É sabido que desapropriação é o instrumento através do qual a
administração pública apropria-se de determinado bem imóvel, de determinado espaço físico de propriedade particular, com o fim de estabelecer políticas públicas, de fazer prevalecer o interesse público sobre o interesse particular. Há outros tipos de desapropriação, dos quais não interessa aqui tratar, limitando-se a presente análise às desapropriações por interesse público. Compõe-se de duas fases distintas: a primeira declaratória, declaração através de decreto de que tal área, tal espaço é de interesse público. O ente público declara através de ato executivo que aquele bem é de interesse público e que pretende a transferência de tal bem para a sua esfera patrimonial. Declara também que tal bem imóvel vale tanto, e que oferece tanto pelo bem a ser desapropriado. Obviamente, tal declaração de valor não é feita em bases meramente especulativas, mas baseada em laudo técnico de agente público capacitado para tal, no mais das vezes “para baixo”, já que o dito interesse público prevalece sobre o interesse do particular. As leis de mercado não são respeitadas, o valor de mercado não é considerado. A lei de regência das desapropriações (na verdade decreto-lei incensado à categoria de lei pela interpretação constitucional), porém, assevera que o preço, a indenização pela perda do imóvel, deve ser o mais ampla possível, prévia e em dinheiro. A segunda fase das desapropriações é a judicial. Nesta é vedada ao juiz, a análise da motivação do ato de desapropriação, limitando-se, concretamente, ao estabelecimento do preço e condições do pagamento. Com honrosas exceções, após extensa discussão, nomeação de perito engenheiro de confiança do juízo, produção de trabalho técnico avaliatório, é proferida sentença declaratória de transferência da propriedade, com fixação do preço e seus consectários. Aí começa o problema. Ocorre que se o ente público apossa-se do bem antes da sentença, ainda que por determinação judicial entre na posse do bem imóvel antes de estabelecido o valor da indenização e determinada a transferência de propriedade, são devidos os juros compensatórios. Como diz a expressão, são devidos pela indisponibilidade do bem ao legítimo proprietário até que, por sentença declaratória, seja definido o valor da indenização e determinada a transferência da propriedade. Por lei, os juros compensatórios devem corresponder a 12% ao ano ou 1% ao mês. O interesse público tentou fazer prevalecer juros de 6% ao ano, através de medida provisória (ato de iniciativa do executivo) vendo, porém, barrada a sua pretensão via ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente pelo Supremo. Algumas decisões de nossos Tribunais, contudo, determinam que os juros compensatórios devam ser de 12% ao ano até a edição da medida provisória, passando então a 6% ao ano durante sua vigência, retornando a 12% a partir do julgamento da ADIN. Desconsideram o fato de que referida medida provisória, por força do disposto na Emenda Constitucional nº 32 nunca foram, tampouco irão à apreciação legislativa, por força da expressão: “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”. Na prática, significa dizer que, como não apreciadas até a data da publicação da Emenda, nunca serão revogadas nem sofrerão deliberação definitiva do Congresso Nacional. Pergunta-se: seria o caso de sofrer a Emenda Constitucional nº 32 de vício de inconstitucionalidade? Afinal, a Constituição Federal de 1988 não referendou o chamado decreto presidencial anteriormente existente... Caso ainda mais curioso é dos juros moratórios no âmbito das desapropriações. O artigo 15-B do Decreto-Lei 3365/41 tem a seguinte redação: “nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001). Ora, se na fase judicial da desapropriação, discute-se o preço, o valor indenizatório, qual seria o dia 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ter sido feito? Ainda que se afaste a discussão acerca da constitucionalidade da Emenda 32, na parte em que trata de medidas provisórias anteriores à sua promulgação, o fato é que a expressão “a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito” surgiu no âmbito das discussões acerca do pagamento de precatórios adicionais. Como o Brasil vivia épocas de inflação galopante e os precatórios judiciais eram pagos sempre tardiamente, como até hoje o são, os precatórios adicionais sucediam-se, fazendo incidir juros de mora a partir do dia seguinte ao termo final dos cálculos que fundamentavam o precatório anterior. Acertadamente, as fazendas públicas desenvolveram a tese de que, no período entre 1º de julho de determinado exercício (prazo fatal para a inscrição orçamentária) e 31 de dezembro do exercício seguinte (prazo final para o pagamento do valor orçado) não se encontravam em mora, e, portanto, os juros moratórios seriam devidos apenas “a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito”. Como tal expressão veio aparecer na Lei das Desapropriações é um mistério. Muito mais justo o critério anterior, que fixava o termo inicial dos juros de mora “a partir do trânsito em julgado”. Evidentemente, após o trânsito em julgado, havendo decisão definitiva, a demora no pagamento não se justifica e assim, a fluência dos juros moratórios a partir daí é plenamente justificável, até porque nas desapropriações, o citado é o proprietário do imóvel, o credor do valor indenizatório e não o contrário. Já a expressão do artigo 15-B do Decreto-Lei 3365/41 remete o termo inicial dos juros moratórios às inteligências individuais, o que, com todas as escusas, é inadmissível em termos atuais.