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A VIRADA PRÁTICA NA PESQUISA TEATRAL

DAVID WHITTON (Lancaster) 1

Tradução: George Mascarenhas

Em todos os domínios da linguagem, as décadas recentes presenciaram


movimentos para reavaliar os papéis e possíveis interações entre os tipos de
conhecimento validados pela pesquisa acadêmica e formas de conhecimento
adquiridos através da experiência prática. Em um largo espectro de disciplinas,
as epistemologias positivistas, que sustentam que o conhecimento só é
admissível como conhecimento se estiver fundado na evidência empírica,
racionalmente analisada, têm sido desafiadas - não necessariamente para
serem substituídas, mas para assegurar a equivalência de outras categorias de
conhecimento. Os novos paradigmas epistemológicos – referidos de modo
diverso como pesquisa-açãoi, práticas reflexivas, reflexão-em-ação,
conhecimento corporificado, conhecimento tácito - reconhecem que os
praticantes experientes em qualquer campo possuem conhecimento que pode
não ser convencionalmente articulado. Eles afirmam que a prática não é
meramente a aplicação de conhecimento teórico para fins instrumentais (sua
função tradicional na epistemologia positivista), mas uma forma de
conhecimento em si mesmo, um conhecimento que pode ser chamado de arte,
intuição criatividade ou habilidade, termos que denotam um tipo de
conhecimento que não deriva de uma operação cognitiva anterior. A dimensão
em que tais epistemologias adquiriram legitimidade na pesquisa e ensino da
medicina, educação, arquitetura, administração, entre outras é evidente na
proliferação de títulos de periódicos de editores acadêmicos batizados com
termos práticos: Action Learning: Research and Practice (Taylor & Francis),
Action Research (Sage), Action Research International, (SCIAR), Educational
Action Research (Taylor & Francis), Psychodynamic Practice (Taylor &
Francis), Journal of Media Practice (Intellect), etc.

1
WHITTON, David. The practical turn in theatre research. Journal of Korean Theatre Studies Association, Vol. 33, p.
267-314, 2007.Disponivel em: https://periodicals.narr.de/index.php/forum_modernes_theater/article/download/840/818
Acesso em 04/08/2018
Inevitavelmente, esse desenvolvimento é inseparável dos caminhos nos
quais a produção e a transmissão de conhecimento estão organizados nas
instituições. Qualquer mudança no valor percebido de uma categoria particular
de conhecimento implica em uma mudança no status daqueles que o
produzem. Todas as disciplinas tradicionais são ensinadas em contextos
institucionais nos quais os produtores de conhecimento „puro‟ (o núcleo de
“verdades” disciplinares) gozam historicamente de um status superior ao
daqueles que o aplicam instrumentalmente. Na medicina, por exemplo, o
currículo não é organizado apenas seqüencialmente (da pré-clínica para a
clínica), mas também desenvolvido em espaços com conhecimentos nucleares
próprios (química, anatomia, fisiologia etc.), ensinados em escolas médicas
universitárias, e habilidades aplicadas, adquiridas nos hospitais-escola.
Estratificações similares são encontradas na matemática, nas engenharias, na
arquitetura e urbanismo, na psicoterapia, na administração, na educação etc.
Embora ramos puros e aplicados dos conteúdos possam ser ensinados em
uma única instituição ou em um único departamento, em todas essas
disciplinas, o conhecimento científico é visto como uma base disciplinar e sua
aquisição não apenas precede a aquisição dos conhecimentos adquiridos pela
prática, mas também são ensinados por um corpo docente distinto. A divisão
de trabalho que assegura esta organização é, ao mesmo tempo, uma
hierarquia de trabalho que, tacitamente, reflete a hierarquia das diferentes
categorias de conhecimento. Donald Schön, em seu trabalho clássico sobre
cognição, The Reflective Practitioner, descreve as Universidades como
“instituições comprometidas com uma epistemologia particular [a qual] estimula
a desatenção seletiva de competências práticas e da artesania profissional”II.
Sua descrição tem ressonância para os praticantes de muitos campos, além
das cinco profissões com as quais este estudo se preocupa.
Como o desenvolvimento descrito acima atua em nosso próprio campo?
Não menos do que as disciplinas mencionadas anteriormente, os estudos
teatrais se desenvolveram como uma comunidade dividida. Isso parece
paradoxal. A legitimação dos estudos teatrais como disciplina dentro das
humanidades dependia da aceitação do acontecimento cênico2 - ou seja, da

2
No original: performance. Optamos por “acontecimento cênico” ou “apresentações teatrais”, quando
for o caso, para evidenciar o fato de que o autor não se refere apenas à performance, como modo de
prática criativa, da aplicação da arte, da habilidade, do „conhecimento
corporificado‟ –, em vez da literatura dramática, como objeto válido de estudo.
Ainda assim, nos estudos acadêmicos do teatro, na maior parte do tempo, a
prática e a pesquisa coexistiram mais ou menos independentemente, no
máximo com indiferença, uma em relação à outra, e, no mínimo, em um estado
de antagonismo mútuo, e sempre em competição pelos recursos. É a isso que
Dwight Conquergood se referiu como “o apartheid do conhecimento que se
desenvolve na academia como a diferença entre pensar e fazer, interpretar e
realizar, conceitualização e criatividade”III. Gerações de acadêmicos e
pesquisadores consideraram estranha a sugestão de que pudessem ensinar
habilidades práticas de teatro. Alguns teóricos e historiadores até se
orgulharam de nunca terem ido ao teatro. Certamente, junto com observar e
analisar apresentações teatrais ou questionar artefatos materiais, documentos
e outras evidências utilizadas no acontecimento cênico, outros pesquisadores
de teatro se engajaram na prática com uma variedade de propósitos: explorar
as potencialidades de um texto, ou corporificar uma leitura textual particular
para testar a proposição teórica, ou talvez, mais difusamente, para adquirir uma
compreensão mais informada sobre o médium. Ou até para o divertimento. Na
pesquisa histórica teatral, a prática de “reconstrução” de apresentações teatrais
tem um lugar duradouro e contínuo como forma de verificar uma hipótese ou
como auxílio à imaginação histórica. Mas, raramente, até recentemente,
ninguém reivindicou o status de processo de pesquisa para um acontecimento
cênico criativo original.
O destaque atual dado a conceitos como prática como pesquisa,
IV
pesquisa-prática, pesquisa performativa, etc., desafia limites previamente
estabelecidos entre a prática e a pesquisa criativa nas artes criativas. Muitas
reivindicações vêm sendo feitas a seu favor. Kershaw and Piccini escrevem
que as disciplinas criativas e de artes cênicas, estão em um ponto crucial de
negociação que determinará o seu lugar e propósito nas universidades nas
V
décadas que virão. A “virada prática”, como eu chamo, reside na
reivindicação do trabalho criativo considerado como um processo de pesquisa
válido ou como resultado de pesquisa. A reivindicação de que a criatividade em

