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WHITTON, David. The practical turn in theatre research. Journal of Korean Theatre Studies Association, Vol. 33, p.
267-314, 2007.Disponivel em: https://periodicals.narr.de/index.php/forum_modernes_theater/article/download/840/818
Acesso em 04/08/2018
Inevitavelmente, esse desenvolvimento é inseparável dos caminhos nos
quais a produção e a transmissão de conhecimento estão organizados nas
instituições. Qualquer mudança no valor percebido de uma categoria particular
de conhecimento implica em uma mudança no status daqueles que o
produzem. Todas as disciplinas tradicionais são ensinadas em contextos
institucionais nos quais os produtores de conhecimento „puro‟ (o núcleo de
“verdades” disciplinares) gozam historicamente de um status superior ao
daqueles que o aplicam instrumentalmente. Na medicina, por exemplo, o
currículo não é organizado apenas seqüencialmente (da pré-clínica para a
clínica), mas também desenvolvido em espaços com conhecimentos nucleares
próprios (química, anatomia, fisiologia etc.), ensinados em escolas médicas
universitárias, e habilidades aplicadas, adquiridas nos hospitais-escola.
Estratificações similares são encontradas na matemática, nas engenharias, na
arquitetura e urbanismo, na psicoterapia, na administração, na educação etc.
Embora ramos puros e aplicados dos conteúdos possam ser ensinados em
uma única instituição ou em um único departamento, em todas essas
disciplinas, o conhecimento científico é visto como uma base disciplinar e sua
aquisição não apenas precede a aquisição dos conhecimentos adquiridos pela
prática, mas também são ensinados por um corpo docente distinto. A divisão
de trabalho que assegura esta organização é, ao mesmo tempo, uma
hierarquia de trabalho que, tacitamente, reflete a hierarquia das diferentes
categorias de conhecimento. Donald Schön, em seu trabalho clássico sobre
cognição, The Reflective Practitioner, descreve as Universidades como
“instituições comprometidas com uma epistemologia particular [a qual] estimula
a desatenção seletiva de competências práticas e da artesania profissional”II.
Sua descrição tem ressonância para os praticantes de muitos campos, além
das cinco profissões com as quais este estudo se preocupa.
Como o desenvolvimento descrito acima atua em nosso próprio campo?
Não menos do que as disciplinas mencionadas anteriormente, os estudos
teatrais se desenvolveram como uma comunidade dividida. Isso parece
paradoxal. A legitimação dos estudos teatrais como disciplina dentro das
humanidades dependia da aceitação do acontecimento cênico2 - ou seja, da
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No original: performance. Optamos por “acontecimento cênico” ou “apresentações teatrais”, quando
for o caso, para evidenciar o fato de que o autor não se refere apenas à performance, como modo de
prática criativa, da aplicação da arte, da habilidade, do „conhecimento
corporificado‟ –, em vez da literatura dramática, como objeto válido de estudo.
Ainda assim, nos estudos acadêmicos do teatro, na maior parte do tempo, a
prática e a pesquisa coexistiram mais ou menos independentemente, no
máximo com indiferença, uma em relação à outra, e, no mínimo, em um estado
de antagonismo mútuo, e sempre em competição pelos recursos. É a isso que
Dwight Conquergood se referiu como “o apartheid do conhecimento que se
desenvolve na academia como a diferença entre pensar e fazer, interpretar e
realizar, conceitualização e criatividade”III. Gerações de acadêmicos e
pesquisadores consideraram estranha a sugestão de que pudessem ensinar
habilidades práticas de teatro. Alguns teóricos e historiadores até se
orgulharam de nunca terem ido ao teatro. Certamente, junto com observar e
analisar apresentações teatrais ou questionar artefatos materiais, documentos
e outras evidências utilizadas no acontecimento cênico, outros pesquisadores
de teatro se engajaram na prática com uma variedade de propósitos: explorar
as potencialidades de um texto, ou corporificar uma leitura textual particular
para testar a proposição teórica, ou talvez, mais difusamente, para adquirir uma
compreensão mais informada sobre o médium. Ou até para o divertimento. Na
pesquisa histórica teatral, a prática de “reconstrução” de apresentações teatrais
tem um lugar duradouro e contínuo como forma de verificar uma hipótese ou
como auxílio à imaginação histórica. Mas, raramente, até recentemente,
ninguém reivindicou o status de processo de pesquisa para um acontecimento
cênico criativo original.
