sendo o diretor de escola Para tanto, é necessário considerar que o prin-
“guardião” do Projeto Político Pedagógico, o de- cípio no qual uma gestão democrática se estabe-
safio de garantir na unidade escolar uma gestão lece é a partir de um coletivo (uma tarefa bastan-
democrática torna-se imenso a este gestor, na te árdua, uma vez que requer a escuta atenta de
perspectiva que outros atores também precisam diversas vozes e a mediação constante frente aos
ser corresponsabilizados, bem como diretamente impasses que surgem), resultando em uma cons-
implicados na garantia das ações previstas. trução de trabalho realizada por muitas e diferen-
Foto: Roberto Tersi

50
tes mãos. Todavia, cabe uma reflexão importante Quando assumimos que a Educação é um dos
sobre o perigo imbuído nesta ação, uma vez que a caminhos possíveis para a contribuição de uma
adesão ao discurso democrático nem sempre ocor- sociedade igualitária, objetivando a inclusão so-
re na mesma ordem que a concretude deste fazer, cial, assumimos também a responsabilidade de
por isso há de se cuidar deste processo, avaliando zelar pelos princípios que empoderam esta ação
sempre a relevância das discussões em pauta, pri- no interior das escolas públicas. Se isto não for
mando por considerar os diferentes saberes. observado nas ações cotidianas, a escola não esta-
rá a serviço da dignidade humana, perdendo então
Um dos aspectos centrais que justifica a gestão
democrática nas escolas é o entendimento de que o seu caráter emancipatório.
esta se constrói por muitas e diferentes mãos, com A escolarização obrigatória, vista como projeto
trajetórias, vivências, expectativas e saberes dife- humanizador, refletiu, e continua a refletir, uma
rentes. Entretanto, sabemos que tais saberes não aposta pelo progresso dos seres humanos e da
têm o mesmo valor e prestígio social: são hierar- sociedade. É um projeto otimista que deve ser
quizados, e o saber escolarizado, aquele que carre- estendido a todos na medida em que se apoia
ga o carimbo da técnica, vale mais do que os ou- nos valores da racionalidade e da democracia,
tros. (PARRELA; CAMARGO, 2015, p. 101-102) que elevam a condição humana. Se é um direito
universal, não pode ser negado a ninguém. (SA-
Desta sorte, o diretor escolar tem um papel
CRISTÁN, 2001, p. 57).
ainda mais primordial no processo de ensino-
-aprendizagem, que é a observância incansável do Uma importante reflexão a ser feita é a ob-
caminhar conjunto da prática e teoria com vistas servância dos princípios que regem as escolhas
à garantia de direitos de aprendizagem, conforme realizadas no cotidiano escolar, pois se perante a
previsto na Constituição, tendo como grande alia- lei cabe ao diretor gerir democraticamente a uni-
do o Projeto Político-Pedagógico na perspectiva dade escolar, cabe também a este sujeito avaliar
de uma educação reflexiva e libertadora, que con- com seus pares qual tem sido a bússola utilizada
sidere os diferentes atores de sua composição e para trilhar os caminhos percorridos e o quanto
sua singular realidade. o processo tem se tornado relevante na busca de
Cabe salientar que este olhar cuidadoso do uma Educação de qualidade e, nesta perspectiva,
diretor escolar, no que tange prática e teoria, ne- o Projeto Político-Pedagógico ganha vida e signi-
cessita estar pautado no compromisso com a for- ficado em seu sentido mais amplo: zelo pela fina-
mação humanizadora dos sujeitos, não perdendo lidade da Educação.
de vista o fundamento mais digno da Educação,
que vislumbra que todos são capazes de aprender.
Sacristán (2001) elucida que é necessário um in- Referências
vestimento na compreensão do papel transforma- GIMENO SACRISTÁN, J. A educação obrigatória: seu sentido
dor da educação: educativo e social. Porto Alegre: Artmed, 2001.
PARO, Vitor Henrique. Diretor escolar: educador ou gerente. São
A relação entre a possibilidade de progresso e o Paulo: Cortez, 2015.
“crescimento” que a Educação provoca nos in- PERRELLA, Cileda; CAMARGO, Rubens Barbosa de. A escola
divíduos nem sempre é evidente para todos. Na pública feita por várias mãos: dimensões críticas da formação de
conselheiros. São Paulo: Xamã, 2015.
vida social e no meio escolar, nem sempre se
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a educação. Belo Horizonte:
aceita que todos sejam chamados a progredir Autêntica, 2003.
nem, evidentemente, que todos possam chegar a
ser iguais. (SACRISTÁN, 2001, p. 60).

51
Educação
Infantil

52
Por uma escola
de todos e para todos

Por Carla Mauch e Guacyara Labonia Guerreiro


Fundadoras e coordenadoras da Mais Diferenças e possuem 30 anos de experiência em iniciativas
que objetivam a inclusão de pessoas com deficiência na educação e na cultura.
Mauch é mestre em Psicologia da Educação com especialização em Deficiência Mental, Teoria
Psicanalítica e Psicopedagogia.
Labonia é mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo.