operação ou linguagem artística (Schechner), mas também a encenações, montagens, recriações de


espetáculos e criações cênicas diversas.
si se constitui como ferramenta investigativa e que o trabalho criativo se
constitui como resultado legítimo de pesquisa equivalente aos artigos e
monografias levanta um vasto número de questões concernentes à
epistemologia, documentação, disseminação e legitimação da pesquisa. É
comumente aceito que o propósito da pesquisa é contribuir para o
entendimento ou conhecimento original, mas a originalidade é a mesma coisa
em ambas as perspectivas, artística e de pesquisa? O que, de fato, é produto
de uma investigação conduzida através da prática: a obra-de-arte ou o
conhecimento que ela deriva? Como essas coisas são distinguíveis uma da
outra? E em que formas elas podem ser comunicadas para a comunidade
acadêmica? Há, assim, um número de problemas complexos levantados pela
ótica da prática como pesquisa. Atualmente, se por um lado seria complacente
pensar que respostas convincentes já foram formuladas para qualquer dessas
questões, o fato de serem perguntadas representa uma mudança radical no
panorama da pesquisa.
Vários fatores contribuíram para o reposicionamento da prática nos
estudos teatrais. A revolução epistemológica mencionada acima fornece um
contexto geral, mas no caso específico dos estudos teatrais, um impulso
particular parece ter sido o crescimento dos estudos da performance. Enquanto
as práticas criativas têm geralmente operado às margens dos estudos teatrais,
Schechner as situa no coração dos estudos da performance. Ele escreve:

A prática artística é uma parte importante do projeto de estudos


da performance. Um grande número de pesquisadores do
estudo da performance também são artistas praticantes,
trabalhando na vanguarda, nas performances comunitárias e
em outros lugares. Outros dominam uma variedade de formas
tradicionais ocidentais e não ocidentais. O relacionamento
vi
entre estudar performance e fazer performance é total.

Desde o início, os estudos da performance se desenvolveram de modo a


borrar a distinção entre o pesquisador e o praticante, por exemplo, através da
tendência de muitos teóricos da performance em favorecer a ação
intervencionista através do meio da performance, ou de outro modo, como é no
caso de Conquergood, de rejeitar a distinção completamente. De acordo com
Conquergood, “a divisão de trabalho entre a teoria e a prática, a abstração e a
corporificação, é uma escolha arbitrária e rígida e, como todos os binarismos,
vii
uma armadilha”. Em 1999, como chefe do departamento de estudos da
performance da Northwestern University, ele disse que:

O que é realmente radical no teatro, na performance e nos


estudos midiáticos da N.U. é que abarcamos AMBOS, a
pesquisa escrita E o trabalho criativo. Textos impressos são
importantes e poderosos demais para nós, para deixarmos de
lado essas formas de pesquisa. Mas não é o bastante. Nós
também nos engajamos no trabalho criativo que anda ao lado e
em tensão metonímica com a pesquisa convencional.
Pensamos que o trabalho prático e de performance são
complementares, não substitutos da pesquisa escrita. viii

Eu me pergunto quão radical essa posição realmente era em 1999, mas


vale a pena observar a ênfase pública que ele escolheu para fazê-lo. Mais
recentemente (2006), o web site dos estudos da performance da Northwestern
preferiu falar do seu compromisso histórico com a performance como um
método e também como objeto de pesquisa e afirmar:

Em meio à proliferação da teoria da performance em todos os


cantos da academia, o departamento permanece ancorado em
sua tradição de longa data de ver a performance como uma
prática e pedagogia experiencial, um modo corporificado de
conhecimento, e não apenas um conceito abstrato. ix

Agora, o artista-pesquisador está se tornando uma figura familiar


crescente nos departamentos de estudos teatrais também. Alguns acadêmicos
que ocupam postos universitários também trabalham no teatro profissional. De
modo inverso, artistas profissionais são cada vez mais empregados ou
patrocinados para desenvolver trabalhos criativos nas universidades. Claro, as
oportunidades para artistas criativos trabalharem em contextos institucionais
como artistas criativos já vêm sendo disponíveis, há muito tempo, na forma de
residências, com bolsas de agências de financiamento ou patrocinadores
privados. O que é novo é o enquadramento de seus projetos criativos como
pesquisa e a encomenda, pelas universidades e conselhos de pesquisa, de
pesquisas acadêmicas realizadas por artistas criativos. No Reino Unido, The
Arts and Humanities Research Council (AHRC) financia um programa para
reunir pesquisadores de universidades e artistas de centros criativos, ou para
trazer, para a academia, artistas considerados como “produtores de trabalhos
x
criativos originais”. Por exemplo, no programa do Fellowship in The Creative
and Performing Arts, o renomado dramaturgo Howard Brenton foi financiado
por três anos para trabalhar no departamento de drama e teatro da
Universidade de Birmingham. O projeto de Brenton (O dramaturgo e o Estado)
era investigar, da perspectiva de um dramaturgo profissional, a natureza do
drama político e o relacionamento entre o dramaturgo e o Estado em
momentos específicos do desenvolvimento do teatro ocidental. O processo
combinava pesquisa teórica e prática e resultou em um grande número de
resultados de pesquisa-prática e de prática como pesquisa. Eles variavam
desde uma série de “textos-laboratório” experimentais, usando o teatro como
laboratório para explorar o relacionamento entre os sistemas políticos e as
formas dramáticas, até formas mais tradicionais, incluindo um livro e uma série
de colóquios de pesquisa.
A abertura dessa via de mão dupla é, geralmente, vista como um
desenvolvimento positivo. No entanto, como Kershaw observou, “alguns
criticam aquilo que percebem como a colonização da academia de práticas de
performance e das problemáticas da economia de prática como pesquisa nas
universidades, argumentando que muito disso simplesmente não „funcionaria‟
xi
em um contexto industrial onde a economia governa a produção”. Em outros
lugares, argumenta-se que usar o termo „profissional‟ para identificar artistas
neste contexto, de fato, serve para “reforçar a divisão acadêmica/prática”. xii Ou
que o enquadramento da prática criativa como pesquisa problematiza a
criatividade de modos não desejáveis. Um artista-pesquisador sintetizou esta
ambivalência assim:

É como se houvesse uma mágoa, porque os artistas que


entram na academia normalmente em busca de uma renda
regular não podem mais simplesmente ser artistas e tendem a
aderir a uma série de regulamentos de pesquisa para que sua
prática artística seja qualificada como pesquisa prática. E ainda
assim, parece ser uma oportunidade extraordinária que os
artistas, ao entrar na academia, usem essas imposições da
Universidade como um meio de repensar muitos aspectos de
sua própria prática e, ao fazer isso, contribuir para o
desenvolvimento de idéias tanto dentro quanto fora da
academia. xiii

O apagamento da distinção aguda entre profissional e acadêmico,


então, não é desprovido de problemas, mas, sem dúvida, contribuiu para a
pressão de reavaliar o papel da prática criativa no ambiente de pesquisa.
O estímulo para empreender tal reavaliação é, certamente, mais do que
curiosidade desinteressada. Em parte, reflete uma luta para ganhar
reconhecimento institucional para um desenvolvimento de facto entre os
praticantes da disciplina. Ao mesmo tempo, reflete a pressão das disciplinas
das humanidades em demonstrar sua relevância na produção de riqueza. Há
claros incentivos políticos para que elas o façam, dada a importância
econômica das indústrias criativas nas economias pós-industriais. Os governos
de todos os lugares reconheceram o potencial das disciplinas criativas de arte
para gerar conhecimento gerador de riqueza e estabeleceram mecanismos
para assegurar sua transferência para o setor comercial. O dilema dos estudos
teatrais é que eles não podem se excluir de tais obrigações e oportunidades,
mas, se buscarem justificativas somente nesses termos, entrarão em um pacto
Faustiano.
No Reino Unido, onde a Prática como Pesquisa3 (PaR) ampliou os
propósitos da pesquisa de modo seguro nos últimos 20 anos, sua evolução
está intimamente conectada com as estruturas de financiamento e acesso à
pesquisa acadêmica. Se a discussão sobre PaR teve uma urgência maior no
Reino Unido do que em outros lugares, isso é parcialmente uma conseqüência
dos mecanismos fortemente intervencionistas de financiamento da pesquisa
avançada. De fato, não é coincidência que o debate acerca da PaR tenha

3
NT: No original, Practice as Research (PaR)
adquirido sua urgência atual quando os departamentos universitários
começaram a ser financiados através de processos seletivos, tornando
necessário o estabelecimento de critérios específicos da prática criativa que
poderia ser contada como pesquisa e como tais pesquisas poderiam ser
medidas qualitativamente.
Neste ponto, torna-se necessário falar um pouco mais sobre as
estruturas formais de avaliação e financiamento de pesquisa no Reino Unido.
xiv
Há um risco de parecer provinciano lidar com tais detalhes, mas é inevitável
porque os mecanismos de financiamento de pesquisa não apenas
subvencionam o contexto no qual o debate aconteceu, mas é também um dos
condutores principais do debate. Desde 1989, o periódico Research
Assessment Exercise (RAE) tem sido a maior liderança de estímulo às
definições formais do que, para propósitos institucionais, se constitui como
pesquisa. Usando tabelas e medidas de avaliação por pares o RAE tem a
tarefa de medir a qualidade e quantidade de resultados de pesquisa no domínio
público, departamento por departamento, em todos os assuntos, nas
universidades britânicas. Desde o início, era evidente para as disciplinas como
estudos teatrais, música e arte e design, que se todas as categorias de
professores/as ou departamentos não fossem excluídos a priori de um
reconhecimento e financiamento, então era necessário explorar modos nos
quais a prática pudesse estar qualificada para inclusão no RAE. Debates
similares foram desencadeados em todos os departamentos, já que cada
disciplina explorava os limites da pesquisa e de resultados aplicáveis dentro do
seu espectro disciplinar, mas as ansiedades eram mais aguçadas nas
disciplinas de artes criativas que têm a forte tradição de empregar
metodologias práticas em seu ensino. Nos estágios iniciais tentativos, de algum
modo, conforme explica Martin White, a discussão da prática centrava-se no
conceito de “equivalência de pesquisa” (i.e. a equivalência do trabalho prático
com a publicação). Isso claramente priorizava a escrita como meio dominante
de produção e disseminação. E, ao centrar-se no resultado da pesquisa, a
noção implícita (e mais radical) de que a experimentação prática que levou
àquele resultado representaria a base do processo de pesquisa, não era
largamente aceita nem compreendida. Em seguida, essa noção foi se tornando
central no debate contínuo.
O sucesso no RAE é crucial para a cultura da pesquisa nos
departamentos universitários britânicos, por razões tanto de status quanto de
reconhecimento, e também porque determina as alocações de verba que são a
principal fonte de suporte financeiro para a infra-estrutura de pesquisa no Reino
Unido. No entanto, quando os resultados do RAE de 1996 foram publicados,
havia uma suspeita largamente difundida de que a pesquisa baseada na
prática tinha sido avaliada de modo menos favorável do que a pesquisa
convencional. A pressão para que a disciplina estabelecesse uma base comum
nas questões de PaR, então, se intensificaram e, em preparação para o RAE
seguinte, a associação nacional de disciplinas de estudos teatrais fez uma
submissão formal dos critérios recomendados. Essencialmente (de novo
parafraseando White), a proposição indicava que, se por um lado, qualquer
prática criativa pudesse talvez ser qualificada como pesquisa, nem toda prática
criativa, apesar de possivelmente ter alta qualidade e ser derivada de tipos de
investigação intelectual seria automaticamente considerada como pesquisa nos
termos do RAE. Ao invés de buscar o impossível, tentando impor critérios
prescritivos para cobrir todos os casos possíveis, era atribuída ao pesquisador
a responsabilidade de justificar a sua prática como pesquisa. Para ser
considerado como pesquisa, o trabalho precisaria mostrar que poderia a)
interrogar-se criticamente, b) localizar-se dentro do contexto da pesquisa, c)
contribuir para a compreensão ou para conhecimento original e d) permitir o
surgimento de outras formas de discurso que permitissem sua disseminação.
Essa formulação permaneceu mais ou menos como base para os agentes
financiadores e conselhos de pesquisa, embora isso não queira dizer que fosse
automaticamente aceita pelos praticantes.
Mas se a qualidade do conteúdo da pesquisa seria avaliada, então,
como Martin White afirma:

modos através dos quais os projetos pudessem ser


„armazenados‟ e acessíveis para os propósitos de
disseminação ou avaliação tinham de ser desenvolvidos.
Inevitavelmente, isso levantou questões de documentação:
como a prática efêmera podia se manter como tal - ou talvez
como elemento-chave da pesquisa -, ao invés de ser
submetido a um meio impresso? Quais novas formas de
apresentação e disseminação, além do livro convencional ou
do artigo, precisavam ser desenvolvidas? Como um
pesquisador que trabalha com base na prática poderia alcançar
uma reputação internacional, aspecto central no sistema de
avaliação de pesquisa do Reino Unido?xv

Uma primeira sugestão era que a pesquisa de uma apresentação


cênica poderia gerar um dossiê no qual as fontes de pesquisa fossem
documentados e analisadas. Esta sugestão, no entanto, expunha o problema
de que o processo de documentar um projeto poderia potencialmente consumir
mais tempo e recursos do que o próprio projeto.
Em seguida, a atenção voltou-se para as mídias eletrônicas como os
DVDs. Isso só confundiu as coisas. Por um lado, isso aconteceu por causa da
problemática do relacionamento da reprodução eletrônica em relação à
xvi
apresentação ao vivo (como explorado anteriormente por Phelan e
Auslandxvii, dentre outros), o que levou a discussões infinitas - e nesse contexto
largamente irrelevantes - sobre as respectivas ontologias do acontecimento
cênico ao vivo ou midiatizado. Por outro lado, crescente tendência da
apresentação midiatizada de afirmar seu próprio status como meio criativo
gerou trabalhos experimentais, pagando o preço de criar uma confusão, ao
discutir se o resultante artefato devia ser considerado como gravação de um
documentário ou trabalho original em si mesmo.
Nem todos os artistas-pesquisadores reconhecem, de fato, a obrigação
de documentar seu trabalho ou até vêem nisso uma ameaça de eclipsar ou
deslocar o trabalho criativo. De acordo com um dos colaboradores de uma
discussão online no site de PaR, editada e publicada em 2003,

o papel da documentação pode ser indevidamente enfatizado


até o ponto em que a documentação, ao invés do trabalho
cênico ao vivo em si, possa ser visto como o primeiro modo de
disseminação. A melhor disseminação de PaR é mostrar o
trabalho tão amplamente quanto possível em sua forma original
ao vivo. xviii
Ainda assim, isso parece contradizer o ponto de vista comumente
adotado de que o resultado criativo ou a performance não pode se sustentar
em si mesmo como um registro do processo. Isso foi contraposto por outro
colaborador que afirmou que

O „problema da documentação‟ explorado por Aulander,


Phelan e outros é, na verdade, um pseudo problema.
Certamente, a documentação não é requerida para
„capturar o trabalho‟, mas para reportar criticamente sobre os
métodos e resultados. O problema, me parece, é realmente
como validar qualquer instância específica da prática como
pesquisa e então como avaliar essa prática em particular. [...]
Podemos ter um DVD absolutamente brilhante que documente
o processo de criar uma performance e criticamente reflita
aquele processo, sem prover nenhuma evidência de que o
processo era uma „pesquisa‟ (= nos deu novos insights). xix