O destaque atual dado a conceitos como prática como pesquisa,
IV
pesquisa-prática, pesquisa performativa, etc., desafia limites previamente
estabelecidos entre a prática e a pesquisa criativa nas artes criativas. Muitas
reivindicações vêm sendo feitas a seu favor. Kershaw and Piccini escrevem
que as disciplinas criativas e de artes cênicas, estão em um ponto crucial de
negociação que determinará o seu lugar e propósito nas universidades nas
V
décadas que virão. A “virada prática”, como eu chamo, reside na
reivindicação do trabalho criativo considerado como um processo de pesquisa
válido ou como resultado de pesquisa. A reivindicação de que a criatividade em
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NT: No original, Practice as Research (PaR)
adquirido sua urgência atual quando os departamentos universitários
começaram a ser financiados através de processos seletivos, tornando
necessário o estabelecimento de critérios específicos da prática criativa que
poderia ser contada como pesquisa e como tais pesquisas poderiam ser
medidas qualitativamente.
Neste ponto, torna-se necessário falar um pouco mais sobre as
estruturas formais de avaliação e financiamento de pesquisa no Reino Unido.
xiv
Há um risco de parecer provinciano lidar com tais detalhes, mas é inevitável
porque os mecanismos de financiamento de pesquisa não apenas
subvencionam o contexto no qual o debate aconteceu, mas é também um dos
condutores principais do debate. Desde 1989, o periódico Research
Assessment Exercise (RAE) tem sido a maior liderança de estímulo às
definições formais do que, para propósitos institucionais, se constitui como
pesquisa. Usando tabelas e medidas de avaliação por pares o RAE tem a
tarefa de medir a qualidade e quantidade de resultados de pesquisa no domínio
público, departamento por departamento, em todos os assuntos, nas
universidades britânicas. Desde o início, era evidente para as disciplinas como
estudos teatrais, música e arte e design, que se todas as categorias de
professores/as ou departamentos não fossem excluídos a priori de um
reconhecimento e financiamento, então era necessário explorar modos nos
quais a prática pudesse estar qualificada para inclusão no RAE. Debates
similares foram desencadeados em todos os departamentos, já que cada
disciplina explorava os limites da pesquisa e de resultados aplicáveis dentro do
seu espectro disciplinar, mas as ansiedades eram mais aguçadas nas
disciplinas de artes criativas que têm a forte tradição de empregar
metodologias práticas em seu ensino. Nos estágios iniciais tentativos, de algum
modo, conforme explica Martin White, a discussão da prática centrava-se no
conceito de “equivalência de pesquisa” (i.e. a equivalência do trabalho prático
com a publicação). Isso claramente priorizava a escrita como meio dominante
de produção e disseminação. E, ao centrar-se no resultado da pesquisa, a
noção implícita (e mais radical) de que a experimentação prática que levou
àquele resultado representaria a base do processo de pesquisa, não era
largamente aceita nem compreendida. Em seguida, essa noção foi se tornando
central no debate contínuo.
O sucesso no RAE é crucial para a cultura da pesquisa nos
departamentos universitários britânicos, por razões tanto de status quanto de
reconhecimento, e também porque determina as alocações de verba que são a
principal fonte de suporte financeiro para a infra-estrutura de pesquisa no Reino
Unido. No entanto, quando os resultados do RAE de 1996 foram publicados,
havia uma suspeita largamente difundida de que a pesquisa baseada na
prática tinha sido avaliada de modo menos favorável do que a pesquisa
convencional. A pressão para que a disciplina estabelecesse uma base comum
nas questões de PaR, então, se intensificaram e, em preparação para o RAE
seguinte, a associação nacional de disciplinas de estudos teatrais fez uma
submissão formal dos critérios recomendados. Essencialmente (de novo
parafraseando White), a proposição indicava que, se por um lado, qualquer
prática criativa pudesse talvez ser qualificada como pesquisa, nem toda prática
criativa, apesar de possivelmente ter alta qualidade e ser derivada de tipos de
investigação intelectual seria automaticamente considerada como pesquisa nos
termos do RAE. Ao invés de buscar o impossível, tentando impor critérios
prescritivos para cobrir todos os casos possíveis, era atribuída ao pesquisador
a responsabilidade de justificar a sua prática como pesquisa. Para ser
considerado como pesquisa, o trabalho precisaria mostrar que poderia a)
interrogar-se criticamente, b) localizar-se dentro do contexto da pesquisa, c)
contribuir para a compreensão ou para conhecimento original e d) permitir o
surgimento de outras formas de discurso que permitissem sua disseminação.