53
Q uando pensamos em uma escola de Edu-
cia, a tolerância e, enfim, promover a cidadania,
na perspectiva da igualdade. A Rede Municipal
cação Infantil para todos, aonde nos leva nossa de Ensino (RME) de São Paulo tem o desafio de
imaginação? Quais sujeitos circulam por esse lu- acolher essa diversidade e garantir o direito hu-
gar? Como esses sujeitos interagem? Que tipos mano à educação de qualidade a todas as pessoas,
de atividades, rotinas e materiais estão presentes? buscando superar as desigualdades, desafio este
Todos participam? explicitado no Currículo Integrador da Infância
Na maior metrópole da América Latina, vivem Paulistana (2015):
bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos que
[...] a organização dos tempos, espaços e mate-
são migrantes, refugiados, pessoas sem deficiência
riais e a proposição de vivências precisam con-
e com diferentes tipos de deficiência, transtornos templar a importância do brincar, a integração de
globais do desenvolvimento, transtornos do espec- saberes de diferentes componentes curriculares,
tro autista e com altas habilidades/superdotação. as culturas infantis e culturas da infância em per-
Também são de diversas etnias, bagagens culturais, manente diálogo. (SÃO PAULO, 2015, p. 8)
religiões e arranjos familiares, de diferentes situa- É no sentido de construção de um conheci-
ções econômicas, pessoas em situação de vulnera- mento coletivo e que amplie possibilidades de
bilidade, em situação de rua, expostas a diversos superação de desigualdades que foi concebido o
tipos de violência, com acessos desiguais (ou sem Projeto Brincar.
acesso) aos serviços públicos...
São nesses diferentes contextos que as cultu-
ras infantis1 emergem, são transmitidas e recria-
das, abrindo possibilidades infinitas de ver e estar
[...] é na escola pública que
no mundo. Portanto,
essa diversidade se expressa e
onde deve ser celebrada para
a cultura não é só o que as pessoas pensam, mas
também o que fazem e suas realizações, são mul-
fomentar a compreensão, a
tiformes e polifônicas. Por isso, é fundamental, empatia, o acolhimento, o debate,
no mundo contemporâneo, promover contextos a invenção, a convivência,
lúdicos para que as culturas infantis possam se a tolerância.
desenvolver. Contextos que ofereçam e favore-
çam oportunidades para cada criança e seu grupo
de pares explorarem diferentes materiais e instru-
mentos por meio de suas brincadeiras, de espaços O Projeto Brincar2 é uma iniciativa da Fun-
e tempos, com a presença de brinquedos, de obje- dação Volkswagen em parceria com a Secretaria
tos e materialidades que possam ser transforma-
Municipal de Educação e a OSCIP (Organização
dos. Lugares para que as brincadeiras aconteçam,
que as aventuras se constituam. (BARBOSA; RI- da Sociedade Civil de Interesse Público) Mais Di-
CHTER, c2017, p.85) ferenças. Articulando ações de formação e acom-
panhamento pedagógico para profissionais da
Para nós, fica claro que é na escola pública que
Rede e oficinas abertas à comunidade escolar, o
essa diversidade se expressa e onde deve ser ce-
Brincar é realizado em 13 unidades educacionais
lebrada para fomentar a compreensão, a empatia,
o acolhimento, o debate, a invenção, a convivên- 2 Para saber mais sobre o Projeto Brincar, acesse http://
fundacaovolkswagen.org.br/projetos/brincar/ e
http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br//Main/Noticia/Visualizar/PortalSMESP/
1 Para se aprofundar na discussão sobre o conceito de culturas Projeto-Brincar-oferece-formacao-continuada-aos-educadores-da-Educacao-
infantis, veja o texto completo de Barbosa & Richter (c2017). Infantil.