Se houver, atualmente, qualquer coisa que se pareça com um consenso


sobre como reconhecer a prática como pesquisa, é na área do treinamento e
qualificação da pós-graduação. Isso é natural e inevitável, dado que os
programas de PhD geralmente têm enquadramentos reguladores que obrigam
as instituições a especificar quais são os resultados permitidos [nos programas
de pós-graduação], o que constitui a originalidade e assim por diante. A maioria
das universidades britânicas atualmente reconhece e dá suporte a programas
de pesquisa e de pós-graduação que incluem a pesquisa prática. Enquanto o
regulamento preciso varia de uma instituição para outra, uma indicação do que
constituiu a base comum de 2001 é mostrada pelo registro de uma organização
nacional de trabalhadores que reuniu representantes da música, drama, dança
xx
arte e design e escrita criativa. Algumas disciplinas, aparentemente, tinham
uma compreensão mais estabelecida da pesquisa prática e eram mais
confortáveis com a noção da equivalência de pesquisa com a prática. Na
música, por exemplo, havia pouca dificuldade em aceitar uma composição
como equivalente a resultados de pesquisa mais tradicionais, possivelmente
porque o método mais fixo de notação torna a composição mais estável e
acessível do que um acontecimento cênico. A coreografia parece ter adquirido
(ou estar adquirindo) um status parecido na dança. Deixando de lado
diferenças específicas de disciplinas, no entanto, havia uma concordância geral
de que o resultado criativo em si mesmo era muito provavelmente inaceitável
como resultado de um processo de pesquisa. Para cumprir os requisitos
nucleares de uma pesquisa de pós-graduação (i.e. “que deve demonstrar
independência e originalidade, deve ser conduzida sistematicamente e
apresentada de um modo que possa ser compreendido pelos pares e
recuperado por pesquisadores futuros)xxi, seria, muito provavelmente,
necessário envolver um aparato externo de reflexão crítica e documentação. O
componente escrito, concordava-se, “deveria ser mais do que um registro
factual, deveria definir alguma perspectiva crítica e intelectual e não apenas
„justificar‟ a prática”.xxii Outras questões abordadas incluíam a metodologia (por
exemplo, métodos para acompanhar e documentar a pesquisa), as implicações
do treinamento de pesquisa (já que os estudantes conduzindo pesquisa prática
requeriam habilidades particulares além daquelas necessárias para a pesquisa
tradicional) e para avaliação (usando novos modos de análise mais apropriados
para a pesquisa que estava sendo avaliada).
O pensamento recente no Reino Unido pode ser melhor representado
por uma investigação dos protocolos e normas que regulamentam os
doutorados de prática como pesquisa em 20 universidades britânicas, o que
resultou em guias que tratavam de aspectos como inscrições, orientações,
xxiii
tipos de projeto, procedimentos de defesa e critérios. Sob o título
“Abrangência e componentes do projeto”, por exemplo, o guia recomendava:

 A admissão da prática criativa em um doutorado com PaR está


baseada na noção de que as questões de pesquisa nas artes
cênicas podem ser rigorosamente trabalhadas através de uma
gama de práticas (das quais a escrita é apenas uma).
 Qualquer modelo prescritivo para criatividade e reflexão deve ser
evitado para permitir que os estudantes desenvolvam sua própria
praxis. A especificidade de cada projeto, sua abrangência e
definição de sua(s) apresentação(ões) examináveis em termos de
submissão ao doutoramento, devem ser estabelecidos nos
procedimentos de inscrição e admissão mencionados acima.
 O equilíbrio entre o resultado escrito e prático será determinado
pelos estudantes com os seus orientadores sob os auspícios dos
regulamentos da instituição em questão. Normalmente uma
submissão escrita de 40 mil palavras constituirá 50% do projeto e
haverá um mínimo de 20 mil palavras ou 25% do projeto.
 O componente prático deve demonstrar um alto nível de
habilidade na manipulação dos materiais de produção e envolver
uma problemática de pesquisa.
 O componente prático deve ser aceito como um processo
metodológico de investigação e um modo de disseminação da
pesquisa em si.
 O resultado contextualizará o projeto incluirá a análise
retrospectiva do processo e resultados, refletindo sobre as
metodologias de pesquisa e os processos de realização
escolhidos e a relação entre eles.

No item “Critérios”, o guia recomendava:

 Doutorados envolvendo PaR devem cumprir os critérios gerais


estabelecidos para “contribuir para o conhecimento” ou “oferecer
novos insights substanciais”. Em alguns casos, embora não em
todos, a prática em si pode ser original (no sentido de diferente
de qualquer coisa que tenha acontecido antes, mais do que um
sentido comum de produto da imaginação criativa do autor). Em
outras instâncias, o novo conhecimento ou os novos insights
substanciais serão fundamentados pelas idéias na prática (a
escrita sendo apenas uma das muitas práticas nesse contexto).
Assim como para os doutorados de outras disciplinas, incluindo
Ciências, Humanidades e Artes, o requisito é de uma
contribuição modesta, mas nova, para o conhecimento. Os
examinadores devem tomar cuidado para não exigir mais de
candidatos a doutorado com PaR, apenas porque PaR é um
fenômeno relativamente recente.

Apesar das referências feitas aqui a “novos insights”, o guia obviamente


encontra dificuldade em dizer onde é se situa a originalidade nos termos do
PaR. Os problemas que envolvem o tratamento da originalidade na arte e na
pesquisa como equivalente são amplamente reconhecidos se não resolvidos
em outras fontes. Kershaw escreve sobre a necessidade de definir
cuidadosamente “as diferenças entre a inovação estética e os usos de tais
inovações, colocados a serviço de agendas de pesquisa explícitas desenhadas
xxiv
para produzir novos conhecimentos ou insights”. A questão foi amplamente
discutida no simpósio Practice as Research in Performance (PARIP) que
aconteceu em 2001 na Bristol University. Angela Piccini relata a preocupação
de um grupo em manter a distinção entre a prática como pesquisa e a prática
artística. Enquanto artistas podem legitimamente permanecer inconscientes da
relação do seu trabalho com o contexto artístico mais amplo, foi considerado
primordial que os artistas-pesquisadores explicitamente identificassem e
justificassem suas contribuições para o conhecimento no campo. O grupo
argumentou que a prática como pesquisa deveria obedecer às normas de
pesquisa acadêmica nas quais a reivindicação do novo conhecimento se torna
explícita em um comentário ou resumo sustentado pelos aparatos acadêmicos
de bibliografia, resumo, revisão de literatura, citações, etc.xxv O grupo também
manteve a necessidade de que a pesquisa produza “um conjunto de dados
demonstráveis de pesquisa separáveis que podem ser abstraídos, não
xxvi
simplesmente aprisionados na experiência da performance”. Do mesmo
modo, o Council for Graduate Education do Reino Unido, em um relatório
separado sobre os doutorados baseados na prática, manteve que o resultado
criativo deve ter uma “perspectiva de pesquisa acadêmica” se for apresentado
como parte de uma inscrição de doutorado.xxvii A sugestão, outra vez, é de que
a produção reflexiva de conhecimento dentro de um contexto de pesquisa,
mais do que a inovação artística, é o que conta nesse contexto. Mas eles
foram adiante para sugerir
que o doutorado baseado na prática amplia o
conhecimento parcialmente através da prática. Uma obra
original/criativa é incluída e submetida ao exame de
doutoramento. Ele se distingue porque os aspectos
significantes das características doutorais de
originalidade, domínio e contribuições ao campo podem
ser demonstrados através de um trabalho criativo original.
xxviii