Essa formulação permaneceu mais ou menos como base para os agentes
financiadores e conselhos de pesquisa, embora isso não queira dizer que fosse
automaticamente aceita pelos praticantes.
Mas se a qualidade do conteúdo da pesquisa seria avaliada, então,
como Martin White afirma:
Conclusão
Notas
i. Já em 1946, Lewin usou o termo “pesquisa-ação” para descrever um método
intencional para gerar conhecimento a partir da prática. Kurt Lewin, “Action
research and minority problems”, in: Journal of Social Issues, 2 (4),1946, pp.
34–46.
ii. Donald A Schön, The Reflective Practitioner, London 1983, p. vii.
iii. De uma palestra na conferência „Cultural Intersections‟ Northwestern
University, 1999. Reproduzido no livro de Richard Schechner, Performance
Studies. An introduction, London 2002, p. 18.
iv. Baz Kershaw – não sem problemas – faz uma distinção entre pesquisa prática
e prática como pesquisa nos seguintes termos: “Eu uso „pesquisa prática‟ para
me referir a pesquisa através da prática performativa ao vivo, para determinar
como e em que ela pode contribuir para os caminhos de um novo
conhecimento ou insight em campos de estudo outros que não o da
performance. Portanto, a pesquisa prática pode ser desenvolvida com muitos
propósitos – histórico, político, estético, etc. - e, então, os pesquisadores não
precisam ser acadêmicos de teatro. Por prática como pesquisa eu me refiro a
pesquisa da prática cênico-performativa, para determinar como essa prática
pode desenvolver novos insights ou conhecimento sobre as formas, gêneros,
usos, etc., da própria performance, por exemplo, com relação a sua relevância
a processos culturais e sociais mais amplos” (Baz Kershaw, “Performance,
memory, heritage, history, spectacle – The Iron Ship”, in: Studies in Theatre
and Performance, 21 (3), pp. 132–149).
v. Angela Piccini/Baz Kershaw, “Practice as Research in Performance: from
epistemology to evaluation”, in: Journal of Media Practice, 4 (2), 2003, p. 114.
vi. Schechner, Performance Studies. An introduction, p. 1.
vii. Citado em Schechner, Performance Studies, p. 18.
viii. Schechner, Performance Studies, p. 18.
ix. http://www.communication.northwestern.edu/performancestudies/graduate/,
Acesso em 21.7.06.
x. http://www.ahrb.ac.uk/news/news_pr/2005/research_in_practice.asp, Acesso
em 21.7.06.
xi. Piccini/Kershaw, “Practice as research”, p. 119.
xii. Studies in Theatre and Performance, 22 (3), p. 162.
xiii. Studies in Theatre and Performance, 22 (3),p. 133.
xiv. Estes aspectos foram prescritos em sucessivas publicações oficiais do
Conselho de financiamento da Educação Superior na Inglaterra. Martin White
resumiu o processo histórico no texto Practice-based Research in the UK – an
overview”, apresentado na conferência da American Society for Theatre
Research New York 2000 (unpublished). Eu agradeço a Martin White por
permitir-me referir a este trabalho no relato das discussões referentes ao RAE
entre 1992 e 2000.
xv. White, “Practice-based Research”.
xvi. Peggy Phelan, Unmarked: the Politics of Performance, London 1993, Chapter
7: “The ontology of performance: representation without reproduction”.