54
Foto: Daniel Carvalho

55
de Educação Infantil (uma por Diretoria Regional visuais do ambiente, por vezes, prejudicando sua
de Educação), e atualmente mobiliza 36 escolas participação e compreensão do contexto.
com o objetivo de contribuir com a qualidade da Para criar estratégias de participação para
oferta de Educação Infantil a todas as crianças. todas as crianças em uma mesma atividade, du-
No trabalho coletivo com e nas escolas en- rante os acompanhamentos pedagógicos3 foram
volvidas no projeto, os formadores, professores, propostas várias práticas pedagógicas, entre elas,
gestores, equipes e comunidades têm se dedica- a leitura de livros. De forma colaborativa com a
do a fortalecer, estudar e experimentar estraté- professora e alinhada ao Projeto Especial de Ação
(PEA) e aos temas desenvolvidos, foi feita a es-
gias e práticas pedagógicas inclusivas, isto é, que
possibilitem e instiguem a participação de todas colha do título – que, infelizmente, como a maio-
as crianças juntas, com suas singularidades e po-ria dos livros, não tinha uma versão em múltiplos
tencialidades. formatos acessíveis – e o planejamento prévio das
Buscamos narrar aqui alguns aspectos de uma atividades, dos materiais a serem utilizados e pos-
síveis desdobramentos. Assim, o livro foi apresen-
dessas experiências, a fim de compartilhar as pis-
tas encontradas no percurso de materialização da tado para todas as crianças por meio da conversa e
escola que imaginamos e que possa contribuir da sua manipulação: título, tema, gênero literário,
com o currículo da Educação Infantil. autor, tamanho, forma, peso...
A leitura foi inicia-
da, juntamente com a
descrição concomitan-
te das imagens. Todas
No trabalho coletivo com e nas escolas envolvidas no projeto, as crianças ficaram
os formadores, professores, gestores, equipes e comunidades atentas, surpresas com
têm se dedicado a fortalecer, estudar e experimentar a possibilidade de ler
estratégias e práticas pedagógicas inclusivas. imagens e com o fato
de que a colega cega
pudesse, dessa forma,
ver as imagens. Des-
crevê-las para a aluna
Nesta escola, havia uma criança que, algumas cega fez com que as crianças sem deficiência ob-
vezes, fazia atividades diferentes do restante da servassem melhor o que estavam vendo, aguças-
sala. Enquanto os outros assistiam a um documen- sem seus olhares, ampliassem seu vocabulário,
tário, ela brincava de massinha; na hora de brincar encontrassem formas de narrar, de transformar
de corda, a ela era oferecida outra atividade. Essa imagens em palavras, tornando-se também des-
criança era cega. critoras do mundo, de forma lúdica e colaborativa
Ela perdia parte do que acontecia em sala por- com a professora. E isso contribuiu para o desen-
que, além de não participar das mesmas atividades volvimento de todos.
que as outras crianças, a ela não era descrito, de 3 No Projeto Brincar, o acompanhamento pedagógico é o momento
forma constante e detalhada, o que estava aconte- em que os temas, conceitos e práticas pedagógicas discutidos durante as
formações são introduzidos como apoio às práticas pedagógicas realizadas
cendo à sua volta, ou seja, os elementos e aspectos pelos professores. O acompanhamento, realizado nas próprias unidades e nas
salas de professores que manifestem interesse, permite o trabalho conjunto
entre educadores e formadores na proposição de práticas pedagógicas
inclusivas, levando em conta os recursos disponíveis e os diferentes contextos
de cada unidade.

56
Aliado à descrição das imagens, foram dis- vimento das borboletas; cantamos e dançamos.
ponibilizados objetos tridimensionais, o que con- Convém ressaltar que tais práticas pedagógicas
tribuiu para que a criança criasse imagens men- foram desenvolvidas com recursos de baixo custo
tais dos temas, objetos e situações apresentadas e facilmente encontrados na escola e na comuni-
na história. Por exemplo, nesta história que trata dade. Além disso, a construção coletiva de ma-
sobre o nascimento das borbo-
letas, as crianças que enxer-
gam têm a referência das ilus-
trações e buscam a imagem Para uma criança cega, é importante, para além da
mental de uma borboleta. Para descrição, a apropriação através de outros sentidos. E,
uma criança cega, é importan- pensando bem... Apenas para uma criança cega? E se
te, para além da descrição, a pensarmos em uma criança estrangeira?
apropriação através de outros
sentidos. E, pensando bem...
Apenas para uma criança
cega? E se pensarmos em uma criança estrangei- teriais acessíveis e inclusivos pela professora e
ra? Será que para ela não é importante ter outras pelas crianças reafirma a capacidade lúdica, de in-
referências para associar o nome de uma borboleta venção e de reinvenção em uma escola para todos.
na Língua Portuguesa? Quantas outras crianças se Em todas as escolas envolvidas no Proje-
beneficiariam dessa proposta? Na verdade, enten- to Brincar, temos percebido que a ampliação de
demos que todas. O quanto, nas cidades e nos dias repertórios dos educadores em diferentes lingua-
atuais, as crianças veem e conhecem borboletas gens – por exemplo, a literatura, o cinema, a mú-
de diferentes cores e tamanhos? No pátio da es- sica e as artes visuais e cênicas – também é um
cola e no seu percurso para casa têm borboletas? aspecto que potencializa o olhar para novos cami-
Todos nós aprendemos de vários modos e com nhos e possibilidades de diversificação de ativida-
a totalidade de nossos sentidos; é importante re- des, contribuindo para a construção de uma escola
conhecer, no entanto, que cada vez mais apresen- pública inclusiva e para todos e, como nos propõe
tamos para as crianças um mundo bidimensional, o Currículo Integrador (2015), para dar visibilida-
somente pelas telas. Assim, reafirmamos que a de aos sujeitos, em suas diversas singularidades e
diversificação - e não a adaptação somente para potencialidades, e assim descolonizar a Educação
as crianças com deficiência - das atividades e das Infantil e superar desigualdades.
formas como os temas são apresentados é bené-
Sem a necessidade de respostas únicas e defi-
fica para todos, pois possibilita a compreensão a nitivas para essas inquietações, deve-se buscar
partir de diferentes estímulos. o constante aprofundamento e a reinvenção das
Dando sequência ao planejamento após a lei- ações e práticas pedagógicas por meio de refle-
tura e o uso de diferentes materialidades, foram xões permanentes sobre tais questões, envolven-
do não apenas professoras e professores, mas
realizadas outras atividades relacionadas às temá-
todo o coletivo de educadoras e educadores das
ticas do livro. Construímos ovos, lagartas, casulos Unidades Educacionais, assim como as famílias/
e borboletas, de diferentes tamanhos, cores, tex- responsáveis, para compor o Projeto Político- Pe-
turas e materiais; exploramos os jardins da escola dagógico. (SÃO PAULO, 2015, p. 13).
à procura de vestígios do processo de desenvol-