Em outros trechos, o relatório sustenta que a alta qualidade artística no


trabalho criativo constitui uma condição necessária, se não suficiente, para a
xxix
outorga do título de PhD. Não é surpreendente, então, que em sua
discussão da prática como pesquisa na dança, Anna Pakes observa: “Essa
ambigüidade da prática como pesquisa ter de demonstrar inovação artística ou
originalidade em termos cognitivos ainda precisa ser resolvida”.xxx
Enquanto as ansiedade mais agudas surgem em conexão com a prática
de performance contemporânea enquadrada como pesquisa, a pesquisa-
prática também desenvolveu uma significativa presença na historiografia
teatral. Há sempre um pequeno, mas dedicado, grupo de defensores da
reconstrução de espetáculos. De fato como Erika Fischer-Lichte nos diz,
algumas das primeiras pesquisas sob o rótulo disciplinar de Theaterwissenshaft
xxxi
(estudos teatrais) assumiu precisamente essa forma. Esse foi o trabalho
desenvolvido na Alemanha por Max Hermann no início do século XX. Tendo
localizado a especificidade do teatro no que pode agora ser chamado
“acontecimento” com toda a efemeridade implicada, Hermann teve de
confrontar o problema de que o objeto de pesquisa nunca pode estar presente
para o pesquisador. De acordo com isso, ele dedicou seus esforços para
reconstruções de espetáculos passados como meio de compensar essa
lacuna. Mas, segundo Érika Fischer- Lichte, “no início dos anos 1920, Hermann
se deu conta de que isso levava a um beco sem saída. Então, ele desistiu da
tentativa de reconstruir espetáculos do passado e restringiu seus esforços à
reconstrução de suas condições espaciais”. xxxii
O fracasso perceptível de Hermann não impediu que acadêmicos que
vieram depois reconstruíssem espetáculos passados, não necessariamente
com a expectativa de observar em condições laboratoriais a fagulha do teatro
vivo, mas, freqüentemente, com objetivos menos grandiosos e talvez mais
atingíveis. Nas décadas de 1960/1970 em Lancaster, Tom Lawrenson realizou
reconstruções tanto de espaços de representação históricos (como o do Hôtel
de Bourgogne do início do século XVII)xxxiii, quanto de produções referenciais
(como a adaptação de Madame Bovary de Gaston Baty de 1936)xxxiv. No
primeiro desses experimentos, o objetivo era aprender mais sobre como as
convenções cênicas de uma era diferente (neste caso, o décor simultânea), de
fato, funcionavam na prática. O segundo foi desenvolvido com o propósito de
experimentar (em oposição a intuir) como uma poética plástica altamente
distintiva se articulava no espaço e no tempo. Enquanto o trabalho laboratorial
desse tipo claramente tem utilidade para resolver questões específicas,
compreender práticas específicas ou até mesmo gerar insights inesperados, é
fácil sentir um sentimento de desapontamento com a desproporção na escala
entre esforço e resultados. Essa desvantagem é contraposta, em certa medida,
se em vez de servir para um único experimento, o espaço reconstruído da
representação se constitua como um recurso permanente, capaz de abrigar
diferentes tipos de pesquisa corporificada. Um projeto atual desse tipo é a
reconstrução em escala total feita por Martin White de um teatro interno do
período Jacobiano, para dar suporte à pesquisa das condições materiais da
representação profissional no início do século XVII do teatro inglês. The
Architectural Research Group, um setor do programa de pesquisa do
Shakespeare‟s Globe está, igualmente, desenvolvendo um projeto para
construir um teatro de Inigo Jones ao lado do mais conhecido teatro
reconstruído, The Globe, em Southwark, Londres.
O primeiro desafio envolvido em reconstruir espaços de representação
é como interpretar as evidências históricas. A reconstrução de espetáculos do
passado impõe uma série muito maior de desafios. Robert Sarlos, um dos mais
entusiasmados defensores da reconstrução de espetáculos vê, como primeira
utilidade, um auxílio para a imaginação histórica do pesquisador.
Argumentando a favor de uma abordagem que una as abordagens escolares e
criativas ele diz
Eu acredito firmemente que é do âmbito acadêmico - às
vezes trabalhando como artistas, às vezes com eles -
aprofundar a compreensão dos artistas e dos
espectadores sobre os elisabetanos e muitas outras eras
douradas do teatro. xxxv

Sarlos propõe que:

De posse de dados, o historiador deve, aproximadamente,


cruzar a estrada que foi seguida pelo grupo original de
artistas e criar um modelo espacial e temporal dinâmico,
em escala real (portanto quadridimensional). Não importa
que não seja uma réplica exata do trabalho original - ela
aproximará todos os participantes, inclusive os
espectadores, da realização sensorial do estilo e da
atmosfera, das dinâmicas físicas e emocionais do período
histórico, mais do que a simples leitura. xxxvi

O efeito da “realização sensorial” é potentíssimo quando a forma teatral


é mais distante das estéticas modernas. Um exemplo muito conhecido são as
montagens de Dunbar Ogden dos dramas musicais religiosos Ludus Danielis,
do século XII, que permitiram aos espectadores apreciar as qualidades
extraordinariamente emocionantes de uma das obras de arte mais bonitas da
Europa medieval. xxxvii
Contrariamente, claro, é precisamente em tais casos que a impressão
de realização sensorial pode ser também bastante enganosa. O obstáculo
necessariamente encontrado até pela mais brilhante reconstrução é a
impossibilidade de reconstruir públicos do passado. Ambos, Max Hermann,
abordando a questão como historiador teatral, e Nikolai Evreinov, abordando
como praticante progressivo (em seu Teatro Antigo), em algum momento
renunciaram às suas tentativas de recriar as dimensões experimentais de
espetáculos do passado. Confrontando essa dificuldade de frente, Gilli Bush-
Bailey assumiu uma abordagem contrária à pesquisa histórica corporificada.
Ela observa que:
A integridade da historiografia como prática de pesquisa
só pode ser minada por uma abordagem inevitavelmente
presentista de textos dramáticos historicamente distantes
e estilos de representação quando examinados em
experimentos modernos. xxxviii