xvii. Philip Auslander, “Against ontology: making distinctions between the live and
the mediatised”, in: Performance Research 2 (3), pp. 50–55.
xviii. Peter Thomson (compiler), “Notes and Queries: Practice as research”, in:
Studies in Theatre and Performance, 22 (3), 2003, p. 165.
xix. Thompson, “Notes and Queries”, pp. 161–162.
xx. UK Council for Graduate Education, Research Training in the Creative &
Performing Arts & design, Coventry 2001
(http://www.ukcge.ac.uk/NR/rdonlyres/07850CCD-371A-46CD-976A-
27817FD007EB/0/CreativePerformingArts2001.pdf, Consulted 5.11.07).
xxi. UK Council for Graduate Education, Research Training, p. 16.
xxii. UK Council for Graduate Education, Research Training, pp. 16–17.
xxiii. Robin Nelson/Stuart Andrews, “The regulations and protocols governing
„Practice as Research‟ (PaR) in the performing arts in the UK leading to the
award of PhD”, http://www.bris.ac.uk/parip/par_phd.htm, Acesso em 21.7.06
xxiv. Baz Kershaw, “Performance, memory, heritage, history, spectacle – The Iron
Ship”, in: Studies in Theatre and Performance, 21 (3), p. 146.
xxv. Angela Piccini, “An Historiographic Perspective on Practice as Research”,
http://www.bris.ac.uk/parip/t ap.doc, Consulted 21.7.06.
xxvi. Piccini, “An Historiographic Perspective”.
xxvii. UK Council for Graduate Education (UKCGE), Practice-based Doctorates in the
Creative and Performing Arts and Design,Coventry 1997
ttp://www.ukcge.ac.uk/NR/rdonlyres/CD25644D-0D5A-41DA-8CC4-
EFADA55DB31/0/PracticebaseddoctoratesArts1997.pdf, Consulted 9.11.07).
xxviii. UK Council for Graduate Education(UKCGE), Practice-based Doctorates, p. 14.
xxix. UK Council for Graduate Education (UKCGE), Practice-based Doctorates, p. 9.
xxx. Anna Pakes, “Original embodied knowledge: the epistemology of the new in
dance practice as research”, in: Research in Dance Education, 4, 2 (2003), p.
132.
xxxi. Erika Fischer-Lichte, “From text to performance. The rise of theatre studies as
a discipline in German”, in: Theatre Research International, 24, 2, pp. 168–178.
xxxii. Fischer-Lichte, “From text to performance”, p. 173.
xxxiii. C.M Fogarty/Tom Lawrenson, “The lessons of the reconstructed performance”,
Theatre Survey, 22, pp. 141–159.
xxxiv. Tom Lawrenson, “Madame Bovary: essai de reconstitution”, in: Theatre
Research/Recherches Théâtrales, 13, p. 155.
xxxv. Tom Postlewait/Bruce McConachie (eds),Interpreting the theatrical past: essays
in the historiography of performance, Iowa City 1989, p. 203.
xxxvi. Postlewait/McConachie, Interpreting the theatrical past, p. 201.
xxxvii. For discussions of the modern performances, see Dunbar H. Ogden (ed.), The
Play of Daniel: Critical Essays, EDAM Monograph 24, 1997.
xxxviii. Gillie Bush-Bailey, “Putting it into practice. The possibilities and problems of
practical research for the theatre historian”, in: Contemporary Theatre Review,
12, 4 (2002), pp. 77–96.
xxxix. Bush-Bailey, “Putting it into practice”, p. 83.
xl. Tracy C Davis, “Questions for a feminist methodology in theatre history”, in
Postlewait and McConachie, Interpreting the theatrical past, pp. 59–81.
xli. Maria Shevtsova, “Bells and alarm clocks: theatre and theatre research at the
millennium”, in: Theatre Research International, 24,1 (1999), p. 99.
xlii. V. Select Bibliography for Practice as Research in Performance
http://www.bris.ac.uk/parip/bib.htm, Consulted 21.7.06).
xliii. Richard Schechner, “Performance and the Social Sciences: Introduction”, in:
TDR, 17 (3), 1973.