57
Foto: Daniel Cunha
Este breve relato buscou trazer algumas pistas
de como as práticas pedagógicas inclusivas be-
neficiam o desenvolvimento de todos os alunos e
não requerem especialistas, recursos abundantes
e de alto custo, ou classes homogêneas. Sem ig-
norar a importância de toda escola ser bem equi-
pada, com infraestrutura adequada e profissionais
valorizados, é preciso pensar no que temos e bus-
car compreender, dentro dos diferentes contextos,
como é possível incluir a todos com os recursos
disponíveis. Não é tarefa fácil: é preciso ser curio-
so, ousado, é preciso estudar, experimentar, saber
que o erro é parte do aprendizado de todas as pes-
soas – crianças e adultos. E, assim, caminhamos
para construir a escola para todos que imaginamos
e desejamos.
Para [não] finalizar, deixamos um conselho
de Daniel Pennac, escritor e professor francês
que relatou em uma entrevista ter sido péssimo
aluno em sua infância, pois tinha medo de er-
rar as perguntas que os adultos lhe faziam – até
encontrar um professor que ousou enxergá-lo de
forma diferente:
Não tenham medo, sejam curiosos. A curiosidade
é realmente um remédio contra o medo. Sejam
curiosos acima de tudo. ‘Sim, mas a realidade me
dá medo...’. Se a realidade lhe amedronta, foto-
grafe-a. Abra-se, abra-se. Seja curioso. Não se
feche. (PENNAC, 2018)

Referências
BARBOSA, Maria Carmen Silveira; RICHTER, Sandra Simonis.
A cultura, a brincadeira e as culturas infantis. In: Caderno Brincar.
São Paulo: Fundação Volkswagen e Associação Nova Escola,
c2017.  
PENNAC, Daniel. Meu trabalho como adulto é curar as
crianças do medo. Entrevista feita em parceria entre Playground
Do e CCCB: Centre de Cultura Contemporània de
Barcelona. Original em vídeo. Disponível em: https://www.
fronteiras.com/entrevistas/daniel-pennac-meu-trabalho-como-
adulto-e-curar-as-criancas-do-medo. Acesso em: 9 jun. 2018.
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação.
Diretoria de Orientação Técnica. Currículo integrador da
infância paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015.

58
59
Entrevistas

Trabalhar
coletivamente
Nossa busca é incansável por uma
educação de qualidade

Diretora Regional de Educação: Márcia Regina Barrelli – DRE Freguesia /Brasilândia


Diretora de Escola: Lia Fernanda Dominciano – EMEI Alfredo Volpi
Diretora de Escola:Valdirene Aparecida de Faria – EMEF Mururés
Assistente de Direção: Rita de Cássia Fortuna Broti Dente – CEI Edna Rosely Alves
Coordenadora Pedagógica: Sandra Kaohri Ukei Takano – CEI Santa Teresa
Supervisora Técnico: Márcia Aparecida Colber de Lima – DRE São Miguel
Supervisora Escolar: Cyntia Simone de Souza Rodrigues – DRE Santo Amaro
Supervisora Escolar: Elenívea Gonçalves de Oliveira – DRE São Mateus