A estratégia adotada para discutir essa dificuldade não era tentar


replicar o espírito da representação original, mas inscrever a consciência
historiográfica do pesquisador no espetáculo reconstruído. Então, ao pesquisar
os relacionamentos de trabalho entre atrizes e dramaturgas do século XVII, seu
espetáculo reconstruído (de She ventures and He wins, de Ariadne,
apresentada no teatro de Lincoln‟s Inn Fields, em 1695), colocou em cena os
elementos históricos como metateatro, especialmente desenvolvido para
explorar o contexto da primeira produção da peça e, deste modo,

combinar os elementos mais seguros das abordagens de


reconstrução de espetáculo com uma nova peça escrita
que incorporaria e demonstraria minha própria pesquisa
sobre as mulheres praticantes de teatro que criaram a
peça originalxxxix. Esse exemplo de pesquisa criativa
corporificada pode ser visto como uma resposta inovadora
ao chamado de uma historiografia feminista,
especificamente, que explorasse aspectos da teatralidade
passada que não podem ser simplesmente recuperadas
pela evidência documental convencional. XL

Conclusão

O termo prática como pesquisa abarca um grande número de


desenvolvimentos emergentes e ainda controversos. Dado o evidente estado
de fluxo, não há nenhuma conclusão que possa ser definida. No entanto,
muitas observações podem ser adiantadas como conclusões provisórias.
Primeiro, se aceitarmos - como certamente devemos - que todas as
performances constituem pesquisa de teatro, então, em última instância, não
há nada novo na prática como pesquisa, exceto o seu enquadramento como
pesquisa em termos que sejam aceitos pela academia. Como Maria Shevtsova
indica:
A pesquisa sobre o teatro, da qual a pesquisa acadêmica
é uma parte significativa, depende da pesquisa do teatro,
ou seja, dos seus praticantes. Raramente, senão nunca, a
pesquisa acadêmica é anterior ao trabalho dos
praticantes. XLI

Em segundo lugar, no entanto, o enquadramento da prática criativa


como pesquisa no sentido acadêmico, necessariamente envolve artistas-
pesquisadores em uma série de obrigações com a comunidade acadêmica que
não são requeridas para os artistas criativos. A prática como pesquisa pode
dificilmente se constituir em si mesma sem se tornar solipsista. O fato de que a
maior parte do material publicado envolvendo PaR se preocupa com o debate
das condições e conseqüências de sua validação pela academia, ao invés de
comunicar os insights específicos ou conhecimentos gerados por ela, é prova
de que atualmente essas obrigações ainda são uma fonte de tensão e sua
natureza ou é imperfeitamente compreendida ou contestada.
Em terceiro lugar, e de algum modo obviamente, se a virada prática de
fato constitui uma nova direção para a pesquisa acadêmica em teatro, o estado
atual da compreensão de suas possibilidades ainda está em um estágio de
tentativas. Ao tentar levantar o pequeno, mas crescente, corpus publicado
XLII
relacionado a PaR, encontram-se muito mais questões do que respostas
precisas. Um grau de ceticismo é, portanto, adequado. No entanto, o número
de pós-graduandos atualmente trabalhando em projetos de pesquisa prática,
virtualmente garante que o campo continuará a crescer significativamente.
Parece vital continuar a fazer essas perguntas.
Finalmente, é evidente, a partir desse relato sumário, que em vez de
constituir uma metodologia identificável, a PaR de fato denota uma expansão
em múltiplas direções, simultaneamente, ou em outras palavras uma expansão
do leque de possibilidades abertas aos pesquisadores. Idealmente, a prática
como pesquisa seria entendida como uma opção dentre outras, uma
ferramenta a ser usada em combinação com outras da forma, do modo como
Schechner vez falou, da necessidade de combinar aspectos do método
XLIII
científico com aqueles tradicionalmente intuitivos das Artes. A pesquisa
feminista corporificada de Gilli Bush-Bayley combinando elementos de
historiografia positiva, escrita criativa e performance, talvez sirva como
paradigma para uma metodologia que utiliza diferentes tipos de evidência e se
move entre múltiplos discursos. Parece definitivamente desejável que o recurso
da prática, tendo surgido de um gueto, deveria se tornar naturalizado nesta
forma, em vez de se confinar em outra.

Notas
i. Já em 1946, Lewin usou o termo “pesquisa-ação” para descrever um método
intencional para gerar conhecimento a partir da prática. Kurt Lewin, “Action
research and minority problems”, in: Journal of Social Issues, 2 (4),1946, pp.
34–46.
ii. Donald A Schön, The Reflective Practitioner, London 1983, p. vii.
iii. De uma palestra na conferência „Cultural Intersections‟ Northwestern
University, 1999. Reproduzido no livro de Richard Schechner, Performance
Studies. An introduction, London 2002, p. 18.
iv. Baz Kershaw – não sem problemas – faz uma distinção entre pesquisa prática
e prática como pesquisa nos seguintes termos: “Eu uso „pesquisa prática‟ para
me referir a pesquisa através da prática performativa ao vivo, para determinar
como e em que ela pode contribuir para os caminhos de um novo
conhecimento ou insight em campos de estudo outros que não o da
performance. Portanto, a pesquisa prática pode ser desenvolvida com muitos
propósitos – histórico, político, estético, etc. - e, então, os pesquisadores não
precisam ser acadêmicos de teatro. Por prática como pesquisa eu me refiro a
pesquisa da prática cênico-performativa, para determinar como essa prática
pode desenvolver novos insights ou conhecimento sobre as formas, gêneros,
usos, etc., da própria performance, por exemplo, com relação a sua relevância
a processos culturais e sociais mais amplos” (Baz Kershaw, “Performance,
memory, heritage, history, spectacle – The Iron Ship”, in: Studies in Theatre
and Performance, 21 (3), pp. 132–149).
v. Angela Piccini/Baz Kershaw, “Practice as Research in Performance: from
epistemology to evaluation”, in: Journal of Media Practice, 4 (2), 2003, p. 114.
vi. Schechner, Performance Studies. An introduction, p. 1.
vii. Citado em Schechner, Performance Studies, p. 18.
viii. Schechner, Performance Studies, p. 18.
ix. http://www.communication.northwestern.edu/performancestudies/graduate/,
Acesso em 21.7.06.
x. http://www.ahrb.ac.uk/news/news_pr/2005/research_in_practice.asp, Acesso
em 21.7.06.
xi. Piccini/Kershaw, “Practice as research”, p. 119.
xii. Studies in Theatre and Performance, 22 (3), p. 162.
xiii. Studies in Theatre and Performance, 22 (3),p. 133.
xiv. Estes aspectos foram prescritos em sucessivas publicações oficiais do
Conselho de financiamento da Educação Superior na Inglaterra. Martin White
resumiu o processo histórico no texto Practice-based Research in the UK – an
overview”, apresentado na conferência da American Society for Theatre
Research New York 2000 (unpublished). Eu agradeço a Martin White por
permitir-me referir a este trabalho no relato das discussões referentes ao RAE
entre 1992 e 2000.
xv. White, “Practice-based Research”.
xvi. Peggy Phelan, Unmarked: the Politics of Performance, London 1993, Chapter
7: “The ontology of performance: representation without reproduction”.
xvii. Philip Auslander, “Against ontology: making distinctions between the live and
the mediatised”, in: Performance Research 2 (3), pp. 50–55.
xviii. Peter Thomson (compiler), “Notes and Queries: Practice as research”, in:
Studies in Theatre and Performance, 22 (3), 2003, p. 165.
xix. Thompson, “Notes and Queries”, pp. 161–162.
xx. UK Council for Graduate Education, Research Training in the Creative &
Performing Arts & design, Coventry 2001
(http://www.ukcge.ac.uk/NR/rdonlyres/07850CCD-371A-46CD-976A-
27817FD007EB/0/CreativePerformingArts2001.pdf, Consulted 5.11.07).
xxi. UK Council for Graduate Education, Research Training, p. 16.
xxii. UK Council for Graduate Education, Research Training, pp. 16–17.
xxiii. Robin Nelson/Stuart Andrews, “The regulations and protocols governing
„Practice as Research‟ (PaR) in the performing arts in the UK leading to the
award of PhD”, http://www.bris.ac.uk/parip/par_phd.htm, Acesso em 21.7.06
xxiv. Baz Kershaw, “Performance, memory, heritage, history, spectacle – The Iron
Ship”, in: Studies in Theatre and Performance, 21 (3), p. 146.
xxv. Angela Piccini, “An Historiographic Perspective on Practice as Research”,
http://www.bris.ac.uk/parip/t ap.doc, Consulted 21.7.06.
xxvi. Piccini, “An Historiographic Perspective”.
xxvii. UK Council for Graduate Education (UKCGE), Practice-based Doctorates in the
Creative and Performing Arts and Design,Coventry 1997
ttp://www.ukcge.ac.uk/NR/rdonlyres/CD25644D-0D5A-41DA-8CC4-
EFADA55DB31/0/PracticebaseddoctoratesArts1997.pdf, Consulted 9.11.07).
xxviii. UK Council for Graduate Education(UKCGE), Practice-based Doctorates, p. 14.
xxix. UK Council for Graduate Education (UKCGE), Practice-based Doctorates, p. 9.
xxx. Anna Pakes, “Original embodied knowledge: the epistemology of the new in
dance practice as research”, in: Research in Dance Education, 4, 2 (2003), p.
132.
xxxi. Erika Fischer-Lichte, “From text to performance. The rise of theatre studies as
a discipline in German”, in: Theatre Research International, 24, 2, pp. 168–178.
xxxii. Fischer-Lichte, “From text to performance”, p. 173.
xxxiii. C.M Fogarty/Tom Lawrenson, “The lessons of the reconstructed performance”,
Theatre Survey, 22, pp. 141–159.
xxxiv. Tom Lawrenson, “Madame Bovary: essai de reconstitution”, in: Theatre
Research/Recherches Théâtrales, 13, p. 155.
xxxv. Tom Postlewait/Bruce McConachie (eds),Interpreting the theatrical past: essays
in the historiography of performance, Iowa City 1989, p. 203.
xxxvi. Postlewait/McConachie, Interpreting the theatrical past, p. 201.
xxxvii. For discussions of the modern performances, see Dunbar H. Ogden (ed.), The
Play of Daniel: Critical Essays, EDAM Monograph 24, 1997.
xxxviii. Gillie Bush-Bailey, “Putting it into practice. The possibilities and problems of
practical research for the theatre historian”, in: Contemporary Theatre Review,
12, 4 (2002), pp. 77–96.
xxxix. Bush-Bailey, “Putting it into practice”, p. 83.
xl. Tracy C Davis, “Questions for a feminist methodology in theatre history”, in
Postlewait and McConachie, Interpreting the theatrical past, pp. 59–81.
xli. Maria Shevtsova, “Bells and alarm clocks: theatre and theatre research at the
millennium”, in: Theatre Research International, 24,1 (1999), p. 99.
xlii. V. Select Bibliography for Practice as Research in Performance
http://www.bris.ac.uk/parip/bib.htm, Consulted 21.7.06).
xliii. Richard Schechner, “Performance and the Social Sciences: Introduction”, in:
TDR, 17 (3), 1973.

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