60
Foto: Roberto Tersi

61
Quais são os maiores desafios que você identi- zagem, esse é, sem dúvida, um desafio primordial
fica na sua tarefa de gestor? dentro das unidades da RME e exige perseverança
diante dos problemas vividos por todos dentro das
Diretora Regional de Educação: Penso que o
unidades, nos mais variados aspectos:
grande desafio do gestor da/na educação pública
é trabalhar coletivamente com seus pares numa Outro desafio que identifico na função de gestor é
perspectiva de desenvolvimento do papel social o compromisso com o rigor técnico e acompanha-
das escolas com o compromisso de implemen- mento dos processos de trabalho dentro do âmbito
tar as políticas públicas educacionais, em que a escolar, essa é uma das premissas para um bom
Proposta Curricular é, antes de tudo, uma pro- trabalho dos gestores.
posta política que apoia os movimentos inova- Alinhamento incondicional com os princípios
dores educacionais e que aposta na autonomia contidos nos documentos norteadores do traba-
da escola. Não podemos esquecer para quem tra- lho, esse é um dos principais desafios dos ges-
balhamos e, acima de tudo, não devemos perder tores educacionais na atualidade, principalmente
nossa essência como gestores: a de ser professor. quando estes princípios visam ao oferecimento de
Nossa busca é incansável por uma educação de oportunidades de aprendizagem nas mais diferen-
qualidade para todos, assumindo um compro- tes linguagens que garantam o desenvolvimento
misso social e político, transformando a escola e o fortalecimento do protagonismo das crianças.
num espaço permanente do processo de ensino Diretora: Na função de gestora de unidade esco-
e aprendizagem, onde nossa tarefa maior é de lar em região com grandes vulnerabilidades so-
ensinar. A escola não pode ser um espaço onde ciais, um dos desafios apresentados é a articulação
as crianças estejam somente, mas onde as crian- com a comunidade escolar. Embora a escola seja
ças aprendam. Outro grande desafio do gestor da uma referência importante no território, temos di-
educação pública é a garantia da continuidade ficuldades em realizar diálogos mais específicos
das propostas implementadas, de modo que não em assuntos como frequência escolar, rendimento
haja uma interrupção dos projetos bem-sucedi- escolar, situações disciplinares.
dos, motivada em decorrência dos processos de
Coordenadora: A gestão democrática implica na
eleição (troca de governantes e de partidos polí-
participação consciente de todos os envolvidos
ticos). O compromisso com a Educação, como
com o processo educativo, seja da equipe gesto-
também com outros serviços essenciais à popu-
ra, da equipe docente, da equipe de apoio, dos fa-
lação, deve estar acima destas questões. Assim, o
miliares/responsáveis e dos bebês e crianças, que
gestor tem que ter um “olhar ampliado”, voltado
precisam ter suas vozes acolhidas e escutadas pe-
para os alunos, famílias e para os profissionais
los educadores.
que vão atuar com vista à qualificação social da
Quando as pessoas reconhecerem o poder de sua
educação. Permeando todo este processo, de for-
atuação e de sua opinião nas decisões e caminhos
ma até mesmo inconsciente, é necessário o senti-
a serem tomados, a qualidade da educação pode
mento da paixão, do encantamento, da sedução,
seguir rumos significativos.
do brilho no olhar, que nos toca e nos move para
o caminho do sucesso. Para tanto, há necessidade de se ter uma concep-
ção clara e coesa sobre a Infância e Educação.
Diretora: Os desafios que enfrento na tarefa de
Neste sentido, o grande desafio do Coordenador é
gestora são inúmeros, todos os dias, mas posso
atuar na articulação, na formação de toda a comu-
elencar aqui três desafios que me fazem ver no
nidade educativa, vislumbrando a transformação
cargo de gestora função de extrema importância
constante pautada nos princípios de equidade, de
para melhoria da qualidade da educação ofereci-
inclusão e de integralidade..
da na RME.
Supervisora Técnico: O grande desafio da ges-
O trabalho do gestor deve se pautar na garantia
tão no âmbito da Diretoria Regional é o conhe-
dos direitos fundamentais e direitos de aprendi-
cimento real do território, considerando a quan-

62
tidade de escolas a serem acompanhadas e a próprios para a dedicação aos estudos e pesqui-
complexidade que envolve tal acompanhamento, sa que favoreçam o melhor acompanhamento e
por se tratar de diferentes modalidades – Educa- orientação das questões pedagógicas ante dife-
ção Infantil e Ensino Fundamental, incluindo a rentes modalidades de ensino implicadas no tra-
Educação de Jovens e Adultos em todas as suas balho da supervisão.
especificidades. Como a ação supervisora com- Supervisora: Existem vários desafios, mas o
preende a orientação e o acompanhamento des- que eu considero mais relevante é conseguir,
tas unidades, há demandas de diversas ordens e, em meio a tantas demandas da Supervisão,
como envolvem questões administrativas e pe- construir uma parceria no âmbito pedagógico
dagógicas, de forma complementar e minuciosa, com todas as unidades do polo, uma vez que
incluindo aspectos legais e relacionais, muitas necessitamos cumprir e orientar o cumprimento
vezes exige do supervisor escolar um conjunto das demandas legais e burocráticas que normal-
de saberes que o remete a um sentimento de que mente vêm atreladas a prazos. Outro desafio é
seu trabalho está sendo insuficiente nesta ação. construirmos paulatinamente um elo de con-
Ademais, importante ressaltar que a DRE é quem fiança entre a Supervisão e as unidades, para
lida com as demandas tanto das escolas quanto que percebam na ação supervisora o trabalho
da Secretaria Municipal de Educação, bem como conjunto, tanto na gestão pedagógica quanto na
de outras instituições que atendem crianças e gestão administrativa da unidade.
adolescentes, desembocando no cotidiano do tra-
Assistente de direção: O trio gestor do CEI se
balho do supervisor a mediação destas demandas
depara com contínuos desafios na organização
e o encaminhamento e a orientação das unidades
da equipe, de tempos e espaços para o atendi-
em relação a elas.
mento de qualidade às crianças de 0 a 3 anos e
Supervisora: Penso que, no momento, o maior 11 meses de idade, por 10 horas. Crianças que
desafio da ação supervisora é o de conciliar as ainda não possuem autonomia para alimentar-
questões técnicas com as pedagógicas, situação -se, usar o banheiro, deslocar-se pelos diferen-
agravada com as inúmeras demandas e com o tes espaços, necessitam de apoio contínuo de
tempo disponível para acompanhar bem e orien- todos os envolvidos no processo educativo. Há
tar as unidades. Tais dificuldades decorrem do uma contínua exploração de materiais e espa-
número de escolas que temos no setor (atual- ços, de experiências significativas, mas desafia-
mente chega a quinze unidades), dentre as dire- doras para a sua segurança. Questões de saúde
tas, parceiras e particulares. Outra dificuldade se ocorrem durante o atendimento no CEI, e mui-
refere ao atendimento das demandas de última tas famílias trabalham em locais distantes, fato
hora solicitadas por diferentes instâncias, interna que as impedem de estar na unidade para acom-
e externa à educação (SME, COPED, Ministé- panhar o atendimento que algumas vezes se faz
rio Público, Conselho Tutelar, consultas da co- necessário. É no CEI que a criança experimenta
munidade etc.), que exigem ação imediata dos pela primeira vez alguns alimentos, que tem o
Supervisores. Outras dificuldades decorrem da primeiro contato com tinta, entre outros mate-
falta ou da sobreposição de publicações oficiais, riais que vivenciam no cotidiano da unidade. E
que demandam estudos e consultas às instâncias ainda, neste processo, também fazemos o apoio
demandantes. Apesar disso, temos clareza que às famílias/responsáveis que estão passando
a efetivação das políticas públicas e o acompa- pela primeira experiência da ida da criança para
nhamento dos trabalhos das unidades perpassam uma instituição, com suas alegrias, mas com
pelas especificidades de cada território, pelos de- suas inseguranças e preocupações. Na função de
safios que a escola enfrenta em sua rotina diária, gestora, sinto a necessidade de fortalecimento
cabendo-nos mediação dessas políticas com as das parcerias com o entorno, equipamentos de
diferentes realidades. Todas as questões citadas saúde, especialmente para socorro e prevenção
até aqui diminuem a possibilidade de momentos de ocorrências diversas, para orientações tanto

63
para as famílias quanto para os educadores nas que todos os envolvidos saibam quais serão suas
questões de saúde física e emocional. funções e deveres durante essas atividades. Para
isso, cronogramas e planejamentos organizadores
Como os outros segmentos da escola interfe- são ótimas ferramentas, porém essas ferramentas
rem na sua função gestora? devem ser compartilhadas com as equipes antes
Diretora Regional de Educação: Na função de da execução das atividades para que a equipe ou
gestora, tenho muito claro que o grupo de fun- equipes envolvidas possam fazer ajustes se neces-
cionários faz com que uma escola funcione com sário antes que as atividades aconteçam e também
qualidade, garantindo o acesso e a permanência ao longo dos processos.
dos alunos e de suas famílias, mobilizando assim
todos os segmentos em torno do Projeto Político Diretora: Diante desta primeira dificuldade apre-
-Pedagógico, garantindo a participação e decisão sentada, acreditamos que a atuação do Conselho
coletivas da comunidade e seu entorno. Portanto de Escola e demais órgãos colegiados na tomada
é fundamental ter funcionários empenhados e mo- de decisões acaba fortalecendo e auxiliando o tra-
bilizados. Nesse sentido, destaco a importância da balho da gestão. Já a falta de articulação entre a
liderança legitimada do gestor junto ao seu grupo unidade escolar e o Conselho Tutelar do território,
de servidores e de toda a comunidade escolar. A que deveria atuar em parceria com a unidade, difi-
função do gestor, portanto, está voltada para a for- culta esse processo de articulação com as famílias.
mação de todos os segmentos da escola, com foco Coordenadora: A gestão democrática e partici-
no trabalho docente, na formação do professor pativa auxilia e fortalece o trabalho, assim como
como um profissional que terá uma atuação diária um Projeto Político-Pedagógico forte e consoli-
e fundamental dentro da unidade educacional que dado é o instrumento que norteia todo o trabalho
é ensinar. E como nosso Secretário de Educação da unidade, ele evidencia o processo pedagógico
nos diz: “o melhor investimento que podemos fa- da Unidade Educacional, pois é elaborado coleti-
zer é nas pessoas. São elas que mudam o mundo”. vamente por todos os segmentos da comunidade
educativa, traduzindo as vicissitudes, as reflexões,
Diretora: Todos aqueles que compõem os seg-
os avanços e os sonhos de um coletivo focado
mentos da unidade são importantes e devem au-
para uma educação de qualidade.
xiliar os gestores em suas funções. O segredo do
A gestão assume o papel na UE de promover e
sucesso da equipe gestora dentro das diferentes
possibilitar (os meios concretos e formativos)
unidades da RME começa pela gestão dessas
para que os bebês e crianças vivenciem diversas
equipes. As reuniões de organização não se resu-
experiências, através das brincadeiras e das inte-
mem nas reuniões realizadas em fevereiro com a
rações, apropriando-se e expressando-se por meio
equipe docente, mas se iniciam muito antes, com
de múltiplas linguagens.
reuniões com os diversos segmentos. É importan-
Portanto, todos os profissionais que atuam nas
te que a equipe gestora descubra em suas equipes
unidades são fundamentais nos processos de
bons líderes, que possam deixar seus pares cons-
aprendizagens e no desenvolvimento dos bebês
cientes da importância de seu trabalho e assim as
e crianças.
próprias equipes criem autonomia para tomada de
decisões para resolução de problemas simples do Supervisora Técnico: A parceria com as equipes
dia a dia e se sintam fortalecidas para realizarem das escolas e das diferentes equipes de trabalho
projetos inovadores. da DRE é fundamental. Os momentos de escuta
Quando cito acompanhamento dos processos, não das demandas e aqueles em que é possível con-
quero dizer que o gestor precisa estar pessoalmen- versar na perspectiva de encontrar encaminha-
te realizando as atividades planejadas, mas ele pre- mentos para as demandas apresentadas também
cisa estar envolvido no processo de planejamento são fundamentais, sejam eles em reuniões com os
desde a concepção dos projetos, organização das gestores e demais profissionais das escolas, sejam
atividades com as equipes, assegurando sempre no âmbito da DRE ou em reuniões intersetoriais,
64
com os demais equipamentos públicos que atuam ao atendimento a essa faixa etária. O número
na região. Outro aspecto essencial é a possibilida- de funcionários tem se mostrado abaixo das ne-
de de exercício das funções de supervisor escolar cessidades do atendimento às crianças entre 0 e
com autonomia, pautado nas decisões tomadas no três anos e 11 meses. O agrupamento de Berçá-
coletivo deste segmento profissional no âmbito rio I, o nosso grupo mais vulnerável, comporta
da DRE e, quando possível, em nível de SME. 7 crianças por educador. Na rotina de atendi-
Fundamental destacar a importância da formação mento, em muitos momentos, o professor preci-
continuada e em serviço que acontece no cotidia- sa de apoio para realizar atendimentos acolhe-
no do nosso trabalho, fortalecendo-nos para aten- dores, individualizados e de qualidade, porém
der às solicitações das escolas e da população no o gestor não possui servidores disponíveis para
que tange ao atendimento da comunidade escolar, realizar esse apoio. A demanda é enorme e a or-
considerando as especificidades do território, a ganização da linha de tempo desses servidores
vulnerabilidade da demanda atendida, bem como nem sempre a supre. Percebo uma necessida-
o papel do supervisor escolar frente à necessidade de de formação em serviço, contínua para que
constante de implementação das políticas públi- todos possam ressignificar ações cotidianas,
cas de educação na Cidade de São Paulo. qualificando esse atendimento, fortalecendo o
trabalho em equipe.
Supervisora: Os diferentes segmentos da escola
sempre procuram colaborar dentro dos respecti-
vos níveis de governabilidade com a ação super-
Como a SME-SP contribuiu, ao longo dos
visora. Contudo, nem sempre é possível, ora por
anos, para o exercício da gestão?
módulos incompletos de servidores e funcioná-
rios, ora por necessidade de orientação e de orga- Diretora Regional de Educação: Considerando
nização do trabalho de gestão escolar. Sentimos as colocações anteriores, pensando que, como
que a organização da gestão escolar de cada uni- gestores da/na educação pública, somos servido-
dade é um diferencial que contribui para facilitar res públicos, sempre busquei absorver e refletir
ação supervisora. Neste sentido a formação em sobre os fundamentos e pressupostos da diretriz
serviço pelas diferentes instâncias da SME aos pública a ser implementada, executando as ações
gestores acrescidos da orientação da Supervisão necessárias para que todas as metas atingissem
Escolar deve ser uma constante, de modo a for- os principais sujeitos do processo: os estudantes
talecer as equipes escolares. – bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos.
Nesta trajetória de 29 anos de magistério Públi-
Supervisora: Os outros segmentos auxiliam co, sendo 23 anos de PMSP, considero que apro-
quando estão abertos ao diálogo com o Supervi- veitei e aproveito ao máximo, potencializando
sor e procuram cumprir as suas orientações. Além todas as contribuições da SME, sejam sob forma
disto, também contribuem abrindo as portas da de produção acadêmica institucional (publica-
unidade nos momentos de reuniões pedagógicas ções, revistas, livros, manuais, materiais dispo-
e outros momentos de formação e discussão pe- nibilizados no Portal SME), sejam nos percursos
dagógica para que o Supervisor também possa formativos oferecidos (cursos, encontros, semi-
ser ouvido pela unidade inteira. Por outro lado, nários, congressos, fóruns, formação continuada
dificultam quando não enxergam o Supervisor in lócus de exercício).
como alguém da gestão que pode contribuir para Quando temos um Secretário de Educação que
a qualificação do trabalho, por isso é necessário conduz uma Secretaria com compromisso, éti-
que as equipes gestoras estejam disponíveis para ca, respeito, transparência, equidade, em prol
ouvir e considerem as problematizações feitas do desenvolvimento das condições humanas,
pela Supervisão. da redução das desigualdades, da garantia dos
Assistente de direção: Na minha função de direitos, do desenvolvimento tecnológico com
gestora do CEI percebo algumas peculiaridades sustentabilidade, dos currículos vivos e signi-

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ficativos, da aprendizagem, entre outros prin- minha constituição como profissional tem muito
cípios, inspira-nos como gestores, apoiando e do meu empenho pessoal como servidora pública,
oferecendo suporte para seguirmos. mas também é fruto do investimento que a Rede
Municipal de Ensino de São Paulo fez na minha
Diretora: Nesses nove anos como gestora pos- formação ao longo da carreira.
so afirmar que o principal auxílio que obtive da
SME-SP foram as formações das quais pude e Supervisora: A formação em serviço, as orien-
tive o prazer de participar, sejam elas técnicas tações advindas dos diferentes setores que com-
ou pedagógicas, nortearam e norteiam o meu tra- põem a SME, o acolhimento aos supervisores e
balho desde que iniciei, elas são essenciais para membros da equipe gestora das escolas iniciantes,
que o gestor possa qualificar o seu trabalho e de o relacionamento das Diretorias de Educação e
sua equipe e, consequentemente, melhorar a qua- demais instâncias da SME com as unidades foram
lidade do atendimento às crianças e suas famí- e são de muita importância para o desenvolvimen-
lias/responsáveis. to e compreensão dos fazeres e para atuação na
Supervisão Escolar.
Coordenadora: A formação do profissional se
dá na prática, in loco, no cotidiano escolar. Acer- Supervisora: Desde que iniciei na Supervisão em
tando, errando na ânsia de acertar, colocamos 2013, sempre estive envolvida em formações e,
em prática o que temos construído e elaborado desde 2014, atuo na Educação Infantil, participan-
durante o nosso percurso formativo. A SME tem do de formações oferecidas pela SME. Portanto,
me ajudado com a elaboração e divulgação de di- posso afirmar que a maior parte do meu repertório
retrizes e orientações curriculares, bem como na na Educação Infantil se deu na Rede Municipal de
formação constante das ideias e princípios edu- Ensino de São Paulo e que fez toda diferença na
cacionais. Especificamente, a formação oferecida minha ação Supervisora, uma vez que possuímos
pelas DIPEDs é de fundamental importância para em nossos polos, na sua grande maioria, unidades
alimentar as coordenadoras pedagógicas com tex- de Educação Infantil.
tos, filmes, indicações de leituras e trocas entre os
Assistente de direção: Percebo um esforço para
pares que possibilitam reflexões sobre o cotidia-
a formação dos gestores no âmbito das questões
no da Unidade e permitem um caminhar coleti-
administrativas e de gestão de equipes. Mas, em
vo, mesmo com as especificidades dos territórios.
razão das demandas diárias da Unidade Educacio-
Também auxiliam na reflexão-ação do cotidiano
nal, nem sempre tem sido possível participar de
escolar, uma vez que o compartilhamento de prá-
tais eventos. A supervisão escolar, os diferentes
ticas, anseios e dúvidas corroboram com a nossa
setores que compõem a DRE (RH, CEFAI, NA-
práxis pedagógica.
APA, entre outros) se mostram disponíveis para o
Assim como o CP promove reflexões sobre o fa- apoio à Unidade Educacional.
zer docente, os momentos formativos favorecem
um refinamento do olhar e, assim, pensamos em
uma cadeia formativa que tem como principal ob-
jetivo a qualidade da educação para todos.
Supervisor Técnico: A SME tem papel funda-
mental na formação continuada ao longo da mi-
nha carreira na educação municipal. Em diferen-
tes momentos e por diversas vias de acesso, foi
e é constante a preocupação com tais processos
de formação, por vezes com maior ou menor efe-
tividade, considerando as demandas cotidianas
de trabalho, mas nunca abandonado ou deixado
de lado por esta Rede. Tenho convicção de que
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